A PRÁTICA DA LEITURA: UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA COM
FINALIDADE POLÍTICA DA AÇÃO EDUCATIVA
PAULO EMÍLIO DE ASSIS SANTANA (FECILCAM).
Resumo
O presente artigo apresenta a questão da leitura como definição para o sentido da
prática pedagógica dos educadores na escola. Aborda o fato de que tal prática
constitui–se como elemento fundamental para contribuir com o pensamento crítico
dos educandos. Discorre também sobre a importância da prática da leitura por
parte dos educadores como forma de promover o processo de emancipação política
dos educandos. Pretende, ainda, estimular os professores a aplicar a leitura como
finalidade política, pois é necessário aprender a ler para aprender a pensar, criticar
e entender a realidade circundante. O autor destaca que a ausência de leitura entre
as classes menos favorecidas produz a falta de conhecimento e exclusão social, o
que torna a sociedade ainda mais excludente, com indivíduos alienados e incapazes
de pensar por si sós. Vale destacar que o presente trabalho tem, portanto, uma
intenção política definida, que tem como ponto de partida e de chegada a prática
social global entendendo a leitura como instrumento basilar à emancipação política
dos educandos. Desta maneira, inicialmente, apresenta–se a importância da leitura
na sociedade moderna, com a finalidade de fazer que com que as crianças
aprendam a pensar verdadeiramente para aprender a interpretar a realidade social
em que vivem. Em seguida, busca–se definir a interpretação da realidade como
elemento básico fundante para o desenvolvimento tanto acadêmico quanto político
dos estudantes. Ao final, o autor enfatiza que o ato de ler deve ser visto como uma
proposta política fundamental para os educadores comprometidos com a
transformação da sociedade em virtude de ser também uma estratégia de luta
vinculada a pratica pedagógica deles próprios.
Palavras-chave:
leitura, prática pedagógica, política.
Introdução
O entendimento do processo de escolarização no atual modelo de sociedade não
pode ser devidamente viabilizado sem que os educadores tenham uma concepção
correta, em termos políticos, da função da escola. Temos a convicção que esta
instituição não deve ser encarada como neutra e distanciada da realidade sócioeconômica e política que hoje a circunda. Assim, o processo de ensinoaprendizagem que se realiza na sala de aula não está dissociado dos aspectos
políticos e sociais que fazem parte da concretude que social.
A prática pedagógica hodierna tem, portanto, encontrado de forma constante um
duplo desafio diante de si que, muitas vezes, tem sido relegado: a educação escolar
a partir de um sentido político. É nesse contexto que o exercício da leitura, como
estratégia de aprendizagem dos alunos, precisa ser encarado como um passo em
direção ao processo de emancipação política da criança seja ela das classes
populares ou das classes favorecidas economicamente.
Assim, educar para a prática da leitura, além de uma ação pedagógica essencial
para a formação intelectual do ser humano, caracteriza-se, também, como uma
forma de elevar politicamente os alunos diante da sociedade. Portanto, será nessa
direção que o presente artigo caminhará: num primeiro momento vamos procurar
estabelecer as conexões necessárias entre o processo de escolarização e o atual
modelo de sociedade capitalista, com o objetivo de enfatizarmos que a prática da
leitura no processo didático-pedagógico dos professores não está dissociada da
realidade macro que determina em muitos sentidos aquilo que acontece na sala de
aula; num segundo momento vamos estabelecer a necessidade de o professor
como figura exemplar ter profundos vínculos com a leitura, para que ele sirva como
uma espécie de gatilho que dispare no seu aluno o gosto essencial pela leitura;
num terceiro momento discutiremos a escola como lócus fundamental, apesar de
não ser o único, para o desenvolvimento da leitura, o que a transforma em um
ambiente central para a apropriação do conhecimento científico acumulado
historicamente pelo conjunto da humanidade; em quarto lugar tornaremos evidente
o quão importante é que a prática da leitura seja incluída nas práticas curriculares
como elemento determinante para o processo de ensino-aprendizagem nos dias
contemporâneos.
