ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA DO DEPÓSITO DE 30 % OU ARROLAMENTO DE BENS COMO CONDIÇÃO
PARA SEGUIMENTO DE RECURSO TRIBUTÁRIO À INSTÂNCIA SUPERIOR
Um dos grandes problemas enfrentados atualmente e que afugenta o contribuinte é a exigência de que para se
recorrer administrativamente à Instância Superior é necessário o depósito de 30% (trinta por cento) ou o
arrolamento de bens também equivalente a 30% do montante, como condição sine qua non para seguimento do
recurso se este vier a ser apresentado.
No entanto, essa exigência viola o direito líquido e certo para impetração do recurso por parte do contribuinte que
não apresentar condições econômicas suficientes, causando assim uma enorme afronta à Constituição Federal,
pois ignora os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos que estão amparados no artigo 5º da Constituição.
Para um melhor entendimento estes são os direitos afrontados:
1-) Princípio da Isonomia, art. 5º "caput";
2-) Direito de petição, art. 5º, XXXIV;
3-) Princípio do due process of law (devido processo legal), art. 5º, LIV;
4-) Princípio da ampla defesa, art. 5º, LV;
5-) A Proibição do solve et repet, Pacto de San Jose da Costa Rica, incorporado à Constituição Federal no art. 5º,
§ 2º; e por último
6-) Direito de Propriedade.
Com efeito, e ainda no mesmo caminho, se encontra o art. 151, III, do Código Tributário Nacional, que suspende
a exigibilidade do crédito tributário com a apresentação do recurso, artigo este que confronta diretamente com a
exigência do depósito ou arrolamento visto que essa exigência está no campo infraconstitucional pois foi instituída
por Medida Provisória. Vale lembrar novamente que o referido artigo tem o condão de suspender a exigibilidade
do crédito tributário.
Como é fatalmente observável, maior afronta não há do que um artigo do CTN, no caso o artigo 151, III, que tem
natureza de lei complementar, seja afrontado por Medida Provisória que exige a cobrança do depósito ou
arrolamento de bens para prosseguimento do recurso.
Neste sentido também se pronuncia o 1º Conselho de Contribuintes:
"A exigência de depósito como condicionante do seguimento do recurso administrativo, instituída por Medida
Provisória com prerrogativa de Lei Ordinária, não tem o condão de ultrapassar a garantia relativa à exigibilidade
estabelecida pelo CTN, que é Lei Complementar, além de afrontar princípios constitucionais que equiparam o
processo administrativo ao judicial".(1)
Voltemos agora à discussão sobre a violação dos princípios constitucionais.
1. Da não observância ao princípio da Isonomia. A igualdade de todos perante a Lei está insculpida no caput do
artigo 5º da Carta Magna, garantindo assim um tratamento igualitário à todos cidadãos brasileiros.
Observe-se que com a exigência do depósito há uma grande distinção na forma deste tratamento visto que,
somente os contribuintes que podem arcar com o valor do depósito é que terão a possibilidade de recorrer à
instancia superior.
Não se olvide que as pequenas e médias empresas representam quase 80% (oitenta por cento) da economia
brasileira.
Ora, para essas empresas, subordinar o acesso à segunda instância administrativa significa criar obstáculo
intransponível, que conduz a inscrição do crédito fiscal na dívida ativa, acarretando ônus para o contribuinte e
sobrecarregando o aparelhamento judicial, com ajuizamento posterior.
2. Outro princípio a ser destacado é a ignorância do direito de petição também insculpido na Carta Magna e
assegura "independentemente do pagamento de taxas" a todos os cidadãos o direito de petição aos Poderes
Públicos para a defesa de seus direitos ou contra ilegalidade e abuso de poder.
Também destaca o Ilustre Professor HUGO DE BRITO MACHADO, que a "segunda instancia administrativa é uma
necessidade", visto que a segunda instância é uma garantia fundamental do contribuinte contra os abusos do
fisco.
De se recordar que, via de regra, as decisões de primeira instância administrativa são, em sua grande maioria,
meramente ratificadoras da ação fiscal, pois, como escreve Agostinho Toffoli Tavolaro, lembrando lição de
GILBERTO DE ULHOA CANTO, consubstancia verdadeiro masoquismo o funcionário decidir contra o interesse da
administração que lhe paga os vencimentos.
