Temperaturas Mínimas no Rio Grande do Sul. Parte I:
Distribuição Espacial e Dependência de Fatores Externos
Adriano Battisti, Bruno Vidaletti Brum, Otávio Costa Acevedo, Vagner Anabor, Marco
Aurélio Halmenschlager, Everson Dal Piva
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM – Avenida Roraima, 1000 – Cidade
Universitária – Camobi – Santa Maria – RS – Brasil, email: [email protected]
ABSTRACT: Minimum temperatures registered at 7 stations in Rio Grande do Sul along
2008 are analyzed. The stations cover a range of altitudes from 95 to 682 m. Two stations, 2km apart from each other at Santa Maria are also compared, showing that the minimum
temperatures may differ by as much as 2°C, but only when there are very weak winds. The
winds also play an important role on the overall differences among the stations. When strong
winds happen, the minimum temperatures seem to be controlled by the altitude, and approach
the adiabatic variation with height. With weak winds, on the other hand, local process, such as
cold-air pooling and surface disconnection from the upper levels become important. In this
case, stations located at places lower than its surroundings become appreciably colder. The
consequence of both processes is that lower stations, located at lower places than the
surroundings have more occurrences of extreme minimum temperature values.
Palavras-chave: Camada limite noturna, Rio Grande do Sul, Temperaturas mínimas.
1 – INTRODUÇÃO
A temperatura mínima é uma das variáveis meteorológicas mais relevantes para
diversas aplicações humanas. Processos como geada, nevoeiro e conforto térmico estão
diretamente associados a esta variável. Assim, seu conhecimento favorece o entendimento e a
previsão destes processos. Ao mesmo tempo, esta é também uma das variáveis de mais difícil
previsão com um bom nível de precisão. Os motivos para isto são muitos. Em primeiro lugar,
a temperatura mínima é um processo que depende intensamente dos processos de interação
entre a superfície e a atmosfera. Assim, características locais da superfície, como tipo de
cobertura, orografia e proximidade a obstáculos afetam de maneira significante esta variável
(Acevedo e Fitzjarrald, 2003). É comum observar que em uma região razoavelmente pequena,
de poucos quilômetros quadrados, a temperatura mínima apresente uma enorme variabilidade
espacial, com regiões mais altas e desprotegidas de obstáculos se mantendo mais quentes que
regiões baixas e abrigadas. Isso é explicado pelo fato do vento favorecer mistura durante a
noite, trazendo ar aquecido de níveis mais altos para junto à superfície. Por outro lado, quando
não há vento suficiente, o esfriamento superficial causa o desacoplamento entre a superfície e
os níveis superiores da atmosfera. A superfície, nesse caso, se resfria intensamente,
respondendo apenas a forçantes locais, pois não há mistura suficiente para conectá-la à
atmosfera superior, mais quente. McNider et al. (1995) mostraram que a conexão entre a
superfície e a atmosfera durante o período noturno é um processo com altíssima sensibilidade
às condições iniciais, no sentido em que a diferença entre o estado conectado e desconectado
pode ser causado por diferenças muito sutis de variáveis externas como o vento, levando, em
última instância a uma enorme diferença de estado final a partir de uma diferença bastante
pequena das condições iniciais. Por esses motivos, a previsão de temperatura mínima requer
uma boa previsão do tempo e, além disso, um preciso conhecimento de como ela é afetada
pelas demais variáveis meteorológicas.
Neste trabalho, analisamos a temperatura mínima em 6 municípios do estado do Rio
Grande do Sul. Com o objetivo de compreender a variabilidade desta variável em pequena
escala, a comparação é feita inicialmente para duas localidades distintas em Santa Maria, no
centro do estado. O controle exercido pelo vento e pela nebulosidade é analisado. Finalmente,
a mesma comparação é feita em relação a outras localidades, mais afastadas.