1. O processo de escolarização e sua relação com a sociedade capitalista
Não faz parte dos interesses do presente artigo esgotar o tópico acima, entretanto,
sabemos que o desenvolvimento da temática que o orienta não será plenamente
efetivado sem nos determos, por pouco que seja, no entendimento das relações
políticas entre escola e sociedade. É basilar que os professores saibam estabelecer
as profundas relações entre escola e sociedade antes de prepararem as suas aulas
e de as ministrarem para os seus alunos. Sem essa compreensão seus conteúdos
serão vazios de uma formação mais ampla e emancipatória dos seus alunos.
Quando nos propomos a participar da educação escolar das próximas gerações uma
verdade concreta deve estar presente em nossas mentes: a escola não é uma
instituição neutra, uniforme e harmônica.
Conforme Rodrigues, "é mesmo indispensável que os educadores e o público em
geral percam a ingenuidade de encarar a escola como uma instituição inocente,
pairando acima do bem e do mal" (RODRIGUES, 1986: 67). Na concepção desse
autor a instituição escolar está permeada de conflitos que se cruzam por meio das
dimensões intelectual, ética e profissional, fazendo dela um campo de ação política,
onde vários interesses de classe lutam pelo poder hegemônico dela.
O entendimento das relações entre processo de escolarização e sociedade não será
plenamente compreendido sem a questão histórica relacionada ao déficit
educacional presente na atual sociedade. O processo de construção de um modelo
de escolarização dualizado encontra sua raiz na história do Brasil a partir da
reorganização educacional promovida por Gustavo Capanema em 1942. A
institucionalização do ensino industrial em paralelo com o ensino secundário e
comercial criou aquilo que os historiadores da educação brasileira costumam
chamar de dualismo educacional (GHIRALDELLI JR., 1990). Essa forma de
organização do processo educativo característica do Estado Novo, segundo o
Saviani (Saviani, 2007):
"Tinha caráter centralista, fortemente burocratizado; dualista, separando o ensino
secundário, destinado às classes condutoras, do ensino profissional, destinado ao
povo conduzido e concedendo apenas ao ramo secundário a prerrogativa de acesso
a qualquer carreira de nível superior; corporativista, pois vinculava estreitamente
cada ramo ou tipo de ensino às profissões e ofícios requeridos pela organização
social "(SAVIANI, 2007, p. 269)
Essa estratégia governamental produziu uma defasagem formativa e educacional
das classes desfavorecidas, gerando ,igualmente, a defasagem quanto à leitura
para os grupos sociais distanciados do poder econômico. A escola que se
caracterizou vinculada á estrutura produtiva do capitalismo recente que começava a
se instalar no Brasil, na década de 1930, tinha um caráter essencialmente
profissionalizante e necessário às classes desfavorecidas. Enquanto que, por outro
lado, a escola propedêutica preparada e estimulada pelo Estado às classes
favorecidas elevaria tais classes a outros níveis de educação. Assim se constituiu a
raiz do dualismo educacional tão característico à formação social brasileira, aspecto
que se mantém até os dias atuais como marca das relações entre educação e
sociedade. A leitura propedêutica, portanto, nesse contexto, se realizou, pelo
menos de maneira, propositiva, como um privilégio, para as crianças das camadas
favorecidas da sociedade, deixando para a grande maioria dos filhos das classes
trabalhadoras a possibilidade do aprendizado da leitura básica necessária à
ascensão social pela via do trabalho profissionalizante.
Os aspectos educativos e formativos que se processam no ambiente escolar, como
a prática da leitura, devem possibilitar a democratização do saber científico a todas
as crianças, colocando em suas mãos as ferramentas culturais necessárias ao seu
processo emancipatório. Nessa perspectiva, a prática leitura se insere como
fundamento imprescindível para a luta social que visa a transformação das
estruturas sociais impostas aos alunos das classes menos favorecidas. A leitura
como elemento essencial das práticas curriculares de todas as disciplinas básicas do
processo educativo de escolarização possibilitará a apropriação científica de um
saber essencial para a atuação dos educandos no ambiente do qual fazem parte.
