SUMÁRIO
Políticas sociais no Brasil pós Plano Real
SUMmary
1
Social Policies in Brazil post-Real period
1
Rafael Moraes, Róber Iturriet Avila, Stefano José Caetano da Silveira
Rafael Moraes, Róber Iturriet Avila, Stefano José Caetano da Silveira
Ecossocioeconomia das organizações: gestão que privilegia uma outra economia
17
Eco-social economics of organizations: management that privileges another economy
17
Carlos Alberto Cioce Sampaio, Ivan Sidney Dallabrida
Carlos Alberto Cioce Sampaio, Ivan Sidney Dallabrida
Comunidade, ética e economia ecológica: reflexões sobre o modo de vida da morada da paz
35
Community, ethics and ecological economy: reflections about morada da paz’s way of life
35
Rogério Ferreira Teixeira
Rogério Ferreira Teixeira
Estratégia de Produção: foco, aprendizagem e sua relação com a execução da estratégia de negócios
47
Operations strategy: focus, learning and their relation to business strategy execution
47
José Vicente Bandeira de Mello Cordeiro
José Vicente Bandeira de Mello Cordeiro
Descrição do processo produtivo da carne orgânica: pontos fortes e pontos fracos
61
Description of the production process of organic meat: strong points and weak points
61
Diego Gilberto Ferber Pineyrua, Anaglis Lucati
Diego Gilberto Ferber Pineyrua, Anaglis Lucati
Automação bancária x atendimento pessoal: a preferência dos clientes em Curitiba 73
Banking automation x personal services: Curitiba’s clients preference
73
Leide Albergoni, Cristiane Pereira
Leide Albergoni, Cristiane Pereira
Análise da qualidade percebida em uma organização de serviço
89
Analysis of perceived quality in a service organization
89
Nara Medianeira Stefano, Leoni Pentiado Godoy
Nara Medianeira Stefano, Leoni Pentiado Godoy
Avaliação de resultado financeiro e não financeiro na perspectiva do consumidor: aplicação no varejo de serviço
99
99
Eliane Cristine Francisco Maffezzolli, Paulo Henrique M. Prado
Eliane Cristine Francisco Maffezzolli, Paulo Henrique M. Prado
Saúde e segurança no meio ambiente do trabalho como garantia constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
117
Health and security in the work environment as constitutional guarantee to the ecologically balanced environment
117
Rafaela Luiza Pontalti Giongo, Renata Cristina Pontalti Giongo
Rafaela Luiza Pontalti Giongo, Renata Cristina Pontalti Giongo
Estatuto da criança e do adolescente: 19 anos de subjetivações
Evaluation of financial and non-financial result in the perspective of the consumer: applied to service retail
133
Statute of the child and adolescent: 19 years of subjectivations
133
Mário Luiz Ramidoff
Mário Luiz Ramidoff
Indicadores para avaliar a responsabilidade social nas instituições de ensino superior
145
Indicators to assess social responsibilities in colleges
145
Gilmar José Hellmann
Gilmar José Hellmann
Amicus Curiae: instituto processual de legitimação e participação democrática no judiciário politizado
157
Luana Paixão Dantas do Rosário
Amicus Curiae: institute procedural legitimacy the democratic participation in politicizad judiciary
157
Luana Paixão Dantas do Rosário
FAE Centro Universitário
Curitiba, v.12, n.2, jul./dez. 2009 - ISSN 1516-1234
Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus
Coordenadores de Curso
Presidente
Frei Guido Moacir Scheidt, ofm
Diretor Geral
Jorge Apóstolos Siarcos
Marcus Vinicius Guaragni (Administração)
Centro Universitário Franciscano do Paraná
Aline Fernanda Pessoa Dias da Silva (Direito)
Joaquim de Almeida Brasileiro (Negócios Internacionais)
Gilmar Mendes Lourenço (Ciências Econômicas)
Rosenei Novochadlo da Costa (Ciências Contábeis)
José Vicente de Mello Cordeiro (Engenharia de Produção)
Reitor da FAE Centro Universitário
Diretor Geral da FAE São José dos Pinhais
Frei Nelson José Hillesheim, ofm
Fabio Maccari (Engenharia Mecânica)
André Luciano Malheiros (Engenharia Ambiental)
Carlos Roberto Oliveira de Almeida Santos (Informática – Sistema de Informação;
Tecnologia em Sistema para Internet)
Pró-Reitor Acadêmico
Diretor Acadêmico
André Luis Gontijo Resende
Eliane Cristine Francisco Maffezzolli (Comunicação Social: Publicidade e Propaganda /
Desenho Industrial)
Pró-Reitor Administrativo
Regis Ferreira Negrão
Vicente Keller (Filosofia)
Diretor de Campus – FAE Centro Universitário, Campus Centro
Julio Kiyokatsu Inafuco
Diretor de Campus – FAE Centro Universitário, Campus Cristo Rei
Carlos Roberto Oliveira Almeida Santos
Jacir Adolfo Erthal (Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos; Tecnologia em
Logística; Tecnologia em Gestão Financeira)
Bárbara Regina Lopes Costa (Tecnologia em Marketing)
Sílvia Iuan Lozza (Pedagogia)
Cleuza Cecato (Letras)
Ney de Lucca Mecking (Educação Física)
Diretor Acadêmico – FAE São José dos Pinhais
Valter Pereira Francisco Filho
Daniele Cristine Nickel (Psicologia)
Coordenador dos Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu
Gilberto de Oliveira Souza
Coordenadores dos Núcleos
Adriana Pelizzari (Coordenadora do Núcleo de Extensão Universitária)
Coordenador dos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu
Antoninho Caron
Areta Galat (Coordenadora do Núcleo de Relações Internacionais / ECE-FAE)
Secretário Geral
Eros Pacheco Neto
Simone Wiens (Coordenadora do Núcleo de Carreira Docente)
Diretor do Instituto de Ciências Jurídicas
Sergio Luiz da Rocha Pombo
Cleonice Bastos Pompermayer (Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Acadêmica)
Marcelo de Araújo Cansini (Coordenador do Núcleo de Empregabilidade)
Rita de Cássia Marques Kleinke (Coordenadora do Núcleo da Pastoral Universitária)
Bibliotecas
Diretor de Assuntos Institucionais
Vicente Keller
Soraia Almondes (Biblioteca – Campus Centro)
Edith Dias (Biblioteca – Campus Centro)
Vânia Isabel Farias Rusycki (Biblioteca – Campus Cristo Rei)
Editor
Fernanda Périco Jorge (Biblioteca – FAE São José dos Pinhais)
Frei Nelson José Hillesheim, ofm
Comitê Editorial
Coordenação Editorial
Cleonice Bastos Pompermayer (coordenadora editorial)
Danielle Francesca Lopes Lago (revisão de linguagem)
Mariana Fressato (normalização)
Edith Dias (normalização)
Primeira Análise Assessoria Editorial e Eventos (diagramação)
Bruno Harmut Kopittke, Dr. (UFSC); Francisco Antonio Pereira Fialho, Dr. (UFSC);
Glauco; Ortolano, Ph.D (Lauder Institute/Wharton School/University of
Pennsylvania); Harry J.; Burry, Ph.D (Baldwin Wallace); Heloísa Lück, Ph.D
(UFPR); Heloiza Matos, Dra. (USP); Jair; Mendes Marques, Dr. (FAE, UTP); João
Benjamim da Cruz Junior, Ph.D (UFSC); Cleverson Vitório Andreoli, Dr. (FAE);
Maira Sylvia Macchione, Dra. (USP); Mirian Beatriz Schneider Braun, Dra.
(Unioeste); Christian Luiz da Silva, Dr. (UFSC)
Pareceristas
Jaíra Maria Alcobaça Gomes, Dra. (UFPI); José Henrique de Faria, Dr. (UFPR; FAE); José Edmilson de Souza Lima, Dr. (FAE); Lafaiete Santos Neves, Dr. (FAE); Karin Kassmayer,
Dra. (FAE); Francisco Carlos Lopes da Silva, Dr. (FAE); Paulo Christoff, Ms. (FAE); Leide Albergoni, Ms. (FAE); Karlo Messa Vettorazzi, Ms. (FAE); Amilton Dalledone Filho, Ms.
(FAE); Ana Maria Coelho Pereira Mendes, Dra. (FAE); Nicolau Barth, Ms. (UTFPR); Denise Maria Candiotto Caselani, Dra. (Makenzi); Nadia Kassouf Pizzinatto, Dra. (Uninove);
Franz Brüseke, Ph. D (UFS); Sérgio de Indícibus, Dr. (PUC-SP); Paulo Mello Garcias, Dr. (UFPR); Sidnei Vieira Marinho, Dr. (Univali); Stenio Melo de Lins da Costa, Dr. (UFPB);
Gessuir Pigatto, Dr. (UNESP); Sandra Cristina Moura Bonjour, Dra. (UFMT); João Guilherme de Camargo Ferraz Machado, Dr. (UNESP); Mayra Batista Bitencourt Fagundes, Dra.
(UFMS); Flávia Maria de Mello Bliska, Dra. (IAC); Gladis Teresinha Taschetto Perlin, Dra. (UFSC); Ivam Ricardo Peleias, Dr. (FECAP); Leoni Pentiado Godoy, Dra. (UFSM); Edmundo
Brandão Dantas, Dr. (UNB); Newton Carneiro Affonso da Costa Junior, Dr. (UFSC); Carlos Alberto de Mello e Souza, Dr. (Seattle University, Albers School Of Business And
Economics); Thierry Molnar Prates, Dr. (UEPG); Anapatrícia Morales Vilha, Dra. (Unicamp); Helena Carvalho De Lorenzo, Dra. (Uniara); Paulo Cesar Bontempo, Dr. (Mackenzie);
Mario Sergio Alencastro, Dr. (Tuiuti); Carla Cristina Dutra Búrigo, Dra. (UFSC); Yolanda Flores e Silva, Dra. (Univali); Edson Pacheco Paladini, Dr. (UFSC).
Circulação: Janeiro de 2010
Indexação
CAPES/Qualis
Latindex
Portal Livre/CNEN
GeoDados
Distribuição
Comunidade Científica: 1.400 exemplares
Permuta: 100 exemplares
Revista da FAE. n.1/2, jan.dez. 1998 –
Curitiba, 1998 –
v. 28cm. Regular
Semestral
Substitui ADECON: revista da Faculdade Católica de
Administração e Economia.
ISSN 1516-1234
1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento. I.
Centro Universitário Franciscano do Paraná.
CDD - 001
Os artigos publicados na Revista da FAE são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões
neles emitidas não representam, necessariamente, pontos de vista da FAE Centro Universitário.
A Revista da FAE tem periodicidade semestral e está disponível em www.fae.edu
Endereço para correspondência:
FAE Centro Universitário - Núcleo de Pesquisa Acadêmica
Rua 24 de Maio, 135 - 80230-080 - Curitiba-PR
Tel.: (41) 2105-4093 - e-mail: [email protected]
Revista da
FAE
Apresentação
Prezados leitores,
A FAE Centro Universitário tem o imenso prazer de colocar à comunidade acadêmica mais um
volume da Revista da FAE.
A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço para divulgação da produção científica e
acadêmica de temas multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de administração,
contabilidade, economia, direito, engenharia, educação, sistemas de informação, psicologia e filo­
sofia, com o intuito de discutir o posicionamento das organizações e o desenvolvimento local.
Nesta edição, o leitor terá a oportunidade de desfrutar de temas que abordam diferentes
aspectos da economia: uma retrospectiva e análise de políticas sociais no Brasil pós Plano
Real, uma reflexão sobre a contribuição de uma alternativa (ecos) socioeconômica que dê
conta das insuficiências observadas nos modelos do utilitarismo econômico e do darwinismo
social, e um ensaio de investigação sobre as dinâmicas socioeconômicas ambientais e o modo
de vida da Comunidade Morada da Paz (CMP).
Contemplando o enfoque da administração, a revista nos saúda com um estudo de caso em
uma empresa do setor de autopeças na Região Metropolitana de Curitiba sobre estratégia de
produção com foco no processo de aprendizagem e sua relação com a educação de estratégia
de negócios. Paralelamente a esta linha, uma outra abordagem descritiva acerca do processo
produtivo da pecuária orgânica, destacando os pontos fortes e fracos.
Corroborando com a importância e participação do setor de serviços na composição da nova
economia, temos a oportunidade de conhecer o resultado de uma pesquisa de campo realizada
nas cinco maiores instituições bancárias de Curitiba, na qual elabora-se uma comparação
entre a preferência e a satisfação dos clientes, em relação ao atendimento automático. Ainda,
o resultado de um estudo realizado em uma empresa localizada no Rio Grande do Sul sobre
análise da qualidade percebida em uma organização de serviço; o tema é complementando
por um artigo que enfatiza a importância do desenvolvimento de uma avaliação de resultado
financeiro e não financeiro na perspectiva do consumidor em varejo de serviço.
Voltando-se para área de humanas, os artigos discorrem sobre a temática do direito do traba­
lhador de exercer sua atividade laborativa em um meio ambiente de trabalho saudável e seguro;
uma retrospectiva sobre os avanços práticos e significativos nos 19 (dezenove) anos de instala­ção
do Estatuto da Criança e do Adolescente; uma síntese do conceito de responsabilidade social,
passando do entendimento empresarial ao âmbito universitário, assim como, a necessidade
de se utilizar indicadores para avaliar a Responsabilidade Social nas insti­tuições de ensino
superior. Finalmente, uma demonstração por meio de uma abordagem dialética, de que o
Amicus Curiae é um instrumento processual de participação e legitimação democrática.
Mais uma vez, esperamos e desejamos que os assuntos aqui tratados e desenvolvidos
pelos autores tenham apresentado uma contribuição no conhecimento individual de cada
um de nós, e com isso, promovido reflexões e mudanças no ambiente interdisciplinar em
que atuamos e vivemos.
PAZ E BEM!
Frei Nelson José Hillesheim, ofm
Editor
Revista da
FAE
Políticas sociais no Brasil pós Plano Real1
Social Policies in Brazil post-Real period
Resumo
A intenção deste artigo é analisar os fundamentos das principais políticas
públicas sociais no Brasil no período pós-Plano Real, bem como seus resultados
apurados através da dinâmica da distribuição de renda. Dado que a manutenção
da política macroeconômica conservadora durante todo o período inviabilizou
aumentos consideráveis nos repasses para as referidas políticas sociais, a análise
centralizou-se mais no perfil dos gastos que em seu montante. Com base neste
fundamento, o artigo se divide em dois sub-períodos: um de políticas sociais
universais (1994-2000) e outro de políticas sociais focalizadas (2001-2008).
É debatida, adicionalmente, a capacidade de tais políticas aprofundarem a
redução da desigualdade de renda no que toca o conflito capital/trabalho.
Rafael Moraes*
Róber Iturriet Avila**
Stefano José Caetano da Silveira***
Palavras-chave: políticas públicas; distribuição de renda; programas sociais.
Abstract
This paper aims at analyzing the fundamentals of the main social public policies
carried out in Brazil during the post-Real period. We also explore the results
of such policies in terms of income distribution. Since the maintenance of
orthodox macroeconomic policies during the period barred significant increases
in social policy funding, the analysis focuses more on the profile than on the
absolute amounts of expenditures. Towards this objective, the analysis is divided
in two sub-periods: one of universal social policies (1994-2000) and another
of focused social policies (2001-2008). It is discussed, in addition, the ability
of these policies to further reduce the income inequality regarding the conflict
capital / labor.
Keywords: public policies; income distribution; social programs.
1
O presente artigo foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico – CNPq – e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior – Capes. Agradecemos ao Prof. Dr. Fernando Ferrari Filho pelas críticas e
sugestões, assumindo a versão final como de nossa exclusiva responsabilidade.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009
* Mestrando em Economia do
Desen­volvimento (UFRGS). E-mail:
[email protected]
** Mestrando em Economia do
Desenvolvimento (UFRGS).
Professor substituto na
Universidade Federal do
Rio Grande – FURG. E-mail:
[email protected]
*** Mestrando em Economia do
Desenvolvimento (UFRGS).
Técnico em computação da
Companhia de Processamento de
Dados do Estado do Rio Grande
do Sul (PROCERGS). E-mail:
[email protected]
|1
Introdução
este período ficou marcado pela contradição entre a
política macroeconômica estabelecida – principalmente
Com a estabilização dos preços conquistada com o
Plano Real, a distribuição de renda no Brasil viveu uma
fase de maior equalização. Todavia, após a superação
por seu caráter conservador, com controle dos níveis
inflacionários – e a viabilidade dos programas sociais
propostos.
do efeito da queda da inflação, a referida repartição
Na busca da universalização dos serviços sociais,
da renda manteve-se estável até o ano 2000, quando
como saúde e educação, a união optou pela descen­
iniciou uma nova fase no caminho da diminuição de sua
tralização de responsabilidades. A péssima condição
concentração. Tal situação pode ser referendada pelo
financeira de estados e municípios, no entanto, repre­
gráfico do Índice de Gini2, que reflete basicamente a
distribuição do rendimento domiciliar per capita.
Subdividindo o período entre a fase de estabilidade
e a fase de melhora na distribuição da renda, respec­
tivamente 1995-2000 e 2001-2008, notamos que houve
uma relevante alteração no perfil das políticas sociais
implementadas de um período para outro.
GRÁFICO 01 - ÍNDICE DE GINI NO BRASIL - 1995-2007
0,61
sentava importante entrave na melhoria destes serviços.
Por seu turno, o Governo Federal vinculava os repasses de
programas sociais ao equilíbrio financeiro de seus entes
federativos, o que, dadas as condições acima expostas,
fazia com que poucos conseguissem acessar tais recursos
e desenvolver seus projetos (FAGNANI, 1999).
A partir de 2001, o governo alterou sua política
de enfrentamento aos problemas sociais, através da
criação de programas focalizados na transferência direta
de renda às famílias carentes. Embora nos exercícios
0,6
0,59
de 2001 e 2002 os mesmos tenham sido residuais e
0,58
setorizados, entre 2003 e 2005 estes programas sociais
0,57
0,56
foram ampliados e unificados no Bolsa Família (ARBIX,
0,55
2007). Neste período, a despeito da manutenção da
0,54
política econômica conservadora, o governo logrou
0,53
0,52
1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Ano
FONTE: IBGE (2009c)
NOTA: Não existem dados para os anos de 1994 e 2000.
Entre 1994 e 2000, durante os seis primeiros
anos do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC),
a prioridade apresentada para a política social foi
obter melhoria na distribuição da renda, conforme se
observa no gráfico 1.
Posto isto, a intenção do presente artigo consiste em
analisar as políticas públicas sociais no período pós-Plano
Real, seus resultados imediatos, bem como seus limites
e problemas. Para tanto, são utilizados dados extraídos
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios até o
a universalização do acesso à saúde e à educação
ano de 2007 (IBGE, 2009c), além de séries históricas de
fundamental (DRAIBE, 2003). O governo considerava
índices de distribuição de renda publicadas pelo Instituto
estes setores como imperiosos para a melhoria da
de Pesquisa Econômica Aplicada. A partir destes dados,
qualidade de vida, bem como para o acesso à renda
o trabalho propõe duas avaliações paralelas. A primeira
das camadas mais pobres da população. Entretanto,
parte do comportamento do Índice de Gini ao longo
do período estudado. Visando entender a aceleração da
2
O Índice de Gini mede o grau de desigualdade existente na
distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per
capita. Seu valor varia de zero, quando não há desigualdade,
a um, quando a desigualdade é máxima – apenas um
indivíduo detém toda a renda da sociedade (MDA, 2004).
2|
melhora na distribuição de renda a partir de 2000, a
segmentação se centra no formato das políticas sociais
e não em seus montantes de recursos empenhados.
Tal opção foi feita considerando a segunda análise que
Revista da
norteia este estudo, qual seja, o posicionamento das
políticas sociais no interior da política macroeconômica
GRÁFICO 02 - PROPORÇÃO DOS DOMICÍLIOS COM RENDA DOMICILIAR PER
CAPITA INFERIOR A LINHA DE POBREZA E NA INDIGÊNCIA
global durante o período pós-Plano Real. Desta forma,
40
objetiva-se explicar como as políticas sociais passaram
30
35
25
a apresentar melhores resultados no que tange à
% 20
desigualdade da distribuição de renda, a despeito de
15
10
poucas alterações no modelo de condução das políticas
5
macroeconômicas.
0
1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
No intuito de atender aos objetivos acima elen­cados,
Ano
o presente artigo está estruturado da seguinte maneira:
Indigentes
Pobres
inicialmente é realizada a apresentação dos programas
sociais brasileiros estabelecidos após a implantação do
FAE
FONTE: IPEA (2009)
procurando responder se os mesmos foram atingidos.
NOTA: Este corte analítico considera o consumo que satisfaça os
requisitos nutricionais mínimos. Também referido como
aquele com renda familiar per capita igual ou inferior a 50%
do salário mínimo, sendo indigente menor igual a 25% do
salário mínimo. A metodologia completa encontra-se no
Ipedata. Não existem dados para os anos de 1994 e 2000.
Segue analisando o Programa Bolsa Família (PBF), por
Para esmiuçar tal evolução, pode-se analisar o com-
ser o programa de distribuição de renda do período
portamento da participação da renda de acordo com os
pós-Real de maior destaque, principalmente no que toca
cortes por decis. Neste interregno, a fatia destinada aos
ao número de famílias atingidas. No final, contrapõe
10% mais ricos apresenta queda de 8,4%; também com
o comemorado sucesso da redução da desigualdade
destaque para o período pós 2001 (IPEA, 2009a).
Real como moeda – em 01 de julho de 1994 – dividindo-os
em dois períodos distintos: de 1994 até 2000 e de
2001 até 2008, enfocando seus objetivos iniciais e
de renda através de uma singela apresentação de sua
distribuição funcional. Em outras palavras, o artigo
instiga um debate que visa entender até que ponto
as políticas sociais estão realmente reduzindo a
disparidade entre os detentores de rendas do capital e
do trabalho no país.
No mesmo sentido, houve incremento na parti­
cipação na renda dos 10% mais pobres (primeiro decil),
que obteve elevação de 24,61% de participação na
renda. Comportamento semelhante foi observado nos
segundo, terceiro e quarto decis.
Outra análise que revela esta alteração social vigente
no país se dá pela proporção de domicílios considerados
1 Queda da desigualdade de renda
no período pós-Plano Real
pobres. Nota-se que, desta vez, a queda se destacou a
partir de 2003, quando a faixa dos domicílios abaixo da
linha da pobreza passou dos 34% vigentes desde 1995
para menos de 25% (IPEA, 2009a).
Ao longo dos anos em análise, o dado de desi­
Impõe-se, portanto, a averiguação dos fatores
gualdade de renda do Brasil obteve considerável
responsáveis por tais alterações ocorridas a partir de
melhora. O gráfico 1 retrata esta evolução através do
2001 e de 2003. Dentre eles, destacam-se o programa
Índice de Gini. Entre 1994 e 2007, o índice caiu 7,85%.
Bolsa Família3 e a variação real do salário mínimo. De
Há que destacar, no entanto, que entre 2001 e 2007 o
acordo com levantamento da Pesquisa Nacional por
mesmo caiu 6,91%. Desta forma, é possível concluir que
praticamente toda a queda da desigualdade entre os
indivíduos se deu neste intervalo.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009
Um terço da melhoria na distribuição de renda advém de
transferências governamentais, sendo que 19% do total pode
ser atribuído ao Bolsa Família, de acordo com IPEA (2009).
3
|3
Amostra de Domicílios de 2005 (IBGE, 2009c), 8,9%
99% dos países em termos de variação de renda entre
do PIB é representado por aposentadorias e pensões,
a população mais pobre. Esta transformação permitiu
as quais possuem aderência com a variação do salário
que 13,8 milhões de pessoas ascendessem de faixa
mínimo, o que ocasiona uma forte relação entre o
social. Quadro que representa uma alteração profunda
aumento do salário mínimo e a redução da desigualdade
na sociedade brasileira, atingindo, deste modo, o menor
de renda.
nível de desigualdade em 30 anos, superando o baixo
dinamismo social que persistiu por um longo tempo.
GRÁFICO 03 - SALÁRIO MÍNIMO REAL JUL./1994 – FEV./2009
GRÁFICO 04 - VARIAÇÃO DA RENDA FAMILIAR PER CAPITA POR DECIL
500
450
2001-2007
8
350
7
300
6
Variação %
400
250
200
150
5
4
3
2008.09
2007.11
2007.01
2006.03
2005.05
2004.07
2003.09
2002.11
2002.01
2001.03
2000.05
1999.07
1998.09
1997.11
1997.01
0
1996.03
1
0
1995.05
2
50
1994.07
100
FONTE: IPEA (2009)
NOTA: Série em reais (R$) constantes do último mês, deflacionando-se
o salário mínimo nominal pelo Índice Nacional de Preços ao
Consumidor (INPC) do IBGE.
Como é possível perceber, a partir de 2000 a
variação do salário real passou a ser mais significativa
e persistente, porém, ao longo de 2001 e 2002 ela
foi corroída. A alteração de 2003 deve ser acentuada,
merecendo destaque, ainda, os anos de 2005 e 2006.
1o
2o
3o
4o
5o
6o
7o
8o
9o
10o
Decil
FONTE: IPEA (2009)
Nas seções que seguem serão debatidas as políticas sociais implementadas pelos governos Fernando
Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva, visando
encontrar as respostas para este comportamento da
distribuição da renda, bem como averiguar se as mesmas, especialmente o Bolsa Família, podem ser tidas
como responsáveis por estes resultados.
De acordo com Dedecca, Jungbluth e Trovão (2008), a
variação do salário mínimo tem impacto forte no terceiro
e quarto decis. Já o Bolsa Família exerce influência nos
dois primeiros intervalos decílicos. Estes dois fatores
2 Políticas sociais de 1994 a 2000:
universalização da saúde e educação
explicam grande parte desta queda de 64,52% no
número de domicílios com renda per capita inferior à
Durante os primeiros seis anos do governo FHC,
linha da pobreza entre 2003 e 2007, observados no
a preocupação com a questão social esteve centrada
gráfico 2.
na universalização do acesso à saúde e à educação.
Seguindo o quadro de alterações recentes no
Assim, os programas diretos de transferência de renda
perfil de distribuição de renda, o estudo realizado pelo
nos moldes dos hoje vistos eram secundários na política
IPEA (2008) mostra que, entre 2001 e 2007, a renda
oficial do governo e, se existiam, eram tão reduzidos
dos 20% mais pobres cresceu quase quatro pontos
que não surtiam efeito algum na renda da população
percentuais a mais que a renda nacional de cada ano.
(DRAIBE, 2003).
Tal acontecimento provocou uma significativa trans­
De acordo com o pensamento que norteava a
formação social capaz de deixar o Brasil à frente de
citada gestão, as melhorias na qualidade de vida da
4|
Revista da
FAE
população de mais baixa renda passavam pela amplia-
De acordo com Pinto (2002), entretanto, a munici­
ção do acesso aos serviços prestados em educação, saúde,
palização não redundou em melhorias na educação.
previdência4 e saneamento básico. No que tange par-
Segundo o autor, em algumas cidades, escolas chegaram
ticularmente à área da educação, a meta do governo
a ser improvisadas, funcionando sem condições ade­
era universalizar o acesso ao ensino fundamental. Tal
quadas, e alunos que deveriam cursar a pré-escola foram
proposta coincidia com o receituário liberal, sintetizado
matriculados automaticamente no ensino fundamental
no chamado “Consenso de Washington5”, que entende
para garantir o repasse dos recursos.
que a expansão do acesso à educação gera a ampliação
Para Frigotto e Ciavatta (2003), as políticas do
do capital humano. O resultado imediato seria o au-
governo FHC estavam alicerçadas em três pilares:
mento da renda e sua melhor distribuição, em vista da
a) desre­gulamentação, b) descentralização e autonomia
maior capacitação do trabalhador.
e c) privatização. Para os autores, a municipalização,
Visando esta melhora no acesso ao serviço edu­
bem como o incentivo à iniciativa privada, notadamente
ca­cional, foi criado, em 1996, o Fundo de Manu­
na educação superior, estão de acordo com estes pilares
tenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e, por sua vez, com a proposta de alinhamento ao
e de Valorização do Magistério – Fundef (FRIGOTTO;
pensamento neoliberal do referido governo.
CIAVATTA, 2003). O Fundef tinha como meta tornar mais
De forma diversa, Semeghini (2001) afirma que o
transparentes os repasses federais para a educação,
Fundef foi um avanço há muito aguardado por alunos
isolando-os em contas específicas. Na teoria, o Fundo
e professores no Brasil. Para ele, a vinculação de 25%
também previa aumentos nos repasses.
das receitas estaduais7 e 18% da receita federal para a
Neste período, foi incentivada a municipalização
educação, garantidos pela Constituição de 1988, não
do ensino fundamental. O governo acreditava que as
haviam sido suficientes para garantir o financiamento
prefeituras, mais próximas das escolas, teriam melhores
adequado do setor. Somente com o Fundef foi possível
condições de gerir os recursos. Por trás deste incentivo,
aos estados, municípios e à União ampliarem a eficácia
encontrava-se a noção de que com a descentralização
destes gastos e torná-los definitivamente capazes de
das responsabilidades, ampliar-se-ia eficiência dos gas­
ampliar o acesso à educação.
tos públicos. Para o governo, os gastos com educação –
O estudo apresenta, adicionalmente, que o
algo em torno de 4 a 4,5%6 do PIB – não eram escassos.
número de matriculados do ensino fundamental na
Os problemas, neste caso, advinham da má gestão dos
rede municipal ampliou-se de 12,4 milhões de alunos
recursos (PINTO, 2002).
em 1997, para 16,7 milhões em 20008. Por sua vez,
as matrículas na rede estadual caíram de 18 milhões
para 15,8 milhões. Entre 1998 e 2000, o montante dos
No que tange à previdência, fazia parte das metas do
governo a consecução de uma reforma que reduzisse a
participação do Estado e incentivasse a previdência privada.
Segundo seus idealizadores, este mecanismo, além de mais
eficiente – pois cada setor ou até mesmo cada empresa
poderia ter seu fundo de previdência –, era também uma
forma de aliviar as contas públicas.
5
Para maiores informações sobre o Consenso de Washington,
consulte: WILLIAMSON, John. The Washington Consensus
as policy prescription for development. IIE – Institute for
International Economics, Washington. Disponível em: http://
www.iie.com/publications/papers/williamson0204.pdf.
6
Referente a todas as esferas de governo.
4
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009
recursos repassados pelo Fundef aumentou em 33%.
Nos resultados apresentados, destacam-se o grande
aumento dos repasses do Fundo para as regiões Norte
e Nordeste e para os municípios das regiões metro­
Apesar de a constituição federal determinar a destinação
de 25% das receitas estaduais à educação, alguns estados
ampliaram este percentual através de lei estadual.
8
A taxa de escolarização das pessoas entre sete e 14 anos
de idade passou de 90,2% em 1995 para 95,7% em 1999.
Atualmente (2007) está em 97,7% (IBGE, 2009c).
7
|5
politanas, sabidamente aqueles que concentram os
orçamento enquadrado à política macroeconômica
maiores bolsões de pobreza. Fato este, que de acordo
res­tritiva adotada pelo governo. Projetos, como o Comu­­
com o autor, demonstra a melhor distribuição dos gas­
nidade Solidária, que tinham como meta repassar recur-
tos (SEMEGHINI, 2001).
sos para o desenvolvimento de comunidades carentes,
No que tange à área da saúde, a política gover-
exigiam como contrapartida saneamento das contas
namental não fugiu à regra acima exposta. Programas
públicas municipais. Muitos destes municípios se encon-
específicos para esta área, como o Programa Saúde da
travam em péssimas condições financeiras, deste modo,
Família (PSF) e o Programa do Agente Comunitário da
o projeto não atingia seus objetivos. Para terem acesso
Saúde (PACS) também estavam imbuídos do espírito de
aos repasses federais desses e de outros programas,
descentralização das responsabilidades, posto que suas
vários estados e municípios acabaram renegociando­
gestões ficavam a cargo das prefeituras. Ambos os pro-
suas dívidas, o que acabou comprometendo grande
gramas apresentavam um caráter mais focalizado, dado
parte de seus orçamentos, com pagamento de juros e
que as ações concentravam-se em regiões mais caren-
amortizações10.
tes. Além da descentralização e da ênfase em políticas
Assim, pode-se concluir que houve, por parte do
focalizadas e preventivas, o governo também buscou
governo, iniciativa no sentido de ampliar a eficiência
ampliar as fontes de financiamento do Sistema Único
no trato com os recursos, seja por meio da criação de
de Saúde (SUS). Com este objetivo, foi criada a Con-
novos programas, seja através da descentralização das
tribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras
responsabilidades sobre os serviços sociais. A despei-
(CPMF) . Além desta fonte financeira, foram determina-
to disto, os compromissos assumidos com organismos
das a fixação e a preservação de receitas mínimas para
multilaterais como o Banco Mundial (BIRD) e o Fundo
a saúde (DRAIBE, 2003).
Monetário Internacional (FMI) destinavam grande parte
9
Outros programas de cunho social foram criados
das receitas públicas ao pagamento de juros da dívida,
no período, cabe dizer, todos submissos à política mo-
inviabilizando a disponibilidade de receitas necessárias
netária do governo. Dentre estes programas, convém
para uma sustentável e duradoura melhora nestes ser-
destacar: o Programa Nacional de Agricultura Familiar
viços. Em suma, os gastos com os altos juros praticados
(Pronaf), de 1995, a Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
não só restringiram as políticas sociais, como também
cação Nacional (LDB), de 1996, o Programa Nacional
quaisquer outras políticas púbicas visando o desenvol-
de Alimentação Escolar (PNAE), de 1999, o Programa
vimento do país.
Comunidade Solidária, de 1995, de autoria da então pri-
Por fim, o período analisado foi caracterizado por
meira-dama Ruth Cardoso, o Programa de Ação Social
seu baixo crescimento econômico, e, consequentemen-
de Saneamento (PASS), de 1995, o Programa Habitar
te, pouco incremento nas receitas da União, dos estados
Brasil, de 1996, e o Programa de Erradicação do Traba-
e dos municípios. Diante deste quadro, houve ampliação
lho Infantil (Peti), também de 1996 (FAGNANI, 1999).
Ainda de acordo com Fagnani (1999), todos estes
programas sofreram do mesmo mal. Eles tinham seu
9
Criada pelo então ministro da saúde Adib Jatene, em julho
de 1993, durante o governo Itamar Franco, com o nome de
Imposto Provisório de Movimentações Financeiras (IPMF),
incidia sobre todas as transações de débito efetuadas nas
contas mantidas pelas instituições financeiras. Em 1997,
tornou-se CPMF, sendo extinta em 2007 (SILVEIRA, 2007).
6|
10
A partir de 1996 o governo central possibilitou às unidades
federadas renegociarem suas dívidas com a União. Para que
isto ocorresse, os governos estaduais deveriam se enquadrar
em algumas diretrizes. Dentre elas, não permitir que o valor
da dívida ultrapassasse o da receita líquida real anual, obter
superávit primário, controlar a despesa com o funcionalismo,
alcançar as metas de arrecadação estabelecidas no acordo,
reformar o Estado e não ultrapassar o valor fixado como
teto para os investimentos. Com exceção do Amapá e de
Tocantins, todos os estados brasileiros renegociaram suas
dívidas (SILVEIRA, 2007a).
Revista da
FAE
da demanda por ações públicas, enquanto o quadro de
estes resultados, a União tem expandido sucessivamente
prioridades do governo mantinha minguados os recur-
não só o número de benefícios, mas também o repasse
sos voltados para atendê-las. A conclusão a que se pode
para o Bolsa Família.
chegar sobre este momento da história brasileira é de
Na tabela 1 fica clara a opção pelos programas de
que a escassez de recursos disponibilizados para as po-
transferência de renda após 2001. Os mesmos estão
líticas sociais, aliada ao baixo crescimento do produto,
incluídos na rubrica Assistência Social e tiveram seus
não permitiu que a desigualdade da renda se reduzisse
recursos majorados de menos de 0,29% do PIB em 1999,
fortemente. Desta maneira, mesmo após forte queda
para 0,99% em 2008. Por sua vez, a rubrica Educação
dos índices inflacionários, o Índice de Gini manteve-se
que respondia por 0,95% do PIB em 1995 caiu a 0,76%
praticamente estável durante o período 1994 a 2000.
em 2008, enquanto as despesas com Saúde reduziram
de 1,79% para 1,51% do PIB, no mesmo período.
Como constatado através dos dados expostos a
3 Políticas sociais de 2001 a 2008:
transferência de renda
A partir do ano de 2001, é possível notar uma varia­
ção clara quanto às políticas sociais. Com a criação do
Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação
(o Bolsa Escola), e do Programa Auxílio-Gás, o governo
iniciou uma política de transferência direta de renda. Esta
política objetivava atender as demandas sociais focalizando
os gastos. Em outras palavras, o intuito passou a ser
“atender a quem realmente precisa”, sem “desperdiçar”
seguir, a opção pelos programas focalizados parece
ter reduzido os já tímidos gastos sociais universais.
Conforme será tratado à frente, programas de
transferência de renda só podem ter algum sucesso em
reduzir as disparidades de renda nas camadas sociais
mais baixas. Em outras palavras, programas como
o Bolsa Família reduzem a desigualdade e ampliam
minimamente os recursos dos mais pobres, tornandoos menos pobres.
Entretanto, para que se alcance um padrão de
sociedade mais próximo do que se possa chamar de
recursos. Estes programas podem ser­avaliados como uma
socialmente justa, é necessário mais que isso, já que as
maneira de equacionar as cres­centes demandas sociais
políticas sociais de cunho universal são imprescindíveis.
da população, frente à baixa dis­ponibilidade de recursos
Devido ao destaque dado pelo governo ao Bolsa Família,
públicos voltados a este seg­mento, ocasionada pela
a seção seguinte detalhará este programa, enfatizando
política macroeconômica em voga.
seus êxitos e limites.
Com a vitória de Luís Inácio Lula da Silva nas eleições
TABELA 01 - GASTOS SOCIAIS DO GOVERNO BRASILEIRO (% DO PIB)
realizadas em 2002, a opção pela focalização dos gastos
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
sociais iniciada na reta final do governo FHC foi mantida
Assist. Social
0,08
0,09
0,17
0,24
0,29
0,40
0,49
e ampliada. Após a fracassada tentativa de instalação
Educação
0,95
0,80
0,74
0,79
0,78
0,87
0,83
do Programa Fome Zero – liderada pelo Ministério
Emprego
0,53
0,56
0,53
0,59
0,53
0,52
0,56
Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à
Saúde
1,79
1,53
1,67
1,58
1,69
1,70
1,71
Fome, sob o comando de José Graziano – o governo
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
unificou todos os programas de transferência de renda,
Assist. Social
0,60
0,66
0,75
0,83
0,91
0,95
0,99
criando assim o Bolsa Família. Como após a criação deste
Educação
0,76
0,71
0,73
0,77
0,73
0,73
0,76
Programa, em 2004, os índices que medem o perfil da
Emprego
0,56
0,55
0,55
0,59
0,69
0,75
0,75
desigualdade da renda acentuaram sua melhoria, seu
Saúde
1,68
1,58
1,62
1,59
1,68
1,52
1,51
sucesso foi logo apresentado pelo governo. Frente a
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009
FONTE: IPEA (2009c), 2009 até o ano de 2005. BRASIL, 2009 de 2006 a 2008
|7
3.2 O Programa Bolsa Família
a inter-setorialidade, a complementaridade e a sinergia
das ações sociais do poder público (BRASIL, 2004).
Através da Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de
2004, foi criado o Programa Bolsa Família, destinado
à transferência de renda para camada da população
menos favorecida. Para obtenção e manutenção do
benefício, a família deve passar por periódicas avalia­
ções, compostas por exame pré-natal para gestantes,
acompanhamento nutricional e de saúde – inclusive a
atualização das vacinações – além de frequência escolar
mínima de 85% em estabelecimentos de ensino regular,
para as crianças e jovens em idade escolar. O Programa
foi originado da união de diversos procedimentos
de gestão e execução das ações de transferência de
renda do governo federal, especialmente do Programa
Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação
(o Bolsa Escola), do Programa Nacional de Acesso à
Alimentação (PNAA), do Programa Nacional de Renda
Mínima vinculado à Saúde (o Bolsa Alimentação) e do
Programa Auxílio-Gás, bem como de elementos do
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).
Suas finalidades de acordo com o quadro 1, são:
Quando de seu lançamento, o valor mensal do
benefício era de R$ 50,00 para famílias com renda per
capita de até R$ 50,00, assim como de R$ 15,00 por
beneficiário até o limite de R$ 45,00, para famílias com
renda per capita de até R$ 100,00. Atualmente, o valor
mensal do benefício é de R$ 68,00 para famílias com
renda per capita de até R$ 70,00 (mesmo que estas
famílias não tenham crianças, adolescentes ou jovens);
assim como de R$ 22,00 por beneficiário até o limite
de R$ 66,00 para famílias com renda per capita de
até R$ 140,00. Dessa forma, presentemente, o menor
valor pago é de R$ 22,00 e o maior é de R$ 200,00,
sendo o benefício variável pago a famílias com filhos
de até 15 anos, limitado ao número máximo de três
crianças – e o Benefício Variável Jovem (BVJ)11 no valor
de R$ 33,00, pago para adolescentes de 16 e 17 anos
que estejam frequentando a escola, até o limite de dois
benefícios por família. Os recursos são concedidos por
meio de depósito em uma conta corrente previamente
cadastrada junto ao sistema bancário público. Em 2009,
QUADRO 01 - FINALIDADES E DESTINAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA
durante a votação do Orçamento da União, o Congresso
Nacional aprovou o montante de R$ 11,9 bilhões para
FAMÍLIA
Finalidade
Destinação
o Programa, posteriormente ampliado para R$ 12,3
Benefício
básico
Unidades familiares que se encontram em situação
de extrema pobreza, ou seja, a chamada pobreza
crônica, quando o principal gestor da família
encontra-se desempregado há mais de dois anos.
bilhões, cuja abrangência deve saltar das atuais 10,8
Unidades familiares que se encontram em situação
de pobreza transitória (quando a família sofre por
um problema de renda temporário) ou de extrema
pobreza que tenham em sua composição gestantes,
nutrizes, crianças entre zero e doze anos ou adolescentes de até 17 anos de idade.
escalonada, com 300 mil incluídas em maio, 500 mil em
Benefício
variável
FONTE: BRASIL (2004)
Além disso, o Programa tem como objetivos:
a) permitir o acesso à rede de serviços públicos, em
especial, de saúde, educação e assistência social; b)
combater a fome e promover a segurança alimentar
e nutricional; c) estimular a emancipação sustentada
das famílias que vivem em situação de pobreza ou de
extrema pobreza; d) combater a pobreza; e) estimular
8|
milhões de famílias e chegar a 12,3 milhões de lares no
Brasil – a inclusão das novas famílias será feita de forma
agosto e mais 500 mil em outubro (MDS, 2009).
O resumo demonstrativo do Bolsa Família por
unidade da Federação, para o exercício de 2008,
mostra que 100% dos municípios brasileiros recebe­
ram o benefício. O número de famílias atendidas, no
referido período, foi de 10,8 milhões, perfazendo, em
média, um montante de mais de R$ 900 milhões ao
mês, sendo o valor médio por benefício de R$ 85,00
(MDS, 2009).
11
Em 2008, passou a vigorar esta extensão do atendimento
do Programa Bolsa Família.
Revista da
FAE
Assim, ao se avaliarem os valores acima de
apresenta um nível de concentração12 semelhante ao
forma agregada para o ano de 2008, pode-se chegar
do Chile Solidário e ao do Oportunidade do México,
às seguintes conclusões: a) o gasto realizado com
considerados referência mundial em programas de
o programa Bolsa Família neste ano foi de R$ 10,8
transferência de renda.
bilhões, o que representou cerca de 0,37% em relação
Soares, Ribas e Soares (2008) e Rocha (2007), ou-
ao PIB total deste mesmo ano (MDS, 2009); b) este total
trossim, defendem que o maior problema a ser equa-
equivale a cerca de 6% do total do gasto público com o
cionado pelo Bolsa Família é o número ainda grande de
pagamento dos juros da dívida pública em 2008, cerca
pessoas que deveriam recebê-lo e ainda não recebem.
de R$ 180 bilhões (IPEA, 2008); c) o programa Bolsa
Para atender a todas as famílias que se enquadram no
Família atingiu, no transcorrer do exercício em análise,
cerca de 21% da população total do Brasil, o que
representou em torno de 40 milhões de seus cidadãos
recebendo o auxílio (MDS, 2009).
A análise desses números mostra, em um pri­
perfil do beneficiário do Programa, a meta deveria ser
atingir 15 milhões de famílias (SOARES; RIBAS; SOARES,
2008). Para tanto, os gastos com o Bolsa Família
deveriam ser ampliados, o que pode esbarrar na política
econômica do governo.
meiro momento, que o gasto realizado por meio da
concessão do benefício do Bolsa Família frente ao PIB
foi relativamente baixo em relação ao indicador do ano
de 2008. Mostra ainda a “timidez” dos gastos com o
Programa quando comparado com outros desembolsos
da União no mesmo período. Observando-se o total dos
pagamentos realizados com juros da dívida pública em
2008, nota-se que o gasto social – não apenas o Bolsa
Família – ainda é muito pequeno perante o montante
dos gastos do governo. Tal fato parece estar associado
às altas taxas de juros praticadas entre 1994 e 2008, o
que levou o somatório dos juros pagos da dívida interna
pelo poder público a aumentar cada vez mais.
Apesar dos escassos recursos destinados ao
Bolsa Família, o seu “sucesso” é justificado pela forte
concentração dos benefícios nas camadas mais carentes
da população (BARROS; CARVALHO; FRANCO, 2007).
Estudo realizado por Soares et al. (2007) aponta o alto
grau de concentração do Programa. De acordo com os
dados apresentados pelos autores, extraídos do PNAD
de 2004, 80% dos recursos repassados pelo Bolsa
Família ficam com pessoas que estão abaixo da linha
da pobreza, o que corresponderia a 32% da população
brasileira caso não existisse o Programa. Adicionalmente,
48% dos repasses atingem os 14% da população que
viveria na indigência sem ele. Soares, Ribas e Soares
(2008) mostram, além disso, que o Bolsa Família
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009
Por outro lado, Barros, Carvalho e Franco (2007)
apresentam dados relativizando a importância do Bolsa
Família na recente redução da desigualdade de renda.
Com dados de 2005, os autores apontam que o total
de pessoas abaixo da linha de indigência passa de 14%
para 13% após repasse dos recursos. Isto ocorreu devido à pequena magnitude do valor dos benefícios. A
título de exemplo, se este valor fosse dividido em uma
família com seis pessoas, a renda per capita chegaria
a R$ 30,00. O que equivale a dizer que se esta mesma
família possuísse uma renda familiar per capita inferior
a R$ 35,00, mesmo com o recebimento do Bolsa
Família, ela permaneceria abaixo da linha da indigência13. A despeito dos dados utilizados na pesquisa serem
de 2005, é possível estimar que os resultados encontrados ainda sejam válidos, já que os valores dos benefícios
continuam baixos. Ou seja, o papel do Bolsa Família em
reduzir a pobreza absoluta não seria, segundo o estudo,
tão relevante.
Com este quadro, pode-se concluir que a maior
responsabilidade do Programa está em reduzir as desiO nível de concentração corresponde a um índice que mede
o quanto dos recursos atingem as famílias de renda mais
baixa.
13
Em consonância com Barros, Carvalho e Franco (2007), a
linha de indigência considerada neste estudo é de R$ 65,00
mês e a de pobreza é de R$ 100,00 mês.
12
|9
gualdades entre os menos favorecidos. Ou seja, o Bolsa
Sobre este aspecto é preciso destacar a importância
Família permitiu uma pequena melhora no padrão de
do recente aumento das taxas de crescimento eco­
vida de pobres e miseráveis. Ainda assim, os resultados
nômico15, com forte impacto sobre os índices de
dos estudos já realizados mostram que os valores dos
desemprego. Por seu turno, não se pode menosprezar
benefícios deveriam ser reajustados ao menos acom-
o papel das políticas educacionais pós-Constituição de
panhando os índices da inflação. Por seu turno, uma
1988, que, mesmo tímidas, estariam apresentando seus
ampliação sem limites do benefício não parece ser a
resultados após um período de maturação. Dentre estes
solução para os problemas do país. O Bolsa Família se
fatores, destaca-se a redução da taxa de analfabetismo,
justifica apenas enquanto programa de renda mínima
do acesso ao ensino básico e também ao ensino
que visa garantir, ao menos, uma parcela de cidadania
superior, e, consequentemente, do aumento do nível de
àqueles marginalizados da sociedade. Sua sustentação,
escolaridade, que contribui positivamente na redução
no entanto, faz-se na medida em que os cidadãos, ao
das desigualdades salariais.
adquirirem as condições mínimas de sobrevivência, pos-
Estes estudos revelam que parcela16 importante
sam ter seu direito garantido à saúde, à educação, ao
desta melhora na distribuição da renda tem como
saneamento básico e a todos os demais serviços públi-
responsáveis fontes de renda não derivadas do trabalho,
cos de qualidade. Somente assim este grupo de pessoas
especialmente as transferências públicas. Dentre estas
poderá lograr se livrar definitivamente de uma condição
políticas, é dado destaque ao Benefício de Prestação
de vida subumana e passar a constituir uma sociedade
Continuada (BPC), com cobertura concentrada, porém,
mais justa. Para tanto, o Programa deveria atuar com-
pouco ampla. Como seu valor base consiste em um
plementarmente a estas outras políticas sociais univer-
salário mínimo nacional17, o Benefício cumpriu relevante
sais e não como “substituto” das mesmas.
papel na melhoria da distribuição de renda e na redução
da pobreza. De acordo com Barros, Carvalho e Franco
(2007), o impacto do BPC na queda da desigualdade
4 Outros fatores para a redução
recente da desigualdade
Em contraponto ao sucesso do Programa Bolsa
Família, Hoffmann (2007), Barros, Carvalho e Franco
(2007) e Rocha (2007) apresentam outros fatores como
sendo os principais responsáveis pela recente melhora
na distribuição de renda no Brasil. Desta redução,
algo em torno de 50%14 deve-se a transformações no
mercado de trabalho. Este dado indica que entre os
trabalhadores vem ocorrendo uma queda da disparidade salarial.
de renda foi similar ao do Bolsa Família, pois mesmo o
primeiro tendo atingido um número bem mais reduzido
de domicílios – 2,3 milhões – ele lhes proporciona uma
renda maior, sendo, portanto, capaz de alçar a família
do beneficiado a uma faixa superior de renda.
É importante destacar ainda que programas
como Luz para Todos, o Pronaf – cujo repasse chegou a
R$ 7,2 bilhões na safra 2008/2009 –, a criação do Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)
substituindo o Fundef, a política de cotas raciais nas
universidades federais, a criação do Programa Univer­si­
O PIB apresentou os seguintes incrementos desde 2001:
1,3% (2001), 2,7% (2002), 1,1% (2003), 5,7% (2004), 2,9%
(2005), 4,0% (2006) e 5,4% (2007) (IBGE, 2009c).
16
Resultados variam entre 20% e 50% da fatia da contribuição
da renda não derivada do trabalho na redução da desi­
gualdade.
17
Sobre variação do salário mínimo, vide gráfico 3.
15
Segundo Barros, Carvalho e Franco (2007) há algumas
divergências sobre este número. Em outros estudos esta
parcela aparece com valores muito diferentes, chegando até
a 80%. De acordo com Hoffmann (2007), no período de 2001
a 2005, 80% do desempenho do Índice de Gini deveu-se a
melhorias na distribuição da renda originária do trabalho.
14
10 |
Revista da
FAE
dade para Todos (ProUni)18 e do Programa de Apoio a
Na próxima seção, será apresentada outra ver-
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidade
tente da distribuição de renda que desvenda parte do
Federais (Reuni)
e o Programa de Aceleração do
que os dados do Índice de Gini encobrem. Assim, fica-
Crescimento (PAC) não podem ser desconsiderados como
rá explícito o quanto ainda deve ser aprimorado o rol
fatores responsáveis por essa melhora na distribuição
das políticas públicas sociais no Brasil, se sua meta for
da renda. Somente com a continuidade, não apenas
efetivamente reduzir as disparidades na renda de seus
dos programas de transferência de renda, mas do
cidadãos.
19
crescimento econômico e, principalmente, das políticas
públicas universais é possível dar sustentabilidade a esta
melhora. Neste sentido, torna-se imperiosa uma alteração
no quadro de prioridades que, de forma mais ou menos
5 Distribuição funcional da renda
inflexível, persiste no Brasil desde a implementação do
Embora tenham sido verificados diversos avanços
Plano Real, com suave percepção de melhora nos últimos
anos, conforme o gráfico 5 .
nos dados sociais brasileiros nos anos em análise, há
20
Neste gráfico é possível perceber como os gastos
que pesar certas questões controversas, assim como os
sociais perderam espaço para as despesas financeiras
limites dos dados apresentados. Um ponto nevrálgico
durante o período analisado. As despesas financeiras
desta discussão está correlacionado à principal fonte
que, em 1995, correspondiam a pouco mais de 30%
de informações sobre a renda disponível: a PNAD.
dos gastos sociais, passaram para quase 70% destes em
Este levantamento é muito criticado, já que ele
2003. Mesmo com a ligeira recuperação, nos últimos
apenas considera a renda corrente das pessoas, não
anos, os gastos sociais ainda são muito tímidos frente
remetendo a valorizações de ativos21, rendimentos
aos problemas vividos no país.
financeiros e subsídios. Contudo, o ponto de concor­
GRÁFICO 05 - RELAÇÃO DO GSF E DAS DESPESAS FINANCEIRAS NA
DESPESA EFETIVA DO GOVERNO FEDERAL 1995-2005
dância mais intenso é o da sub-declaração de renda
entre as faixas mais elevadas, haja vista que a res­
posta é espontânea.
70
60
Gasto
Social
Federal
50
40
30
Despesa
Financeira
20
10
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
0
FONTE: IPEA (2009c)
Dedecca, Jungbluth e Trovão (2008) expõem
que a massa de renda aludida pela PNAD representa
tão somente 45% do PIB. Neste sentido, vale lembrar
a relevância da distribuição funcional da renda, que
revela o padrão de desigualdade entre as diferentes
classes sociais (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007). Esta
análise mostra que a distribuição de renda observada
nos últimos anos ocorreu majoritariamente entre os
O ProUni tem como finalidade a concessão de bolsas de
estudo integrais e parciais em instituições privadas de
educação superior para pessoas com renda per capita
familiar máxima de até três salários mínimos. Criado pelo
Governo Federal em 2004 e institucionalizado pela Lei
nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005 (BRASIL, 2009).
19
O Reuni foi instituído em 2007. Busca o aumento de vagas,
implantação de cursos noturnos, criação de novos cursos,
integração com educação básica, combate à evasão, in­
gresso extravestibular, aumento da relação aluno/professor
(BRASIL, 2009a).
20
GSF: Gasto Social Federal.
18
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009
trabalhadores. O fato da massa dos salários apresentar
tendência declinante como vemos no gráfico 6, indica
que a redução da desigualdade, vista no Índice de Gini,
nada mais é que um “nivelamento por baixo” da renda
dos trabalhadores.
21
10% da desigualdade advêm da remuneração dos ativos
(IPEA, 2008).
| 11
GRÁFICO 06 - PARTICIPAÇÃO DOS SALÁRIOS E DO EXCEDENTE
OPERACIONAL BRUTO NO PIB 1995-2006
Convém ressaltar que somente analisando o com­
portamento da distribuição da renda entre os dois
36
principais fatores de produção – capital e trabalho, é
35
34
Salários
33
% 32
31
Excedente
operacional
bruto
30
29
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
28
possível obter maiores conclusões sobre sua efetiva
equalização no país. Embora sua repartição entre os
trabalhadores melhore os dados sociais e reduza a
pobreza, ela não altera a posição de quem detém boa
parte do produto nacional. Assim sendo, o quadro
observado até 2003 equaliza parte da riqueza, mas
mantém a distância entre os dois fragmentos sociais.
Ano
FONTE: IBGE (2009a)
NOTA: Para os “salários”, não foram consideradas as contribuições
sociais efetivas e imputadas. Como os dados de 2007 e 2008
sobre a distribuição funcional da renda não estão disponíveis,
não é possível avaliar o impacto da persistência da elevação
no rendimento real.
Apenas a recuperação da renda real do trabalhador
viabiliza efeitos mais profundos no bem-estar da
sociedade, rompendo com as limitações da queda da
desigualdade anterior. O aquecimento do mercado de
Entre 2004 e 2006, no entanto, a participação dos
trabalho, as políticas públicas de proteção social e a
salários no PIB aumentou, conforme o gráfico 6. Já o grá-
valorização do piso salarial legal oportunizaram o início
fico 7 apresenta, em maior detalhe, o comportamento
de uma longa retomada. Deste modo, é indispensável
do rendimento real do trabalhador a partir de 2003. É
que o Estado aprofunde suas políticas sociais universais
de rápida percepção que a recuperação do rendimento
e que a reversão do mercado de trabalho se sustente
real dos trabalhadores teve impacto positivo sobre o
aumento da parcela da massa salarial no produto.
seção, o diagnóstico de que apenas as políticas
focalizadas não são capazes de redistribuir a renda
GRÁFICO 07 - RENDIMENTO MÉDIO MENSAL DO TRABALHO JAN/2003
a partir do aquecimento econômico. É mister, nesta
DEZ/2008
entre o capital e o trabalho.
1300
1250
Considerações finais
1200
1150
1100
Conforme apresentado neste artigo, as políticas
1050
sociais durante todo o período avaliado estiveram
set/08
jan/08
mai/08
set/07
mai/07
jan/07
set/06
jan/06
mai/06
set/05
mai/05
set/04
jan/05
mai/04
jan/04
set/03
mai/03
jan/03
1000
FONTE: IBGE (2009b)
subor­dinadas a estratégias macroeconômicas conser­
vadoras e anti-inflacionárias, o que equivale a dizer
que tais políticas tiveram um papel reduzido em uma
Este resultado se explica: a) pela maior demanda
consistente análise do período. Desta feita, as mesmas,
por mão-de-obra, oriunda do crescimento econômico;
a despeito de não terem alcançado o que deveria ser
b) pela variação real positiva do salário mínimo; e
seu objetivo maior – viabilizar uma sociedade mais justa
c) pelas políticas de transferência de renda (DEDECCA;
e menos desigual – foram e continuam sendo cruciais
JUNGBLUTH; TROVÃO, 2008). Desta forma, observa-se
para legitimar as políticas menos populares (ortodoxas)
o movimento positivo na estrutura da renda que, de
dos governos de então. Seu papel vem sendo o de
uma maneira mais abrangente, passou a ser verificada
reduzir os efeitos deletérios das políticas recessivas,
a partir de 2004.
sem, contudo, sobrepô-las ou comprometê-las.
12 |
Revista da
FAE
Neste sentido, mesmo após a posse do novo
produzindo os efeitos vistos na dinâmica do Índice
governo em 2003, a opção por um novo formato de
de Gini, sem, contudo, conter efeitos diretos sobre a
políticas sociais apenas altera a percepção de sucesso
redistribuição desta renda entre os salários e os frutos
das referidas políticas, sem alterar seu pano de fundo.
do capital.
Em outras palavras, diante da ineficácia das tentativas
Desta forma, a conclusão atingida neste artigo foi
de universalizá-las sem ampliar seu orçamento, o
a de que as políticas sociais focalizadas foram as que
governo decidiu focalizar os escassos recursos sob o
apresentaram maior eficiência enquanto legitimadoras
pretexto de que estariam sendo revertidos para quem
do conservadorismo fiscal e monetário. Tendo as mes-
realmente necessita.
mas alcançando não apenas os melhores resultados
O comemorado êxito desta guinada nas políticas
vistos na redução da pobreza e na melhora da distri-
sociais pode ser creditado à considerável melhoria nos
buição da renda, como também avalizando o governo
índices que medem a desigualdade de renda. Por sua
frente à manutenção de outras políticas ortodoxas.
vez, o ponto fraco, neste propalado sucesso, reside,
Por outro lado, se o objetivo final das políticas
sem sombra de dúvidas, na manutenção da estratégia
sociais estiver, como se esperaria, ligado à verdadeira
macroeconômica, que continua mantendo os recursos
melhora do padrão de vida das massas excluídas,
destinados às prementes necessidades sociais abaixo do
apenas as políticas focalizadas não são suficientes. A
necessário. Sob este aspecto, ressalta-se que os juros da
despeito da pequena evolução em suas condições de
dívida interna são pagos sem restrições orçamentárias.
vida, milhares de pessoas ainda habitam nosso país em
O mesmo não vale para os gastos sociais que estão
situação subumana de existência, mostrando que muito
submissos a política fiscal.
mais tem que ser feito. Apenas com uma mudança do
Reflexo da ineficiência das políticas sociais foi visto
papel do Estado e com uma alteração estrutural do
quando se apresentaram os dados relativos à distribui-
modelo econômico vigente as políticas sociais podem
ção funcional da renda. A massa de salários, em termos
deixar de ser coadjuvantes e protagonizarem este enre­
de percentual do PIB, perdeu espaço ao longo da maior
do, passando assim de fato a cumprir seu papel. Somente
parte dos 15 anos estudados, tendo observado ligeira
desta forma a estabilidade de preços alcançada há 15
recuperação apenas recentemente. No entanto, mesmo
anos pelo Plano Real poderá ser acompanhada da tão
esta melhora se deve majoritariamente ao reaqueci-
necessária estabilidade social do país.
mento do mercado de trabalho e às fortes valorizações
do salário mínimo vistas no período.
Por sua vez, o êxito das políticas sociais focalizadas esteve em reduzir as disparidades internas entre os
assalariados – grupo majoritário nos dados da PNAD –
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009
•Recebido em: 18/06/2009
•Aprovado em: 26/10/2009
| 13
Referências
ARBIX, G. A queda recente da desigualdade no Brasil. Nueva Sociedad, Buenos Aires, v.212, p.132-141, out. 2007.
BARROS, R. P.; CARVALHO, M.; FRANCO, S. O papel das transferências públicas na queda recente da desigualdade de renda
brasileira In: BARROS, R. P.; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (Orgs.) Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda
recente. Brasília: IPEA, 2007.
BRASIL. Bolsa família: o Governo. 2004. Disponível em: <http://www.fomezero.gov.br/ContentPage.
aspx?filename=pfz_4000.xml>. Acesso em: 15 maio 2005.
______. Dados estatísticos do Programa Bolsa Família. Disponível em: <http://www.fomezero.gov.br/download/bf_poruf_
part.pdf>. Acesso em: 15 maio 2005.
______. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Indicadores de desenvolvimento humano. Atlas Território Rurais, p.40-64,
2004. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/sdt/arquivos/c_Perfil_Socio-Economico_II.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2009.
______. Ministério da Educação. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br>. Acesso em: 12 fev. 2009a.
______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Benefícios e condicionalidades. Disponível em:
<http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/beneficios-e-contrapartidas>. Acesso em: 14 set. 2007.
______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Benefícios e contrapartidas. Disponível em:
<http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/beneficios-e-contrapartidas>. Acesso em: 13 jan. 2009b.
______. Secretaria do Tesouro Nacional. Disponível em: <http://www.fazenda.gov.br>. Acesso em 12 abr. 2009c.
DEDECCA, C. S.; JUNGBLUTH, A.; TROVÃO, C. J. B. M. A queda recente da desigualdade: relevância e limites. In: ENCONTRO
NACIONAL DE ECONOMIA DA ANPEC, 36., 2008, Salvador. Anais... Salvador, 2008. 1 CD-ROM.
DRAIBE, S. A política social no período FHC e o sistema de proteção social. Revista Tempo Social, São Paulo, v.15, n.2,
p.63-101, nov. 2003.
FAGNANI, E. Ajuste econômico e financiamento da política social brasileira: notas sobre o período 1993/98. Economia
e Sociedade, Campinas, v.8, n.2, p.155-178, jan. 1999.
FILGUEIRAS, L. História do plano real. São Paulo: Boitempo, 2006.
FILGUEIRAS, L.; DRUCK, G. Política social focalizada e ajuste fiscal: as duas faces do governo Lula. Revista Katálysis,
Florianópolis, v.10, n.1, p.24-34, 2007.
FILGUEIRAS, L.; GONÇALVES, R. A economia política do governo Lula. Rio de Janeiro: Contraponto, 2007.
FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M. Educação básica no Brasil na década de 1990: subordinação ativa e consentida à lógica do
mercado. Educação e Sociedade, Campinas, v.24, n.82, p.93-130, abr. 2003.
HOFFMANN, R. Transferências de renda e redução da desigualdade no Brasil e em cinco regiões entre 1997 e 2005 In:
BARROS, R. P., FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, Gabriel (Orgs.). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente.
Brasília: IPEA, 2007. v.2, p.17-40.
IBGE. Contas nacionais trimestrais. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/defaultcnt.shtm>.
Acesso em: 15 jan. 2009a.
______. Pesquisa mensal de emprego: vários anos. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/acervo/acervo2.
asp?z=t&o=15>. Acesso em: 12 fev. 2009b.
______. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD): vários anos. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/
estatistica>. Acesso em: 19 ago. 2009c.
______. Séries estatísticas & séries históricas. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/series_estatisticas/subtema.
php?idsubtema=103>. Acesso em: 13 fev. 2009d.
14 |
Revista da
FAE
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Base de dados do IPEADATA. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.
br/ipeaweb.dll/ipeadata?327279390>. Acesso em: 15 mar. 2009a.
______. Comunicado da presidência número 9: PNAD 2007, primeiras análises: pobreza e mudança social. Disponível em:
<http://www.ipeadata.gov.br>. Acesso em: 02 jan. 2009b.
______. Diretoria de Estudos Sociais (DISOC). Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/default.jsp>. Acesso em: 22 fev. 2009c.
______. Bolsa família foi uma saída, mas precisa ser reavaliado. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/default.jsp>.
Acesso em: 12 ago. 2007.
______. Sobre a recente queda da desigualdade de renda no Brasil. Nota técnica. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br>.
Acesso em: 22 set. 2008.
PINTO, J. M. R. Financiamento da educação no Brasil: um balanço do governo FHC (1995-2002). Educação e Sociedade,
Campinas, v.23, n.80, p.108-135, set. 2002.
RATHMANN, R.; SILVEIRA, S. J. C. Uma breve avaliação da eficácia do bolsa-família na distribuição de renda no Brasil.
Opinio, Canoas, v.19, p.43-55, 2007.
RIBEIRO, J. A. C. Financiamento e gasto do Ministério da Educação nos anos 90. Em Aberto: financiamento da educação no
Brasil, Brasília, v.18, n.74, p.33-42, dez. 2001.
ROCHA, S. Os “novos” programas de transferências de renda: impactos possíveis sobre a desigualdade no Brasil In: BARROS,
R. P.; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (Orgs.) Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília: IPEA,
2007. v.2, p.131-146.
SEMEGHINI, U. C. Fundef: corrigindo distorções históricas. Em Aberto: financiamento da educação no Brasil, Brasília, v.18,
n.74, p.43-57, dez. 2001.
SILVEIRA, S. J. C. O crescimento econômico passa pela renegociação das dívidas estaduais. Ações & Mercados, Porto Alegre,
v.6, p.16-17, jan. 2007a.
______. Era provisória até o passar do tempo. Ações & Mercados, Porto Alegre, v.9, p.12-13, jul. 2007b.
SOARES, F. V. et al. Programas de transferência de renda no Brasil: impactos sobre a desigualdade In: BARROS, R. P.; FOGUEL,
M. N.; ULYSSEA, G. (Orgs.). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília: IPEA, 2007. v.2, p.87-130.
SOARES, S. S. D.; RIBAS, R. P.; SOARES, F. V. Focalização e cobertura do Programa Bolsa Família: qual o significado dos 11 milhões
de famílias? In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA DA ANPEC, 36., 2008, Salvador. Anais... Salvador, 2008. 1 CD-ROM.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009
| 15
Revista da
FAE
Ecossocioeconomia das organizações: gestão que privilegia
uma outra economia
Eco-social economics of organizations: management that
privileges another economy
Resumo
Carlos Alberto Cioce Sampaio*
Ivan Sidney Dallabrida**
Apesar da hegemonia do utilitarismo econômico e do darwinismo social, emergem
alternativas ecossocioeconômicas que tentam dar conta das insuficiências da
combinação desses modelos. Tem-se como objetivo pensar na construção de uma
alternativa (ecos)socioeconômica que dê conta das insuficiências da combinação
destas dinâmicas a partir do estado atual do conhecimento sobre experiências em
curso que convergem para uma “outra economia”, ou seja, a ecossocioeconomia
das organizações. Este artigo baseia-se em pesquisa empírica exploratória de
perfil qualitativo acerca de experiências brasileiras e chilenas que ilustram cada
desdobramento identificado pela ecossocioeconomia das organizações. Os trabalhos
teóricos ou ideológicos são bem elaborados, entretanto sem prática convincente. Os
trabalhos empíricos vêm apresentando resultados promissores, contudo, sem uma
proposta clara de modelo de gestão que dê conta de tais desafios. Essas experiências
quando não sistematizadas em uma rede bem articulada, geralmente são cooptadas
pelo sistema que estavam tentando superar, caracterizado principalmente pela
sobreposição da eficiência produtiva econômica à efetividade socioambiental.
Palavras-chave: ecossocioeconomia das organizações; agenda 21 local; turismo
comunitário; responsabilidade socioambiental empresarial;
economia solidária.
Abstract
Since both utilitarian economy and the social darwinism have taken control over the
organizational field, there has been a need for the construction of an alternative economics.
The aim is to construct an alternative eco-social economics from the experiences in
course that converge with another economy, that is, the Ecossocioeconomics of the
Organizations. The study was made based in Chileans’ and Brazilians’ experiences. The
theoretical works and ideologies that have been dealt with within the subject have all
been well worked at, however without convincing practices. The empirical works have
also been presenting promising results, however they have not had a clear proposal of
a management model that would deal effectively with such challenges. When these
experiences are not well systematized within a well-articulated network, most of the
time they are co-opted by the system they were trying to overcome, which is mainly
characterized by the higher importance given to production efficiency over socio
environmental efficiency.
Keywords: eco-social economics; local 21 agenda; communitarian tourism;
entrepreneurships’ socio environmental responsibilities; solidarity economy.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009
* Doutor em Ciências Contábeis
e Administração (FURB);
Professor do Programa de
Pós-Graduação (Mestrado e
Doutorado) em Meio Ambiente
e Desenvolvimento (MADE) da
Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Sócio-Fundador do
Instituto LaGOE: Laboratório
de Gestão que promove
o Ecodesenvolvimento
(ONG situada em Curitiba).
Pesquisador CNPq. Email:
[email protected]
** Mestre em Desenvolvimento
Regional pela FURB.
Pesquisador do Instituto
LaGOE. E-mail: ivan.