2 - MATERIAL E MÉTODOS
Utilizaram-se dados do ano de 2008 de 5 estações automáticas do INMET (Instituto
Nacional de Meteorologia), nos municípios de Caçapava, Cruz Alta, Santa Maria, São Gabriel
e Rio Pardo e 1 estação meteorológica do Laboratório de Micrometeorologia da UFSM, em
Veranópolis. A figura 1 mostra a localização destas estações. A partir desses dados, extraiu-se
a temperatura mínima, o vento na hora da mínima e o vento médio de cada dia. Devido ao
atraso de três horas em relação a Greenwich, calcularam-se as variáveis a partir dos valores
das 04 UTC (dados entre 03 e 04, correspondendo entre 00 e 01 local) do dia considerado às
03 UTC do próximo dia. No caso do período de horário de verão, das 03 às 02. Para a cidade
de Santa Maria, utilizou-se ainda de dados coletados pela estação da base aérea (BASM),
localizada a aproximadamente 2 km da estação do INMET. Também para a cidade de Santa
Maria, utilizaram-se dados de nebulosidade, obtidos na estação convencional do INMET. A
tabela 1 mostra a altitude de cada estação considerada (BASM similar à INMET).
Figura 1 – Localização das estações analisadas e topografia da região de estudo.
Tabela 1 – Altitude das estações
Estação
Altitude (m)
Caçapava
450
Cruz Alta
432
Santa Maria
95
São Gabriel
126
Rio Pardo
111
Veranópolis
682
3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO
A comparação entre as temperaturas mínimas observadas nas duas estações localizadas
em Santa Maria (INMET e BASM) mostra, a princípio, uma boa concordância entre os dois
valores (figura 2 à esquerda). Entretanto, há casos em que as temperaturas mínimas diferem
em até 2°C, sem aparente predomínio de uma ou outra como mais quente. Considerando a
proximidade de 2 km entre as estações que também estão localizadas em altitudes similares,
tais discrepâncias podem ser apreciadas em maiores detalhes. Os casos de maior diferença de
temperatura ocorrem nas noites de pouco vento (figura 2 à direita). Isto sugere que, nesses
casos, a desconexão entre a superfície e os níveis mais altos da atmosfera ocorreu, levando a
um controle local da temperatura e maior variabilidade observada. Semelhante análise
mostrou que a nebulosidade não exerce controle na diferença entre as temperaturas mínimas
observadas, para qualquer altura de nuvem.
Figura 2 – Comparação entre temperaturas mínimas observadas na estação do INMET e na
Base Aérea de Santa Maria (esquerda); diferença entre as temperaturas mínimas observadas
nas duas estações em função do vento observado no horário da temperatura mínima (direita).
As distribuições de frequências das temperaturas mínimas nas estações consideradas
(figura 3) mostram que, de forma geral, valores similares ocorrem em todo o estado do Rio
Grande do Sul. Entretanto, há detalhes interessantes que podem ser destacados. Os menores
valores de mínimas foram semelhantes na maioria das estações, pouco abaixo de 0°C. A
exceção é a estação de Caçapava do Sul, onde estes jamais ocorreram. Este resultado pode
parecer surpreendente, uma vez que esta estação se encontra na segunda maior altitude entre
as analisadas (tabela 1). Esta discrepância pode estar associada à localização específica da
estação, em uma área mais alta que seus arredores, de forma a manter o vento mais forte e,
consequentemente, prevenir o desacoplamento da superfície, impedindo maior resfriamento
noturno. Semelhante conclusão pode ser tomada a partir dos resultados de Veranópolis que,
apesar de registrar mínimas abaixo de 0°C, isto ocorre com uma frequência menor que se
poderia esperar em função de sua altitude. Além disso, estando a mais de 600 m em relação ao
nível do mar, se esperaria ocorrências de valores até 5°C abaixo dos registrados nas estações
mais baixas, de Santa Maria e São Gabriel, e isto não ocorre. A altitude maior de Veranópolis,
de fato, afeta os maiores valores de mínimas registrados. Nota-se que estas jamais excedem
20°C naquela cidade, enquanto que isto ocorre em todas as outras. Caçapava do Sul mostra
apenas poucas ocorrências de mínimas acima de 20°C, sugerindo que um processo
semelhante ocorre naquela cidade. As maiores amplitudes de mínimas são observadas em
Santa Maria e São Gabriel, cujas estações são mais baixas e em regiões mais baixas que os
arredores, favorecendo o acúmulo de ar frio no período noturno.
