Iniciativa Latitude
Soluções Europeias para o Acesso ao Medicamento
Uma proposta para o posicionamento de Portugal no debate europeu
Introdução
O percurso efetuado pela Iniciativa Latitude contemplou uma análise de temas
relacionados com o acesso ao medicamento inovador, focada na realidade nacional.
Foram publicadas recomendações que, tendo em consideração boas práticas
implementadas em outros países europeus, procuram propor soluções adequadas à
realidade nacional, passíveis de serem implementadas no nosso país. São soluções de
base local para problemas com que nos deparamos em Portugal, no que respeita ao
acesso ao medicamento (e outras tecnologias em saúde), mas que, em muitos casos, são
comuns a outros Estados-Membros da União Europeia (UE).
No entanto, existe um conjunto de políticas e decisões que ultrapassa o domínio
nacional, mas que condiciona, por exemplo, o acesso da população Portuguesa ao
medicamento. De facto, verifica-se a existência de alguma iniquidade no acesso ao
medicamento na Europa, quando comparamos o que acontece no Norte, no Sul e no
Leste europeu.
O atual regime de fixação de preços – assente na denominada Referenciação
Internacional de Preços (RIP) – surge, como uma das barreiras importantes à equidade
de acesso na UE, suscetível de criar situações em que a própria coesão e solidariedade
instituídas nos tratados europeus podem ser postas em causa.
Considerou-se, assim, importante a elaboração de uma recomendação que reflita uma
visão concreta do que poderá constituir uma solução para este problema, susceptível de
ser apoiada pelas autoridades nacionais, no âmbito da discussão política europeia, para
minimizar os impactos negativos do atual sistema de RIP (sobre este sistema ver Quadro
1).
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A presente recomendação baseia-se num conjunto de premissas de boa política pública
assentes em: a) acesso atempado e equitativo a medicamentos para todos os doentes da
UE; b) controlo da despesa com medicamentos; c) recompensa à inovação num
enquadramento competitivo e dinâmico que fomente a I&D; d) transparência e
responsabilidade.
Cabe ainda salientar que embora o tema em análise, como, aliás, todo o enfoque da
Iniciativa Latitude, seja o medicamento, se reconhece que a prossecução da necessária
sustentabilidade dos sistemas de saúde europeus passa, necessariamente também, por
outras medidas que vão além do tratamento. Estratégias de prevenção da doença, ou a
introdução de mecanismos de promoção da eficiência e de controlo da despesa pública
surgem também como medidas essenciais.
A Referenciação Internacional de Preços é uma prática comum, há vários anos, no
seio da UE.
Na prática, a fixação do preço de novos medicamentos e a atualização (geralmente,
redução) do preço de medicamentos já comercializados é feita por referenciação aos
preços “oficiais” (i.e., disponíveis publicamente) do mesmo medicamento noutros
países. Normalmente, o preço de venda ao armazenista (PVA) é o preço utilizado como
referência.
Em Portugal, são selecionados como referência três países da UE que apresentem ou
um produto interno bruto per capita comparável em paridade de poder de compra ou
um nível de preços mais baixo, face a Portugal. Atualmente, os países que Portugal
referencia são Eslovénia, Espanha e França, tanto para a autorização dos preços dos
novos medicamentos, como para a revisão anual de preços dos medicamentos já
comercializados no mercado hospitalar e no mercado ambulatório (Portaria n.º 231A/2014, de 12 de novembro).
A utilização deste instrumento está a aumentar. A esmagadora maioria dos países
europeus utiliza a referenciação internacional de preços, incluindo um número
alargado de países, no denonimado reference basket (conjunto de países que servem
como referência). Para além disso, cada vez mais países têm vindo a adoptar modelos
de referenciação internacional ao preço mais baixo do reference basket . Noutros casos,
é utilizada a média de um determinado número de países com os preços mais baixos.
Em Portugal, como em outros países europeus, têm-se verificado algumas situações
atribuídas, em parte, à aplicação deste modelo, nomeadamente, exportação paralela de
medicamentos e, por vezes, consequente, falta de medicamentos disponíveis nas
farmácias. Para limitar estes impactos negativos, as empresas procuram manter o
preço do mesmo medicamento, nos diferentes Estados-Membros, dentro de valores
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muito próximos, o que, por seu lado, poderá agravar a inequidade no acesso, face às
diferenças de capacidade para pagar dos vários países. Em casos mais extremos, pode
mesmo acontecer o não lançamento de um determinado medicamento num dado país,
devido ao baixo preço proposto em sede de negociação e à possibilidade de este servir,
posteriormente, de referência para o estabelecimento do preço noutros países.