[email protected]
| 17
Introdução
também nos países chamados desenvolvidos (com IDH
elevado). Sob estas evidências apontadas, o que se
Diante da atual conjuntura econômica, apontada
por críticos da dinâmica capitalista e da economia de
mercado por não mais responder aos novos desafios colo­
cados pelo aquecimento global e ser a causa de tantas
“patologias” sociais, faz se necessário apontar algumas
alternativas viáveis nos mais variados aspectos1.
Tais “patologias” podem assim ser classificadas:
acostumou chamar de desenvolvimento2 é qualificado
pelos mesmos críticos como “mau desenvolvimento”, ou
seja, um processo civilizatório que privilegia a minoria
da população mundial. Outro conjunto de indica­
dores agregados – denominado Pegada Ecológica –,
leva em conta a incapacidade de carga do planeta para
suportar tal estilo de desenvolvimento. Neste indicador,
para que o planeta pudesse suportar tal carga, sugere-
a)socioambientais: processos produtivos que priva­
se que este deveria ter uma área biofísica maior
tizam lucros e socializam prejuízos socioam­
(WACKERNAGEL; REES, 2001). Some-se a isto os efeitos
bientais, evidenciado pelo descaso com o
do aquecimento global que vem sendo divulgados pelo
manejo de recursos naturais não-renováveis;
Intergovernmental Panel on Climate Change e aponta
b)socioespaciais: planejamento e gestão setoria­
como causa do desequilíbrio a emissão de gases de
li­zados e padrões de uso e de acesso à terra
efeito estufa pela ação antrópica (WMO-UNEP, 2007).
privados prevalecendo sobre os comunitários;
Em síntese, estabeleceu-se um modo de desenvol­
c)sociopolíticas: instâncias democráticas mani­pu­
vimento humano baseado na combinação entre utilita­
la­das por interesses oligopolistas e burocracia
rismo econômico – fruto da dinâmica capitalista –, e
dominada por interesses corporativistas;
o chamado darwinismo social – resultado da dinâmica
d)dsocioeconômicas: subtrabalho, não-trabalho,
exclu­são social e apelação desenfreada pelo
consumo (mesmo entre aquelas pessoas que
não teriam condições para isso); e
e)socioculturais: substituição de modos de vida
tradicionais por padrões homogeneizados e
ressignificação do trabalho humano como
traba­lho repetitivo alienado (DOWBOR, 1983;
MAX-NEEF,
1986,
1993;
BERKES,
1996;
DOUROJEANNI, 1996; RAZETO, 1997; SEN, 2000;
SANTOS; SOUZA; SILVEIRA, 2002; SINGER, 2002;
SACHS, 2003, 2004).
de um mercado autorregulado –, ocasionando uma
racionalidade social egocêntrica, centrada no cálculo
de conseqüências de ganho econômico individual.
Não é de hoje que a dinâmica capitalista vem sendo
apontada como a principal causadora das “patologias”
socioambientais, socioespaciais e socioeconômicas,
que privilegia o cálculo de conseqüências econômicas
individuais de curto prazo sobre coletivas de médio e de
longo prazo. Por conseguinte, a economia de mercado
pode ser indicada como causadora principal das
“patologias” sociopolíticas e socioculturais, argumen­
tando que a má distribuição de renda é justificada pelo
esforço de alguns e a falta de vontade de outros.
Estas “patologias” são encontradas no seu extre­
mo, sobretudo nos países menos desenvolvidos, que
em sua maioria possuem baixo ou médio Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), e, em menor grau
Diante deste contexto, tem-se como objetivo
pensar na construção de uma alternativa (ecos)socioeco­
nômica que dê conta das insuficiências da combinação
destas dinâmicas. Isso a partir da busca do estado
atual do conhecimento sobre experiências em curso
1
Nesse sentido, ao analisar experiências mundiais de produção
não-capitalista, como alternativas ao modelo excludente,
Santos e Rodríguez (2002), concluem que as condições
econômicas, políticas e sociais contemporâneas favorecem
experiências associativas e práticas cooperativas.
18 |
que convergem com uma outra economia, ou seja, a
ecossocioeconomia das organizações.
Tido muitas vezes como sinônimo de crescimento econômico.
2
Revista da
FAE
A ecossocieconomia das organizações analisa
cada agrupamento: a) Agenda 21 Local: Fórum da
as complexidades do cotidiano, repensa a economia
Agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera (municípios de
através do ecodesenvolvimento e quebra paradigmas
Garopaba e Imbituba, Santa Catarina, Brasil), iniciada
ao contrapor-se ao utilitarismo economicista. Não se
em 2001; b) Turismo Comunitário: Prainha do Canto
tem, contudo, a pretensão de transformá-la em outro
Verde (Beberibe, Ceará, Brasil), iniciada em 1997; c)
modelo hegemônico, mas criar metodologias de gestão
Responsabilidade Socioambiental Empresarial (RSE):
que enfatizem ações participativas, descentralizadas e,
Florestal Río Cruces (sede Lanco, Región Los Lagos,
ainda, social e ambientalmente responsáveis. Os estudos
Chile), fundada em 1993; d) Economia de Comunhão
pretendem viabilizar ações em nível macroeconômico
(EdC): Sociedad de Inversiones Foco - Ahorro y Credito
(interorganizacional) e microeconômico (organizacional)
(sede em Santiago, Chile), criada em 1982; e e) Economia
possibilitando a ampliação de oportunidades de traba­
Solidária: Plataforma Komyuniti de Comércio Justo
lho e renda, principalmente em comunidades afasta­das
(sediada em Santiago, Chile), criada desde 1996.
das sedes de seus municípios (SAMPAIO, 2009).
O artigo inicia-se pela metodologia, que é basea­
da em pesquisas empíricas exploratórias acerca de
2 Ecossocioeconomia das
experiências consideradas de ecossocioeconomia das
organizações: por uma “outra”
organizações, cuja base conceitual é delineada no
economia
capítulo 3. Neste capítulo, explicita-se também os desdo­
bramentos daquele conceito, quais sejam: Agenda 21
Local, Turismo Comunitário, Responsabilidade Socioam­­
biental Empresarial, Economia de Comunhã e Economia
Solidária. No capítulo seguinte, são relatadas, de
forma sintética, as experiências que representam cada
desdobramento e, abordadas limitadamente, suas contri­
buições para o conceito-base desse estudo. As conside­
rações finais provindas da análise da base conceitual e das
O termo ecossocioeconomia3 surge a partir da
obra do economista ecológico Karl William Kapp
(1963). O primeiro prefixo “Eco” (Oikos = Casa) referese à ecologia e reforça o que o segundo prefixo “eco”
já deveria fazê-lo. Todavia, este foi vulgarizado ao longo
da história ao remeter seu significado ao que Aristóteles
já denunciava como crematística.
A ecossocioeconomia está imbricada na dis­
experiências constituem o quinto capítulo.
cussão sobre o ecodesenvolvimento (entendido como
antecedente do desenvolvimento sustentável). E
este, foi apontado como um paradigma sistêmico,
1 Metodologia
compreendendo princípios da ecologia profunda
(repensa os atuais estilos de vida), economia social (pon­
Este estudo vale-se de pesquisa exploratória sobre
dera as consequências sociais na ação econômica),
experiências brasileiras e chilenas em curso que podem
economia ecológica (pondera custos ambientais
ser qualificadas como de ecossocioeconomia das orga­
na ação econômica), ecologia humana (tem como
nizações.
catalogadas
premissa a inseparabilidade dos sistemas sociais e
processualmente e analisadas de forma definitiva, a
ecológicos) e planejamento participativo (SAMPAIO
partir de um projeto de pós-doutoramento no qual
et al., 2008).
Essas
experiências
foram
se visitou presencialmente todas as experiências.
Apresenta-se aqui um extrato resumido dos resultados
encontrados, ilustrando-se com uma experiência para
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009
3
Ver recente trabalho de Sachs (2007) organizado por Paulo
F. Vieira, intitulado Rumo à Ecossocioeconomia.
| 19
Enquanto o ecodesenvolvimento privilegia o enfo­
mesmo porque se percebe que estes elementos
que epistemológico-teórico, a ecossocioeconomia enfa­
necessitam um do outro para se manifestarem, tal
tiza o enfoque metodológico-empírico. A ecossocio­
como se apregoa na interorganização (ROUSSEAU;
economia ocorre no mundo da vida, nas comunidades,
ROUSSEAU, 2001). Quando esta possui ênfase sociopo­
nos povoados, nas organizações, onde os problemas e
lítica, chama-se de arranjo institucional, e na ocasião
as soluções acontecem e raramente são devidamente
que possui ênfase socioeconômica, denomina-a de
qualificados (SAMPAIO et al., 2008). Trata-se de uma
arranjo produtivo local. A interorganização não pode ser
teoria pensada, partindo das experimentações e da
legí­tima senão quando se origina de um consentimento
complexidade do cotidiano (SACHS, 1986a, 1986b).
necessariamente
consensuado.
Este
entendimento
Como desdobramento para pensar as organiza­
mútuo sobrepõe-se às ações voltadas ao sucesso, às
ções, surge o termo ecossocioeconomia das organizações
vezes chamadas equivocadamente de estratégicas,
que possibilita pensar a viabilidade interorganizacional
materializadas em sujeitos oportunistas para influenciar
para tal proposta e a efetividade extra-organizacional
outros (HABERMAS, 1989).
para o território, além de relevar a chamada extraracionalidade nos processos de tomada de decisão
aos grupos organizados ou quase organizados que
promovem o ecodesenvolvimento.
A ecossocioeconomia das organizações privilegia
os estudos que possibilitam a viabilidade macro (in­
teror­ganizacional) e microeconômica (organizacio­nal)
de grupos organizados ou quase organizados arti­
culados, chamados de empreendimentos com­parti­
lhados (SAMPAIO, 2009, p. 13).
A ecossocioeconomia das organizações sugere a
eminência de uma ação extra-organizacional, isto é,
o agente organizacional relevando os impactos de sua
ação sobre o entorno territorial (SAMPAIO, 2009). No
sentido de acordos institucionais, pensados como acordos
sociopolíticos e socioprodutivos de base comunitária,
de modo que gerem capital social, sugere-se identificar
os representantes das organizações que irão compor os
acordos, a reunir e estimular as bases para pensar três dife­
rentes ações: interorganizacionais, extra-organizacionais e
extra-racionais (SAMPAIO et al., 2008).
A participação interorganizacional deve, então,
girar em torno do espaço mediado entre o interesse
público e o privado, que é uma ação coletiva, operando
sobre as bases da intersubjetividade e do entendimento
genérico pela linguagem trivial do cotidiano, em distin­
ção dos símbolos específicos vigentes nas diferentes
instituições (entendidas como organizações). O espaço
público representa o nível onde se dá esse confronto de
opiniões que disputam o recurso escasso da tematização
e da consequente atenção dos tomadores de decisão.
As esferas do Estado, mercado e sociedade civil, mesmo
que ainda possuam ambiguidades quanto ao caráter
público do problema, ora se complementando, ora se
interpondo, devem ser vistas como potenciais criadores
que enriquecem o processo de negociação. Pois são elas
(as esferas) que legitimam os processos participativos como são os arranjos institucionais e produtivos -, e que,
consequentemente, possibilitam, no bojo da discussão,
o surgimento de questões estratégicas negociadas, o
que, neste caso, é necessariamente diferente da soma
destas esferas (COHEN; ARATO, 1992; COSTA, 1994).
O conceito extra-organizacional está atrelado
2.1 Interorganizacional, extra-organizacional
ao de interorganizacional. Quando se governa uma
e extra-racionalidade
interorganização presume-se que além do critério de
A natureza no homem permite a este superar a
dução que, no seu conjunto, determinam o grau de
contradição inerente ao estado social; ou seja, entre as
produtividade) e eficácia (é verificada através dos resul­
suas inclinações individuais e os seus deveres coletivos;
tados desses processos de produção, que determinam,
20 |
eficiência (é medida através dos processos de pro­
Revista da
por sua vez, o grau de competitividade), atrelados a
gestão organizacional, deve-se privilegiar o critério efeti­
vidade, isto é, relevar a gestão de risco socioambiental
FAE
2.2 A ecossocioeconomia das organizações
e seus desdobramentos
quanto ao território. O conceito de território deve estar
A partir de uma análise qualificada das experiências
distanciado da sua subversão ou sua subordinação
pesquisadas, definiu-se cinco desdobramentos da
aos fluxos meramente econômicos, recompondo-se e
ecossocioeconomia das organizações, que caracterizam
reconceituando-se como um movimento de elemen­tos,
bem seu enfoque metodológico-empírico: Agenda 21
entre eles, sociais, geográficos e naturais; e a preocu­
Local, Turismo Comunitário, Responsabilidade Social
pação não está na definição de seus limites, mas nos
Empresarial (RSE), Economia de Comunhão (EdC) e
entrelaçamentos que o compõem. Não há, então,
como estudar o território sem fazê-lo correlativamente,
em duplo sentido, com os demais contextos: local,
microrregional, regional, nacional e internacional.
Entretanto, o território possui especificidades que não
devem ser tomadas como mero reflexo destes demais
contextos. Sugere-se, então, que num cenário de gestão
Economia Solidária (ES); neste último, enfocou-se uma
vertente da ES, denominada Comércio Justo.
a) O primeiro desdobramento remete à Agenda
21, um compromisso internacional de alta cúpula governamental e não-governamental que assumiu o desafio de incorporar às políticas públicas dos países sig-
interorganizacional ou arranjo institucional, o conjunto
natários princípios que os colocavam a caminho de um
de organizações que o compõem deverá refletir não
outro desenvolvimento, chamado ecodesenvolvimento
apenas a micro complexidade do território, mas também
ou desenvolvimento sustentável (AGENDA, 2000). Esse
a macro complexidade dos demais espaços (FISCHER,
compromisso constitui-se na mais abrangente iniciati-
1993; SANTOS, 1994; LEVY, 1998).
va para promover justiça social, eficiência econômica e
Operacionalizando estes dois princípios da
prudência ecológica, incluindo ações para os países de-
ecossocio­eco­nomia nas organizações, sugere-se que
senvolvidos e em desenvolvimento e apoiada em valores
a governança interorganizacional deve ser conduzida
como democracia e participação – igualdade de direitos,
pautada por critérios extra-organizacionais, no sentido
combate à pobreza e à miséria e respeito à diversidade
de incorporar demandas socioambientais oriundas do
cultural; sustentabilidade social e ambiental como ética;
território ao qual a interorganização está instalada;
e globalização positiva – reorientação do processo de
onde a racionalidade seja conduzida pelo cálculo de
desenvolvimento.
consequências societárias, privilegiando as dimensões
sócio-econômico-ambientais (sustentáveis) para poder
corrigir os equívocos provocados por um modelo de
gestão que privilegia apenas critérios intraorganizacionais
(para dentro da organização), baseado numa racio­
nalidade econômica de cálculo de consequências
apenas organizacional (SAMPAIO, 2004; 2000). Diante
da impregnação do termo racionalidade com critérios
econômicos, resgata-se o termo extra-racionalidade
que pode ser considerado como uma pré-racionalidade,
baseado em uma dimensão tácita, ou seja, ainda pouco
No âmbito local, a Agenda 21 pressupõe a toma­
da de consciência por todos os indivíduos sobre os
papéis ambiental, econômico, social e político que
desempenham em sua comunidade e exigem, portanto,
a integração de toda a comunidade no processo de
construção do futuro. A comunidade compartilhando
com o governo as responsabilidades pelas decisões
possibilita uma maior sinergia em torno do projeto de
desenvolvimento sustentável, aumentando as chances
de sua implementação (CONSTRUINDO, 2000).
visível, do conhecimento contido nas organizações, nos
Após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
territórios, aonde os problemas realmente acontecem e
Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), 1.652 municípios
sua soluções também (FERNANDES; SAMPAIO, 2006).
brasileiros declararam, através da pesquisa Municipal
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009
| 21
de Meio Ambiente realizada em 2002, contar com a
que congregam conhecimento formal e tradicional e
Agenda 21. Contudo, a pesquisa não relevou o estágio
que na sua essência supera a mera relação de negócio,
atual de sua implantação nestes municípios e tampouco
resgatando e reconstruindo o interesse pelo outro, pelo
sua formalização legal. Cerca de 53% destes municípios
diferente, pela alteridade, pelo autêntico, enfim, pela
não declararam ter Fórum da Agenda 21 instalado, o
interconectividade entre os sistemas sociais e ecológicos
que evidencia a falta de representação comunitária,
(IRVING; AZEVEDO, 2002; CORIOLANO; LIMA, 2003;
desvirtuando assim o propósito principal do espírito da
SAMPAIO, 2004).
Agenda (IBGE, 2005).
As experiências de turismo comunitário vêm ga­­
A instalação de espaços públicos democráticos
nhan­do notoriedade, sobretudo pela capacidade po­
como o Fórum, além de fomentar a participação dos
ten­cial de municípios sulamericanos implementarem
atores envolvidos, possibilita o estabelecimento de
uma atividade econômica de baixo investimento (de
ações planejadas. Nesse sentido, como bem ressalta
pequena escala), geradora de postos de trabalhos
Sachs (1993, p.66), ao discorrer sobre a Agenda 21 no
não-especializados e de baixo impacto ambiental
enfrentamento dos complexos desafios para se chegar a
(SAMPAIO, 2005).
um novo modelo de desenvolvimento, aqueles desafios
“não serão resolvidos em uma economia do laissezfaire por meio de uma sucessão de decisões locais
descoordenadas e de curto prazo [...]”.
b) O turismo comunitário representa o segundo
desdobramento da ecossocioeconomia. Embora tenha como eixo norteador integrar vivências, serviços
de hospedagem e de alimentação, o que a priori não
o diferencia das três modalidades de turismo com as
quais poderia ser confun­dido – turismo cultural ou etnoturismo (incluindo o turismo indígena), ecoturismo e
agroturismo –, possui uma característica peculiar que é
c) O terceiro desdobramento é representado pela
Responsabilidade Socioambiental Empresarial (RSE).
Em 1998, o Conselho Empresarial Mundial para
o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD) lançou a
base do conceito moderno de responsabilidade social
corporativa, que constitui o
comprometimento permanente dos empresários de
adotar um comportamento ético e contribuir para o
desenvolvimento econômico, melhorando simultanea­
mente a qualidade de vida de seus empregados e de
suas famílias, da comunidade local e da sociedade como
um todo (ALMEIDA, 2002, p.137).
a de entender a atividade turística como um subsistema
Portanto, sua prática significa mudança de
interconectado a outros subsistemas, como por exem-
atitude no processo de gestão, que deve estar pautado
plo educação, saúde e meio ambiente.
na qualidade das relações pessoais intra (dentro da
Ou seja, o turismo comunitário é pensado como
organização), inter (entre as organizações da cadeia
um projeto de desenvolvimento territorial sistêmico
produtiva) e extraorganizacional (relações com a
(sustentável) a partir da própria comunidade (o que
comunidade, mercado e governo), agregando valor
poderia ser destacado como segunda característica),
para todos (MODENESI, 2003).
na qual é promovida, entre outras coisas (e o que
Assim, embora haja esforços de consolidação de
seria uma terceira característica), a convivencialidade
uma rede de instituições, sobretudo no Brasil – dentre
entre população originária, visitantes e residentes (sem
as quais o Instituto Ethos -, que fomenta a adoção da
descartar os domiciliados não-residentes e migrantes).
RSE, grande parte das iniciativas restringe-se ainda
Essa convivencialidade é incrustada em um arranjo
a medidas paliativas e cosméticas que, muitas vezes,
produtivo e político de base comunitária, de forma a
confundem-se com mero marketing institucional.
fomentar a relação social entre modos de vida distintos,
Apesar das boas intenções dessas instituições, não há
22 |
Revista da
FAE
como negar ou coibir possíveis interesses empresariais
• a última parte para desenvolver estruturas visan-
disfarçados, motivados sob o apelo de tornarem suas
do à formação de homens e mulheres que moti-
empresas mais competitivas, de forma a prospectar
vam a vida pela cultura do dar (LUBICH, 2002).
uma imagem conveniente de responsabilidade socio­
Dallabrida e Sampaio (2006) aponta que a EdC, com
am­biental, em virtude das exigências do mercado,
pouco mais de uma década, começou recentemente a
para que não se corra riscos de rejeição de marcas
produzir resultados teórico-empíricos, mas as empresas
ou produtos. Por outro lado, existem empresas que
vinculadas ao projeto, por serem movidas por um
assumem uma visão de longo prazo e que, focadas
“ideal” ético, caminham no sentido da possibilidade da
na competitividade sistêmica, acabam por superar a
mera racionalidade econômica utilitarista, aprisionada
na missão organizacional descolada de um ideário
institucional (DALLABRIDA; SAMPAIO, 2006; SAMPAIO;
SOUZA, 2006).
d) O projeto da Economia de Comunhão (EdC)
constitui o quarto desdobramento. Ao emprestar do
movimento dos Focolares4 os valores, os princípios, a
visão de mundo para aplicar ao espaço da produção e
do trabalho, a EdC prega fazer da atividade econômica,
sobretudo a empresa, um lugar de encontro no sentido
mais profundo do termo; um lugar de comunhão entre
quem tem bens e oportunidades econômicas e quem
não os tem (SAMPAIO et al., 2003).
As empresas da EdC devem canalizar capacidades
e recursos para produzir riqueza em prol dos que se
encontram em dificuldades. Dentre esses recursos está
o lucro, que é objeto de uma divisão tripartite:
• �������������������������������������������������
parte utilizada no reinvestimento na própria atividade produtiva de modo que ela se mantenha
economicamente viável;
• parte no auxílio a pessoas necessitadas (ligadas ao movimento dos Focolares), dando-lhes
a possi­bilidade de viver de modo mais digno,
à espera de um trabalho, ou oferecendo-lhes
emprego nessas empresas;
construção de sociedades sustentáveis, incorporando
em seu agir algumas dimensões da sustentabilidade.
As experiências vêm sendo analisadas, sobretudo
por participantes do movimento dos Focolares, ao
qual a EdC está vinculada, o que pode revelar certa
tendenciosidade nas análises e interpretações, mesmo
sem intencionalidade.
e) Por fim, o último desdobramento deste estudo:
a Economia Solidária (ES). Trata-se de uma categoria da
economia que se funda na crise do capital e do Estado
e representa a expressão de uma das respostas dos
trabalhadores que incorporam suas críticas históricas
ao capital e constituem uma forma de organização não
capitalista (SINGER, 2002).
A ES prega princípios democráticos, ou seja, autoge­
stionários. Apregoa que pode existir solidariedade na
economia, sobretudo quando se garante direitos iguais
entre aqueles que se associam para financiar, produzir,
comerciar ou consumir mercadorias. No entanto,
existem dificuldades de se inserir à lógica associativista
na economia de mercado e, quando se consegue,
corre-se ainda o risco de se desvirtuar dos princípios
associativistas (SINGER, 2002).
Nesse estudo, aborda-se o Comércio Justo ou
Fair Trade, uma das variantes insculpidas na Economia
Solidária. O Comércio Justo surge para assegurar uma
nova relação, livre, direta e honesta entre três novos
4
O Movimento dos Focolares, que possui cinco milhões de
integrantes leigos, religiosos, não religiosos, e sem credo
religioso em todo o mundo, tem viés espiritual, caritativo,
social, econômico, político, ecumênico, inter-religioso,
cultural, etc. Sua essência consiste na chamada “cultura do
dar”, que preconiza a comunhão de bens entre todos os
membros e em consistentes obras sociais. (LUBICH, 2002).
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009
sujeitos econômicos:
• ��������������������������������������������
produtores em vias de empobrecimento, geralmente excluídos ou com desvantagens no comércio praticado no âmbito da economia de
mercado;
| 23
• consumidores solidários que estão dispostos a
pagar um sobrepreço; e
entre lideranças comunitárias e o NMD/UFSC com sua
equipe interdisciplinar, chegou-se a um consenso de
• os intermediários sem ânimo de lucro.
que as aspirações da comunidade convergiam com
Sinteticamente, caracteriza-se por uma relação
as intenções do NMD/UFSC de pesquisar e dar apoio
comercial em que consumidores aceitam pagar um
técnico-científico à área. Firmou-se então um acordo
sobrepreço sobre os produtos numa forma de remune­
que resultaria mais tarde da criação do Fórum de
ração mais justa aos produtores, como “premiação”
Agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera6.
a uma produção resultante da incorporação de
Para realizar o diagnóstico socioambiental partici­
boas práticas socioambientais, ou seja, em nome da
pativo instituiu-se um fórum comunitário, valendo-se
preservação dos valores histórico-culturais locais, da
de grupos de trabalho (pesca, turismo, saúde e sanea­
proteção e conservação do meio ambiente, do fomento
mento, educação e cultura), atualmente em fase de
ao desenvolvimento local e da inclusão social pelo
consolida­ção institucional – o Fórum da Agenda 21 local.
trabalho e renda (PLATAFORMA KOMYUNITI, 2005;
Envolveu-se lideranças comunitárias, representantes de
ESPANICA, 2005).
ONGs, equipe de pesquisadores e, esporadicamente,
agentes governamentais.
Entre as debilidades apontadas, salienta-se a ne­
3 O estado atual de conhecimento
sobre experiências latinoamericanas
em curso
cessi­dade de maior intercâmbio entre as inter-relações
múltiplas dos Grupos de Trabalho (GTs) componentes
do Fórum da Agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera, de
modo que se pudesse visualizar melhor a complexidade
sistêmica da dinâmica. Atualmente, nem sequer existem
A seguir, serão relatadas as experiências brasilei­
ras e chilenas que ilustram cada desdobramento iden­
tificado pela ecossocioeconomia das organizações.
mais os GTs.
Quanto à conscientização da comunidade, embora
os atores sociais sejam capazes de perceber e apontar
os problemas socioambientais causados pelas atividade
3.1 Agenda 21 local: uma experiência
no sul catarinense
turística (mesmo porque, por meio de fotos aéreas,
comprova-se aumento da área de vegetação na
região!), eles não enxergam a si próprios como agentes
Desde 2000 vem sendo desenvolvido na área do
de degradação, isto é, problemas “são e estão sempre
entorno da Lagoa de Ibiraquera, situada nos municípios
no outro”. Para exemplificar, proprietários de pousadas
litorâneos de Imbituba e Garopaba (SC), um diagnóstico
que construíram seus equipamentos no morro da Praia
socioambiental participativo orientado para a definição
do Rosa – ocupando quase a área total do terreno com
de um plano experimental de desenvolvimento local
a derrubada da mata nativa –, não consideram seus
integrado e sustentável – ou ecodesenvolvimento.
empreendimentos como sendo impactantes, mesmo
Este trabalho vem sendo conduzido pelo Núcleo
do Meio Ambiente e Desenvolvimento (NMD) da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), dando
continuidade a um projeto de doutorado que estava
em curso em meados de 20005. Após algumas reuniões
5 SEIXAS (2005).
24 |
6 No ano de 2003, a UFSC conseguiu apoio financeiro do
Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA) do Ministério
do Meio Ambiente (MMA), com o projeto intitulado Manejo
Integrado da Pesca na Lagoa de Ibiraquera, que teve como
objetivo trabalhar com as comunidades que vivem da pesca
na Lagoa de Ibiraquera, respeitando os princípios do Fórum
da Agenda 21 Local (MUNDIM, 2005).
Revista da
FAE
porque, como justificam, “tudo está de acordo com a
formula participativamente estratégias coordenadas de
legislação municipal”7.
ecodesenvolvimento. Estas implicam, entre outras coisas,
O Fórum ainda não conseguiu contar sistema­
na luta pela revitalização da pesca e da aqüicultura,
ticamente com o apoio do governo de ambos os muni­
na criação de alternativas nos setores de agroecologia
cípios e superar a obstrução de membros comunitários,
e do turismo de baixo impacto socioambiental, na
muitas vezes, provocada por questões relacionadas
instituição de unidades de conservação co-geridas pelas
a diferentes visões de mundo, entre os partidários da
comunidades locais, na revitalização do tecido cultural
Via da Economia de Mercado, do Ecodesenvolvimento
e na construção de uma representação ecossistêmica
e do Preservacionismo. Ou então, entre as populações
das opções de modo de vida comunitário9.
tradicionais e as que migraram de outros lugares para
viver em Ibiraquera, o que, há que se ressaltar, é uma
característica comum entre arranjos institucionais e
3.2 Turismo comunitário: um projeto
no litoral do Ceará
socioprodutivos de gênese comunitária.
Não se espera que tais contradições sejam supe­
A Prainha do Canto Verde é um lugarejo de pes­
radas (mesmo porque a diversidade cultural é desejada),
cadores e rendeiras, com cerca de 1.200 habitantes,
mas que ao menos se consiga dialogar sobre temas de
localizado no município de Beberibe, próximo da capital
interesse comum. Contudo, em meio às divergências,
do Estado do Ceará, Fortaleza, na Região do Nordeste
conseguiu-se avançar: freou-se os impactos de uma
brasileiro. Diante de uma luta comunitária contra a
fazenda de camarão e de grupos empresariais hoteleiros
grilagem de suas terras, criou-se em 1989 a Associação
que ameaçam tanto o equilíbrio quanto o acesso e uso
Comunitária do Canto Verde. Desde, então, vem se
da biodiversidade costeira, e ainda relevar na etapa
combatendo outros problemas que afetam a área:
do diagnóstico participativo o conhecimento dos
pesca predatória, especulação imobiliária, turismo de
mora­dores tradicionais, pescadores ou ex-pescadores
massa e falta de apoio do governo estadual. O apoio
artesanais que desenvolvem ou desenvolviam agricul­
de organizações não-governamentais (ONGs), inclusive,
tura de subsistência8.
muitas delas criadas a partir das demandas reclamadas
O Fórum quer consolidar a criação de um sistema de
pela comunidade10 é um ânimo para a experiência.
educação para o ecodesenvolvimento na área, de modo
O que chama a atenção na área é a implantação do
que se possa refletir permanentemente sobre os direitos
turismo socialmente responsável para melhorar a renda
e deveres de cada usuário dos recursos ambientais
e o bem-estar dos moradores e, simultaneamente,
existentes na área (lagoa, dunas, praia e mar).
pre­servar os valores culturais e as belezas naturais da
Cogita-se também a concepção de uma reserva
região.
extrativista de espelho de água, que é experiência
Este projeto de turismo foi organizado pelo
pioneira pela suas características, onde se descentraliza
Conselho de Turismo, criado em 1997, que, por sua
cada vez mais as decisões.
vez, está vinculado a Associação Comunitária do Canto
Media-se a negociação de conflitos gerados pela
Verde. Além deste, existem outros conselhos, os de
presença de interesses diferenciados pelos usos do
patrimônio comum, com base na difusão de normas
jurídicas oficiais e científicas qualificadas, na qual se
7
8
MUNDIM (2005); ARAÚJO e SAMPAIO (2004).
SAMPAIO (2005).
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009
Exemplificado pelo depoimento de um pescador artesanal:
“de que só sabia pescar e que tinha aprendido com seu pai
e que passaria para seu filho, e que não trocaria a pesca por
nada” (VIEIRA, 2004).
10
MUNDIM (2005).
9
| 25
Educação, Saúde, Terra, Pesca e Artesanato, todos
que não se beneficiam diretamente da atividade turística
vincu­lados a Associação Comunitária.
acabam sendo auxiliadas, por um Fundo Social e de
O Conselho de Turismo se dinamiza através da
Educação, mantido parcialmente por repasse de recursos
Cooperativa de Turismo e Artesanato da Prainha do
da Cooperativa de Turismo e Artesanato. É uma maneira
Canto Verde, que coordena as atividades turísticas e as
de atuar contra a desigualdade de oportunidades13.
organizam em pequenos empreendimentos coletivos
A atividade turística não é planejada de maneira
e individuais, tais como pousadas, casas e quartos de
setorial, como geralmente são os planos turísticos.
aluguel, barracas de praia, passeios de bugue e lojas de
Além de possuir função subsidiária, assumidamente
artesanato – forma-se um Arranjo Produtivo e Político
de pequena escala, e complementar à economia da
de Base Comunitária. Uma das pousadas, inclusive, é
comunidade, o turismo tem papel na conservação do
de propriedade da própria associação. A cooperativa,
ambiente cultural e natural, isto é, sua gestão ancora-se
até então informal, surgiu com o intuito de possibilitar
na autorregulação comunitária.
um complemento na renda familiar dos moradores, em
consequência pelas dificuldades da pesca artesanal11.
Os desafios, porém, não são pequenos, como em
qualquer outra experiência. Ressalta-se, nesse sentido,
Todos os empreendedores são originários da
o desrespeito de alguns cooperados, que tentam
pró­pria comunidade, portanto, não há investidores
obter vantagens individuais; necessidade freqüente de
externos e os recursos permanecem na própria loca­
sensibilizar a comunidade para que ela se identifique
lidade. Diferentemente, de outras localidades próximas,
como parte de todo o processo, quer na identificação
como a Praia das Fontes e da Tabuba, em que pre­
de problemas quer nas suas soluções; e a falta de
domina o chamado turismo de massa, baseadas
reconhecimento e apoio por parte dos órgãos de
respec­tivamente na rede hoteleira e no conjunto de
turismo e governamentais14.
residências secundárias (habitações de uso eventual dos
proprietários).
A Prainha recebe basicamente turistas como
3.3 Responsabilidade socioambiental
empresarial no Chile: florestal Río Cruces
pesquisadores, inclusive estrangeiros, algumas famílias
e parentes dos moradores. Considera-se como atrativos
locais o luar, casas típicas de pescadores, a pesca
co­mercia­lizada na própria praia, ou seja, o próprio modo
de vida12 – vantagens comparativas pouco percebidas
na maioria dos planejamentos turísticos elaborados de
maneira tecnicista.
A história da Florestal Río Cruces inicia com a
visita de um casal de aristocratas alemães que, im­
pressionados com a paisagem do local, comprou uma
propriedade rural para então instalar uma empresa de
manejo e plantio florestal no qual se respeita princípios
sustentabilistas.
A atividade turística iniciou com famílias que
puderam, com recursos próprios ou tomando emprés­
timo de um fundo rotativo de recursos da associação
comunitária, construir quartos e pousadas. As pessoas
A Prainha do Canto Verde já coleciona duas premiações:
(1) Prêmio To Do, versão 1999, por ter sido considerado
projeto de turismo socialmente responsável; e (2) TOURA
D’OR 2000, por melhor filme documentário sobre turismo
comunitário (CORIOLANO; LIMA, 2003).
12
CORIOLANO e LIMA (2003).
11
26 |
Posteriormente, foram compradas outras proprie­
dades rurais (municípios de Lanco, Panguipulli e Los
Lagos), totalizando aproximadamente 8.000 ha (sendo
60% de bosques nativos), além da sede da Florestal
que possui 2600 ha. Na administração da empresa
há 19 pessoas, entre eles um gerente geral, e mais
13
14
IVT (2004)
MUNDIM (2005).
Revista da
FAE
31 trabalhadores diretos, além dos 50 trabalhadores
pobreza rural e elevado analfabetismo, o que dificulta a
indiretos oriundos de empresas associadas.
promoção de trabalhadores para postos de chefias, que
A madeira certificada, sobretudo de manejo de
requerem competências diferenciadas.
bosques nativos, é um mercado incipiente, de certo
A Florestal possui uma política de boa vizinhança
modo desconhecido, no qual vigora o mito de baixa
com as comunidades e as municipalidades aonde
produtividade quando comparado com reflorestamentos
opera, preocupando-se com a conservação de estradas
de árvores exóticas como pinus e eucalipto. Entretanto,
vicinais, contratando membros comunitários ora como
a Florestal Río Cruces vem demonstrando que é possível
empregados diretos e indiretos, além de doar parte dos
conciliar responsabilidade social empresarial ) e retorno
resíduos de sua operação para utilização como lenha (vale
econômico quando se planta e maneja sustentavelmente
lembrar que a lenha no Sul do Chile, além de servir como
florestas nativas, e se planeja a longo prazo, distanciado
combustível para cozinhar, serve para o aquecimento das
do imediatismo típico da lógica de mercado na qual
casas em virtude das baixas temperaturas durante todo o
prevalece o utilitarismo economicista.
ano, com exceção do verão).
15
A empresa está certificada pela FSC (Forest
Quanto à questão social, a empresa faz doações
Stewardship Council ), primando por produtos de
periódicas a jardins de infância, escolas e clubes des­
alta qualidade (tais como molduras, madeiras semi-
portivos nas áreas aonde opera, além de ministrar
acabadas e acabadas, pisos, componentes de móveis
palestras sobre a importância do manejo sustentável
e artesanato fino) ao contrário de outras empresas
dos bosques nativos.
16
florestais que utilizam apenas madeiras de bosques
Entre os desafios de atuação, cita-se a ausência
de espécies introduzidas (não nativas). A capacitação
de marco legal em relação ao manejo sustentável de
do pessoal quanto ao uso de motosserras e artefatos
bosques nativos, quer pela falta de consciência das
florestais no manejo de bosques nativos é um dos
entidades governamentais, quer pelo descaso do mercado
pontos que merece atenção constante, especialmente
comprador em relação à origem da madeira nativa.
quando se está numa região em que o desmatamento
é prática comum.
A zona de atuação da Florestal apresenta um clima
temperado chuvoso, cujas características são de alta
umidade relativa, baixas temperaturas e grande registro
pluviométrico anual. A área apresenta altos índices de
3.4 Economia de Comunhão (EdC): gestão
e solidariedade em empresa chilena
A experiência de Economia de Comuhão refere-se
à Sociedade de Investimentos Foco S.A. (Poupança e
Crédito), sediada em Santiago (Chile).
O Ministério da Agricultura chileno criou, em 1999, o
Prêmio Nacional à Inovação Agrária, como reconhecimento
à criatividade e esforço de iniciativas inovadoras no setor
agrário. Por sua atuação, em 2003, a Florestal recebeu o
Prêmio.
16
Certificação florestal de credibilidade internacional que
atesta que a madeira (ou outro insumo florestal) utilizada
num produto provém de manejo sustentável, ou seja, que
é oriunda de floresta, nativa ou reflorestada, explorada de
forma adequada do ponto de vista socioambiental, cumprindo
todas as leis vigentes. Produtos finais ou intermediários que
utilizam matéria-prima florestal com o selo Cadeia de custódia
FSC têm a rastreabilidade da matéria-prima da floresta até o
consumidor final (http://www.fsc.org).
15
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009
A Foco surge a partir da falta de acesso a crédito às
pessoas vinculadas ao Movimento Focolar, com o projeto
de criar uma cooperativa de investimentos para aqueles
membros. A cooperativa nasce em 1985, antes mesmo
do florescimento do projeto global da EdC, lançado
no Brasil em 1990. Na ocasião fez-se uma consulta à
Federação de Cooperativas Chilenas que sugeriu ao
grupo de interessados que dessem continuidade a uma
cooperativa já constituída, entretanto inoperante, em
vez de de se criar uma nova cooperativa. Em 2004, a
| 27
cooperativa transforma-se em Sociedade Anônima
Pensa-se na possibilidade de criação de um sócio cole­
(para não transgredir a legislação chilena de bancos),
tivo que poderia congregar associados interessados
reduzindo de 400 para 100 associados, utilizando-se
em correr riscos maiores como o financiamento de
como princípio: um sócio por família.
novas empresas. Atribui-se como marco no projeto o
A Foco S.A. é constituída por pessoas físicas
compartilhamento de valores solidários pelos sócios.
vinculadas ao Movimento Focolar ou então por pessoas
com vínculos com membros do movimento. A sociedade
é dirigida por meio de uma assembléia de sócios, eleitos
sob critérios de competência e formação universitária,
além de uma administradora. Nunca recebeu financia­
mento a fundo perdido de de outras fontes. Os
financiamentos que a Sociedade contrata, de um modo
geral, são destinados à aquisição de maquinários,
emergências de saúde, férias, reformas residenciais,
estudos universitários e compras de automóveis,
cujos juros variam de 1,2% a 2%17, dependendo do
capital financiado. Historicamente, os financiamentos
contratados giram entre US$ 1.000 a 23.000, limitados
pela exigência de que o contratado deva possuir ao
menos 1/3 do valor financiado em cotas do capital da
Sociedade. Curiosamente não há registro de nenhum
processo de cobrança oficial.18
Balizada nos princípios da divisão tripartite do
lucro, os dividendos da Foco seguem aqueles princípios:
a primeira parte é destinada ao Movimento Interna­
cional de Economia de Comunhão, sediado em Roma
(Itália), que posteriormente distribui às pessoas carentes
que participam do Movimento no Chile; a segunda
parte é destinada a investimentos na própria empresa;
e a terceira parte destinada a projetos de formação
humanista dos associados do movimento.
Do ponto-de-vista de evolução, a Foco encontra-se
numa etapa madura e pronta para os novos desafios
futuros, pois, aponta-se como debilidade empresarial
atualmente não ambicionar o crescimento econômico.
Bem abaixo das taxas de juros praticadas pelos bancos
comerciais chilenos que giram em torno de 3,3% a.m.
18
Atualmente, há um único caso de financiamento inadim­
plente. Prevalece a negociação em torno do respeito aos
princípios da sociedade, que deve ser preservado: o interesse
coletivo predominando sobre o individual.
17
28 |
3.5 Economia solidária: Fair Trade
made in Chile
As discussões acerca do Comércio Justo inicia­
ram no Chile em 1996 com a união de diversas
organizações não-governamentais (ONGs), voltadas
às questões socioeco­n ômicas e ambientais. Essa
união, denominada Plataforma Komyuniti, após
alguns anos de articulações, conseguiu formar uma
rede de cooperação e de apoio mútuo a pequenos
produtores para garantir a sustentabilidade de seus
socioempreendimentos.
Em outubro de 2002, inaugurou-se a primeira
Loja de Comércio Justo do Chile. Após um ano de fun­
cionamento constatou-se a importância de disseminar
o conceito de comércio justo e o significado de con­
sumo consciente: a Plataforma Komyuniti concebeu a
Cooperativa de Comércio Justo Chile, alicerçada numa
Carta de Princípios e numa Carta de Compromissos que
formalizam as diretrizes a serem seguidas por pessoas e
organizações que queriam ingressar na esfera comercial
da Plataforma.
Além de abarcar os interesses dos pequenos
produtores, organizações da sociedade civil e consu­
midores, e de fomentar a formação de microrredes
de Comércio Justo no Chile, a Cooperativa promove
estratégias educativas para pensar e consolidar uma
economia mais solidária.
A rede interorganizacional formada pela Plata­
forma Komyuniti se estende do norte ao sul do
Chile, incluindo regiões metropolitanas de centros
urbanos como Santiago e centros menores como
Valparaíso, além de comunidades e povoados, como os
descendentes dos mapuches-huilliches (grupo indígena
Revista da
FAE
predominante entre os primeiros habitantes do Sul do
• desarticulação com governos locais;
Chile) e produtores da Bolívia e do Peru.
• rigor nos critérios de integração dos cooperados
O grupo de produtores são, em sua maioria,
à rede;
indivíduos de baixa renda, povos autóctones e origi­
• limitação da área de comercialização da Loja de
nários que ainda preservam muitos de seus costumes
Comércio Justo, restringindo-se à região metro-
e tradições, vivendo em comunidades (muitas vezes
politana de Santiago;
isoladas) e desenvolvendo atividades relativas à agri­
cultura familiar, à pesca de subsistência e trabalhos
manuais. Os artesãos, produtores e pescadores envol­
vidos estão agrupados em torno de 40 organizações e
o volume de vendas estimado para o ano de 2005 era
de US$ 45.000.
A grande maioria dos produtos comercializados
pela Loja de Comercio Justo personifica a cultura
• loja com espaço físico restrito, embora esteja
bem localizada;
• dificuldade de replicar tal experiência diante do
ambiente competitivo da economia de mercado
chilena; e
• inexperiência dos dirigentes quanto à gestão da
cooperativa.
socioprodutiva e a identidade dos territórios onde são
produzidos, como:
a)artesanato: produtos utilitários e de decoração
feitos de cerâmica, fibras, madeira, couro, lã,
pedras e jóias;
b)alimentos primários: café, chá, açúcar, frutas,
verduras, cereais andinos, ovos, carnes, mel,
condimentos, ervas medicinais, etc.; e
c)produtos semi-industrializados: comidas nativas, pães, vinhos, licores, biscoitos, queijos,
geléias, brinquedos, sabões.
Considerações finais
Acredita-se que nas experiências relatadas enten­
didas como de Ecossocioeconomia das Organi­zações,
o agir organizacional que resulta de ações individuais
compromissadas emergem de um vácuo institucional
instalado na dinâmica societária. Novas tecnologias
sociais surgem ponderando o agir econômico dentro de
limites que promovem igualdades de oportunidades.
Nesta perspectiva, crê-se na possibilidade de um
Não se verificou o envolvimento de governos
mercado mais solidário, no sentido de trocas mais
locais na experiência, ou qual foi o papel do poder
justas entre vendedor e comprador, incorporando trocas
público local na identificação das potencialidades
compensatórias, isto é, quando a classe econômica mais
locais e na criação do ambiente propício para o
privilegiada, ao menos em um primeiro momento, reduz
desenvolvimento destas potencialidades. Apesar de
voluntariamente sua expectativa de ganhos a favor
ser uma experiência relativamente nova, verifica-se
de classes econômicas menos abastadas, valorizando
que acaba trazendo benefícios sociais, econômicos e
conhecimento e bens de origem comunitária.
ambientais importantes (guardadas suas proporções)
às comunidades de produtores.
As experiências agrupadas podem ser divididas
entre trabalhos teóricos ou, até mesmo, ideológicos bem
Por sua vez, não quer dizer que os grupos de
elaborados, entretanto com pouca prática convincente,
produtores respondam totalmente aos critérios deter­
como os Fórum de Agenda 21 Local e as Empresas de
minados pela cooperativa, o que também não invalida
Responsabilidade Social; e trabalhos empíricos que vêm
a experiência e nem a enfraquece. As principais debili­
apresentando resultados promissores, como o Turismo
dades da Plataforma Komyuniti são:
Comunitário, a Economia de Comunhão e a Economia
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009
| 29
Solidária (Comércio Justo e Clube de Trocas Solidárias),
Todavia, crê-se que estas medidas compensatórias
entretanto, sem uma proposta clara sobre um modelo
devam ser pensadas como propostas articuladas a um
de gestão que possa ser replicado.
projeto de sustentabilidade administrativo-econômica
O que não se pode deixar de notar nas experiências
que possibilitem, em um primeiro momento, ao menos,
analisadas é, que, todas elas apresentam em seu cerne
sobreviver diante da dinâmica capitalista e da economia
algumas das dimensões da sustentabilidade. Exem­
de mercado para então, em um segundo momento,
plificando, pode-se citar a dimensão social, presen­te em
possibilitarem a criação de uma dinâmica própria.
todas as experiências; a dimensão ecológico-ambiental,
A ecossocioeconomia das organizações não tem
notável nas experiências da Agenda 21, Turismo Comu­
a pretensão de ser uma nova base conceitual para se
nitário e RSE; a dimensão cultural, explícita nas expe­
pensar um outro modo de vida, como já faz o desen­
riências da Agenda 21, Turismo Comunitário e Comércio
volvimento sustentável. Ela deseja reorganizar conceitos
Justo; e a dimensão demográfica ou espacial, destacada
já encontrados na multiplicidade de estudos existentes
no Turismo Comunitário e no Comércio Justo.
na literatura sobre o tema, entretanto, que carecem
Um dos desafios das experiências latinoamericanas
de sistematização pragmática na ciências sociais
que podem ser apontadas como indo na direção da
aplica­das – especialmente na chamada ciência da
ecossocioeconomia das organizações é o de equacionar
administração –, para que possa ser disseminada.
a solução de dois problemas:
a) indivíduos que ocupam funções de liderança,
cioeconomia das organizações quanto ao pensar,
administração e fomento comunitário, que vêm
analisar e experimentar metodologias de tomada de
conseguindo com dificuldade transformar boa
decisão que consideram a extrarracionalidade e o vetor
vontade em gestão compartilhada (arranjo),
extraorganizacional como princípios de gestão organi­
em gestão extraorganizacional (do entorno
za­cional de ênfase interorganizacional (tal como o
para a organização) e ainda relevar a potencia-
arranjo socioprodutivo de base comunitária, susten­tável
lidade tanto do conhecimento tradicional nos
e solidária) e que ponderem os vetores de eficiência
pro­cessos de produção quanto dos produtos
processual, eficácia produtiva e efetividade econômica.
comunitários na distribuição e na comercializa-
Em outras palavras, deve-se criar alternativas que
ção acabam por abandonar suas atividades por
complementem as limitações da ação baseada pura­
questão de sobrevivência, pois em sua maioria
mente na racionalidade econômica, ampliando suas
são militantes não-remunerados ou pesquisado-
perspectivas de análise quantitativa (de curto para
res com bolsas temporárias;
médio e longo prazos) e qualitativa (da economia para
b)a dependência das experiências de associativismo
legítimo e empreendimentos compartilhados de
recursos de subsídios – financiados pelo Estado
ou por ONGs internacionais –, e de incubação e
assessoria de movimentos sociais ou centros de
pesquisa universitários, restringindo a autonomia político-financeira dessas experiências. Não
se questiona a relevância de políticas compensatórias em sociedades caracterizadas pela má dis-
30 |
Deseja-se, entretanto, ser ambicioso com a ecosso­
ecossocioeconomia), inseridas nos modelos de gestão
empresarial que acabam replicadas (muitas vezes devidas
adaptações) no setor público e no chamado terceiro
setor, como se fossem organizações com características
de propriedade e finalidade seme­lhantes.
É necessário instigar a dimensão tácita do conhe­
cimento de ênfase cultural-social territorial e a sabedoria
tradicional de ênfase cultural-produtiva territorial na
chamada ciência administrativa.
tribuição de renda – independentemente do seu
Concorda-se que tais conhecimentos são rele­
estágio político-democrático –, como acontece
ga­dos sob a justificativa de não possuirem cogni­
na maioria dos países da América Latina.
ção, especialmente quando observados a partir da
Revista da
FAE
pers­pectiva da racionalidade individual ou organi­
par gerencial-economicista, tornando-se cases ou
zacional, pois não se sabe mensurá-los. Portanto,
modismos globa­lizados.
de um lado é necessário permitir a flexibilização na
busca do entendimento do saber científico, consi­
de­rando os saberes tradicionais nos subsídios para
a formulação de decisões coladas à realidade e que,
conseqüentemente, solucionam os problemas mais
importantes, ditos estratégicos, do mundo da vida. De
outro lado, se quer evitar o risco de cair na ideologia,
no romantismo utópico e na generalização; e, muito
menos, no ceticismo, na imobilidade e na especificação.
Assim, a ecossocioeconomia das organizações tem
Todavia, espera-se que sejam mais benéficos à
maioria dos indivíduos e que, ainda, privilegiem horiz­
ontes temporais mais longos. O que não se pode
relegar é o fato de que estas metodologias, indepen­
dentemente de sua magnitude (podendo até mesmo
ser consideradas pouco ambiciosas em termos de
resultados), desempenham papel importante para
as comunidades locais, em especial, aquelas menos
desenvolvidas, de menor poder aquisitivo e, muitas
como desafio encontrar mecanismos que possibilitem
vezes, à margem da economia formal. O trabalho de
extrair, sistematizar e potencializar, primeiramente, o
forma articulada e sinérgica, inclusive com o apoio de
saber tradicional no âmbito da objetividade coletiva e,
organizações (públicas, privadas e ONGs) por exemplo,
em segundo lugar, a dimensão tácita do conhecimento
acaba por proporcionar a pequenos produtores rurais,
no âmbito da intersubjetividade.
artesãos, pescadores, comerciantes, cooperados, ren­
Enfim, espera-se que as metodologias de
deiras, etc., maiores chances de sobrevivência.
Agenda 21, Turismo Comunitário, Responsabilidade
Social Empresarial, Economia de Comunhão e Eco­
nomia Solidária – que podem ser entendidas como
indo na direção da ecossocioeconomia das organiza­
ções –, impregnadas também de certo pragmatismo,
possam se multiplicar da mesma maneira que seu
•Recebido em: 20/06/2009
•Aprovado em: 23/10/2009
Referências
ALMEIDA, F. O bom negócio da sustentabilidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.
ARAUJO, G. P.; SAMPAIO, C. A. C. (Orgs.). Relatório técnico do I Encontro de Turismo em Imbituba e Garopaba (SC).
Florianópolis: UFSC; Blumenau: FURB, 2004.
BERKES, F. Social systems ecological systems and property rights. In: HANNA, S. et al. (Eds.). Right to nature: ecological,
economics, cultural and political principles of institutions. Washington, DC: Island, 1996. p.87-107.
BEZERRA, Maria do Carmo Lima (Coord.). Construindo a agenda 21 local. Brasília: Ministério do Meio Ambiente.
Departamento de Articulação Institucional. 2000.
COHEN, J.; ARATO, A. Civil society and political theory. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1992.
COMISSÃO DE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA AGENDA 21 NACIONAL. Agenda 21 brasileira: bases
para discussão. Brasília: PNUD, 2000.
CORIOLANO, L.; LIMA, L. (Orgs.). Turismo comunitário e responsabilidade socioambiental. Fortaleza: EDUECE, 2003.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009
| 31
COSTA, S. Esfera pública, sociedade civil e movimentos sociais no Brasil. Novos Estudos do CEBRAP, São Paulo, n.38,
p.38-52, mar. 1994.
DALLABRIDA, I. S.; SAMPAIO, C. A. C.. Responsabilidade social empresarial e economia de comunhão: racionalidade
empresarial na construção do desenvolvimento sustentável. In: CHAMUSCA, André Franzo et al.. Responsabilidade social
das empresas: a contribuição das universidades. São Paulo: Peirópolis; Instituto Ethos, 2006. v.5, p. 47-86.
DOUROJEANNI, A. Reflexiones sobre estrategias territoriales para el desarrollo sostenible. In: CONFERENCIA CUMBRE SOBRE
EL DESARROLLO SOSTENIBLE, 1996. Santiago de Chile: CEPAL, 1996.
DOWBOR, L. A formação do 3º mundo. São Paulo: Brasiliense, 1983.
ESPANICA. El comercio justo: origen y evolución. Disponivel em: <http://www.nodo50.org/espanica/cjust.html#primeras>.
Acesso em 20 jun. 2005.
FERNANDES, V.; SAMPAIO, C. A. C. Formulação de estratégias de desenvolvimento baseado no conhecimento local.
RAE Eletrônica, São Paulo, v.5, n.2, 2006.
FISCHER, T. (Org.). Poder local: governo e cidadania. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1993.
HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
IBGE. Perfil dos municípios brasileiros: meio ambiente 2002. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/
noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=363&id_pagina=1>. Acesso em: 16 jun. 2005.
IRVING, M.; AZEVEDO, J. Turismo: o desafio da sustentabilidade. São Paulo: Futura, 2002.
INSTITUTO VIRTUAL DE TURISMO - IVT. Benchmarking da Prainha do Canto Verde. Disponível em: <http://www.ivt-rj.net/
caderno/anteriores/9/benchmark/bench1.htm>. Acesso em: 30 set. 2004.
KAPP, K. W. The social costs of business enterprise. Nottingham: Spokesman Books, 1963.
LÉVY, P. A inteligência coletiva. São Paulo: Loyola, 1998.
LUBICH, C. A experiência economia de comunhão. In: BRUNI, L. Economia de comunhão. Vargem Grande Paulista:
Cidade Nova, 2002.
MAX-NEEF, M. Desarrollo a escala humana: conceptos, aplicaciones y reflexiones. Montevideo: Nordan Comunidad,
REDES, 1993.
______. Economia descalza. Estocolmo, Buenos Aires, Montevideo: Nordan Comunidad, 1986.
MODENESI, K. N. Responsabilidade social nas empresas. São Paulo: Instituto Ethos, 2003. Prêmio Ethos Valor de
Responsabilidade Social Empresarial.
MUNDIM, R. (Org.). Laboratório de gestão em organizações que promovem o desenvolvimento sustentável (LaGOE).
Edital 006/2003 – Cidadania. In: Relatório. 2005. Blumenau: FURB, 2005.
PLATAFORMA KOMYUNITI. Cooperativa Comercio Justo Chile. Disponível em: <http://www.tiendacomerciojusto.cl/es_que_
es_comercio_justo.php>. Acesso em: 26 maio 2005.
RAZETO, L. O papel central do trabalho e a economia de solidariedade. Proposta, Rio de Janeiro, n.75, p. 91-99, dez./fev. 1997.
ROUSSEAU, J. ; ROUSSEAU, J. Do contrato social: discurso sobre a economia política. São Paulo: HEMUS, 2001.
SACHS, I. Desenvolvimento includente, sustentável sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.
______. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986a.
______. Espaços, tempos e estratégias do desenvolvimento. São Paulo: Vértice, 1986b.
______. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo: Studio Nobel, Fundap, 1993.
______. Inclusão social pelo trabalho: desenvolvimento humano, trabalho decente e o futuro dos empreendedores de
pequeno porte. Rio de Janeiro: Garamond, 2003.
32 |
Revista da
FAE
SACHS, I. Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2007.
SAMPAIO, C. A. C. A construção de um modelo de gestão que o promove o desenvolvimento sustentável. Cadernos Ebape,
Rio de Janeiro, n.5, 2004.
______. Gestão organizacional estratégica para o desenvolvimento sustentável. Itajaí: UNIVALI, 2000.
______. Gestão que privilegia uma outra economia: ecossocioeconomia das organizações. Blumenau: FURB, 2009 (No prelo).
______. Turismo como do fenômeno humano: princípios para se pensar a ecossocioeconomia. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005.
SAMPAIO, C. A. C.; FERNANDES, V.; MANTOVANELI JUNIOR, O. Economia social: razão e sensibilidade. In: SEMINÁRIO
INTERNACIONAL EDUCAÇÃO INTERCULTURAL, GÊNERO E MOVIMENTOS SOCIAIS, 2., 2003, Florianópolis. Anais...,
Florianópolis, 2003. 1 CD-ROM.
SAMPAIO, C. A. C. et al. Arranjo socioprodutivo de base comunitária: o aprendizado a partir das cooperativas de Mondragón.
Organizações & Sociedade, v.46, p.77-98, 2008.
SAMPAIO, C. A. C.; SOUZA, V. F. Em busca de uma racionalidade convergente ao ecodesenvolvimento: um estudo exploratório
de projetos de turismo sustentável e de responsabilidade social empresarial. Revista de Administração Pública, Rio de
Janeiro, v.40, n.3, p.411-425, maio/jun. 2006.
SANTOS, M. Metamorfose do espaço urbano. São Paulo: Hucitec, 1994.
SANTOS, M.; SOUZA, M. A.; SILVEIRA, M. L. (Orgs.). Território: globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec, Annablume, 2002.
SANTOS, B. S.; RODRÍGUEZ, C. Introdução: para ampliar o cânone da produção. In: SANTOS, B. S. (Org.). Produzir para viver:
os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p.23-77.
SEIXAS, C. S. Abordagens e técnicas de pesquisa participativa em gestão de recursos naturais. In: VIEIRA, P. F.; BERKES, F.;
SEIXAS, C. S. (Orgs.). Gestão integrada e participativa de recursos naturais. Florianópolis: Secco/APED, 2005.
SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SINGER, P. Introdução à economia solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002.
VIEIRA, P. F. (Coord.). Avaliação local participativa de ecossistemas litorâneos no Sul do Brasil. Projeto piloto de criação
de uma Agenda 21 local na área da Lagoa de Ibiraquera, municípios de Imbituba e Garopaba, Santa Catarina; relatório
parcial. Florianópolis: UFSC. Núcleo de Meio Ambiente e Desenvolvimento, 2004. Mimeo.
WACKERNAGEL, M.; REES, W. Nuestra huella ecológica. Buenos Aires: LOM Ediciones, 2001. (Colección Ecologia & Médio
Ambiente).
WORLD METEOROLOGICAL ORGANIZATION – WMO-UNEP, United Nations Environmental Programme. Intergovernmental
panel on climate change. Paris, February, 2007.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009
| 33
Revista da
FAE
Comunidade, ética e economia ecológica: reflexões sobre
o modo de vida da morada da paz
Community, ethics and ecological economy: reflections
about morada da paz’s way of life
Rogério Ferreira Teixeira*
Resumo
Este artigo baseia-se em pesquisas, observações cotidianas e entrevistas rea­
lizadas com os membros da Comunidade Morada da Paz (CMP), localizada no
município de Triunfo, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, desde sua fundação
em janeiro de 2003 até abril de 2009. O objetivo geral deste artigo é investigar
as dinâmicas sócioeconômicoambientais dentro da CMP, analisando a partir
do seu modus vivendis as inter-relações entre ética e economia ecológica. Os
objetivos específicos serão investigar como se construiu e se mantém sustentável
o modo de vida da CMP ao longo da sua trajetória de existência, examinando-se
as suas relações internas, as suas relações com o meio ambiente e as relações
que mantêm com o seu entorno local e colaboradores, e analisar as possíveis
contribuições que o seu modo de vida pode oferecer ao desenvolvimento
de práticas sustentáveis junto a outras comunidades, ao seu entorno local e
regional e à sociedade em geral.
Palavras-chave: sustentabilidade; solidariedade; redes.
Abstract
This paper is based on researches, daily observations and interviews made with
Comunidade Morada da Paz’s (CMP) members localized in Triunfo, Rio Grande
do Sul, Brasil, since its fundation in January 2003 until April 2009. The general
objective of this paper is to investigate the social-economical-environmental
dynamics in CMP, analising, from its modus vivendis, the interrelationship
between ethics and ecological economics. The specific objectives will be to
investigate how CMP way of life was builted and how it is sustained in its journey
of existence, observing the internal relationships, the relationships with the
ecosystem and the relationships with its neighbourhoods and partners, as well
as to analyse the possible contributions that CMP’s way of life can offer to the
development of sustainable practices of other communities, neighbourhoods,
local region and society.
Keywords: sustainability; solidarity; networks.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009
* Economista. Pós-graduando
em Gestão de Pessoas (UFT).
Membro do Núcleo de Economia
Solidária (NESol/UFT). E-mail:
[email protected]
| 35
Introdução
O que motivou a realização deste artigo foi a necessidade de pesquisar alternativas para um modo de
vida sustentável, que possibilite uma integração entre
o ser humano e a natureza, apontando caminhos nesta
direção. Neste sentido, uma abordagem sobre comunidade, ética e economia ecológica tornou-se apropriada
para relatar a experiência da Comunidade Morada da
Paz (CPM) de Triunfo/RS.
Primeiramente, será feito um breve histórico so-
A propósito, Capra (2002, p.267-268) comenta que
No decorrer deste novo século dois fenômenos espe­
cíficos terão um efeito decisivo sobre o futuro da
humanidade. Ambos se desenvolvem em rede e
ambos estão ligados a uma tecnologia radicalmente
nova. O primeiro é a ascensão do capitalismo global,
composto de redes eletrônicas de fluxos de finanças
e de informação; o outro é a criação de comunidades
sustentáveis baseadas na alfabetização ecológica e
na prática do projeto ecológico, compostas de redes
ecológicas de fluxos de energia e matéria. A meta da
economia global é a de elevar ao máximo a riqueza e o
poder de suas elites; a do projeto ecológico a de elevar
ao máximo a sustentabilidade da teia da vida.
bre o movimento das comunidades e o surgimento da
economia ecológica enfocando seus principais pressupostos. Em seguida, realizar-se-á uma retrospectiva
sobre a constituição da CMP, analisando as suas dinâmicas internas, o uso de tecnologias sustentáveis nas
relações com o meio ambiente e as ações que estabelece em rede com parceiros e colaboradores.
Finalmente, serão tecidas algumas considerações
a respeito das abordagens realizadas, visualizando a
partir destas a Morada da Paz como uma comunidade
onde economia ecológica e ética encontram-se e com-
Duran (2001, p.25), a este respeito complementa
com algumas considerações:
Todas las experiências de transformación alternativa
de la sociedade al margem de mercado y de la lógica
patriarcal dominante, tienen un gran valor como semillas
y polos de referencia de lo que puede llegar a ser una
transformación a mayor escala. La reconstrucción de
las estructuras comunitarias, de los nuevos ámbitos de
comunidad, se debe producir principalmente a partir de
lo local. Lo local, que ha sido sometido y desarticulado
por el capitalismo global, es necesario en gran medida
restaurarlo ex novo.
plementam-se fomentando um modo de vida sustentável e solidário.
A vida em comunidades, conforme Santos Junior
(2006), é prática antiga e remonta aos primeiros está­
gios da civilização humana. Encontramos relatos de
1 Um Breve Histórico sobre
Comunidades e o Surgimento
da Economia Ecológica
experiências de comunidades na Palestina, com os
essênios antes de Cristo, na Índia, com os seguidores
de Buda, e na América, com os índios, que também
compartilham princípios e práticas comunitárias.
Claval (1999, p.113) tece algumas considerações
O modelo capitalista neoliberal gerou profundos
desequilíbrios no planeta em vários aspectos, como o
social, econômico, cultural e por consequência o ambiental. Torna-se primordial a busca por uma forma de
vida que possibilite o reencontro do ser humano consigo mesmo e com uma relação mais sustentável com a
natureza e com seu semelhante.
36 |
importantes para compreendermos melhor o significado de comunidade:
A vida social baseia-se em organizações hierárquicas
institucionalizadas. Ela implica igualmente que os
parceiros sintam-se pertencentes a um mesmo conjunto
pelo qual cada um se sinta responsável e solidário.
Isto toma em alguns casos uma forma afetiva, aquela
da comunidade. Noutros casos, a construção social
Revista da
tem fundamentos racionais, o interesse, a eficácia,
a preocupação de assegurar a defesa e a segurança
coletivas, por exemplo. É o sentido da distinção proposto
pelo sociólogo Ferdinand Tönnies, há mais de um século,
entre a comunidade e a sociedade. A comunidade serve
de modelo a toda uma série de unidades sociais e
culturais: um pequeno grupo coeso, onde os membros
estão ligados por relações de confiança mútua, pode se
multiplicar por emigração ou se estender para englobar
um grande número de pessoas ligado por certos traços
fundamentais de cultura.
FAE
num processo crescente de desenvolvimento, sendo que
muitas delas contam com a organização e o trabalho
em rede. Objetivam em seus movimentos transcender
uma realidade que privilegia o individualismo, a
degradação ambiental e acarreta sérios desequilíbrios
econômicos, políticos e sociais. Há comunidades
espalhadas pelo mundo todo, como Findhorn (Escócia),
Cristal Waters (Austrália) e Lebensgarten (Alemanha),
que podem ser reconhecidas como referências em
práticas ecológicas.
Claval (1999, p.114) considera ainda que existam
quatro formas de construir uma comunidade:
Há uma entidade internacional, a Global Ecovillage
Network (GEN), que promove a veiculação de notícias,
• elos de sangue e de aliança que unem os membros de
uma família;
o intercâmbio e a realização de cursos e atividades
• membros unidos por um mesmo ideal e um projeto
comum1;
a GEN-Global, no ano de 2000 conseguiu obter o
• irmãos que partilham de uma mesma fé religiosa;
status consultivo no Conselho Econômico e Social do
• co-habitação de pequenos grupos num mesmo lugar.
Comitê das ONGs.
O movimento da contracultura na década de 60,
no século passado, reunindo principalmente jovens
descontentes com a violência, o extermínio da fauna
e da flora, e a vida competitiva nos grandes centros
urbanos fez proliferar principalmente nas Américas
várias comunidades embaladas por um projeto comum.
Conforme comentado por Capra (1988), o movi­
mento ecológico e o movimento feminista impul­
sio­naram uma nova visão de mundo, mais atenta à
questão da sustentabilidade e da preservação da vida e
do planeta para o futuro.
de interesse comum. Santos Junior (2006) relata que
reconhecimento de “organização oficial” da ONU, com
Neste início de século XXI, o movimento de vida
em comunidades ganha força e adeptos por oferecer
alternativas frente ao sistema hegemônico vigente,
construindo através de suas experiências possibilidades
para um modo de vida2 sustentável3.
As comunidades baseadas em projetos se desen­
volveram num momento simultâneo à efer­vescência
do debate sobre meio ambiente no mundo. Houve
a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente em
Estocolmo no ano de 1972, tratando sobre o panorama
ambiental mundial, foi publicado o Relatório Brundtland
em 1987, trazendo o conceito de desenvolvimento
O movimento das comunidades estruturadas a
sus­tentável, ocorreu ainda a RIO 92, que aprofundou
partir de um projeto de vida comum se encontra hoje
estas discussões, houve a assinatura do Protocolo de
Kyoto em 1997, que previa a redução da emissão de
1
De acordo com Claval (1999, p.115), a comunidade de
projeto resulta de uma adesão consciente de seus membros.
Pode ser analisada em dois níveis:
a) parcial: se se trata de uma associação desportiva, lúdica
ou caritativa, à qual os membros conseguem uma parte de
seu tempo livre;
b) global: se se trata verdadeiramente de um projeto de
vida comum, segundo um modelo mais ou menos utópico,
diferente daquele que a sociedade oferece em geral
(MANUEL; MANUEL, 1979).
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009
Segundo Derruau (1982), podemos definir modo de vida
como o conjunto de hábitos pelos quais o grupo que os
pratica assegura a sua existência.
3
Sobre sustentabilidade, Ruscheinsky (2004, p.20) contribui
para um melhor entendimento, afirmando que a princípio
a sustentabilidade refere-se à capacidade de um modelo ou
sistema sustentar-se na dinâmica evolutiva sem permitir que
algum setor aprofunde-se em crises de tal forma que venha
a atingir a totalidade.
2
| 37
gás carbônico na atmosfera, entre outros movimentos,
ciência e da tecnologia não tem garantido a susten­
tação da vida no decorrer do tempo.
como a RIO + 10, na África do Sul em 2002.
No mesmo momento histórico, desenvolviam-se novos postulados para a Ciência Econômica, incorporando
as principais preocupações trazidas à tona com relação ao
meio ambiente, nascendo, pois a Economia Ecológica.
Para Alíer (1998, p.268), um dos precursores da
Economia Ecológica, ela pode ser definida como:
Uma economia que usa os recursos renováveis (água,
pesca, lenha e madeira, produção agrícola) com um
ritmo que não exceda sua taxa de renovação, e que
usa os recursos esgotáveis (petróleo, por exemplo)
com um ritmo não superior ao de sua substituição por
recursos renováveis (energia fotovoltaica, por exemplo).
Uma economia ecológica conserva assim a diversidade
biológica, tanto silvestre quanto agrícola.
Conforme apontado por Melo (2006, p.111),
Georgescu-Roegen (outro precursor da economia ecológica) postula que:
As transformações decorrentes das atividades econômicoindustriais resultam em uma entropia crescente, sendo
possível se quantificar o aumento da desordem no
sistema (entropia). Além disso, indica medidas para
diminuir o processo entrópico:
Outro pressuposto importante da economia ecoló­
gica, segundo Melo (2006, p.115), é a análise dos fluxos
físicos de energia e de materiais, além de considerarem
os preços de mercado (com o devido rigor, uma vez
que estes podem esconder relações ecologicamente
desiguais), em suas próprias análises. Defendem ainda
a participação política, especialmente dos movimentos
ambientalistas, para que o mercado (através do sistema
geral de preços) assuma os custos ambientais, uma vez
que o mercado por si só não o faz.