Nesse contexto a escola deve ser percebida pelos educadores como a instância de
efetivação específica da ação pedagógica (OLIVEIRA, 1987). Não enxergar esta
perspectiva da ação docente é trabalhar dentro da escola apenas na ótica do
otimismo pedagógico e, portanto, sem uma concepção política da prática
educativa. O domínio da leitura por parte das crianças, especificamente daquelas
vinculadas às camadas sociais menos favorecidas, deve ser considerado por parte
dos professores como elemento central do saber escolar sistematizado, para que o
mesmo seja utilizado na prática social na qual elas estão inseridas.
2. A prática pedagógica da leitura dos professores como ponto de partida
para a leitura dos alunos
Certamente, não precisaríamos enfatizar a preponderância da figura do professor
para a formação intelectual dos seus alunos. A sua postura enquanto docente deve
ser o grande diferencial para gestar em seus alunos o desejo pelo saber
sistematizado no decorrer do processo de escolarização. A contribuição que cada
professor deve e pode dar no sentido de ampliar o gosto pela leitura nos alunos é
de suma importância. Entendemos como fundamental que os professores tornemse leitores profícuos para então compartilhar com seus alunos os segredos e frutos
que os mesmos podem alcançar por meio da leitura.
Talvez, alguns professores não tenham tido oportunidades de se tornar leitores na
sua fase de escolarização ou profissionalização. Outros fatores relacionados à
contemporaneidade, como, condições salariais ou de trabalho, falta de infraestrutura, pouco ou nenhum tempo para ler enquanto correm atrás das condições
materiais para a sua subsistência, contribuem negativamente para a má formação
do professor-leitor.
Na medida em que os professores vinculam os conhecimentos específicos de suas
disciplinas com as finalidades sociais e políticas mais amplas, as contribuições que
eles podem dar ao desenvolvimento pleno das capacidades dos seus alunos são de
certa forma, imprevisíveis e produtivas. Tais contribuições devem se utilizar da
leitura oral por parte dos professores de textos científicos e estratégicos que
vinculem os conteúdos formais aos conteúdos políticos e sociais presentes na
prática social global dos educandos.
Quando uma criança não encontra utilidade na leitura, o professor deve fornecerlhe outros exemplos e possibilidades de leituras. Quando uma criança não se
interessa pela leitura, é o professor quem deve criar situações mais envolventes, já
que muitas vezes o problema vem de dentro de casa, onde a criança não encontra
nos pais exemplos de leitores. Assim, "o próprio interesse e envolvimento do
professor com a leitura servem como modelo indispensável: ninguém ensina bem
uma criança a ler bem se não se interessa pela leitura" (BARBOSA, 1994: 138).
A leitura como elemento central da prática pedagógica tem a finalidade de fazer
com que a criança aprenda a pensar verdadeiramente para aprender a interpretar a
realidade social em que vive. Ler diariamente para os alunos é uma atividade
imprescindível para criar-se o hábito de leitura. A leitura só despertará interesse
quando interagir com o leitor, quando fizer sentido e trouxer conceitos que se
articule com as informações que já se tem e esta é uma das tarefas primordiais que
o professor tem ao preparar suas aulas. É acima de tudo, uma estratégia
metodológica com uma política dos educadores que queiram ir para além dos
métodos pedagógicos motivacionais. Ao comentar a importância que a leitura tem
para promover nos ouvintes reações responsivas de caráter ativo e produtivo
Bakhtin (Bakhtin, 2000) afirma:
"De fato, o ouvinte que recebe e compreende a significação (lingüística) de um
discurso adota simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude responsiva
ativa, (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é
prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte
torna-se locutor". (BAKHTIN, 2000, p. 290)
A formação ou educação de professores deve ser percebida como parte de um
projeto político fundamental para que todos possam repensar sua própria inserção
hoje na escola e na sociedade em que se produz e se reproduz as relações de
poder. Portanto, através dessas considerações pode-se entender o pensamento de
Giroux que vê os educadores como além de professores de sala de aula e mais
como intelectuais críticos. É neste sentido que Giroux (Giroux, 1997) cita Jerome
Bruner ao afirmar que:
Uma teoria de ensino é uma teoria política no sentido de que é proveniente de um
consenso em relação à distribuição de poder dentro da sociedade - quem será
educado e para cumprir que papéis? Exatamente no mesmo sentido, a teoria
pedagógica deve certamente originar-se de uma concepção de economia, pois onde
existe uma divisão do trabalho dentro da sociedade e uma troca de bens e serviços
por riqueza e prestígio, a forma como as pessoas são educadas, em que número e
com que limitações no uso de recursos são todas relevantes. O psicólogo ou
educador que formula uma teoria pedagógica sem considerar o ambiente político,
econômico e social do processo educacional corteja a trivialidade e merece ser
ignorado na comunidade e na sala de aula. (p. 63).
