RELIGIÃO E INDIVIDUAÇÃO: UMA ABORDAGEM JUNGUIANA DO SIMBOLISMO RELIGIOSO.
LIMA, July Yukie Abe de (UEM)
PEDRON, Luana (UEM)
KANBARA, Mariana H. (UEM)
BERTHOLI JR., Nelson Roberto (UEM)
COSTA, Rodrigo César (UEM)
MELLO NETO, Gustavo Adolfo Ramos (DPI/UEM)
ANDRADE, Solange Ramos de (DHI/UEM)
O presente trabalho tem como objetivo principal analisar de que maneira os
valores religiosos influenciam no processo de individuação, com referencial teórico
junguiano, a partir de uma abordagem do simbolismo.
É importante ressaltar que o trabalho aqui apresentado constitui apenas o
enfoque principal de uma pesquisa mais ampla, em que alguns conceitos da teoria
junguiana foram explorados para um melhor entendimento do Processo de
Individuação, assim como a compreensão do conceito de religião.
Na pesquisa
integral, o simbolismo foi abordado de forma enfática visto que é de suma importância
para estabelecer uma correlação entre os conceitos junguianos de Processo de
Individuação e Religião.
Desta forma, a abordagem do simbolismo religioso é essencial para a discussão
bibliográfica proposta, cuja finalidade é analisar em que medida a religião influencia o
processo de individuação.
RELIGIÃO E PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO
Por fim – onde a comédia termina em tragédia – o senhor dos
elementos, essa instância de todas as decisões, cultiva uma série de
idéias e concepções que selam de modo indigno sua dignidade e
transformam sua autonomia em simples quimera (Jung, 1988, p.19)
Sendo a religião um dos principais temas abordados na vasta literatura de Jung,
assim como é um dos eixos principais do presente estudo, juntamente com o eixo
processo de individuação, é necessário que o conceito de religião e religiosidade sejam
bem compreendidos, e para isso é imprescindível o entendimento do simbolismo. Com
a exploração deste tema no capítulo anterior ∗, fica evidente que o símbolo é também
∗
Este trabalho refere-se ao III Capítulo de “Religião e Individuação: uma abordagem junguiana do
simbolismo religioso”, que contou com a participação e elaboração dos demais estudantes: Luana
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fator sine qua non para que ocorra o processo de individuação.
Ficam, portanto, algumas questões quanto à inter-relação destes dois temas
centrais, entre as quais a questão principal seria: Em que medida a religião interfere no
processo de individuação? Para respondê-la tomaremos como base as obras de Jung,
sendo elas Psicologia e Religião (1999), Psicologia e Religião Oriental (1991), O
Segredo da Flor de Ouro (1984), Presente e Futuro (1988); assim como as de autores
junguianos, tais como Edinger (Ego e Arquétipo, 1972) e Jacobi (Complexo Arquétipo
Símbolo, 1952); e Eliade (Imagens e Símbolos, 1991), que não se intitula junguiano,
mas se utiliza de tal teoria.
Partindo-se da afirmação de Jung (1991) a respeito da “importação” de ritos da
Filosofia Oriental para o Ocidente:
Este [hindu] não somente conhece a sua natureza, como também
sabe até onde ele próprio é essa natureza [...] o europeu [ocidental]
precisa retornar, não à natureza, à maneira de Rousseau, mas à sua
natureza. Sua missão consiste em redescobrir o homem natural. Em
vez disso, porém, o que ele prefere são sistemas e métodos com os
quais possa reprimir o homem natural que atravessa seu caminho,
onde quer que esteja. [...] O europeu, porém, aprende de cor e imita
conceitos e, por isto, não está em condições de exprimir sua
realidade subjetiva através do conceito hindu. (p.56-58)
Realizaremos uma breve discussão sobre o ocidente e o cientificismo, para que,
mais adiante, fique bem delineado o quadro da religião ocidental, a qual nos ateremos,
e que se influencia pelo processo histórico e social do momento.
CIENTIFICIDADE E PENSAMENTO OCIDENTAL
Um dos principais fatores da massificação é o racionalismo científico.
Este deita por terra os fundamentos e a dignidade da vida individual
ao retirar do homem a sua individualidade, transformando-o em
unidade social e num número abstrato da estatística de uma
organização (Jung, 1988, p. 07)
Com a queda do Império Romano do Oriente e o período do Renascimento, no
século VI, houve um crescente interesse pela Antiguidade Clássica e a filosofia grega,
Pedron, Mariana Kanbara, Nelson Bertholi Junior e Rodrigo César Costa.
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considerada pagã, que influenciou o Ocidente (acesso à cultura e língua gregas). Com
isso houve o grande Cisma da Igreja Romana: de um lado os Protestantes, que
rapidamente ganharam força na Europa, e que protestavam contra a autoridade da
Igreja, cabendo esta autoridade ao homem; e de outro lado o Cristianismo, que
demorou a renovar-se uma vez que a fé de sua Igreja foi abalada. Assim, dá-se início à
rigorosa separação entre religião e ciência (Jung, 1991, p.52 e 53).