A Comunidade Morada da Paz (CMP), conforme
será visto adiante, incorporou em seu planejamento o
uso do instrumental econômico-ecológico, previamente
elaborando com auxílio de consultoria de arquitetos um
plano diretor para o terreno escolhido como sua sede e
implantando no dia-a-dia um fluxo sistêmico para minimizar impactos ambientais.
2 O Processo de Constituição da
Comunidade Morada da Paz
• utilização de processos de reciclagem;
• minimização do uso de energia e de materiais;
A CMP é uma organização da sociedade civil de
• consideração do custo ambiental decorrente de todo o processo de extração, produção e consumo;
direito privado, sem fins lucrativos, sem identificação
• minimização da produção de dejetos e da poluição.
Distrito de Vendinha, no município de Triunfo/RS, com o
Várias destas contribuições trazidas pelos economistas ecológicos passaram a ser adotadas pelas
comunidades projetadas para a busca de uma relação
político partidária, fundada em 2003 na área rural do
objetivo de promover a sustentabilidade ambiental como
caminho para a busca de uma melhor qualidade de vida.
Os objetivos4 da Comunidade Morada da Paz são:
• promoção e qualificação educacional;
mais equilibrada com a natureza.
• desenvolvimento e valorização ambiental;
Ainda sobre a economia ecológica, Melo (2006,
p.111) afirma que sua abordagem está centrada em
• promoção da saúde holística;
duas ideias, a saber:
• investigação da dinâmica social.
1 limite ao crescimento econômico, visto que os
recursos naturais são limitados e escassos;
2 a capacidade suporte não é algo fictício ou hipoté­
tico, pois a experiência mostra que o “progresso” da
38 |
A CMP começou a ser constituída quando um
grupo de pessoas oriundas de Porto Alegre/RS/Brasil
4
Extraídos do seu estatuto social.
Revista da
FAE
optou por vivenciar no dia-a-dia uma filosofia que
A área adquirida não foi repartida de acordo com o
estava sendo construída ao longo de uma trajetória
que cada um ofertou para a sua aquisição, e a proposta
coletiva de 4 anos (de 1998 a 2002). O modus vivendis
de vida desde o início sempre observou o uso comum
da CMP inclui a observância de princípios tais como
dos recursos materiais e naturais para a construção da
a fraternidade, a ética, o respeito, a prática de uma
comunidade. Neste sentido, S.J. complementa:
alimentação vegetariana, a vontade de viver uma vida
plena e integrada à natureza, com simplicidade e de
uma forma sustentável.
Para tanto, alguns se desfizeram de terrenos e
veículos, outros de suas economias, juntaram o que
conseguiram arrecadar e realizaram ainda um em­prés­
timo para adquirir uma área de 4,2 hectares numa
zona rural distante 52 quilômetros de Porto Alegre, no
município de Triunfo/RS, para constituir o que viria a ser
a CMP. O local foi escolhido através da pesquisa em um
anúncio de classificados e foi aprovada a sua compra
pelos membros do grupo após a visita, tendo sido
desconsiderada a necessidade de outras pesquisas, pois
o sentimento comum era de que o espaço congregava
todos os requisitos almejados.
Uma moradora da CMP (S.J., 37 anos) assim explana
sobre a trajetória de constituição do movimento:
A Comunidade Morada da Paz é a resultante do sonho de
um grupo de pessoas que no decorrer da sua trajetória
compreendeu que era necessário retomar a sua própria
força e autoria na construção do mundo desejado.
Os integrantes são pessoas que antes de constituí-la
conviveram juntos pelo menos quatro anos. Alguns de
nós éramos familiares, colegas de trabalho e amigos. Esse
período de convivência, que precedeu a CMP, teve como
característica a busca por uma compreensão profunda
e comprometida do sentido das nossas existências.
Assim estabelecemos como rotina estudos e vivências
em grupo, que nos conduziram à expansão dessa com­
preensão. Logo nos determinamos à elaboração de
um projeto de ação coletiva, que colocasse o nosso
saber a serviço de outras pessoas e comunidades. Os
componentes tinham idades diversas (18 a 40 anos),
formação educacional distinta (1º grau a mestrado)
e ocupação profissional também diversificada. Cada
experiência e saber individual são reconhecidos como
um universo fundamental de possibilidades para cons­
tituição desse projeto (trecho retirado de entrevista
realizada em junho de 2007).
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009
O princípio que nos levou a construir o projeto CMP foi
o sentido de unidade e coletividade comum a todos.
A percepção da necessidade de estarmos juntos para
resistir às pressões sociais, econômicas, espirituais,... e
para garantir que pudéssemos nos colocar a serviço do
outro potencializando nossas capacidades. Compreen­
demos que os processos de transformação acontecem,
invariavelmente, em micro espaços, movidos pela
força e crença de quem os constitui (trecho retirado de
entrevista realizada em junho de 2007).
No início, a CMP foi constituída por 5 famílias,
sendo 2 casais com 1 filho cada, de 2 anos na época, 1
casal sem filhos e 2 solteiros, totalizando 10 pessoas. O
grupo era formado por jovens, com a média de 31 anos
de idade entre os adultos, sendo predominantemente
negros. Quanto às profissões, na época, havia duas
assistentes sociais, um engenheiro eletricista, um
professor, um economista, uma pedagoga, uma técnica
em administração e um padeiro/confeiteiro.
De lá para cá, aconteceram muitas mudanças
quanto ao número de pessoas, tendo ocorrido entradas
e saídas, e inclusive a constituição de um núcleo da
comunidade em Salvador/BA, na área urbana. Hoje,
constituem a CMP, somando os dois núcleos, em Triunfo
e em Salvador, 6 famílias, totalizando 14 pessoas.
A CMP se mantém através de recursos próprios
dos seus moradores que trabalham em serviços
externos, doações regulares e eventuais. Não há o
apoio do governo ou de empresas através de projetos
até este momento. Há um caixa único comunitário
constituído pelas entradas através das fontes cita­
das. A área de planejamento e gestão de recursos
delibera com os representantes das demais áreas a
aplicação dos recursos para custear as despesas com
alimentação, transporte, educação, vestuário, entre
outras necessidades.
| 39
Embora existissem alguns membros nascidos no
interior do estado, nenhum havia experimentado ainda
determinação, respeito, receptividade, compreensão,
humildade, solidariedade, amorosidade.
uma vida rural, sendo eminentemente urbanos, até
Os princípios são observados tanto nas relações
então. Esta mudança da cidade para o campo, na
humanas, quanto na relação com o meio ambiente
tentativa de fazer do campo não um lugar de produção,
e também na relação com a sociedade (projetos com
mas uma opção de residência, preservação ambiental
parceiros da rede e com o entorno local). Tais práticas
ou mesmo um espaço de lazer, são experiências há
demonstram que a economia dentro da CMP está
algumas décadas já conhecidas na Europa, como
intrinsecamente conectada a aspectos éticos.
destaca Carneiro (1998, p.3):
Sobre isto, Sen (1999, p.19) contribui afirmando que:
Novos valores sustentam a proximidade com a natureza e
com a vida no campo. A sociedade fundada na ace­le­ração
do ritmo da industrialização passa a ser ques­tionada pela
degradação das condições de vida dos grandes centros. O
contato com a natureza é, então, realçado por um sistema
de valores alternativos, neo-ruralista e antiprodutivista. O
ar puro, a simplicidade da vida e a natureza são vistos
como elementos “puri­ficadores” do corpo e do espírito
poluídos pela sociedade industrial.
Em última análise a economia relaciona-se ao estudo da
ética e da política, afirmando que o problema da moti­
vação humana, “Como devemos viver?”, revela uma
ques­tão amplamente ética, ressaltando que essa ligação
não equivale a afirmar que as pessoas sempre agirão
de maneira que elas próprias defendem moralmente,
mas apenas a reconhecer que as deliberações éticas não
podem ser totalmente irrelevantes para o comporta­
mento humano real.
A CMP vislumbra a perspectiva de uma vida
humana integrada com a natureza, de um constante
compartilhar, da troca de experiências entre as pessoas,
do diálogo sincero e aberto para a construção e da
articulação de redes solidárias.
Sobre estas questões, Norgaard (1997, p.124)
sabia­­mente complementa:
Sendo conscientes de como a lógica econômica tem sido
distorcida pelas crenças modernas, podemos pelo menos
começar de novo e construir a partir da importância
crescente da convicção de que sustentabilidade eco­
lógica, justiça ambiental, estrutura econômica e cultural
global são cruciais para o bem-estar de nossa progênie.
No dia-a-dia, há o envolvimento de cada um dos
membros da CMP com o todo, compreendendo as
dimensões sociais, culturais, políticas e econômicas
da vida coletiva. Os processos decisórios para encami­
nhamentos operacionais das metas e objetivos são
realizados através de um conselho gestor. O sentido
é integrar cada membro no contexto da comunidade,
criando uma identidade e fortalecendo a unidade na
diversidade, o propósito do movimento.
O sistema de relações na CMP não é cada um ter a
sua casa e reproduzir os modus vivendis da civilização
moderna, ou seja, cada família fazer as suas próprias
compras, preparar apenas para si os alimentos e ter os
seus projetos de vida individuais6.
3 Os Sete Princípios para a
Sustentabilidade da CMP
A vida em comunidade é construída por pessoas.
Onde existem pessoas há um fluxo de relações que
se estabelece. Para se manter estes movimentos em
harmonia é preciso observar alguns princípios5, como
5
Tais princípios estão presentes no estatuto social da Comu­
nidade Morada da Paz.
40 |
6
Estas observações acabam por revelar aspectos do ethos
da vida comunitária na CMP. Geertz (1978, p.143) explica
que os aspectos morais (e estéticos) de uma dada cultura,
os elementos valorativos, foram resumidos sob o termo
ethos, enquanto os aspectos cognitivos, existenciais foram
designados pelo termo visão de mundo. O ethos de um
povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo
moral e estético e sua disposição, é a atitude subjacente em
relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. A
visão de mundo que esse povo tem é o quadro que elabora
das coisas como elas são na simples realidade, seu conceito
da natureza, de si mesmo, da sociedade.
Revista da
A proposta da CMP vai além, constrói a perspectiva de um projeto coletivo de existência, onde a vivência
de cada membro compõe uma peça importante na execução das linhas de ação da comunidade.
FAE
sistema de representações com delegados eleitos, essas
representações somente serão efetivas se os repre­
sentantes forem diretamente ligados e submetidos ao
poder dos seus representados.
Bravo (1982, p.23) salienta sobre este aspecto que:
A comunidade com seus problemas, suas histórias, deve
estar bastante relacionada à vida de cada um e à de
todos, como uma coletividade una. E, evidentemente,
que a vida comunitária, com seus problemas, sua gente,
sua história, suas coisas, enfim, não deve ser apenas
admirada ou mesmo “curtida”. Há necessidade de cada
comunitário viver a sua comunidade, participando,
construindo-a. A identificação, a equação e a solução
das dificuldades comuns da comunidade, portanto,
devem ser objetivos dos comunitários. E esta atitude
somente será conseguida se houver uma participação
ativa de cada um e de todos.
A gestão da CMP estabelece um equilíbrio de poderes havendo dois conselhos, o curador para zelar pelos
seus princípios filosóficos, e o gestor para operacionalizar as demandas administrativas divididas em oito áreas
operacionais7. Na estrutura da CMP, há a presença de
gestores, responsáveis pelas áreas organizacionais com
igual poder de representação legal da CMP frente a terceiros. Ressalta-se considerando estas características o
caráter autogestionário8 da CMP.
Sobre a autogestão, Singer9 (2002 apud PEREIRA;
GUERRA, 2008, p.249) considera que:
Torna-se importante, portanto, destacar que a autogestão
é, antes de tudo, uma relação sócio-econômica entre os
homens, baseada no princípio da distribuição segundo
o trabalho e não sobre a base do capital, dos meios
de produção. Assim, todas as decisões precisam ser
tomadas pelo coletivo. Mesmo quando exista um
4 O Desenvolvimento de Tecnologias
Sustentáveis
As tecnologias sustentáveis utilizam princípios
e técnicas da permacultura. Na CMP, a permacultura
auxilia na busca de uma relação mais equilibrada
com a natureza, estando presente em várias áreas de
atividades.
Sobre o conceito de permacultura, Legan afirma o
seguinte: (2004, p.13):
Permacultura significa cultura permanente. É um sis­te­
ma de design para a criação de ambientes produtivos,
sustentáveis e ecológicos para que possamos habitar na
Terra sem destruir a vida. Este sistema de planejamento
holístico trabalha com a natureza pela imitação dos
processos naturais, utilizando a sabedoria dos sistemas
tradicionais de produção e o conhecimento científico
moderno para estabelecer comunidades sustentáveis.
O conceito foi desenvolvido nos anos 1970 por dois
australianos, David Holmgren e Bill Mollison. Consiste
no desenho e manutenção de pequenos ecossistemas
produtivos, junto com a integração harmônica do
entorno, das pessoas e suas vidas, proporcionando res­
pos­tas a suas necessidades de uma maneira sustentável.
De acordo com Legan (2004), o princípio básico da
Perma­cultura é o de trabalhar “com”, ou “a favor de”, e
não “contra” a natureza. Os sistemas permaculturais são
Conforme o estatuto social da CMP, suas áreas organi­
zacionais são as seguintes: organicidade, nutrição, animais,
agroecologia, gestão de recursos, projetos, documentação
e relações exteriores.
8
Segundo Carvalho (1995 apud PEREIRA; GUERRA, 2008,
p.249), autogestão pode ser definida como um modelo
de organização em que o relacionamento e as atividades
econômicas combinam propriedade e (ou) controle efetivo dos
meios de produção com participação democrática de gestão.
9
SINGER, P. Introdução à economia solidária. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo, 2002.
7
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009
construídos para durar tanto quanto seja possível, com
um mínimo de cuidado. Os sistemas são tipicamente
energizados pelo sol, vento e a água, produzindo o
suficiente tanto para sua própria necessidade, como
para a dos humanos que o criam e controlam. Desta
maneira, o sistema é sustentável.
A CMP conta com captação de água da chuva em cis­
ternas, reciclagem de matéria orgânica em composteiras,
| 41
práticas agroecológicas, sanitários compostáveis, reaproveitamento da água cinza do banheiro e biocons­truções,
procurando articular de uma forma sinérgica o uso
destas tecnologias de forma a minimizar o nível de entropia provocado pela ocupação humana no terreno.
Pelo seu próprio caráter de buscar a utilização
de materiais recicláveis em suas construções e equi­
pamentos, muitos dos empreendimentos em comu­
nidades têm um processo artesanal na sua elaboração,
assim como na agricultura ecológica que é praticada,
o que demanda mais mão de obra. O resultado da
produção e do conhecimento construído pode ser tro­
cado e com o tempo a comunidade pode ministrar cursos
a pessoas interessadas, aproveitando o know-how
adquirido para gerar recursos. A CMP tem adotado
estas práticas com êxito.
faz com que nos seja possível aplicar uma compreensão
unificada da vida não só aos fenômenos materiais, mas
também aos que decorrem do campo dos significados.
A idéia central dessa concepção sistêmica e unificada da
vida é a de que o seu padrão básico de organização
é a rede. Em todos os níveis de vida – desde as redes
metabólicas dentro das células até as teias alimentares
dos ecossistemas e as redes de comunicação da socie­
dade humana – os componentes dos sistemas vivos se
interligam sob a forma de rede. Em particular, na era da
informação, as funções processos sociais organizam-se
cada vez mais em torno de redes. Quer se trate de
grandes empresas no mercado financeiro, dos meios de
comunicação ou das novas ONG’s globais, constatamos
que a organização em rede tornou-se um fenômeno
social importante e uma fonte crítica de poder.
As redes são movimentos chaves para a susten­
tabilidade, e a união de forças com certeza contribuirá
Os projetos sócioeducativoambientais visam
para uma relação mais harmoniosa do homem com a
disse­minar os princípios e o propósito da CMP através
natureza e do homem com o próprio homem, na medida
de oficinas de educação ambiental, oficinas de bio­
em que poderão ser reciclados vários materiais, ideias
construção, jornadas solidárias temáticas, seminários,
e ações ao se promover intercâmbios, economizando
saraus poéticos, atividades lúdico-pedagógicas, entre
energias. A organização em rede reduz a dependência
outros movimentos.
do sistema hegemônico, através da troca e do com­
O público alvo abrange crianças, jovens, adultos
e idosos. Os objetivos destes projetos são estimular a
percepção ambiental, despertar a consciência ecológica,
resgatar a autoestima, potencializar a criatividade e a
alegria de viver junto a este público, pois um ser humano
em harmonia contribui para um mundo mais sustentável.
5 Rede de Envolvimento Solidário
As redes de contatos e parcerias são fenômenos
característicos deste novo século, potencializados pelo
desenvolvimento dos meios de comunicação, mais
especificamente a Internet.
42 |
partilhamento de produtos, saberes e serviços.
Neste sentido, Mance (2008, p.1) complementa:
As Redes de Colaboração Solidária são fundamentadas
em um sistema de produção onde não pode haver
exploração nem dominação dos trabalhadores, com
equi­líbrio nos processos, com uso de insumos produzi­
dos de forma ecologicamente correta, e com partilha
dos excedentes, havendo reinvestimento e formação
de novas redes. “A ideia é remontar cadeias produtivas,
fazendo com que saiamos do labirinto capitalista,
criando outra economia”.
Ressalte-se ainda o caráter empreendedor das
comunidades construídas a partir de projetos coletivos,
agregando pessoas e organizações voltadas a práticas
sustentáveis, estruturadas a partir da gestão social dos
Segundo Capra (2002, p.267):
seus objetivos, constituindo-se em peças importantes
A análise dos sistemas vivos em função de 4 perspectivas
interligadas – forma, matéria, processo e significado –
na criação e manutenção de redes. Sobre esse aspecto,
Pereira e Guerra (2008, p.247) consideram que:
Revista da
O campo da gestão social reflete as práticas e o co­
nhe­­cimento construído interdisciplinarmente. Como as
ações mobilizadoras partem de múltiplas origens e têm
muitas direções, as dimensões praxiológica e epistemoló­
gica estão entrelaçadas. Aprende-se com as práticas e o
conhecimento se organiza para amparar a prática.
Ainda sobre gestão social, Fischer10 (2002 apud
PEREIRA; GUERRA, 2008, p.249) complementa afirmando que:
O campo da gestão social é um campo de gestão
conceituado como interorganizações, ou seja, orga­ni­
zações dentro de organizações que mantêm relações
articuladas entre si. As interorganizações são constituídas
por possuírem propósitos comuns.
A CMP começou a estruturar uma rede, denominada
Rede de Envolvimento Solidário (RES) a partir de sua fun-
FAE
Considerações Finais
A sustentabilidade em suas múltiplas dimensões
pressupõe a ação consciente dos indivíduos para que
as conexões necessárias ao seu processo efetivamente
ocorram, garantindo desta forma um “equilíbrio”,
dentro de um contexto dinâmico.
Desde a prática de ações simples até projetos mais
complexos passam necessariamente pela mudança de
consciência, tanto em nível micro (indivíduos) quanto
em nível macro (empresas, países, ongs), o que por sua
vez implica na incorporação de princípios éticos e ações
altruístas no dia a dia, nas formas de pensar, sentir e agir.
A questão da sustentabilidade está intrinsecamente
ligada a estes aspectos.
dação, em 2003, através de seminários temáticos, oficinas
A crise ambiental é antes de tudo uma crise de
e atividades artísticas dentro e fora da sua sede, e continua
valores, que com o passar do tempo foram sendo
a agregar pessoas que desejem compartilhar dos mesmos
esquecidos, relegados a um plano secundário na vida, à
princípios e ações que por ela são desenvolvidos.
medida que ganhava força no mundo o desenvolvimento
As observações realizadas sobre estas atividades
permitem apontar que ao mesmo tempo em que se
empreendem ações através de movimentos solidários,
novos conhecimentos são construídos coletivamente,
revelando uma face criativa e inovadora dos projetos
baseados em gestão social.
A este respeito, Martinho (2004, p.86) refere que:
A rede é portanto, um espaço de relacionamento e,
como tal, promove a interação entre os participantes. Tal
interação representa, como é lógico afirmar, comunicação
intensa. Mas, mais do que isso, implica a ocorrência
de uma série vasta de influências recíprocas. No rela­
cionamento, assim como na prática da comunicação,
o que há é uma profunda troca de fluxos formadores
e reguladores, na qual uns vão construindo, moldando
alterando impressões, ideias, visões de mundo, valores e
projetos dos outros e vice-versa. Esse ambiente de troca
e auto-regulação coletiva, baseado na comunicação, faz
de uma coleção de elementos díspares um grupo, um
todo orgânico, uma comunidade.
de um padrão de dominação e a desvalorização de
práticas solidárias. A visão de mundo que daí emergiu
centrava-se na ordem técnica-racional, rompendo-se a
reverência ao sagrado e às tradições e crenças baseadas
no equilíbrio das relações com a natureza e o cosmos.
Um mundo sustentável necessariamente precisa
de indivíduos com mais clareza e consciência da sua importância e do seu papel neste tempo planetário, para
que haja uma unidade de forças capazes de provocar
uma mudança de consciência objetivando melhorar as
condições de vida ao redor do mundo.
Para se transcender padrões e comportamentos
viciados no sistema hegemônico dominante e promover
uma mudança na sua mentalidade e na forma de se
relacionar com a natureza, consigo mesmo e com
seus semelhantes é necessário antes de tudo muita
determinação, sobretudo para se reconhecer como uma
possibilidade de transformação.
Respeitar as diferentes verdades que existem em
10
FISCHER, T. Elaboração de trabalho acadêmico. Salvador:
Universidade Corporativa Banco do Brasil, 2006.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009
diferentes mundos também é um fator fundamental
nesta mudança de consciência.
| 43
Estar receptivo para perceber-se e perceber os
diversos seres que nos cercam, sem dúvida é uma
prerrogativa valiosa.
do movimento da CMP e integra todas as forças e
princípios que a compõe.
O modo de vida da CMP expressa esta essência que
Compreender é igualmente estratégico para evi­
guia os objetivos e os projetos de vida de seus membros,
tar julgamentos apressados e perceber que o seu
comprometidos não com sua autorrealização, mas
movimento não é único.
transcendendo a isso, com a preocupação em servir à
Humildade, uma das virtudes mais desafiantes a
vida, ao planeta, ao universo, honrando os princípios do
serem alcançadas, a qual remete a aprender com quem
movimento. A unidade expressa, pois, esta conexão com
sabe mais que você, compartilhar com quem sabe tanto
o todo (cosmos), remetendo a uma visão holística da
como você e ensinar pelo exemplo a quem ainda não
existência e a um sentido de pertencimento ao universo.
caminhou tanto como você é indispensável para a
A unidade potencializa a noção de comprometi­
transformação se refletir em ações.
mento e a responsabilidade com o zelo do próximo e de
Solidariedade, a síntese de todas as virtudes citadas
todos os seres, favorecendo a sustentabilidade de uma
anteriormente, pois para ser solidário (e sustentável) é
forma multidimensional, ou seja, nas relações humanas,
preciso determinação, respeito, receptividade, com­
nas relações com a natureza, na construção de projetos,
preensão e amor.
entre outros movimentos.
Amar, pois para zelar e cuidar da natureza, dos
Por isso é tão importante compreender a unidade
nossos semelhantes e de nós mesmos é fundamental
e a CMP, uma comunidade que têm como propósito a
mais do que entender racionalmente a importância
unidade, pode contribuir com a sociedade neste aspecto
disso. É condição sine qua non amar incondicional­
ao tornar mais clara nas suas atividades a verdadeira
mente a vida.
face desta virtude que deve ser compreendida em seu
A CMP norteia-se segundo estes princípios, ten­do
significado mais profundo pelo ser humano para que
alcançado êxito em seus projetos e ações pela busca
ele viva mais consciente de zelar e proteger o que aqui
de soluções simples e criativas para responder às
habita junto consigo, guiado por princípios altruístas e
questões mais essenciais da vida no planeta como os
ações éticas e sustentáveis.
relacionamentos, a alimentação, a educação, a habi­
A CMP, muito mais que um espaço geográfico, é
tação, o uso de fontes de energia, fazendo o uso
uma filosofia de vida, podendo ser comparada a uma
de saberes e técnicas ancestrais conjugados com
árvore, onde as raízes são representadas pelos princípios,
tecnologias desenvolvidas recentemente.
o tronco pela unidade (propósito), e as ramificações são
Tais experiências requerem acima de tudo, segundo
as ações e os projetos construídos pelo movimento.
seus membros, a crença nos princípios e no propósito
As observações realizadas sobre o modo de vida
da comunidade para buscar a sustentabilidade nas
da CMP remetem a acreditar na sua possibilidade
relações que desenvolve internamente, com o meio
de intensificar a geração e difusão de tecnologias
ambiente e com a sociedade, as quais são expressas no
sustentáveis, para o seu entorno local e regional, poten­
seu modo de vida.
cializando a articulação com o poder público e outros
A unidade dos princípios sustenta o modo de
atores sociais (empresas e ongs) para a disseminação de
vida da CMP, possibilitando que tanto as ações mais
projetos, visando à sustentabilidade nas suas áreas de
simples quanto os projetos mais elaborados se tornem
ações, além de fomentar o desenvolvimento de redes
e operacionais em suas diferentes etapas. A unidade
de solidariedade, congregando escolas, universidades e
(compreendendo a diversidade) sintetiza o propósito
voluntários interessados.
44 |
Revista da
FAE
As suas práticas e ações podem ser replicáveis,
Por último, mas não menos importante, foi cons­
adaptando-se a outros assentamentos humanos, mes­
tatado a partir do estudo realizado, que o modo de
mo em áreas urbanas, podendo trazer contribuições
vida da CMP mostrou-se sustentável na medida em que
importantes, que se não resolverem todas as desarmo­
seus princípios nortearam as suas ações, nas relações
nias da vida moderna (nem são essas as suas pretensões),
entre seus componentes, na realização dos projetos
podem dar pistas para a melhoria da qualidade de vida
só­cioeducativoambientais, no desenvolvimento de tecno­
e o bem-estar no planeta.
Esta pesquisa desenvolvida na CMP aponta a
possibilidade do desenvolvimento de investigações
seme­lhantes em outras comunidades sustentáveis, a
lo­gias sustentáveis e inclusive nas ações com a Rede de
Envolvimento Solidário, demonstrando que é possível o
resgate de uma integração entre ética, economia e meio
ambiente a partir de uma comunidade.
fim de que sejam buscadas novas experiências, tracemse paralelos entre elas e desta forma potencializem-se
as alternativas para um viver ético e sustentável no
século XXI.
•Recebido em: 17/08/2009
•Aprovado em: 26/10/2009
Referências
ALÍER, J. M. Da economia ecológica ao ecologismo popular. Blumenau: FURB, 1998.
BRAVO, L. Trabalhando com a comunidade. 3.ed. Rio de Janeiro: Anaconda Cultural, 1982.
CAPRA, F. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix, 2002.
______. Sabedoria incomum: conversas com pessoas notáveis. São Paulo: Cultrix, 1988.
CARNEIRO, M. J. Ruralidade: novas identidades em construção. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v.11,
p.53-75, out. 1998. Disponível em: <http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/onze/zeze11.htm>.
Acesso em: 05 jun. 2007.
CLAVAL, P. Geografia cultural. Florianópolis: UFSC, 1999.
DERRUAU, M. Geografia humana. Lisboa: Presença, 1982.
FERNÁNDEZ DURÁN, R. La necesidade de alternativas al capitalismo global. Agroecologia e Desenvolvimento Rural
Sustentável, Porto Alegre, v.2, n.1, p.18-31, jan./mar. 2001.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
LEGAN, L. A escola sustentável: eco-alfabetizando pelo ambiente. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo;
Pirenópolis: Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado, 2004.
MANCE, E. A. Redes solidárias são contrapontos ao sistema globalizado. Disponível em: <http://www.agirazul.com.br/
fsm4/_fsm00000080.htm>. Acesso em: 30 abr. 2008.
MANUEL, F. E., MANUEL, F. P. Utopian thought in the western world. Boston: Harvard University Press, 1979.
MARTINHO, C. Redes: uma introdução às dinâmicas da conectividade e da auto-organização. Brasília: WWF Brasil, 2004.
MELO, M. M. Capitalismo versus sustentabilidade: o desafio de uma nova ética ambiental. Florianópolis: UFSC, 2006.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009
| 45
NOORGARD, R. Economicismo, ambientalismo e economia ecológica. Revista ANPEC, Brasília, n.1, p.105-128, 1997.
PEREIRA, J. R.; GUERRA, A. C. Gestão de incubadoras tecnológicas de cooperativas populares: uma análise comparativa.
In: CANÇADO, A. C. et al. (Orgs.). Os desafios da formação em gestão social. Palmas, TO: Nesol, Universidade Federal
de Tocantins, 2008. p.240-260. (Coleção ENAPEGS, v.2).
RUSCHEINSKY, A. No conflito das interpretações: o enredo da sustentabilidade. In: ______. (Org.). Sustentabilidade: uma
paixão em movimento. Porto Alegre: Sulina, 2004.
SANTOS JUNIOR., S. J. Ecovilas e comunidades intencionais: ética e sustentabilidade no viver contemporâneo. In: ENCONTRO
DA ANPPAS, 3., 2006, Brasília. Anais... Brasília, 2006. 1 CD-ROM.
SEN, A. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
46 |
Revista da
FAE
Estratégia de Produção: foco, aprendizagem e sua relação
com a execução da estratégia de negócios
Operations strategy: focus, learning and their relation to
business strategy execution
José Vicente Bandeira de Mello Cordeiro*
Resumo
O conceito de estratégia de produção ainda encontra grandes dificuldades de
aceitação no meio empresarial. Grande parte desta dificuldade parece dever-se
ao conflito potencial existente entre a priorização de objetivos de desempenho
na produção e as abordagens voltadas à melhoria do desempenho operacional,
como as técnicas de manufatura enxuta. Este artigo busca mostrar, por meio
de um estudo de caso em uma empresa do setor de autopeças na Região
Metropolitana de Curitiba, que o foco e as abordagens de melhoria contínua
baseadas na aprendizagem não são conflitantes e sim complementares. Para que
tal complementaridade ocorra, é necessário considerar a estratégia de produção
como englobando estes dois componentes, o primeiro sendo fundamental para
a entrega do valor proposto atual aos clientes (e a consequente execução da
estratégia de negócios), e o segundo como crucial para o desenvolvimento
de novas propostas de valor que garantam a sobrevivência da organização no
longo prazo, tendo em vista as mudanças contextuais.
Palavras-chave: estratégia de produção; posicionamento estratégico; inovação
estratégica; foco; aprendizagem.
Abstract
The concept of operations strategy still finds great difficulties of acceptance
among corporations. This difficulty seems to have its cause in the potential conflict
between the need for focusing on the objective of performance in operations
and the managerial approaches emphasizing operational efficiency, like Lean
Manufacturing techniques. This article seeks to show that the need for focusing
in operations management and continuous improvement approaches based on
operational learning are not conflicting but complementary. To accomplish this
goal a case study was conducted in an auto parts manufacturing company,
located in the metropolitan area of Curitiba. The study showed that these two
organizational issues can only be complementary if considered as components
of an unique Operations Strategy, the first one being crucial for delivering
current customer value (and the consequent business-oriented execution of the
strategy) and the latter absolutely necessary to develop new value proposals for
the clients (creating strategic innovations) that guarantee the survival of the
organization in the long term, in view of the contextual changes.
Keywords: operations strategy; strategic positioning; strategic innovation;
focus; learning.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009
* Doutor em Engenharia de
Produção (UFSC). Coordenador
do Curso de Graduação em
Engenharia de Produção e dos
Cursos de Pós-Graduação em
Gestão da Produção, Gestão de
Projetos e Logística Empresarial
da FAE Centro Universitário,
onde leciona disciplinas nas
áreas de Gestão Estratégica
e Gestão de Operações.
Sócio-diretor da área de Gestão
Estratégica de Operações da
BRAIN Assessoria Empresarial.
E-mail: [email protected] /
[email protected]
| 47
Introdução
desempenho que contribuam para a consecução das
metas de mercado de curto e médio prazo (1-2 anos)
As décadas de 1990 e 2000 marcaram a ascensão
de duas novas abordagens no que se refere à gestão das
organizações. Por um lado, muitas organizações vêm
e também uma abordagem de melhoria com base no
aprendizado que viabilize o desenvolvimento de novas
estratégias de negócios no futuro.
assu­mindo que seus problemas estratégicos devem-se à
Para atingir tal objetivo, o tópico dois apresenta
dificuldade de implementação das estratégias. Este fato
o conceito de estratégia de negócios, sob uma pers­
tem contribuído para popularizar sobremaneira técnicas
pectiva de proposta de valor, enfatizando a impor­
focadas no alinhamento da organização com a estratégia
tância do posi­cionamento e da renovação do negócio.
de negócios, como o Balanced Scorecard (BSC). Por outro
Em seguida, o tópico três apresenta o conceito de
lado, o sucesso da Toyota na área de operações e suas
Estratégia de Produção, destacando as questões do
consequências relacionadas à hegemonia da companhia
foco e da aprendizagem. O tópico quatro, por sua
no setor automobilístico mundial têm motivado a difu­são
vez, apresenta um estudo de caso da aplicação prá­tica
dos conceitos de manufatura enxuta por todo o mundo
dos conceitos em uma empresa fabricante de compo­
ocidental. Em virtude da popularidade alcançada por estas
nentes automotivos na Região Metropolitana de
abordagens, são comuns os casos de empresas que adotam
Curitiba (RMC). Por fim, o tópico cinco conclui e faz
ambas simultaneamente, com o intuito de melhorar seu
recomendações para trabalhos futuros.
desempenho de operações, de mercado e financeiro.
Entretanto, alguns trabalhos recentes, como os
de Hayes et al. (2008), Corrêa e Corrêa (2004), Slack
(2005) e Cordeiro (2007) vêm tratando de enfatizar a
existência de conflitos potenciais entre estas abordagens
quando os fundamentos de cada uma delas não são
compreendidos em sua plenitude pelas organizações
que as adotam. As causas prováveis para estes conflitos,
segundo estes autores, poderiam ser resumidas em:
i) adoção da abordagem da produção enxuta com
1 Estratégia de negócios
Este tópico apresenta inicialmente conceitos amplos
de estratégia, bem como a questão da hierarquia
estratégica, para em seguida aprofundar o conceito de
estratégia de negócios, subdividindo-o em proposta de
valor e inovação estratégica.
base no Sistema Toyota de Produção (STP), enfatizando
téc­nicas desenvolvidas no âmbito de estratégias de
excelência operacional na produção de bens duráveis,
mesmo quando o contexto da empresa em questão é
1.1 Conceitos de estratégia e hierarquia
estratégica
bastante diferente e o desdobramento dos objetivos
O conceito de estratégia vem sofrendo muitas alte­
de mercado deveria implicar em focos distintos para
rações desde que passou a ser amplamente utilizado na
a área de operações e ii) crença de que a adoção das
gestão das organizações, a partir da década de 1960.
técnicas do STP ou similares é suficiente para melhorar
Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) apresentam uma
o desempenho das operações em várias dimensões
definição que abrange os conceitos mais populares ao
simultaneamente em um prazo reduzido, evitando me­
longo das últimas décadas, incluindo cinco diferentes
didas estratégicas que impliquem em trade-offs.
conceitos, iniciados pela letra “p” em inglês, a saber:
Este artigo pretende mostrar que o papel estra­
pattern, plan, position, perspective e ploy (padrão,
tégico da produção deve incluir o foco em objetivos de
plano, posição, perspectiva e truque, respectivamente).
48 |
Revista da
FAE
A estratégia pode ser definida como um plano
evidente o conceito de “posição”. Ambos os conceitos
quando trata do caminho que a empresa pretende
parecem estar presentes no nível das estratégias
seguir para atingir seus objetivos organizacionais no
funcionais, que dizem respeito à forma pela qual cada
futuro. Por outro lado, quando se observa os caminhos
uma das áreas funcionais da empresa deverá contribuir
de ação efetivamente trilhados pelas organizações em
para a execução da estratégia do negócio.
um determinado período de tempo, pode-se definir
a estratégia como sendo um conjunto de padrões de
ação passados. De forma análoga, a estratégia é vista
como uma posição quando o foco de sua definição é
externo, ou seja, enfatizam-se as características dos
produtos oferecidos pela empresa aos clientes de um
determinado segmento de mercado, bem como a
característica dos clientes deste segmento. Por outro
lado, a estratégia é vista como uma perspectiva quando
sua definição enfatiza aspectos internos da organização,
como o seu portfólio de competências e sua cultura
organizacional, constituindo algo como o seu “jeito de
fazer as coisas”.
1.2 Posicionamento estratégico e propostas
de valor
Para Markides (2002), as organizações devem
possuir um posicionamento estratégico para cada seg­
mento de mercado atendido. Cada posicionamento
estratégico deve conter a resposta a três questões: a)
“quem são os clientes alvo?”; b) “quais produtos e
serviços serão oferecidos para atender a necessidade
destes clientes?” e c) “como fornecer os produtos e
serviços aos clientes?”. De acordo com Kotler (1999),
o posicionamento estratégico deve representar a
Mintzberg e Quinn (2001) argumentam que as
forma pela qual a empresa pretende maximizar o valor
posições podem, de forma geral, ser alteradas por
líquido entregue aos clientes do segmento de mercado
meio de planos, desde que se mantenha a perspectiva;
em questão, diferenciando-se dos seus concorrentes.
mas as perspectivas são extremamente difíceis de
De acordo com o autor, esta proposta de valor pode
serem alteradas, consistindo num padrão de ação
ser dividida em posicionamento amplo (que vincula
da empresa que costuma permanecer estável com o
o posicionamento à perspectiva) e posicionamento
passar do tempo.
específico.
Os conceitos de “posição e perspectiva” também
Entre as diversas abordagens para o posiciona­
possuem relação com a hierarquia estratégica. Slack
mento amplo, destaca-se a de Treacy e Wiersema
et al. (2002) definem três níveis nos quais ocorrem
(1995), que definem três diferentes propostas
decisões estratégicas, a saber: i) corporativo; ii) do
amplas de valor, a saber: a) Excelência Operacional,
negócio e iii) funcional. O nível corporativo é aquele
enfatizando operações de alto desempenho de
que abrange todos os negócios nos quais a organização
entrega e alta conformidade; b) Liderança de Produto,
atua, sendo caracterizado pelas decisões de alocação de
focada na introdução frequente de produtos de alto
recursos aos diferentes negócios e a gestão da inter-
desempenho; e c) Intimidade com o Cliente, enfa­
relação entre estes, o que faz com que o conceito de
tizando as necessidades específicas dos clientes e
“perspectiva” esteja mais fortemente presente neste
propondo soluções completas para atendê-las.
nível. Por outro lado, a estratégia no nível de negócios
Uma forma de representar o posicionamento espe­
pode ser caracterizada principalmente pelas decisões
cífico é por meio do conceito de “fatores com­petitivos”.
relacionadas à definição de qual o perfil dos clientes que
De acordo com Hill (1993), os fatores competitivos
a empresa pretende atender e que produtos (pacotes de
devem refletir a importância atribuída pelos clientes
bens e serviços) a mesma irá oferecer-lhes, ficando mais
de um determinado segmento de mercado a diferentes
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009
| 49
dimensões de desempenho, como preço, qualidade,
coloca esta novidade a serviço do atendimento de
prazo de entrega e grau de customização. Cordeiro
necessidades dos clientes nos mais diversos mercados
(2007) destaca que o posicionamento específico deve
(BROWN et al., 2005).
ser representado pela combinação da importância dos
Já Tidd, Bessant e Pavitt (2008) definem quatro
diferentes fatores competitivos e a descrição do pacote
diferentes categorias de inovação, relacionadas ao
de produtos e serviços oferecidos pela empresa no
objeto da mudança, a saber: a) inovação de produto;
segmento de mercado em questão.
b) inovação de processo; c) inovação de posição e
A definição do grau de importância dos diferentes
d) inovação de paradigma.
fatores competitivos para os clientes de um determinado
Uma inovação exclusivamente de posição seria
segmento exige sua classificação prévia em três grupos,
aquela na qual um único produto passa a ser utilizado
a saber: a) fatores “ganhadores de pedidos”, ou seja,
por clientes diferentes e em mercados diferentes, cons­
aqueles nos quais quanto melhor o desempenho da
tituindo um posicionamento inteiramente novo sem
organização, mais os clientes irão escolher seus pro­
mudanças na especificação do produto ou do processo.
dutos, e consequentemente nos quais ela deve buscar
Este seria o caso das sandálias Havaianas, que de
melhorar seu desempenho de forma contínua; b) fatores
“qualificadores”, ou seja, aqueles nos quais a empresa
deve manter seu desempenho acima de determinado
nível, sob pena de seus clientes a deixarem de fora do
rol de opções de escolha e c) fatores pouco importantes,
ou seja, aqueles que não exercem influência significativa
na escolha do fornecedor (HILL, 1993).
calçado de baixo preço e alta durabilidade, oferecido
para pessoas de baixa renda no Brasil, ganhou uma
conotação fashion e passou a ser oferecido por um
preço bastante elevado para públicos de alta renda em
mercados tão exigentes como o norte-americano.
Por outro lado, uma inovação de paradigma seria
uma mudança nos modelos mentais subjacentes que
norteiam o que a empresa faz, sendo as linhas aéreas
1.3 Inovação estratégica
de baixo custo um exemplo da mesma. É importante
ressaltar que uma inovação de produto ou de processo,
De forma geral, a inovação estratégica consiste
dependendo de sua profundidade, pode provocar mu­
na capacidade de uma empresa em desenvolver novos
danças no posicionamento, bem como no nível de
posicionamentos estratégicos. Assim, inovar de forma
paradigma da organização e mesmo de um setor como
estratégica diz respeito não apenas ao desenvolvimento
um todo.
de novos produtos e processos, mas principalmente ao
desenvolvimento de novas propostas de valor (HAMEL,
2002; MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000).
Tidd, Bessant e Pavitt (2008) também definem
um continuum de diferentes graus de mudança das
inovações. Em um dos extremos do continuum, a
Moreira e Queiroz (2007) apontam inicialmente três
inovação incremental ocorreria quando a organização
tipos de inovação, a saber: a) inovações no produto, que
passa a fazer melhor as mesmas coisas que já fazia
pode ser um bem, um serviço ou um pacote de bens e
(um produto, um processo produtivo, um processo
serviços; b) inovações no processo produtivo e c) inovações
gerencial ou administrativo). Ampliando o grau de
organizacionais, que envolvem mudanças nas interações
mudança envolvido, uma empresa pode desenvolver
formais entre as pessoas no âmbito da organização.
um produto ou um processo inteiramente novo, sem
Com relação às inovações de produto e processo, é
que este represente uma inovação para o seu mercado.
importante diferenciar inovação de invenção. Enquanto
Neste caso, tem-se uma inovação do tipo “novo para
a invenção traz à existência uma novidade, a inovação
a empresa”, no qual os conceitos envolvidos já são
50 |
Revista da
FAE
conhecidos do setor ou mercado de atuação. No outro
encaixar em pelo menos uma das seguintes alternativas:
extremo da escala, encontram-se as inovações radicais,
a) redefinir clientes potenciais, como no caso da Canon
nas quais o novo produto ou processo pode ser uma
na década de 1970, ao lançar uma copiadora de menor
novidade para o setor de atuação da empresa no país
parte para escritórios; b) reformular os conceitos de
ou até mesmo em diversos setores em escala global.
valor para o cliente, como no caso da IBM na década de
Os autores ainda pontuam que estas inovações
1990, passando da venda de hardware e software para
podem ocorrer no nível de componentes ou no nível
o fornecimento de soluções completas em infraestrutura
de sistemas. Assim, um exemplo de inovação incre­
de TI; e c) redesenho total da cadeia de valor, como no
mental no nível de componente seria as melhorias
caso da Dell na década de 1980.
de desempenho do sistema de refrigeração de um
Kim e Mauborgne (2004) caracterizam as inovações
motor ou em uma etapa específica do processo de
estratégicas como “estratégias de oceano azul”, quando
pintura, melhorando a qualidade e reduzindo o custo
a lógica de geração de valor do setor no qual atua a
da mesma. No nível de sistema, isso poderia significar
empresa é revertida em favor da mesma. O oposto destas
uma nova versão de um motor ou de um automóvel
seria as “estratégias de oceano vermelho”, quando
(TIDD; BESSANT; PAVITT, 2008).
o posicionamento é definido tendo como premissa a
Um ponto enfatizado por Bessant (2003) e Tidd,
Bessant e Pavitt (2008) diz respeito à dinâmica das
inovações radicais. Segundo estes autores, as inovações
radicais (breakthroughs) emergem normalmente de
longos períodos de desenvolvimentos incrementais.
Assim, na grande maioria das vezes, fazer inovações
incrementais ou radicais não diz respeito a uma opção
da organização, e sim à profundidade do envolvimento
dos atores no processo e ao desenvolvimento cumulativo
do conhecimento.
lógica atual de forças do setor, sendo o vermelho uma
alusão ao sangue proveniente da intensa competição por
market share. Os autores pontuam que muitas inovações
incrementais de produtos, processos e de negócios (que
só se constituem em novidades para a própria empresa)
simultâneas
podem,
quando
integradas,
produzir
inovações estratégicas radicais (novidades para todo um
setor), alterando a lógica de agregação de valor de um
setor, como foi o caso da Southwest ao criar o conceito
de companhia área de baixo custo.
Para Hamel (2002), qualquer dos tipos de ino­
vação apresentados (de produto, processo, posição,
paradigma, tecnológicas ou organizacionais) pode se
2 Estratégia de produção
con­verter em uma inovação estratégica, desde que sejam
capazes de reinventar o modelo do seu setor de atuação,
Para Corrêa e Corrêa (2004), a estratégia de
criando novo valor para seus clientes. Correlacionando
produção pode ser definida como um padrão global
esta definição com as anteriores, tratar-se-ia de uma
de decisões estratégicas da área de operações, visando
novidade no nível do setor no modelo de Tidd, Bessant
aumentar a competitividade sustentada da empresa
e Pavitt (2008) e Bessant (2003), constituindo uma
por meio da organização de seus recursos e da
inovação radical.
criação e manutenção de competências relacionadas
Segundo Govindarajan e Trimble (2006), as inova­
ções estratégicas abrangem inovações de produtos ou
a um determinado composto de características de
desempenho ao longo do futuro.
processos, mas somente seriam caracterizadas como
Historicamente, o conceito de estratégia de pro­
tal quando envolverem modelos de negócios novos e
dução esteve muito fortemente relacionado à questão
totalmente não comprovados. Para isso, teriam de se
do foco da área de operações, em virtude da existência
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009
| 51
de trade-offs de desempenho. No entanto, o sucesso
priorizar o desempenho em custo e confiabilidade em
internacional de muitas empresas japonesas a partir
suas operações, ao passo em que os negócios que ga-
do final da década de 1970, exibindo desempenho
nham pedido com base na oferta de produtos inovado-
superior à concorrência em custo, qualidade, rapidez
res de alto desempenho devem ter áreas de operações
e flexibilidade, fez com que muitos começassem a
focadas na melhoria do desempenho em flexibilidade
questionar a necessidade dos trade-offs. Este questio­
de produto, por exemplo.
namento ganhou força com a popularização das
Cordeiro (2007) propõe um critério para a hierar­
ferramentas da Gestão da Qualidade Total, a partir da
quização de prioridades de desempenho da produção
década de 1980, e dos conceitos de Lean Manufacturing,
no qual seriam definidos como prioritários, em ordem
na década de 1990 (CORRÊA; CORRÊA, 2004).
de importância: a) os objetivos ligados aos fatores com-
Entretanto, para Hayes et al. (2008) e Corrêa e
petitivos “ganhadores de pedido” que possuam lacunas
Corrêa (2004), estas abordagens não contradizem os
de desempenho, ou seja, cuja importância atribuída pe-
conceitos de trade-off e de estratégia de produção, e
los clientes é proporcionalmente maior que o desem-
sim os complementa. Para estes autores, a estratégia
penho corrente da empresa avaliado com relação aos
de produção teria dois componentes: a) a definição de
concorrentes (quanto maior a lacuna, maior a priorida-
prioridades de desempenho e suas consequências para
de); b) os objetivos de desempenho ligados a fatores
as decisões estruturais e infraestruturais (comparadas à
competitivos “qualificadores” que também apresentem
elevação de um dos lados de uma gangorra, quando a
lacunas de desempenho e c) os objetivos de desempe-
melhoria de desempenho em uma ou mais dimensões
nho ligados aos fatores competitivos “ganhadores de
está associada a uma deterioração do desempenho em
pedido” que não apresentem lacunas.
outras); e b) a definição de uma abordagem de melhoria
Hayes et al. (2008), Slack (2002) e Corrêa e Corrêa
focada no aprendizado operacional (comparada à
(2004) explicam que a prioridade de objetivos de desem-
elevação do pivô da gangorra, viabilizando melhorias
penho se manifesta por meio de decisões estruturais e
de desempenho simultâneas em várias dimensões).
infraestruturais e também nas metas dos indicadores de
desempenho da área de produção. Segundo Cordeiro
2.1 Prioridades de desempenho para a área
(2007), a existência de metas ousadas com prazo de até
um ano em indicadores relacionados a vários objetivos
de operações – entregando o valor
de desempenho distintos praticamente condena a área
proposto atual
de produção à não consecução de seus objetivos.
Slack et al. (2002) apresentam cinco objetivos de
desempenho básicos para a área de produção, a saber:
2.2 Aprendizagem Operacional e
a) qualidade; b) rapidez; c) confiabilidade; d) flexibili-
Inovações de Alto Envolvimento –
dade e e) custo. Para estes autores, as prioridades de
High Involvement Innovation (HII) –
desempenho da área de operações devem estar ligadas
capacitando-se para implementar
ao posicionamento estratégico pretendido pelo negócio
novas propostas de valor
no seu mercado de atuação e à capacidade atual que
este tem de executá-lo. Este posicionamento seria re-
Durante muito tempo, foram comuns as afirma-
presentado pelos fatores competitivos “ganhadores de
ções relacionadas ao fraco desempenho das empresas
pedido” e “qualificadores” para os clientes-alvo da em-
japonesas no que se refere à estratégia. Porter (1996)
presa. Assim, negócios que ganham pedido com base
chegou a afirmar que as empresas japonesas não possuíam
em preços competitivos e entregas confiáveis devem
estratégia, e sim um forte desempenho em termos de
52 |
Revista da
FAE
“eficácia operacional”, que não permitiria as mesmas
da Qualidade Total (TQM), em seguida a Lean
obter uma posição distintiva no mercado. Como contra-
Manufacturing e, mais recentemente, o Sistema Toyota
ponto, Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) afirmaram
de Produção (STP). Entretanto, para Nonaka e Takeushi
que, se a estratégia é o meio pelo qual as organizações
(1997) e Fleury e Fleury (1997), o que diferencia a
buscam atingir seus objetivos, o sucesso das empresas
abordagem japonesa da ocidental é justamente o
japonesas deveriam fazê-las serem vistas como exem-
envolvimento do nível operacional na resolução de
plos para a gestão estratégica e não o contrário. En-
problemas em uma escala progressiva, resultando em
tretanto, se as estratégias das mesmas não possuíam o
inovações de processo, produto e organizacionais, e
foco explícito em posicionamento defendido por Porter,
o que estaria por trás do seu sucesso?
A resposta para esta questão possui raízes histó­
ricas e culturais. Enquanto o planejamento estra­té­gico
começava a ser desenvolvido na década de 1960 nas
empresas ocidentais, fazendo com que os ideais tayloristas de separação entre “pensar” e “fazer” se expandis-
não as técnicas utilizadas, que em última análise são
semelhantes às utilizadas à época de Ford.
Bessant (2003) define as Inovações de Alto
Envolvimento – High Involvement Innovation (HII)
como toda inovação de produto, processo ou orga­
nizacional que tem sua origem na contribuição do
pessoal operacional na resolução de problemas. Ele
sem do chão da fábrica até às decisões estra­tégicas, os
as distingue das inovações realizadas por “inovadores
japoneses “importavam” os métodos da administração
especialistas”, normalmente funcionários de alta qua­
científica e os adaptavam à sua realidade contextual. Na
lificação que atuam em equipes na área de P&D.
prática, estes métodos eram aplicados pelos próprios
Assim, muitas empresas gastam vultosos recursos na
operadores, em atividades de pequenos grupos, pro-
contratação, capacitação e desenvolvimento de equipes
duzindo melhoria do desempenho de seus processos.
de especialistas e esquecem que “com cada par de
Essa aparente “contramão” fez com que os conceitos
mãos contratado para área operacional se ganha um
de estratégia nas empresas japonesas se consolidassem
cérebro de graça” (Bessant, 2003, p.33). Para o autor,
de forma muito distinta do ocidente.
abordagens como a TQM, a Lean Manufacturing,
Enquanto no ocidente o foco da gestão estraté­
gica era a formulação minuciosa da estratégia por
o STP e até mesmo as “Learning Organizations”,
caracterizar-se-iam como variações da HII.
analis­tas junto à diretoria e seu posterior desdo­
De acordo com Corrêa e Corrêa (2004), as HII
bramento top-down detalhado para que as diversas
estariam relacionadas às melhorias de desempenho nas
gerências pudessem executá-la, no Japão a ênfase se
quais os trade-offs podem ser superados. Este tipo de
dava no delineamento das linhas gerais da estra­tégia
melhoria é caracterizado como sendo do tipo “atuar
pela diretoria, deixando que os detalhes de implemen-
sobre o pivô da gangorra” ao invés de atuar sobre um
tação emergissem nas diversas gerências, a partir do
de seus lados (o que produziria os trade-offs).
apren­dizado operacional. É importante notar que esta
Fleury e Fleury (1997) pontuam que quanto mais
abor­dagem parece ser a mais indicada para os am-
profunda e fundamental for a causa identificada para
bientes nos quais a complexidade e a velocidade das
um determinado problema, maiores as chances de que
mudanças são elevadas; justamente o tipo de contexto
o seu bloqueio produza uma verdadeira inovação. São
que passou a predominar nas últi­mas duas décadas
as soluções mais inovadoras que têm a capacidade de,
(MINTZBERG et al., 2000; NONAKA; TAKEUSHI, 1997).
contrariando os pressupostos vigentes sobre como as
Mais tarde, as técnicas japonesas foram trazidas
coisas são e como melhorá-las, permitir que a necessi­
para o ocidente como algo novo, constituindo verda­
dade de trade-offs seja transcendida. É importante
dei­ros modismos de gestão. Inicialmente foi a Gestão
frisar que as competências desenvolvidas pela área
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009
| 53
de operações em virtude do aprendizado operacional
Bessant (2003) define cinco diferentes níveis de HII,
permitem frequentemente o desenvolvimento de novos
a saber: i) “precursora”, caracterizada pela existência de
posicionamentos específicos para o negócio, mas não
melhorias “naturais”; ii) “estruturada”, fundamentada
necessariamente um novo posicionamento amplo ou
em tentativas formais de criação e sustentação das
uma nova perspectiva, o que exigiria que estas fossem
inovações; iii) “orientada para resultados”, caracterizada
aplicadas em uma nova unidade de negócios, separada
pelo alinhamento das iniciativas de melhoria com as
da original, ainda em seu estágio de desenvolvimento
metas e objetivos da empresa; iv) “proativa”, ou seja,
(Govindarajan; Trimble, 2006).
dirigida pelos próprios indivíduos e equipes de trabalho
Segundo Corrêa e Corrêa (2004), Nonaka e Takeushi
do nível operacional e v) “alta capacidade de inovação”,
(1997) e Bessant (2003), a capacidade de identificação
quando a HII é a cultura dominante na organização e
das causas fundamentais para os problemas encontrados
representa o ‘jeito de fazer as coisas’ da mesma.
na área de operações depende da incorporação de
Ainda de acordo com Bessant (2003), o nível 1
conhecimentos tácitos, que não podem ser explicitados
caracteriza-se pela percepção da existência de me­lhorias
por meio da linguagem e, por este motivo, exigem a
ocasionais feitas pelo pessoal operacional nas diversas
presença de operadores nas equipes de melhoria.
áreas e pela decisão de patrocinar iniciativas piloto de
Para viabilizar a participação do nível operacional
resolução de problemas de forma estruturada. O nível 2
na geração de ideias, contribuindo para o sucesso
pode ser caracterizado pela existência de uma estrutura
de um programa de HII, algumas características são
formal, constituída por grupos de facilitadores, uma
necessárias, em maior ou menor grau: i) existência de
abordagem de resolução de problemas, programas
uma equipe de projeto da HII, formada por facilitadores,
de treinamentos, organização do pessoal em equipes
cujo papel evolui desde o treinamento inicial no uso de
e sistemas de tratamento de sugestões das equipes,
ferramentas de melhoria de equipes piloto até o suporte
reconhecimento e recompensa e comunicação. O nível 3
à expansão do programa HII para toda a organização e
é caracterizado pela existência de alinhamento entre as
a manutenção da qualificação e motivação das equipes;
iniciativas de melhoria conduzidas pelas equipes (ainda
ii) uma abordagem para identificação e resolução de
funcionais, em sua maioria) e as metas estratégicas
problemas, utilizada no âmbito de equipes de melhoria;
da organização (o equivalente ao desdobramento das
iii) treinamento intensivo nas ferramentas que constam
diretrizes no TQM ou a vinculação de iniciativas de
da abordagem para resolução de problemas, bem como
melhoria ao BSC).
nos aspectos tecnológicos dos processos produtivos
No nível 4, as equipes de melhoria são predo­
com os quais a equipe está envolvida; iv) um sistema
minantemente inter-funcionais, e são frequentes as
de gestão de ideias, que garanta que as boas sugestões
mudanças estratégicas no nível de negócios, com o
dos grupos sejam implementadas; v) um sistema de
desenvolvimento de novas propostas de valor a partir
recompensa que forneça feedback e alguma forma de
das HII. A mudança do nível 3 para o 4 marca o início
premiação para as equipes que gerem inovações; vi) um
da capacidade de fazer inovações do tipo “fazer
sistema de comunicação que compartilhe as melhores
diferente” ao invés de apenas “fazer melhor”, dando
práticas das equipes e permita que o conhecimento
origem a fluxos de mudança bottom-up que resultam
produzido em uma das equipes seja utilizado pelas
em mudanças estratégicas do tipo “de dentro para
demais e vii) uma estrutura organizacional que permita
fora”. Por fim, o nível 5 se caracteriza pela expansão das
que a informações e decisões fluam entre as equipes
equipes HII para além das fronteiras organizacionais,
de melhoria, destas para o restante da empresa e
envolvendo os demais elos da cadeia produtiva, como
vice-versa (BESSANT, 2003; FLEURY; FLEURY, 1997).
fornecedores e clientes (BESSANT, 2003).
54 |
Revista da
3 Estudo de caso: empresa alfa
FAE
proporcionar vantagem crucial junto aos clientes,
grau 2 quando o mesmo gerar vantagem importante,
Este tópico está divido em duas partes, sendo
que a primeira contém a metodologia do trabalho e a
apresentação da empresa Alfa e a segunda os resultados
obtidos no estudo de caso.
sendo sempre considerado pelos clientes e 3 quando o
mesmo proporcionar vantagem útil para a maioria dos
clientes; b) para os fatores qualificadores, foi atribuído
grau 4 quando o desempenho do mesmo precisasse
estar ligeiramente acima da média do setor, grau 5
quando pudesse estar em torno da média do setor e 6
3.1 Metodologia e apresentação da empresa
quando pudesse ser ligeiramente inferior à média dos
concorrentes; e c) para os fatores pouco importantes,
O presente trabalho delineia-se como um estudo
foram definidos os graus 7, 8 e 9, mas os mesmos não
de caso, e trata da aplicação do conceito de estratégia
foram atribuídos a nenhum dos fatores identificados
de produção proposto neste artigo na Empresa Alfa,
pelos executivos.
localizada na Região Metropolitana de Curitiba (RMC).
A Alfa possui três unidades de negócio distintas:
i) produção de “Manuais do Usuário” e outros im­
pressos para empresas montadoras de veículos e de
eletrodomésticos; ii) produção de impressos diversos
e prestação de serviços gráficos sob demanda e iii)
montagem e distribuição de componentes automotivos.
Este trabalho tem como unidade de análise a produção
de manuais para montadoras de veículos e fabricantes
de eletrodomésticos.
Para o desempenho da empresa com relação à
con­corrência nos fatores competitivos levantados foram
atribuídas as seguintes pontuações, ainda com base em
Slack (2002): a) para os fatores nos quais o desempenho
da empresa era melhor que o da concorrência foi
atribuído grau 1 quando este fosse sempre muito
melhor que o do melhor concorrente, grau 2 quando
este fosse sempre claramente melhor que o do melhor
concorrente e 3 quando este fosse sempre ligeiramente
melhor que o do melhor concorrente; b) para os fatores
O estudo, realizado ao longo do 1º semestre
nos quais a empresa desempenhava de forma similar
de 2007, compreendeu duas fases distintas, sendo
à concorrência, foi atribuído 4 quando o mesmo fosse
a primeira focada na definição das prioridades de
ligeiramente melhor que o melhor concorrente em
desempenho para a área de produção (foco) e a se­gun­
algumas ocasiões, 5 quando este estivesse no mesmo
da enfatizando a questão da aprendizagem e das HII.
nível da maioria dos concorrentes e 6 quando estivesse
Inicialmente, foram identificados os fatores com­petitivos
frequentemente a uma curta distância da concorrência;
mais relevantes para os clientes da unidade de análise,
e c) para os fatores nos quais a empresa fosse sempre
sendo em seguida definidos seu grau de importância e
pior que a concorrência foram definidos os graus 7, 8
seu desempenho relativo. Os dados foram levantados
e 9, que também acabaram não sendo utilizados, uma
por meio da realização de um grupo de foco, constituído
vez que preferiu-se trabalhar apenas com os fatores
pelos três principais executivos da empresa (dois diretores
importantes para os clientes.
e o gerente geral), os gerentes de operações e de vendas
A partir deste ponto, foi montada uma matriz
e mais três supervisores das áreas de produção, logística
importância-desempenho para a estratégia de negócios
e relacionamento com clientes.
da unidade de análise, sendo definidas as prioridades
Para o grau de importância, as pontuações foram
competitivas para a área de produção em termos de
atribuídas com base em Slack (2002), de acordo com a
objetivos de desempenho, comparando as mesmas
seguinte classificação: a) para os fatores ganhadores de
com os indicadores e metas existentes na empresa e
pedido, foi atribuído grau igual a 1 quando o mesmo
propondo medidas de alinhamento.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009
| 55
A segunda fase envolveu um diagnóstico do
Com base nos resultados da matriz, foram defi­
programa de melhoria de desempenho com base na
nidas ações estratégicas “de fora para dentro” visando
aprendizagem operacional, que na Alfa ocorre sob
o preenchimento das lacunas. Desta forma, o custo
o rótulo de “Gestão da Qualidade” (TQM), seguido
(em função do preço), a rapidez e a confiabilidade
de sugestões para o aprimoramento do mesmo. A
(em função da conveniência e da confiabilidade da
mesma teve como procedimentos para coleta de
entrega) foram definidos como objetivos de desem­
dados: a) entrevistas com a diretora responsável pelo
penho prioritários.
programa e com alguns dos principais colaboradores
envolvidos nos trabalhos de melhoria e b) análise
FIGURA 01 - MATRIZ IMPORTÂNCIA-DESEMPENHO PARA A EMPRESA
ALFA
de documentos, como “relatórios de tratamento de
1
melhorias”, entre outros.
3.2 Resultados
A figura 1 apresenta a matriz importânciadesem­­penho da Alfa. O grupo de foco identificou nove
fatores competitivos de elevada importância, sendo três
“ganhadores de pedido” (conveniência, atendimento e
confiabilidade da entrega) e seis “qualificadores” (preço,
customização, qualidade, habilidade de mudar prazo
de entrega, flexibilidade de negociação e capacidade
de desenvolvimento de novos produtos), caracterizando
uma proposta ampla de valor intermediária entre a
excelência operacional e a intimidade com o cliente.
Desempenho em relação a concorrência
não-conformidades”, “relatório de implantação de
Melhor
que
2
Flexibil.
Negocia.
3
Conveniência
Habil.
CustaMudar
mização
prazo
4
Igual
a
Atendimento
Qualidade
5
Confiabilidade
Entrega
6
Desenv.
Novos
Produtos
7
Pior
que
Preço
8
9
9
8
7
6
Menos
importante
5
4
Qualificador
3
2
1
Ganhador
de pedido
Importância para os clientes
FONTE: Adaptado de Slack (2002)
Os fatores posicionados abaixo da diagonal amarela
Uma análise nos indicadores de desempenho da
apresentam desempenho inferior à importância atri­
empresa mostrou que as metas dos mesmos estavam
buída pelos clientes. Quanto maior a distância do fator
adequadas às prioridades definidas, com os indicadores
à diagonal, maior sua lacuna de desempenho. Por outro
de custo, rapidez e confiabilidade sendo os que possuíam
lado, fatores que se encontram acima da diagonal apre­
metas mais ousadas. Entretanto, ficou clara a dificuldade
sentam sobra de desempenho. Observando a figura 1,
da empresa em alcançá-las, uma vez que os resultados
percebe-se que as maiores lacunas de desem­penho se
estavam bem abaixo do pretendido. Avaliando as
encontram nos fatores “preço”, “confiabilidade da entrega”
possíveis causas para este fato junto ao grupo de
e “conveniência para os clientes”, sendo todas críticas em
foco, constatou-se que a empresa buscava melhorias
função de tratar-se de fatores “ganha­dores de pedido”
somente com base nas ações de melhoria contínua do
ou “qualificadores” com alta exigên­cia de desempenho.
programa TQM, sendo inexistentes medidas estruturais
Além destas, verificam-se pequenas lacunas no desem­
e infraestruturais voltadas à melhoria do desempenho
penho de alguns “quali­ficadores”, como “qualidade” e
nestas dimensões. Como sugestão, propôs-se a adoção
“desenvol­vimento de novos produtos”.
de medidas nas áreas de sistemas de planejamento e
56 |
Revista da
FAE
controle da produção (implementação de planilha MRP,
permitiram à Alfa executar melhor sua proposta de valor
entre outras), potencialmente capazes de reduzir custos
(inovações do tipo “fazer melhor”), ou até mesmo fazer
com estoques e lead-times, bem como aumentar a
pequenas mudanças no seu posicionamento estratégico
confia­bilidade da entrega. Estas medidas implicariam
(inovações do tipo “fazer diferente”), mas não foram
em trade-offs e deveriam provocar uma redução do
suficientes para mudar a lógica de agregação de valor
desempenho na habilidade para mudar o prazo de
do setor. Este fato, entre outros, permitiu classificar o
entrega e na flexibilidade de negociação, fatores que
programa de HII da Alfa como estando entre os níveis 2
apresentavam sobra de desempenho, fato que não
prejudicaria a satisfação dos clientes.
O diagnóstico relacionado à aprendizagem organi­
zacional e às HII evidenciou que o programa de TQM da
Alfa havia dado origem a algumas inovações importantes
ao longo dos seus seis anos de existência. A principal
e 3 da classificação de Bessant (2003).
Com base nestas constatações, foram feitas as seguintes sugestões para que o programa de TQM da Alfa
possa se consolidar como uma iniciativa de HII de nível
3 e preparar o caminho em direção ao nível 4:
delas foi a criação de um sistema de gestão de estoques
a)constituição de uma equipe de projeto de HII
de material em processo semelhante ao kanban, em
(no momento da realização deste trabalho a
resposta aos seguidos problemas de perda de tempo na
mesma era formada apenas por um dos dire-
montagem dos manuais. A grande diferença do sistema
tores), incluindo mais duas pessoas na coor-
desenvolvido para o kanban era sua lógica “empurrada”,
denação do programa, uma para ser respon-
ao invés da abordagem “puxada”.
sável pelo registro operacional das atividades
De acordo com a abordagem desenvolvida, a partir
e outra para treinar os membros das equipes
da saída do programa mestre de produção (PMP) para
na abordagem de identificação e resolução de
a semana seguinte, eram emitidas e sequenciadas as
problemas;
ordens de produção apenas para a impressora. Após a
b)definição de um mapa de competências
impressão de um lote, o mesmo era colocado em um
necessárias para o pessoal operacional, com
contêiner e todos os processos subsequentes eram
a posterior inclusão de treinamento técnico
“empurrados” utilizando a sinalização de um cartão
na matriz do programa de TQM (foi percebido
colocado em um painel, que tinha em anexo a ordem de
que faltava conhecimento técnico aos opera-
serviço que detalhava a sequência posterior de operações
com seus respectivos lead-times padrão, procedimentos
operacionais, datas prometidas e quantidades.
Este sistema permitia aos operadores dos postos
subsequentes sequenciar o restante do processo de
acordo com as datas devidas e os lead-times, aumen­
tando a rapidez e a confiabilidade do processo, dimi­
nuindo os problemas de qualidade e os custos com
retrabalho e estocagem, bem como a complexidade
dores e supervisores);
c)definição de um padrão de sistema para a gestão das ideias de melhoria provenientes das
equipes, incluindo um sistema de comunicação (as ideias geradas eram tratadas de forma
pontual, sendo que muitas vezes não era dado
feedback às equipes com relação às razões para
à implementação ou não das mesmas); e
da atividade de programação. A inovação em questão,
d)extensão da remuneração variável a todo o
assim como a grande maioria das HII identificadas na
pessoal do nível operacional, vinculando os
Alfa, foram inovações de processo do tipo “novo para
bônus financeiros aos resultados dos trabalhos
a empresa”. Desta forma, pode-se concluir que as HII
de identificação e resolução de problemas.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009
| 57
Considerações finais
seus clientes, apesar de estarem ao menos parcialmente
alinhadas com a estratégia de negócios pretendida. As-
A compreensão do papel estratégico da área de
operações está diretamente relacionada à capacidade
de sobrevivência das organizações no longo prazo. Este
artigo mostrou que a adoção isolada de ferramentas
de melhoria de desempenho, vendidas como panaceias
gerenciais, não deve substituir a necessidade de alinhar
sim, foram sugeridas medidas estruturais para que as
lacunas de desempenho percebidas pelos clientes fossem preenchidas, sendo que os efeitos de trade-offs
previstos não afetariam a percepção de satisfação dos
clientes, em virtude de estarem relacionados a fatores
competitivos com “sobra” de desempenho.
as operações com a estratégia de negócios. Tal alinha-
Ainda no caso da Empresa Alfa, ficou claro que a
mento relaciona-se diretamente à busca de foco sobre
continuidade e o aprimoramento das ações do progra-
as dimensões de desempenho que contribuem mais di-
ma de HII, embora não devessem ser suficientes para
retamente para a entrega do valor proposto ao cliente,
preencher as diversas lacunas de desempenho atuais
e reconhecendo a existência de trade-offs.