A prática pedagógica da leitura que não estimula a reflexão, a compreensão,
tornando passiva a atividade com o texto e que não provoca o aluno com atividades
instigantes, deixando de formar nestes uma atitude responsável e ativa, faz do
ambiente escolar um lugar de neutralidade e descolado das questões políticas,
sociais e econômicas necessárias ao processo formativo dos educandos. É nessa
perspectiva que podemos relacionar as palavras de Giroux (Giroux, 1997) sobre a
ação dos professores no ambiente escolar.
"Um ponto de partida para interrogar-se a função social dos professores enquanto
intelectuais é ver as escolas como locais econômicos, culturais e sociais que estão
inextricavelmente atrelados às questões de poder e controle. Isto significa que as
escolas fazem mais do que repassar de maneira objetiva um conjunto comum de
valores e conhecimento. Pelo contrário, as escolas são lugares que representam
formas de conhecimento, práticas de linguagem, relações e valores sociais que são
seleções e exclusões particulares da cultura mais ampla. Como tal as escolas
servem para introduzir e legitimar formas particulares de vida social. Mais do que
instituições objetivas, separadas da dinâmica da política e do poder, as escolas são,
de fato, esferas controversas que incorporam e expressam uma disputa acerca de
que formas de autoridade, tipos de conhecimento, formas de regulação moral e
versões do passado e futuro devem ser legitimadas e transmitidas aos estudantes".
(GIROUX, 1997, p. 162)
A idéia que defendemos no presente artigo é que os professores devem se
autoperceber como intelectuais, que, pelo seu trabalho, atuam na transformação
das consciências dos seus alunos e em direção as mudanças estruturais mais
profundas da sociedade a que pertencem. O trabalho intelectual da leitura com os
seus alunos pode fazer com que os professores tragam, por meio do texto lido e
interpretado, novos caminhos ainda não percebidos para questões desiguais tão
prementes no contexto da prática social global. Esta, certamente, pode ser uma
das direções mais corretas para a ação prática e transformadora da ação docente
em sala de aula. Conforme Ribeiro (Ribeiro, 1984):
"Essa finalidade para vir a ser concretizada exige, como já foi visto, o conhecimento
sobre essa realidade; exige ainda que esse conhecimento e essa finalidade venham
a ser domínio do conjunto de pessoas que com suas ações efetivas transformarão a
realidade objetiva. É necessário, pois o trabalho pedagógico, trabalho este que tem,
portanto, o seu lado intelectual (teórico) de transformação de consciências". (p. 51,
parênteses do autor).
3. A Importância da escola como local específico de aprendizado da leitura
Defender a escola como lugar de excelência do processo formativo e emancipatório
das crianças e, especificamente, das crianças pertencentes às camadas populares é
fundamental para a luta política mais ampla. Portanto, não devemos perder de
vista, enquanto professores, que apesar de a escola pública encontrar-se
degradada e, em muitos sentidos, sucateada, ela ainda se constitui num local de
crescimento para aqueles que não têm as condições materiais básicas de vida e,
portanto, alienados das grandes questões sociais, econômicas, políticas e culturais.