Quadro 1 – Referenciação Internacional de Preços na União Europeia
Recomendação – Modelo de tiered pricing
Portugal deve apoiar uma solução europeia baseada na implementação de um modelo
de tiered pricing em que sejam criados grupos de países (clusters) agrupados por
critérios que tenham em consideração a capacidade de cada Estado para pagar por
medicamentos, em particular os inovadores.
A referenciação deve continuar a ser o modelo de determinação do preço do
medicamento dentro de cada grupo, aplicada apenas entre os países incluídos no mesmo
cluster. Mantém-se, nesta proposta, a soberania do Estado na definição e discussão do
conjunto de países que pretende referenciar, mas dentro de um grupo de Estados que se
aproximam da sua realidade económica e social.
Introduz-se, assim, um conceito de solidariedade onde os grupos de países com maior
capacidade económica aceitam pagar um determinado preço (mais elevado) pelos
medicamentos, permitindo que outros clusters possam situar-se em patamares de preço
mais baixos, não comprometendo, assim, o acesso aos medicamentos pelas suas
populações, nem a sustentabilidade dos sistemas saúde, nos Estados com menor
capacidade para pagar por medicamentos. O grupo sublinhou que a criação destes
clusters não pretende de nenhuma forma rotular os Estados que os compõem, apenas
refletir uma determinada condição que pode ser mutável (admite-se que a composição
dos clusters possa ser alterada, consoante a evolução dos indicadores económicos e
sociais dos Estados).
O caminho para a recomendação
A reflexão que se impôs no grupo de trabalho sobre esta matéria, assentou na convicção
de que, para o tema do acesso ao medicamento inovador na UE, é importante uma
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reflexão também ela europeia, semelhante à que é feita noutros fóruns, para outras
questões, como, por exemplo, o acesso à biotecnologia.
O modelo de tiered pricing recomendado assenta, desde logo, num conjunto de
premissas:
1 – O acesso ao medicamento inovador é essencial para a saúde das populações e para a
competitividade da economia. O desafio é encontrar um equilíbrio entre os interesses
dos vários intervenientes neste âmbito.
2 – O acesso ao medicamento por parte de todos os cidadãos é uma preocupação
partilhada.
3 – As práticas atuais relativas a preços e comparticipações (por exemplo a RIP) podem
desencorajar a diferenciação de preços. Tal pode conduzir, como refletido na Figura 1, à
falta de medicamentos nos países com preços mais baixos, à convergência para preços
elevados e/ou a um menor financiamento disponível para actividades de Investigação e
Desenvolvimento. 4 – O tiered pricing constitui uma possível solução para combater a
iniquidade no acesso ao medicamento no seio da UE, que deverá emergir como parte de
uma proposta sistémica para a Europa.
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Figura 1 – Consequências das práticas actuais relativas a preços
Estabelecer as bases para a criação de um modelo de Tiered Pricing
O Tiered Pricing é um modelo em que os preços dos medicamentos são fixados em
intervalos (tiers), aplicáveis a conjuntos de países com características semelhantes. A
criação de um modelo de Tiered Pricing parte da premissa de que os Estados aceitam
que a capacidade de pagamento de cada um deve ser reflectida no preço a pagar pelos
medicamentos em cada país.
Neste sentido, a criação de um modelo de Tiered Pricing passa, em primeiro lugar, pela
definição de clusters de países, tendo por base intervalos de PIB per capita (Figura 2). O
PIB per capita é identificado como um bom indicador da capacidade para pagar de cada
Estado, pelo que terá a legitimidade necessária para nortear a criação dos tiers e
correspondentes clusters de países, assim como a classificação dos países dentro dos
diferentes clusters. Alternativamente, pode ser apurado um índice que, tendo por base o
PIB per capita, proceda a um ajustamento em função da paridade de poder de compra ou
da despesa pública em saúde em percentagem do PIB.