"Em realidade, chega a ser sadismo exigir-se de quem está vinculado ao dever de incentivar a obtenção de receita
tributária, que tenha paralelamente isenção para servir de juiz em controvérsias nas quais o interesse legítimo
que representa é o do erário, nutrido da receita, que eventualmente reduzirá nos casos de decisão favorável aos
contribuintes"(2).
3. O Princípio do devido processo legal também é destacado na carta Magna em seu artigo 5º, inciso LIV onde se
preconiza que ninguém será privado da liberdade de seus bens sem o devido processo legal.
Ora, processo legal é também o processo administrativo, que não pode oferecer empecilho a pleno
desenvolvimento do procedimento destinado a dizer sobre a conformidade do lançamento ao direito.
4. Vale ressaltar ainda a questão do princípio da ampla defesa e do contraditório, artigo 5º, inciso LV/CF, pois
este é considerado o princípio máximo da garantia do indivíduo e também se aplica ao processo administrativo.
Ademais, este princípio visa permitir que o contribuinte tenha iguais possibilidades de defesa àquelas conferidas à
administração. Essa igualdade se refere no fato de que a administração não tem como exigência o depósito como
condição para recorrer à instancia superior administrativa, e porque então o contribuinte teria essa obrigação?
Não seria o caso de se estabelecer, para a Administração, penalidade ou, indenização ao contribuinte, quando
julgada contrariamente a pretensão fiscal?
5. Outro princípio tão importante quanto os outros citados anteriormente é a vedação do "solve et repet", firmado
inicialmente no Pacto de San Jose da Costa Rica de 1969, e incorporado ao nosso direito pelo Decreto Legislativo
27, de 25/09/92 (promulgado pelo Dec. 678 de 06/11/92), aliás como também enfatizou com propriedade
RAMON VALDÉS COSTA.
Assim determina seu artigo 8º, § 1º. "Toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro
de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente
por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos e
obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza".
Nesse contexto é perceptível que a exigência do depósito viola o direito líquido e certo do contribuinte de recorrer
à instancia superior.
6. Também o direito de propriedade, que a Constituição assegura, resulta arranhado pela norma em apreço, pois
restringe esse direito, na medida em que o art. 33 do Dec. 70.235/72 ao remeter ao Poder Executivo a
regulamentação do arrolamento de bens, possibilitou a este, através da Instrução Normativa SRF de 20 de
Dezembro de 2002, restringir a alienação dos bens arrolados, subordinando-a comunicação 05 (cinco) dias à SRF
quando da alienação ou transferência desses bens, ou sua substituição.
Desta forma, apresenta-se como insustentável a regra de garantia em tela, sendo de se esperar que a Suprema
Corte assuma posição consentânea com sua tradição de justiça e coragem.
Ainda integrando o nosso direito, com o nível de Emenda Constitucional que a E.C. 45 de 08/12/04 reconheceu as
normas de direitos humanos oriundas de convenções internacionais, resulta patente a violação, já agora, a
preceito constitucional.
Notas
(1) Proc. 10920.000410/97-65 -Rec. 015.544. AC. nº 104-17.113 - Sessão de 13/07/99. Rel. Nelson Mallman 1º e 4º Câmara).
(2) O Processo Tributário, vol. 02. Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda, FGV, Rio de Janeiro, 1964, p.
77.
Conforme a NBR 6023/2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT, a citação deste texto deve obedecer o seguinte formato:
BATISTA, Leandro Nagliate. ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA DO DEPÓSITO DE 30 % OU ARROLAMENTO DE BENS COMO CONDIÇÃO PARA SEGUIMENTO
DE
RECURSO
TRIBUTÁRIO
À
INSTÂNCIA
SUPERIOR.
Tributario.net,
São
Paulo,
a.
5,
28/4/2005.
Disponível
em:
<http://www.tributario.net/artigos/artigos_ler.asp?id=32630>. Acesso em: 29/4/2005 .
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29/04/2005