(fato que exigiria as medidas estruturais propostas), são
Entretanto, somente o foco nos objetivos de desempenho prioritários não é suficiente para garantir a
competitividade futura, uma vez que as taxas de mudanças verificadas hoje em dia na maioria dos mer-
fundamentais para que a área de operações da empresa
possa contribuir com o desenvolvimento de novas propostas de valor no futuro, garantindo sua competitividade no longo prazo.
cados fazem com que propostas de valor e posicio-
Como sugestão de trabalhos futuros, recomenda-se
namentos vencedores tendam a deixar de sê-los em
a realização de estudos quantitativos, buscando rela-
um breve espaço de tempo. Assim, torna-se necessário
cionar a adoção de diferentes programas de HII com os
complementar o papel estratégico da produção com
resultados obtidos em termos de inovação e melhoria
o desenvolvimento de novas competências por meio
de desempenho, buscando identificar os fatores críticos
da aprendizagem no nível operacional. Esta aprendi-
de sucesso da aprendizagem operacional em diferentes
zagem, quando conduzida de forma adequada, dá
contextos organizacionais.
origem a inovações de alto envolvimento (HII), que habilitam a área de produção a implementar novas propostas de valor que garantirão a competitividade da
organização no longo prazo.
No caso da Empresa Alfa, foi possível perceber
que as ações de melhoria desenvolvidas pelo pessoal
de nível operacional no âmbito de seu programa de
HII não eram suficientes para atender às exigências dos
58 |
•Recebido em: 14/08/2009
•Aprovado em: 29/10/2009
Revista da
FAE
Referências
BESSANT, J. High involvement innovation: building and sustaining competitive advantage through continuous change.
West Sussex: J. Willey, 2003.
BROWN, S. et al. Administração da produção e operações: um enfoque estratégico na manufatura e nos serviços.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
CORDEIRO, J. V. B. M. Indicadores de desempenho em operações: um estudo de caso em um fabricante de bens
intermediários. IN: SIMPÓSIO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 14., 2007, Bauru. Anais... Bauru: UNESP, 2007. 1 CD-ROM.
CORRÊA, H. L.; CORRÊA, C. A. Administração da produção e operações: manufatura e serviços – uma abordagem
estratégica. São Paulo: Atlas, 2004.
FLEURY, A.; FLEURY, M. T. L. Aprendizagem e inovação organizacional: as experiências de Japão,Coréia e Brasil. 2.ed.
São Paulo: Atlas, 1997.
GOVINDARAJAN, V.; TRIMBLE, C. Os 10 mandamentos da inovação estratégica: do conceito à implementação.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
HAMEL, G. Inovação estratégica e busca do valor. In: COSUMANO, M.; MARKIDES, C. (Org.) Pensamento estratégico.
Rio de Janeiro: Campus, 2002. p.181-195.
HAYES, R. et al. Produção, estratégia e tecnologia: em busca da vantagem competitiva. Porto Alegre: Bookman, 2008.
HILL, T. Manufacturing strategy. London: Macmillan, 1993.
KIM, W. C.; MAUBORGNE, R. Blue ocean strategy. Harvard Business Review, Boston, v.82, n.10, p.76-85, Oct. 2004.
KOTLER, P. Marketing para o século XXI: como criar, conquistar e dominar mercados. São Paulo: Futura, 1999.
MARKIDES, C. En la estrategia esta el éxito: guia para formular estratégias revolucionarias. Bogotá: Editorial Norma, 2002.
MOREIRA, D. A.; QUEIROZ, A. C. S. Inovação organizacional e tecnológica. São Paulo: Thomson Learning, 2007.
MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de estratégia. Porto Alegre: Bookman, 2000.
MINTZBERG, H.; QUINN, J. B. O Processo da estratégia. Porto Alegre: Bookman, 2001.
NONAKA, I.; TAKEUSHI, H. Criação do conhecimento na empresa. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
PORTER, M. E. What is strategy? Harvard Business Review, Boston, v.74, n.6, p.61-77, Nov./Dec. 1996.
SLACK, N. Operations strategy: will it ever realize its potential? Revista Gestão e Produção, São Carlos, v.12, n.3,
p.323-332, dez. 2005.
SLACK, N. Vantagem competitiva em manufatura. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002.
SLACK, N. et al. Administração da produção. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002.
TIDD, J.; BESSANT, J.; PAVITT, K. Gestão da inovação. Porto Alegre: Bookman, 2008.
TREACY, M.; WIERSEMA, F. A disciplina dos líderes de mercado. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009
| 59
Revista da
FAE
Descrição do processo produtivo da carne orgânica: pontos
fortes e pontos fracos
Description of the production process of organic meat:
strong points and weak points
Resumo
Diego Gilberto Ferber Pineyrua*
Anaglis Lucati**
Este artigo foi realizado com o intuito de contribuir com a divulgação do processo
produtivo da pecuária orgânica. O problema estudado está relacionado com a
falta de conhecimento por parte dos consumidores e criadores da produção
da carne orgânica, o que a torna pouco comercializada. Foi utilizado o método
exploratório em fontes bibliográficas. O processo produtivo da pecuária
orgânica apresenta como vantagem a sua forma de manejo ambientalmente
justo e socialmente correto, proporcionando um alimento de alta qualidade,
livre de agentes químicos para o consumidor. Um dos pontos fortes da pecuária
orgânica é a sua certificação, um selo de qualidade que oferece procedimentos
e padrões básicos aos criadores, que devem ser rigorosamente respeitados e
seguidos. Como fator negativo é a falta de informações claras que enfraquece
os conceitos de produtos orgânicos junto aos consumidores, e muitos deles
ainda não sabem o que é a carne orgânica e como é a sua produção.
Palavras-chave: pecuária orgânica; alimento orgânico; sistema produtivo
orgânico.
Abstract
This article aims at contributing to the production process of organic cattle
raising disclose. The analyzed problem is related to the lack of knowledge by
a significant number of consumers and organic meat producers, therefore
this kind of meat less marketable than expected. An exploratory method of
bibliographic sources was used. The production process of organic cattle raising
has an advantage in its way of handling the environment in a fair and socially
correct manner, providing a chemical-free, high quality food for the consumer.
One of the main points of organic cattle rising is its seal of approval, which
acknowledges the quality and offers to cattle ranchers the basic procedures,
which must be rigorously observed and followed. The lack of clear information is
a negative factor that diminishes organic products’ reputation with consumers,
and a great deal of them still doesn’t know what organic meat is or how it is
produced.
Keywords: organic cattle raising; organic food; organic production system.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009
* Doutorando em Administração
(Universidad de la Empresa –
UDE/Uruguay). Professor de
Marketing de Varejo e Teoria
Organizacional da Fundação
Educacional e Cultural de
Santa Fé do Sul – FUNEC.
E-mail: [email protected]
** Bacharel em Administração de
Empresas pela Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul.
Secretária. E-mail: anaglis_ms@
hotmail.com
| 61
Introdução
sustentável, precisam, além de abranger a eficiência
ecológica, reduzir o uso de agroquímicos, energia,
A pecuária bovina de corte vem sofrendo trans­
formações do reflexo da globalização da economia e
água e promover a conservação de recursos naturais e
da biodiversidade.
das modificações do comportamento da sociedade,
Aparentemente, ambos os sistemas parecem seme­
que passando por vários níveis de transformação e
lhantes à primeira vista. Muitas pessoas não sabem da
absorção de conhecimento, vem ditando novas regras
existência da pecuária bovina de corte orgânica como
de comportamento.
uma opção de consumo para a mesa do consumidor
Demandas por mais e melhores serviços, além da
consciência das pessoas quanto à ecologia e à impor­
brasileiro. A oferta pode ser, por enquanto, escassa,
mas ela existe.
tância atribuída à saúde física e ao bem estar, aumentam
A importância atribuída a este artigo deve-se
o interesse pelos fatores relacionados com a qualidade
ao fato de que, em tempos atuais, e cada vez mais,
e a segurança dos alimentos consumidos.
os consumidores estão tornando-se gradativamente
A crescente importância por parte da segurança dos
mais exigentes, principalmente quando o produto
alimentos e a conservação ambiental em todo o mundo
adqui­rido para seu consumo trata-se de um item de
fazem com que a produção da carne orgânica ocupe uma
sua alimentação, como a carne bovina, neste caso,
posição de destaque no mercado internacional, surgindo
item de grande valor para o consumidor brasileiro e
como uma forma alternativa de um sistema de produção
internacional, o que permite que haja questionamentos
que oferece um produto livre de resíduos químicos,
sobre sua qualidade, discussões sobre sua procedência
capaz de proporcionar ao consumidor final a garantia de
e ainda, a observação dos reflexos que seu consumo
proteção ambiental. Diante destas novas tendências, é
poderá trazer à saúde do ser humano.
possivel destacar que a pecuária de corte passa por uma
A produção de carne bovina alimenta a economia
nova fase, a qual deixa o sistema comum dividido em
de várias regiões do país, o que desperta o interesse
dois sistemas diferentes: o sistema produtivo da pecuária
pelo estudo da pecuária bovina de corte orgânica e
bovina de corte convencional e o sistema produtivo da
do seu processo produtivo e, consequentemente, sua
pecuária bovina de corte orgânica.
comercialização, o que torna o estudo oportuno, devido à
Nesse contexto, de acordo com Camargo (2004), a
possibilidade de este produto vir a tornar-se uma grande
produção de alimentos saudáveis, que utilizam tecnologia
van­tagem competitiva no mercado interno e externo, pois,
limpa, como a agricultura orgânica, conquis­tou intenso
o sistema produtivo da pecuária orgânica destaca-se por
impulso em todas as partes do mundo, movimentando
possuir características de uma atividade economicamente
o mercado internacional. A Federação Internacional de
viável, socialmente justa e ambientalmente correta,
Movimentos da Agricultura Orgânica (Ifoam) é a entidade
características estas que podem fazer a diferença em um
responsável pela elaboração das normas básicas de
mercado rigorosamente competitivo.
certificação de todas as correntes de agricultura orgânica
A agropecuária orgânica faz parte de um amplo e
no mundo. Segundo os mes­mos, tal atividade de
variado conjunto de técnicas e práticas rurais, que são
regulamentação começou com a intenção de afastar os
adaptáveis conforme a realidade local e de acordo com
agentes econômicos oportunistas, que viram a agricultura
os princípios sociais, biológicos e ecológicos, buscando
orgânica como uma nova oportunidade de lucro.
sempre respeitar o bem estar de seus elementos de
Segundo Aligleri, Aligleri e Kruglianskas (2009) para
as práticas agrícolas serem focadas no desenvolvimento
62 |
origem vegetal, animal, do homem e da reciclagem de
seus recursos naturais (CARRIJO; ROCHA, 2002).
Revista da
Este artigo tem como objetivo geral descrever o
sistema produtivo da pecuária bovina de corte orgânica
identificando suas características e seus pontos fortes
e fracos.
FAE
tema foi realizada conforme informações levantadas
sobre a pecuária bovina orgânica.
A pesquisa via Internet foi utilizada, pois, con­
forme afirma Mattar Neto (2005), a pesquisa na
Segundo Santos (2005), o sistema de produção
Internet é uma fonte de levantamento de dados
da pecuária de corte orgânico baseia-se numa visão
e informações – desde que se avaliem as formas de
holística, dentro de princípios de agroecossistemas sus­
acesso e as fontes das informações obtidas, e oferece
tentáveis, cujo enfoque principal engloba dois com­po­
alguns recursos de busca sobre tópicos atuais que seria
nentes essenciais: o ambiental e o social, objetivando
difícil ou impossível encontrar em bibliotecas, como é
uma produção que mantenha o equilíbrio ecológico dos
no caso da pecuária orgânica.
agroecossistemas e com a satisfação, direta ou indireta,
das necessidades humanas.
De posse do material bibliográfico tido como
suficiente, de acordo com Gil (1991), passa-se à sua
Diante do exposto, o problema de pesquisa que
leitura. O método de leitura exploratória foi aplicado
este artigo visa investigar está relacionado com o
neste artigo, para o qual foi realizada uma leitura rápida
processo produtivo da pecuária orgânica, ou seja, o
do material levantado, com o objetivo de verificar em
conhecimento do processo produtivo por parte dos
que medida a obra consultada interessa à pesquisa. Após
consumidores e dos pecuaristas potenciais poderá
a leitura exploratória, foi realizada a leitura seletiva, que
aumentar o consumo e a produção da carne orgânica?
se procede à sua seleção. É a fase em que se determina
o material que de fato interessa à pesquisa, sendo esta
leitura mais profunda em comparação com a leitura
1 Metodologia
A metodologia aplicada neste artigo esteve volta­
da através da pesquisa exploratória, a qual visa prover
o pesquisador de maior conhecimento sobre o tema
ou problema de pesquisa em perspectiva. A pesquisa
exploratória pode ser utilizada para familiarizar e elevar
o conhecimento e compreensão de um problema de
anterior.
Após a leitura seletiva, foi realizada a leitura
ana­lítica do material selecionado, na qual foram
ordenadas as informações contidas nas fontes,
passando por quatro fases distintas, conforme indi­
cado por Gil (1991):
a)leitura integral da obra ou do texto selecionado,
para se ter uma visão do todo;
pesquisa em perspectiva, além de auxiliar e desenvolver
b)identificação das ideias chaves ao longo do texto,
a formulação mais precisa do problema em questão e
selecionando os parágrafos mais significativos, de
auxiliar na determinação de variáveis relevantes a serem
forma a identificar as ideias mais importantes;
consideradas na pesquisa. Um dos métodos da pesquisa
c)hierarquização das ideias após a identificação
exploratória é o levantamento de dados em fontes se­
das mais importantes, organizando-as por
cundárias, que compreendem os levantamentos biblio­
ordem de importância, distinguindo as ideias
gráficos e documentais (MATTAR, 1996).
principais das secundárias;
Conforme Gil (1991), a pesquisa exploratória
d)sintetização das ideias, última etapa do pro­
possui um planejamento bastante flexível, de modo que
cesso da leitura analítica, quando foi recom­
possibilita a consideração dos mais variados aspectos
posto o todo pela análise, eliminando os
relativos ao fato estudado, envolvendo inclusive o
assuntos secundários e fixando-se nos assuntos
levantamento bibliográfico. A pesquisa referente ao
essenciais.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009
| 63
2 Revisão bibliográfica
No Brasil, a produção orgânica iniciou-se na década
de 1970, porém o seu aumento se deu a partir do início
2.1 Origem da pecuária orgânica
Os casos de crise sanitária e de “vaca louca” na
Europa, nos anos 2000 e 2001, ajudaram o Brasil a
triplicar as exportações de carne. Todavia, a pressão
externa induz os pecuaristas a criarem gado de forma
mais “ecológica”: o boi verde e orgânico.
Carrijo e Rocha (2002) afirmam que os alimentos
orgânicos têm sido mundialmente procurados, por
agregarem qualidade aos produtos e oferecerem
dos anos 1980, e a partir daí, em 1999, a Instrução
Normativa (IN) nº 7 (Anexo A), do Ministério da Agricul­
tura estabeleceu normas de produção, certificação e
orientação ao órgão colegiado. O Brasil cultiva cerca
de 275.576 hectares em 14.866 propriedades, tendo
em média 19 hectares por propriedade, sendo o 3º
na América Latina, atrás da Argentina que vem em 1º
com 3.192.000 hectares, e do Uruguai que vem em 2º,
com 678.481 hectares de áreas orgânicas cultivadas
(CAMARGO, 2004).
segurança à saúde dos consumidores, reduzindo-lhes a
Camargo (2004) estima que da área cultivada
elevada incerteza sobre contaminações por substâncias
sob manejo orgânico no Brasil, de acordo com estudo
tóxicas, cancerígenas ou que possam prejudicar a
de Ormond et al. (2002), cerca de 158.000 hectares
saúde humana ou animal. O sistema de certificação
são voltados para a agricultura e 119.000 hectares
desempenha um papel fundamental na formação
para pastagens, na criação de animais. A maior parte
dessa importante imagem mercadológica, com base na
da produção orgânica brasileira, 80%, encontra-se
rastreabilidade e regras internacionais. Um grupo ainda
nos estados do Sul e Sudeste, em torno de 85% da
pequeno de produtores dedica-se a estas atividades, por
produção orgânica brasileira é exportada, sobretudo
isso a produção de produtos orgânicos não consegue
para a Europa, Estados Unidos e Japão, e o restante,
ainda suprir todo o mercado consumidor.
Para a produção orgânica, deve-se limitar o máximo
possível o uso de insumos artificiais, e racionalizar
ao máximo a utilização dos insumos naturais como:
sol, chuva, vento, marés, luas, nitrogênio, oxigênio
e outros elementos que a natureza fornece com
dispêndios energéticos muito menores. Para produzir
organicamente é necessário observar a natureza,
respeitá-la de forma a receber o que ela pode oferecer e
retornar a ela o que necessitar, tornando uma constante
busca de modos mais naturais e inteligentes de produzir
(CARRIJO; ROCHA, 2002).
15%, é distribuído no mercado interno.
Segundo Carrijo e Rocha (2002), a produção de
alimentos orgânicos, tanto vegetais como animal,
no Brasil, segue diretrizes definidas pela Ifoam e pelo
regulamento da Comunidade Européia (CE). Estas
diretrizes são atacadas e executadas por certificadoras
de produtos orgânicos e biodinâmicos mundialmente
aceitos, com capacidade de acompanhar seus pro­
cessos de produção e certificá-los, submetendo-os a
sistemáticas auditorias propostas pela Ifoam e outras
entidades acreditadoras de atuação internacional.
Um fator importante que determinou a criação da
O diagnóstico do ambiente institucional na pro­
pecuária orgânica foi a busca da redução do metano
dução, processamento e distribuição de alimentos
emitido na atmosfera pelos rebanhos. Pesquisadores da
orgânicos, no Brasil, caracteriza-se pelas ações de orga­
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
nizações governamentais e não-governamentais no que
constataram uma redução no volume de gases emitidos
diz respeito à difusão do conhecimento, fornecimento
na atmosfera e uma diminuição do consumo de água
de recursos financeiros, regulamentação do mercado,
pelos animais, substituindo parte da proteína consumida
reconhecimento dos atributos convencionais e o papel
pelo gado por suplementos nas rações.
dos consumidores (CAMARGO, 2004).
64 |
Revista da
Está começando a despontar a pecuária orgânica
em áreas extensivas, com destaque para os estados de
FAE
voltadas para as formas de produção, processamento
e comercialização.
Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. Camargo (2004)
De acordo com Luchiari Filho (2006), quando se
enfatiza as informações do Instituto Biodinâmico (IBD),
trata de carnes, o termo qualidade é definido com os
o qual é considerado uma das grandes certificadores
nacionais, a que, em todo o país, o total de bovinos em
conversão ao manejo orgânico chega a 600.000 animais.
Se esses dados se confirmarem, a área em manejo
orgânico no Brasil poderá aumentar em proporções
semelhantes a de países como Argentina, Austrália e
vários países da Europa.
O número crescente de produtores orgânicos no
Brasil está dividido em dois grupos: pequenos pro­
dutores familiares que fazem parte de associações e
grupos de movimentos sociais, representando 90% do
total de agricultores, responsáveis por cerca de 70% da
produção orgânica brasileira; e os grandes produtores
empresariais, que totalizam cerca de 10%, e estão
ligados a empresas privadas. A produção de origem
animal ainda está sendo pouco explorada, devido ao
problema de falta de matéria-prima orgânica e por ainda
possuir legislação inadequada (CAMARGO, 2004).
Segundo Mamede (2000), a produção de produtos
orgânicos, tanto os grãos, quanto as carnes, ainda é
considerada pequena, se comparada aos produtos não
orgânicos. Porém, considera-se um mercado em pleno
crescimento, pois o volume de negócios, em 2000, foi de
aproximadamente US$ 23,5 bilhões no mundo, sendo
US$ 10 bilhões somente nos EUA, US$10,5 bilhões na
Europa, US$ 2 bilhões no Japão e cerca de US$ 1 bilhão
no resto do mundo.
2.2 Processo produtivo da pecuária
orgânica
Os consumidores estão se tornando cada vez
mais esclarecidos e exigentes com produtos de maior
qualidade. No caso das carnes, a exigência dos consu­
seguintes componentes:
a)rendimento e composição: proporção de carne
magra e gordura e o tamanho e a forma dos
músculos;
b)aparência e características tecnológicas: cor e
textura da gordura, quantidade de marmorização
do tecido magro, cor e capacidade de retenção
de água e composição química do músculo;
c)palatabilidade: textura, maciez, sabor, suculência
e aroma;
d)integridade do produto: qualidade nutricional,
segurança química e biológica;
e)qualidade ética: questões relacionadas ao bem
estar animal.
Segundo Carrijo e Rocha (2002), no desenvolvi­
mento da pecuária orgânica, para a produção do boi
orgânico, devem existir primeiramente o respeito ao
animal, ou seja, devem existir respeito à sua natureza,
seus hábitos, costumes e fisiologia.
A filosofia da produção orgânica destaca a ne­
cessidade de se produzir alimentos em sistemas de
produção integrados, sustentáveis para os seres humanos,
para o meio ambiente e para a economia. Alguns princípios
podem ser observados, segundo Figueiredo (2002):
a)os sistemas de manejo devem seguir os mais
altos padrões de bem estar;
b)os animais devem ser alimentados com alimentos
adequados às suas fisiologias;
c)os alimentos devem ser produzidos princi­pal­
mente na propriedade;
d)a saúde animal deve ser mantida por meio de
práticas de manejo saudáveis e preventivas;
midores está nos seus atributos intrínsecos de qualidade
e)o uso de medicamentos químicos e de vaci­
como maciez, sabor, quantidade de gordura, como
na­ções deve ser evitado, mas aceitável sob
também, pelas características de ordem ou natureza
circunstâncias especiais;
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009
| 65
f) homeopatia e outros regimes terapêuticos al­
Toda a propriedade em que se instala um projeto
ter­nativos são encorajados nas situações de
orgânico terá cinco anos para a conversão total de
doenças, no entanto, o uso de quimioterápicos
sua área ao sistema orgânico. Este tempo é muito
convencionais é aceitável apenas para evitar
importante, pois poderão se formar módulos orgânicos
sofrimento do animal.
dentro de uma propriedade, possibilitando desta forma
Na pecuária orgânica não é possível aceitar produção
o contato gradativo com o sistema, facilitando assim
pecuária que danifique o meio ambiente em qualquer dos
o entendimento das normativas, técnicas e manejo da
seus aspectos, e que imponha sofrimento desnecessário
nova atividade, de tal modo que ao final de cinco anos,
aos animais, tais como passar fome, sede, calor, frio,
se o criador realmente optar pela conversão de toda a
ataques por endoparasitas, bacterioses, viroses etc., pois
propriedade, ele estará fazendo uma opção consciente,
serão animais com o bem estar prejudicado, mesmo que
inclusive com a avaliação de seus resultados financeiros
estejam sendo criados soltos, ao ar livre.
(CARRIJO; ROCHA, 2002).
Segundo Carrijo e Rocha (2002), o processo de
A escolha do gado para a propriedade é de
produção da pecuária orgânica é transformador e
fundamental importância, pois neste momento esta­rá
busca ser socialmente justo, inclusive pela transparência
que deve transmitir à sociedade, da produção até a
comercialização. O sistema pecuário orgânico brasileiro
orienta-se pelos sistemas da Ifoam e do Mercado
Comum Europeu (MCE).
Santos (2005) afirma que na implantação de
qualquer sistema de produção, especialmente o
orgânico, há necessidade de medir o impacto sobre
atributos ambientais, como a erosão do solo, o estado de
conservação das pastagens, a diversidade de plantas, as
aves e a fauna, a qualidade da água, entre outros. Desta
forma, seria necessário conhecer processos ecológicos
sendo determinando o sucesso ou insucesso do em­
pre­en­dimento. A relação genética do rebanho, manejo
adotado e ambiente do local de criação, deve ser a mais
harmônica possível.
Durante a escolha das raças ou linhagens devese levar em consideração a capacidade dos animais se
adaptarem às condições do local, suas vitalidades, e suas
respectivas resistências a doenças. As raças ou linhagens
devem ser selecionadas de forma a evitar doenças
específicas ou problemas de saúde, como exemplos: a
síndrome do estresse, morte súbita, aborto espontâneo
e a dificuldade de parto (FIGUEIREDO, 2002).
ambientais para tomadas de decisões que possam servir
É muito importante a escolha da raça adequada à
como base para desenvolver e interpretar sistemas de
região de produção quanto à sua adaptação e resistência
monitoramento.
às condições de manejo que se pretende adotar. Nem
De acordo com Fonseca (2002), a conversão para
o manejo orgânico leva dois anos, aproximadamente,
começando-se a contar o tempo a partir da interrupção
de qualquer prática ou uso de produto proibido
pelas normas. De acordo com o mesmo, após 12
por isso a variabilidade genética dos rebanhos tem sido
desprezada, com possibilidade de inclusão de cerca de
20% de animais convencionais introduzidos no rebanho
orgânico, com o objetivo de propiciar um melhoramento
genético deste plantel (CARRIJO; ROCHA, 2002).
meses, entra-se no período de conversão, que pode
A alimentação do gado orgânico deve atender às
ser encurtado dependendo do manejo do solo e da
necessidades nutricionais dos animais em suas várias
vegetação anterior, não podendo a pastagem estar
fases de desenvolvimento, ao invés de maximizar a
degradada. A certificação da propriedade pode ser
produção. Sua alimentação forçada é proibida.
parcial, devendo novas áreas serem incorporadas num
A pastagem, nativa ou cultivada, é a base alimentar
prazo máximo de cinco anos de conversão total da
utilizada em sistemas de produção de carne orgânica. Os
unidade produtiva.
países tradicionalmente produtores de bovinos de corte
66 |
Revista da
orgânico, como Argentina, Nova Zelândia e Austrália,
f) tratamento sanitário dos animais;
fazem de suas pastagens o marketing básico de
g) origem do indivíduo.
divulgação de seus produtos (HADDAD; ALVES, 2002).
FAE
Através deste sistema de rastreabilidade é possível
Todos os animais na unidade de produção devem
caracterizar as informações de tal forma que é possível
ser alimentados com alimentos produzidos organi­
encontrar registros sobre procedimentos realizados com
camente, preferencialmente na própria unidade de
cada animal em particular. É possível ainda identificar
pro­dução, e quando houver a necessidade de adquirir
também cada sistema de alimentação que o animal
mais alimentos, os mesmos devem vir de unidades
nutriu ao longo de sua vida, onde nasceu, quem era sua
de produção orgânica. A alimentação dos mamíferos
mãe e seu pai. Todo esse processo de rastreabilidade visa
jovens deverá ser baseada em leite natural, de pre­
garantir saúde ao consumidor (CARRIJO; ROCHA, 2002).
ferência o leite materno, por um período mínimo.
Um elemento chave na produção e no mercado
Os sistemas de criação para os herbívoros devem ser
orgânico é a regulamentação. Segundo Fonseca (2002),
baseados no máximo uso de pastagem, de acordo com
o Plano Nacional de Controle de Resíduos Biológicos
a disponibilidade de pastagem nos diferentes períodos
(PNCRB), do Ministério da Agricultura, tem confirmado
do ano (FIGUEIREDO, 2002).
nos últimos anos que a presença de resíduos de
antibióticos, inseticidas e hormônios ainda apresentam
2.3 Rastreabilidade e certificação
índices alarmantes nos produtos provenientes de esta­
belecimentos fiscalizados pelo Serviço de Inspeção
Fonseca (2002) sugere que uma das vantagens do
Federal (SIF), considerando ainda que nem todos os
sistema orgânico de produção é o uso da rastreabilidade
abates no Brasil são inspecionados. Por este motivo, há
dos animais. Segundo o mesmo, o acompanhamento
o interesse em um selo de qualidade em boas práticas
do rebanho dá-se desde o nascimento ou da entrada
de manejo na agricultura e na indústria.
do animal na unidade certificada, e existe também
Segundo Zylbersztajn e Scare (2003), a certificação
o acompanhamento do rebanho por quilo vivo por
de qualidade alimentar tornou-se uma ferramenta
hectare ao ano.
de mercado fundamental, incorporada ao segmento
Segundo Carrijo e Rocha (2002), o sistema de
produção de carne orgânica brasileira é mundialmente
agroalimentar, principalmente em países desenvolvidos,
cuja demanda aponta crescimento.
aceito porque tem boa origem, pois confere trans­
A certificação da produção orgânica nacional é
parência e credibilidade ao processo de produção
realizada por 21 agências certificadoras, das quais
alimentar, do campo, ao processamento e distribuição,
12 são nacionais e 9 internacionais, que atestam se
seja para o mercado interno ou externo. O sistema de
a produção do alimento obedeceu às normas de
rastreabilidade utilizado há alguns anos no Brasil, antes
qualidade orgânica. A maioria das certificadoras
do sistema oficial atual estar em vigor, já permitia ao
nacio­­nais encontra-se no estado de São Paulo, e as
consumidor identificar:
internacionais são oriundas, sobretudo, de países da
a) país de produção;
b) estabelecimento que industrializa a carne;
c) fazenda onde foi produzido o boi;
União Européia (CAMARGO, 2004).
Uma das grandes finalidades da certificação
é a capacidade de rastrear a origem do produto
orgânico. Normalmente, as certificadoras nacionais
d) lote a que pertencia o animal;
fornecem um certificado com um ano de validade
e) alimentação recebida pelo lote;
e se paga uma taxa para utilizar seus respectivos
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009
| 67
selos. Os custos de emissão do certificado orgânico,
disso, as grandes cadeias de supermercados começam
quando forem pelas certificadoras nacionais, variam
a abrir gôndolas exclusivas para produtos orgânicos,
de 0,5% a 2% do valor faturado para a mercadoria
principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba,
e cobram-se tantas vezes quantas sejam as remessas
Florianópolis e Porto Alegre. Um dos entraves para uma
de produto que necessitem de certificação, no caso
expansão mais rápida das vendas nos supermercados
de exportação. Caso seja para o mercado interno,
são os preços, que ficam, em média, 30% acima dos
o valor é cobrado pelo total de produto certificado
similares convencionais.
vendido pela empresa, não sendo necessário emitir
A presença dos supermercados exerce uma fun­
certificados específicos para cada carga. Quando
ção importante no segmento de produtos orgâ­nicos,
as certificadoras são internacionais, os custos de
justamente por fazerem parte do processo de transfor­
certificação são um pouco maiores, variando entre
mação na esfera do consumo alimentar, ao fornecer novas
2% e 5% do faturamento (CAMARGO, 2004).
opções, com iniciativas cada vez mais importantes no que
diz respeito às inovações e à qualidade dos alimentos. A
2.4 O mercado consumidor da carne
orgânica
Carrijo e Rocha (2002) afirmam que existe uma
grande demanda e uma pequena oferta de produtos
orgânicos, tornando o mercado excelente para o
tendência internacional coloca os supermercados como
canal central e dominante na expansão do consumo
de produtos orgânicos, sem levar em consideração
os conflitos que podem existir entre fornecedores e
produtores e a restrição atual do consumo às classes de
maior poder aquisitivo (GUIVANT, 2003).
produtor, caracterizando-se como um mercado em
O selo de certificação é o que diferencia a carne
crescimento, proporcionando remunerações satisfa­
orgânica das tradicionais nas gôndolas de super­
tó­rias e por vezes generosas aos produtores desta
mercados, garantindo o processo extremamente natural
modalidade. Estes prêmios por qualidade fazem parte
de produção da carne orgânica, predominando uma
do modelo e de sua técnica produtiva, ao agregar valor
qualidade elevada. Estudo realizado por Haddad e Alves
a seus produtos antes da porteira, isto é, o produtor
(2005), em relação ao comportamento de compra de
é considerado como o responsável e possuidor da
consumidores das classes A e B, em uma grande rede
qualidade dos alimentos e tem seu trabalho valorizado
varejista, relata que o principal fator que faz com os
financeiramente por isso.
clientes adquiram carne orgânica é a preocupação com
No mercado interno, de acordo com Camargo
a preservação ambiental em sintonia com o sistema de
(2004), a maioria dos agricultores vende seus produtos
produção. Com isso, revela-se que os consumidores
orgânicos para grandes e pequenos varejistas, forma­
estariam dispostos a comprar a carne orgânica e que
dos por lojas de produtos naturais, restaurantes e
podem pagar cerca de 20% a mais sobre o preço das
supermercados, associações ou unidades processadoras
carnes tradicionais.
e distribuidoras, e venda direta, realizadas em feiras
De acordo com Guivant (2003), à medida que cresce
orgânicas, que movimentam entre R$3 e R$4 milhões de
a oferta, e estimula-se o consumo, juntamente com as
reais por ano, em cidades como Porto Alegre, Curitiba,
transformações nos padrões de estilo de vida, pode
Florianópolis, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
estar sendo gerada uma dinâmica de fortalecimento da
Os agricultores que organizam as feiras são, em sua
produção orgânica, o que fugiria das previsões negativas
maioria, pequenos e filiados a associações, e, além
de parte do movimento da agricultura orgânica.
68 |
Revista da
3 Discussão dos resultados
FAE
Estas condições atingem sensivelmente os consu­
midores da carne do boi convencional que realmente se
É crescente a importância que os consumidores
vêm atribuindo à origem dos alimentos e à segurança
alimentar, e ainda há aqueles que estão preocupados
com a questão ambiental, e que têm interesse em
deixar para seus descendentes um local ambientalmente
preservado como herança, no futuro.
Em busca de atender às necessidades dos referidos
consumidores, e ao mesmo tempo reforçar correntes
de preservação do meio ambiente, surgiu o conceito
da alimentação ambientalmente correta, para a qual a
carne bovina não surgiu como alvo de ataque, mas sim
como agente transformador desta corrente.
A falta de comprometimento com os recursos
naturais, que sempre foi parte inseparável da atividade
da pecuária, contribuiu e ainda contribui para o dese­
quilíbrio da planta, do solo e do animal, trazendo
consequências desastrosas para o meio ambiente e
para a própria atividade; tal aspecto é uma importante
barreira não-tarifária a ser imposta por países ricos, nos
próximos anos (EUCLIDES FILHO, 2000).
Em decorrência da degradação do meio ambiente,
com intuito da formação de pastagens, em áreas com
forrageiras nativas, assim como de sua formação e
manutenção com a ajuda de fertilizantes químicos, e suas
importam com a forma como foi produzido o alimento
que levou para sua casa, embora ainda sejam poucos,
se comparados com os que não se importam, mas que
acabam se revelando como formadores de um grande
mercado potencial.
Da mesma forma que a pecuária orgânica surge
como interessante diferencial na mesa do consumidor,
a pecuária convencional vem cada vez mais se firmando
no mercado, em termos de tecnologia de produção, o
que proporciona a redução dos custos e o aumento da
produção, e, consequentemente, aumenta o consumo
de carne bovina, à medida que aumenta a renda da
população, mesmo que este aumento de produção
venha às custas da degradação do meio ambiente.
De acordo com pesquisas realizadas (FONSECA,
2002), muitas pessoas não sabem o que é o boi orgânico,
e nem os benefícios que o mesmo traz à saúde humana
e à saúde do meio ambiente. No entanto, para que se
faça justiça à formação de opiniões, é indiscutível que
se conheça as peculiaridades que fazem o boi orgânico
diferir do boi convencional, para que se possa, então,
discutir e avaliar a real importância de conhecer suas
semelhanças e suas diferenças, o que pode pesar na
escolha e na decisão de compra final.
formas de exploração, surgiu o conceito de boi orgânico,
que não diz respeito tão somente ao animal, mas engloba
também todo o sistema do qual o mesmo faz parte,
inclusive os insumos e pessoas que a esse sistema estão
diretamente, ou indiretamente, relacionados.
3.1 Características do sistema produtivo da
pecuária orgânica
A pecuária de corte orgânica oferece como van­
Este novo conceito de produção de carne bovina
tagem a sua forma de manejo ambientalmente justo e
orgânica permite oferecer ao consumidor um alimento
socialmente correto, proporcionando um ali­mento de alta
livre de compostos químicos, que podem futuramente
qualidade, livre de agentes químicos para o consumidor.
prejudicar a saúde de quem o consome, com garantias
No entanto, sua produção é baixa, se comparada com a
(concedidas pelas empresas certificadoras) de o mesmo
pecuária convencional, que utiliza insumos tecnológicos
ter sido produzido sem prejudicar o meio ambiente, e
que permitem o aumento da produtividade em menor
com o mínimo de mau trato em relação aos animais
período de tempo, o que acarreta o aumento do
do rebanho.
valor da carne orgânica, considerando os custos da
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009
| 69
certificação, quando chega até o consumidor final.
3.2 Identificação dos pontos fortes e pontos
Consequentemente, faz com que a carne orgânica seja,
fracos da pecuária orgânica
ao menos inicialmente, um produto voltado para um
nicho de mercado, e não para as massas.
Ao ser analisado o sistema de produção da pe-
O quadro 1 mostra em detalhes o processo produ-
cuária orgânica, foram identificados pontos fortes, e
tivo da pecuária orgânica, conforme as suas caracterís-
pontos fracos, que constituem os principais fatores do
ticas peculiares.
referido sistema produtivo.
QUADRO 01 - PROCESSO PRODUTIVO DA PECUÁRIA ORGÂNICA
QUADRO 02 - PONTOS FORTES E FRACOS DO PROCESSO PRODUTIVO
Características
Manejo
Pecuária Orgânica
O bem estar do animal e a preservação do meio
ambiente são prioridade.
Atenção especial às pessoas envolvidas no processo.
Monta natural.
Reprodução
Inseminação artificial.
Transferência de embriões é proibida
Pastagens naturais.
Lotação de animais é planejada.
Pastagem
Proibido o uso de produtos químicos.
Utilização de recursos naturais renováveis.
Pastejo diferido.
Ensilagem, fenação, obedecendo às normas orgânicas de produção.
Suplementação Alimentar
Permitidos 10% de forragem convencional, desde
que livre de agentes químicos.
Ureia é proibida.
Alimentação forçada é proibida.
Hormônios
Proibida a utilização de hormônios.
Preocupação com a prevenção.
Aspectos
Sanitários
Medicamentos homeopáticos.
Medicamentos químicos em último caso.
Antibióticos são proibidos.
Vacinas de calendário.
O acompanhamento do rebanho tem início desde
Rastreabilidade seu nascimento, ou entrada do animal na unidade
certificada, até o consumidor final.
Certificação
O produto orgânico só recebe esta classificação se
possuir o selo de certificação.
Já existem certificadoras conceituadas.
Garante confiança e segurança ao consumidor.
Instalações
Devem atender às necessidades dos bovinos,
visando seu bem estar e minimizando ao máximo
seu estresse.
Devem fazer parte de propriedades certificadas.
Transporte e
Abate
A distância até o local de abate deve ser a mais
próxima possível.
O abate deve ser realizado em frigorífico credenciado, seguindo normas específicas.
FONTE: Os autores (2006)
70 |
DA PECUÁRIA ORGÂNICA
PONTOS FORTES
PONTOS FRACOS
As propriedades devem dispor de
A pastagem orgânica é a base
infraestrutura mínima para ser
da alimentação dos bovinos. É
convertida ao manejo orgânico.
utilizado o pastejo diferido e não
Análises devem ser realizadas,
é permitida a lotação e nem a
e muitas delas impossibilitam a
degradação do meio ambiente
implantação do projeto orgânico,
para a formação das pastagens.
o que restringe o número de proA alimentação dos animais é livre
priedades que poderiam atender
de produtos químicos.
o mercado consumidor.
O tratamento de doenças e parasitas é realizado de forma preventiva. Medicamentos alopáticos
e antibióticos sintetizados são
utilizados em último caso, sob a
responsabilidade dos veterinários. As vacinas de calendário são
realizadas regularmente, como a
da febre aftosa.
A falta de excedente agrícola
orgânico no país, que serve de
suplementação alimentar no
período da seca, é um problema
sério para os bovinos em manejo orgânico, pois os referidos
animais não podem consumir
suplementos alimentares vindos
de lavouras convencionais.
A rastreabilidade dos animais é
um acompanhamento que tem
seu início desde o nascimento
do animal, ou de sua entrada na
unidade certificada, até o consumidor final.
A falta de informações claras
enfraquece os conceitos de
produtos orgânicos junto aos
consumidores, e muitos deles
ainda não sabem o que é a
carne orgânica.
A certificação é um selo de qualidade que oferece procedimentos
e padrões básicos aos criadores,
que devem ser rigorosamente
respeitados e seguidos e que
permitem ao consumidor a
segurança de estar consumindo
uma carne certificada por uma
empresa séria e conceituada.
O mercado para o boi orgânico
é muito restrito. Seu preço é
mais caro em função da menor
produtividade; devido à proibição de insumos modernos (que
agridem o meio ambiente) e o
custo da certificação, que onera
ainda mais a produção.
FONTE: Os autores (2006)
Conforme ressalta Medeiros (2002), pesquisador
da Embrapa/CPAP, é pouco provável que a pecuária orgânica possa substituir a pecuária convencional, mas
não é porque sua oferta atende aos mercados de alta
renda que sua produção deverá ser desestimulada,
muito pelo contrário, enquanto houver demanda, e mercado potencial, haverá estímulo para sua produção.
Revista da
FAE
As pessoas devem ter as informações à sua dispo­si­
a segurança do alimento; os consumidores associam
ção para terem acesso ao conhecimento sobre o sistema
produtos orgânicos a uma alimentação mais saudável,
produtivo da pecuária orgânica. Os consumidores
e os problemas que a carne bovina produzida dentro
precisam saber que há mais uma opção de carne
dos padrões normais vêm sofrendo, contribuem ainda
disponível no mercado e que eles podem escolher qual
mais para esta associação.
delas irá levar para sua mesa.
De acordo com Fonseca (2002), os produtores e
exportadores de produtos orgânicos em países de baixa
renda encontram problemas específicos rela­cionados à
Conclusão
produção, às políticas governamentais e à infraestrutura,
ao transporte e carregamento, às informações de mercado
A carne bovina, consumida mundialmente, já
passou, e ainda corre riscos de passar, por vários pro­
blemas de ordem sanitária como o mal da vaca louca e
a febre aftosa, que abalam a confiança do consumidor,
tornando-o inseguro na hora de comprar este produto
ou mesmo promovendo um estímulo a optar por outros
tipos de carne como a de frango, ou até substituir a
carne bovina por outros tipos de alimentos, alimentos
esses que não irão oferecer riscos à sua saúde.
A preocupação com o meio ambiente e com as
reservas naturais que ainda existem, e a muito custo
preservadas, também fazem parte do interesse de
muitos consumidores.
Entretanto, embora tais preocupações possuam
relevante importância, não podem ser um motivo
para desestimular o consumo da carne bovina. Nesse
sentido, a carne orgânica surge como uma alternativa
capaz de atender este mercado cada vez mais exigente
e preocupado com a segurança alimentar.
Justamente por possuir características socialmente
justas (qual seja todas as pessoas envolvidas – direta e
indiretamente, no sistema produtivo da pecuária bovina
orgânica), e ambientalmente correta, conforme analisado
neste artigo, o sistema produtivo da pecuária orgânica
destaca-se em termos de qualidade, se compa­rado com o
sistema produtivo da pecuária bovina de corte tradicional.
Prova disto são as certificadoras que garantem ao
e à certificação. Com relação à produção, a falta de
conhecimento tecnológico sobre a prática de agricultura
orgânica, a necessidade do resgate do conhecimento
tradicional para combiná-lo com as tecnologias conhecidas,
bem como a escassez de insumos disponíveis para uso se
destacam como os principais problemas.
Os fatores do manejo orgânico que agregam valor à
carne orgânica fazem com que sua oferta ainda seja baixa,
aumentando seu preço ao consumidor final. Infelizmen­
te, diante desse quadro, por enquanto, a carne orgânica
abastece apenas um pequeno nicho de mercado, ou seja,
as pessoas que possuem maior poder aquisitivo.
A carne bovina orgânica não surgiu para substituir
a carne bovina convencional, mas sim como forma de
atender determinadas necessidades de consumidores,
um segmento que cresce significativamente, princi­pal­
mente no mercado externo.
No Brasil, poucas pessoas têm conhecimento da
carne bovina orgânica, a grande maioria não possui
informações a respeito, portanto, a divulgação constitui
fator essencial para a abertura do mercado interno para
esse tipo de carne. E a partir desta abertura, quando os
consumidores tiverem a oportunidade de escolher qual
tipo de carne irão levar para sua família, ao tomarem
co­nhecimento de seu processo produtivo e realizarem a
com­paração entre um e outro, provavelmente sentir-se-ão
muito mais seguros ao realizarem sua escolha.
consumidor um produto livre de resíduos químicos, sem
falhas na produção e que não agridam o meio ambiente.
Segundo Ribeiro (2001), um dos fatores mais
rele­vantes na decisão de compra da carne orgânica é
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009
•Recebido em: 22/07/2009
•Aprovado em: 06/10/2009
| 71
Referência
ALIGLERI, L.; ALIGLERI, L. A.; KRUGLIANSKAS, I. Gestão socioambiental. São Paulo: Atlas, 2009.
CAMARGO, V. P. Algumas considerações sobre a construção da cadeia de produtos orgânicos. Informações Econômicas,
São Paulo, v.34, n.2, p.55-69, fev. 2004.
CARRIJO, M. C. G. R.; ROCHA, H. J. Carne orgânica: novos rumos para a pecuária de corte. In: CONFERÊNCIA VIRTUAL GLOBAL
SOBRE PRODUÇÃO ORGÂNICA DE BOVINOS DE CORTE, 1., 2002. Anais eletrônicos... Embrapa, 2002. Disponível em:
<http://www.cpap.embrapa.br/agencia/congressovirtual/pdf/portugues/06pt02.pdf>. Acesso em: 6 jun.2006.
EUCLIDES FILHO, K. Produção de bovinos de corte e o trinômio genótipo- ambiente-mercado. Campo Grande:
Embrapa Gado de Corte, 2000.
FIGUEIREDO, E. A. P. de. Pecuária e agroecologia no Brasil. Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v.19, n.2, p.235-265,
maio/ago. 2002.
FONSECA, M. F. Certificação de sistemas de produção e processamento de produtos orgânicos de origem animal: história e
perspectivas. Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v.19, n.2, p.267-297, maio/ago. 2002.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 8.ed. São Paulo: Atlas, 1991.
GUIVANT, J. S. Os supermercados na oferta de alimentos orgânicos: apelando ao estilo de vida ego-trip. Ambiente &
Sociedade, Campinas, v.6, n.2, p.17-29, jul./dez. 2003.
HADDAD, C. M.; ALVES, F. V. Alimentos orgânicos para a suplementação de bovinos. In: CONFERÊNCIA VIRTUAL GLOBAL
SOBRE PRODUÇÃO ORGÂNICA DE BOVINOS DE CORTE, 1., 2002. Anais eletrônicos... Cuiabá, Embrapa, 2002. Disponível em:
<http://www.cpap.embrapa.br/agencia/congressovirtual/pdf/portugues/03pt05.pdf>. Acesso em: 6 jun.2006.
______. Boi orgânico reflete consciência ambiental. Revista Visão Agrícola – USP/ESALQ, Piracicaba, v.2, n.3, p.25-33,
jan./jun. 2005.
LUCHIARI FILHO, A. Produção de carne bovina no Brasil: qualidade, quantidade ou ambas. In: SIMPÓSIO SOBRE DESAFIOS E
NOVAS TECNOLOGIAS NA BOVINOCULTURA DE CORTE, 2., 2006, Brasília. Anais... Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.
upis.br/simboi/anais/Produ%E7%E3o%20de%20Carne%20Bovina%20no%20Brasil%20-%20Albino%20Luchiari%20Filho.pdf>.
Acesso em: 10 maio 2006.
MAMEDE, N. Entrevista concedida ao site Planeta Orgânico – Novembro de 2000. Disponível em: <http://www.
planetaorganico.com.br/>. Acesso em: 10 out. 2009.
MATTAR, F. N. Pesquisa de marketing. São Paulo: Atlas, 1996.
MATTAR NETO, J. A. Metodologia científica na era da informática. São Paulo: Saraiva, 2005.
MEDEIROS, S. R. Boi orgânico, boi verde e convencional podem ir mais longe, caminhando na mesma direção. Agronline,
Curitiba, 25 set. 2002. Disponível em: <http://www.agronline.com.br/artigos/artigo.php?id=84> Acesso em: 7 jun. 2006.
ORMOND, J. G. P. et al. (Orgs.). Agricultura orgânica: quando o passado é futuro. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n.15,
p.3-34, mar. 2002.
RIBEIRO, A. R. B. M. Cadeia produtiva de carne bovina e o Mato Grosso do Sul. Documento Final. Equipe Técnica:
Agricon Consultoria/PENSA, jul.2001.
SANTOS, S. A. Sistema de pecuária bovina orgânica no Pantanal. Revista Eletrónica de Veterinaria – REDVET, Espanha,
v.6, n.7, jul. 2005. Disponível em: <http://www.veterinaria.org/revistas/redvest/n70705.htm>. Acesso em: 6 jun.2006.
ZYLBERSZTAJN, D.; SCARE, R. F. Gestão da qualidade no agribusiness: estudos e casos. São Paulo: Atlas, 2003.
72 |
Revista da
FAE
Automação bancária x atendimento pessoal:
a preferência dos clientes em Curitiba
Banking automation x personal services:
Curitiba’s clients preference
Leide Albergoni*
Cristiane Pereira**
Resumo
A busca por vantagens competitivas no setor bancário tem se traduzido
em investimentos crescentes em automação bancária, em um esforço para
desenvolver inovações tecnológicas e canais mais ágeis de atendimento ao
cliente. O resultado de tais ações é a crescente transferência do atendimento
pessoal para o atendimento eletrônico, reduzindo a estrutura física das
agências bancárias. O presente artigo tem como principal objetivo comparar
a preferência e satisfação dos clientes bancários na cidade de Curitiba em
relação ao atendimento automático e o atendimento pessoal. Para tanto,
realiza uma pesquisa de campo nas cinco maiores instituições de Curitiba
com 99 entrevistados.
Palavras-chave: inovação bancária; atendimento bancário; satisfação de clientes.
Abstract
The search for competitive advantages on banking has led to increasing
investments in banking automation, in an effort to develop technological
innovations and faster ways of customer services. The result of those actions is
the rising transference from the personal to the electronic services, thus reducing
the physical structure of banking agencies. This article aims at comparing
Curitiba’s banking clients’ preference and satisfaction regarding personal and
electronic services. Therefore, it brought to effect a field research in the five
major institutions of Curitiba with a total of 99 interviewees.
Keywords: banking innovation; bank service; client satisfaction.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009
* Mestre em Política Científica
e Tecnológica (Unicamp).
Professora da FAE Centro
Universitário. E-mail:
[email protected]
** Administradora (FAE Centro
Universitário). E-mail:
[email protected]
| 73
Introdução
que o processo de satisfação do cliente é uma questão
que vai muito além de apresentar uma solução. Até
No setor bancário brasileiro, a busca por diferen­
ciação de produtos e serviços como uma forma de
obtenção de vantagens competitivas exige das institui­
ções investimentos constantes em inovações tecnoló­
gicas e desenvolvimento de ferramentas que agilizem o
aten­dimento ao cliente. Para acompanhar tais exigências
do setor, observa-se uma crescente transferência do
que ponto um computador ou uma máquina consegue
analisar a real situação do cliente e interagir conforme
suas necessidades apresentando soluções? Portanto, o
que se deseja saber não é a questão de viabilidade de
implantação desses canais, mas sim se a intensificação de
tais canais pelas instituições acompanha a preferência dos
consumidores em relação aos canais de atendimento.
atendimento pessoal para o autoatendimento, o que
pode ser percebido nas mudanças ocorridas no ambiente
das agências bancárias, que têm ampliado o espaço
do autoatendimento e reduzido aquele destinado ao
atendimento pessoal.
Quando se fala em automação bancária, não se
pode pensar apenas em terminais nos quais o usuário
acessa determinados serviços sem apoio humano, mas
sim na capacidade geral de uma empresa apresentar
1 A inovação como estratégia no
atendimento bancário
Atualmente, a inovação tecnológica é vista como
uma necessidade para a sobrevivência das empresas
no mercado. As empresas que investem em inovação
soluções imediatas e alinhadas com as necessidades
podem contar com a possibilidade de diferenciação,
do cliente por meio dos canais responsáveis por seu
novos processos, aumento contínuo da produtividade,
atendimento. A automação nos canais de atendimento
queda dos custos e avanços na qualidade de seus
é capaz de disponibilizar um serviço altamente eficiente
produtos e serviços.
e com baixo custo para as instituições, mas pode não
A seção apresenta uma breve perspectiva teórica
apresentar nenhum diferencial perceptível ou não trazer
dos motivos para inovar, além dos motivos para inovação
satisfação ao cliente.
no setor bancário.
Sendo assim, o presente artigo tem por objetivo
abordar a inovação no atendimento bancário, desde a
identificação do estágio atual da tecnologia oferecida
pela rede bancária, até os resultados finais na satisfação
dos clientes, levando em conta fatores como preferência,
benefícios e restrições. A hipótese inicial é a de que os
1.1 A motivação para inovar
Na perspectiva schumpeteriana, o processo con­
correncial ocorre não apenas em função da maximização
clientes preferem o atendimento pessoal ao automático
de lucros, mas da própria sobrevivência e permanência
e, ainda, que a automatização dos processos bancários
da firma no mercado. Para tanto, a firma deve procurar
traz insatisfação aos clientes. Para isso faz-se uma revi­
adquirir vantagens competitivas através de novas mer­
são bibliográfica sobre a inovação bancária, seguida
cadorias, novas tecnologias, novas fontes de oferta e
de uma pesquisa documental sobre os resultados da
novos tipos de organização. Nessa busca por vantagens
automação nos canais de atendimento bancário e,
competitivas, a firma é uma organização que influencia
por fim, uma pes­quisa de campo buscando identificar
o ambiente em que atua por meio de inovações – sejam
a preferência e satisfação dos clientes em relação aos
elas tecnológicas, mercadológicas, organizacionais ou
canais de atendimento.
institucionais. Esse processo concorrencial através de
Sabe-se que atualmente inovar é um princípio
inovações traduz-se em mudanças estruturais que
básico de sobrevivência das empresas no mercado, mas
são verificadas no surgimento de novas demandas,
74 |
Revista da
FAE
novos hábitos dos consumidores e novas formas de
apro­priabilidade diz respeito aos ganhos de uma situação
se organizar a produção, configurando uma mudança
de monopólio temporário resultante da inovação
tecnológica (FERRARI; PAULA, 1999).
pio­neira, a cumulatividade refere-se à capacidade da
As inovações introduzidas por uma firma podem
empresa em continuar inovando. A cumulatividade e
ser incrementais ou radicais. Inovações incrementais
a apropriabilidade são complementares, pois a conti­
são aquelas que derivam de melhorias em produtos
nuidade do processo inovativo depende de estímulos
e processos já existentes. Este tipo de inovação está
relacionados à expectativa de vantagens futuras e, além
presente em todas as atividades econômicas, depen­den­
disso, a apropriabilidade proporciona recursos para
do da pressão da demanda, de fatores sócio-culturais,
futuras pesquisas e desenvolvimento. A oportunidade,
de oportunidades e trajetórias tecnológicas. Essas
por sua vez, é “a amplitude do conjunto de possibilidades
inova­ções são mais ou menos contínuas e ocorrem
que uma inovação abre de incorporar avanços a um
não como resultado de uma pesquisa deliberada, mas
ritmo intenso, inclusive a geração de novos produtos e
como consequência de invenções e aperfeiçoamentos
processos produtivos” (POSSAS, 2006, p.34).
sugeridos pelos engenheiros e/ou usuários ocupados
A inovação, de acordo com Possas (2006), é o
no processo produtivo (learning by doing e learning
elemento fundamental de sobrevivência no mercado e
by using) (FREEMAN; PEREZ, 1988).
transforma continuamente o ambiente de concorrência.
Inovações radicais, por sua vez, são inovações de
Ao introduzir uma inovação a firma modifica o ambiente,
produtos ou processos que não têm como antecedente
o que condiciona outras firmas a também realizar suas
melhorias de produtos e processos existentes. Seria o
inovações e novamente alterar o ambiente.
caso do nylon, que não poderia ter surgido a partir de
Pessali e Fernández (2006) salientam que nas abor­
melhoramentos na indústria de lã, ou ainda da energia
dagens modernas da inovação tecnológica da firma,
nuclear que não poderia ter emergido de melhoramentos
as inovações podem ser organizacionais (dentro da
incrementais nas estações de carvão ou de petróleo.
firma) ou institucionais (entre firmas e no mercado).
Essas inovações radicais são frutos de atividade deli­be­
No entanto, tais inovações não ocorrem separadas,
rada de P&D das empresas, universidades ou centros
pois a inovação de uma firma isolada estimula que
de pesquisa governamentais. Elas aumentam a produti­
outras organizações busquem atualização ou inovações
vidade e trazem novos produtos e materiais, porém seu
diferentes, afetando assim todo o mercado.
impacto econômico pode ser localizado ou restrito a
Pessali e Fernández (2006) também salientam que
alguns setores, não implicando em mudanças funda­
para que se possa atuar em uma base regular, as firmas
mentais no conjunto das organizações industriais
buscam as inovações em ações coletivas estáveis, ou
(FREEMAN; PEREZ, 1988).
seja, um padrão de produção baseado em um mesmo
Segundo Drucker (1986, p.40), “a inovação é o ato
conjunto de inovações adotados por todas as firmas no
de atribuir novas capacidades aos recursos existentes na
mercado. “Para produzir e comercializar algo, a firma
empresa para gerar riqueza”. Porter (1995) acredita que
coordena a interação entre as pessoas e entre pessoas e
atualmente a única maneira de uma empresa se tornar
equipamentos, e também negocia sua relação com outras
competitiva é por meio da incorporação da inovação
firmas e clientes” (PESSALI; FERNÁNDEZ, 2006, p.329).
tanto tecnológica quanto organizacional.
Diante do exposto, a motivação para inovar é a
Possas (2006) salienta que a motivação para inovar
busca de ganhos extraordinários no mercado, embora
depende basicamente de três fatores: apropria­bili­
a adoção generalizada das inovações seja vantajosa
dade, cumulatividade e oportunidade. Enquanto que a
para as empresas, uma vez que possibilita a atuação em
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009
| 75
um ambiente mais estável e quase padronizado. Ainda
assim, ao introduzir uma inovação no mercado, seja
ela incremental ou radical, a firma busca a mudança de
hábitos de seus consumidores, de forma a criar novas
demandas.
1.2 A inovação no setor bancário
O setor bancário é um exemplo prático do que
Porter (1995) preconiza: o processo de inovação
bancária vem ocorrendo fortemente em canais de
atendimento que possibilitam ao cliente a realização de
um número maior de operações em terminais externos
de autoatendimento, em sua residência ou escritório,
tornando desnecessário o deslocamento do cliente até
uma agência bancária.
De acordo com Silva e Cardoso (2002), a auto­
mação bancária atualmente funciona como um apelo
de mercado na conquista de um número maior de
clientes potencialmente ativos a ter serviços rápidos
e, ao mesmo tempo, os bancos passam a contar com
um quadro de funcionários voltados à expansão de
terminais de computadores à sua disposição.
- Banco via telefone, que permite aos clientes realizar
muitas de suas transações bancárias por telefone, no
conforto de seus lares.
- Mudança de escaneamento de imagem para OCRs
(Optical Character Readers – Leitoras Óticas de
Caracteres) no manuseio de formulários/documentos.
- Escritório de apoio “paperless” (sem papéis – todos os
documentos são escaneados para registro em compu­
tadores) (OCDE, 2004, p.57)
Grisci e Bessi (2004) consideram que, a partir da
segunda metade da década de 1980, os bancos brasileiros passaram por um processo de reestruturação
para dentro (reorganização interna), caracterizado pela
diminuição de custos operacionais, ampliação e incentivo
ao autoatendimento, intensificação da automatização,
redução de postos de trabalho, terceirização e mudanças
nas técnicas de gestão.
De acordo com Molina (2004), neste mesmo
perío­do houve a instalação dos primeiros “caixas ele­
trônicos”, o que proporcionou uma queda drástica no
número de funcionários das agências, principalmente
na função de caixa.
produtos e serviços que fujam a situações triviais da
Scheuer (2001) relata que a partir de 1980 os
rotina bancária, ou seja, que realmente precisam da
bancos instalaram terminais para a entrada de dados
intervenção humana para sua comercialização.
nas agências, alimentando direta e indiretamente o
O sistema bancário brasileiro apresenta conside­rá­
veis mudanças tecnológicas desde o início da utilização
de computadores em bancos, que ocorreu na década
de 1950, segundo Costa Filho (1997). O presente artigo
apresenta somente as inovações ocorridas a partir da
década de 1980, quando se iniciou um novo paradigma
tecnoeconômico baseado nas tecnologias da informação
e comunicação (LA ROVÉRE, 2006).
O Manual de Oslo apresenta exemplos de inovações
de produtos e processos que resultaram em maiores
ganhos para o setor bancário.
- Introdução de cartões inteligentes e cartões de múltiplos
propósitos em plástico.
- Nova agência bancária sem qualquer pessoal onde os
clientes “fazem normalmente seus negócios” através de
76 |
CPD (Centro de Processamento de Dados). Foram dispo­
nibilizados aos usuários terminais que apresentavam
informações atualizadas para consulta e manipulação
contábeis e o processamento batch (processamento em
lote a partir dos dados digitados) foi substituído pelo
processamento online.
Costa Filho (1997) acredita que nos anos 1980 houve
uma grande arrancada da automação de aten­dimento ao
cliente no Brasil, representada por meio do surgimento
do autoatendimento, da interligação online em rede
por todo o país, dos primeiros caixas-automáticos e da
inauguração do banco 24 horas, em 1983.
De acordo com o mesmo autor, a década de
1990 foi marcada pelo surgimento do banco virtual
(homebanking) e pela transferência de fundos via
Revista da
FAE
pontos de venda – POS. Nessa mesma fase, as transações
A natureza dos investimentos sinaliza os objetivos
por meios eletrônicos ultrapassam as transações das
do setor em transferir o atendimento pessoal para o
agências, com o surgimento dos bancos virtuais e o
automático.
internet banking, por volta de 1995.
Conforme Schwingel (2001), na década de 1990,
É necessário investigar, no entanto, os motivos que
levam os bancos a inovar.
os bancos, principalmente os de varejo, continuaram
investindo intensamente em tecnologia, tanto para
competir com as grandes instituições estrangeiras que
1.3 A motivação para inovar no setor
bancário
estavam entrando no mercado bancário brasileiro,
quanto para atender seus clientes.
Segundo Grisci e Bessi (2004), a partir de meados
da década de 1990, as mudanças no setor bancário
direcionam-se ao desenvolvimento de novos serviços e
produtos, bem como tratamento diferenciado a partir
da segmentação de clientes conforme o valor da renda
e potencial de consumo de serviços financeiros.
Para Neves, Pereira e Mota (2006), a década de
2000 consolida o banco via Internet, com o aumento
crescente de usuários. Assim, os bancos investem para
oferecer serviços seguros pela Internet e alguns deles
investem em novas tecnologias portáteis em palm tops
e handbanking para dominar o setor de homebanking
e internet banking.
Para alcançar tal estágio tecnológico, o setor ban­
cário é o que mais investe em tecnologia da infor­mação
no país, e os investimentos crescem anualmente. Em
2007, o setor bancário brasileiro investiu cerca de R$ 15
bilhões em tecnologia da informação, um aumento de
4% em relação a 2006. Deste montante foram investidos
R$ 6,2 bilhões para aquisição de novas tecnologias
(aumento de 16% em relação a 2006) enquanto que
para manutenção das tecnologias existentes foram
gastos R$ 8,7 bilhões (queda de 3,1% em relação a
2006), conforme dados da Federação Brasileira de
Bancos – Febraban (2008). Os maiores investimentos
foram destinados à aquisição de hardware (Mainframes,
PC’s, ATM’s, storages, robôs etc.) e compra de software
de terceiros (software básico e aplicativos, fábricas de
software, terceirizações etc.), o que representa 30%
do total dos investimentos em Tecnologia da Informa­
ção – TI, de acordo com os dados da Febraban (2008).
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009
Scheuer (2001) cita a economia de custos como um
dos motivos que leva as instituições financeiras a gastar
grandes somas em inovação bancária, uma vez que o
direcionamento dos clientes ao autoatendimento sem
a intervenção de um funcionário resulta em economias
não só de custos de pessoal como também com as
instalações físicas das agências.
Porter1 (1999 apud PIRES; COSTA FILHO, 1997)
de­clara que a automação bancária está expandindo os
limites das possibilidades das empresas, substituindo
intensivamente o esforço humano por máquinas. De acor­
do com o mesmo autor, o resultado desta mudança é o
aumento da lucratividade e da produtividade dos bancos,
pois a mudança permite que as instituições atendam um
maior número de clientes e não clientes (usuários) com a
mesma estrutura no quadro de funcionários.
Segundo Duarte (2003), os administradores leva­
dos a pensar em redução de custos descobriram ganhos
reais com o uso da tecnologia para efetuar operações
que anteriormente poderiam ser consideradas caras e
arriscadas.
Ao buscar inovar em seus produtos e serviços, além
da economia de custos, as empresas também podem ser
motivadas pelo aumento da qualidade, prolongamento
do ciclo de vida dos produtos, previsão de aumento
nas vendas, adaptação às necessidades dos clientes e
posicionamento no mercado competitivo. Nesse caso, a
inovação contemplaria também a satisfação do cliente.
Segundo Kotler (2000), a satisfação é resultado da
1
PORTER, M. E. Competição: estratégias competitivas
essenciais. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
| 77
comparação do desempenho percebido em relação às
desenvolvimento de um relacionamento com o cliente
expectativas do comprador, ou seja, consiste na sensação
por meio de soluções tecnológicas.
de prazer ou desapontamento com o produto ou serviço.
De acordo com Neves, Pereira e Mota (2006), o
De acordo com Scheuer (2001), muitas empresas
resultado positivo das estratégias de marketing no
buscam clientes altamente satisfeitos, porque estes são
setor bancário, na atualidade, é inquestionável para
muito menos propensos a mudar de fornecedor com
que os bancos mantenham sua posição no mercado.
facilidade. Um alto nível de satisfação ou encantamento
Neste contexto, verifica-se que a tecnologia é uma das
cria não apenas uma preferência racional, mas sim um
principais forças macroambientais, por impulsionar os
vínculo emocional com a marca, resultando em um alto
bancos a melhorar seus serviços e por aprimorar sua
grau de fidelidade do cliente.
imagem projetada para o mercado.
Outro aspecto importante a ser considerado na
As estratégias de inovação bancária, portanto,
inovação bancária é a estratégia de marketing adotada
possibilitam a lucratividade, diferenciação, competi­ti­
pelo setor com o acirramento da concorrência. De
vidade, o aumento da qualidade dos produtos e serviços
acordo com Mota, Freitas e Silva (2006), o ingresso dos
e a redução de custos.
bancos estrangeiros no Brasil exigiu adequações dos
bancos nacionais nos aspectos tecnológico, gerencial
e, principalmente, nas atividades de marketing. As ade­
quações realizadas na área de marketing passaram a
2 O mercado bancário no Brasil:
significar a sobrevivência ou extinção de muitos bancos,
as transformações recentes
em um espaço curto de tempo.
A ampliação dos investimentos realizados em
De acordo com a Febraban (2008), o setor ban­
inovação impulsionou o setor em busca da implan­
cário do Brasil é composto por 156 bancos privados
tação de processos tecnológicos que permitam a
nacionais com e sem participação estrangeira, privados
comercialização de produtos de serviços diferenciados
estrangeiros e com controle estrangeiro, além de
da concorrência. Porém, “com os avanços da tecnologia,
públicos federais e estaduais.
as corporações sofrem com o excesso de informações,
sendo imprescindível a gestão eficiente em TI para o
sucesso empresarial” (BUENO et al., 2004, p.96).
Conforme Neves, Pereira e Mota (2006), inicial­
mente, o marketing bancário não previa atingir o cliente
A tabela 1 apresenta o número de bancos no Brasil
por origem do capital.
TABELA 01 - BANCOS POR ORIGEM DE CAPITAL NO BRASIL - 2000-2007
PERÍODO
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Privados nacionais
com e sem participação estrangeira
105
95
87
88
88
84
85
87
Privados estrangeiros e com controle
estrangeiro
70
72
65
62
62
63
61
56
bancário evolui da arte de vender produtos para a
Públicos federais e
estaduais
17
15
15
15
14
14
13
13
filosofia de conquistar clientes, mantê-los e aprofundar
TOTAL DE BANCOS
192
182
167
165
164
161
159
156
no seu próprio local de trabalho ou na residência, e sim
atrair o cliente para o ambiente físico do banco por meio
de um ambiente agradável nas agênc ias, instalações
confortáveis e distribuição de brindes. Ainda de acordo
com Neves, Pereira e Mota (2006, p.5), “o marketing
os relacionamentos”.
FONTE: Febraban (2008)
Verifica-se que houve uma mudança na aplica­bi­
Analisando o cenário de 2000 a 2007, verifica-se
lidade do marketing bancário, antes mais direcionado
que a principal alteração na estrutura bancária brasilei-
para o ambiente físico do banco e agora para a busca do
ra foi a redução de 18,7% no número total de bancos,
78 |
Revista da
FAE
o que evidencia um período de concentração no setor
Embora tenha havido uma expansão em todos os
bancário. O pequeno crescimento na participação dos
canais, percebe-se que os que mais cresceram foram
bancos estrangeiros e a redução dos bancos públicos,
os postos eletrônicos e correspondentes. Dessa forma,­
federais e estaduais demonstram os efeitos das privati-
houve uma alteração na participação dos canais no
zações ocorridas no período, mas não houve mudanças
total da rede no período, conforme se pode melhor
estruturais significativas no período analisado.
visualizar no gráfico 1.
A mudança estrutural ocorreu na rede de atendimento do país, bem como na utilização de tais canais
GRÁFICO 01 - REDE DE ATENDIMENTO NO BRASIL - 2000 E 2007
2000
de atendimento. A tabela 2 apresenta a evolução da
estrutura da rede de atendimento de 2000 a 2007.
2007
12%
25%
30%
7%
TABELA 02 - REDE ATENDIMENTO NO BRASIL - 2000-2007
PERÍODO
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
57%
2007
Número de
agências
16.396 16.841 17.049 16.829 17.260 17.515 18.067 18.308
Postos
tradicionais¹
9.495 10.241 10.140 10.045 9.837
Postos
eletrônicos
14.453 16.748 22.428 24.367 25.595 27.405 32.776 34.790
Correspondentes ²
13.731 18.653 32.511 36.474 46.035 69.546 73.031 84.332³
24%
27%
9.527
10.220 10.427
Número de agências
Postos tradicionais
Postos eletrônicos
TOTAL GERAL 54.075 62.483 82.128 87.715 98.727 123.993 134.094 147.857
Correspondentes
FONTE: Adaptado de Febraban (2008).