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Figura 2 – Estabelecer uma base sólida para o tiered pricing
Para cada novo medicamento, a cada cluster seria atribuído um tier (intervalo) de
preços, podendo os preços dentro de cada tier flutuar dentro da correspondente banda
pré-definida (como indicado na Figura 3). Na definição dos limites de cada tier, para
além das diferenças inter-clusters de capacidade para pagar por medicamentos, deverão
também ser tidos em consideração os resultados da habitual avaliação económica.
Adicionalmente, poderão ainda ser considerados critérios de equidade e outros relativos
ao valor social do medicamento (e.g., critérios que discriminem positivamente
medicamentos destinados a doenças terminais, raras ou sem alternativa terapêutica).
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Figura 3 –Criar um sistema efectivo de diferenciação de preços
Criar um sistema efetivo de diferenciação de preços
O estabelecimento de tiers não deverá determinar, automaticamente, os preços a vigorar
em cada país, mas antes criar as bases para que, num intervalo de valores pré-definidos
(bandas), as negociações com a Indústria Farmacêutica se desenvolvam em condições
normais de mercado, estimulando a concorrência e seguindo princípios de
transparência e competitividade no financiamento e aquisição de medicamentos.
O funcionamento livre do mercado é essencial para que os preços venham a refletir as
diferenças entre os países de um mesmo cluster (correspondente a um determinado
tier), como sejam os diferentes sistemas de saúde, regulamentares e de comparticipação.
Dentro de cada tier, deverá ainda ser prevista a possibilidade de serem instituídos
mecanismos legais que fomentem a competitividade e confiram aos Estados formas
alternativas de negociação, com vista ao controlo da despesa e ao acesso alargado ao
medicamento inovador.
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Entre estes mecanismos inclui-se o Joint Procurement, que prevê a concertação dos
Estados para a negociação centralizada com a Indústria Farmacêutica. Numa Europa
com problemas de saúde e necessidades cada vez mais semelhantes de país para país,
como no caso do cancro, diabetes, obesidade, entre outros, a negociação centralizada de
preços de medicamentos surge como um instrumento de possível poupança adicional
para os Estados no cumprimento de uma efetiva estratégia europeia de saúde pública.
Num modelo que tenha por base uma lógica de clusters de países (a que correspondem
diferentes tiers), o entendimento, inerente a procedimentos de Joint Procurement, terá
que ser alcançado apenas dentro de cada cluster, ou seja, entre um número mais
reduzido de países, o que poderá facilitar e viabilizar a negociação centralizada.
Adicionalmente, a negociação centralizada, no âmbito de cada tier, alarga o número de
processos de negociação face à alternativa de negociação única a nível europeu,
reduzindo o risco de corrupção e potenciando a competitividade.
A implementação deste modelo não contraria os sistemas atuais de avaliação do
medicamento nem a capacidade de cada país para negociar e fixar preços.
Condições adicionais para o sucesso de um modelo de tiered pricing
Para garantir que são alcançados os efeitos pretendido com a implementação do modelo
proposto de referenciação de preços circunscrito a tiers e clusters de países, será
necessário, para além de regras claras e uma metologia robusta, que a informação sobre
os preços realmente praticados em cada país seja transparente e pública e que o modelo
seja adoptado por todos os países da UE.
Adicionalmente, a livre circulação de medicamentos só deverá ocorrer entre países do
cluster, pelo que será necessário estabelecer um carácter de exceção ao princípio da
livre circulação de mercadorias instituído no Tratado de Funcionamento da UE (cabe
referir que tal será possível se as ruturas de stock, atualmente frequentes nos países
com preços mais baixos, forem consideradas como constituindo um risco para a saúde
pública, uma das poucas situações excecionais em que os Estados-Membros podem
impor restrições à livre circulação de mercadorias). Sem este mecanismo de exceção um
modelo de tiered pricing não seria de todo viável, pois ao fixar preços diferenciados
promoveria o aumento das exportações paralelas e consequentemente, das ruturas de
stock nos países exportadores.