Ao fazer uma análise histórica sobre o surgimento da escola, Saviani (2008) vincula
tal surgimento com o interesse burguês de superar o antigo regime feudal que
aliava os anseios políticos e econômicos da nobreza e da Igreja Católica para
manter na ignorância grande parte da população pobre da Europa medieval. Assim
baseado nas conquistas políticas da Revolução Francesa, a burguesia propõe a
universalização do ensino para retirar os indivíduos da condição inferior de súditos
e transformá-los em cidadãos esclarecidos. Afirma Saviani (2006):
"Para superar a situação de opressão, própria do "Antigo Regime", e ascender a um
tipo de sociedade fundada no contrato social celebrado "livremente" entre os
indivíduos, era necessário vencer a barreira da ignorância. Só assim seria possível
transformar os súditos em cidadãos, isto é, em indivíduos livres porque
esclarecidos, ilustrados". (SAVIANI, 2006, p. 6)
Diante disso, surge, a escola "redimindo os homens de seu duplo pecado histórico:
a ignorância, miséria moral, e a opressão, miséria política". (Zanotti, apud, Saviani,
2008: 6). A escola, então, seria a cura para essa enfermidade: "A escola surge
como um antídoto à ignorância, logo, um instrumento para equacionar o problema
da marginalidade.". (Saviani, 2008: 6).
A escola, portanto, se constitui nas condições materiais estabelecidos pela cultura
moderna como um daqueles instrumentos que possibilitam a apreensão e o
exercício mais consciente das decisões e ações do indivíduo na sociedade. Assim,
os processos de promoção da aquisição sistemática daqueles conhecimentos
necessários ao homem se dão no ambiente escolar. A escola tem, dessa forma, a
função de transmitir às novas gerações tais conhecimentos. Ela deve organizar-se
de modo a garantir, desde muito cedo, para todos o acesso processual a eles. Ao
analisar a especificidade da função escolar, Klein (Klein, 2000) afirma:
"Cabe á escola, enquanto instância organizada pela sociedade como
especificamente destinada à transmissão do conhecimento científico, responder à
essa necessidade. E é fundamental que essa aquisição se realize na idade mais
tenra, para que os cidadãos possam usufruir o mais cedo possível das
possibilidades que lhes são oferecidas pelo domínio do conhecimento mais amplo".
(KLEIN, 2000, p. 17).
A educação escolar, portanto, não pode de maneira nenhuma ser relegada a um
segundo plano na vida formativa das crianças em idade escolar. Ela deve, pelo
contrário, ser considerada como elemento basilar para a compreensão crítica dos
aspectos envolvidos e exigidos pela sociedade contemporânea. A prática educativa
escolar deve ser concebida, nesse viés como uma atividade mediadora, ou seja,
"como um momento mais ou menos longo da vida do indivíduo (seus anos de
escolarização) pelo qual passa, a fim de adquirir as ferramentas culturais para sua
atuação nomeio social em que vai atuar" (OLIVEIRA, 1987: 7).
A leitura, portanto, nesse contexto cumpre uma função política determinante para a
prática pedagógica. Na medida em que ela se transforma em uma das estratégias
prioritárias dos professores em sala de aula, contribuirá de maneira específica para
a ampliação dos horizontes educacionais da própria escola. Os conteúdos
assimilados por meio das estratégias de leitura têm a capacidade de dar aos
educandos as condições teóricas de compreenderem as situações concretas
vivenciadas por eles em sua prática social global. Mais do que mera ‘passagem' ou
‘ponte', o processo de escolarização, tendo a leitura como uma de suas estratégias
mais contundentes, terá as condições materiais de influenciar a formação da
consciência crítica em relação ao mundo do qual o educado faz parte. É nessa
perspectiva que compreendemos Freire (Freire, 1997) ao afirmar que:
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta
não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se
prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura
crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. (p. 11).
4. A Inclusão da leitura nas práticas curriculares
O conceito de proposta curricular é um construto histórico que reflete as
transformações decorrentes da organização econômica, política e legal de uma
sociedade em um determinado momento. Ela implica que sua elaboração e prática
sejam concretizadas em processos educativos que correspondam às finalidades
socioeducativas derivadas da realidade social e do desenvolvimento científicotécnológico. (BRASIL, 1999: 19). Sendo assim, a leitura, como uma finalidade
socioeducativa, deveria ser inclusa e praticada nas escolas ou centros educacionais,
como meio de favorecer o pensamento crítico e despertar melhoria da civilidade
nos educandos.