NOTAS: (1) Inclui Postos de Atendimento Bancário (PAB), Postos de
Arrecadação e Pagamentos (PAP), Postos Avançados de
Atendimento (PAA), Postos de Atendimento Cooperativo (PAC),
Postos de Atendimento ao Microcrédito, Postos Avançados
de Crédito Rural (PACRE), Postos de Compra de Ouro (PCO) e
Unidades Administrativas Desmembradas (UAD).
NOTAS: Postos tradicionais incluem Postos de Atendimento Bancário
(PAB), Postos de Arrecadação e Pagamentos (PAP), Postos
Avançados de Atendimento (PAA), Postos de Atendimento
Cooperativo (PAC), Postos de Atendimento ao Microcrédito,
Postos Avançados de Crédito Rural (PACRE), Postos de Compra
de Ouro (PCO) e Unidades Administrativas Desmembradas
(UAD);
Observa-se que no período de 2000 a 2007 o
Além da alteração da estrutura de atendimento
crescimento do número de postos eletrônicos foi de
por meio da transferência dos serviços para outros esta-
140,7%. Porém o canal com maior crescimento é o de
belecimentos, houve também aumento da automatiza-
correspondentes bancários, o qual apresenta um cres-
ção, ou seja, do atendimento eletrônico.
FONTE: Febraban (2008)
cimento no período de 514,2% passando de 25,4% dos
As ferramentas tecnológicas disponíveis para o
canais de atendimento em 2000 para 57% no ano de
desenvolvimento do atendimento automatizado estão
2007. Esse crescimento demonstra uma transferência
presentes principalmente nos caixas-automáticos, inter-
das vendas e serviços bancários para estabelecimentos
net banking e correspondentes não bancários.
comerciais variados em um processo de terceirização
para auxiliar na prestação de serviços dos bancos
(FEBRABAN, 2008).
Uma das tendências do mercado é a utilização da
tecnologia dos celulares para realização de consultas e
movimentações financeiras. Um exemplo desta nova for-
Embora o número de agências tenha crescido 11,7%
ma de prestação de serviços seria o atendimento que o
no período, sua representatividade entre os canais de
Banco do Brasil oferece aos seus clientes via celular. Con-
atendimento caiu de 17,6% em 2000 para 7,1% em
forme informações do próprio Banco do Brasil (2008),
2007, ilustrando a mudança física que vem ocorrendo
atualmente a instituição disponibiliza aos seus clientes
no atendimento tradicional.
diretamente pelo celular a opção de consultas de saldo e
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009
| 79
extrato, pagamento de títulos bancários e contas, trans-
a existência de correspondentes bancários auxilia na
ferências entre contas, DOC (Documento de Ordem de
diminuição de filas no ambiente interno das agências e
Crédito), TED (Transação Eletrônica de Documento), apli-
oferece comodidade aos usuários, que poderão realizar
cações e resgate em investimentos, recargas de celulares
suas transações sem a necessidade de deslocar até uma
pré-pagos, empréstimos pessoais e ainda conta com a
agência bancária.
opção de envio de mensagens de texto informando so-
A utilização dos canais eletrônicos é apresentada
bre movimentações realizadas na conta corrente e no
no gráfico 2, que compara as transações bancárias por
cartão de crédito.
origem em 2000 e 2007:
A ferramenta mais utilizada e já consolidada é o
caixa-automático. Para Kotler2 (1998 apud PIRES; COSTA
GRÁFICO 02 - TRANSAÇÕES POR ORIGEM NO BRASIL EM 2000 E 2007
FILHO, 2001), os caixas-automáticos oferecem aos con­
su­midores as vantagens da utilização por 24 horas, do
autosserviço e da ausência da manipulação por tercei­
ros. Considerados uma máquina de venda altamente
es­pe­cializada, os caixas-automáticos propiciam aos
usuários uma série de vantagens, sendo uma delas de
fundamental importância: a conveniência de tempo,
lugar e acesso.
A Internet banking é a tecnologia que mais cresce,
por oferecer serviços de consulta de extratos e saldos e
a possibilidade de realização de transações como: pagamentos de contas, transferência de saldos, empréstimos,
investimentos e outras operações, dependendo de cada
instituição financeira. É um canal de atendimento que
apresenta um crescimento expressivo em sua utilização,
devido principalmente à comodidade e possibilidade
de acesso 24 horas por dia. Além disso, de acordo com
Scheurer (2001), o home banking significa economia de
tempo para o cliente e redução de custos para a instituição, uma vez que a transação eletrônica tem um custo de
três a seis vezes menor do que a efetuada nas agências.
Outro canal em ascensão é o correspondente não
bancário, ou seja, convênios que permitem disponibilizar serviços bancários em empresas como correios,
lotéricas, farmácias, supermercados, postos de gasolina
e outros estabelecimentos comerciais. A rede de atendimento não atende somente correntistas, mas também
a usuários não clientes. De acordo com Ferry (2008),
2
KOTLER, P. Administração de marketing: análise, plane­
ja­mento, implementação e controle. 5.ed. São Paulo:
Atlas, 1998.
80 |
FONTE: Adaptado de Febraban (2008).
NOTAS: (1) Débitos automáticos, crédito de salários, proventos de
aposentadoria, DOC’s, TED’s, cobranças;
(2) Tarifas, taxas, IOF, CPMF etc;
(3) Saques, depósitos, transferências, pagamento de contas
e boletos bancários, resgates, investimentos, consultas
de saldo, extrato, bloqueio e desbloqueio de cheque etc;
(4) Transferências, pagamentos, investimentos,
financiamentos, consultas em geral, solicitações,
remessas de arquivos, instruções de cobrança,
transferências, pagamentos, investimentos, empréstimos,
agendamentos de transações, desbloqueios, senhas etc;
(5) Pagamentos no comércio em lojas, supermercados,
postos de gasolina etc;
(6) Estabelecimentos comerciais, correios, casas lotéricas etc.
O gráfico 2 permite comparar a evolução da utilização dos canais de atendimento pelos clientes. O principal
canal utilizado para realização de transações é o autoatendimento, que manteve sua participação no período devido ao aumento de 107% no número de transações.
Revista da
FAE
Percebe-se que os canais tradicionais de transação
De acordo com Guntzel (2003), há clientes que
tiveram queda no período. A utilização dos caixas das
preferem o atendimento pessoal por vários motivos,
agências caiu de 20% em 2000 para 10% em 2007 no
entre eles pela confiança no funcionário que já virou
total de transações realizadas, embora isoladamente o
amigo, pelo contato frequente com os funcionários das
número de transações tenha crescido 6,3%. No caso da
agências e devido à falta de confiança no equipamento
compensação de cheques houve uma queda de 41,9%
eletrônico. Porém há clientes que não querem se deslocar
das transações realizadas e o canal que em 2000 repre-
até uma agência, mas desejam o atendimento humano
sentava 13% das transações passou para 4% em 2007. A
e resistem ao autoatendimento eletrônico. Isto explica
utilização de Call Center não teve variação absoluta signi-
o sucesso e a sofisticação das centrais de atendimento,
ficativa, mas a participação desse canal de atendimento
que se transformaram quase em bancos virtuais.
reduziu-se de 7% para 3% no período.
O autoatendimento, por sua vez, está cada vez
Por outro lado, os canais com maior crescimento
mais presente no cotidiano de uma nova geração de
foram internet banking, POS e correspondentes não ban­
clientes: sua praticidade e rapidez têm conquistado
cários. A utilização de internet banking cresceu 851,6% no
um número crescente de usuários. No entanto, o au­
período: em 2000 o canal representava 4% e passou para
toatendimento é caracterizado pela impessoalidade e a
17% em 2007. O canal POS, por sua vez, embora tenha
redução do contato humano, o que traz resistências e
passado de 2% em 2000 para 4% em 2007 no total de
bloqueios a alguns clientes. A principal vantagem do
canais utilizados, obteve um crescimento de 441,4% em
autoatendimento em relação ao atendimento pessoal
termos absolutos. O crescimento do POS explica a redução
é seu custo, tanto para as instituições quanto para
da utilização dos cheques, pois os clientes passaram a
os clientes, que reduzem o tempo de espera, além de
utilizar mais os cartões de débito e crédito. A utilização
dispensar os deslocamentos constantes a uma agência.
de correspondentes bancários, por sua vez, apresentou
Para Pires e Costa Filho (2001), a continuidade e
aumento de 1.376% no período, embora represente
expansão da automação e informatização dos produtos
apenas 5% do total de transações realizadas. A evolução
e serviços, dependerão, em muito, da forma como os
deste canal de atendimento vem propor­cionando maior
clientes assimilarão e incorporarão essas inovações no
comodidade ao cidadão para paga­mento de suas contas
seu dia-a-dia.
em qualquer região do país e uma maior conveniência
Para analisar as preferências dos clientes e a satis­
para a realização de transa­ções bancárias para o público
fação quanto aos canais de atendimento disponíveis, o
de menor renda ou que não possui conta em banco.
presente artigo realizou uma pesquisa de campo, cuja
No entanto, demonstra o crescente direcionamento dos
metodologia e resultados são descritos a seguir.
serviços bancários para terceiros.
4 Metodologia da pesquisa
3 A preferência dos clientes
A pesquisa realizada classifica-se como descritiva
A evolução da utilização dos canais de atendimento expressa o aumento do atendimento eletrônico
de caráter exploratório, por meio de questionários
estruturados com perguntas de múltiplas escolhas.
entre os clientes, em contraponto à redução da utili-
Para realização da delimitação da pesquisa, optou-se
zação de atendimento pessoal. Ambas as formas de
por cinco instituições financeiras: Itaú, Bradesco, Banco
atendimento apresentam vantagens e desvantagens e
do Brasil, Caixa Econômica Federal e HSBC, que detém
sua escolha dependerá do perfil e necessidade de cada
70% das 323 agências bancárias em Curitiba (BANCO
cliente bancário.
CENTRAL DO BRASIL, 2008).
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009
| 81
Por seu escopo, o perfil do presente artigo poderia
Portanto, o questionário foi aplicado em 21 clien-
abranger todos os canais de atendimento eletrônico
tes do banco Itaú, 31 clientes do Banco Bradesco, 23
utilizados atualmente pelas instituições financeiras.
respondentes do Banco do Brasil, 9 da Caixa Econômica
Contudo, considerando a dificuldade em atingir os
Federal e 15 do HSBC Bank Brasil.
usuários de outros canais de atendimento, o campo de
O questionário aplicado foi dividido em cinco
pesquisa ficou restrito ao autoatendimento oferecido
blocos de perguntas. O primeiro contém questões
pelos caixas-automáticos, onde a pesquisa foi realizada
sobre o autoatendimento, as quais buscam identificar
diretamente com os usuários.
o grau de utilização dos caixas-automáticos pelos
A delimitação da amostra foi realizada a partir do
clientes e os motivos, caso existam, da não utilização
seguinte critério: baseando-se no número de contas por
do canal para realização de todas as operações ban­
banco e quantidade de agências do Brasil, encontrou-
cárias. O segundo bloco tem por objetivo identificar a
se uma média de clientes por agência. Multiplicandose este número pela quantidade de agências da cidade
de Curitiba, calculou-se uma média do total de clientes
por banco instalado na cidade, conforme a tabela 3. A
opção pela realização da média faz-se necessária devido
à falta de informações mais precisas.
Devido ao grande número de clientes e ao tempo
necessário para realização do trabalho, foi considerada
uma amostragem não-probabilística de 0,01% da
frequência de utilização do atendimento pessoal por
semana. O terceiro bloco possui questões que visam
descobrir a preferência dos clientes em relação ao tipo
de atendimento, os produtos que preferem realizar
em cada canal de atendimento e os motivos das suas
preferências. O quarto bloco tem por objetivo conhecer
a satisfação dos clientes em relação ao autoatendimento
e o que pode ser melhorado para utilização do serviço.
O quinto e último bloco contém questões sobre o perfil
dos usuários do autoatendimento bancário, como
média de clientes das cinco instituições selecionadas.
sexo, idade, renda média familiar e escolaridade dos
Esse critério foi estabelecido pelas autoras a partir
entrevistados.
da viabilidade de execução da pesquisa. A tabela 3
demonstra os dados e a amostra necessária para cada
instituição bancária.
aos clientes dos bancos selecionados e respondidos por
escrito pelo entrevistado na presença do entrevistador.
TABELA 03 - DEFINIÇÃO DA AMOSTRA POR BANCO EM CURITIBA -
A pesquisa foi realizada durante os meses de julho e
agosto de 2008. Após coletados, os dados foram
9.564.933
2.640
58
210.139
21
Banco Bradesco
18.008.797
3.200
55
309.526
31
Banco do Brasil
21.240.204
4.127
45
231.599
23
Caixa Econ. Federal
4.872.893
2.061
37
87.480
9
Dos 99 clientes entrevistados 65% são do sexo
HSBC Bank Brasil
4.590.296
924
30
149.036
15
femi­nino e 35% do sexo masculino. A maioria dos entre-
58.277.123
12.952
225
987.780
99
vistados possui idade entre 20 e 30 anos (60%), seguido
TOTAL
NÚMERO DE
AGÊNCIAS
NO BRASIL
Banco Itaú SA.
BANCO
NÚMERO
CONTAS
NO BRASIL
AMOSTRA (0,01%)
tabulados por meio das ferramentas do Microsoft Office
MÉDIA DE
CLIENTES EM
CURITIBA
JULHO 2008
NÚMERO DE
AGÊN­CIAS EM
CURITIBA
Os questionários foram entregues aleatoriamente
FONTE: Adaptado de Banco Central do Brasil (2008)
82 |
Excel 2003.
5 Apresentação e interpretação dos
resultados
da faixa etária entre 31 e 40 anos (33%). A renda
Revista da
FAE
familiar3 predominante é de R$727 a R$2.012,67 (65%
autoatendimento são os entrevistados com faixa etária
dos entrevistados) e 35% dos entrevistados possuem
entre 20 e 30 anos.
renda entre R$3.480 e R$6.563. Nenhum dos entrevis-
Concernente ao uso do autoatendimento, 40%
tados possuía renda inferior a R$727. Em relação à es-
dos entrevistados afirmou que realizam todas as suas
colaridade, 69% dos entrevistados possuem graduação,
transações pelo autoatendimento. Por instituição, a
23% ensino médio e 5% são pós-graduados.
Caixa Econômica apresentou menor índice de utiliza-
No tocante à frequência de utilização dos termi-
ção, o que pode ser explicado pela existência de serviços
nais de autoatendimento e do atendimento pessoal, foi
sociais (FGTS, PIS e Habitação Popular) que são realiza-
possível obter-se os seguintes resultados:
dos apenas no atendimento pessoal.
GRÁFICO 03 - FREQUÊNCIA DE UTILIZAÇÃO DO AUTOATENDIMENTO
E DO ATENDIMENTO PESSOAL
Perguntados sobre os motivos que levam os clientes
a não utilizarem somente o autoatendimento, a maior
parte (43%) afirmou falta de funcionalidade, enquanto
90%
85%
80%
que 26% utilizam a Internet. Apenas 9% afirmaram que
70%
não sabem operar o caixa e 8% disseram não usar os
60%
caixas automáticos por desconforto, conforme se pode
50%
observar no gráfico 4.
40%
40%
30%
30%
27%
GRÁFICO 04 - MOTIVOS PARA NÃO REALIZAR TODAS AS TRANSAÇÕES
20%
10%
0%
0%
4%
Não utiliza Esporadicamente
Autoatendimento
9%
2%
1 vez
2 a 4 vezes
2%
0%
NO AUTOATENDIMENTO
43%
5 a 7 vezes
Atendimento pessoal
26%
FONTE: As autoras (2008)
lização é maior o percentual de pessoas que utilizam o
3%
2%
2%
Gosta do atendi­
mento pessoal
Utiliza
Call Center
Desconforto
8%
Limites baixos
para transações
mente o autoatendimento. Em todas as opções de uti-
8%
Falta de
segurança
esporadicamente, apenas 40% utilizam esporadica-
Utiliza a
Internet
85% dos entrevistados utilizam o atendimento pessoal
Falta de
funcionalidade
de utilização é do caixa automático, pois enquanto que
Não sabe
operar o caixa
9%
Percebe-se pelo gráfico 3 que a maior frequência
FONTE: As autoras (2008)
autoatendimento em relação ao atendimento pessoal e
Conforme se pode verificar no gráfico 4, apenas
pode-se observar que 4% afirmaram que não utilizam o
2% não utilizam os caixas automáticos por preferir o
atendimento pessoal. Os usuários que mais utilizam o
atendimento pessoal. Os clientes que alegaram falta de
funcionalidade provavelmente realizam suas transações
3
A classificação da renda foi realizada de acordo com o novo
critério de classificação econômica do Brasil realizado pela
ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, 2007),
por ser mais conveniente do ponto de vista de segmentação.
De acordo com esse critério a renda familiar média pode
ser classificada em: Classe A1: acima de 9.733,47; Classe
A2: Acima de 6.563.73; Classe B1: 3.479,36; Classe B2:
2.012,67; Classe C1: 1.194,53; Classe C2: 726,26; Classe D:
484,97; Classe E: 276,70. (ABEP, 2008). Na pesquisa a renda
familiar foi distribuída em 5 classes: a primeira agrega as
classes E e D, a segunda considera as classes C, a terceira
somente as classes B e a quinta somente as classes A.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009
no atendimento pessoal ou em canais com mais opções,
como a Internet, tendo em vista que são principalmente
os usuários com a faixa etária mais jovem e com maior
poder aquisitivo.
A preferência dos clientes pesquisados em relação
ao tipo de atendimento, os produtos que prefere realizar
em cada canal de atendimento e os motivos das suas
preferências também foram abordados com o objetivo
de conhecer a aceitação do autoatendimento pelos
| 83
clientes bancários. Nesse aspecto, 44% dos clientes
a possibilidade de realização de um número maior de
afirmaram preferir o autoatendimento, enquanto que
serviços (16%) e o conforto (15%). Apenas 3% dos en­
apenas 13% disseram que o atendimento pessoal é o
trevistados afirmaram que preferem o atendimento
preferido. Os demais (42%) disseram ser indiferentes ao
pessoal por não saber utilizar o caixa automático. Os
tipo de atendimento prestado.
resultados dessa questão estão em consonância com
O gráfico 5 compara os serviços que os clientes
pesquisados preferem realizar no autoatendimento e
as respostas para não realizar todas as transações no
caixa-automático.
no atendimento pessoal.
Também foi perguntada a satisfação dos entre­
GRÁFICO 05 - SERVIÇOS PREFERIDOS NO AUTOATENDIMENTO E NO
ATENDIMENTO PESSOAL
vistados em relação ao autoatendimento bancário: 81%
dos entrevistados consideram o atendimento auto­
má­tico ótimo ou bom e 19% avaliaram como regular.
29%
24%
21%
1%
1% 2% 0,3% 1% 0%
Compra de
produtos
Empréstimos
Transferências
e saldos
Pagamento
de contas
1%
Depósitos
Por fim, perguntou-se aos entrevistados o que se
7%
2%
Extratos
Saques
10%
Nenhum dos respondentes que preferem o atendimento
automático avaliou o serviço como ruim.
Nenhum
8%
1%
23%
Outros
15%
13%
24%
Investimentos
20%
deve melhorar no autoatendimento, cujos dados são
apresentados no gráfico 6.
GRÁFICO 06 - OPINIÃO SOBRE O QUE DEVE MELHORAR NO
Autoatendimento
AUTOATENDIMENTO
Atendimento pessoal
32%
FONTE: As autoras (2008)
Os percentuais apresentados se referem aos ser­vi­
20%
18%
18%
ços preferidos em cada um dos canais: autoatendimento
12%
e atendimento pessoal. Percebe-se no gráfico 5 que a
os serviços preferidos são investimentos (24%), compra
de produtos (23%) e empréstimos (21%). Analisandose os dados, é possível presumir que o atendimento
pessoal é preferido para serviços mais complexos e que
requerem a assessoria dos funcionários do banco para
se efetuar a transação.
Maior quantidade de caixas
automáticos
Disponibilidade
de outras
operações
transferência e saldos (10%). No atendimento pessoal,
Presença de
funcionários
(24%), depósitos (20%), pagamento de contas (15%) e
Maior
segurança
serviços mais simples como saques (29%), extratos
Manutenção
contínua dos
equipamentos
preferência dos clientes pelo autoatendimento é nos
FONTE: As autoras (2008)
Analisando o gráfico 6, constata-se que a maior
parte dos entrevistados (32%) considera fundamental a
manutenção contínua nos caixas-automáticos, enquanto
que 20% desejam maior segurança no local e 18%
gos­­tariam de ter a presença de funcionários. Embora
Em relação à preferência entre os canais, os princi­
não seja o item mais importante a ser melhorado no
pais motivos para a preferência pelo autoatendimento
autoatendimento, o anseio de mais serviços disponíveis
foram a rapidez (38%), a conveniência (24%), a dispo­
no autoatendimento (18%) demonstra que os clientes
nibilidade de horários (19%) e a tecnologia (14%).
estão preparados para utilizar mais o autoatendimento,
Para o atendimento pessoal os principais motivos
caso esse canal ofereça mais operações, tendo em vista
da preferência por esse tipo de atendimento foram a
que o perfil de usuários que marcaram essa questão é de
segurança (47%), a qualidade no atendimento (17%),
faixa etária mais jovem e com maior poder aquisitivo.
84 |
Revista da
Conclusões
FAE
A pesquisa não é conclusiva, sobretudo porque o
perfil dos entrevistados (escolaridade, idade e renda)
Os resultados da pesquisa na cidade de Curitiba
revelaram que a maior parte dos entrevistados prefere
o atendimento automatizado oferecido pelos caixasautomáticos, em detrimento do atendimento tradicional
e consideram o serviço como bom ou ótimo. Os serviços
preferidos no autoatendimento são os mais simples
como extratos, depósitos e saques.
Dentre as dificuldades que os clientes pesquisados
possuem em relação à utilização do autoatendimento
e que os levam a preferir o atendimento pessoal,
destacam-se a segurança no ambiente de autoatendi­
mento, a qualidade a desejar dos equipamentos e a falta
de funcionalidade ou falta de operações.
Segundo a pesquisa, a maior parte dos clientes
prefere realizar no atendimento pessoal serviços como:
empréstimos, investimentos e compra de produtos. As
dificuldades citadas acima são os maiores causadores
desta preferência, além de que são serviços que geral­
mente precisam de assessoria de funcionários.
Nas sugestões para melhoria do autoatendimen­
to bancário a principal solicitação está relacionada
à manutenção contínua dos equipamentos, além da
dispo­nibilidade de um número maior de operações.
aponta para usuários acostumados com tecnologias,
especialmente caixa automático. No entanto, dado
o crescente aumento do acesso das classes de menor
renda e escolaridade a computador e Internet, é
possível estender tais resultados para outros perfis de
usuários. Outra questão a ser observada é o grau de
maturidade da tecnologia do autoatendimento: desde
que surgiram, os caixas automáticos passaram por
me­lhorias contínuas, resultando em mais opções de
operações e segurança no processamento dos dados.
Além disso, a geração que recebeu os primeiros caixas
automáticos e tinha mais barreiras a sua utilização não
está representada na amostra pesquisada, devido à
ausência de respondentes. Sendo assim, o atual estágio
de utilização dos caixas automáticos compreende uma
geração de usuários acostumados ao paradigma das
tecnologias da informação e comunicação, ou seja,
as barreiras da mudança de paradigma já teriam sido
superadas.
Diante disso, percebe-se que o setor bancário foi
eficiente em criar e estimular a demanda de seus cli­
entes as suas inovações e que a difusão da inova­ção
foi ampla e bem sucedida. Tendo em vista os resul­ta­
dos, refuta-se a hipótese inicial de que os clientes pre-
Percebe-se que os clientes bancários pesquisados
ferem o atendimento pessoal ao automático e que a
preferem o autoatendimento pela conveniência e
automação resultaria em insatisfação para os clientes
rapidez, características obtidas da automação no aten­
bancários.
dimento bancário. Ou seja, a automação traz vantagens
para os clientes, contribuindo positivamente em sua
satisfação. Porém, o que pode impactar negativamente
na satisfação dos clientes são a falta de segurança, além
da baixa qualidade e funcionalidade apresentadas nos
caixas-automáticos.
Considerando-se que 18% dos entrevistados dese­
jam mais operações disponíveis em caixas automáticos,
pode-se deduzir que o uso do autoatendimento aumen­
taria entre os usuários se os bancos oferecessem mais
funcionalidades e operações.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009
•Recebido em: 04/06/2009
•Aprovado em: 21/07/2009
| 85
Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE PESQUISA (ABEP). Critério de classificação econômica do Brasil, 2008.
Disponível em: <http://www.abep.org/codigosguias/Criterio_Brasil_2008.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2008.
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Dados sobre a evolução do Sistema Financeiro: Julho 2008. Brasília, 2008. Disponível em:
<http://www.bcb.gov.br/?QEVSFN200807>. Acesso em: 30 ago. 2008.
BANCO DO BRASIL. Auto-atendimento BB pelo celular. Disponível em: <http://www.bb.com.br/portalbb/
page22,101,2298,0,0,1,1.bb?codigoNoticia=2612&codigoMenu=161>. Acesso em: 21 set. 2008.
BUENO, G. S. et al. Gestão estratégica do conhecimento. Revista FAE, Curitiba, v.7, n.1, p.89-102, jan./jun. 2004. Disponível em:
<http://www.fae.edu/publicacoes/pdf/revista_da_fae/fae_v7_n1/rev_fae_v7_n1_07_giovatan.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2008.
COSTA FILHO, B. A. Automação bancária: uma análise sob a ótica do cliente. In: ENCONTRO DA ANPAD, 21., 1997,
Rio das Pedras. Anais... Rio das Pedras, 1997.
DRUCKER, P. F. Inovação e espírito empreendedor. São Paulo: Pioneira, 1986.
DUARTE, J. C. Marketing de relacionamento: uma estratégia para a fidelidade do cliente numa agência bancária. 2003.
102p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003.
FEBRABAN. Pesquisa do setor bancário em números: setembro/2008. Disponível em: <http://www.febraban.org.br/
portaldeinformacoes/FRProjetos.asp?id_grupo=760&id_pastaMA=52&id_assuntoMA=186%20&id_assuntoME=0&id_
assunto=186&id_item=0>. Acesso em: 05 jun. 2008.
FERRY, S. Filas nos bancos: é possível atender à legislação? Relatório bancário, jul. 2008. Disponível em: <http://www.
relatoriobancario.com.br/noticias/noticias_sergioferry.html>. Acesso em: 10 ago. 2008.
FERRARI, M. A. R.; PAULA, T. H. P. Inovação tecnológica e dinâmica econômica: uma síntese de algumas contribuições
evolucionistas. Revista de Economia UFPR, Curitiba, v.25, n.23, p.139-157, mar. 1999.
FREEMAN, C.; PEREZ, C. Structural crises of adjustment: business cycles and investment behavior. In: DOSI, G. et al.
Technical change and economic theory. Londres: Pinter, 1988. p.38-66.
GRISCI, C. L. I.; BESSI, V. G. Modos de trabalhar e de ser na reestruturação bancária. Revista Sociologias, Porto Alegre,
v.6, n.12, p.160-200, jul./dez. 2004.
GUNTZEL, J. B. Análise das dificuldades manifestadas pelo cliente na utilização do auto atendimento bancário.
2003. 102p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Universidade de Santa Catarina, Florianópolis, 2003.
KOTLER, P. Administração de marketing: a edição do novo milênio. São Paulo: Prentice Hall, 2000.
LA ROVÉRE, R. L. Paradigmas e trajetórias tecnológicas. In: PELAEZ, V.; SMRECZÁNYI, T. Economia da inovação tecnológica.
São Paulo: Hucitec, 2006. p.285-301.
MOLINA, W. S. L. A reestruturação do sistema bancário brasileiro nos anos 90: menos concorrência e mais competitividade?
Intellectus: revista acadêmica digital das Faculdades UNOPEC, São Paulo, v.2, n.3, p.76-95, ago./dez. 2004. Disponível em:
<http://www.unopec.com.br/revistaintellectus/_Arquivos/Ago_Dez_04/PDF/texto.wagner.pdf>. Acesso em: 8 fev. 2008.
MOTA, M. O.; FREITAS, A. A. F.; SILVA, P. G. Marketing de relacionamento aplicado às instituições bancárias: um estudo
em um banco de varejo para clientes com alto desempenho financeiro. Fortaleza. Outubro, 2006. Disponível em:
<http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2006_TR460317_7374.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2008.
NEVES, J. A. D.; PEREIRA, M. N. M.; MOTA, M. O. Estratégias de auto-atendimento no serviço bancário: o caso da agência
Alfa. Revista Eletrônica do Mestrado de Administração da UNIMEP, Piracicaba v.4, n.2, maio/ago. 2006. Disponível em:
<http://www.unimep.br/fgn/ppgma/revistaadm/documents/MicrosoftWord-agencia-alfa_000.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2008.
ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. Manual de Oslo. Proposta de diretrizes
para coleta e interpretação de dados sobre inovações tecnológicas. Traduzido pela FINEP. Rio de Janeiro, 2004.
86 |
Revista da
FAE
PELAEZ, V.; SMRECZÁNYI, T. Economia da inovação tecnológica. São Paulo: Hucitec, 2006.
PESSALI, H. F.; FERNÁNDEZ, R. G. Inovação e teorias da firma. IN: PELAEZ, V.; SMRECZÁNYI, T. Economia da inovação
tecnológica. São Paulo: Hucitec, 2006. p. 302-332
PIRES, P. J.; COSTA FILHO, B. A. O Atendimento humano como suporte e incentivo ao uso do auto-atendimento em bancos.
Revista FAE, Curitiba, v.4, n.1, p.63-67, jan./abr. 2001.
PORTER, M. E. Vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Campus, 1995.
POSSAS, S. Concorrência e inovação. IN: PELAEZ, V.; SMRECZÁNYI, T. Economia da inovação tecnológica. São Paulo:
Hucitec, 2006.
SCHEUER, L. A qualidade do atendimento eletrônico em uma agência bancária segundo a percepção de seus clientes.
2001. 75p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001.
SCHWINGEL, C. J. A automação bancária e a satisfação do cliente do Banco do Brasil. 2001. 135p. Dissertação (Mestrado
em Administração) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001.
SILVA, R. P.; CARDOSO, B. L. O Auto-atendimento bancário e a satisfação dos Clientes. Revista InterAtividade, Andradina,
v.2, n.1, p.157-167, jan./jun. 2002.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009
| 87
Revista da
FAE
Análise da qualidade percebida em uma organização de serviço
Analysis of perceived quality in a service organization
Resumo
Nara Medianeira Stefano*
Leoni Pentiado Godoy**
O setor serviços destaca-se cada vez mais na economia mundial. Seu grande
desafio é oferecer serviços de qualidade aos clientes, que se tornam mais
exigentes e críticos em relação aos serviços recebidos. Este artigo tem por
objetivo avaliar a qualidade dos serviços prestados em uma empresa localizada
na região central do Rio Grande do Sul (RS), bem como identificar quais as
variáveis das dimensões da qualidade que superam as expectativas dos clientes.
Para a coleta dos dados foi elaborado um questionário adaptado do modelo
SERVQUAL, para mensurar o serviço percebido, no qual os clientes avaliaram
a qualidade dos serviços nas suas diversas dimensões de qualidade, através de
uma escala pré-estabelecida. Para análise dos dados, utilizou-se a ferramenta
Análise Fatorial e Modelo Gap (falhas). Os dados foram tratados através do
software Statística 7.0 e Excel. Os resultados mostraram que, no geral, a
empresa apresenta resultados satisfatórios na percepção dos clientes, porém
apresentando algumas oportunidades de melhoria.
Palavras-chave: serviços; análise fatorial; gap; qualidade.
Abstract
The services sector stands out more and more in global economy. Its biggest
challenge is to offer service of quality to customers, who have become more
demanding and critical in relation to the delivered service. This study has the
aim of evaluating the quality of the service provided in a company located in
the central region of Rio Grande do Sul (RS), as well as identifying which are
the variables of the quality dimensions that overcome customer expectations.
For data collection was gathered by a questionnaire adapted from SERVQUAL
model for measuring the perceived service, in which customers evaluated
the quality of the service in its several quality dimensions, throughout a pre
established scale. The Factorial Analysis tool and the Gap Model (failures)
were used to analysis the data and the Statitica 7.0 and the Excel softwares
were used for processing it. The results showed that, in general, the company
presents satisfactory results in the customer perception; however, it presents
some opportunities for improvement.
Keywords: services; factorial analysis; gap; quality.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.89-98, jul./dez. 2009
* Mestre em Engenharia
de Produção (UFSM).
Pesquisadora do grupo
de Sistemas de Gestão
Empresarial da Universidade
Federal de Santa Maria. E-mail:
[email protected]
** Doutora em Engenharia de
Produção (UFSM). Professora
do Programa de PósGraduação de Engenharia de
Produção da Universidade
Federal de Santa Maria. E-mail:
[email protected]
| 89
Introdução
empresas de serviços possam monitorar a qualidade no
atendimento, e conhecer as necessidades e expectativas
O crescimento econômico está desencadeando
uma busca na melhoria de gestão do setor de serviços.
dos seus clientes, fazendo com que, as mesmas sobre­
vivam e prosperem no mercado.
A preocupação voltada unicamente para o aumento
da produtividade já não atende aos novos requisitos
do panorama competitivo. Paralelamente, as empresas
1 Qualidade em serviços
procuram racionalizar o investimento em atividades de
controle e melhoria da qualidade, de modo a garantir
uma relação custo/benefício favorável, uma vez que a
análise dos fatores que contribuem para a manutenção e
conquista do mercado se torna imprescindível. Os serviços
apresentam grande participação na economia brasileira,
os dados do Anuário Estatístico, publicado pelo Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC
(2007) mostram que a participação do setor serviços tem
ultrapassado 50% nos últimos quinze anos.
Em serviços, a avaliação da qualidade surge ao longo
do processo de prestação. Cada contato com o cliente
é referido como sendo um momento da verdade, uma
oportunidade de satisfazer ou não o cliente. A satisfação
do cliente com a qualidade do serviço pode ser mensurada
pela comparação da percepção do serviço prestado com
as expectativas do serviço desejado (PARASURAMAN,
2004; PARASURAMAN; BERRY; ZEITHAML, 1985, 1988).
As definições de qualidade em serviço, normalmente,
Na prestação de serviços encontram-se oportuni­
focam o encontro das necessidades e requisitos dos
dades para a obtenção de vantagens competitivas.
clientes e, também, como o serviço prestado alcança as
Estas operações são divididas em duas partes: a que
expectativas dos clientes.
tem contato com o cliente e outra que não tem, esta
vantagem competitiva pode estar relacionada à qualidade
do serviço prestado e ao seu processo de fornecimento
(RASILA; GERSBERG, 2007). Ter competitividade significa
ser capaz de minimizar as ameaças de novas empresas,
Zeithaml e Bitner (2003) atribuem a qualidade de
serviços, a discrepância que existe entre as expectativas
(importância) e as percepções (qualidade percebida)
do cliente com relação a um serviço experimentado.
Desta forma, a percepção da satisfação dos clientes
vencer a rivalidade imposta por concorrentes, ganhar e
com a qualidade dos serviços recebidos é diretamente
manter fatias de mercado, reduzir o poder de barganha
proporcional com a possibilidade da falha de suas
de fornecedores e consumidores.
expectativas. Logo, quando o prestador de serviços
Os desejos e exigências dos clientes sofrem cons­
compreender como estes serão avaliados pelos clientes
tantes modificações. Por essa razão os serviços devem
será, então, possível saber como gerenciar essas
ser constantemente avaliados (SCHMENNER, 2004).
avaliações e como influenciá-las na direção desejada.
Assim, considera-se a qualidade dos serviços um fator
Nesse sentido, o resultado pode alcançar três
fundamental para a manutenção e aumento da compe­
situa­­ções: o serviço prestado excede a expectativa
titividade. Este artigo tem como objetivo avaliar a
do cliente, sendo que, este percebe uma qualidade
qualidade dos serviços prestados, através da análise
excepcional; e, quando o serviço prestado fica aquém
fato­rial, em uma empresa localizada na região central do
das expectativas, a qualidade do serviço é inaceitável;
RS, bem como identificar quais variáveis das dimensões
e, se as expectativas são plenamente correspondidas
da qualidade superam as expectativas na ótica dos
pela prestação de serviço, a qualidade é considerada
clientes externos.
satisfatória. Entender as expectativas do consumidor
Justificativa-se a importância e a relevância deste
é o ponto central (VINAGRE; NEVES, 2008) para o
estudo, no âmbito empresarial, pelo fato de que as
entendimento da satisfação. O cliente satisfeito retor­
90 |
Revista da
FAE
na e divulga a empresa aos amigos e familiares. O
de reduzir a dimensão dos dados e possibilitar seu
cliente insatisfeito divulga o fato a tantas pessoas que
agrupamento em fatores, de acordo com seu compor­
encontrar, pois ele deseja expor a situação desagradável
tamento, sem perda de informação (HAIR et al., 2005).
que vivenciou. Assim, a propagação desta experiência
A análise fatorial parte da estrutura de dependência
negativa alcança maior número de pessoas, gerando
existente entre as variáveis de inte­resse (em geral repre­
resultados negativos para a empresa.
sentada pelas correlações ou covariâncias entre elas),
A qualidade dos serviços prestados proporciona
um fator positivo (TSAI; LU, 2005) na continuidade
do consumo, principalmente, quando se estreitam as
relações de intangibilidade entre qualidade e serviços.
A garantia e a confiança originadas pelas experiências
anteriores são itens fundamentais para determinar a
qualidade percebida pelos clientes. Ainda, conforme os
autores, a excelente qualidade dos serviços pode criar
uma vantagem competitiva, importante para a empresa
em sua relação com os clientes. A vantagem competitiva
(Porter, 1999) surge fundamentalmente do valor que
uma empresa consegue criar para seus compradores e
que ultrapassa o custo de fabricação.
Na atualidade, os consumidores de serviço bus­
cam menores preços, serviços personalizados e com
qualidade. Futuramente, essas exigências tenderão a
serem maiores e mais específicas, devido às exigências
do mundo globalizado, onde a concorrência torna-se
cada vez mais acirrada e ao mesmo tempo real e virtual,
exigindo a criação de serviços que fidelizem os clientes
(STEFANO et al., 2007).
permitindo a criação de um conjunto menor (variáveis
latentes, ou fatores) obtidas como função das originais.
É possível, também, saber o quanto cada fator está
associado a cada variável e o quanto o conjunto de fatores
explica da variabilidade geral dos dados originais.
Aplica-se este tipo de análise (LASH; JANKER, 2005),
frequentemente, quando estamos interessados no com­
por­tamento de uma variável ou grupos de variáveis em
co-variação com outras. A análise fatorial é uma técnica
de análise multivariada que tem como objetivo examinar
a interdependência entre variáveis e a sua principal
característica é a capacidade de redução de dados.
A extração dos fatores pode ser realizada por
meio do modelo de Análise de Componentes Prin­ci­
pais (ACP). É um método estatístico multivariado que
permite transformar um conjunto de variáveis iniciais
correlacionadas entre si, num outro conjunto de variá­
veis não-correlacionadas (ortogonais), as chamadas
com­ponentes principais, que resultam de combinações
lineares do conjunto inicial (HAIR et al., 2005). Realiza­da
a solução fatorial devem ser examinadas todas as
variáveis destacadas em cada fator e nomear um
Portanto, a mensuração da qualidade em serviços
“rótulo” que melhor o represente. Variáveis com maior
está diretamente relacionada ao grau de satisfação do
carga fatorial são consideradas de maior importância e
cliente. Assim, os conceitos de satisfação e qualidade
devem influenciar mais sobre o “rótulo” do fator.
percebida são distintos. A qualidade percebida é uma
avaliação global do serviço relacionada à superioridade
do serviço, enquanto, a satisfação está relacionada a
uma transação especifica, isto é, a qualidade num
3 Metodologia
determinado momento ou etapa do serviço.
O presente artigo é de natureza descritiva e tem
como base a pesquisa quantitativa. A coleta de dados
2 Análise fatorial
foi realizada através da aplicação de questionário.
Foi adaptada da Escala SERVQUAL e então passou a
basear-se nas seguintes dimensões da qualidade: tangi­
A análise fatorial tenta identificar um conjunto
menor de variáveis hipotéticas (fatores), com o objetivo
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.89-98, jul./dez. 2009
bilidade, fiabilidade, receptividade, garantia e empatia,
conforme o quadro 1.
| 91
As questões utilizadas para a análise fatorial foram
QUADRO 01 - DIMENSÕES DA QUALIDADE UTILIZADAS NA PESQUISA
Dimensões
Descrição
estruturadas com base no modelo de escala de Likert,
Tangibilidade
Aparência das instalações físicas, equipamentos,
pessoas e materiais de comunicação
onde havia cinco opções, as quais variavam de 1 a 5,
Fiabilidade
Habilidade de realizar o serviço prometido de forma
confiável e segura
sendo 1 o ponto de menor e 5 o de maior importância.
Receptividade
Disposição para ajudar o usuário e fornecer um serviço com rapidez de resposta e presteza
Garantia
Conhecimento e cortesia do funcionário e sua habilidade em transmitir segurança
Empatia
Fornecimento de atenção individualizada aos clientes,
facilidade de contato e comunicação
FONTE: Adaptado de Parasuraman, Berry e Zeithaml (1985)
Primeiramente, os clientes responderam a respeito
do Serviço Ideal: (1) sem importância; (2) pouco
importante; (3) indiferente; (4) muito importante;
(5) extremamente importante; e, posteriormente, o
Serviço Percebido: (1) ruim; (2) regular; (3) indiferente;
(4) muito bom; (5) excelente.
No questionário foram utilizadas vinte (20) ques­
Foi definido o tamanho da amostra (equação 1) a
tões aplicadas aos clientes externos, como pode ser
ser utilizada na pesquisa. A fórmula é mostrada a seguir
visualizado no quadro 2.
(LOPES, 2008), com distribuição normal: Z2 α/2 = 1,96;
QUADRO 02 - ITENS QUE COMPUSERAM O QUESTIONÁRIO DA PESQUISA
Abreviatura
p = 0,9; q = 0,1; e N= 4950 ao nível de significância de
Avaliação da empresa em relação a:
5%, a amostra mínima é de 35 entrevistados, de acordo
DIMENSÃO TANGIBILIDADE
como a tabela 1. Portanto, foram aplicados cem (100)
INSCONF
A empresa possui instalações confortáveis e atraentes
EQPMODER
Possui equipamentos modernos
BOAAPRES
Os funcionários apresentam boa apresentação
MATPROM
Os materiais promocionais (cartazes, folders etc.)
são agradáveis e de fácil visualização
questionários aos clientes.
n=
DIMENSÃO FIABILIDADE
CUMPRAZ
Quando a empresa promete fazer algo num determinando
prazo cumpre as suas promessas
PROBLRESOL
Quando você tem um problema os funcionários mostram
sincero interesse em resolvê-lo
AULTEOR
As aulas teóricas e práticas são ministradas e preparadas
cuidadosamente
PROCECORR
A empresa realiza corretamente os procedimentos desde a
primeira vez
DIMENSÃO RECEPTIVIDADE
Z2 α/2 • p • q • N
(1)
e2 (N – 1) + Z2 α/2 • p • q
Onde: Z: valor tabelado (distribuição normal padrão)
p: percentual estimado
q= (1-p): Complemento de p
RESPRAP
Você é prontamente atendido
e: erro amostral
BOMATEND
Os funcionários demonstram boa vontade em atender os
clientes
N: população amostral
DISPON
Os funcionários estão sempre disponíveis para prestar
informações
α: nível de significância
SOLUCIMED
Os funcionários buscam soluções imediatas para os problemas dos clientes
TABELA 01 - AMOSTRA MÍNIMA (N) EM FUNÇÃO DO ERRO (E)
DIMENSÃO GARANTIA
O comportamento dos funcionários da empresa gera
confiança nos clientes
e
n
e
n
e
n
COMPCONF
1%
2037
2%
737
2,5%
499
SEGUR
Como cliente, sinto-me seguro ao chegar à empresa
3%
358
4%
208
5%
136
EDUCCORT
Os funcionários são educados e corteses com os clientes
6%
95
7%
71
10%
35
COMP
Em sua opinião os funcionários têm competência para
responder as suas dúvidas
DIMENSÃO EMPATIA
ATENDPERS
Você recebe um atendimento personalizado
ATENÇNESS
A empresa tem funcionários que proporcionam atenção
adequada às suas necessidades
HORFUNC
Em sua opinião, a empresa possui um horário de funcionamento conveniente
SERQUALI
Para você, a empresa está atenta para oferecer o melhor
serviço para o cliente
FONTE: Adaptado de Parasuraman, Berry e Zeithaml (1988)
92 |
FONTE: Lopes (2008)
Na análise dos resultados, foi utilizada a técnica de
análise fatorial (MALHOTRA, 2001), para tanto, deve ser
utilizada a aplicação da rotação nos fatores, para facilitar
o entendimento dos mesmos. Na presente pesquisa
utilizou-se a Rotação Varimax (HAIR et al., 2005), com
o intuito de maximar o peso de cada variável dentro
Revista da
de cada fator e como critério de extração foi definido
autovalor maior que 1.
FAE
TABELA 02 - GRAU DE ESCOLARIDADE: CLIENTES E GERENTES
Grau de
Escolaridade
Clientes
Percentagem
24%
A mensuração da adequação da aplicação da aná­
1°
Frequência
24
lise fatorial para um determinado conjunto de dados
2°
57
57%
foi realizada através de dois testes: Kaiser-Meyer-Olkin
3°
Total
19
100
19%
100%
(KMO) e de Esfericidade de Bartlett. O KMO apresenta
FONTE: Os autores (2008)
valores normalizados (entre 0 e 1,0) e mostra qual é
a proporção da variância que as variáveis (questões
do instrumento utilizado) apresentam em comum
ou a proporção que são devidas a fatores comuns;
em outras palavras, significa se a análise fatorial é
apropriada ou não.
4.2 Análise fatorial para o serviço percebido
Fez-se necessário testar a consistência interna entre
as vinte variáveis. Este procedimento foi feito por meio
do Alpha de Cronbach, o qual apresentou um valor geral
O teste de Esfericidade de Bartlett é baseado na
igual a 0,9367. Um valor de pelo menos 0,70 (variam
distribuição estatística de chi-quadrado e testa a hipótese
entre 0 a 1) reflete uma fidedignidade aceitável (HAIR
(nula H0), onde a matriz de correlação é uma matriz
et al., 2005), embora este valor não seja um padrão
identidade (cuja diagonal é 1,0, as demais são iguais
absoluto. Os autores esclarecem, ainda, que valores
a zero), ou seja, não há correlação entre as variáveis
Alpha de Cronbach inferiores a 0,70 são aceitos se a
(PEREIRA, 2001). Valores de significância maiores de
pesquisa for de natureza exploratória. Enquanto para
0,100 indicam que os dados não são adequados para
Malhotra (2001), o valor de corte a ser considerado é
o tratamento de análise fatorial e a hipótese dever ser
0,60, isto é, abaixo desse valor o autor considera que a
aceita. Porém, valores menores que o indicado permitem
fidedignidade é insatisfatória.
rejeitar a hipótese nula.
Na tabela 3, agruparam-se as variáveis pesquisadas
Quanto ao teste de Esfericidade de Bartlett, este
em grupos, denominados fatores, os quais descrevem
visa identificar se a correlação entre as variáveis é
a percepção dos clientes externos acerca de itens rela­
significativa, a ponto de apenas alguns fatores poderem
cionados aos serviços prestados pela empresa. A partir
representar grande parte da variabilidade dos dados.
da geração da fatorial, quatro fatores foram obtidos
Caso esse nível de significância seja próximo de zero,
com autovalor superior a 1 (critério da raiz latente).
então, a aplicação da análise fatorial é adequada.
Os quatro fatores equivalem a uma explicação de
65,67% (variância acumulada), aproximadamente, da
variabilidade total dos dados. Na análise por meio do
4 Análise dos Resultados
teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), foi encontrado um
valor de 0,863, indicando adequação dos dados para
análise, pois de acordo com Hair et al. (2005), valores
4.1 Análise das variáveis demográficas
mais próximos de 1 indicam adequação da mostra
para análise.
A maioria dos clientes participantes da pesquisa,
No teste de esfericidade de Bartlett, obteve-se com
ou seja, 64%, são do sexo masculino, e 36% feminino.
a aproximação chi-quadrado um valor de 1103,06, com
Dos 100 clientes entrevistados, 57% possuem o ensino
190 graus de liberdade e nível de significância 0,01,
médio (2° grau), 24% o ensino fundamental (1° grau) e
assim rejeitando-se a hipótese nula de que a matriz
19% superior (3° grau).
de correlação é uma matriz identidade. A tabela 3,
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.89-98, jul./dez. 2009
| 93
também, mostra o valor da comunalidade para cada
avaliação da relevância de cada variável na formação de
variável. Comunalidade é a quantia total de variância
cada fator. Somente o fator 1, como mostra a figura 1,
que uma variável original compartilha com todas as
contribui com 38,39% da variabilidade total dos dados,
outras análises (HAIR et al., 2005). As comunalidades
sendo assim, o de maior importância na análise, e encontra-
variam entre 0 e 1, sendo 0 quando os fatores comuns
se representado no eixo das abscissas. O fator 1 mostra com
não explicam nenhuma variância da variável e 1 quando
maior representatividade a variá­vel BOAAPRES com carga
explicam toda a sua variância.
fatorial de 0,8643. Essa variá­vel questiona a respeito da
boa apresentação dos funcionários. Destacam-se, ainda, as
TABELA 03 - CARGAS FATORIAIS, AUTOVALORES E VARIÂNCIA ACUMU­-
variáveis EQPMODER (se a em­presa possui equipamentos
modernos) com carga fatorial igual a 0,7871, INSCONF
LADA APÓS A ROTAÇÃO VARIMAX NORMALIZADA
Abreviatura
Fator 1
Fator 2
Fator 3
Fator 4
Comunalidade
(esta variável questionou se a empresa possui instalações
confortáveis e atraentes) com carga fatorial 0,7531 e
INSCONF
0,7531
0,0900
0,3185
0,1157
0,65747
EQPMODER
0,7871
0,1244
0,1580
-0,1313
0,66174
BOAAPRES
0,8643
0,1119
0,0994
0,0657
0,63509
MATPROM
0,7309
0,1750
0,2180
0,1950
0,58717
empresa) com carga fatorial igual a 0,7309. Portanto, o
CUMPRAZ
0,5433
0,1317
0,5166
0,1508
0,69619
fator 1 foi rotulado (HAIR et al., 2005) como “muito bom”
PROBLRESOL
0,3741
-0,0118
0,5678
0,3698
0,66774
na percepção dos clientes. Sendo que estas variáveis que
AULTEOR
0,5680
-0,0012
0,5525
0,3034
0,73545
PROCECORR
0,5322
0,0350
0,3182
0,5466
0,74526
compõem o fator referem-se à dimensão tangibilidade.
RESPRAP
0,0540
0,2201
0,7616
0,0201
0,71883
FIGURA 01 - REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO FATOR 1 VERSUS
BOMATEND
0,3767
0,3017
0,6024
-0,2945
0,69168
DISPON
0,2628
0,1669
0,7780
0,0644
0,73547
SOLUCIMED
0,3850
0,0950
0,6367
0,2910
0,80892
COMPCONF
0,0384
0,6653
0,2112
0,5056
0,77456
SEGUR
0,0352
0,5860
0,2482
0,4136
0,62176
EDUCCORT
0,1598
0,5842
0,0874
0,4782
0,67821
COMP
0,0847
0,6040
-0,0071
0,5875
0,85890
ATENDPERS
0,1436
0,7058
0,1722
0,0259
0,57482
ATENÇNESS
0,2169
0,7884
-0,0284
-0,0729
0,68929
HORFUNC
0,1224
0,7209
0,0595
0,0527
0,67065
SERQUALI
-0,0643
0,7798
0,2243
0,0022
0,79603
7,6780
3,0450
1,2640
1,1470
38,390% 15,227%
6,321%
5,734%
Autovalores
(eigenvalues)
(%) de
variância
Autovalores
acumulados
Variância
Acumulada
7,6780 10,723% 12,988% 13,135%
38,390% 53,617% 59,939% 65,673%
FONTE: Os autores (2008)
Levando em conta o critério da significância esta­
tística, onde a significância da carga fatorial de­pen­de
do tamanho da amostra em estudo, admitiu-se um valor
mínimo de 0,5652 para cargas fatoriais significativas,
em uma amostra de 100 elementos.
MATPROM (relacionada aos materiais promocionais da
FATOR 2
FONTE: Os autores (2008)
Quanto ao fator 2, este explica 15,22% da varia­
bilidade total dos dados, apresentando com maior
destaque a variável ATENÇNESS (a empresa tem fun­
cionários que proporcionam atenção adequada às suas
necessidades), com carga fatorial igual a 0,7884. Neste
fator é importante destacar que todas as variáveis
com cargas significativas fazem parte das dimensões
garantia e empatia. Para Gianesi e Corrêa (2006),
As figuras 1 e 2 mostram os planos fatoriais entre
contribui para boa avaliação nesta dimensão a atenção
os fatores. A representação gráfica das dimensões
personalizada dispensada ao cliente, principalmente
laten­tes (LOPES; ZANELLA, 2007) possibilita uma melhor
quando o cliente percebe que os funcionários do
com­preensão do comportamento das variáveis e a
for­necedor do serviço o reconhecem. A cortesia dos
94 |
Revista da
funcionários também é um elemento importante para
criar uma boa percepção.
FAE
Quanto ao fator 4, que representa 5,73% da va­
ria­­­­bilidade total dos dados, está representado no
Gianese e Corrêa (2006), fazendo menção à dimen­
eixo das coordenadas. Observa-se que apenas uma
são da garantia, salientam que o cliente percebe certo
variável COMP apresenta significância e possui carga
grau de risco ao comprar um serviço por não poder
fatorial de 0,5875. Esta variável questiona a respeito da
avaliá-lo antes da compra. Esta percepção de risco varia
competência dos funcionários para responder as dúvidas
com a complexidade das necessidades do cliente e com
dos clientes. As demais variáveis estão próximas à ori­
o conhecimento que este tem do processo de prestação
gem das coordenadas, desta forma não influenciando
de serviço. Este critério se refere, à formação de uma
significamente na explicação do fator 4. A variável COMP
baixa percepção de risco no cliente e à habilidade de
está relacionada à dimensão garantia da qualidade.
transmitir confiança. Reduzir a percepção do risco do
cliente é condição fundamental para que ele se disponha
a comprar o serviço. Este critério será mais importante
quanto maior for o risco percebido pelo cliente e quanto
maior for o valor do serviço em jogo na prestação do
serviço, ou seja, se é a vida do cliente que está em jogo,
ele dará mais credibilidade à segurança
No plano fatorial mostrado na figura 2, observa-se
a representação do fator 3 versus o fator 4. No fator 3
encontra-se no eixo das abscissas e representa 6,32%
da variabilidade total dos dados. Onde a variável de
maior significância é DISP (os funcionários estão sempre
disponíveis para prestar informações) com carga fatorial
igual 0,7780, seguida pela variável RESPRAP (carga
fatorial 0,76 16) que questiona a respeito da prontidão
4.3 O modelo gap (falhas) para a análise do
serviço ideal
A próxima etapa deste estudo constituiu-se na
avaliação do nível de qualidade ideal dos serviços no
ponto de vista dos usuários. Foi utilizado o modelo gap
(falhas) para confrontar o Serviço Ideal e o Percebido. O
modelo de análise de gaps da qualidade desenvolvido
por Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985) é um dos
trabalhos mais consistentes produzidos para o setor de
serviços e é destinado à análise das fontes dos problemas
da qualidade para auxiliar as empresas prestadoras
de serviço a compreender como a qualidade pode ser
no atendimento. Ambas as variáveis da dimensão recep­
melhorada. Um gap positivo significa que os usuários
tividade. A variável PROBLRESOL, relacionada ao sincero
estão muito satisfeitos com os serviços entregues.
interesse do funcionário em resolver algum problema
que surge, apresentou significância de 0,5678.
FIGURA 02 - REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO FATOR 2 VERSUS
FATOR 3
O modelo dos gaps (Falhas) possibilita identificar as
“falhas” entre o Serviço Ideal e o Percebido pelos usuários:
gap 1 = discrepância entre expectativas dos usuários
e percepções dos gerentes sobre essas expec­tativas;
gap 2 = discrepância entre percepção dos gerentes das
expectativas dos usuários e especificação de qualidade
nos serviços; gap 3 = discrepância entre especificação de
qualidade nos serviços e serviços realmente oferecidos;
gap 4 = discrepância entre serviços oferecidos e aquilo
que é comunicado ao usuário; gap 5 = discrepância
entre o que o usuário espera receber e a percepção que
ele tem dos serviços oferecidos. Os primeiros quatro gaps
contribuem para o quinto, que é exatamente onde reside
o problema: expectativa do usuário versus percepção dos
serviços oferecidos. Assim, a quinta lacuna foi estabelecida
FONTE: Os autores (2008)
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.89-98, jul./dez. 2009
como uma função das quatro lacunas anteriores, isto é,
| 95
gap 5 = f (gap 1, gap 2, gap 3, gap 4); o gap 5 ocorre
e as médias do Percebido (P), fica evidente que, 75%
quando as expectativas não são superadas, quanto maior
das afirmações, as médias encontradas para o Ideal
esse valor mais insatisfeito estará o consumidor com
são superiores as do Percebido. Indicando a existência
relação ao serviço prestado. Para este artigo será analisado
de espaço para melhorias nas operações realizadas
o gap 5. A tabela 4 mostra a análise descritiva dos gaps
para o atendimento dos clientes na empresa. Pois, um
(falhas), média, desvio-padrão, coeficiente de variação.
cliente satisfeito (BENNET; BARKENSJO, 2005) é capaz
TABELA 04 - MÉDIAS, DESVIO PADRÃO, COEFICIENTES DE VARIAÇÃO
E GAP DAS ESCALAS DE EXPECTATIVA E DE PERCEPÇÃO
(CLIENTE EXTERNO)
Questões
Percebido
(P)
DP
(P)
CV %*
(P)
Ideal
(I)
DP
(I)
CV %
(I)
de retornar ao local de compra em vários momentos e
de expor positivamente a imagem da empresa em sua
cadeia de relacionamentos.
GAP 5
(P-I)
Estes gaps observados podem ser indicativos de
INSCONF
4,05
0,9031
0,2230
3,90 1,1591 0,2972
0,15
insatisfação dos clientes referentes às diferentes dimen­
EQPMODER
4,17
0,7792
0,1869
3,71 1,1128 0,3000
0,46
sões de avaliação do serviço prestado. Os maiores
BOAAPRES
4,24
0,8776
0,2070
4,13 0,9504 0,2301
0,11
MATPROM
4,48
0,7175
0,16015
4,40 0,9211 0,2093
0,08
gaps foram encontrados na dimensão receptividade
Tangibilidade
4,23
0,8193
0,1937
4,03 1,0358 0,2570
0,20
na variável, (os funcionários estão sempre disponíveis
CUMPRAZ
4,28
0,8175
0,1910
4,41 0,9857 0,2235
-0,13
para prestar informações – DISPON) e fiabilidade na
PROBLRESOL
4,32
0,8514
0,1971
4,37 0,9063 0,2073
-0,05
AULTEOR
4,24
0,9224
0,2175
4,40 0,9320 0,2118
-0,16
variável (as aulas teóricas e práticas são ministradas e
PROCECORR
4,31
0,8250
0,1914
4,35 0,9468 0,2176
-0,04
Fiabilidade
4,29
0,8541
0,1990
4,38 0,9427 0,2152
-0,09
Na visão de Zeithaml e Bitner (2003), algumas razões
RESPRAP
4,27
0,7895
0,1849
4,36 0,8589 0,1970
-0,09
BOMATEND
4,21
0,7006
0,1664
4,54 0,8810 0,1940
-0,33
contribuem para a existência do gap 5, são elas: falta de
DISPON
4,21
0,8563
0,2034
4,47 0,7714 0,1725
-0,26
SOLUCIMED
4,21
0,9022
0,2143
4,42 0,8549 0,1934
-0,21
uso inadequado dos resultados da pesquisa, deficiência
Receptividade
4,22
0,8121
0,1924
4,45 0,8415 0,1891
-0,23
na interação entre o gerenciamento e os clientes, comu­
COMPCONF
4,37
0,8722
0,1996
4,39 0,9309 0,2120
-0,02
SEGUR
4,36
0,8229
0,1987
4,41 0,8420 0,1909
-0,05
nicação inadequada, falta de comprometimento com
EDUCCORT
4,52
0,6739
0,1490
4,41 0,8299 0,1882
0,11
COMP
4,40
0,8288
0,1883
4,51 0,8348 0,1851
-0,11
tarefas, carência de ferramentas e tecnologia apropriadas,
Garantia
4,41
0,8000
0,1814
4,43 0,8594 0,1940
-0,02
deficiência no trabalho em equipe, comu­nicação inade­
ATENDPERS
4,23
0,7635
0,1804
4,24 0,8542 0,2014
-0,01
ATENÇNESS
4,15
0,9143
0,2203
4,32 0,8632 0,1998
-0,17
quada entre os diversos prestadores de serviço.
HORFUNC
4,25
0,8087
0,1903
4,32 0,8748 0,2020
-0,07
No geral, o desempenho dos serviços percebidos
SERQUALI
4,38
0,8138
0,1858
4,45 0,9303 0,2090
-0,7
se apresentou próximo ao nível ideal, embora havendo
Empatia
4,25
0,8251
0,1941
4,33 0,8806 0,2033
-0,08
espaços para a implantação de melhorias. Porém, cabe
FONTE: Os autores (2008)
Nota: E – Expectativa; P – Percepção; DP – Desvio Padrão;
CV – Coeficiente de Variação.
O CV é a razão entre o desvio-padrão e a média e está apre­
sentado como porcentagem (%). Se: Se CV: menor ou igual
a 15% – Baixa dispersão (homogênea, estável). Entre 15 e
30% – Média dispersão. Maior que 30% – Alta dispersão –
heterogênea.
Quanto aos coeficientes de variação encontrados
para os clientes, observar-se que, nas vinte questões,
tanto em termos do Serviço Ideal como para Percebido,
preparadas cuidadosamente – AULTEOR).
pesquisa sobre as percepções e expectativas dos clientes,
a qualidade de serviço, padronização inadequada das
destacar que o mercado no setor serviços está cada
vez mais competitivo, e as dimensões da qualidade
representadas pelos cinco gaps podem ser estratégias
competitivas para a empresa.
5 Propostas de melhoria para a
organização
obteve-se um percentual inferior a 30%, o que representa
que as médias são representativas para o conjunto de
Através dessa investigação possibilitou-se iden­
dados analisados, isto é, os valores são considerados
tificar a existência de fatores que podem ser melhorados,
satisfatórios. Comparando as médias do serviço Ideal (I)
com relação aos serviços prestados pela organização, no
96 |
Revista da
sentido de oferecer serviços de maior qualidade, estando
FAE
Considerações finais
pronta para atender às demandas dos clientes.
O presente artigo buscou mostrar a importância
5.1 Proposta 1: Tangibilidade
As sugestões são baseadas nos itens que foram con­
da qualidade em serviços, em uma empresa prestadora
de serviços, considerando as expectativas versus percep­
ções, por meio da análise e o Modelo Gap (falhas).
siderados essenciais pelos entrevistados, sugerindo-se:
O Modelo Gap possibilitou mensurar a diferença
rever as instalações físicas, tais como edifício, móveis,
entre o Serviço Percebido e o Ideal. Os resultados
equipamentos, veículos e outros, adequando ou substi­
deixam claro que, em alguns pontos, as expectativas
tuindo por outro, moderno, confortável e funcional.
não são excedidas, existindo necessidades de mudanças,
principalmente, no que tange à dimensão receptividade,
sendo um fator importante para o sucesso em ambientes
5.2 Proposta 2: Receptividade
Sugere-se: desenvolver aspectos organizacionais
para o cumprimento de prazos e compromisso com
o cliente e providenciar treinamento contínuo aos
instrutores para que possam estar sempre atualizados e
preparados para melhor compreender as necessidades
dos clientes.
de serviços.
Como forma de analisar os dados, utilizou-se a
análise fatorial. As variáveis foram agrupadas em quatro
fatores, possibilitando, assim, identificar as variáveis
de maior importância na percepção dos clientes: fator
1 = instalações confortáveis e atraentes, equipamentos
modernos, boa apresentação dos funcionários, mate­
riais promocionais e aulas teóricas ministradas e pre­
paradas cuidadosamente; fator 2 = comportamento
5.3 Proposta 3: Garantia
Utilizar técnicas de treinamento e relacionamento
interpessoal, criar mecanismos de feedback direcionados
à solução dos problemas relatados pelos clientes e rever
a forma de comunicação entre os departamentos, pois,
em algumas situações, a baixa qualidade percebida dos
serviços prestados se dá pela comunicação inadequada
entre departamentos, e não propriamente por uma
falha no serviço.
dos funcionários gera confiança, sinto-me seguro ao
chegar à empresa, educação e cortesia dos funcionários,
competência dos funcionários em responder às dúvidas,
atendimento personalizado, atenção às necessidades
dos clientes, horário de funcionamento e, a empresa
está atenta para oferecer o melhor serviço para o cliente;
fator 3 = unicamente a variável os funcionários estão
sempre disponíveis (prontidão na resposta) para prestar
informações; fator 4 = somente a variável competência
dos funcionários em responder às dúvidas.
Os resultados deixam claro que, em alguns
pontos, as expectativas não são excedidas, existindo
5.4 Proposta 4: Empatia
necessidades de mudanças, principalmente, no que
tange ao atendimento da empresa, sendo um fator
Definir os objetivos para a qualidade de serviços
importante para o sucesso em ambientes de ser­viços.
baseados em padrões orientados para os usuários,
Em vista disso, no setor de serviço, os clientes são peças-
implantar treinamento comportamental com todos os
chave para a vantagem compe­titiva; a organização não
envolvidos na prestação dos serviços: de forma que
deverá medir esforços para possibilitar aos funcionários
adquiram habilidades e capacitação para transmitir
treinamentos para supe­rar as expectativas e necessi­
atenção e empatia aos clientes –, rever o horário de
dades dos clientes. A partir dessas considerações, a
funcionamento.
empresa poderá investir na manutenção dos aspectos
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.89-98, jul./dez. 2009
| 97
considerados positivos e reavaliação dos procedimentos
das necessidades e expectativas dos seus clientes, fa­
para com os de aspectos conflitantes.
zendo com que as mesmas possam sobreviver e pros­
Por fim, evidencia-se neste artigo que é importante
para as organizações, principalmente para as empresas
de serviços, monitorarem a qualidade no atendimento
perar no mercado.
•Recebido em: 15/09/2009
•Aprovado em: 05/10/2009
Referências
BENNETT, R.; BARKENSJO, A. Relationship quality, relationship marketing and client perceptions of the levels of service quality
of charitable organizations. International Journal of Service Industry Management, Bradford, England, v.16, n.1,
p.81-106, jan.2005.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Secretaria do Desenvolvimento da Produção.
Anuário Estatístico. 2007. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/sitio/>. Acesso em: 10 mar. 2008.
GIANESI, I. G. N.; CORRÊA, H. L. Administração estratégica de serviços. São Paulo: Atlas, 2006.
HAIR, J. et al. Análise multivariada de dados. 5.ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.
LASCH, R; JANKER, C. G. Supplier selection and controlling using multivariate analysis. International Journal of Physical
Distribution & Logistics Management, Bradford, England, v.35, n.6, p.409-425, Jun. 2005.
LOPES, L. F. Estatística e qualidade & produtividade. Fórmula para cálculo da amostra. Disponível em: <http://www.
felipelopes.com/principal/principal.asp>. Acesso em: 09 abr. 2008.
LOPES, L. F. ZANELLA. A. Identificação de fatores que influenciam na qualidade do ensino de matemática, através da análise
fatorial. Revista Eletrônica Sistemas & Gestão, Niterói, v.2, n.2, p.162-174, jan./abr. 2007.
MALHOTRA, N. Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. 3.ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.
PARASURAMAN, A. Assessing and improving service performance for maximum impact: insights from a two-decade-long
research journey. Performance Measurement and Metrics, Bingley, UK, v.5, n.2, p.45-52, Apr. 2004.
PARASURAMAN, A.; BERRY, L. L.; ZEITHAML, V. A. A conceptual model of service quality and its implications for future
research. Journal of Marketing, New York, v.49, n.4, p.41-50, Fall 1985.
______. SERVQUAL. A multiple-item scale for measuring consumer perceptions of service quality. Journal of Retailing,
New York, v.64, n.1, p.12-40, Spring 1988.
PEREIRA, J. C. R. Análise de dados qualitativos: estratégias metodológicas para as ciências da saúde, humanas e sociais.
São Paulo: EDUSP, 2001.
PORTER, M. E. Estratégia competitiva: técnicas para análise da indústria e da concorrência. 8.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
RASILA, H. M.; GERSBERG, N. F. Service quality in outsourced facility maintenance services. Journal of Corporate Real Estate,
London, v.9, n.1, p.39-49, Jan./Apr. 2007.
SCHMENNER, R. W. Service businesses and productivity. Decision Sciences, Atlanta, v.35, n.3, p.333-347, Summer 2004.
STEFANO, N. et al. Utilização das dimensões da qualidade e escala Likert para medir a satisfação dos clientes de uma empresa
prestadora de serviços. In: ENCONTRO NACIONAL EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO – ENEGEP, 27., 2007, Foz do Iguaçu.
Anais… Foz do Iguaçu, 2007. 1 CD-ROM.
TSAI, H.; LU, I. The evaluation of service quality using generalized choquet integral. Information Science, New York, v.2, n.4,
p.26-38, mar. 2005.
VINAGRE, M. H; NEVES, J. The influence of service quality and patients’ emotions on satisfaction. International Journal of
Health Care Quality Assurance, Bingley, UK, v.21, n.1, p.87-103, Jan./Mar. 2008.
ZEITHAML, V. A.; BITNER, M. J. Marketing de serviços: a empresa com foco no cliente. 2.ed. Porto Alegre: Bookman, 2003.
98 |
Revista da
FAE
Avaliação de resultado financeiro e não financeiro na perspectiva
do consumidor: aplicação no varejo de serviço
Evaluation of financial and non-financial result in the perspective
of the consumer: applied to service retail
Resumo
Eliane Cristine Francisco Maffezzolli*
Paulo Henrique M. Prado**
O presente artigo se propõe a avaliar a relação de receitas financeiras e resultados não
financeiros da ótica do consumidor, considerando o contexto brasileiro de telefonia
celular. O estudo está apoiado nas teorias de relacionamento com o consumidor, com
foco na qualidade do relacionamento, tendo em vista a dinamicidade e o crescimento
do respectivo mercado. De acordo com os pressupostos teóricos, espera-se
maior rentabilidade de clientes satisfeitos e que tenham perspectiva de longo prazo
com o uso dos serviços da empresa. Para isto, avaliações não financeiras como
satisfação, comprometimento, confiança e lealdade, foram relacionadas com o
resultado financeiro de acordo com informações declaradas pelos respondentes sobre
o investimento mensal com o serviço de telefonia celular. Foram pesquisados 493
casos em caráter não-probabilístico entre clientes de 4 operadoras de telefonia celular.