Usando a estação de Santa Maria como referência, analisamos agora as diferenças de
temperatura entre as estações (figura 4). Assim como ocorre localmente, entre estações
próximas (figura 2), a distribuição espacial das temperaturas mínimas em maior escala
também é explicada pela magnitude dos ventos e seus efeitos no estado de acoplamento entre
a superfície e a atmosfera.
Figura 3 – Distribuição de frequências das temperaturas mínimas nas 6 estações analisadas.
A diferença entre as mínimas em São Gabriel e Santa Maria (figura 4a) não apresenta
um padrão definido, e fica, na média, próxima a zero. Há uma pequena tendência, entretanto,
de que São Gabriel seja mais frio nos casos de vento fraco, com Santa Maria sendo mais
quente em condições de maior vento. A estação de São Gabriel localiza-se em uma depressão
relativamente maior que a de Santa Maria, de forma que há maior acúmulo de ar frio e
desacoplamento da atmosfera em noites de pouco vento. Para Rio Pardo (figura 4b), as
mínimas são semelhantes às de Santa Maria, apenas nas noites com bastante vento. Isso se
justifica pela altitude semelhante às estações. Por outro lado, em noites com pouco vento, o
acúmulo de ar frio é maior em Santa Maria que fica significativamente mais fria que Rio
Pardo. Esta estação se localiza um pouco mais alta que seus arredores, permitindo o
escoamento de ar frio nas noites de pouco vento. Em Cruz Alta (figura 4c), por outro lado, as
temperaturas são semelhantes às de Santa Maria nas noites de pouco vento. Isto ocorre
porque, nesses casos, há desacoplamento em Santa Maria, mas não em Cruz Alta. Já a
situação observada nas noites com vento, se aproxima do esperado em função da diferença de
altitude entre as estações. A maior diferença entre noites com e sem vento ocorre em
Caçapava do Sul (figura 4d), localizada em maior altitude que Santa Maria e mais alta que
seus arredores. Nas noites com vento, a diferença se aproxima do que se espera em função da
diferença de altitude entre as estações. A situação se inverte quando não há vento, de forma
que o resfriamento local em Santa Maria é tão expressivo que faz as mínimas neste local
ficarem, na média, abaixo das observadas em Caçapava do Sul. Finalmente, em Veranópolis
(figura 4e) ocorre um comportamento semelhante ao que acontece em Caçapava do Sul.
Entretanto, como, neste caso, a diferença entre as altitudes é maior, a estação de Santa Maria
não chega a se tornar mais fria que a de Veranópolis, na média para as noites com pouco
vento. Para estes casos, as mínimas são semelhantes entre as duas estações.
Figura 4. Diferença de temperaturas mínimas entre 5 estações, indicadas nos painéis, e os
valores observados em Santa Maria, em função do vento médio para 24 h, em Santa Maria.
Cada ponto representa uma média sobre 36 valores, e as barras verticais indicam o desvio
padrão em cada grupo de dados.
4 – CONCLUSÕES
As temperaturas mínimas tem uma grande dependência do estado de acoplamento entre
a superfície e a atmosfera, que fica evidenciada pelo papel do vento nas distribuições
observadas. De maneira geral, o vento modula a variabilidade das mínimas e este controle tem
grande relação com o relevo. Regiões mais altas que seus arredores tendem a se manter
misturadas durante toda a noite, o que evita grande queda de temperatura. Estas regiões, por
este motivo, observam menor amplitude de temperaturas mínimas. As regiões de baixada, que
desacoplam durante a noite esfriam mais nas noites calmas, causando uma maior variabilidade
das mínimas.
Na segunda parte deste estudo, analisamos a previsibilidade das mínimas e dos padrões
aqui observados, usando o modelo de mesoescala BRAMS.
5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACEVEDO, O. C.; FITZJARRALD, D. R. 2003. In the core of the night – effects of
intermittent mixing on a horizontally heterogeneous surface. Boundary-Layer Meteorology,
106: 1-33.
MCNIDER, R.T.; ENGLAND, D. E.; FRIEDMAN, M. J.; and SHI, X. 1995. Predictability of
the stable atmospheric boundary layer. J. Atmos. Sci., 52: 1602–1614.
6 – AGRADECIMENTOS
À Base Aérea de Santa Maria e ao INMET pelos dados fornecidos.
Download

Temperaturas Mínimas no Rio Grande do Sul. Parte I