A religião proporcionava o sentimento de segurança frente ao desconhecido e
incontrolável inerente à vida, seja a partir da explicação metafísica do mundo, ou a
partir da autoridade da Igreja. Com o protestantismo, surge da necessidade do homem
de garantir este sentimento de segurança, afirmando seu próprio poder, tentando
entender e controlar o desconhecido, a partir de verdades científicas.
Partindo do pressuposto da causalidade e linearidade dos fenômenos, o homem,
por meio de sua experiência e observação destes, generaliza a ampla variedade de
fatos, que inegavelmente são incontroláveis, para se chegar às verdades universais.
Como afirma Jung (1988):
Toda teoria que se baseia na experiência é, necessariamente,
estatística; ela estipula uma média ideal, que elimina todas as
exceções, em cada extremidade da escala, em cima e embaixo,
substituindo-as por um valor médio abstrato. (p.04)
O homem ocidental, portanto, tem a necessidade da busca do conhecimento,
racional e científico para explicar o que antes era próprio da metafísica, ao mesmo
tempo em que necessita do respaldo da ciência para expressar sua individualidade,
uma vez que só a realidade científica (material e concreta) é aceita como realidade
confiável, comum a todos. Assim, o indivíduo teme exprimir suas opiniões individuais
sentindo-se coagido por uma massa, que teve seu pensamento formado por estas
verdades científicas.
Deste modo, pode-se dizer que a sociedade guiada pelo cientificismo tende a
reprimir a subjetividade (individualidade) ao valorizar apenas a objetividade,
extinguindo assim a personalidade singular. Esta sociedade, então, que colabora no
processo de desindividualização das pessoas, fica susceptível à dominação tanto de
um líder quanto de uma organização, alguém ou um grupo que tenham alcançado uma
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segurança de julgamento a ponto de exprimir sua subjetividade, tornando-a uma
convenção coletiva que será referencial da massa.
[...] é justamente a extinção da personalidade singular que a torna susceptível ao
ataque de indivíduos sedentos de poder. A soma de um milhão de zeros não chega a gerar um.
[...] Todavia, a miopia fatal de nosso momento presente apenas consegue pensar em termos
de grandes números e de organizações de massa. [...] As pessoas continuam a se organizar
alegremente, na crença de que a única coisa eficaz é a ação massificada, sem a mínima
consciência de que quanto mais poderosas as organizações tanto mais corre riscos a
moralidade. (Jung, 1988, p.25)
Para concluir, é necessário enfatizar que este estudo não tem a finalidade de
colocar a ciência como única causa dos problemas da sociedade ocidental atual. Não
se pode negar o valor de todo o conhecimento científico, como afirma Jung (1984) “A
ciência é um instrumento do espírito ocidental e com ela se abre mais portas do que
com as mãos vazias” (p.24). O problema consiste em torna-la não somente numa
modalidade de compreensão ocidental, mas como único instrumento válido de
conhecimento da realidade.
Assim substitui-se a unilateralidade da religião, por explicar todos os fenômenos
com base na metafísica, pelo pensamento unilateral material do ocidente, acreditando
que a racionalidade explicaria o mundo.
Podendo-se dizer, então, que a base do
pensamento ocidental, na visão cientificista, caracteriza-se por sua linearidade,
temporalidade e unilateralidade.
SIMBOLISMO NA RELIGIÃO E PENSAMENTO OCIDENTAL
[...] até que ponto os dramas do mundo moderno derivam de um
desequilíbrio profundo da psique, tanto individual como coletivo,
provocado em grande parte pela esterilização crescente da
imaginação. (Eliade, 1991, p.16)
No tópico sobre o cientificismo, tivemos o objetivo de mostrar como este
influenciou o pensamento e até a estruturação (em termos de massificação e existência
de um líder) da sociedade ocidental. Retomando o segundo capítulo, quando se fala
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em religiosidade, sendo esta característica inerente ao homem, até mesmo uma função
psíquica, não se pode deixar de pensar como esta também foi influenciada pelo
cientificismo.
Pode-se dizer que o resultado de tal influência é o que Jung (1988) chama de
confissão, que seria a religião institucionalizada. Em outros termos, a religiosidade
sofrendo a influência da massificação, se transforma em uma convenção coletiva, no
sentido de tornar-se unicamente ritualista, excluindo sua parte subjetiva e individual e
impedindo a vivência do numinoso, como se faz com qualquer outro tipo de
conhecimento aos moldes científicos.
Assim, a Igreja oficial torna-se uma organização pública que é freqüentada não
apenas pelos fiéis, como também por um grande número de pessoas que são
indiferentes à religião fazendo do ato religioso um ritual mantido pelo hábito, e que
reforça massiçamente os valores morais, promovendo um estado de identificação
coletiva.