Para a análise dos dados foi utilizada modelagem estrutural. O modelo de avaliação
de qualidade do relacionamento foi corroborado, embora a relação esperada entre
satisfação e lealdade com o retorno financeiro não tenha sido observada. Os resultados
encontrados sugerem avaliações específicas do setor, onde o comportamento do
usuário de telefonia celular não se mostra de forma linear. Os achados sugerem novas
perspectivas de análise de qualidade do relacionamento para clientes de mercados em
expansão que contam com vasta oferta entre concorrentes.
Palavras-chave: marketing; qualidade do relacionamento; resultado financeiro.
Abstract
The present study intends to evaluate the relationship between financial and
non-financial results in the perspective of the consumers in the Brazilian industry of
cellular phone. This study is based on the theories of consumer relationship, focused on
quality relationship, considered in the dynamics and growth of that market. Regarding
theoretical inferences a higher profitability of satisfied consumers who have long term
perspective by the use of the company service is expected. According to information
stated by the surveyed non-financial evaluations as satisfaction, commitment, trustiness
and loyalty were directly to financial results as key factors to their monthly expenditure
with cellular phone service. 493 cases were investigated applying non-probabilistic
character among clients from four different cell phone companies. The structural
equation was used for the data analyses. The model of the evaluation of the quality
relationship was confirmed, although the expected relation between satisfaction and
loyalty with financial result was not observed. The results founded suggest specific
evaluations about the cell phone industry where the consumer’s behavior is not linear.
The results suggest new perspectives to analyze the quality relationship for clients of
growing markets that present a large competitor offer.
Keywords: marketing; quality relationship; financial result.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009
* Doutoranda em Administração
de Empresas com ênfase
em Comportamento do
Consumidor e Estratégias de
Marketing (UFPR). Professora
no Centro Europeu e na FAE
Centro Universitário, onde
também é Coordenadora
dos cursos de Publicidade
e Propaganda e Desenho
Industrial. E-mail:
[email protected]
** Doutor em Administração de
Empresas (FGV-SP). Professor
de Marketing da UFPR.
E-mail: [email protected]
| 99
Introdução
considerando que o consumidor adquire uma linha e
tende a utilizá-la num período de médio e longo prazo,
A gestão da base de clientes e a relação desta com
os resultados financeiros da empresa é um ponto crítico
a ser estudado em empresas caracterizadas como varejo
de serviços. Afinal, tendo em vista que os consumidores
tendem a comportamentos diferenciados, por exemplo,
em razão dos serviços utilizados e da intensidade de
uso, também diferentes receitas são geradas deste
consumidor, além de distintas percepções como a ava­
liações sobre a satisfação e a lealdade do consumidor.
Comumente é aceito que um cliente satisfeito tende a ser
leal, e que tal situação acerca-se a um melhor rendimento
deste para a empresa. Como tais resultados podem ser
tratados de forma conjunta e gerar informações úteis
para a formulação estratégica de marketing?
Além desta necessidade prática, a relevância de
estudos e contribuições na área de produtividade de
marketing, e mais especificamente, em relações de
impacto de resultados não financeiros e financeiros é
ressaltada por autores como Guo e Jiraporn (2005),
Yeung e Ennew (2000), Calciu e Salermo (2002), Reinartz
e Kumar (2003) entre outros.
e (2) devido às características do setor, o qual revela
números de crescimento otimistas (150,6 milhões de
linhas ativas em dezembro de 2008) apesar da ins­
tabilidade entre os consumidores devido às taxas de
troca entre prestadoras deste serviço.
O contexto observado nas operadoras de telefonia
celular traz algumas questões relevantes a serem
refletidas como: qual resposta esperar do cliente em
razão dos serviços oferecidos? E desta avaliação, qual
resultado pode ser esperado sobre o mesmo, ou seja,
quais indicadores podem ser orientadores para uma
gestão eficiente da base de clientes?
Por fim, os objetivos que nortearam este artigo
foram: (1) verificar a relação entre os componentes da
Qua­lidade do Relacionamento (Satisfação, Confiança
e Comprometimento) sobre a Lealdade, (2) determinar
o modelo de cálculo para o resultado financeiro e (3)
examinar a influência dos componentes da Qualidade
do Relacionamento (Satisfação, Confiança e Compro­
metimento) e da Lealdade sobre o indicador de resultado
financeiro em um caso aplicado no varejo de serviços.
Para operacionalizar um estudo que ilustrasse tal
relação, optou-se por verificar na ótica do marketing
de rela­cio­namento, como a avaliação dos conceitos
1 Justificativa
de Qualidade do Relacionamento e de Lealdade (aqui
tratados como resultados não financeiros) estaria rela­
O mercado de telefonia celular tem apresentado
cionada com a receita gerada pelo cliente (LTR – Lifetime
mudanças significativas nos últimos anos, seja pelo
Revenue), aqui tratado como resultado financeiro. A
desenvolvimento tecnológico, aumento da concorrência
literatura referente ao conceito de Lealdade indica uma
ou pela mudança de comportamento de consumo. Em
possibilidade de impacto positivo e significativo destas
face destas alterações de mercado, o desenvolvimento
variáveis (REICHHELD; SASSER 1990; FORNELL, 1992).
de uma ferramenta gerencial que permita monitorar a
Desta forma, o presente artigo propôs uma adapta­
ção entre o modelo estrutural sugerido por Prado (2004)
performance não-financeira e seu impacto no valor da
carteira de clientes se torna relevante.
sobre a Qualidade no Relacionamento, e agregou uma
Mais especificamente no Brasil, segundo estatís­
variável de resultado financeiro representada pela receita
ticas da Teleco1 (2009), até dezembro, foram registrados
gerada pelo cliente. O contexto empírico utilizado foi o
de varejo de serviços de telefonia celular. Dois principais
motivos orientaram a escolha deste setor: (1) este
serviço é enquadrado sob a ótica de relacionamento,
100 |
1
A Teleco é um serviço virtual de informação em teleco­mu­
nicações que disponibiliza um panorama mundial da área,
seja por crescimento, perfil de concorrência no mercado,
entre outros.
Revista da
FAE
150,6 milhões de linhas ativas. Este número demonstra
o estudo empírico. Em seguida, é feita uma revisão
que no país houve uma variação de 24,5% superior
dos conceitos apresentados no modelo estrutural
ao ano de 2007. Além disto, o crescimento continua.
desenvolvido na operacionalização do estudo, bem
De acordo com dados do primeiro trimestre de 2009, já
como a dedução das hipóteses a serem testadas.
eram 153.7 milhões de linhas ativas.
Este cenário, de crescimento e expansão de merc­ado,
justifica ações de monitoramento entre o relacionamento
do cliente com a empresa e ações de manutenção com os
mais rentáveis. Ainda segundo informações divulgadas
na Teleco, visto que a ARPU2 dos usuários de pré-pago
chega, em algumas operadoras, a ser 7 vezes menor
que os de pós-pago, passou-se a dar maior ênfase à
aquisição e fidelização de usuários com maior consumo,
promovendo planos de controle intermediários entre o
pós e pré-pago. Neste sentido, o artigo proposto prevê
uma sistematização deste controle.
Sendo assim, o modelo proposto tem por objetivo
auxiliar na formulação das estratégias competitivas da
empresa, visto sua característica de reconhecer pontos
fortes e os de maior fragilidade na avaliação do serviço
pelo consumidor, além de mostrar a relação entre as
variáveis que compõem a Qualidade do Relacionamento
e a Lealdade no impacto das avaliações de percepção
2.1 Varejo de serviços
O varejo de serviços é definido como uma atividade
de prestação de serviços, onde o consumidor não adquire
a posse dos bens comprados, mas seus benefícios
(PARENTE, 2000). Segundo o mesmo autor, esta é uma
das atividades que tem demonstrado crescimento cada
vez maior na economia e na vida dos consumidores.
Kotler (2000, p.448) conceitua o serviço em si como
“qualquer ato ou desempenho, essencialmente intangível,
que uma parte pode oferecer a outra e que não resulta
na propriedade de nada. A execução de um serviço pode
estar ou não ligada a um produto concreto.”
Somadas a esta definição, o autor ressalta quatro
características, sendo elas, a intangibilidade, a insepa­
rabilidade, a varia­bilidade e a perecibilidade.
sob a rentabilidade do cliente. Em especial, esta ava­
Desta forma, o serviço ofertado pelas operadoras
liação sobre a Qualidade do Relacionamento se torna
de telefonia celular é caracterizado como um tipo
relevante na medida em que se compreende que as
de varejo de serviço. Apesar do contato com alguma
pesquisas de satisfação amplamente utilizadas por
lógica física para a aquisição de um aparelho e um
empresas como as de telefonia celular podem estar
número, após esta compra o consumidor passa a ter
sendo subutilizadas, já que este construto não é o único
um relacionamento direto com a operadora. É neste
indicador que pode afetar o desenvolvimento de uma
momento, por exemplo, que a conta do celular passa
relação de lealdade, e, por consequência, o crescimento
a ser debitada direto na conta do cliente, e este passa
das próprias empresas, na ótica do consumidor.
a contar com os serviços do site ou da central de
atendimento da operadora. Neste sentido, o estudo está
focado neste relacionamento do cliente diretamente
2 Revisão da literatura
A lógica desenvolvida para apresentar o tema
proposto no estudo contempla a uma breve contextua­
lização do setor de varejo de serviços escolhido para
com a sua operadora de serviço.
2.2 Contexto do varejo de serviços de
telefonia celular no Brasil
Face às mudanças do mercado de telefonia celular
2
Receita média mensal por cliente (e por operadora).
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009
brevemente já apresentadas, somam-se outros índices
| 101
de crescimento como a taxa de penetração domiciliar
trimestre deste ano, foi umas das duas empresas que
demonstra a inclusão que a telefonia celular está pro­
registraram ARPU maior que a média do Brasil. A TIM,
movendo sobre o uso deste tipo de serviço. São 24,5% a
embora tenha perdido espaço para Claro e Vivo nos
mais de 2007 para 2008. Dos 150,6 milhões de celulares
dois últimos anos, demonstra um resultado acima da
(dez/2008), 81,47% são pré-pagos.
média do Brasil no começo deste ano. A Brasil Telecom,
Entretanto, das operadoras ativas no Brasil , o
embora tenha se beneficiado às mudanças nas regras
market share das empresas foi, até o primeiro trimestre
de interconexão promovida pela Anatel em 2005, o que
de 2009, respectivamente: Telefônica/Vivo (29,7%),
promoveu a volta da cobrança integral dos minutos de
Oi/BrT (20,7%), Claro/Embratel/Net (25,8%), Tim (23,5%),
uso da rede, demonstra uma redução da rentabilidade
outros (0,3%). Destas, Vivo, TIM e Claro respondem por
da base de clientes nos dois últimos anos.
3
maior share desde 2008 e a Oi demonstra crescimento
acumulado desde 2007.
Com tais informações é possível perceber o potencial
de crescimento e a atratividade de investimento do
Apesar do crescimento e atratividade do setor,
setor de telefonia celular. Este é apenas um dos serviços
tais resultados podem ser compreendidos ao observar
prestados na área de telecomunicações e é tratado
detalhadamente o ARPU, onde a média de todas as
como foco deste artigo.
empresas ativas demonstrou, até o 1º trimestre de 2009,
o valor mensal de R$ 24,80 (vinte quatro reais e oitenta
centavos). No 1º trimestre de 2009, a Vivo apresentou o
maior ARPU, sendo R$ 27 (vinte e sete reais). Já o nível
mais baixo (R$ 21,9) foi da Oi, neste mesmo período. Esta
situação pode ser compreendida por uma estabilização
da Vivo no mercado, recuperando a liderança perdida
em 2006, e da entrada da Oi em novos mercados. A
Teleco ainda abre estes valores por empresa, conforme
mostra a tabela 1:
A Qualidade do Relacionamento é sugerida por
Henning-Thurau e Klee (1997) como o nível de adequa­
ção de um relacionamento em atender às necessidades
do indivíduo/cliente, integrando para isto os construtos
de confiança, comprometimento e qualidade enquanto
mediadores da satisfação e retenção do consumidor.
Prado (2004), seguindo a lógica de relação antecedenteconsequente entre satisfação e qualidade percebida,
TABELA 01 - ARPU POR EMPRESA*
EMPRESA
1T08
2T08
3T08
4T08
1T09
propôs uma adaptação na composição deste conceito,
VIVO
29,5
28,8
29,4
29,1
27,0
ficando este formado por três variáveis: a satisfação, a
CLARO
26,0
26,0
25,0
25,0
23,0
confiança e o comprometimento. Esta segunda com­
TIM
29,5
29,8
29,7
29,9
26,0
posição foi adotada neste estudo.
OI
21,7
22,0
21,4
22,7
21,9
Sendo assim, o construto Qualidade do Relacio­
BRT
29,8
29,2
28,8
28,6
24,0
namento é tratado como uma variável de segunda
ARPU BRASIL
27,5
27,3
27,1
27,2
24,8
FONTE: Adaptado de Teleco (2009)
* Não foram divulgados das outras empresas
É possível observar que a Vivo está em um processo
de recuperação saudável de mercado. No primeiro
3
2.3 Qualidade do relacionamento
A Teleco relaciona os grupos de operadoras, sendo elas:
Telefônica/Vivo, Oi/BrT, Claro/Embratel/Net, Tim.
102 |
ordem e a mensuração deste ocorre de forma individual
em cada variável latente que contempla o mesmo. Por
este motivo, são definidos os conceitos utilizados no
presente construto, sendo eles: Satisfação, Confiança e
Comprometimento.
A satisfação do consumidor é um construto am­
plamente estudado em marketing, desde a década de
1960 (OLIVER, 1981). O conceito comumente trabalhado
Revista da
FAE
entre autores da área trata da comparação (ou avaliação)
JOHNSON, 1999; GRÖNROOS, 1990). Complementando
subjetiva dos níveis esperados e recebidos da experiência
esta concepção, Morgan e Hunt (1994) argumentam
com o produto ou serviço (OLIVER, 1981; SOLOMON,
que esta dimensão existe num relacionamento quando
2002; ENGEL; BLACKWELL; MINARD, 2000), o qual está
uma parte acredita na integridade e responsabilidade do
relacionado ao paradigma da desconformidade.
respectivo parceiro de troca, e afirmam que a dinâmica
Este paradigma compreende que a resposta de sa­
global em que o mercado está imerso traz algumas
tis­fação ou insatisfação do indivíduo ocorre por meio de
premissas como: para ser um competidor eficaz, requer
comparação entre a expectativa e o desempenho. Caso a
que a empresa seja um cooperador confiável na rede de
primeira seja melhor avaliada, uma situação desfavorável
relacionamento.
é desencadeada. Já se o segundo for predominante,
Esta variável é então vista como um ingrediente
uma situação favorável será obtida. Ainda num terceiro
fundamental para o sucesso no relacionamento
momento, se expectativa e performance estiverem equi­
(GARBARINO; JOHNSON, 1999; DWYER; SCHURR; OH,
librados, o resultado será nulo (OLIVER, 1981).
1987; MORGAN; HUNT, 1994), e conforme proposto
Estas considerações implicam na forma como a
em outros estudos (SIDERSMUKH; SINGH; SABOL, 2002;
satisfação é utilizada no contexto a ser analisado. Para
PRADO, 2004) é um antecedente da lealdade. Uma
fins deste estudo, esta dimensão deve ser compreendida
das considerações feitas por esta relação é a redução
segundo a ideia de acumulação ou processo, de maneira
do risco percebido no relacionamento, seja o risco da
semelhante à concepção utilizada por Anderson, Fornell
indústria ou do relacionamento em si, conforme já previa
e Lehmann (1994, p.54), na qual os autores afirmam que
o estudo de Morgan e Hunt (1994) ao comentar sobre
“a satisfação cumulativa do consumidor é uma ampla
a redução de incerteza e comportamento oportunístico.
avaliação baseada em toda a experiência de consumo,
Neste contexto, é apresentada a hipótese 3, onde:
durante o tempo de relacionamento”.
Sendo assim, ao conceito cumulativo atribuído
à satisfação na ótica de relacionamento, soma-se o
H3: Quanto maior a Confiança, maior será a
Lealdade.
fato da composição previamente comentada sobre a
Qualidade do Relacionamento, e de forma similar ao
O comprometimento tem sido conceituado na lite­
proposto no estudo de Prado (2004), são testadas as
ratura como o desejo de continuar um relacionamento
relações deste construto com os outros dois, Confiança
e manter sua continuidade (WILSON, 1995), e tem sido
e Comprometimento, da seguinte forma:
usado como um bom indicador de relações duradouras
(noção de longo prazo) entre cliente e empresa
H1: Quanto maior a Satisfação, maior será a
(DWYER; SCHURR; OH, 1987). Esta variável é estudada
confiança no fornecedor de Serviço.
comumente em ambientes interorganizacionais e in­
H2: Quanto maior a Satisfação, maior será o
traor­ganizacionais (MAVONDO; RODRIGO, 2001).
comprometimento com o fornecedor de Serviço.
Outra definição atribuída a este construto se
refere ao comprometimento como uma crença de
Outro componente da Qualidade do Relacio­na­
que a troca entre parceiros num relacionamento é tão
mento, a Confiança, é tratada com grande importância
importante como garantir o máximo de esforço para
no marketing de relacionamento, visto que em sua
mantê-lo, ou seja, a parte comprometida acredita no
essência está implícita a noção de confidência e confia­
relacionamento com tempo de duração indefinida
bilidade entre parceiros numa relação (GARBARINO;
(MORGAN; HUNT, 1994).
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009
| 103
A relação entre confiança e comprometimento foi
Outra definição e classificação desta variável pode
delineada como relevante e positiva no estudo de Morgan
ser encontrada nos estudos de Oliver (1999), onde
e Hunt (1994). Segundo os autores, acredita-se que a
são contempladas seis possibilidades de relação entre
confiança é o maior determinante do comprometimento
a satisfação e a lealdade. Conforme proposto neste
do relacionamento. Como o estudo em questão trata de
estudo empírico, a satisfação é compreendida como um
um contexto altamente competitivo (desenvolvimento
elemento antecedente da lealdade, portanto, espera-se
tecnológico, concorrentes próximos em nível de con­
uma relação positiva e significativa na hipótese 6:
corrência, entre outros), espera-se que esta relação
além de ser positiva seja indício de fortalecimento na
H6: Quanto maior o índice de Satisfação, maior
lealdade para com o relacionamento. Desta forma, são
será a Lealdade.
apresentadas as hipóteses 4 e 5:
H4: Quanto maior a Confiança no fornecedor de
serviços, maior será o Comprometimento.
H5: Quanto maior o Comprometimento no forne­
cedor de serviços, maior será a Lealdade.
2.5 Resultado financeiro
A premissa utilizada inicialmente como resultado
financeiro partiu da perspectiva de atração e retenção
do consumidor trazida nos estudos de tempo de vida
rentável do consumidor. Sendo assim, um consumidor
2.4 Lealdade
Apesar de primeiramente ter sido analisada numa
ótica mais operacional, onde seu conceito estava
lucrativo é um consumidor cuja receita gerada du­
rante o relacionamento comercial excede os custos
destinados à atração e manutenção deste (CALCIU;
SALERMO, 2002).
associado a questão de re-compra de um determinado
A tentativa de associar investimentos da empresa
produto ou serviço (YI; JEON, 2003), Oliver (1999,
(com ênfase nas práticas de marketing) e retornos
p.35) atribui um significado mais profundo no que
obtidos é tratada de várias maneiras entre os autores.
tange o julgamento de melhor opção do consumidor
Berger e Nasr (1998) acreditam que o tempo de vida
pela empresa: “[...] para um consumidor se tornar
rentável do cliente é uma forma de quantificar o
leal, ele deve acreditar que uma empresa ou seu
rela­cionamento: “para saber se um relacionamento
serviço continua a oferecer a melhor alternativa a ser
é lucrativo ou não, a empresa deve ser capaz de
consumida”. Neste trecho, o autor também já deixa
quantificá-lo” (BERGER; NASR, 1998, p.27). O foco dos
um indício da necessidade antecedente de confiança e
modelos desenvolvidos pelos autores é determinar a
comprometimento com o relacionamento.
margem de contribuição líquida.
Ainda pode ser agregado ao conceito de lealdade
Já o modelo proposto por Ryals (2005), pode ser
um sentimento de adesão e afeição de uma pessoa
compreendido como a forma genérica de Receita menos
por uma empresa, produto ou serviço (JONES; SASSER,
Custos, sendo estes tanto históricos quanto projetados.
2005). Goodstein e Butz (1998) ressaltam ainda o
O índice resultante é considerado o valor do cliente.
caráter comportamental desta variável, de forma dis­
Desta forma, o estudo proposto buscou uma forma de
tinta à qualidade e à satisfação, que são conceitos
quantificar o tempo de relacionamento apoiado na receita
atitudinais.
gerada pelo cliente, ou seja o LTR – Lifetime Revenue.
104 |
Revista da
2.6 Qualidade do relacionamento, lealdade
e resultado financeiro
FAE
Este fato também desencadeia o efeito “boca a
boca” em que o cliente satisfeito ou não, mostrará
sua opinião em seu círculo de relacionamento.
Segundo Bolton (1998), nos anos 1990 houve uma
Todavia, a dificuldade de medida e relação destas
intensificação tanto na academia quanto nas empresas
variáveis financeiras e não-financeiras é presente na
em buscar formas de monitorar o desempenho finan­
literatura: “[...] claramente, um ponto para debate é
ceiro com o não-financeiro. Na revisão de literatura
a escolha de medidas de performance financeira dada
de Yeung e Ennew (2000), a relação entre satisfação e
as diferentes interpretações e significados destas
lucratividade é tida como “aceita” e são citados diversos
medidas” (YEUNG; ENNEW, 2000, p.315).
autores que comprovam esta relação: Reichheld e Sasser
(1990), Fornell (1992), Anderson e Sullivan (1993),
Taylor e Baker (1994) e Gurau e Ranchhod (2002).
Entretanto, os autores também concordam que são
necessários mais estudos que demonstrem a relação de
forma mais direta.
Desta forma, na sequência satisfação → lealdade
→ retenção está implícito que o argumento de maior
reflexo no impacto financeiro é a retenção, visto que
a relação entre Satisfação e Resultado finan­ceiro seria
provada através da redução de custo da empresa
2.7 Modelo proposto
Considerando os conceitos e as relações apre­
sentadas entre as variáveis utilizadas neste estudo,
é apresentado o modelo proposto na figura 1, o
qual procurou identificar o impacto da Qualidade do
Rela­cionamento e da Lealdade sobre o indicador de
Resultado Financeiro.
FIGURA 01 - MODELO DE ESTUDO PROPOSTO
(em investir em novos clientes). Sendo assim, na
Confiança
relação positiva esperada entre a lealdade e o retorno
financeiro pode ser observada a última hipótese em
H1
H4
H3
estudo:
Satisfação
H6
Lealdade
H7: Quanto maior o nível de Lealdade, maior será o
H2
índice Resultado Financeiro do consumidor.
H7
Resultado
Financeiro
H5
Comprometimento
Segundo Guo e Jiraporn (2005), a lealdade
Qualidade do Relacionamento
pode ser compreendida como mediadora entre a
satisfação e a lucratividade. Outras relações ainda
FONTE: Os autores (1999)
são esperadas entre os clientes satisfeitos, como
Para operacionalizar a mensuração das variá­veis
a redução da elasticidade de preço (ANDERSON,
propostas no modelo, foram adaptadas do estudo
1996). No entanto, Zeithaml, Berry e Parasuraman
de Prado (2004) as escalas de Satisfação (4 itens),
(1996) argumentam que esta “não sensibilidade
Confiança (7 itens), Comprometimento (9 itens) e
a preço” pode estar presente apenas em alguns
Lealdade (6 itens). Para a mensuração do indicador
contextos. Outro fator considerado como efeito
de resultado financeiro, foi sugerida uma adequação
positivo da satisfação dos clientes é a percepção
ao modelo proposto por Ryals (2005), considerando
favorável da empresa/produto na mídia, tornando
as informações disponíveis para a realização do
seus investimentos em propaganda mais efetivos.
cálculo.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009
| 105
3 Metodologia
da área de telefonia celular, 3 pesquisadores e 3
usuários. Após as considerações de cada avaliador
Este artigo se refere a um survey de caráter cross
sectional (MALHOTRA, 2001). A dimensão da pesquisa
foram realizados os ajustes necessários para a fase
seguinte.
é traçada como quantitativo-descritiva e o método
O processo de análise de resultados foi submetido
apli­cado trata-se de um hipotético-dedutivo (GILL;
a quatro principais etapas: (1) preparação da base, onde
JOHNSON, 1997). O consumidor representa a unidade
foram verificadas a estatística descritiva univariada e
de análise do estudo.
multivariada, como a conferência de médias, limites,
A população corresponde a todos os elementos
capazes de responder à investigação, por apresentarem
características semelhantes (MALHOTRA, 2001). Sendo
assim, homens e mulheres brasileiros, usuários de tele­
desvios padrão, curtose e assimetria, normalidade,
linea­­ridade e colinearidade; (2) verificação do modelo
de mensuração para a análise estrutural proposta, onde
foi verificado por meio de análise fatorial exploratória
fonia celular pré e pós paga foram contemplados neste
a consistência interna de cada dimensão, definida pelo
estudo. A conhecer, no Brasil, são 97,3 milhões de
Alfa de Cronbach, e a análise fatorial confirmatória para
telefones ativos, dentre os oito grupos de operadoras
estabelecer a validade convergente e discriminante de
existentes. Destes, aproximadamente 81% são caracte­
cada construto do modelo; (3) determinação do cálculo
rizados como pré-pagos. Como este estudo não teve a
do indicador de resultado financeiro; e (4) verificação
pretensão de analisar uma operadora, banda, tecnologia
do modelo estrutural proposto por meio de equações
utilizada ou área geográfica isoladamente, qualquer
estruturais.
usuário, independente do possível perfil mencionado
Desta forma, os resultados são apresentados na
acima poderia ser contemplado como integrante da
se­guin­te ordem: caracterização da amostra, breve
população do referido estudo.
descrição da preparação dos dados e verificação do
Para a viabilização do estudo, o procedimento
modelo para a mensuração proposta, sendo, por fim,
amos­tral utilizado foi caracterizado por não probabi­
apresentados com maior ênfase os resultados obtidos
lístico, tendo ainda sido utilizada a técnica amostral
com o modelo.
por conveniência, conforme definido por Malhotra
(2001). Para definir a quantidade de observações a
serem realizadas no estudo, foi considerado o mínimo
4 Resultados
necessário para o uso de equação estrutural (SEM),
ou seja, a técnica de análise a ser utilizada no estudo.
Numa situação de maior adequação, Hair et al. (2005)
menciona 10 observações por item. Este número seria,
no mínimo, 260.
4.1 Caracterização da amostra
Do total das 493 respostas válidas obtidas, 58%
(288) foram referentes a usuários de celular pré-pago e
A realização da pesquisa ocorreu em duas etapas:
42% (205) de usuários de celular pós-pago. A distribui-
a primeira buscou verificar a validade de conteúdo das
ção de gênero entre os tipos de celular ocorreu de for-
dimensões das variáveis propostas no modelo; a segunda
ma predominante significativa de mulheres entre os
contemplou o teste do modelo e hipóteses de estudo.
pré-pagos (T=48,808, p<0,001) e de homens entre os
A validação de conteúdo foi realizada por meio
do julgamento de 10 avaliadores, sendo 4 executivos
106 |
pós-pago (T=44,012, p<0,001). A tabela 2 resume esta
etapa de caracterização:
Revista da
dados foram obtidos considerando o relacionamento
TABELA 02 - CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA
Total
Casos válidos
Gênero
Critério
Brasil
Operadora
FAE
Pré
Pós
com a última, ou seja, a atual. A intenção de troca
493 (100%)
288 (58%)
205 (42%)
mencionada revelou que 69% do total já pensaram em
Homens
47%
42%
54%
trocar de operadora. Destes 308 respondentes, 55%
Mulheres
53%
58%
46%
trocaria possivelmente em menos de 6 meses e 37%
AeB
73%
73%
89%
CeD
27%
27%
11%
possivelmente em 1 ano.
Brasil Telecom
11% (54)
65%
35%
Claro
16% (78)
66%
33%
Tim
51% (253)
55%
45%
Vivo
22% (108)
56%
44%
Tempo de
Relacionamento
Valor de Recarga
(mensal)
4.2 Preparação dos dados e verificação do
modelo
49,2 meses
41,8 meses
59,6 meses
(dp=34,944) (dp=27,598) (dp=41,091)
R$ 76,50
R$ 25,00
R$ 128,00
(dp= 11,150) (dp= 91,348)
FONTE: Os autores (2009)
Não foram observadas diferenças significativas na
inspeção descritiva das avaliações dos construtos do
modelo entre usuários de pós e pré-pagos. Tal resultado
contribuiu para a verificação do modelo com o total da
Entre o total de respondentes, 53% foram mulheres
base, visto que o objetivo inicial não foi o de examinar
e 47% homens. A caracterização de poder de compra,
separadamente características como tipo do celular ou
segundo o critério Brasil, indicou 38% B2, 27% B1,
operadora.
26%C, 7% A2 e 1% D e 1% A1. Em relação à proporção
O resultado da análise fatorial confirmatória afir-
de operadoras existentes na base, 51% dos casos foram
mou o caráter unidimensional da Satisfação (Alfa de
Tim, 22% Vivo, 16% Claro e 11% Brasil Telecom. Entre
0,912) e da Lealdade (Alfa de 0,896). Já Confiança e
as operadoras houve maior concentração de pós-pagos
Comprometimento rejeitaram o caráter multidimensio-
na Tim e de pré-pagos na Claro. Esta informação
nal proposto e carregaram apenas uma única dimensão
ocorreu de forma proporcional à presença total de cada
com respectivos Alfas de 0,896 e 0,912. Os valores de
operadora na base.
confiabilidade desta mensuração estão na tabela 3.
Apesar de o desvio padrão demonstrar uma
grande variabilidade (e heterogeneidade) encontrada
na amostra pesquisada, o tempo de duração médio de
relacionamento com cada operadora foi de 49,2 meses
(dp=34,944). Sendo 41,8 (dp=27,598) entre pré-pagos
e 59,6 (dp=41,091) pós-pagos. Esta informação foi
perguntada diretamente ao cliente. Da mesma forma,
foi perguntado sobre o valor e tempo de recarga com o
objetivo de obter um valor médio de consumo. Sendo
assim, entre usuários de pré-pagos, na média o valor
mensal de contribuição foi de R$ 25,00 (dp=11,150).
Já entre os usuários de pós-pago foi de R$ 128,00
(dp=91,348).
TABELA 03 - INDICADORES DE CONFIABILIDADE E VALIDADE CONVER­GENTE
RESULTANTES DA ANÁLISE FATORIAL CONFIRMATÓRIA
Indicadores /
Construtos
Satisfação
ComproConfiança
metimento
Alfa de Cronbach
0,912
0,896
0,912 0,896
Confiabilidade
Composta
0,932
0,841
0,891
0,909
Variância Média
Extraída
0,775
0,629
0,672
0,770
Lealdade
FONTE: Os autores (2009)
Posterior a esta análise, dos 26 indicadores propos­
tos inicialmente, 14 foram mantidos com o melhor valor
de ajustamento do modelo. Foram também observados
os valores de confiabilidade composta (CONF), os
quais deveriam estar acima de 0,7 e de variância média
Sobre o histórico de uso, 56% dos 493 avaliadores
extraída (AVE), os quais deveriam estar acima de 0,5 (HAIR
já tiveram mais de uma operadora. Sendo assim, os
et al., 2005), como indicadores de validade convergente.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009
| 107
Os resultados obtidos foram considerados plausíveis
respectivamente: 6, 12, 24 e 36. Desta forma, o tempo
para a análise efetuada. A validade discriminante foi
foi tratado apenas como expectativa de permanência.
observada por meio da correlação das variáveis duas a
Com tais informações, o cálculo abaixo foi utili-
duas, sendo então observada a diferença entre o qui-
zado para gerar o indicador de resultado financeiro
quadrado livre e o fixo (1). Os valores aceitáveis deveriam
utilizado neste estudo:
ser inferiores a 3,5. Os resultados demonstraram que
não houve sobreposição de construtos. O mesmo
Resultado
Financeiro
procedimento foi observado em Moura (2005). Os
índices de ajustamento do modelo estrutural, consi­
derando ainda apenas as variáveis latentes, foi aceitável
RH
Rf
(1+d)
(1+d)
Onde,
e satisfatório segundo Hair et al. (2005): X2 = 444,760,
RH = Receita histórica gerada
GL = 84, p<0,001, X2/GL = 5,295, NFI = 0,928, CFI =
RF = Receita futura gerada
0,941 e RMSEA = 0,09.
(1+d) = Taxa de desconto
tf = tempo histórico
4.3 Determinação do indicador de resultado
ti = tempo futuro projetado
financeiro
Para a determinação do indicador de resultado
finan­ceiro, frente às limitações encontradas em campo
4.4 Teste do modelo e hipóteses
(a impossibilidade de acesso aos históricos do cliente
O modelo estrutural foi testado com o uso de
diretamente na operadora), foi considerada apenas a
4 variáveis latentes e uma diretamente observável,
receita declarada pelo usuário nas condições apresen­
conforme já apresentado. O resultado das hipóteses
tadas na sequência.
testadas pode ser observado na tabela 4:
A determinação do valor de receita correspondeu
à soma do valor médio mensal histórico com a soma
do valor médio projetado (com base nas informações
de intenção de continuidade). Para o cálculo foram
TABELA 04 - COEFICIENTES PADRONIZADOS (PATHS) ESTIMADOS PARA
AS RELAÇÕES TEÓRICAS PROPOSTAS NO MODELO
Relação
Estrutural
utilizadas as fórmulas financeiras de valor futuro e valor
Status da
verificação
da hipótese
Coeficiente
Padronizado
Total
Pré-Pago Pós-Pago Hipótese
presente, respectivamente. A taxa de desconto utilizada
Satisfação → Confiança 0,694*
0,669*
0,724*
H1
Confirmada
foi a taxa de juros Selic (valor de dezembro de 2008
Satisfação → Comprometimento
0,334*
0,244*
0,518*
H2
Confirmada
Confiança → Lealdade
-0,020
-0,170
0,084
H3
Não-Confir­
mada
ao indicador proposto, no entanto, de acordo com
Confiança → Comprometimento
0,676*
0,761*
0,507*
H4
Confirmada
Gupta (2006), as operações com alto teor de comple­
Comprometimento →
Lealdade
0,986*
0,990*
0,995*
H5
Confirmada
Satisfação → Lealdade
-0,086
-0,075
-0,188
H6
Não-Confir­
mada
Lealdade → Resultado
-0,008
Financeiro
0,027
-0,078
H7
Não-Confir­
mada
= 1,12%) em ambos os casos (histórico e projeção).
É reconhecida a limitação que tais simplificações trazem
xidade, muitas vezes, inviabilizam o uso na prática.
Para determinar o tempo projetado de continui­
dade foi investigada a intenção declarada dos consumi­
dores em escala intervalar com 4 opções de resposta,
FONTE: Pesquisa de campo
da seguinte forma: (1) possivelmente menos de
* Resultados significativos a 0,001
6 meses, (2) possivelmente 1 ano, (3) possivelmente
O resultado do modelo apresentado trata da
2 anos, (4) possivelmente mais de 2 anos. Os valores
avaliação dos 493 casos observados. Embora não corres­
em meses considerados para fins do cálculo foram
pondesse diretamente ao objetivo do estudo, foram
108 |
Revista da
FAE
separados e testados os tipos de celular. Os resultados
Observando o peso das relações antecedentes do
obtidos confirmaram a mesma situação de confirmação
Comprometimento, construto com maior R², percebe-
e não-confirmação das hipóteses em estudo.
se que a Confiança (ß = 0,676; p<0,001) exerce maior
a) Análise da Qualidade do Relacionamento
influência que a Satisfação (ß = 0,334; p<0,001). Este
Sendo assim, as hipóteses 1, 2 e 4, as quais repli­
resultado demonstra que para fortalecer o compro­
cam a proposta de Prado (2004) sobre a Quali­dade
do Relacionamento, foram comprovadas. Garba­rino e
metimento dos usuários a Confiança é um antecedente
a ser considerado.
Johnson (1999) evidenciam a possível complementaridade
b) Relação entre Satisfação e Lealdade
entre tais variáveis, tornando plausível a relação posi­tiva
A hipótese 6, a qual relacionava a Satisfação com
e significativa entre Satisfação, Confiança e Compro­
a Lealdade, diferente de muitos estudos que relacionam
metimento.
tais variáveis, também não foi confirmada (ß=-0,086,
A hipótese 3, que previa uma relação positiva e
p=não significativo). Apesar de estudos como de
significativa entre a Confiança e a Lealdade, não foi
McDougall e Levesque (2000) e Hurley e Estelami
confirmada (ß=-0,020, p=-0,135). Para Oliver (1999),
(1998), os quais comprovaram empiricamente a relação
a continuidade da relação entre empresa e consumidor
positiva e significativa da satisfação em relação à
ocorre em partes pela crença de que a escolha é a mais
intenção de compra e continuidade do relacionamento,
adequada. Neste momento, a confiança na marca, na
sendo estes, indicadores da lealdade do individuo, é
empresa ou na imagem (por exemplo), seriam fortes
relevante mencionar que esta relação é encontrada na
indicadores para a lealdade à mesma. Esta relação, no
literatura de forma controversa. Alguns autores, como
entanto, rejeitada no ambiente de telefonia celular,
Jones e Sasser (2005), comentam sobre uma relação
pode ser compreendida pelo próprio contexto brasileiro,
não necessariamente linear deste relacionamento
se considerado alguns elementos como as altas taxas de
(satisfação→lealdade). Aliás, os autores comentam
reclamação entre todas as operadoras operantes no país.
que características ambientais como alto custo de troca,
A relação do Comprometimento com a Lealdade
vantagens promocionais e regulamentações gover­na­
(H5) foi confirmada (ß=0,986, p<0,001). Este resul­
mentais, são alguns fatores que estimulam a falsa lealdade
tado concorda com Gröonros (1990), ao afirmar a
e uma relação ‘fraca’ com a satisfação, visto que neste
importância deste construto na continuidade de um
contexto o tempo de relacionamento não é definido
relacionamento, e também com Oliver (1999) ao propor
unicamente pela escolha do usuário, mas por outras
a compreensão da lealdade por fases, onde, quanto
variáveis que oferecem conveniência ou certa limitação.
maior o comprometimento, maior a probabilidade
O coeficiente de determinação deste construto
de desencadear uma situação de lealdade afetiva ou
demonstra que o mesmo foi explicado em 80%. Este valor
conativa em lealdade de ação.
se refere basicamente ao impacto do comprometimento,
Além do teste de hipóteses, também foram obser­
o qual é desencadeado pelo julgamento de confiança e
vados os coeficientes de determinação dos cons­trutos
satisfação. Incentivos em relação ao estímulo do desejo
(R²), para verificar a performance de explicação de
de continuidade do relacionamento (Instrumental), à
cada variável utilizada. Para o construto de segunda
demonstração para o cliente que a empresa está dis­
ordem, Qualidade do Relacionamento, as variáveis
posta a auxiliá-lo – e quem sabe personalizar soluções –
latentes: Comprometimento (83%), Satisfação (77%)
(Comportamental) e o apoio ao sentimento de parceria
e Confiança (52%), demonstraram bom desempenho,
entre empresa e cliente (Normativo), são possibilidades
respectivamente. Estes valores foram superiores aos
de desenvolver o comprometimento, e em consequência,
encontrados em Zancan (2005).
incitar o comportamento de lealdade no consumidor.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009
| 109
c) Relação entre Lealdade e Retorno Financeiro
GRÁFICO 02 - RESULTADO FINANCEIRO E LEALDADE: PÓS-PAGO
Já a hipótese 7, na qual era esperada uma relação
positiva entre a Lealdade e o índice de resultado finan­
8,00
ceiro, apesar da relação positiva apontada para esta
Lealdade_Ponderada
hipótese (YEUNG; ENNEW, 2000; JOHNSON et al., 2001;
GUO; JIRAPORN, 2005), alguns autores já questionaram
sobre a linearidade e a significância da afinidade dos
construtos. Gurau e Ranchhod (2002) comentam sobre a
dificuldade de obter uma relação positiva considerando
a subjetividade da mensuração das variáveis latentes e o
6,00
4,00
2,00
viés que o cruzamento de dados pode ter devido algum
outro fator. Nas limitações levantadas pelos autores, foi
0,00
mencionado o tipo de coleta (cross sectional). É possível
0
que acompanhamentos longitudinais possam oferecer
informações mais concretas.
2000
4000
6000
8000
10000
12000
Resultado_Financeiro
FONTE: Pesquisa de campo
Também foram separados os grupos de usuários
de celular pós-pago (ß= -0,078; p = -1,091) e de
pré-pago (ß= 0,027; p= 0,443). Entretanto, os índices
da H7 observados no modelo estrutural rejeitaram
igualmente a associação esperada.
Para visualizar este resultado, os gráficos 1 e 2
demonstram a dispersão das respostas ao cruzar o índice
Para complementar a informação visual gerada
nos gráficos, a tabela 5 apresenta o valor das correla­
ções entre as variáveis. Também foram incluídas as
correlações entre os índices de Retorno Financeiro
obtidos e os escores ponderados entre as variáveis
latentes que compõem o construto de Qualidade do
Relacionamento. Os resultados foram demonstrados
de resultado financeiro (LTR) com o escore ponderado
por tipo de celular para verificar se esta característica
da variável latente Lealdade entre os tipos de celular:
poderia ter influenciado o resultado geral obtido.
pré e pós-pagos. Estas informações oferecem suporte
TABELA 05 - CORRELAÇÃO ENTRE O RETORNO FINANCEIRO E AS
ao resultado obtido na H7 testada.
GRÁFICO 01 - RESULTADO FINANCEIRO E LEALDADE: PRÉ-PAGO
Lealdade_Ponderada
8,00
6,00
4,00
VARIÁVEIS LATENTES
Correlações
Estabelecidas
Resultados
Resultados
PRÉ-PAGO
PÓS-PAGO
Retorno Financeiro e
Lealdade
r = -0,004, p = 0,941 r = -0,013, p = 0,855
Retorno Financeiro e
Satisfação
r = -0,086, p = 0,144 r = 0,022, p = 0,759
Retorno Financeiro e
Confiança
r = 0,051, p = 0,393
r = -0,089, p = 0,202
Retorno Financeiro e
Comprometimento
r = 0,042, p = 0,144
r = 0,031, p = 0,655
FONTE: Pesquisa de campo
Estes valores demonstram que, independente do
tipo de celular, não foi registrada correlação entre as
2,00
variáveis. Entretanto, esta afirmação poderia ainda
levantar suspeitas de que os valores são distintos entre
0,00
0
2000
4000
6000
8000
Resultado_Financeiro
FONTE: Pesquisa de campo
110 |
10000
12000
as operadoras, e que algum resultado específico pode
ter influenciado o geral, já que no modelo total todas as
empresas foram agrupadas. Desta forma, além de não
Revista da
FAE
ter sido observado distinção entre os tipos de celular,
satisfação não é determinante (ao menos para o
a tabela 6 demonstra que tampouco houve entre as
grupo analisado) da lealdade. Apenas por estarem
operadoras presentes na base.
satisfeitos, não foi constatada uma expectativa positiva
TABELA 06 - CORRELAÇÃO ENTRE O RESULTADO FINANCEIRO E AS
VARIÁVEIS LATENTES – POR OPERADORA
Correlações
Estabelecidas
BRASIL
TELECOM
CLARO
TIM
VIVO
RF* e Lealdade
r = 0,082,
p = 0,554
r = 0,062,
p = 0,590
r = -0,024,
p = 0,708
r = 0,051,
p = 0,600
RF* e Satisfação
r = 0,035,
p = 0,802
r = 0,107,
p = 0,350
r = -0,013,
p = 0,834
r = 0,053,
p = 0,584
RF* e Confiança
r = 0,225,
p = 0,102
r = 0,068,
p = 0,557
r = -0,073,
p = 0,249
r = -0,097,
p = 0,320
RF* e Comprome- r = 0,113,
timento
p = 0,417
r = 0,099,
p = 0,389
r = -0,010,
p = 0,877
r = 0,102,
p = 0,291
FONTE: Pesquisa de campo
Por fim, de forma complementar aos objetivos
deste artigo, também foram observados os efeitos
indiretos observados no modelo estrutural. Os valores
da tabela 7 demonstram os resultados obtidos:
TABELA 07 - EFEITOS INDIRETOS ENTRE OS CONSTRUTOS DO MODELO
ESTRUTURAL
Efeitos Indiretos entre os
construtos do modelo
foi observada em Moura (2005), ao testar o índice ACSI
(American Consumer Satisfaction Index) no setor de
telefonia celular, especificamente no estado de Minas
Gerais. No estudo, a autora comprova a relação positiva
e relevante entre as variáveis.
Esta situação demonstra que ainda são necessários
outros estudos que investiguem e aprofundem o
assunto. Pode ser que a territorialidade tenha afetado a
conclusão da análise. Ainda, segundo consta no trabalho
de Moura (2005), as médias obtidas para mensurar a
*Resultado Financeiro
de continuidade do relacionamento. Situação oposta
Coeficientes
padronizados*
satisfação foram superiores às registradas neste estudo.
Além da especificidade do estado, outras variantes,
como o uso de escala likert de 5 pontos podem ter
sido alguns fatores determinantes para o contraste dos
resultados obtidos.
Somado a estas considerações, pode-se ainda trazer
à reflexão o estudo de Oliver (1999), em comentar sobre
as seis possíveis representações entre a satisfação e a
Satisfação → Lealdade
0,791*
lealdade. A ótica previamente utilizada neste artigo foi
Satisfação → Comprometimento
0,466*
a compreensão do processo (cumulativo) que há entre
Confiança → Lealdade
0,630*
a satisfação e a lealdade. Entretanto, esta definição
FONTE: Pesquisa de campo
pode ter sido afetada pela coleta cross sectional, que
* valores significativos a 0,001
prejudica a percepção do “processo” comentado.
Observando especificamente o resultado entre a
Já a relação da confiança, considerada um ingre­
Satisfação em relação à Lealdade (ß= 0,791, p<0,001) e
diente fundamental para o desempenho satisfatório
a Confiança em relação à Lealdade (ß= 0,630, p<0,001),
do relacionamento (GARBARINO; JOHNSON, 1999;
caminhos estes não comprovados de forma linear e
DWYER; SCHURR; OH, 1987; MORGAN; HUNT, 1994), foi
direta, sugere-se que estudos posteriores poderiam
comprovada como construto antecedente da lealdade
ser realizados sobre as relações indiretas obtidas neste
em Prado (2004) e Sidersmukh, Singh e Sabol (2002).
estudo, o que parcialmente corroboraria, no primeiro
Esta variável é tida como um fator de redução do risco e
caso, com Jones e Sasser (2005), e no segundo, com
da incerteza do relacionamento, como o comportamento
Henning-Thurau e Klee (1997).
oportunístico das partes (MORGAN; HUNT, 1994).
Apesar de a relação direta ter sido rejeitada, o im­
5 Discussão dos resultados
pacto da confiança no comprometimento foi relevante.
Desta forma, é possível considerar que a confiança
exerce certa influência na lealdade por intermédio do
Em relação ao primeiro objetivo deste artigo,
comprometimento do usuário. No ambiente prático, é
o contexto de telefonia celular demonstrou que a
plausível imaginar que o usuário do serviço em questão
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009
| 111
receba certos estímulos para confiar na operadora (como
No entanto, a limitação de acesso a informações
a imagem, o atendimento, os serviços prestados, entre
que permitissem o cálculo adequado do LTR fez
outros), ao desenvolver o sentimento de confiança pela
com que a simplificação utilizada descaracterizasse
empresa (em caso positivo), tende a ser desencadeado
con­ceitualmente o princípio deste (receita menos
o desejo de continuidade e da crença de que a empresa
custo). Desta forma, acredita-se que a melhor nomen­
é a melhor opção para resolver seus problemas e
clatura para esta variável, seja LTR (lifetime revenue), ou
necessidades. Este fato, se confirmado, tende a manter
seja, a receita gerada durante a permanência do cliente
o cliente leal à companhia.
na carteira.
O comprometimento, especificamente, explicita o
No terceiro e último objetivo, apesar de haver na
anseio pela continuidade do relacionamento (DWYER;
literatura uma expectativa de que clientes mais satisfeitos
SCHURR; OH, 1987) e a disposição em mantê-lo, mesmo
estariam menos sensíveis a preço (ANDERSON, 1996),
que isto implique em certo esforço (MORGAN; HUNT,
Zeithaml, Berry e Parasuraman (1996) afirmam que esta
1994). A continuidade proposta aponta para uma
“não sensibilidade a preço” pode ter comportamentos
tendência de o cliente ser leal à empresa. Esta premissa
foi constatada neste estudo, conforme apresentado.
Apesar do caráter unidimensional, diferente do
proposto na literatura consultada, os indicadores que
demonstraram maior impacto neste construto foram
de origem instrumental, comportamental e normativa,
ou seja, foi explicitado pelas situações de desejo de
continuidade, de esperança de auxílio nos momentos
necessários e de parceira no relacionamento. Para a
empresa intensificar os resultados do comportamento
de seus clientes, um direcionamento plausível seria o
estímulo da aspiração por estes sentimentos.
Desta forma, a qualidade do relacionamento,
distintos em contextos específicos. Este fato é comentado
porque a tentativa do teste entre os grupos de usuários
pré e pós pagos poderia esclarecer algumas relações
específicas, por exemplo: grupos de maior consumo
poderiam ter maior tendência a serem leais (resultado
não-financeiro). No entanto, estas especulações não
foram comprovadas em nenhum caso.
A não comprovação direta da lealdade com o
resultado financeiro não é exaustiva, mas até certo
ponto, exploratória. Afinal, outros índices financeiros
diretamente da operadora em relação ao cliente não
foram possíveis de serem obtidos. Por este motivo,
mesmo com os resultados alcançados, é possível
imaginar que exista, por exemplo, alguma relação entre
cons­ti­tuída pelos construtos satisfação, confiança e
a probabilidade de permanência com o relacionamento
comprometimento demonstrou impacto positivo sobre
com o desempenho financeiro da empresa.
a lealdade. Diretamente por meio do comprometimento,
e indiretamente pela confiança e satisfação, respec­
tivamente.
Por fim, a preocupação em determinar o rendi­
mento do cliente para a empresa parece fator rele­
van­te para este setor, basta observar os esforços
Em relação ao segundo objetivo do artigo, Reichheld
realizados para aumentar as margens de ARPU. A Vivo,
e Sasser (1990), Fornell (1992), Anderson e Sullivan
por exemplo, como obteve um crescimento ínfimo em
(1993), Taylor e Baker (1994) e Gurau e Ranchhod
2006 reciclou sua base de clientes para manter apenas
(2002) comprovam a relação positiva entre indicadores
os clientes ativos. Apenas no terceiro trimestre de
não-financeiros e financeiros. Entretanto, a maioria dos
2006 a empresa deu baixa em 1.823 clientes inativos,
casos considera índices de satisfação como retorno não-
entre pré e pós-pagos. Este procedimento, segundo
financeiro e o market share ou a receita líquida, ou ainda
especialistas da área, apesar de ter aumentado a taxa
o índice de vendas da empresa, como financeiro.
de churn no período, evitou maior queda no ARPU (já
112 |
Revista da
que o cálculo deste valor considera a receita gerada
FAE
Limitações
pela quantidade de clientes na base).
Em especial, sobre a definição do resultado finan­ceiro,
a simplificação da estrutura algébrica em razão das infor-
Conclusões
mações disponíveis para o cálculo também são limitações
deste estudo, a considerar: (1) o tempo de relacionamento
Considerando as discussões apresentadas para
e o valor gasto mensalmente foram apenas declarados pe-
cada objetivo proposto e os resultados encontrados, é
los clientes, não houve possibilidade de confirmação dos
possível considerar que o setor de telefonia celular, no
dados; (2) o valor gasto mensal foi extrapolado para todos
contexto brasileiro, realmente apresente certas parti­
os meses de relacionamento, em forma de contribuição
cul­aridades na avaliação das variáveis propostas. Um
constante; (3) o tempo projetado para a permanência do
dos indicadores que demonstram esta possibilidade
cliente com a operadora foi considerado em termos de
é a homogeneidade de avaliação em cada operadora,
possibilidade, sem precisar datas, de forma simples e di-
mesmo sendo percebida a heterogeneidade na amostra,
reta; (4) por não ter acesso aos custos, foi calculada uma
o que poderia ser consi­derado como possibilidade
margem de contribuição em relação ao resultado líquido
para desenvolvimento de estratégias de diferenciação
de cada operadora (no modelo 1); (5) foi realizado um
de serviço.
cálculo apenas com a margem bruta (no modelo 2), o que
Neste contexto, as principais premissas que levan­
tam (no mínimo) curiosidade sobre a “não-com­provação”
foram a relação entre satisfação e lealdade, e desta,
com o resultado financeiro. Tal situação, em­bora sejam
relevadas as restrições de ordem meto­dológica utili­
zadas, ressalta que esta relação precisa ser melhor
aprofundada e que, possivelmente, não se comporte de
forma linear. No entanto, pode ainda ser considerada
como uma fonte de informação sobre a avaliação do
setor e as respostas de mercado, afinal, as taxas de
pode superestimar os resultados obtidos.
Acrescenta-se ainda o caráter não probabilístico
e a coleta por conveniência utilizada com caráter não
longitudinal. Estas definições apesar de terem sido fundamentais à realização do estudo, prejudicam a capacidade de generalização e de abrangência do modelo.
Também é considerado como fator restritivo o uso de
uma única base com empresas diferentes. É possível
que haja alguma particularidade entre a oferta deste
tipo de serviço, que neste artigo não foi constatada.
troca são expressivas (se considerado o valor extra­
polado ao ano).
Por fim, a confirmação da relação positiva e sig­
ni­fi­cativa entre os construtos da Qualidade do Relacio­
namento, de acordo com a proposta de Prado (2004),
comprovou que o modelo sugerido pelo autor é robusto e
pode ser aplicado em diferentes contextos.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009
•Recebido em: 05/08/2009
•Aprovado em: 02/09/2009
| 113
Referências
ANDERSON, E. Customer satisfaction and price tolerance. Marketing Letters, Boston, Mass., v.7, n.3, p.265-274, July 1996.
ANDERSON, E. W.; FORNELL, C.; LEHMANN, D. R. Customer satisfaction, market share, and profitability: findings from
sweden. Journal of Marketing, Chicago, Ill.,v.59, n.2, p.53-66, July 1994.
ANDERSON, E.W; SULLIVAN, M.W. The antecedents and consequences of customer satisfaction for firms. University of
Chicago. Marketing Science. v.12, n.2, 1993.
BERGER, P. D.; NASR, N. I. Customer lifetime value: marketing models and applications. Journal of Interactive Marketing,
New York, NY, v.12, n.1, p.17-30, Winter 1998.
BOLTON, R. N. A dynamic model of the duration of the customer’s relationship with a continuous service provider: the role of
satisfaction. Marketing Science, Providence, RI, v.17, n.1, p.45-65, Dec.1998.
CALCIU, M.; SALERMO, F. Customer value modelling: synthesis and extension proposals. Journal of Targeting, Measurement
and Analysis for Marketing, London, UK, v.11, n.2, p.124-147, Sept. 2002.
DICK, A. S; BASU, K. Customer loyalty: toward an integrated conceptual framework. Journal of the Academy of Marketing
Science, Greenvale, NY, v.22, n.2, p.99-113, Mar. 1994.
DWYER, F. R; SCHURR, P. H; OH, S. Developing buyer-seller relationships. Journal of Marketing, Chicago, Ill., v.61, n.2,
p.11-27, April 1987.
ENGEL, J. F.; BLACKWELL, R. D.; MINIARD, P. W. Comportamento do consumidor. 8.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2000.
FORNELL, C. A national customer satisfaction barometer: the swedish experience. Journal of Marketing, Chicago, Ill., v.56,
n.1, p.6-21, Jan. 1992.
GARBARINO, E.; JOHNSON, M. S. The different roles of satisfaction, trust, and commitment in customer relationships.
Journal of Marketing, Chicago, Ill., v.63, n.2, p.70-87, Apr. 1999.
GILL, J.; JOHNSON, P. Research methods for managers. 2nd. London: Sage, 1997.
GOODSTEIN, L. D.; BUTZ, H. E. Customer value: the linchpin of organizational change. Organizational Dynamics, New York,
NY, v.27, n.1, p.21-34, Summer 1998.
GUO, C.; JIRAPORN, P. Customer satisfaction, net income and total assets: an exploratory study. Journal of Targeting,
Measurement and Analysis for Marketing, London, UK, v.13, n.4, p.346-353, July 2005.
GURAU, C; RANCHHOD, A. How to calculate the value of a customer. Measuring customer satisfaction: A platform for
calculating, predicting and increasing customer profitability. Journal of Targeting, Measurement an Analysis for
Marketing, London, UK, v.10, n.3, p.203-219, Feb. 2002.
GRÖNROOS, C. Relationship approach to the marketing function in service contexts: the marketing and organizational
behavior interface. Journal of Business Research, Athens, GA, v.20, n.1, p.3-11, Jan. 1990.
HAIR, J. F. et al. Análise multivariada de dados. 5.ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.
HENNING-THURAU, T.; KLEE, A. The impact of customer satisfaction and relationship quality on customer retention: a critical
reassessment and model development. Psychology & Marketing, New York, NY, v.14, n.8, p.737-764, Dec.1997.
HURLEY, R. H.; ESTELAMI, H. Alternative indices for monitoring customer perceptions of service quality: a comparative evaluation
in a retail context. Journal of the Academy of Marketing Science, Greenvale, NY, v.26, n.4, p.209-222, Oct. 1998.
JOHNSON, M. D. et al. The evolution and future of national customer satisfaction index models. Journal of Economic
Psychology, v.22, n.2, p.217-245, Apr. 2001.
JONES, O. T.; SASSER, W. E. Why satisfied customers defect. Harvard Business Review, Boston, Mass. v.73, n.6, p.87-100,
Nov./Dec. 2005.
KOTLER, P. Administração de marketing: a edição do novo milênio. 10.ed. São Paulo: Prentice Hall, 2000.
114 |
Revista da
FAE
KUMAR, A. Customer delight: creating and maintaining competitive advantage. 1996. 245p. Tese (Doutorado em
Administração) – Indiana University. Graduate Faculty. Bloomington, 1996.
MALHOTRA, N. K. Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. 3.ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.
MAVONDO, F. T.; RODRIGO, E. M. The effect of relationship dimensions on interpersonal and interorganizational commitment
in organizations conducting business between Australia and China. Journal of Business Research, Athens, GA, v.52, n.2,
p.111-121, May 2001.
MCDOUGALL, G. H. G.; LEVESQUE, T. Customer satisfaction with services: putting perceived value into the equation.
The Journal of Services Marketing, Santa Barbara, CA, v.14, n.5, p.392-410, 2000.
MORGAN, R.; HUNT, S. The commitment: trust theory of relationship marketing. Journal of Marketing, Chicago, Ill., v.58,
n.3, p.20-38, July 1994.
MOURA, A. C. Validação do modelo de satisfação ACSI modificado no setor de telefonia móvel. In: ENCONTRO DA ANPAD –
ENANPAD, 29., 2005, Brasília. Anais… Rio de Janeiro: ANPAD, 2005. p.141-157.
OLIVER, R. L. Measurement and evaluation of satisfaction process in retail settings. Journal of Retailing, New York, NY,
v.57, n.3, p.25-48, 1981.
______. Whence consumer loyalty? Journal of Marketing, Chicago, Ill., v.63, special issue, p.33-44, Oct. 1999.
PARENTE, J. Varejo no Brasil: gestão estratégica. São Paulo: Atlas, 2000.
PRADO, P. H. M. A avaliação do relacionamento sob a ótica do cliente: um estudo em bancos de varejo. 2004. 497p.
Tese (Doutorado em Economia de Empresas) – Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2004.
PRADO, P. H. M.; SANTOS, R. C. Comprometimento e lealdade ao fornecedor: dois conceitos ou duas dimensões de um único
conceito? In: ENCONTRO DA ANPAD – ENANPAD, 27., 2003, Atibaia. Anais… Rio de Janeiro: ANPAD, 2003. p.1-13.
REICHHELD, F. F.; SASSER, W. E. Zero defections: quality comes to services. Harvard Business Review, Boston, Mass, v.68,
n.5, p.105-111, Sept./Oct. 1990.
REINARTZ, W. J.; KUMAR, V. The impact of customer relationship characteristics on profitable lifetime duration. Journal of
Marketing, Chicago, Ill., v.67, n.1, p.77-99, Jan. 2003.
RYALS, L. Marketing customer relationship management work: the measurement and profitable management of customer
relationships. Journal of Marketing, Chicago, Ill., v.69, n.4, p.252-261, Oct. 2005.
SIDERSHMUKH, D.; SINGH, J.; SABOL, B. Consumer trust, value, and loyalty in relational exchanges. Journal of Marketing,
Chicago, Ill., v.66, n.1, p.15-37, Jan. 2002.
SOLOMON, M. R. Comportamento do consumidor. 5.ed. São Paulo: Bookman, 2002.
TAYLOR, S. A; BAKER, T. L. An assessment of the relationship between service quality and customer satisfaction in the
formation of customer purchase intention. Journal of Retailing, New York, NY, v.70, n.2, p.163-178, Summer 1994.
TELECO. Telefonia celular. Disponível em: <http://www.teleco.com.br>. Acesso em: 23 jul. 2009.
WILSON, D. T. An Integrated model of Buyer-seller relationships. Journal of the Academy of Marketing Science, Greenvale,
NY, v.23, n.4, p.335-346, Sept. 1995.
YEUNG, M. C. H; ENNEW, C. T. From customer satisfaction to profitability. Journal of Strategic Marketing, London, UK, v.8,
n.4, p.313-326, Dec. 2000.
YI, Y.; JEON, H. Effects of loyalty programs on value perception, program loyalty, and brand loyalty. Journal of the Academic
of Marketing Science, Greenvale, NY, v.31, n.3, p.229-240, July 2003.
ZANCAN, C. Antecedentes e consequências da qualidade do relacionamento: a perspectiva de produtores de maçã
brasileira. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005.
ZEITHAML, V. A; BERRY, L.; PARASURAMAN, A. The behavioral consequences of service quality. Journal of Marketing,
Chicago, Ill., v.60, n.2, p.31-46, Apr. 1996.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009
| 115
Revista da
FAE
Saúde e segurança no meio ambiente do trabalho como garantia
constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
Health and security in the work environment as constitutional
guarantee to the ecologically balanced environment
Rafaela Luiza Pontalti Giongo*
Renata Cristina Pontalti Giongo**
Resumo
No presente artigo analisa-se a temática do direito do trabalhador de exercer
sua atividade laborativa em um meio ambiente de trabalho saudável e seguro.
Desse modo, este estudo apresenta como objetivo geral investigar os direitos
e as garantias do trabalhador a um meio ambiente de trabalho sadio e
seguro, como forma de prevenção de infortúnios. E, como objetivo específico,
conceituar o meio ambiente do trabalho, identificando sua importância na
saúde e na segurança do trabalhador. Os métodos utilizados neste estudo foram
o descritivo, tendo como referencial o aporte da observação de fatos e teorias,
e o qualitativo, por interpretação da realidade, através de citações diretas de
doutrina e legislação. Como resultado, evidenciou-se que o meio ambiente do
trabalho engloba tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local
onde o homem obtém os meios necessários para prover a sua subsistência,
devendo ser protegido em função da sua capacidade de causar danos à saúde
do trabalhador. Com este pensamento, o legislador da Constituição Federal
de 1988, através de seu art. 7º, inciso XXII, incluiu entre os direitos sociais do
trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança.
Palavras-chave: meio ambiente do trabalho; trabalhadores; saúde; segurança.
Abstract
This work analyzes the worker’s rights of working in a healthy and safe
environment. Therefore the main purpose of this study is to investigate the
rights and guarantees of the worker in a healthy and safe work environment, as
a way of avoiding accidents and injuries. The methods used in this work were the
descriptive, by using the observation of facts and theories, and the qualitative
through the observation of the reality, associated to quotations of doctrine
and legislation. As a result, it was proven that the work environment involves
directly and indirectly everything within once workplace where he strives for
his earnings. Considering this, the Federal Constitution 1988, by its article 7th
(XXII), included in the workers social rights, the reduction of the inherent risks,
setting norms of health, hygiene and safety.
Keywords: work environment; workers; health; safety.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009
* Mestranda em Direito Público
(Unisinos). Advogada. E-mail:
[email protected]
** Mestranda em Ciências
Criminais (PUC-RS). Advogada
e docente da disciplina
Direito Comercial e Legislação
Ambiental na Universidade de
Caxias do Sul – UCS. E-mail:
[email protected]
| 117
Introdução
fundamentando-se em uma filosofia preventiva. Com
efeito, foram concebidas segundo essa concepção
A necessária integração do homem com o ambiente
é fator imprescindível à saúde e à segurança de todos.
Viver e trabalhar em ambiente saudável são condições
essenciais para uma melhor qualidade de vida. A impor­
tância do meio ambiente traz a inquietante questão
sobre sua proteção e sua preservação, enfatizando o
atual posicionamento de empregadores, trabalhadores
e do próprio Estado.
A Constituição Federal de 1988, refletindo as
preocupações da sociedade internacional com a viabi­
lidade de vida no planeta, alçou através do artigo 225,
caput, a direito fundamental, o meio ambiente
enquanto bem essencial à sadia qualidade de vida,
tanto para a geração atual, como para as futuras. Diante
da amplitude da assertiva constitucional contida no
mencionado artigo, evidencia-se que o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado alcança todos
os aspectos que o compõem, nele incluindo-se o meio
ambiente do trabalho.
O meio ambiente do trabalho engloba tudo o
que envolve e condiciona, direta ou indiretamente, o
local onde o homem obtém os meios necessários para
prover a sua subsistência, devendo ser protegido em
função da sua capacidade de causar danos à saúde do
preventiva as Normas Regulamentadoras do Ministério
do Trabalho e Emprego, aprovadas pela Portaria
n. 3.214/78, assim como o dever do empregador na
emissão da Comunicação de Acidente do Trabalho –
CAT (art. 22, caput, da Lei n. 8.213/91).
Dessa forma, o presente artigo apresenta como
temática o direito do trabalhador de exercer sua atividade
laborativa em um meio ambiente de trabalho saudável
e seguro, objetivando a prevenção de infortúnios, de
modo que é impossível alcançar-se qualidade de vida
sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir um
meio ambiente equilibrado e sustentável, ignorando-se
o meio ambiente do trabalho.
Assim, no intuito de se contribuir para a necessária
reflexão e atenção que este tema merece, pretendese abordar o conceito de meio ambiente do trabalho,
identificando sua importância, uma vez que ele está
inserido no meio ambiente geral (artigo 200, VII,
CF/88), como também sua conceituação frente à atual
globalização da economia e a análise do surgimento
da disciplina Direito Ambiental do Trabalho, a qual tem
como característica investigar e descrever o sistema
normativo que tutela o meio ambiente do trabalho e a
saúde do trabalhador.
trabalhador. No Brasil, a partir da Constituição Federal
de 1988, o meio ambiente do trabalho passou a receber
tutela constitucional imediata (art. 200, VIII) e mediata
(art. 225, caput, § 1.º, IV, VI e § 3.º). A saúde do traba­
1 Do meio ambiente do trabalho:
delimitação conceitual
lhador deixou de ser matéria apenas de legislação ordi­
nária, elevando-se à categoria de direito fundamental
(art. 7.º, XXII, XXIII CF/88).
A integração do homem com o ambiente é
fator de extrema relevância à saúde e à segurança de
Embora a perspectiva tradicional de proteção
todos. Pode-se dizer que a evolução e o crescimento
à saúde e à segurança dos trabalhadores tenha sido
da produção em grande escala, o uso contínuo de
mantida na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,
máquinas, o emprego de novas e modernas técnicas,
por meio de medidas de segurança, equipamentos de
elementos químicos e a presença de agentes nocivos à
proteção individual e adicional de periculosidade e
saúde, são, atualmente, apenas alguns dos fatores que
insalubridade, as novas legislações infraconstitucionais
influenciam e alteram o habitat no mundo moderno.
incorporaram a temática ambiental do trabalho,
Dessa forma, este estudo inicia pela conceituação de
118 |
Revista da
FAE
meio ambiente, pois, como será visualizado, a partir
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se
trabalho está contido naquele, sendo sua compreensão
ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
fundamental para análise e reflexão desta abordagem.
e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Rocha (1997, p.23) ensina que “o termo meio
Padilha (2002), após firmar seu entendimento sobre
ambiente deriva do latim ambiens e entis, podendo
a natureza abrangente e interdisciplinar do conceito de
ser entendido como aquilo que rodeia”. Em verdade,
meio ambiente, cita os eminentes juristas Celso Antonio
a expressão “meio ambiente” constitui um pleonasmo,
Pacheco Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues e Rosa
pois meio e ambiente possuem um mesmo significado:
Maria Andrade Nery, que também denotam a amplitude
lugar, recinto, espaço onde se desenvolvem as atividades
aludida, afirmando que:
humanas e a vida dos animais e vegetais. Porém, trata-se
de expressão consagrada, inclusive constitucional­
mente, razão pela qual se permanecerá com ela neste
artigo. Sobre o mesmo tema, Rocha (1997) sustenta
que o meio ambiente, academicamente, tem sido
compreendido como o
conjunto, em um dado momento, dos agentes físicos,
químicos, biológicos, e dos fatores sociais susceptíveis
de terem efeito direto ou indireto, imediato ou a termo,
sobre os seres vivos e as atividades humanas (Poutrel;
Wasserman, 1977); A soma das condições externas e
influências que afetam a vida, o desenvolvimento e, em
última análise, a sobrevivência de um organismo (The
World Bank, 1978); O ambiente físico-natural e suas
sucessivas transformações artificiais, assim como seu
desdobramento espacial; (Sunkel apud Carrizosa,
1981); [...] todos os fatores [...] que atuam sobre um
indivíduo, uma população ou uma comunidade (Ínterim
Mekong Committee, 1982) (ROCHA, 1997, p.24).