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Notas adicionais sobre as soluções europeias para o acesso ao medicamento
Adaptive Pathways Approach
A Adaptive Pathways Approach (anteriormente designada por Adaptive Licencing) é um
mecanismo destinado a melhorar o acesso dos doentes a novos medicamentos, num
processo colaborativo entre a Indústria farmacêutica, os doentes e os Estados. Este
mecanismo contempla quer uma aprovação regulamentar mais precoce (e.g. aprovação
condicional), quer uma aprovação inicial num subgrupo bem definido de doentes com
uma necessidade médica elevada (e consequente alargamento da indicação a um grupo
mais alargado de doentes). A aprovação regulamentar do medicamento ocorre, numa
primeira fase, em subpopulações bem definidas, com base em informação resultante das
fases mais precoces do ciclo de investigação do medicamento, que demonstre um rácio
claramente positivo entre risco e benefício. O objetivo é também reunir informação
acerca da efetividade do medicamento que permita reduzir as incertezas na população
com indicação para tratamento e investigar os benefícios potenciais noutras populações.
Este mecanismo, aprovado recentemente pela Agência Europeia do Medicamento
(EMA), encontra-se, atualmente, em fase piloto, podendo ser particularmente relevante
no caso de medicamentos com potencial para tratar doenças graves para as quais não
existe qualquer alternativa terapêutica, uma vez que pode reduzir o tempo para
aprovação ou comparticipação em grupos selecionados de doentes. No entanto, a
importância do acesso precoce do doente ao medicamento, tem que ser sempre debatida
e ponderada do ponto de vista ético, face à necessidade de informação adequada e
permanentemente atualizada sobre os benefícios e os riscos do medicamento.
Salienta-se, ainda, o facto de este mecanismo ter, como consequência inerente, a redução
dos custos de desenvolvimento de um medicamento, ao permitir que, em Fase 3, exista
uma partilha de custos entre a indústria e o Estado (por via de uma comparticipação
precoce em subgrupos populacionais selecionados). A implementação deste mecanismo
carece, pois, da implementação concomitante de modelos de partilha de risco.
A Adaptive Pathways Approach é uma realidade a acompanhar, embora se reconheça, à
partida, que poderá acarretar riscos, por um lado, em termos de segurança para os
doentes e, por outro, relacionados com a transferência de custos da indústria para os
Estados. Para além disso, poderão colocar-se desafios do foro ético, uma vez que poderá
dar-se o caso de serem introduzidos medicamentos no mercado, com eficácia entretanto
comprovada, mas para os quais os recursos públicos são insuficientes para garantir a
sua permanência no mercado ou alargamento da indicação, após o término do(s)
ensaio(s) clínico(s) subsequentes. Para obviar esta situação deverão ser garantidas as
condições para que, caso o medicamento não venha a ser plenamente introduzido no
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mercado, o acesso ao mesmo dos doentes já em tratamento fique salvaguardado. Por
outro lado, a participação de doentes neste mecanismo deve ser totalmente informada e
transparente.
Fundo Europeu para o financiamento do medicamento inovador nos EstadosMembros
Uma outra alternativa discutida para o acesso equitativo dos cidadãos europeus ao
medicamento inovador foi a criação de um fundo subsidiado pelos Estados-Membros
para financiamento destes medicamentos (ou, eventualmente, permitir o recurso a
fundos estruturais europeus para este fim). A compra dos medicamentos seria, depois,
negociada centralmente, garantindo condições de acesso semelhantes nos vários países.
Joint Procurement
Também aqui se levantaram algumas questões, nomeadamente, porque estes processos
de Joint Procurement encontram várias resistências associadas à perda de soberania dos
Estados, na tentativa da obtenção do acordo necessário entre vários países.
Outras considerações
É importante reforçar, ainda, a necessidade de concentrar esforços também no
financiamento do diagnóstico precoce e do combate à doença por via da prevenção,
onde também as soluções podem surgir por via da mutualização europeia. Cabe
sublinhar, contudo, o reconhecimento expresso sobre a heterogeneidade da Europa e a
visão que a cultura de cada país tem sobre a responsabilidade na doença, facto que
condiciona a decisão política sobre estas e outras matérias.
Participaram neste subgrupo temático: Ricardo Baptista Leite (coordenador), Alexandre
Quintanilha, João Pereira, Maria de Belém Roseira, Maria João Poole da Costa, Manuel
Sobrinho Simões e Sofia Crisóstomo.
Para saber mais sobre a Iniciativa Latitude e os temas em debate visite
www.iniciativalatitude.org.
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