Pertencer a uma confissão, portanto, nem sempre implica uma
questão de religiosidade mas, sobretudo, uma questão social que
nada pode acrescentar à estruturação do indivíduo. Esta depende da
relação do indivíduo com uma instancia não mundana. (Jung, 1988,
p.10)
Por não permitir a experiência do numinoso (instância não mundana), a vivência
da religião como confissão não supre a necessidade natural do homem de deixar a
energia psíquica transitar entre consciente e inconsciente, por meio do simbolismo,
rumo ao equilíbrio. Assim, essa energia psíquica causando um estado de tensão, faz
com que o homem busque de várias maneiras o alívio, como por exemplo, trazendo a
religião oriental para o ocidente.
No entanto, de nada adianta buscar outros modos de aliviar a angústia causada
pela tensão psíquica, se estes outros modos forem utilizados sob os moldes da
confissão.
É o que acontece com o a leitura institucionalizada da Igreja católica sobre
o caminho percorrido por Jesus, no qual o homem necessariamente deve seguir o
mesmo caminho, consistindo em “passos” que devem ser seguidos para ser um bom
cristão, perdendo de vista o significado pessoal (simbolização) que cada um retira da
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vida de Cristo, como uma evolução espiritual pessoal (processo de individuação).
Como afirma Jacobi (1952):
Visto dessa maneira, cada símbolo representa algo impróprio e, por
isso, a Igreja, sobretudo a católica, sempre tratou de cuidar
zelosamente para que nenhuma interpretação simbólica pudesse
elidir o fato da realidade da transcendência: ao lado da realidade da
fé, que pertence ao nível metafísico, há, no entanto, a realidade
simbólica, que corresponde ao nível psicológico da vivência, e o que,
para uma, é apenas um signo, para outra, é um símbolo. (p.79)
Quando falamos de simbolismo ou vivência do numinoso é importante ressaltar
que se trata de manter o contato com as imagens primordiais (arquétipos), que
necessitam ser trazidas à consciência, pois emanam grande fluxo de energia que, se
reprimido gera tensão e desequilíbrio psíquico.
Assim, simbolizar não significa simplesmente adoração de imagens, e atribuição
de significados específicos a elas, mas sentir e significar aquilo que a imagem gera
“Sob um ponto de vista puramente psicológico, trata-se de instintos gerais de
representação (imaginação) e de ação.” (Jung e Wilhelm, 1984, p.28). Desta maneira,
simbolizar dependeria mais do instinto (afeto) do que da vontade consciente, visto que
esta se refere a um juízo racional e moral.
CONCLUSÃO
Referindo-se a questão inicial, em que medida a religião interfere no processo
de individuação, podemos concluir que a experiência religiosa auxiliaria no processo de
individuação uma vez que esta respeite a individualidade, fortalecendo a resistência do
individuo à esmagadora força da moralidade “para concretizar essa resistência, o
homem precisa da evidência transcendente de sua experiência interior, pois esta
constitui a única possibilidade de se proteger da massificação” (Jung, 1988, p. 11).
Tendo em vista que muitas vezes a religião como instituição reforça os valores
morais ao ponto de levar as pessoas a perderem a sua individualidade, ou a sua
possibilidade/capacidade de simbolização, como afirma Edinger (1972) “O ensinamento
ético de Jesus sempre constituiu um problema. Trata-se claramente de um conselho de
perfeição. Se for tomado de modo literal e aplicado sistematicamente ao mundo
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exterior, será incompatível com a existência material” (p. 190), é de extrema
importância que seja dada uma mínima autonomia ao homem pelo menos no que diz
respeito ao seu pensar sobre si, e tal tarefa, em parte, é da própria religião como
instituição, como também é tarefa do próprio homem, no sentido de não deixar tomar
valores instituídos como verdades absolutas.
Enfim, a experiência da individualidade engloba dois pólos aparentemente
opostos, o particular e o universal. Quanto à particularidade, refere-se à própria
capacidade inigualável, pessoal e intransferível, de cada individuo desta experiência
(da individualidade) e, quanto à universalidade, refere-se à percepção de que esta
própria individualidade pessoal é idêntica ao indivíduo arquetípico eterno, ou seja, que
a forma da experiência é universal (Edinger, 1972, p.215). Assim, quando o destino de
ser um indivíduo é tomado nas próprias mãos deste, ocorre o processo de
individuação, fundindo o individual e o universal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Cultrix.1972.
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JUNG, C. G. Psicologia e Religião. Trad. Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha O.S.B; revisão
Dora Ferreira da Silva. Petrópolis: Vozes. 1999. 6ª ed.
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JUNG, C.G. Psicologia e Religião Oriental. Trad. Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha
O.S.B; revisão Dora Ferreira da Silva. Petrópolis: Vozes. 1991. 5ª ed.
JUNG, C. G. Presente e Futuro. Trad. Márcia de Sá Cavalcante. Petrópolis: Vozes.
1988
PALMER, M. Freud and Jung on Religion. London and New York: Routledge. 1997.
SILVEIRA, M. Jung: vida e obra. São Paulo: Paz e Terra. 1992. 13ª ed.
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