Em sede legal, o conceito de meio ambiente é dado
[...] o conceito de meio ambiente é amplíssimo, na exata
medida em que se associa à expressão “sadia qualidade
de vida”. Trata-se, pois, de um conceito jurídico inde­
terminado, que, propositadamente colocado pelo
legislador, visa criar um espaço positivo de incidência
da norma, ou seja, ao revés, se houvesse uma definição
precisa do que seja meio ambiente, numerosas situações,
que normalmente seriam inseridas na órbita do conceito
atual de meio ambiente, poderiam deixar de sê-lo, pela
eventual criação de um espaço negativo inerente a
qualquer definição (PADILHA, 2002, p.21).
A mesma autora ainda sustenta:
[...] claro que quando a Constituição Federal, em
seu art. 225, fala em meio ambiente ecologicamente
equilibrado, está mencionando todos os aspectos do
meio ambiente. E, ao dispor, ainda, que o homem para
encontrar uma sadia qualidade de vida necessita viver
nesse ambiente ecologicamente equilibrado, tornou
obrigatória também a proteção do ambiente no qual o
homem, normalmente, passa a maior parte de sua vida
produtiva, qual seja, o trabalho (PADILHA, 2002, p.21).
pelo inciso I do art. 3º da Lei n. 6.938/81, que instituiu
a Política Nacional do Meio Ambiente, como “um
Nesta mesma linha de raciocínio, Rocha (1997,
conjunto de condições, leis, influências e interações de
p.25), em sua obra Direito Ambiental e Meio Ambiente
ordem física, química e biológica, que permite, abriga e
do Trabalho, defende que
rege a vida em todas as suas formas”.
A atual Constituição Federal de 1988, refletindo
as preocupações da sociedade internacional com a
viabilidade de vida no planeta, alçou o meio ambiente,
enquanto bem essencial à sadia qualidade de vida, a
Quando a Constituição Federal, em seu art. 225, fala
em “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, está
mencionando todos os aspectos do meio ambiente.
Podemos, portanto, compreendê-lo como meio ambiente
natural, artificial, cultural e do trabalho.
direito fundamental, tanto para a presente como para
Neste sentido, adota-se no presente artigo, a
as futuras gerações, nos termos do art. 225, caput, que
intenção de Rocha de propor uma classificação do meio
assim dispõe: “todos têm direito ao meio ambiente
ambiente que atenda a fins didáticos. Dessa forma,
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009
| 119
baseando-se em seus ensinamentos, secciona-se o meio
O trabalhador participa da atividade econômica em
interação com os meios de produção e toda a infraestrutura necessária ao desenvolvimento da prestação
laboral. Ao conjunto do espaço físico (local da pres­
tação de trabalho ou onde quer que se encontre o
empregado, em função da atividade e à disposição
do empregador) e às condições existentes no local
de trabalho (ferramentas de trabalho, máquinas,
equipamentos de proteção individual, temperatura,
elementos químicos etc. – meios de produção) nas
quais se desenvolve a prestação laboral, denominamos
meio ambiente do trabalho.
ambiente artificial, propondo-se que seja entendido
como ambiente urbano, periférico e rural, separando
por suas peculiaridades o meio ambiente cultural e por
último o meio ambiente de trabalho, que será analisado
de forma mais aprofundada por ser um dos principais
objetos deste estudo.
O meio ambiente natural pode ser entendido
como aquele constituído pelo solo, pela água, pelo ar
atmosférico, pela fauna e pela flora, ou seja, recursos
naturais, bens ambientais naturais ou ecológicos, assim
como o sistema de elementos bióticos e abióticos.
Conceitualmente, segundo Rocha (1997), compreende-
Conforme a lição de Mancuso (2002, p.129), meio
ambiente de trabalho é o
Habitat laboral, isto é, tudo que envolve e condiciona,
direta e indiretamente, o local onde o homem obtém
os meios para prover o quanto necessário para a sua
sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio com
o ecossistema. A contrario sensu, portanto, quando
aquele “habitat” se revela inidôneo a assegurar as
condições mínimas para uma razoável qualidade de vida
do trabalhador, aí se terá uma lesão ao meio ambiente
do trabalho.
se o meio ambiente artificial como o espaço físico
transformado pela ação continuada e persistente do
homem com o objetivo de estabelecer relações sociais
e viver em sociedade, sendo composto pelo meio
ambiente urbano, periférico e rural. Já o meio ambiente
cultural, é constituído por bens, valores e tradições aos
quais as comunidades emprestam relevância, porque
atuam diretamente na sua identidade e formação.
E o meio ambiente do trabalho, o que vem a
ser? Visualizar-se-á a seguir o entendimento de alguns
De acordo com o ensinamento de Fernandes
(2006, p.04)
autores acerca deste aspecto do meio ambiente, como
O meio ambiente de trabalho é, na verdade, o local de
trabalho do trabalhador, podendo ocorrer em um meio
ambiente artificial ou construído, ou mesmo em um
ambiente natural, embora sua ocorrência seja menos
frequente, haja vista a existência de alguma intervenção
humana que possibilite a sua fruição.
forma de melhor fixar sua compreensão jurídica.
Na concepção de Fiorillo (2004, p.22), meio
ambiente do trabalho pode ser definido como
O local onde as pessoas desempenham suas atividades
laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio
está baseado na salubridade do meio e na ausência
de agentes que comprometam a incolumidade físicopsíquica dos trabalhadores, independentemente da
con­dição que ostentem (homens ou mulheres, maiores
ou menores de idade, celetistas, servidores públicos,
autônomos etc.).
Süssekind (2003, p.919), ao tratar sobre o tema da
Ação Prática e Normativa da Organização Internacional
do Trabalho pontifica o seguinte:
[...] dos estudos realizados pelo PIACT1 resultou a
Convenção n. 155, complementada pela Recomendação
n. 164, ambas de 1981, que ampliou o conceito de
ambiente de trabalho para fins de segurança e saúde
dos trabalhadores. Hoje é necessário considerar tanto
Para Moraes (2002, p.25) meio ambiente do
trabalho é
O local onde o homem realiza a prestação objeto da
relação jurídico-trabalhista, desenvolvendo atividades
de profissional em favor de uma atividade econômica.
120 |
1
PIACT é a abreviatura para Programa Internacional para
Melhorar as Condições de Trabalho e Meio Ambiente de
Trabalho.
Revista da
a agressão que o local de trabalho pode sofrer, oriunda
do meio ambiente circunvizinho, quanto a poluição,
por vezes imensurável, que pode ser gerada no esta­
belecimento industrial.
FAE
Como pano de fundo deste momento econômico
verifica-se uma mudança de padrões de produção, união
de mercados financeiros, aumento da importância das
empresas multinacionais, ajuste estrutural e privatização.
[...] Esse processo globalizado traz ainda consequências
bastante pessimistas no campo das relações de trabalho.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima
cerca de um bilhão de pessoas sem ocupação. Surgem
como fatores preocupantes a “flexibilização” dos direitos
sociais, a terceirização e o desemprego estrutural2.
Cabe ressaltar que identificar o meio ambiente
do trabalho atualmente, requer maior atenção dos
operadores do direito, pois as mudanças nas relações
jurídicas de trabalho e, mais acentuadamente, as
flexibilizações no Direito do Trabalho, têm resultado em
transformações nas atividades e prestações laborais.
As novas formas de exclusão geradas pela econo­
Com a globalização da economia e o consequente e
mia capitalista, como desemprego aberto, ocupações
iminente desenvolvimento industrial brasileiro, mui­
atípicas e precarização das condições e das relações
tas empresas já utilizam novas metodologias sem o
de trabalho, inserem a temática da flexibilização da
uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs),
legislação trabalhista, sob o fundamento de que os
indispensáveis à segurança dos trabalhadores, uma
elevados encargos sociais são os responsáveis pela
vez que as buscas do aumento da produtividade e da
crise do emprego formal. Por outro lado, diante da
redução dos custos, não são, necessariamente, seguidas
desordem ecológica mundial produzida pelo capitalismo
pela melhoria das condições de trabalho.
contemporâneo, ninguém questiona a necessidade de
Considerando-se que a globalização tem propor­
proteção legal para evitar o colapso do meio ambiente.
cionado acentuadas modificações no mundo do
As duas perspectivas, tanto de redução dos
trabalho e, em específico, ao meio ambiente do trabalho,
direitos trabalhistas quanto de ampliação dos direitos
a seguir, analisar-se-á o meio ambiente do trabalho
de proteção ao meio ambiente, apesar de muito
partindo-se de sua conceituação como tudo aquilo que
divergentes, convergem, porém, no seu atendimento
envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local
à dinâmica das forças do mercado globalizado. Em
onde o homem obtém os meios para prover o quanto
âmbito mundial, observa-se que a reformulação das
necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento,
políticas trabalhistas tem sido utilizada para rebaixar o
em equilíbrio com o ecossistema, frente às mudanças
padrão de uso e remuneração do trabalho, enquanto a
nas atividades e relações de trabalho.
questão ambiental tem servido de argumento para os
países centrais tolherem o desenvolvimento dos países
pobres e em desenvolvimento.
2 Meio ambiente do trabalho
e globalização
Outrossim, segundo Rocha (2002), as temáticas
sobre o meio ambiente e sobre as relações de trabalho
aproximam-se em sua origem. Através de uma rápida
O atual processo de globalização da economia
está em curso desde o início dos anos 1980, com a
formação de grandes conglomerados continentais,
marginalizando cada vez mais os países periféricos no
cenário internacional. Rocha (1997, p.44) aborda este
tema ponderando que
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009
observação, tanto dos impactos em escala massiva contra
os trabalhadores, quanto da degradação da natureza em
2
Para Silva (1995) o desemprego estrutural, em geral, resulta
da desproporção qualitativa entre demanda e oferta de
força de trabalho, devido, sobretudo, à falta de força de
trabalho qualificado ou mesmo à inadequação do tipo de
qualificação às necessidades do empregador.
| 121
âmbito global, conclui-se que ambos são decorrentes
do processo de industrialização. Tanto as legislações tra­
balhista quanto a ambiental surgiram da necessidade de
ausência de controle da sociedade sobre esse processo,
enfraquecem a participação coletiva dos trabalhadores
em defesa de melhores condições de trabalho.
proteção estatal contra os efeitos e perigos resultantes
De fato, há uma redução dos custos de mão-de-obra
da atividade produtiva. O Estado, em épocas diferentes,
com a eliminação de patamares básicos de condições
viu-se forçado a atuar no sentido de subordinar a
do trabalho, agravando-se mais do que nunca os pro­
atividade econômica a uma existência digna e a limitar
blemas da esfera circundante do trabalho. E, se­gun­do
a exploração dos recursos naturais, por meio da adoção
disposição de Rocha (2002, p.295),
de instrumentos legais apropriados. Em virtude de uma
série de mudanças no cenário internacional, como, o
aumento de empresas multinacionais, a mundialização
da economia, a desconcentração do aparelho estatal,
em meio a uma onda de demissões generalizadas e
à ausência de postos de trabalho, trabalhadores têm
sido submetidos a empregos precários atingindo dire­
tamente a saúde físico-psíquica do indivíduo.
a desterritorialização e a reorganização do espaço de
produção, a fragmentação das atividades produtivas
A preocupação aumenta quando se constata que a
e a expansão de um direito paralelo ao dos Estados,
transformação no meio ambiente do trabalho, provocada
de natureza mercatória, evidencia-se uma redução do
poder de intervenção do Estado, diante das forças do
mercado e de outros atores não-estatais, que atinge
um de seus mais significativos instrumentos: a norma
estatal (ROCHA, 2002).
Atualmente, além de riscos mais graves no meio
ambiente do trabalho (acidentes, doenças ocupacionais
etc.) e no meio ambiente em geral (vazamentos, con­
taminações, desastres ecológicos etc.), observa-se
que há uma normatividade nos mais diversos níveis
(nacional, regional e global) e em países como
Estados Unidos, Holanda e Brasil surgem experiências
alternativas ao processo tradicional de controle legal,
por meio de práticas autorregulatórias para indústrias
e demais setores produtivos, que estipulam normas de
pela flexibilização daquilo denominado organização do
trabalho, não repercutiu na diminuição de infortúnios.
Ao inverso, pois conforme Dejours (2003, p.19),
O modo flexível de produção trouxe um aumento das
patologias ditas de sobrecarga. Junto com a robotização
e a automatização, que se pensava que pudessem livrar
os seres humanos da parte mais danosa do trabalho,
apareceram novas patologias, novos sofrimentos foram
revelados e algumas doenças conhecidas outrora se
desenvolveram muito.
Portanto, Rocha (2002, p.134) ensina que
as rela­ções no mundo do trabalho continuam a sofrer
altera­ções e, por conseguinte, a noção do meio ambiente
do trabalho não pode ser imutável, pelo contrário,
necessita refletir as evoluções sociais e técnicas que
constante­mente se aprimoram.
conduta do que seja ecologicamente equilibrado, às
quais estes devem adequar-se – série de Standards ISO
(ROCHA, 2002).
No entanto, o cenário econômico e o contexto
social não indicam perspectivas animadoras para a
Conceituar meio ambiente do trabalho levando
em consideração as flexibilizações no direito, a glo­
balização da economia, as mudanças nas relações
laborais e nos modos de produção, tem gerado dúvidas
garantia dos próprios trabalhadores a ambientes de
aos operadores do direito e evidenciado a lacuna da lei
trabalho saudáveis. Ao contrário, pois, conforme Rocha
frente às mudanças.
(2002, p.295)
A crise do emprego formal, o enfraquecimento esta­
tal (ou erosão do poder de intervenção do Estado),
o aumento desmedido do poder do mercado e a
122 |
Dessa forma, é tarefa do intérprete conciliar caso
a caso, aplicando o conceito de meio ambiente do
trabalho que esteja adaptado a tudo aquilo que
envolve e condiciona, direta ou indiretamente, o local
Revista da
FAE
onde o homem obtém os meios para prover o quanto
do Trabalho, torna-se oportuna a análise da localização
necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento,
dessa disciplina, ou seja, sua natureza jurídica, nos
em equilíbrio com o ecossistema.
ra­mos do Direito. Tal abordagem, in statu nascendi,
baseando-se no direito ao meio ambiente ecologica­
mente equili­brado, consagrado inquestionavelmente
3 Direito ambiental do trabalho:
natureza e tutela jurídica do meio
ambiente do trabalho
pela Carta Constitucional de 19883, constitui direito
eminentemente difuso, ou seja, aquele conceituado
legalmente como “interesse transindividual, de natureza
indivisível, cujos titulares sejam pessoas indeterminadas,
ligadas por circunstâncias de fato” (art. 81, I, do Código
Por tudo o que aqui já foi exposto, constata-se que
de Defesa do Consumidor).
o meio ambiente do trabalho sofre incursões tanto do
Conforme ensina Mancuso (1991, p.275),
Direito do Trabalho como do Direito Ambiental e embora
Os direitos difusos são transindividuais porque despassam
a esfera de atuação dos indivíduos isoladamente consi­
derados, para surpreendê-los em sua dimensão coletiva;
são de natureza indivisível, pelo fato de que a satisfação
de um só constitui lesão da inteira coletividade; são
titulares dos direitos, pessoas indeterminadas ligadas
por circunstâncias de fato. Quanto à natureza da lesão,
decorre “de afronta aos interesses difusos, lesão esta
que poderia ser disseminada por um número indefinido
de pessoas, tanto podendo ser uma comunidade, uma
etnia ou mesmo toda a humanidade”.
o tema meio ambiente do trabalho receba tratamento
doutrinário no campo de ambas as matérias, conforme
Rocha (2002, p.275), as duas disciplinas possuem
racionalidades e princípios bastante específicos:
en­quanto o Direito Ambiental busca proteger o meio
ambiente e o ser humano tomado na sua generalidade,
o Direito do Trabalho objetiva a regulação das relações
laborais e a proteção do ser humano trabalhador.
Padilha (2002, p.46) tem a seguinte opinião sobre
o assunto:
[...] o meio ambiente do trabalho embora se encontre
numa seara comum ao Direito do Trabalho e ao Direito
Ambiental, distintos serão os bens juridicamente tute­
lados por ambos, uma vez que, enquanto o primeiro
se ocupa preponderantemente das relações jurídicas
havidas entre empregado e empregador, nos limites de
uma relação contratual privatística, o Direito Ambiental,
por sua vez, irá buscar a proteção do ser humano
trabalhador contra qualquer forma de degradação do
ambiente onde exerce sua atividade laborativa.
A proteção ao meio ambiente do trabalho associase à tutela da saúde do trabalhador. Sob fundamento
constitucional da tutela da vida com dignidade, Fiorillo
(1995, p.98) menciona com bastante ponderação que
[..] tendo como objetivo primordial a redução do risco de
doença e de outros agravos, as normas constitucionais
sobre a saúde dão ao Sistema Único de Saúde com­
petência, dentre outras atribuições, para colaborar na
proteção do meio ambiente, nele compreendido o Meio
Ambiente do Trabalho (art. 200, VIII). Destarte, para
a Constituição Federal, a proteção do Meio Ambiente
do Trabalho tem natureza vinculada à proteção da
saúde, que, sendo direito de todos, está tutelada pelas
normas instrumentais destinadas à proteção de aludidos
interesses difusos.
Por conta disso, surgiu a disciplina Direito
Ambiental do Trabalho, caracterizada por analisar e
descrever o sistema normativo que tutela o meio am­
biente do trabalho e a saúde do trabalhador, por meio
de elementos colhidos principalmente do Direito do
Trabalho (proteção à incolumidade do trabalhador)
e do Direito Ambiental (proteção ao meio ambiente).
Diante das discussões a respeito do Direito Ambiental
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009
3
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologi­
camente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações.
| 123
Normalmente, o meio ambiente do trabalho é
do trabalho não se fundamenta na realização de um
compreendido diante de um grupo determinado de
interesse específico (coletivo stricto sensu), ao con­
pessoas, como por exemplo, uma categoria de traba­
trário, surge do reconhecimento da necessidade de
lhadores. Esta proteção tem uma natureza eminente-
uma proteção metaindividual (difusa), devendo o meio
mente coletiva. O Código de Defesa do Consumidor,
ambiente do trabalho saudável e equilibrado ser sempre
em seu artigo 81, inciso II, estabelece o conceito norma-
tutelado como um interesse difuso. Da mesma forma,
tivo do que sejam interesses ou direitos coletivos, sendo
entende que ainda é prematuro afirmar a autonomia
aqueles “transindividuais de natureza indivisível de que
do Direito Ambiental do Trabalho, sobretudo porque
seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas liga-
a tutela ao meio ambiente do trabalho continua a ser
das entre si ou com a parte contrária por uma relação
estabelecida em face da relação de trabalho, mantendo-
jurídica base”. Dessa forma, através dos seguimentos
se a legislação sobre a matéria fragmentada.
grupo, cate­goria ou classe, possibilita-se que os coletivos orga­nizados possam defender interesses corporativos em suas diferentes matizes. Assim, cabe trazer à
lume o entendimento de Rocha (2002, p.280):
[...] o liame entre os direitos difusos e os direitos
coletivos reside no seu caráter metaindividual, podendo
ser agrupados, na maioria das vezes, na denominação
de direitos coletivos lato sensu; de outra maneira, os
interesses difusos podem ter uma amplitude maior do
que a órbita de uma coletividade organizada e definida,
ressaltada pelo caráter corporativo; além disso, nos
direitos difusos, considera-se o ser humano em sua
dimensão genérica, agregado ocasionalmente pela
ocorrência fática que determina sua tutela.
Portanto, torna-se prudente questionar sobre as
questões de saúde do trabalhador e meio ambiente do
trabalho que envolvem o interesse coletivo stricto sensu,
cogitando-se sobre o contingente de operários de uma
indústria específica ou, ainda, com relação à categoria
que trabalha em determinado setor industrial. Nesse
ponto, acorre Rocha (2002, p.281), explicando que
Apesar de muitas vezes os efeitos decorrentes de danos
ao meio ambiente do trabalho atingirem um contingente
específico de trabalhadores (coletivo), também existe a
possibilidade desses efeitos incidirem numa coletividade
incalculável (massa indefinida), como por exemplo,
no caso de contaminação orgânica pelo trabalho em
ambiente que utiliza telhas de amianto (fabricada com
substância cancerígena).
Entretanto, Rocha (2002) reconhece que a ela­
boração dessa proteção tem sofrido a influência de
um paradigma preventivo, muitas vezes superando a
forma tradicional de tutela à higiene e à segurança dos
trabalhadores. Além disso, os princípios inspiradores da
tutela ao meio ambiente do trabalho, apesar de não serem
exclusivos, tomam, conforme esse autor, uma dimensão
específica e peculiar, dos quais podem ser destacados:
o princípio da precaução-prevenção, o princípio do
desenvolvimento sustentável, o princípio do poluidorpagador, o princípio da proteção plena do trabalhador,
o princípio da equidade e o princípio do in dubio pro
ambiente-operário. Tais princípios surgiram da interrelação entre o Direito Ambiental e o Direito do Trabalho,
na tutela de um objeto comum: o meio ambiente do
trabalho. Seguindo a lição de Rocha (2002), o princípio da
precaução-prevenção surge na medida em que há que se
atuar preventivamente e com a necessária precaução para
romper com o paradigma da compensação pecuniária
pelo trabalho em condições insalubres. Já o princípio do
desenvolvimento sustentável tem como objetivo conciliar
atividade econômica e produtiva com salubridade dos
ambientes do trabalho.
Quanto ao princípio do poluidor-pagador, aplica-se
na obrigação do empregador-poluidor reparar os danos
causados ao ambiente e aos trabalhadores, assumindo
a responsabilidades civil, administrativa e criminal pelo
Segundo o autor anteriormente citado, a proteção
ato. Trata-se de responsabilidade objetiva, inclusive com
que se busca por meio da tutela ao meio ambiente
relação aos infortúnios, devendo ser apurada apenas a
124 |
Revista da
FAE
relação de causalidade (nexo causal) entre dano e ação
pétrea. Além disso, nas atribuições do Sistema Único
ou omissão do empregador-poluidor.
de Saúde, consta a de “executar as ações de vigilância
Por conta do princípio da proteção plena ao
trabalhador, qualquer que seja a forma contratual, o
empregador torna-se responsável pela saúde de seus
empregados, exerçam ou não atividade na unidade
sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do
trabalhador” (art. 200, II)6. O meio ambiente do trabalho
passou a receber tutela mediata (art. 225, caput, § 1.º,
IV, VI e § 3.º)7 e imediata (art. 200, VIII)8.
produtiva. O princípio da equidade fundamenta-se na
No plano infraconstitucional, a tutela ao meio
igualdade de proteção e, portanto, não admite que
ambiente do trabalho continua a ser regulada pela
determinados contingentes de trabalhadores sejam
Consolidação das Leis do Trabalho. No capítulo V do
mais protegidos que outros, na aplicação da política de
Título II denominado Da Segurança e da Medicina
salubridade dos ambientes do trabalho. Por fim, o prin­
do Trabalho (arts. 154 a 201), além de serem apre­
cípio in dubio pro ambiente-operário consubstancia-se
sentadas disposições gerais sobre o tema, a CLT define
na máxima de que, havendo dúvida, deve-se proteger o
as atribuições da administração pública, as respon­
meio ambiente do trabalho. Isso significa que, mesmo
sabilidades dos empregadores e dos empregados, assim
não havendo certeza quanto ao grau de periculosidade
como os procedimentos de inspeção prévia, embargo
e ou salubridade, o empregador e o Poder Público
ou interdição.
devem atuar de modo a impedir que ocorram danos ao
meio ambiente e à saúde dos trabalhadores.
Esse capítulo ainda dispõe sobre os órgãos de
segurança e de medicina do trabalho e disciplina a
Quanto à sua tutela jurídica, o meio ambiente do
constituição da Comissão Interna de Prevenção de
trabalho engloba tudo que envolve e condiciona, direta
Acidentes (Cipa), a utilização dos equipamentos de pro­
e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios
teção individual, a normatização das medidas preven­
necessários para prover a sua subsistência, devendo ser
tivas de medicina do trabalho, além de estabelecer os
protegido em função da sua capacidade de causar danos
requisitos de segurança com relação às edificações, à
à saúde do trabalhador. Não é necessário que exista
subordinação para garantir a tutela jurídica ao ambiente
no qual os trabalhadores prestam seus serviços. Conforme
Fiorillo (2004), o próprio legislador constitucional fez
referência à relação de trabalho em diversas passagens
e, quando quis destacar a relação de emprego, fez isso
expressamente, como no art. 7.º, inciso I, da CF/884.
A partir da Constituição Federal de 1988, a saúde
do trabalhador deixou de ser matéria apenas de
legislação ordinária, elevando-se à categoria de direito
fundamental (art. 7.º, XXII, XXIII)5 e, portanto, cláusula
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária
ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que
preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.
5
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além
de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...]
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio
de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII - adicional
de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou
perigosas, na forma da lei.
4
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de
outras atribuições, nos termos da lei: [...] II - executar as
ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as
de saúde do trabalhador.
7
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologi­
camente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a
efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] IV exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do
meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que
se dará publicidade; [...] VI - promover a educação ambiental
em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para
a preservação do meio ambiente; [...] § 3º - As condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais
e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados.
8
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de
outras atribuições, nos termos da lei: [...] VIII - colaborar
na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do
trabalho.
6
| 125
iluminação, ao conforto térmico, às instalações elétricas,
De acordo com a Portaria n. 1.127, de 02.10.2003, do
à movimentação, à armazenagem e ao manuseio de ma­
Minis­tério do Trabalho e Emprego, os procedimentos
teriais, às máquinas e aos equipamentos, às caldeiras, aos
para a elaboração de normas regulamentadoras relacio­
fornos e aos recipientes sob pressão. Também trata das
nadas à saúde, segurança e condições gerais de trabalho
atividades insalubres e perigosas, da prevenção da fadiga,
adotam como princípio o Sistema Tripartite Paritário,
de outras medidas especiais de proteção, bem como das
garantindo a participação do governo, dos trabalhado-
penalidades aplicáveis às infrações dos seus dispositivos.
res e dos empregadores, com a previsão de realização
De acordo com Rocha (2002, p.227), embora deno­­
de audiências públicas, seminários, debates, conferên-
minadas preventivas, as medidas descritas acima,
cias ou outros eventos, quando necessário, como forma
constituem-se, de fato, em disposições protetivas à saúde
de promover a ampla participação da sociedade.
dos trabalhadores. Tal dimensão preventiva, segundo
Por outro lado, embora a necessidade de medidas
esse autor, somente pode ser observada nas Normas
de restrição aos riscos do trabalho pareça algo inques­
Regulamentadoras (NR) do Ministério do Trabalho e
tionável, qualquer tentativa nesse sentido pode afetar
Emprego. Para exemplificar, podem ser destacadas as
a produção e, diante da ausência de uma atuação
normas que tratam do embargo ou interdição em caso
prioritária e sistemática das empresas, a fiscalização dos
de grave e iminente risco ao meio ambiente do trabalho
órgãos públicos torna-se imprescindível para garantir a
(NR-3); dos serviços especializados em engenharia de
segurança e a saúde do trabalhador.
segurança e medicina do trabalho – SESMT, com a fina­
lidade de promover a saúde e proteger a integridade do
trabalhador no local de trabalho (NR-4); da norma que
regulamenta o funcionamento da Comissão Interna de
Prevenção de Acidentes, vedando a dispensa arbitrária
do empregado eleito membro da Cipa, desde o registro
4 A importância do meio ambiente
do trabalho à saúde e à segurança
do trabalhador rural e urbano
de sua candidatura até um ano após o final de seu
mandato (NR-5); do programa de controle médico de
Em razão de fatores variados, a relação homem e
saúde ocupacional – PCMSO (NR-7); do programa de
meio ambiente do trabalho reflete na relação homem e
prevenção dos riscos ambientais – PPRA (NR-9); das
meio ambiente de vida, daí a relevância na análise do
condições do trabalho na indústria da construção civil
papel do meio ambiente do trabalho nos três níveis de
(NR-18); das condições sanitárias e de conforto nos
mão-de-obra: setores primário, secundário e terciário.
locais de trabalho (NR-24).
A Lei n. 8.080/909 (Lei Orgânica da Saúde) também se reporta várias vezes ao meio ambiente do trabalho e à saúde dos trabalhadores, tomando como base
um paradigma preventivo. Sob a mesma perspectiva,
a Lei n. 9.795/9910 (Lei da Educação Ambiental) atribui às empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, a promoção de programas destinados
à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria
e ao controle efetivo sobre o ambiente do trabalho.
9
Art. 6º, II, III, V, VIII; art. 16, V; art. 17, VII.
Art. 3º, V.
10
126 |
Segundo Araújo (2008), fazem parte do setor pri­
mário da economia
As entidades econômicas voltadas para a silvicultura
(extração de recursos naturais de florestas), extra­
tivismo (mineração) agricultura e pecuária. Parte da
produção do setor primário destina-se a servir como
matérias-primas para outros setores ou ao consumo
direto da população (nor­malmente os produtos
hortifrutigranjeiros) (ARAÚJO, 2008, p.4).
E continua o mesmo autor ensinando que
[...] o setor secundário é constituído pela atividade indus­
trial (de transformação). Dentro da produção industrial
Revista da
destacam-se a indústria de bens de capital (máquinas,
equipamentos e instalações industriais), que tem como
finalidade aumentar a capacidade produtiva da economia
e a indústria de bens de consumo. Os bens de consumo
podem ser classificados como de consumo imediato e de
consumo durável. Já no setor terciário estão classificadas
as empresas comerciais e de prestação de serviços. As
empresas comerciais funcionam como intermediários
de marketing: não agregam transformação da natureza
dos produtos, mas agregam os serviços de promoção,
distribuição e comercialização (ARAÚJO, 2008, p.4).
Portanto, pode-se dizer que cada espécie de meio
FAE
Através do art. 3º, §1º da mesma Lei, entende-se
por meio ambiente de trabalho rural,
o lugar onde o trabalhador está a serviço ou à dispo­si­
ção daquele que desenvolve atividade agroeconômica,
incluídas as de natureza industrial em estabeleci­mento
agrário.
No meio ambiente do trabalho rural está o obreiro
que desenvolve atividades em contato direto e maior
com os fatores naturais. Estão nas chamadas regiões
rurais, em tarefas agrícolas ou artesanais, bem como em
ambiente possui características próprias e pecu­liari­
ocupações similares ou conexas, tratando-se tanto de
dades relativas à atividade desenvolvida pelo traba­
assalariados, como daqueles que trabalham por conta
lhador (ao ocupar determinada função na produção
própria, como os arrendatários e pequenos proprietários
industrial, agrícola, prestação de serviço etc.). Conhecer
(GENEBRA, 1975).
as condições do meio ambiente do trabalho pode ser
A vida do trabalhador rural tem sofrido profundas
interpretado como o mesmo que conhecer as pers­
transformações, baseada, originalmente, no emprego da
pectivas de vida e saúde no meio ambiente geral.
energia humana, tem sido modificada pela mecanização,
Assim, iniciar-se-á uma análise da importância do meio
pelo crescimento da industrialização, bem como pelo
ambiente do trabalho à saúde e à segurança para os
emprego de produtos químicos e a utilização de abonos
trabalhadores do meio rural e em seguida para os
artificiais no lugar dos naturais. Moraes (2002, p.36),
trabalhadores do meio urbano e industrial.
O meio ambiente do trabalho rural está entre os
mais prejudicados e desprezados, desempenhando os
trabalhadores suas atividades habituais em condições
delicadas à sua saúde e segurança. Acerca deste fato, a
autora Moraes (2002, p.34) comenta que
O maior fator do descaso empresarial se sustenta na
própria fragilidade do trabalhador rural que, na grande
maioria, carece de conhecimento sobre seus direitos
e, até mesmo, acerca de sua dignidade como pessoa
humana. A necessidade de subsistência encontra na
pessoa do trabalhador rural a vantagem de que precisam
os empregadores para a exploração e intensificação do
descaso com a saúde e segurança no meio ambiente do
trabalho rural.
A Lei n. 5.889/73 traz em seu artigo 2º o conceito
de trabalhador rural nos seguintes termos:
empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade
rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não
eventual a empregador rural, sob a dependência deste e
mediante salário.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009
acerca do presente tema, ensina:
[...] por meio de técnicas inoperantes para a proteção da
saúde e segurança, o meio ambiente do trabalho rural
passa por transformações que avançam em proporção
inversa à industrialização, provocando desequilíbrio
consi­derável no meio ambiente em geral. Por exemplo,
no campo ou na plantação, o trabalhador, ao utilizar
inseticida, lança ao ar partículas que se depositam sobre
troncos, solo, frutos etc. Deve-se proporcionar orientações
e instruções sobre como utilizar tais produtos, bem
como promover a proteção dos trabalhadores contra
os possíveis danos que o contato com essas substâncias
podem ocasionar.
E continua a mesma autora enunciando que
Sendo a natureza o principal recurso do trabalhador
rural na execução de seu labor, é indispensável sua
correta utilização, por meio do respeito e da observação
das normas de proteção ao meio ambiente em geral
e, em conseqüência, das normas de proteção ao meio
ambiente do trabalho. Pois que, a contaminação ou
a deterioração dos elementos naturais (solo, água,
plantas, ar, animais etc.) resulta em prejuízos graves
| 127
e irreversíveis, quer para a vida do trabalhador rural,
quer para a vida de toda uma coletividade, sendo o
meio ambiente do trabalho saudável resultado do
meio ambiente de vida equilibrado, numa interação
conjunta à proteção da saúde e da segurança do
trabalhador.
Já a importância do ambiente do trabalho para
a saúde e a segurança no meio urbano e industrial
caracteriza-se pelo avanço da industrialização, uma
vez que o homem passou do campo para a cidade, em
busca de melhores condições de vida e de trabalho.
O crescimento industrial mostrou-se adverso ao
obreiro urbano, traduzido hodiernamente por meio
da crescente deterioração da qualidade de vida, com
sérias repercussões no futuro, facilmente constatadas
no surgimento das doenças ocupacionais.
O trabalhador urbano é aquele que exerce suas
atividades dentro de área considerada desenvolvida,
com infraestrutura (água, esgoto, gás, eletricidade
etc.) e/ou com serviços urbanos (transporte, educa­
ção, saúde etc.). A evolução dos métodos de produção
e dos meios de transporte e de comércio tem possibi­
li­tado a instalação de indústrias em distintos locais,
o que em alguns aspectos, descaracteriza o conceito
de traba­lhador urbano, em virtude de o mesmo
exercer suas funções em área escassa de urbaniza­
que não mais se suprem com a terra, mas, com o salário
que o trabalhador recebe como contraprestação pelos
serviços realizados.
É preciso observar e respeitar as condições laborais
e os fatores que possam influenciar e agredir o direito
ao meio ambiente do trabalho saudável. Esses fatores
são variados, podendo ser físicos, como temperatura,
umidade, pressão, gases, vapores, radiações ionizantes,
ruídos e vibrações etc.; ser referentes à organização do
trabalho, como o trabalho repetitivo ou monótono, o
trabalho extraordinário e noturno etc.; ou ainda, ser
relacionados ao clima psicológico inerente na empresa,
envolvendo a saúde mental do empregado.
A luta pelo meio ambiente do trabalho saudável
deve começar pela sua própria proteção, por meio da
prevenção das atividades laborais contra as condições
agressivas à saúde e segurança. As medidas de prevenção
correspondem, essencialmente, às de caráter técnico e
médico. A respeito deste tema, Moraes (2002) ensina
que no campo técnico, entre as possíveis atuações
têm-se a substituição de substâncias perigosas e a
utilização de sistemas de aspiração, de umedecimento
e de filtração, para captar ou neutralizar substâncias
nocivas nos lugares onde se formam ou de onde se
desprendem, como forma de encontrar soluções para
ção. Portanto, trabalhador urbano na concepção de
as novas doenças resultantes do efeito industrialização.
Moraes (2002, p.39)
No âmbito médico, as medidas de proteção objetivam
Também é aquele que presta serviços nas periferias das
cidades, em áreas onde não se observa infraestrutura
suficiente para prover as necessidades da população. No
entanto, assim como no trabalho rural é a natureza da
atividade econômica desenvolvida pelo empregador
que identifica a espécie de ambiente de trabalho e
seus sujeitos.
revelar os efeitos do meio ambiente laboral à saúde e
prevenir o aparecimento de enfermidades profissionais
(doenças ocupacionais), através do controle e de exames
periódicos.
Sendo assim, quer no meio urbano e industrial,
quer no meio rural, devem ser promovidas medidas que
viabilizem atividades e condições de trabalho dignas da
O trabalhador urbano está para a máquina como
pessoa humana, priorizando-se o respeito e a aplicação
o trabalhador rural está para a terra. A máquina é sua
das normas de segurança do trabalho, para que os
ferramenta de trabalho e a energia mecânica substitui
trabalhadores possam adquirir os subsídios de sua
a força física. O campo e a terra são trocados pelo meio
existência, sem ter de pôr em risco a própria saúde ou
industrial e alimentação e moradia são necessidades
integridade física.
128 |
Revista da
Considerações finais
FAE
nos modos de produção, tem gerado dúvidas aos
operadores do direito e evidenciado a lacuna da lei
O presente artigo objetivou demonstrar os direitos
frente às mudanças.
e as garantias do trabalhador a um meio ambiente de
Nesse sentido, embora o meio ambiente do tra­
trabalho sadio e seguro, como forma de prevenção de
balho esteja condicionado ao local onde o homem
infortúnios no exercício de sua atividade laboral. Nesse
obtém os meios para prover o quanto necessário para
campo de incidência, conceituou-se o meio ambiente
a sua sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio
de trabalho, identificando sua importância para a saúde
com o ecossistema, é tarefa do intérprete conciliar caso
e a segurança do trabalhador.
a caso e aplicar o melhor conceito, sempre em prol da
Evidenciou-se que a atual Constituição Federal de
proteção jurídica do trabalhador.
1988, refletindo as preocupações da sociedade inter­
Além disso, também pôde ser visualizado que,
nacional com a viabilidade de vida no planeta, alçou
a partir da Constituição Federal de 1988, a saúde
o meio ambiente, enquanto bem essencial à sadia
do trabalhador deixou de ser matéria apenas de
qualidade de vida, a direito fundamental, tanto para as
legislação ordinária, elevando-se à categoria de direito
presentes como para as futuras gerações, nos termos do
fundamental (art. 7.º, XXII, XXIII) e, portanto, cláusula
caput de seu art. 225. Observou-se que quando a Norma
pétrea. O meio ambiente do trabalho passou a receber
Fundamental menciona “meio ambiente ecologicamente
tutela mediata (art. 225, caput, § 1.º, IV, VI e § 3.º) e
equilibrado”, ela se refere a todos os aspectos do meio
imediata (art. 200, VIII). Porém, apesar da existência
ambiente. E, ao dispor que o homem, para encontrar uma
de todos os aparatos da tutela da ambiência laboral, a
sadia qualidade de vida, necessita viver nesse ambiente
verdadeira prevenção das questões do meio ambiente
ecologicamente equilibrado, tornou obrigatória, tam­
do trabalho somente será efetiva e definitiva, quando
bém, a proteção do ambiente em que passa a maior
a sociedade e o empresariado tomarem consciência
parte de sua vida produtiva, qual seja, o do trabalho.
de que o custo da prevenção é muito menor e mais
Assim, caracterizou-se o habitat laboral como sendo
tudo o que envolve e condiciona, direta e indiretamente,
significativo que o custo da reparação dos danos
causados aos trabalhadores.
o local onde o homem obtém os meios para prover o
Sendo assim, quer no meio urbano, industrial ou
necessário à sua sobrevivência e desenvolvimento, em
rural, devem ser promovidas medidas que viabilizem
equilíbrio com o ecossistema. Portanto, a contrario
atividades e condições de trabalho, dignas da pessoa
sensu, quando este “habitat” revela-se inidôneo para
humana, priorizando-se o respeito e a aplicação
assegurar as condições mínimas a uma razoável quali­
das normas de segurança do trabalho, para que os
dade de vida do trabalhador, ter-se-á uma lesão ao meio
traba­lhadores possam adquirir os subsídios de sua
ambiente do trabalho.
existência, sem pôr em risco a própria saúde ou
Outrossim, as relações no mundo do trabalho
integridade física.
continuam a sofrer alterações e, por conseguinte, a
Busca-se, dessa forma, uma nova visão de proteção
noção do meio ambiente do trabalho não pode ser
aos trabalhadores, não mais na esfera individualista
imutável, pelo contrário, necessita refletir as evoluções
do Direito do Trabalho, da monetarização dos riscos
sociais e técnicas que constantemente se aprimoram.
e do pagamento dos adicionais, sejam eles os de
Conceituar meio ambiente do trabalho levando em
periculosidade, insalubridade ou penosidade, mas na
consideração as flexibilizações no direito, a globalização
perspectiva de uma inovadora temática de prevenção,
da economia, as mudanças nas relações laborais e
informação e precaução.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009
| 129
Porém, percebe-se que, apesar da legislação
trabalhadores. E isso, efetivamente, tem implicado a
existente, infortúnios decorrentes das atividades labo­
degradação do ambiente em que se desenvolvem as
rais costumeiramente acontecem, em que pese a
atividades laborativas.
acentuada evolução do direito do trabalhador à saúde
Não se pode propor direito a um ambiente ecolo­
e às condições dignas de trabalho. Infelizmente, apesar
gicamente equilibrado, como reiteradamente referido
de constar em nosso ordenamento jurídico a segurança,
neste artigo, sem que se tenha por objetivo a garantia
a higiene e a medicina do trabalho como direito pú­
da preservação da própria vida humana com dignidade
blico dos trabalhadores de exercerem suas funções
e salubridade. Portanto, não há como se falar em
em ambiente de trabalho seguro e sadio, a realidade
democracia e Estado Democrático de Direito no tocante
das estatísticas das doenças e acidentes do trabalho
à saúde, à segurança e à prevenção de acidentes do
evidencia que os interesses econômicos ainda superam
trabalho, se não houver verdadeira, pronta e eficaz
os interesses humanos.
atuação integrada de toda a sociedade na proteção ao
Conquanto, ainda que paradoxalmente, sobreleve-se
meio ambiente do trabalho. Assim, espera-se que estas
a mundial preocupação com a preservação e recupe­
reflexões despertem interesse para outras de maior
ração do meio ambiente, numa visão equivocada, a
alcance e conteúdo, com o objetivo de sensibilizar
busca pelo lucro material parece mais intensa nesta
a todos da necessidade de fazer valer os princípios
era de globalização econômica, em que se integram os
normativos da ambiência laboral, que garantam ao
mercados e libera-se o comércio internacional. De fato,
trabalhador a sua saúde e a sua segurança.
essa nova ordem mundial vem impondo profundas
mudanças na organização dos processos de trabalho,
visando ao aumento da produtividade e à redução dos
custos, em um contexto no qual ganha nova dimensão
a relação entre trabalho e as condições de vida dos
•Recebido em: 23/06/2009
•Aprovado em: 02/09/2009
Referências
ARAÚJO, O. P. O Sistema econômico. Disponível em: <http://www.dearaujo.ecn.br/cgi-bin/asp/sistemaEconomico04.asp>.
Acesso em: 6 mar. 2008.
BRAGA, B. Introdução à engenharia ambiental. São Paulo: Prentice Hall, 2002.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 29.ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
______. Lei n.º 5.889, de 08 de junho de 1973. Estatui normas reguladoras do trabalho e dá outras providências.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 11 jun. 1973.
______. Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 02 set. 1981.
______. Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 11 set. 1990.
______. Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação
da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 20 set. 1990.
130 |
Revista da
FAE
______. Lei n.º 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação
Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 28 abr. 1999.
______. Portaria n.º 1.127, de 2 de outubro de 2003. Estabelece procedimentos para a elaboração de normas regulamentares
relacionadas à saúde, segurança e condições gerais de trabalho. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília,
DF, 03 out. 2003. Disponível em: <http://www.trt02.gov.br/geral/tribunal2/orgaos/MTE/Portaria/P1127_03.htm>.
Acesso em: 05 mar. 2008.
______. Ministério do trabalho e Emprego. Normas regulamentadoras. Disponível em: <http://www.mte.gov.br>.
Acesso em: 05 abr. 2008.
DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. 5.ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003.
FERNANDES, F. A. O princípio da prevenção no meio ambiente do trabalho e o ministério público do trabalho. Revista LTr,
São Paulo, v.70, n.12, p.1460-1471, dez. 2006.
FIORILLO, C. A. P. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004.
______. Fundamentos constitucionais da política nacional do meio ambiente: comentários ao artigo 1º da Lei 6.938/81.
In: Direito n.2 – Programa de Pós Graduação em Direito da PUC-SP. São Paulo: Max Limonad, 1995.
GENEBRA. Convênio da Organização Internacional do Trabalho, n.141, 1975. Dispõe sobre as organizações de
trabalhadores rurais.
MANCUSO, R. C. Ação civil pública trabalhista: análise de alguns pontos controvertidos. Revista do Ministério Público do
Trabalho, Brasília, 2002.
______. Comentários ao código de proteção ao consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991.
MORAES, M. M. L. O direito à saúde e segurança no meio ambiente do trabalho: proteção, fiscalização e efetividade
normativa. São Paulo: LTr, 2002.
PADILHA, N. S. Do meio ambiente do trabalho equilibrado. São Paulo: LTr, 2002.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO – PNUD. Relatório do desenvolvimento humano de 1998:
padrões de consumo para o desenvolvimento humano. Disponível em: <http://www.pnud.org.br>. Acesso em: 29 fev. 2008.
______. Relatório do desenvolvimento humano de 1999: globalização com uma face humana. Disponível em:
<http://www.pnud.org.br>. Acesso em: 29 fev. 2008.
ROCHA, J. C. S. Direito ambiental do trabalho: mudanças de paradigma na tutela jurídica à saúde do trabalhador.
São Paulo: LTR, 2002.
______. Direito ambiental e meio ambiente do trabalho: dano, prevenção e proteção jurídica. São Paulo: LTr, 1997.
SILVA, J. P. Repensando a relação entre trabalho e cidadania social. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.9, n.4, p.6-12, 1995.
SÜSSEKIND, A. L. Instituições de direito do trabalho. 21.ed. São Paulo: LTr, 2003.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009
| 131
Revista da
FAE
Estatuto da criança e do adolescente: 19 anos de subjetivações
Statute of the child and adolescent: 19 years of subjectivations
Mário Luiz Ramidoff*
Crianças que “brincam” no pátio da escola ou
nas ruas estão construindo e reconstruindo
o mundo das normas dos adultos. Quanto
mais autonomia tiverem, mais inventivas
e democráticas serão para reconstruir a
sociedade brasileira em normas mais justas e
aceitáveis para todos.
(FREITAG, 1993)
Resumo
Nesses 19 (dezenove) anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente
foi possível constatar avanços práticos significativos para a expansão da
cidadania infanto-juvenil através da efetivação dos direitos individuais e do
asseguramento das garantias fundamentais destinados à proteção integral da
infância e da juventude.
Palavras-chave: adolescente; cidadania; constituição; criança; direitos;
emancipação; estatuto; garantias; infância; juventude;
subjetivação; subjetividade.
Abstract
In these 19 (nineteen) years of the Statute of the Child and Adolescent practical
developments could see significant expansion of citizenship to the children
and youth through the realization of individual rights and the securing of
fundamental guarantees for the full protection of children and youth.
Keywords: adolescent; citizenship; constitution; chil; rights; emancipation;
statute; status-guarantees; children; youth; subjectivations;
subjectivity.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009
* Promotor de Justiça no
Ministério Público do
Estado do Paraná; Doutor em
Direito (PPGD-UFPR); Professor
Titular no UniCuritiba;
[email protected]
| 133
Introdução
Em virtude disto, observa-se que a comunicação
entre os segmentos sociais e os Poderes Públicos é a pedra
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990) para além
de regulamentar a proteção integral que se destina a
proteger a infância e a juventude (art. 1º), bem como a
designar criança e adolescente como sujeitos de direito
(art. 3º), e, assim, conceituá-los (art. 2º), também lhes
angular para a articulação das ações governamentais
e não-governamentais, isto é, para a construção das
“redes de proteção”. As “redes de proteção” se cons­
tituem, assim, através das ações governamentais e nãogovernamentais de atendimento direto à criança e ao
adolescente.
reconhece a titularidade de garantias fundamentais
A atuação dos atores e protagonistas sociais não
(art. 4º). A titularidade desses direitos e garantias advém
deve ser limitada somente ao cumprimento das funções
da qualidade jurídico-legal (constitucional e estatutária)
originárias, mas, diversamente, exige imersão na con­
de poder ser sujeito de direito. A capacitação de crianças
flituosa realidade que se apresenta no quotidiano do
e adolescentes para a titularidade e o exercício de
mundo da vida vivida. A mobilização da opinião pública
direitos individuais e das garantias fundamentais requer
que se constitui numa das diretrizes da política de
criação e manutenção das estruturas sociais (familiar e
atendimento, pois numa democracia é indispensável
comunitária) e estatais (equipamentos, instituições e
a participação dos diversos segmentos da sociedade,
órgãos públicos) que lhes assegurem o pleno desen­
consoante dispõe o inc. VI, do art. 88 da Estatuto,
volvimento de suas potencialidades humanas.
também se caracteriza como meio de comunicação
Essas instâncias estruturais devem articular não só
entre a sociedade e o Estado.
suas ações de atendimento, mas, também informações,
As instituições públicas, de seu turno, devem ser
experiências, e contribuições multidisciplinares que
estruturadas material – equipamentos adequados – e
possam oferecer soluções, cada vez mais, adequadas à
pessoalmente – por exemplo, com a criação e manu­
capacitação que potencializa a humanidade, o respeito
tenção de equipes interprofissionais, consoante arts.
e a responsabilidade daqueles novos sujeitos de direito.
150 e 151, do Estatuto. Os operadores que atuam no
Na área internacional, por exemplo, toda pessoa com
“sistema de garantia dos direitos” – então, constituído
idade inferior a 18 (dezoito) anos é considerada criança,
pelas instâncias legislativa e judiciária (Magistratura,
e esta é uma das diretrizes, ideologicamente, orientada
Ministério Público e Advocacia, dentre outros atores
pela centralidade da pessoa humana como núcleo
jurídico-sociais) – não devem se limitar às suas funções
irredutível de preocupação de toda norma jurídico-legal.
originárias, pois, mais do que nunca, tornou-se
A criança e o adolescente se constituem na
imperativa a articulação comunicacional com a “rede
matéria-prima da presente e das futuras sociedades
de proteção”.
(comunidades humanas), as quais deverão ser construí­
Eis, pois, a possibilidade de superação da buro­
das e reconstruídas através da participação ativa desses
cratização funcional das instâncias públicas e sociais,
novos sujeitos de direito na formulação de normas mais
as quais invariavelmente têm reduzido as suas ações
justas e democráticas. A mencionada participação é
ao oferecimento de respostas setoriais dissociadas da
deco­rrência direta do processo de redemocratização
confluência transdisciplinar indispensável para a prote­
que se deu, no Brasil, e, que, culminou com a instalação
ção integral da criança e do adolescente. E a superação
da Constituinte de 1987/1988, através da qual foram
dos obstáculos jurídicos, políticos e sociais assegura
adotadas democraticamente as diretrizes internacio­nais
a expansão dos direitos individuais e das garantias
relativas aos direitos humanos da criança.
fundamentais desse segmento social, senão, que é sinal
134 |
Revista da
FAE
da emancipação humanitária desses novos sujeitos de
O direito da criança e do adolescente se constitui
direito não só para a titularidade, mas, principalmente,
num subsistema jurídico-legal, que, também depende
para o exercício pleno da cidadania infanto-juvenil.
de seu “estatuto” próprio, conforme o qual o exercício
dos direitos e garantias atribuídos aos novos sujeitos
de direito, possibilita o reconhecimento de novos
1 Subjetivação
A subjetivação, em perspectiva emancipatória, é o
processo pelo qual se capacita a pessoa humana para ser
titular de direitos e garantias. A emancipação subjetiva da
criança e do adolescente, isto é, a melhoria da qualidade
de suas vidas individuais e coletivas, é decorrência direta
do asseguramento e efetivação desses direitos e garantias
cuja implementação perpassa pela concretização jurídica,
política e social do ideário democrático.
O ideário democrático, por sua vez, que orienta
a efetivação dos direitos individuais e da garantias
fundamentais especificamente destinados à proteção
integral da infância e da juventude, encontra suas
orientações político-ideológicas nas “Leis de Regência”
(RAMIDOFF, 2008a), quais sejam: a Constituição da
República de 1988 e o Estatuto da Criança e do
Adoles­cente. A partir dessas bases político-ideológicas
pode ser afirmado que a criança e o adolescente são
sujeitos de direito – senão, na feliz conceituação de
Tercio Sampaio Ferraz Júnior (2007), sujeitos jurídicos –,
pois são titulares de direitos individuais e garantias
valores (humanitários), bem como assegura proteção
integral da infância e da juventude. Pois, como adverte
Ferraz Júnior (2007), o reconhecimento legal – aqui,
constitucional e estatutário – de tais direitos e garantias
à criança e ao adolescente, constitui-se num processo
específico de subjetivação, a qual a “própria ordem
jurídica encarrega-se, então, de isolá-los e integrá-los
num sistema dentro do qual adquirem sentido”.
Esses processos de subjetivação que permitem a
emancipação humanitária da infância e da juventude,
também promovem o asseguramento de garantias,
em perspectiva absolutamente prioritária, enquanto
instrumental adequado para superação dos obstáculos
jurídicos, políticos e sociais, potencializando, assim, a
efetivação dos direitos individuais, de cunho fundamental,
que são afetos aos novos sujeitos de direito.
Essas “vias de obstrução” são identificadas por
Freitag (1993) e, assim, exemplificadas pela
exclusão da criança da escola e a imposição feita às
crian­ças fora da escola de se submeterem aos ditames
dos mais velhos e das classes dominantes, integrando-as
prematuramente no processo de trabalho para asse­
gurarem sua sobrevivência.
fundamentais que cabe ao direito objetivo reconhecer
e assegurar.
Nessa passagem doutrinária, é possível constatar
A subjetivação pode ser identificada então como
que os obstáculos jurídicos, políticos e sociais ao
sinal de respeito e responsabilidade pela infância e
pleno exercício da cidadania infanto-juvenil, quando
juventude, pois se constitui em expressão da condição
não impedem a efetivação dos direitos individuais e
humana peculiar às pessoas que se encontram numa
o asseguramento das garantias fundamentais, cons­
daquelas fases da vida. Em razão disto, o exercício
tituem-se, na verdade, em ameaças e violências ao
dos direitos individuais e das garantias fundamentais
pleno exercício da cidadania infanto-juvenil.
destinados à proteção da infância e da juventude
Em virtude disto, a legislação especial (estatutária)
dependerá do que dispuser cada uma das legislações
foi estabelecida no ordenamento jurídico brasileiro,
especiais, as quais, contudo, deverão guardar confor­
com o intuito de que fossem objetivadas as normas que
midade com as bases político-ideológicas das “Leis de
conferem capacidade a essas novas titularidades para
Regência” do direito da criança e do adolescente.
o exercício pleno da cidadania infanto-juvenil. Esses
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009
| 135
avanços práticos são decorrentes da política jurídica –
resolu­ção adequada, senão, mesmo para efetibilidade
nos moldes do que sempre pontuou Melo (1994)1 – que
social (PERELMAN, 1999) das decisões judiciais.
teve compromisso com o agir protetivo, como ainda
Enfim, é preciso reconstruir a dimensão política
deve ter “toda ação político-jurídica”, a qual se define
que seja voltada para o direito da criança e do
“como uma operação do fazer ou seja o conjunto de
adolescente. E isto é possível através da elaboração
procedimentos que levem o agente à realização de uma
de políticas institucionais que incentivem mudanças
idéia, de um querer”, aqui, protetivo.
significativas na atuação profissional para a proteção
Por exemplo, cabe a todo aquele que atua no
da infância e da juventude. Porém, a elaboração dessas
“sistema de garantia dos direitos”, participar sempre que
políticas institucionais devem ser permanentes, e, acima
possível das reuniões dos Conselhos dos Direitos; ouvir,
de tudo, observar a participação paritária daqueles que
orientar e reunir-se para trocas de informações com os
desenvolvem as atribuições e compe­tências funcionais.
Conselheiros Tutelares; visitar equipamentos públicos e
A elaboração participativa (democrática) dessas
comunitários para prevenção de ameaças e violências aos
políticas institucionais deve observar as orientações
direitos da criança e do adolescente; atender diariamente
huma­nitárias consagradas normativamente tanto
crianças, adolescentes, pais ou responsável, bem como
na Constituição da República de 1988, quanto no
membros de seus respectivos núcleos familiares; manter
Estatuto da Criança e do Adolescente. Essas políticas
conversação com as equipes técnicas que atuam nos
institucionais que se destinam a reordenar a atuação
equipamentos e progra­mas de atendimento, bem como
profissional na área da infância e da juventude, por
com as equipes interpro­fissionais do Juizado da Infância
certo, não podem mais circunscrevê-las tão somente
e da Juventude; acompanhar, orientar e fiscalizar a
às atribuições e competências originárias que são
execução dos programas sociais de proteção à infância
desenvolvidas no interior do Sistema de Justiça
e à juventude – ainda, que, incompletos, mas que na
Infanto-Juvenil, isto é, no âmbito estritamente pro­
prática são os que efetivamente atendem crianças e
cessual (procedimental).
adolescentes –, pois somente assim será possível o seu
aperfeiçoamento e adequação.
A atuação político-social (extrajudicial) que não
se reduza apenas ao desenvolvimento das atribuições
Essas são dentre tantas outras atividades extraju­
e competências judiciais pelos operadores do “sistema
diciais que diariamente se desenvolvem de forma
de garantia dos direitos”, talvez, mais do que tudo isso,
imperceptível nas estatísticas oficiais; quando não,
assegure, sim, a plenitude e a expansão dos direitos
sequer são contabilizadas na atuação profissional origi­
individuais e da garantias fundamentais que constituem
nária daqueles que atuam no “sistema de garantia
a cidadania infanto-juvenil.
dos direitos”, mas, que, indiscutivelmente, previ­nem
Por isso, a atuação político-social dos operadores
demandas judiciais desnecessárias através de contri­
do direito também se configura numa significativa
bui­ções transdisciplinares que são decisivas para a
contribuição nos processos de subjetivação que permitem
1
Segundo o autor, os “elementos básicos de uma ação dotada
de eficácia se configuram na existência de um agente (ente
capaz de determinar-se); de meios hábeis (estratégias sob
orientação normativa); e de um fim desejado (o desenho
do devir ou da utopia). Esses três elementos pois terão que
estar presentes em toda ação política-jurídica”.
136 |
a emancipação humanitária da criança e do adolescente,
isto é, a melhoria da qualidade de vida individual e
coletiva da criança e do adolescente, precisamente,
por assegurar a efetivação de direitos e garantias que
constituem a cidadania infanto-juvenil.
Revista da
2 Subjetividade
FAE
Esse novo subsistema jurídico-legal denominado de
direito da criança e do adolescente, por seu turno,
A subjetividade jurídica (DIMOULIS, 2007), é
“uma qualidade conferida única e exclusivamente
pelo ordenamento jurídico, que pode reconhecer ou
não a determinadas pessoas a qualidade de sujeito
de direito”. A subjetividade jurídica (constitucional e
possui orientação teórico-pragmática que lhe permite
legitimar e justificar (argumentativa e discursivamente)
a intervenção estatal e social que se destina à proteção
integral da infância da juventude.
Essas
orientações
teórico-pragmáticas
devem
estatutária) reconhecida à criança e ao adolescente tem
ser desenvolvidas em torno do que se convencionou
o intuito precípuo de lhes assegurar o protagonismo
denominar de “doutrina da proteção integral”, a qual
não só jurídico-legal, mas principalmente político-social
sintetiza os direitos humanos que são especificamente
através da titularização de direitos individuais e garan­
destinados à criança e ao adolescente, conforme pode
tias fundamentais, em perspectiva emancipatória.
se constatado pela própria elaboração legislativa do
A criança e o adolescente são sujeitos de direito
art. 227, da Constituição da República de 1988.
que se encontram na condição humana peculiar
A doutrina da proteção integral se compõe de
de desenvolvimento (art. 6º do Estatuto), e, assim,
um sistema que possui “duas vertentes: uma positiva
enquanto cidadãos se constituem nos elementos de
e outra negativa” (SOUZA, 2001). A dimensão posi­
preo­cupação central do ordenamento jurídico brasileiro,
tiva da doutrina da proteção integral ensejaria o
motivo pelo qual lhes são reconhecidas específicas
reconhecimento de uma sistemática de concessões à
garantias absolutamente prioritárias. É o que se encontra
criança e ao adolescente, isto é, enquanto sujeitos de
expressa­mente consignado tanto na Constituição da
direitos originários e fundamentais são merecedores
República de 1988, quanto no Estatuto da Criança e do
das medidas legais, políticas, sociais, econômicas dentre
Adolescente, quando, então, distinguiu-se esses novos
outras para a “fruição de tais direitos (informação,
cidadãos pela garantia da absoluta prioridade para o
saúde, desenvolvimento, etc.)”.
asseguramento (art. 227 da Constituição) e a efetivação
A dimensão negativa daquela doutrina determinaria
(art. 4º do Estatuto) de seus direitos individuais, de
“um sistema de restrições às ações e condutas” que
cunho fundamental.
pudessem se constituir em ameaça ou violação dos
A subjetividade jurídica (NOLETO, 1998), é
direitos individuais (humanos) e às garantias funda­
iden­tificada pela titularidade de direitos em pers­
mentais afetos à infância e à juventude, inclusive,
pectiva emancipatória, vale dizer, “o da titularidade
utilizando-se de medidas legislativas necessárias para
emancipatória de direitos, em razão dos quais as
tal desiderato (RAMIDOFF, 2008a).
identidades individuais e coletivas se constituem
A criança e o adolescente deixam de ser objetos de
em luta pela ampliação dos espaços de liberdade,
tutela (objeto de algo) para se transformarem em sujeitos
na coexistência social”. A criança e o adolescente
de direito, isto é, em novas subjetividades jurídicas,
reconhecidos constitucional e estatutariamente como
políticas e sociais. É precisamente esta qualidade de
sujeitos de direito – vale dizer, como titulares de
sujeitos de direitos que lhes conferem a possibilidade
subjetividade jurídica, política e social, em pers­pec­
de referenciar seus próprios direitos e garantias espe­
tiva emancipatória –, constituem o núcleo irredutível
ciais. A criança e o adolescente (subjetividades) passam
de preocupação do novo subsistema jurídico-legal.
a constituir, a fazer de algo um objeto apreensível
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009
| 137
(titularidade), através da referenciabilidade protetiva da
existência humana transcendental infanto-juvenil.
Daí ser possível afirmar com Luiz Bicca (1997),
que, “objetivar, ou seja constituir, fazer de algo um
objeto, é uma prerrogativa da subjetividade”. Mas, tal
subjetividade certamente não se confunde com eventuais
individualismos e, sim, com a transcendentalidade da
proteção integral à infância e à juventude, enquanto
Paulo Sérgio Pinheiro (1993) já havia destacado
que a maioria da população brasileira é constituída por
pobres, indigentes e miseráveis que não tem os direitos
individuais assegurados efetivamente na prática; senão,
que, “os direitos individuais somente podem prevalecer
na medida direta em que forem reconhecidos como
direitos sociais para todos os grupos marginalizados,
mortificados e anulados na sociedade brasileira”.
A emancipação da pessoa deve representar,
fases da existência humana que configuram a cidadania
infanto-juvenil.
A objetivação jurídico-legal de direitos individuais e de
garantias fundamentais configura-se numa prerrogativa
da titularidade de direitos, isto é, numa expressão da
própria subjetividade infanto-juvenil. Com efeito, observase que a “principal finalidade dos direitos fundamentais
é conferir aos indivíduos uma posição jurídica de direito
subjetivo”, de acordo com Dimoulis e Martins (2007),
e, “consequentemente, limitar a liberdade de atuação
dos órgãos do Estado”. Já as garantias fundamentais
corresponderiam “às disposi­ções constitucionais que não
enunciam direitos, mas objetivam prevenir e/ou corrigir
uma violação de direitos”, conforme entendimento
daqueles dou­trinadores.
então, a superação dos obstáculos jurídicos, políticos
e sociais, pois somente assim será possível assegurar
a efetivação dos direitos individuais e das garantias
fundamentais afetos à criança e ao adolescente. A
titularidade e o exercício da subjetividade jurídica,
política e social infanto-juvenil – assim como os pro­
cessos de subjetivação – deverão ser desenvolvidos
à luz das orientações humanitárias ideologicamente
consa­gradas, na doutrina da proteção integral, senão,
através de ações emancipatórias que assegurem a
melhoria da qualidade de vida individual e coletiva
para a criança e o adolescente.
Não basta, pois, tão somente plasmar na Consti­
tuição da República de 1998 e ou mesmo no Estatuto da
Criança e do Adolescente direitos indivi­duais e garantias
fundamentais, como, por exemplo, o relativo à não
responsabilização penal de crianças e adolescentes. É
3 Cidadania infanto-juvenil
preciso, pois, diversamente, adotar impeditivos jurídicos,
políticos e sociais para o enfren­tamento de ameaças
A ideia do que se possa entender, hoje, por “cida­
dania infanto-juvenil”, vincula-se indissociavelmente à
noção de emancipação da pessoa humana. Neste sentido,
Schimdt (1993) tem observado que “falar, portanto, em
cidadania é reafirmar o direito pela plena realização
e violências à cidadania infanto-juvenil, como, por
exemplo, representadas por aprova­ções parlamentares
de propostas legislativas que se destinem a suprimir,
quando não, restringir o exercício de direitos e garantias
afetos à criança e ao adolescente.
do indivíduo, do cidadão, e de sua emancipação nos
O “grande aprendizado talvez tenha sido a cons­
espaços definidos no interior da sociedade”. A noção de
tatação de que a vigência de um regime tenden­
emancipação, assim, vincula-se ao princípio fundamental
cialmente democratizante não é condição automática
da dignidade da pessoa humana, então, enunciado
no inc. III, do art. 1º da Constituição da República de
para o alastramento e consolidação desses direitos
sociais” (PINHEIRO, 1993)2.
1988, enquanto signo maior da redemocratização
das ações e relações sociais, senão, principalmente,
dentre aquelas estabelecidas com as instâncias estatais
(Poderes Públicos).
138 |
2
Pois, para o autor uma coisa “é fazer a defesa de direitos
individuais e sociais de pequeno grupo de oprimidos
(politicamente) na ditadura; outra é promover a defesa
desses direitos para a esmagadora maioria da população”.
Revista da
FAE
A superação dos obstáculos que se verificam no
para a qualquer ação humana, seja ela jurídica, política
quotidiano brasileiro, é a superação emancipatória
ou social. A mutação que tais necessidades sofreram
que se opera em relação às mais diversas formas
comprova que o progresso humano não é linear, preci­
de ameaças e violências contra direitos, garantias,
samente, quando “é entendido como o aumento da
senão, diretamente, sobre a própria transcendência da
capacidade humana de superar suas privações no
cidadania infanto-juvenil.
sentido de recuperação e ampliação de sua qualidade
A efetivação da cidadania infanto-juvenil corres­
ponde à expansão permanente do atendimento das
de vida e de bem-estar e de emancipação individual e
coletiva” (GUSTIN, 1999).
necessidades pessoais e sociais da criança e do adoles­
A efetivação dos direitos individuais e das garan­
cente, com vistas à capacitação para a titularidade e o
tias fundamentais afetos à infância e à juventude
exercício de direitos individuais e garantias funda­
asseguram o atendimento das necessidades através
mentais que lhes são pertinentes.
da implementação das políticas públicas (programas
A capacidade humana para a superação do conjun­
to de necessidades que circunstanciam a existência das
sociais), senão, pela intervenção jurídico-legal do Poder
Judiciário.
pessoas, aqui, na área destinada à proteção da criança
e do adolescente, pode ser potencializada através
do apoio institucional a ser oferecido por programas
soci­ais de atendimento desenvolvidos por ação governa­
men­tais e não-governamentais.
Portanto, tais direitos e garantias afetos à criança
e ao adolescente são indispensáveis para o “desenvol­
vimento pleno da autonomia” infanto-juvenil, conforme
relata Gustin (1999), ao demonstrar que “o princípio da
satisfação de necessidades (das políticas sociais ou da
A superação dessas necessidades passa a ser, na
esfera jurídica) deveria orientar-se não somente num
sociedade moderna, uma demanda permanente pela
sentido restrito de satisfação de carências materiais,
melhoria da qualidade de vida individual e coletiva;
e, nas áreas relacionadas à proteção da infância e da
juventude, apenas verificada com a efetivação dos
direitos individuais, senão, pelo asseguramento das
garantias fundamentais de que são titulares a criança
e o adolescente.
Cada uma das superações se constitui expressão
dos processos de emancipação subjetiva que são inter­
mi­náveis, senão, aqui, cotidianamente, verificados
durante a infância e a juventude, enquanto fases da
exis­tência humana.
mas de atribuírem aos cidadãos capacidades de se
auto-regerem e de participarem com autonomia crítica
da sociedade, tanto no que se refere à ação quanto à
capacidade argumentativa”.
Assim como a Constituição da República de 1988
continua constituindo (RAMIDOFF, 2003)3, o Estatuto
da Criança e do Adolescente permanece subjetivando
crianças e adolescentes como sujeitos de direito, através
do reconhecimento, o asseguramento e a efetivação dos
direitos e garantias fundamentais que lhes são afetos.
É o que entende Miracy Barbosa de Sousa
Gustin (1999) por processo de emancipação humana
identificado, pois, por ser um “processo de construção
normativa que, através da expansão das relações
democráticas, realiza-se no constante desvendamento
de novas alienações e das variadas formas de exclusões
do mundo contemporâneo”.
Com isto, demonstra-se que as necessidades so­
ciais que as pessoas experimentam são estruturantes
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009
3
Isto é, “enquanto possibilidade de constitucionalidade, ou
seja, de vínculos mais fortes de substancialidade, entendidos
como tais à interpretação do texto constitucional segundo
os valores da dignidade e do respeito pela pessoa humana,
tornando, desta forma, coerente e compatível toda atividade
estatal, precisamente quando assegura a correspondência
entre a comunidade e a constituição”.
| 139
4 Emancipações subjetivas:
que são relativos, por exemplo, ao planejamento familiar;
avanços e retrocessos
à inclu­são digital; à sustentabilidade econômico-ambiental;
Em perspectiva, permanecem as proposições afirmativas que têm por objetivo a superação de toda sorte
de obstáculos, ameaças e violências aos direitos e garantias destinadas à criança e ao adolescente, enquanto
sujeitos de direito que se encontram na condição humana peculiar de desenvolvimento.
As orientações políticas e jurídicas oriundas dos
fundamentos e princípios derivados da doutrina da
proteção integral deverão constituir, por assim dizer, o
conteúdo significativo de uma “lógica político-jurídica”
protetiva que se destine a preservar os valores humanos
optados democraticamente como fundamentais para
crianças e adolescente – art. 227 da Constituição da
República de 1988.