Para facilitar a inclusão da leitura na prática curricular dos educadores, faz-se
necessário analisar e definir claramente a ação educativa, percebendo-a como uma
ação social, estabelecendo uma proposta curricular que considere as relações
escola-comunidade e o retrato cultural, produzindo, assim, uma prática educativa
articuladora da teoria com a prática, tendo o educando como sujeito do processo de
aprendizagem. A inserção da leitura no processo de desenvolvimento dos
educandos como cidadãos, demanda ações educativas considerando que a
escolarização constitui instrumento indispensável à construção da sociedade
democrática.
Nessa direção, a inclusão da leitura nas práticas curriculares deve acontecer,
contemplando fatores que impliquem em transformações sociais, qualificando
educandos à cidadãos conscientes de seus deveres e direitos, atendendo as
expectativas de cada um, tanto quanto aos anseios e carências destes. Compete,
então, aos sistemas de ensino, partindo da análise realizada sobre a inclusão da
leitura nas práticas curriculares, a elaboração de propostas pedagógicas concretas,
fazendo romper, assim, com os limites das práticas convencionais.
Considerações Finais
O sentido da prática pedagógica dos educadores em sala de aula tem como
elemento fundamental contribuir com o pensamento crítico dos educandos e
estimular a importância da prática da leitura por parte dos educadores como forma
de promover o processo de emancipação política dos educandos. Procuramos
discutir no presente artigo a leitura como prática social na vida de crianças, sendo
esta efetivada por meio de professores que além de educadores, são
essencialmente intelectuais comprometidos com a transformação política. Então, o
ato de ler deve ser visto como uma proposta política fundamental para os
educadores comprometidos com a transformação da sociedade em virtude de ser
também uma estratégia de luta vinculada a prática pedagógica deles próprios.
Por isto, fica claro que para situar a criança e a leitura na dimensão da busca de
novos caminhos de aprendizagem, o educador deve servir de exemplo, e fazer da
sua própria prática individual um modelo pedagógico para os seus alunos.
Analisamos que esta é uma das tarefas mais difíceis de todo o processo, já que
exige dos educadores uma prática que muitos não têm ou não podem ter em razão
das críticas exigências impostas pela luta pela sobrevivência. Fazer da leitura uma
ação prática exige tempo e postura formativa, algo que muitas vezes não faz parte
do caráter formativo na graduação dos futuros professores.
Consideramos, portanto, como elemento político e transformador a leitura em sala
de aula dos professores com os alunos e dos alunos entre eles mesmos. Deixamos
para futuros estudos a necessidade de aprofundar as idéias deste artigo dando
atenção mais estrita a um dos aspectos que julgamos de extrema necessidade para
a continuidade do presente trabalho, que é o valor da interpretação textual para a
emancipação política dos alunos. Por motivos de espaço não podemos nos deter
aqui no detalhamento dessa questão, ficando aberta a mesma para futuros
estudos.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail.
Fontes, 2000.
Estética da criação verbal.
3 ed.
São Paulo:
Martins
BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e leitura, 2 ed. São Paulo: Cortez,
1994.
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1984.
BRASIL. Ministério da Educação e Desporto. Educação de jovens e adultos.
Secretaria da Educação a Distância. Salto Para o Futuro. Brasília, 1999.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler, 33 ed. São Paulo: Cortez, 1997.
GIROUX, Henry A. Os Professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia
crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.
GHIRALDELLI. JR; Paulo. História da educação. São Paulo: Cortez, 1990.
KLEIN, Lígia Regina. Proposta político-pedagógica para o ensino fundamental
do Governo Popular do Mato Grosso do Sul, v. 4. SED/MS: mato Grosso do Sul,
2000.
MACIEL, Lizete Shizue Bomura & SHIGUNOV NETO, Alexandre. (Orgs.) Desatando
os nós da formação docente. Porto Alegre: Mediação, 2002.
OLIVEIRA, Betty. A prática social global como ponto de partida e de chegada
da prática educativa. Brasília: Em Aberto, 1987.
RIBEIRO, Maria Luiza Santos. A formação política do professor de 1º e 2º
graus. São Paulo: Cortez, 1984.
RODRIGUES, Neidson. Lições do príncipe e outras lições. São Paulo: Autores
Associados, 1986.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia, 40 ed. Campinas, SP: Autores
Associados, 2008.
________________. História das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas-SP:
Autores Associados, 2007.
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