Em que pese entendimentos contrários ao reco­
nhecimento do ordenamento jurídico como um “corpo
lógico de ideias (norma jurídicas, súmulas juris­pru­
denciais, interpretações doutrinárias), porque a relação
existente entre elas é incompatível com os princípios
do pensamento lógico (identidade, não-contradição e
terceiro excluído)” (COELHO, 1992)4. Eis, pois, impor­
tante limitador dos determinismos e dos fatalismos
sociais. Esses determinismos e fatalismos são, por vezes,
à responsabilidade empresarial social; à formulação e
à execução programas empresariais de aten­dimento; à
destinação orçamentária aos fundos para a infância e
juventude (FIA) conjugada ao Plano Plurianual (PPA).
Com tais avanços práticos é possível reduzir as
desigualdades sociais, de gêneros, econômico-finan­
ceiras, políticas, raciais, dentre outras; e, assim, assegurar
o pleno exercício dos direitos individuais e das garantias
fundamentais que integram a cidadania infanto-juvenil.
Pois, somente assim será possível estabelecer critérios
objetivos para a formulação de recomendações aos
organismos governamentais e não-governamentais, bem
como oferecer contribuições técnicas para resoluções
cada vez mais adequadas e culturalmente aceitas,
através da conversão político-social (ideologicamente)
em prol da infância e da juventude.
O convencimento projetado pelo reconhecimento
e a assunção de novos valores (humanitários), por
certo, requer mutação ideológica, a qual se constrói
estrutural e funcionalmente pela análise reflexiva de
um dado conhecimento que passa, assim, a considerar
criticamente os objetos estudados e as questões funda­
mentais que vão se apresentando ao longo da revisitação
investigativa.
expressos através de “juízos de realidade” dissociados
Não se pode desprezar que sazonalmente existem
da “aplicação criteriosa de juízos de valor” (MELO,
indícios de retrocessos, como, por exemplo, a recente
1998), em prol dos direitos e da proteção da criança e
aprovação pela Comissão de Constituição, Justiça e
do adolescente.
Cidadania do Senado Federal de proposição legislativa
A emancipação jurídica, política e social dessas
que discute a redução da idade de maioridade penal –
novas subjetividades deve ser permanente, pois somente
inimputabilidade penal, então, reconhecida como
assim a proteção integral poderá proporcionar à criança
direito individual, de cunho fundamental, nos termos
e ao adolescente titularidade e exercício de novos direitos
do art. 228, combinado com o art. 60, § 4º, inc. IV,
ambos da Constituição da República de 1988. 4
Mas, “o sistema jurídico não é um agrupamento totalmente
desordenado de ideias estranhas entre si; ele possui certa
unidade. Essa unidade é retórica. Ou seja, se as pessoas
certas da comunidade jurídica [...] se convencerem da
pertinência de certa idéia relativa ao direito, então essa
idéia passa a integrar o sistema jurídico”.
140 |
Não fosse apenas isto, recentemente, deparouse com o denominado “toque de recolher” através do
qual administrativamente o órgão julgador estabeleceu
por “portaria judicial”, de forma genérica, um determi­
nado horário limite para a circulação de crianças e
Revista da
FAE
adolescentes nas vias públicas. As “Leis de Regência”
da proteção integral” (RAMIDOFF, 2008a), quando
são firmes em assegurar à criança e ao adolescente o
não, o estabelecimento do direito da criança e do
direito individual, de cunho fundamental, de ir, vir e
adolescente, como disciplina obrigatória nos cursos de
permanecer; bem como em determinar a adoção de
graduação e de pós-graduação relativas às áreas do
medidas legais para a prevenção de ocorrências que
conhecimento que se destinam ao estudo, pesquisa e
ameacem ou violentem aqueles sujeitos de direito.
extensão protetiva da infância e da juventude; como,
Em que pese as mais diversas motivações para
adoção desta “bondade dos bons” (RAMIDOFF, 2008b),
por exemplo, direito, medicina, psicologia, pedagogia,
serviço social, dentre outros.
inclusive, sob o argumento de que seriam salvaguardados
Assim será possível distinguir a ideia de direito
os direitos fundamentais afetos à criança e ao ado­
como ordenamento jurídico, senão, como um dos seus
les­cente, certamente, não se constitui no meio e, sequer,
subsistemas ou mesmo como disciplina jurídica curricular
na proteção adequada para aqueles sujeitos de direito,
(conhecimento/saber)
consoante dispõe o art. 149 do Estatuto.
semânticas acerca do objeto (infância e juventude,
que
deve
conter
dimensões
É o que já se experimentou no México através
enquanto condição peculiar de desenvolvimento da
de decisões judiciais que se constituem em critérios
personalidade humana); dos objetivos (proteção inte­
jurídico-legais para elaboração de recomendações
gral enquanto cuidado especial dos direitos indi­viduais,
para o asseguramento dos direitos humanos afetos à
difusos e coletivos afetos à criança e ao adolescente
criança e ao adolescente. Tais decisões declararem a
para emancipação da personalidade hu­mana); dos fun­
inconstitucionalidade de tais medidas, uma vez que a
damentos (direitos humanos e direitos fundamentais); da
aplicação de um horário restringido para a circulação de
metodologia (estratégias de viés inter e transdiscipli­nar);
crianças e adolescentes viola o direito de liberdade de ir,
dos princípios (dignidade da pessoa humana e doutrina
vir e permanecer, isto é, de “trânsito” daqueles sujeitos
da proteção integral); e dos sujeitos de direito (criança e
de direito. Senão, como afirmam Graciela Sandoval
adolescente – subjetividades) (RAMIDOFF, 2008a).
Vargas e Edgar Corzo: “en agravio de los menores de
edad, advirtiéndose un trato discriminatorio a ese sector
de la poblácion” (VARGAS; SOSA, 2006)5.
Considerações finais
Os avanços civilizatórios e humanitários devem
servir como orientações ideológicas que impeçam tais
retrocessos, e, isto, pode ser muito bem assegurado
através da formulação de políticas públicas destinadas à
criança e ao adolescente, que, contemplem programas
sociais, em prol da infância e da juventude.
O Estatuto da Criança e do Adolescente nesses
19 (dezenove) anos de vigência, e, assim, de eficácia
e validade formal e material tem proporcionado
às pessoas que se encontram na condição humana
peculiar de desenvolvimento, isto é, na infância ou
Afigura-se, pois, imprescindível o desenvolvimento
na juventude, à subjetivação necessária para o reco­
doutrinário e pragmático de uma “teoria jurídica
nhecimento (titu­laridade) e o exercício de direitos e
garantias (subje­tividade jurídica).
Posto que “no constituye el médio legal e idóneo para
disminuir o erradicar el vandalismo o la delincuencia juvenil
en la localidad y, al contrario, la propia autoridad municipal
actúa de manera arbitraria [...] la aplicación de sanciones que
no se encuentran contempladas en ningún ordenamiento que
emane de una autoridad competente para tal efecto, violando
con ello los derechos a la legalidad y a la seguridad jurídica”.
5
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009
A subjetivação é o processo pelo qual são reco­
nhecidos direitos individuais e garantias funda­mentais
às pessoas.
E, aqui, na área jurídico-legal destinada à proteção
da infância e da juventude, tal reconhecimento atribui
| 141
titularidade daqueles direitos e garantias, às pessoas
tatar retrocessos contundentes à subje­tividade jurídica,
que se encontram na condição humana peculiar de
política e social inerente à infância e à juventude.
desenvolvimento, ou seja, às crianças e adolescentes.
Mas, é possível dizer que a criança e o adolescente
Assim, crianças e adolescentes passam a ter reconhecida
desde o advento da Constituição da República de 1988,
a qualidade de sujeitos de direito, pelo ordenamento
quando não, pelas proposições afirmativas do Estatuto
jurídico brasileiro, o qual “atribui a faculdade de
da Criança e do Adolescente, nos últimos 19 (dezenove)
adquirir e exercer direitos” (DIMOULIS, 2007).
anos, tiveram ampliado o âmbito jurídico, político e
A criança e o adolescente são sujeitos de direito
social da cidadania infanto-juvenil.
porque não só são tidos como titulares de direitos,
Por tudo isso, continua ser plausível tanto jurídico,
mas, também, porque são reconhecidos como tais
quanto político e socialmente afirmar que as “Leis
(protagonistas) por todo ordenamento jurídico brasileiro
de Regência” constituem e subjetivam a infância e a
através de garantias diferenciadas e especiais, como, por
juventude, no Brasil, através da destinação de proteção
exemplo, a proteção integral e a absoluta prioridade,
integral, aquelas pessoas que se encontram na condição
dentre outros asseguramentos distintivos.
humana peculiar de desenvolvimento, quais sejam:
A criança e o adolescente são novas subjetividades
crianças e adolescentes.
reconhecidas pelos avanços e conquistas jurídico-legais
Isto é, tanto a Constituição da República de
e sociopolíticos, o que, por certo, possibilitou não só o
1988, quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente,
exercício de seus direitos individuais, mas, também, o
permanecem respectivamente a constituir através do
asseguramento de suas garantias fundamentais.
reconhecimento e a titularização de direitos e garantias
A cidadania infanto-juvenil, assim, deve ser proje­
afetos à infância e à juventude, bem como através
tada através da compatibilidade entre os processos
dos processos de subjetivação desses novos sujeitos
de subjetivação – reconhecimento, asseguramento
de direito que os capacita em potencialidades para o
e efetivação – e do exercício pleno da subjetividade
exercício responsável da cidadania infanto-juvenil.
jurídica, política e social pertinente à criança e ao ado­
lescente. Por isso mesmo, um dos mais significativos
conteúdos que se possa atribuir à ideia dessa nova
“cidadania infanto-juvenil” é precisamente a noção de
emancipação da pessoa humana.
Porém, nesses 19 (dezenove) anos da vigência do
Estatuto da Criança e do Adolescente apesar de se veri­
fi­car significativos avanços práticos para a conso­lidação
da cidadania infanto-juvenil, também foi possí­vel cons­
142 |
•Recebido em: 22/07/2009
•Aprovado em: 20/10/2009
Revista da
FAE
Referências
BICCA, L. Racionalidade moderna e subjetividade. São Paulo: Loyola, 1997. (Coleção Filosofia – 43).
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 29.ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 16 jul. 1990.
COELHO, F. U. Lógica jurídica: uma introdução; um ensaio sobre a logicidade do direito. São Paulo: EDUC, 1992.
DIMOULIS, D. Manual de introdução ao estudo do direito. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
DIMOULIS, D.; MARTINS, L. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
FERRAZ JÚNIOR, T. S. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2007.
FREITAG, B. A norma social: gênese e conscientização. In: SOUSA JÚNIOR, J. G. (Org.). Introdução crítica ao direito.
4.ed. Brasília, 1993. (Série o direito achado na rua. v.1).
GUSTIN, M. B. S. Das necessidades humanas aos direitos: ensaio de sociologia e filosofia do direito. Belo Horizonte:
Del Rey, 1999.
NOLETO, M. A. Subjetividade jurídica: a titularidade de direitos em perspectiva emancipatória. Porto Alegre: SAFE, 1998.
MELO, O. F. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: SAFE, 1994.
______. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: SAFE, 1998.
PERELMAN, C. Lógica jurídica: nova retórica. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
PINHEIRO, P. S. Dialética dos direitos humanos In: SOUSA JÚNIOR, J. G. (Org.). Introdução crítica ao direito. 4.ed. Brasília,
1993. (Série o direito achado na rua. v.1).
RAMIDOFF, M. L. A constituição ainda constitui? Revista Ciência e Opinião do Núcleo de Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas do UniCenP, Curitiba, v.1, n.1, p.115-125, jan./jun. 2003.
______. Direito da criança e do adolescente: teoria jurídica da proteção integral. Curitiba: Vicentina, 2008a.
______. Lições de direito da criança e do adolescente: ato infracional e medidas socioeducativas. 2.ed. Curitiba: Juruá,
2008b.
SCHIMDT, M. D. A questão da cidadania. In: SOUSA JÚNIOR, J. G. (Org.). Introdução crítica ao direito. 4.ed. Brasília, 1993.
(Série o direito achado na rua. v.1).
SOUSA JÚNIOR, J. G. (Org.). Introdução crítica ao direito. 4.ed. Brasília: 1993. (Série o direito achado na rua, v.1).
SOUZA, S. A. G. P. Os direitos da criança e os direitos humanos. Porto Alegre: SAFE, 2001.
VARGAS, G. S.; SOSA, E. C. Criterios jurídicos de las recomendaciones de la Comisión Nacional de los derechos
humanos (1990-2005). México: Universidad Nacional Autónoma de México. Comisión Nacional de Derechos Humanos, 2006.
(Serie Estúdios Jurídicos, nº 92).
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009
| 143
Revista da
FAE
Indicadores para avaliar a responsabilidade social
nas instituições de ensino superior
Indicators to assess social responsibilities
in colleges
Gilmar José Hellmann*
Resumo
O artigo apresenta uma síntese do conceito de Responsabilidade Social
(RS) passando do entendimento empresarial ao âmbito universitário.
Também sugere a necessidade de se utilizar indicadores para avaliar a
RS nas Instituições de Ensino Superior (IES), dentre os quais se destaca a
nova ISO 26000.
Palavras-chave: responsabilidade social; gestão; sustentabilidade; indicadores.
Abstract
This article aims at presenting a synthesis of the Social Responsibility
(RS, Portuguese acronym) concept, from the business to the college perspective.
It also suggests the necessity of utilizing indicators to assess the RS in Colleges
(IES, Portuguese acronym), among which the new ISO 26000 is highlighted.
Keywords: social responsibility; management; sunstainability; indicators.
* Graduado em Filosofia e
Administração. Professor no
Ensino Fundamental e Superior.
E-mail: gilmarjhellmann@
hotmail.com
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009
| 145
Introdução
como um ideal comum a ser atingido por muitos povos
e nações. Formulou-se um padrão para mensurar o grau
O Brasil tem apresentado mudanças significativas
na vida política e econômica do cidadão. Percebe-se
isto na formação da consciência cidadã que movimenta
o meio acadêmico e empresarial entorno do tema:
Responsabilidade Social (RS). Com a expansão do setor
educacional, ampliou-se o interesse por pesquisas e
estudos referentes à RS no meio acadêmico. Além
de estudar o tema, a Instituição de Ensino Superior
(IES) tornou-se um espaço social privilegiado para
aplicação, manutenção e avaliação das ações de RS
no campo educacional. Várias organizações sugerem
indicadores e metodologias para avaliar um processo
de ações socialmente responsáveis. Neste artigo,
apresento alguns conceitos de RS e se propõem
alguns indicadores sociais que contemplem diversas
facetas da RS e diferentes grupos de interesse da
IES: gestores, colaboradores, alunos, stakeholders,
de respeito e cumprimento de normas internacionais de
direitos humanos. Neste sentido, a RS é uma conquista
coletiva, que segundo Melo Neto e Froes (2001, p.97)
“busca estimular o desenvolvimento do cidadão e
fomentar a cidadania individual e coletiva”. Por isso se
diz que a RS é um movimento de interesse global, mas
de atuação local. Tais são as aspirações e preocupações
humanas nas agendas internacionais, como o Pacto
Global e a Declaração e Metas do Milênio. Antes do
fortalecimento do Terceiro Setor e dos movimentos
sociais em diferentes culturas, instituições tradicionais
como a Igreja Católica já orientavam os seus seguidores
para a compreensão do pensamento com ênfase
social; como ocorreu com a Doutrina Social da Igreja
Católica1. Desta forma a instituição oferecia indicativos
para dirigentes e fiéis avaliarem a ética pessoal e o
comportamento social.
Num processo de globalização, temas como des­
comunidade e governo.
Neste artigo, privilegiou-se a metodologia ex­plo­ra­
tória, obtendo informações consistentes sobre o tema
proposto, respeitando um planejamento flexível na
for­mulação de problemas e hipóteses. O processo de
construção do trabalho envolveu a identificação
da biblio­grafia, delimitação do assunto, definição
de objetivos, formulação do problema de pesquisa
e sugestão de possíveis pistas de resolução. Consi­
deran­do a diversidade de fontes, priorizou-se a busca
de refe­rências no meio acadêmico e nos bancos de
dados das IES.
truição do meio ambiente, explosão populacional,
narcotráfico, proliferação de doenças, instabilidade
dos mercados financeiros e aumento da pobreza
e desemprego, tornaram-se pauta de discussão de
governos e da sociedade civil. As Organizações Não
Gover­namentais (ONGs), Organização da Sociedade Civil
de Interesse Público (OSCIPs) e entidades filantrópicas
e sem fins lucrativos, abriram espaço ao cidadão, que
passou a desempenhar um papel decisivo na definição
de comportamentos e parcerias entre empresas e
governo, sociedade civil e estado.
Segundo Pacheco e Mendonça (2006) Emile Durkheim
considera a sociedade como um sistema coercitivo e a
1 Fundamentos da responsabilidade
social
A RS está fundamentada na conquista dos direi­
tos humanos: direitos básicos à vida, à segurança, à
liberdade e à igualdade. Esta conquista foi concebida
146 |
educação numa visão funcionalista, podemos dizer que
a interligação entre diversos sistemas de comunicação,
pesquisa, gestão e administração financeira torna as
1
Citam-se as Encíclicas Rerum Novarum (1981) do papa Leão
XIII; a Laborem Exercens (1981), Sollicitudo Rei Socialis
(1987), Centesimus Annus (1991) e o Compêndio da
Doutrina Social da Igreja, do papa João Paulo II.
Revista da
FAE
instituições sociais co-responsáveis pelos benefícios
o Instituto Nacional de Normalizacíon do Chile, este
e malefícios das ações públicas e privadas. No setor
evento colaborou com a elaboração da ISO 26000 de
público, cita-se o caso da Lei de Responsabilidade Fiscal
Responsabilidade Social.
que exigiu mais rigorosidade da administração nas
finanças públicas. Na iniciativa privada, o marketing
social vem se tornando um meio de socialização que
dá maior visibilidade às ações sociais. Segundo Araújo
(2001), o marketing social pode ser entendido como
2 Contexto conceitual da
responsabilidade social
estratégia de mudança comportamental e atitudinal, a
ser utilizado em qualquer tipo de organização (pública,
Segundo Roman (2004), a RS tem seus funda­
privada, lucrativa ou sem fins lucrativos), desde que
mentos no pensamento econômico de que o governo
esta tenha uma meta final de produção e de trans­
não necessita interferir na economia; princípio este,
formação dos impactos sociais. Contudo, este meio
defendido por Adam Smith, na obra A Riqueza das
pode ser restritivo se enfatizar mais os resultados mer­
cadológicos que a contribuição social. A necessidade
de se avaliar um processo de RS nas empresas e nas
instituições educacionais tornou mais transparente e
compreensível o tema, seja para o público interno da
empresa, como para a comunidade onde as instituições
estão inseridas.
Para Tarapanoff (2006), a Carta de Princípios do
Dirigente Cristão de Empresas, de 1965, marca o início
da utilização da expressão “RS” no meio empresarial
brasileiro. Contudo, as primeiras manifestações sobre
este tema, envolvendo empresários, comunidade, polí­
Nações, e por Hayek, na obra O Caminho da Servidão.
Contudo, com o crescimento da economia após a
Segunda Guerra Mundial, as teorias econômicas
de Keynes suplantaram aqueles fundamentos, pro­
pondo a intervenção estatal na vida econômica,
bem ao con­trário do que pregava a ideologia liberal.
Neste contexto, a RS foi assumida pelo Estado. No
prosseguimento
históri­co,
houve
mudanças
no
cená­rio político e econômico internacional, como
ocorreu simbolicamente na “Queda do Muro de
Berlim” (MESQUITA, 2003). Em 1989, o “Consenso de
Washington” propôs um programa de reformas que
incluía desregulamentação dos mercados, abertura
ticos e meios de comunicações, somente ganharam
comercial, flexibilização das leis trabalhistas, rigoroso
ênfase a partir da década de 1990. Iniciativas como
ajuste fiscal e privatizações, reduzindo a atuação
a campanha do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises
do Estado e sua interferência na economia. Vários
Sociais e Econômicas), com o apoio da Gazeta Mer­
governos nacionais e instâncias representativas da
cantil, convocou os empresários a um engajamento
sociedade desobrigaram-se da RS por falta de condi­
social, incentivando a elaboração e publicação do
ções políticas, financeiras e técnicas, reafirmando a
Balanço Social no Brasil. Outra iniciativa foi a da fun­
pregação neoliberal e a incompetência estatal.
dação do Instituto ETHOS, que vem elaborando
Para Ferés (2006), a RS deve ser compreendida
material para ajudar as empresas a compreenderem
na ótica do neoliberalismo; num processo de inter­
e incorporarem o conceito da RS no cotidiano de sua
nacionalização da economia e numa política que trouxe
gestão (PASSADOR, 2002). A Conferência Eco 92, no
transformações complexas, favorecendo a exclusão
Rio de Janeiro, foi um marco social que contribuiu na
social. Os avanços científicos e tecnológicos do mundo
reflexão sobre a responsabilidade de ações sociais em
globalizado favoreceram a acumulação do capital, a
relação à comunidade, ao meio ambiente e ao corpo
maior desde o século XVIII, contudo não acabaram com
de funcionários de diferentes instituições sociais. Para
as desigualdades e misérias humanas. Compreende-se,
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009
| 147
desta forma, que a RS faz parte da articulação das
O conceito de “empresa-cidadã”, segundo Melo
forças econômicas que buscam amenizar os flagelos
Neto e Froes (2001), surgiu em decorrência do movi­mento
que o neoliberalismo criou, oferecendo certo alívio para
de consciência social internalizado por diversas empresas.
a consciência empresarial. De acordo com Frey (2005),
Este movimento se compromete com a pro­moção da
a RS das empresas é a resposta aos questionamentos e
cidadania e o desenvolvimento da comu­nidade, investindo
crí­ticas no campo social, ético e econômico, por adotarem
em experiências e projetos nas áreas sociais, voltados à
uma política baseada na economia de mercado.
melhoria da dignidade humana. Segundo Frey (2005), é
Com o esvaziamento da capacidade do Estado
um exercício de ações sociais de longo prazo, envolvendo
para cumprir funções sociais, que lhe cabiam histo­
os públicos interno e externo da empresa, resultando
ricamente, surgiu um vácuo social que deveria ser
em uma nova postura empresarial e um processo de
preenchido por alguém. Presencia-se uma nova
conscientização sobre a sustentabilidade dos negócios.
racionalidade social. Segundo Busatto (2001, p.101),
Compreende-se a “sustentabilidade como o desen­
“há uma onda histórica que traz em seu bojo uma
vol­vimento que satisfaz as necessidades presentes,
profunda crítica à atual configuração da nossa
sem comprometer a capacidade das gerações futuras
sociedade”. A nova concepção social reafirma a
de suprir suas próprias necessidades” (KINLAW, 1997,
cons­ciência cidadã, que não admite mais conviver
p.82). Este conceito nos remete a RS das pessoas e
numa sociedade desigual, injusta e desumana.
das instituições em favor da sociedade, objetivando o
Para Guaragna (2005 apud FREY, 2005), a RS é
bem estar social da comunidade. De acordo com Kotler
um movimento interno, que nasce do interior do
e Armstrong (1998), é cada vez maior a exigência de
ser humano, e não apenas como uma jogada de
que as empresas se responsabilizem pelo impacto social
marketing ou modismo. Neste entendimento, muitas
e ambiental. Esta visão exige uma nova postura das
instituições sociais superam o foco da eficácia e
instituições, na qual “o comportamento socialmente
buscam o desenvolvimento social sustentável de
res­ponsável termina por ser mais sustentável em longo
longo prazo.
prazo do que o comportamento meramente opor­
tunista” (ALVES, 2001, p.81). O desempenho sus­ten­tável
é um processo que exige a adoção de um conjunto de
3 A responsabilidade social
sustentável
princípios e envolve todos os que se relacionam com
a sus­tentabilidade. Relacionamos alguns princípios
cita­dos por Kinlaw (1997, p.11), que sugere a susten­
tabili­dade como um processo de:
O movimento de RS trouxe novos termos e
conceitos para o ambiente empresarial e institucional,
dentre os quais destacamos: empresa cidadã e sus­
tentabilidade. A RS significa interagir com diversos
públicos, respeitando o meio ambiente, o ambiente
de trabalho, o ambiente social, a qualidade de vida,
o ambiente urbano, a qualidade dos bens e serviços,
enfim, é o que também pode ser denominado de
cidadania empresarial.
148 |
• análise e integração em termos de sistemas;
• interdependência ecológica e exigência que todos os processos, bens e serviços sejam compatíveis com os
ecossistemas;
• orientação para o compromisso de resultados espe­
cíficos e mensuráveis;
• construção de um senso comunitário;
• abertura para a comunicação completa de todos os aspectos de seu desempenho ambiental real e
planejado a todas as partes nelas interessadas;
Revista da
• melhoria contínua no desempenho da empresa e no pleno envolvimento de cada um dos membros de sua
força de trabalho;
FIGURA 01 - IES NO AMBIENTE SOCIAL
Macro ambiente
meso ambiente
• fundamentação em dados e em informações concretas obtidas das auditorias, medições e relatórios do
desempenho ambiental da empresa;
• tecnologia e exigência que as empresas desenvolvam parcerias com governos, outras empresa, entidades
educacionais, grupos de pesquisa e desenvolvimento,
fornecedores e clientes, de modo a descobrir e im­
ple­mentar formas de melhorar o desempenho sus­
tentável;
• envolvimento da empresa inteira e exigência que todos os seus sistemas de planejamento, de processo
decisório e de recursos humanos estejam em plena
harmonia para com o desempenho sustentável.
FAE
micro ambiente
gestão
Educação
básica
Admissão - Estrutura - Cultura - Validação
mercado
de trabalho
recursos
Fluxo em uma Instituição de Ensino Superior
FONTE: Adaptado de Rodrigues, Ribeiro e Silva (2006)
No microambiente, a IES exerce influência
Em síntese, a sustentabilidade numa institui­ção
sobre todo o fluxo. Em seguida, ela interage com o
socialmente responsável possui quatro caracterís­
meso-ambiente (local e nacional), o qual impõe
ticas: é plural (colaboradores, stakeholders, governo,
certas exigências sobre a instituição de ensino (como
meio-ambiente e comunidade), é distributiva (negó­
cios, cadeia produtiva, fornecedores e consu­midores),
é sus­tentável (recursos e impactos socioam­bientais),
e é transparente (divulgação de relatórios). Para
Ashley e Queiroz (2005), a RS é um compromisso
da organização com a sociedade, expresso por
meio de atos e atitudes que afetem positivamente a
comunidade e age pró-ativamente e coerentemente
no seu papel social e na prestação de contas com a
sociedade.
regulamentos) e provê a ela certos recursos (proporções
de seus fundos). Inserida no macroambiente, a IES
age como um veículo para determinados fenômenos
geopolíticos que exercem pressão sobre a mesma. A
IES não é algo neutro. Percebe-se que dois sistemas
governam os processos de transformação na IES: o de
admissão de alunos, que constitue a matéria-prima
das IES, e o de validação, que especifica as caracterís­
ticas que esta matéria-prima deve possuir quando deixar
a instituição.
Neste sistema social, Calderón (2005) ressalta
4 A IES num contexto social
de mercado
que a IES brasileira vem passando por profundas
mudanças a partir da institucionalização do mercado
universitário. Desde a década de 1990, as IES foram se
identificando com o mercado capitalista: aprenderam
De acordo com Rodrigues, Ribeiro e Silva (2006),
a conviver com a competição mercadológica, incorpo­
a Conferência Mundial Sobre a Educação Superior no
raram, perderam a filantropia e estruturaram seu
Século XXI, realizada em 1998, sob o ponto de vista do
sustento através da cobrança de mensalidades para
gerenciamento, compreendeu a IES como um sistema
financiamento das atividades; surgiram grandes
global, composto internamente por subsistemas envol­
empresas educacionais tirando as máscaras sociais e
vendo interações complexas com o mundo exterior,
deixando evidente a finalidade mercantil, entre outras
conforme pode ser visualizado na figura 1.
características. A homogeneização das IES privadas
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009
| 149
na categoria de empresas educacionais, indepen­
ser concebido em função das vantagens econômicas
dentemente da finalidade ou não de lucros, exigiu
do empreendimento, mas ter em vista a qualidade do
mais respostas do ensino superior quanto a sua
ensino que se vai oferecer.
participação na Responsabilidade Social. Neste con­
texto, a IES necessitou profissionalizar o sistema de
gestão, expressando de alguma forma a missão, o
processo e o resultado que espera ao cumprir com seu
papel social.
O Estado procura cumprir seu papel com a RS por
meio de seu poder legislativo. A Constituição Federal
de 1988, no artigo 205, diz que educação é direito de
todos e dever do Estado e da família; é promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
5 A gestão da responsabilidade
social da IES
para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho. Para Durham (2005), se a função básica
da IES, pública ou privada, é promover educação
como função social, todas elas trazem em seu
A RS, segundo Borger (2001), deve ser vista
cerne, em sua razão de existir, o compromisso com
como parte da cultura, da visão e dos valores da
uma determinada RS. Também para Macedo (2005),
empresa, requerendo a filosofia e a missão como
a RS da IES de qualquer natureza não pode ser
compromissos articulados. Neste sentido, Schmidt
entendida como instrumento que permita ao Estado
e Silva (2005) ressalta a importância da missão nas
omitir-se no desempenho de funções que lhe são
organizações e principalmente nas IES, uma vez que
inerentes, ou ser interpretada como pretexto para
é por meio dela que se pode identificar o conjunto
dela fazer um substituto do Estado ou uma agência
de atividades utilizadas por uma organização como
de implementação de políticas governamentais.
balizadoras e orientadoras de seu progresso dentro da
Como ponderou o Ministro Eros Grau, “o ensino
comunidade em que se insere. Para Calderón (2005),
universitário, qual o básico, não se o pode tomar
a busca de soluções para os problemas sociais não é
como objeto de mercancia. O Estado é responsável
um compromisso que a universidade pode cumprir ou
pela sua prestação à sociedade. Ele, não o mercado,
deixar de cumprir. Trata-se de uma obrigação social
deve orientar essa provisão”.
que, se ela não cumprir, torna-se uma instituição
Em 1994, a RS no ensino superior do Brasil ganha
socialmente irresponsável. Para Sordi (2005), mesmo
novos contornos e grande relevância com a opera­
que a educação superior no Brasil esteja concentrada
cionalização do Sistema Nacional de Avalia­ção da
nas mãos da iniciativa privada, não se deve confundi-
Educação Superior (Sinaes). Segundo Rösler e Ortigara
la com uma mercadoria e tratá-la apenas sob a ótica
(2005), o objetivo central é promover a realização
e a ética da empresa. O objetivo de maximização de
autônoma do projeto institucional, de modo a garantir
lucros não deveria ser o primordial, mas a eficácia em
a qualidade no ensino, na pesquisa, na extensão, de
que a missão e o plano estratégico são executados.
acordo com as defini­ções normativas de cada insti­
Por isso, Rösler e Ortigara (2005) reflete que no ensino
tuição e as ações de cada estabelecimento de ensino.
superior os fins pedagógicos hão de prevalecer sobre
No processo de avaliação, o Sinaes solicita três docu­
o interesse no lucro do empreendimento. Noutras
men­tos: Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI),
palavras, o projeto pedagógico de um curso não pode
Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e o Projeto
150 |
Revista da
FAE
Pedagógico dos Cursos (PDC). Conforme o site do
“norteador de todos os instrumentos de avaliação
Inepe, para o Governo Federal o PDI consiste num
pública e privada; é considerado o principal regulador
documento em que se definem a missão da institui­
em ter­mos de verificação da qualidade em suas
ção de ensino superior e as estratégias para atingir
múltiplas dimensões”. Também é um instrumento de
suas metas e objetivos. Abrangendo um período de
prestação de contas à sociedade, para cada um dos
cinco anos, deverá contemplar o cronograma e a
usuários e para as próprias IES.
metodologia de implementação dos objetivos, metas
e ações do Plano da IES, observando a coerên­cia e
a articulação entre as diversas ações, a manutenção
de padrões de qualidade e, quando pertinente,
o orçamento. Deverá apresentar, ainda, um quadro-
6 Indicadores para avaliação
de RS na IES
resumo contendo a relação dos principais indica­
dores de desempenho, que possibilite comparar,
Para Ferés (2006), a avaliação é, sem nenhuma
para cada um, a situação atual e futura (após a
dúvida, um processo vital para a universidade brasi­
vigência do PDI).
leira. Faz parte de sua essência e é, ao mesmo tempo,
O PDI também é o documento que identifica
uma demonstração efetiva de responsabilidade social
a filosofia de trabalho, a missão, as diretrizes pe­
Rodrigues, Ribeiro e Silva (2006) reflete que é necessá­
da­­gógicas que orientam as ações, a estrutura orga­
rio que existam indicadores que auxiliem no processo
nizacional e as atividades acadêmicas que a IES pre­
de avaliação, considerando aspectos qualitativos e
tende desenvolver. Este documento tem validade de
quantitativos. Os indicadores devem ser simples e
cinco anos, sendo necessária sua revisão e atualiza­
com­­pactos, de modo a permitir rápida análise, desdo­
ção. O PDI não é apenas um documento burocrático a
bramento, detalhamento e acompanhamento de todas
ser apresentado ao MEC, mas uma ação que da ên­fase
as perspectivas.
especial à autoavaliação das IES.
O indicador é um índice de monitoramento de
O Sinaes é também um importante passo na
algo que pode ser mensurável, normalmente ligado
direção de formar para a RS, porque possui um
com a gestão da empresa. No caso da RS na IES, há
forte potencial formativo e reflexivo, induzindo a IES
necessidade de um sistema amplo de indicadores que
ao aprendizado de outra cultura de avaliação e de
gerencie de forma estratégica a avaliação de suas ações
currículo. Segundo Rösler e Ortigara (2005), o Sinaes
sociais. No setor privado, a certificação social tem se
prevê a avaliação interna e externa da instituição,
constituído a prática mais usual de se avaliar a RS.
em nível de declaração, normas, organização e de
Contudo, além da certificação existem organizações de
resultados. As dimensões desta avaliação abrangem a
vários tipos, envolvidas com implementação, orientação,
missão, a política e a responsabilidade social da IES. O
mensuração, avaliação, auditoria e com relatórios que
Sinaes avalia a RS no que se refere à inclusão social,
podem corroborar para a visão mais ampla da RS. No
ao desen­volvimento econômico e social, à defesa do
quadro a seguir, apresentam-se algumas organizações
meio-ambiente, da memória cultural, da produção
de nível internacional, nacional e regional que dispõem
artística e do patrimônio cultural. Para Rodrigues,
de indicadores e de ferramentas para avaliar aspectos
Ribeiro e Silva (2006, p.113), o Sinaes tem sido o
distintos da RS.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009
| 151
QUADRO 01 - INDICADORES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL ENTIDADE
REFERENCIAL INÍCIO
PERTINÊNCIA
ALVO
Projetos alternativos de RS
Instituto
Brasileiro de
Balanço
Análises Sociais
Social
e Econômicas
(Ibase)
Ceres
Balanced
Scorecard
Institute
Relatórios
sobre
Sustentabilidade
Climática
Balanced
Scorecard
(BSC)
ética nas organizações.
1981
1989
1990
Público
Reflete sobre democraPrivado
cia, igualdade, liberdade,
participação cidadã,
Nacional
diversidade e
solidariedade.
Network nacional de
acionistas, organizações
ambientais e grupos
de interesse público;
assessora companhias e
acionistas sobre sustentabilidade e clima global
Planejamento estratégico
e sistema de gestão: alinhar atividades empresariais à visão e à estratégia
da organização, melhorar
comunicações internas
e externas, monitorar o
desempenho.
Privado
ONGs
OCIPs
Internacional
Público
Privado
Ongs
Internacional
LOCALIZAÇÃO
Ibase
Av. Rio Branco, nº 124,
8º andar - Centro - Rio de
Janeiro - CEP 20040-916 Telefone: (21) 2178-9400
http://www.ibase.br
Ceres
99 Chauncy Street - 6th
Floor
Boston, MA 02111
Phone: 617.247.0700 Fax: 617.267.5400
http://www.ceres.org
BSC - Corporate Headquarters
975 Walnut. St., Suite 360
Cary, NC 27511
(919) 460-8180
Fax (919) 460-0867
Accountability
Institute of
Social and
Ethical
Accountability
Padronização
AA1000
Council on Economic Priorities Padronização
Accreditation
SA 8000
Agency
Padronização
ISO 14000
International
Organization
for Standartization (ISO)
Padronização
ISO 9000
152 |
Criadores da padronização contábil.
1996
Visa à qualidade social
e ética da contabilidade
das empresas.
Público
Privado
Regional offices - Sao Paulo
Tel: +55 11 8267 3637
[email protected]
Internacional http://www.accountability21.net/
1997
Norma internacional sobre relações trabalhistas:
verificar ações antissociais ao longo da cadeia
produtiva, trabalho
infantil, trabalho escravo
ou discriminação.
1993
a
2006
Certificação de responsabilidade ambiental:
legislação, diagnóstico,
padronização, planos e
qualificação de pessoal.
1994
a
2005
Certificação para
padrões de Qualidade
para projeto, desenvolvimento, produção,
http://www.iso.org/iso/home.htm
montagem e prestadores
Internacional
de serviço.
Privado
Council on
economicPRIORITIES 30 Irving Place New York, NY 10003 [email protected] Internacional Phone: (212) 420-1133
Público
InternationalOrganizationFor
Standardization (ISO)
Nacional
1, ch. de la Voie-Creuse,
Internacional Case postale 56
CH-1211 Geneva 20,
Switzerland
Público
41 22 749 01 11 Privado
41 22 733 34 30
Nacional
Privado
(continua)
LOGO MARCA
Revista da
QUADRO 01 - INDICADORES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL ENTIDADE
REFERENCIAL INÍCIO
PERTINÊNCIA
ALVO
LOCALIZAÇÃO
FAE
(conclusão)
LOGO MARCA
Global Reporting Initiative
Metropool Building, 5th
Privado
Floor
ONGs
Weesperstraat 95, 1018 VN
Amsterdam
OCIPs
The Netherlands 31 (0)20 531 00 00
Internacional http://www.globalreporting.org
Público
Ceres
Diretrizes
para
Relatório de
Sustentabilidade (GRI)
Indicadores
de ResponInstituto Ethos
sabilidade
de Empresas
Social para
e de ResponsaMédias e
bilidade Social
Grandes
Empresas
Organização
das Nações
Unidas (ONU)
Instituto
Nacional de
Metrologia,
Normalização
e Qualidade
Industrial
(Inmetro)
Federação das
Indústrias do
Paraná
(Fiep/PR)
Ministério da
Educação
United
Nations
Global
Compact
ABNT/
NBR16001
Médias e
Grandes
1998
Diagnóstico de autoavaliação: transparência
e governança; público
interno; meio ambiente;
fornecedores; consumidores; comunidade;
governo e sociedade.
Nacional
(11) 3514-9910
Pacto Global das Nações
Unidas para alinhar
estratégias que tratem
sobre direitos humanos,
trabalho, meio ambiente
e anti-corrupção.
Público
Secretary-General of the
United Nations
2000
2001
a
2004
Gestão da RS:
Empresas
ONGs
Instituto Ethos
Rua Dr. Fernandes Coelho,
85, 10º andar, Pinheiros,
05423-040,
Setor Público São Paulo, SP, Brasil
Privado
Voluntariado New York, NY 1001
Fax: 1(212) 963-1207)
Internacional http://www.unglobalcompact.org
Público
Privado
aplicabilidade, entendimento, comprometimento e política de RS.
Nacional
Inmetro
Rua Santa Alexandrina, 416
Rio Comprido - Rio de
Janeiro - RJ
CEP: 20261-232 - 0800
285-1818
http://www.inmetro.gov.br
Orbis
Observatório
Regional
Base de
Indicadores
de Sustentabilidade
Sistema
Nacional de
Avaliação do
Ensino Superior (Sinaes)
(Inep – Instituto Nacional
de Estudos
e Pesquisas
Lei n° 10.861,
Nacional Anísio de 14 de
Teixeira)
abril de 2004
Associação
Brasileira
de Normas
Técnicas
(ABNT)
1997
Relatórios de sustentabilidade aplicáveis a
leis, normas, códigos,
padrões de desempenho
e voluntariado.
2004
2004
Organiza e monitora
indicadores de sustentabilidade, produz estudos,
análises e reflete o desenvolvimento regional.
sistemas e pessoas.
2009
Orbis
Privado
Rua Dr. Correa Coelho, 741
Jardim Botânico 80210-350
Curitiba-PR Fone/Fax:
(41) 3362.0200
Nacional
Regional
Avalia instituições, cursos
e estudantes. Eixos: ensi- Público
no, pesquisa, e extensão.
Privado
Temas: RS desempenho de alunos, gestão
Nacional
institucional, docente,
instalações e outros.
Certificação de produtos,
ISO 26000
Público
Norma internacional de
Responsabilidade Social
aplicável a qualquer
instituição.
Público
Privado
Nacional
Inepe
SRTVS, Quadra 701, Bloco
M, Edifício Sede do Inep CEP: 70340-909 Brasília - DF
http://www.inep.gov.br/
institucional/
ABNT
Rua Minas Gerais, 190 Higienópolis
01244-010 - São Paulo - SP
- Brasil
Telefone (11) 3017-3600
e-mail: atendimento.sp@
abnt.org.br
http://www.abnt.org.br
FONTE: O autor (2009)
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009
| 153
Além das organizações citadas, outras 50 insti­
Considerações finais
tuições fazem parte das comissões de avaliação para a
elaboração da ISO 26000. No Brasil, as normas ISO 14000
e 9000 são mais difundidas. Contudo, muitos trabalhos
de pesquisa em nível de pós-graduação sugerem uma
variedade de modelos de indicadores, conforme a área
de atuação da empresa ou organização, e em diferentes
áreas: gestão administrativa, gestão ambiental, gestão
social etc. A ISO, com sede em Genebra, difunde nor­
mas internacionais no âmbito intelectual, científico,
tecnológico e econômico; é aceita em mais de 150 países,
facilitando o intercâmbio de produtos e serviços.
Para a II Conferência Mundial sobre o Ensino Su­
p­e­rior, em Paris, em julho de 2009, as mudanças da
economia pós-industrial conduziram o mundo a uma
demanda massiva pelo ensino superior, chegando a
152,2 milhões de estudantes em 2007; um aumento
de 50% nos últimos oito anos. Neste encontro mun­
dial, refletiu-se sobre a mobilidade estudantil, a
internacionalização da educação, a necessidade de um
currículo mundial, a necessidade de políticas abertas
anti-discriminatórias, a dificuldade do financiamento
público e privado, a influência das tecnologias da
informação, a necessidade de um currículo que con­
7 ISO 26000: norma internacional
de responsabilidade social
temple os problemas mundiais como aquecimento
e poluição, entre outros assuntos. Em síntese, o
qua­dro geral reforçou a necessidade de o Ensino
Prevista para ser lançada oficialmente no ano de
2009, a ISO 2600 de RS tende a ser uma referência
para as IES avaliarem a compreensão, o processo e
os resultados das ações sociais. Comenta Credidio
(2008) que nunca uma ISO foi tão esperada quanto
à futura ISO 26000. Segundo o Instituto Nacional
de Normalizacion (INN) do Chile, as premissas desta
norma são: relevância dos aspectos qualitativos sobre
os qualitativos, e pretende ter aplicabilidade em todo
tipo de organização, independente do tamanho,
Superior fortalecer sua “função social” de promover
a paz, a liberdade de expressão e o desenvolvimento
sustentável. Por isso, há contundente necessidade de se
avaliar a responsabilidade social da IES, estabelecendo
parâmetros e indutores de qualidade, atualizados e de
âmbito regional e mundial. O tema é amplo e exige
mais pesquisas. Não basta cumprir com a legalidade, é
necessário audácia, persistência, e sobretudo iniciativa
no âmbito acadêmico para que a IES cumpra com seu
papel social.
objetivo, valores, cultura, meio social e ambiental.
A ISO não substitui as responsabilidades e obrigações
próprias dos governos e organismos de controle. Esta
ISO deverá ganhar muita repercussão nacional, pois
o Brasil foi eleito como participante do comitê de
organização desta norma. Através da ABNT/NBR16001,
o Brasil foi pioneiro no mundo ao desenvolver um pro­
grama de avaliação de conformidade para a área de
responsabilidade social.
154 |
•Recebido em: 10/08/2009
•Aprovado em: 05/10/2009
Revista da
FAE
Referências
ABMES. Projeto institucional, qualidade e avaliação nas IES. Brasília Notícias, n.74. Brasília, n.74, jan./mar. 2002.
ALVES, L. E. S. Governança e cidadania empresarial. RAE: Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.41, n.4,
p.78-86, out./dez. 2001. Disponível em: <http://www16.fgv.br/rae/artigos/1135.pdf>. Acesso em: 24/07/2009.
ANDRADE, A. R. Gestão estratégica de universidades: análise comparativa de planejamento e gestão. In: ENCONTRO ANUAL
DA ANPAD – ENANPAD, 27., 2003, São Paulo. Anais... São Paulo: ANPAD, 2003. 1 CD-ROM.
ANDRADE, M. A. Introdução à metodologia do trabalho científico. 4.ed. São Paulo: Atlas, 1999.
ARAÚJO, E. T. Estão “assassinando” o marketing social? Uma reflexão sobre a aplicabilidade deste conceito no Brasil. 2001.
Disponível em: <http://www.ucb.br/comsocial/mba/Estao_assassinando_o_MKT_Social.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2009.
ASHLEY, P. A.; QUEIROZ, A. Ética e responsabilidade social nos negócios. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
BORGER, F. G. Considerações teóricas sobre a gestão da responsabilidade social empresarial. São Paulo: Instituto Ethos, 2001.
______. Responsabilidade social: efeitos da atuação social na dinâmica empresarial. 2001. 258p. Tese (Doutorado em
Administração) – Universidade de São Paulo. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, São Paulo, 2001.
BUSATTO, C. Responsabilidade social: revolução do nosso tempo. Porto Alegre: CORAG, 2001.
CALDERÒN, A. I. Responsabilidade social: desafios à gestão universitária. Estudos, Brasília, v.23, n.34, p.13-35, abr. 2005.
CARCANHOLO, M. et al. Crise financeira internacional: natureza e impacto. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008.
CARVALHO, V.; SILVA, C. L. A responsabilidade social no ensino superior: da origem ao cotidiano educacional. Estudos,
Brasília, v.23, n.34, p.13-39, abr. 2005.
CHILE. Instituto Nacional de Normalizacion. ISO 26000 Guia sobre Responsabilidade Social. 2008. Disponível em:
<http://www.inn.cl>. Acesso em: 27 jul. 2009.
CREDIDIO, F. ISO 26000: a norma internacional de responsabilidade social. Revista Filantropia OnLine, n.91,. Mensagem
recebida por: <[email protected]> em 22 fev. 2007. Disponível em: <http://www.cereja.org.br/arquivos_upload/
iso26000_revistafilantropia91.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2009
DURHAM, E. A responsabilidade social das instituições de ensino superior. Estudos, Brasília, v.23, n.34, p.59-61, abr. 2005.
FERÉS, M. J. V. A LDB e a responsabilidade social das instituições universitárias: pontos para discussão. Estudos, Brasília,
10 mar. 2006. Disponível em: <http://www.abmes.org.br/publicacoes/revista_estudos/estud18/est18-03.htm>.
Acesso em: 15 jul. 2009.
FREY, I. A. Sistema de referenciamento da responsabilidade social empresarial. 2005. 233p. Tese (Doutorado em
Engenharia da Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.
GARCIA, C. G. et al. Responsabilidade social empresarial no Brasil. Revista Synergismus Scyentifica, Pato Branco, v.1, n.1/4,
p.2-12, 2006.
GRAU, E. Constituição e reforma universitária. Folha de São Paulo, São Paulo, 23 jan. 2005.
INMETRO. Responsabilidade social. Disponível em: <http://www.inmetro.gov.br/qualidade/responsabilidade_social/index.asp>.
Acesso em: 24 jul. 2009
KINLAW, D. C. Empresa competitiva & ecológica. São Paulo: Makron Books, 1997.
KOTLER, P.; ARMSTRONG, G. Princípios de marketing. 7.ed. Rio de Janeiro: Prentice Hall do Brasil, 1998.
MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2002.
MELO NETO, F. P.; FROES, C. Responsabilidade social & cidadania empresarial: a administração do terceiro setor. 2.ed.
Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009
| 155
MACEDO, A. R. O papel social da universidade. Estudos, Brasília, v.23, n.34. p.07-12, abr. 2005.
MESQUITA, F. B. C. A queda do muro de Berlim e a presentificação da história. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
8 JEITOS DE MUDAR O MUNDO. Disponível em: <http://www.nospodemos.org.br/>. Acesso em: 06 jul. 2009.
PACHECO, Ricardo Gonçalves Pacheco; MENDONÇA, Erasto Fortes. Educação, sociedade e trabalho: abordagem sociológica
da educação. Profuncionário – Curso Técnico para Funcionários da Educação. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de
Educação Básica. 2.ed. Brasília: Universidade de Brasília, Centro de Educação a Distância, 2006.
PACTO GLOBAL. Rede brasileira do pacto global. Disponível em: <http://www.pactoglobal.org.br>. Acesso em: 20 jul. 2009.
PASSADOR, C. S. A responsabilidade social no Brasil: uma questão em andamento. In: CONGRESO INTERNACIONAL DEL
CLAD SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO Y DE LA ADMINISTRACIÓN PÚBLICA, 7., 2002, Lisboa. Anais... Lisboa, 2002.
REVISTA ELETRONICA DE RESPONSABILIDADE SOCIAL. Disponível em: <http://www.responsabilidadesocial.com/>.
Acesso em: 23 jul. 2009.
RODRIGUES, C. M. C.; RIBEIRO, J. L. D.; SILVA, W. R. A responsabilidade social em IES: uma dimensão de análise do SINAES.
Revista Gestão Industrial (online), Ponta Grossa, v.2, n.4, p.1-9, 2006.
ROMAN, A. Responsabilidade social das empresas: um pouco de história e algumas reflexões. Revista FAE Business,
Curitiba, n. 9, set. 2004.
RÖSLER, M. R.; ORTIGARA, C. J. Qualidade na educação e desafios da globalização. Revista ABMES, Brasília, v.23, n.34,
p.83-96, abr. 2005.
SANÉ, P. La université doit consolider sa fonction social. In: CONFERÉNCE MONDIALE DE L’ENSEGNEMENT SUPERIEUR,
07/07/2009. Disponível em: <http://www.unesco.org/fr/wche2009/single-view/news/academia_must_consolidate_its_social_
responsibility_role/back/9712/>. Acesso em: 28 jul. 2009.
SANTOS, E. R. Responsabilidade social ou filantropia? Revista FAE Business, Curitiba, n.09, set. 2004.
SCHMIDT, P.; SILVA, R. GMC: Gestão da missão compartilhada: gestão do ensino superior a partir da missão compartilhada.
Universia: rede de universidades, rede de oportunidades, São Paulo, 09 set. 2005. Disponível em: <http://www.universia.
com.br/materia/materia.jsp?id=8480>. Acesso em: 27 jul. 2009.
SILVA, J. M. Formação socialmente responsável: um estudo sobre o papel da instituição de ensino superior na construção
de cidadãos comprometidos com a sociedade. Revista Análise, Porto Alegre, v.18, n.1, p.161-169, jan./jun. 2007.
SORDI, M. R. L. A responsabilidade social como valor agregado do projeto político pedagógico dos cursos de graduação:
o confronto entre formar e instruir. Revista da ABMES, Brasília, v.23, n.34, p. 29-39, abr. 2005.
TACHIZAWA, T.; ANDRADE, R. O. B. Gestão de instituições de ensino. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
TARAPANOFF, K. Responsabilidade social das empresas e a educação corporativa. Brasília: Universidade de Brasília. 2006.
WRASSE, C. L. Responsabilidade social como ferramenta do marketing das Instituições de ensino superior privadas no
Oeste do Estado do Paraná. Blumenau: FURB, 2004.
156 |
Revista da
FAE
Amicus Curiae: instituto processual de legitimação
e participação democrática no judiciário politizado
Amicus Curiae: institute procedural legitimacy the
democratic participation in politicizad judiciary
Luana Paixão Dantas do Rosário*
Resumo
O objetivo deste trabalho é demonstrar, por uma abordagem dialética, que
o Amicus Curiae é instrumento processual de participação e legitimação
democrática. Analisará também, obliquamente, a legitimação democráticahermenêutico-discursiva da Jurisdição pelo viés do processo. Versará sobre o
fenômeno da abertura do processo à “comunidade de intérpretes”, expressão
cunhada por Peter Häberle. Ressaltará que o Judiciário realiza os valores e
princípios democráticos constitucionais, pela participação dos cidadãos e atores
estatais, na concretização dos valores fundamentais. Analisará a doutrina acerca
da politização do Poder Judiciário. Conclui que o Amicus Curiae, instituto de
participação política na Jurisdição, fortalece a legitimidade democrática desta,
na concretização dos Direitos Fundamentais.
Palavras-chave: Amicus Curiae; democracia; legitimidade; politização; judiciário.
Abstract
The objective of this papper is to demonstrate, through literature review, the
Amicus Curiae is a procedural instrument of participation and democratic
legitimacy. It will also analyze, obliquely, the democratic legitimacy of the
discursive-hermeneutic of jurisdiction, the bias of the process. Will address the
phenomenon of the opening of the “community of interpreters,” a term coined
by Peter Häberle. Highlight that the judiciary carries out the democr-atic values
and constitutional principles, the participation of citizens and state actors, in
achieving the core values. Examine the doctrine about the politicization of the
judiciary. Concludes that the Amicus Curiae, Institute of political participation in
the Jurisdiction, strengthen the democratic legitimacy of this, the achievement
of fundamental rights.
Keywords: Amicus Curiae; democracy; legitimacy; politicization; the judiciary.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009
* Mestranda em Direito Público
(UFBA). Professora de Direito
Constitucional e Econômico
na Universidade Federal da
Bahia e Universidade Católica
de Salvador. E-mail:
[email protected]
| 157
Introdução
A abertura do processo à “comunidade de intér­
pretes”, reforça a legitimidade da Jurisdição e consolida
O Judiciário, como poder do Estado, possui fun­
ção política inerente à sua natureza. Não obstante a
a Democracia contemporânea, além de extrair da
sociedade a concretude dos valores Constitucionais.
propalada neutralidade positivista que alguns queiram
a ele imprimir, como poder intrinsecamente político, se
constitui consoante princípios axiológicos que emanam
do espaço político, do espaço público.
1 Premissas teóricas no estudo da
função política do poder judiciário
O exercício da função política pelo Judiciário –
sua intervenção em aspectos políticos do Estado – é
Convém esclarecer que o termo política, do grego
típica. Meio adequado para a garantia dos princípios
politiké, advém da polis grega, e por isso, em essência,
democráticos, tão importantes na construção de uma
o poder político é aquele que se volta à coletividade, e
Democracia que adquiriu o elemento teleológico de
que, para além do governo, abrange as escolhas do que
preservação e respeito aos Direitos Fundamentais. Ao
é conveniente para o homem da polis.
exercer esta função, o Judiciário assegura o funcio­na­
Nesse ínterim, o conceito de Aristóteles para
mento harmônico dos poderes do Estado no tocante às
o termo política é o de ciência que visa à felicidade
suas obrigações Constitucionais.
humana. A felicidade consistiria numa certa maneira
O ponto merecedor de destaque no exame do
de viver no meio que circunda o homem, nos costumes
exercício da função política do Judiciário é a análise de
e nas instituições adotadas pela comunidade à qual
legitimidade deste poder na Democracia Constitucional,
pertence. O objetivo da política seria primeiro, descobrir
tendo em vista que sua composição, distintamente da
a maneira de viver que leva à felicidade humana, e
dos outros poderes do Estado, não é representativa.
depois, a forma de governo, e as instituições sociais
Embora, se reconheça a legitimidade democrática e a
capazes de a assegurarem (SCHILLING, 2006).
legitimidade discursiva da função política de Judiciário,
não podemos negar que a evolução dos institutos
processuais, de modo a servirem de ensejadores da
participação democrática direta na realização da Juris­
dição, densificam a legitimidade do Judiciário e prestam
um serviço à Democracia Constitucional, que se torna
participativa. Neste desiderato, insere-se o instituto do
Amicus Curiae, em sua feição cunhada pela lei 9.868/99
e doutrina pátria, evoluída da doutrina estrangeira.
O objetivo principal deste trabalho será analisar
a contribuição do Amicus Curiae para a realização da
Democracia Constitucional e de seus fins, num novo
cenário de participação política, a seara do Judiciário.
Frise-se que esta proposta de participação política dos
cidadãos na condução do Estado, por meio do Poder
Judiciário, assume destaque diante da reconhecida crise
da representatividade política instaurada.
158 |
Em todas as artes e ciências o fim é um bem, e o maior
dos bens e bem em mais alto grau se acha principalmente
na ciência todo-poderosa; esta ciência é a política, e o
bem em política é a justiça, ou seja, o interesse comum;
todos os homens pensam, por isso, que a justiça é uma
espécie de igualdade, e até certo ponto eles concordam
de um modo geral com as distinções de ordem filosófica
estabelecidas por nós a propósito dos princípios éticos
(ARISTÓTELES apud SCHILLING, 2006).
A política, na concepção habermasiana, deve ser en­
ten­dida como lócus onde se desenvolvem as relações
vitais do senso ético, uma forma de reflexão sobre
os nexos deontológicos da sociedade, impondo aos
cidadãos a consciência de sua dependência recíproca
(AGRA, 2005, p.112).
Não obstante a Política vise à felicidade dos homens
em comunidade, a titularidade do poder político fora,
Revista da
FAE
nos primórdios, atribuída ao divino; concepção que teve
a fim de garantir a autolimitação do poder político. Se a
seu apogeu derradeiro na “teoria do direito divino dos
própria teoria clássica de Montesquieu – que não visava
reis” de Jean Bodin, teórico da monarquia francesa. Para
à realização de um regime democrático politicamente
Montesquieu, que explicitou pela primeira vez de forma
pluralista, mas garantia uma dinâmica governamental cuja
sistemática1 a “teoria da tripartição dos poderes”, o povo
principal finalidade é à manutenção do funcionamento
é de todo incapaz de discernir sobre os reais problemas
racionalmente ordenado, mediante normas jurídicas, do
políticos da nação e, portanto, não deve e nem pode ser
próprio Estado – já não defendia uma separação estanque
o titular da soberania política (MONTESQUIEU, 2000,
entre os poderes, imagine falar-se nisso hodiernamente,
p.56). Em contribuição precursora, o abade de Siéyes,
depois de ter se atribuído ao Estado uma finalidade
em sua obra “O que é o Terceiro Estado?”, publicado às
social e um rol extenso de obrigações (ALVES, 2004).
vésperas da Revolução Francesa, e com base na doutrina
Essas digressões fazem-se necessárias na averi­
do contrato social de Locke e Rousseau, atribuiu a
guação da natureza política do Poder Judiciário, e na
titularidade do poder Constituinte à nação e legitimou
destruição do mito de uma suposta necessidade de
ideologicamente a ascensão do terceiro Estado ao poder
“apolitização” das decisões judiciais a fim de não se
político (SIEYÉS, 2001, p.5).
violar o princípio da “separação” de poderes. Por óbvio,
É a organização do poder político, que para Siéyes,
se encontrava difuso na nação2, que forma o Estado.
Destarte, o Estado é verdadeira emanação do poder
político, único e soberano, não obstante a sua tripartição
nas funções executiva, legislativa e judiciária. Portanto,
todas essas três funções, ou poderes como classicamente
denominados, são intrinsecamente políticas, inclusive a
Judiciária. Motivo pelo qual a doutrina3 tem falado em
teoria da tripartição de poderes, e não mais separação,
visto que o poder é uno.
A teoria “montesquiana” da separação de poderes,
sendo o Poder Judiciário político, as decisões judiciais
não podem ser apolíticas e não violam a separação de
poderes, visto que esta não existe.
Oportuna a colocação do jurista italiano Mauro
Cappelletti, ao se referir às possíveis posições assumidas
pela Justiça constitucional nos países de tradição
romano-germânica, como o Brasil, quando aponta
o dilema da justiça constitucional de nosso tempo:
permanecer restrita aos limites tradicionais da função
judicial do século XIX ou elevar-se ao nível dos outros
poderes, convertendo-se no “terceiro gigante” para
controlar o legislador mastodonte e o administrador
leviatã (LEITE, 2006).
já previa que “somente o poder freia o poder”, essa
noção, quando levada aos Estados Unidos da América
Antes, um Judiciário moldado por uma carta consti­
à época da Revolução Americana, evoluiu para a teoria
tucional que segue um modelo de opção política
do sistema de “pesos e contrapesos” políticos mútuos,
de Estado, tem o comprometimento com tal opção
política Constitucional e seus fins, ou como preconizou
Aristóteles já havia delineado as três funções essenciais
do Estado, executiva, legislativa e judiciária, porém, à
divisão funcional não fez corresponder a divisão orgânica.
Também John Locke, filósofo liberal inglês, cerca de um
século antes de Montesquieu já tinha formulado, ainda que
implicitamente, a teoria da tripartição de Poderes.
2
O conceito de nação antecedeu ao de povo, entendido
como nação o conjunto formado pelas pessoas nascidas no
mesmo lugar, ligadas por vínculos de sangue e de origem,
que assim compartilhavam os mesmos valores, costumes
e a mesma língua. Ver na Teoria do Estado a distinção
conceitual entre nação e povo.
3
Por todos, Dirley da Cunha Júnior, em seu Curso de Direito
Constitucional. Salvador: JusPodivm, 2007.
1
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009
Aristóteles, o compromisso com o bem comum e a
felicidade dos homens.
Assim, decisões jurisdicionais têm natureza política
porque implicam na análise de elementos políticos e
resultam em escolhas do que seja conveniente para o
homem da polis Estatal, consoante as diretrizes da Carta
Política Maior. A esse respeito: “As decisões judiciais
fazem parte do exercício da soberania do Estado, que
embora disciplinada pelo direito, é expressão do poder
político” (DALLARI, 2002, p. 90).
| 159
O juiz sempre terá de fazer escolhas, entre normas,
argumentos, interpretações e até mesmo entre inte­
resses, quando estes estiverem em conflito e parecer
ao juiz que ambos são igualmente protegidos pelo
direito. A solução dos conflitos será política nesse caso,
mas também terá conotação política sua decisão de
aplicar uma norma ou de lhe negar aplicação, pois em
qualquer caso sempre haverá efeitos sociais e alguém
será beneficiado ou prejudicado (DALLARI, 2005, p.96).
emerge, em primeiro lugar, da realização jurisdicional
As decisões do Judiciário serão políticas também
sendo a Jurisdição dialética na sua formulação; ou pela
por versarem sobre normas jurídicas. Sucintamente, os
participação direta do cidadão da polis na confecção
dispositivos normativos têm natureza política porque
da Jurisdição, pela intervenção do Amicus Curiae, pelo
compõem o regramento da vida em socie­dade, e porque
debate, diálogo e abertura do processo.
oriundos de um processo político de formulação – na dou­
trina clássica, emanando da von­tade geral, como preco­
nizado por Jean Jacques Rousseau. Às normas jurídicas,
por sua vez, resultantes da interpretação e aplicação
dos dispositivos normativos em determinado contexto,
inexoravelmente deve se atribuir natureza política.
Deve recuperar-se o critério de que de que o direito é
uma ordenação imposta pela razão prática, não pela
razão pura. A neutralidade jurídica é uma quimera. Todo
Direito, por sua própria condição está inspirado numa
ideologia política, à qual serve como ferramenta jurídica
do sistema (DROMI apud DALLARI, 2002, p.96).
Hodiernamente, ultrapassado o dogma positivista
de neutralidade, têm-se observado que a doutrina
cunhou a expressão “politização” do Poder Judiciário.
Nesse contexto, Glauco Salomão Leite destaca que
há possibilidade do sistema jurídico registrar decisões
políticas em forma jurídica e de a política utilizar o
direito para implantar seus objetivos, ou, “a relação
entre Política e Direito deixa de ser vertical-hierárquica e
passa a ser horizontal-funcional” (LEITE, 2006).
dos Direitos Fundamentais; valores axiológicos e
normativos das Democracias Constitucionais emanados
do poder Constituinte, numa legitimação teleológica sob
o aspecto pragmático. Depois, pela demonstração de
participação democrática do jurisdicionado no âmbito
deste Poder. Seja por meio das máximas garantias
Constitucionais da ampla defesa e do contraditório,
A expansão do âmbito de atuação do Judiciário e
sua politização não são contrárias à Democracia, mas
estão em consonância com ela, com o seu conteúdo e
os seus princípios. As relações entre direito e política
na dimensão Constitucional hodierna criam um novo
espaço aberto ao ativismo positivo de agentes sociais
e judiciais na produção da cidadania, diversamente
do constitucionalismo liberal de outrora (MACIEL;
KOERNER, 2002).
O constitucionalismo liberal preza pela defesa do
indivi­dualismo racional, a garantia limitada dos direi­
tos civis e políticos e clara separação dos poderes; o
cons­ti­tucionalismo democrático prioriza os valores
da dignidade humana e da solidariedade social, a
ampliação do âmbito de proteção dos direitos e a
redefinição das relações entre os poderes do Estado
(MACIEL; KOERNER, 2002).
Para o Estado Constitucional Democrático abre-se
no Judiciário um novo espaço público, no qual participam
novos agentes “a comunidade aberta de intérpretes”,
os quais, através do processo, devem dedicar-se à
interpretação aberta dos valores Constitucionais com
2 Politização do judiciário:
afirmação da democracia
vistas à sua efetivação (HÄBERLE, 1997).
Inclusive, em nosso entender, a efetivação dos
mandamentos e valores Constitucionais por meio da
prestação jurisdicional deve superar a limitação à atuação
Há necessidade de desfazer a concepção de déficit
do Judiciário como legislador-negativo e autorizar o uso
democrático do Poder Judiciário. A legitimidade deste
de sentenças interpretativas e criativas, utilizadas pela
160 |
Revista da
FAE
Jurisprudência italiana4. Tendo como ponto de início e
decisões políticas. Isto não enfraquece a Democracia
contornos limitatórios – até certa medida – o texto. Pois,
representativa, mas a complementa, ao contemplar os
na esteira da lição de Friedrich Müller, a interpretação
princípios democráticos (VERBICARO, 2006, p.7).
que constrói a norma, sendo o texto, mero dado de
[...] Neste mundo governado por uma plutocracia
cosmopolita suficientemente flexível e móvel pra mar­
ginalizar ao mesmo tempo os Estados, os cidadãos e os
juízes, a Democracia precisa ser reinventada tanto sob
a sua forma tradicional de Democracia representativa
quanto sob a forma mais recente de Democracia
participativa (MIREILLE DELMAS-MARTY apud FREIRE
JÚNIOR, 2005, p.32).
entrada (MÜLLER apud ADEODATO, 2007, p.239).
Gisele Cittadino, em seu trabalho Poder Judiciário,
ativismo Judiciário e Democracia, frisa que “é preciso
não esquecer que a crescente busca, no âmbito dos
tribunais, pela concretização de direitos individuais e/ou
coletivos também representa uma forma de participação
no processo político” (CITTADINO, 2007, p.2).
Destarte, é imperativo, inclusive, fazer menção
à crise da representatividade clássica mencionada em
elucidativa passagem em que Américo Bedê Freire
Junior, para desconstruir a certeza de que participação
democrática se efetiva pela representação, traz à colação,
lição de José Eduardo Faria: “[...] a tradicional política
representativa tende a ser muito mais rito do que um
efetivo processo democrático de afirmação da vontade
coletiva” (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.32) a qual, Walber de
Mora Agra, atribui a expansão da Jurisdição política.
Uma das causas que mais influenciam a expansão da
jurisdição constitucional no campo das decisões políticas
é a paulatina perda de legitimidade do processo político.
A complexidade do debate político, o poder econômico,
a falta de locais para o debate público, bem como os
meios de informação são algumas das razões para a
perda de legitimidade dos representantes populares
(AGRA, 2005, p.116).
A partir da observação de que a Democracia tem
sido formal e excludente, extrai-se a necessidade da
reinvenção democrática. Primeiro pelo critério subs­
tancialista da efetivação dos Direitos Fundamentais, que
perpassa, necessariamente pela atuação do Judiciário
– não tão somente dos direitos individuais, a despeito
do preconizado por Dworkin5, mas também sociais e
coletivos, como preleciona a doutrina contemporânea.
Depois pelo reconhecimento de que o Judiciário deve
constituir espaço legítimo de participação político
democrática, que possibilite a participação do cidadão
na criação do direito, enquanto norma que emana da
aplicação – participação da própria condução do Estado,
para além da representação no processo legislativo.
Formas de ação estão à disposição do homem comum
para participar da criação do direito estatal tanto através
da Democracia representativa como pela via judicial.
Essa participação não é fragmentadora dos princípios
da vontade geral representativa, mas representa
as possibilidades de adensamento do Direito pela
intervenção, na esfera estatal, da eticidade da sociedade
civil (MACIEL; KOERNER, 2002).
A politização do Judiciário – para utilizar corrente
expressão doutrinária, embora esta expressão possa dar
a entender que signifique conferir a natureza de político
a algo que não tivesse esta natureza originariamente, o
que seria um grave equívoco – possibilita a construção
da Democracia, porque torna este um importante nível
A politização do Judiciário está em consonância
com a Democracia que nossos tempos exigem, e não em
de acesso do cidadão às instâncias do poder. Desta
forma, possibilita-se na sociedade plural, que grupos
não possuidores de representatividade influam nas
4
Sobre sentenças interpretativas e aditivas discorre Dirley
da Cunha Júnior em seu Curso de Direito Constitucional.
Salvador: JusPodivm, 2007.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009
Para este autor, os direitos sociais e coletivos dependiam de
implementação de diretrizes políticas dos atores políticos do
Estado pelos critérios da representatividade e da maioria,
fundada em política e não em princípios; o que as distinguia
da efetivação dos Direitos Fundamentais individuais que
poderiam, em seu entendimento, serem fixados pelo Judiciário,
porque fundados em princípios. (VERBICARO, 2006, p. 18)
5
| 161
antagonismo, pois possibilita a realização dos direitos
Para além da discussão realizada por Dworkin
de todos, sobretudo os da minoria, a edificação de um
de que os Direitos Fundamentais6 prevalecem sobre a
verdadeiro Estado Democrático de Direito que zele pela
soberania popular externada pela maioria represen­
dignidade da pessoa humana e surja da concretização
tada – observe-se que um grande contingente não se
da Constituição, num processo do qual participe o ser
faz representar – é preciso, portanto, um avanço teórico,
da polis.
de modo a reconhecer que o próprio Poder Judiciário é
um espaço de exercício da soberania política. Inclusive,
2.1 Democracia majoritária, democracia
constitucional, soberania complexa
proporcionando incorporação política das minorias à
agenda do Estado, não obstante a violação de direitos
praticada pela maioria.
e acesso das minorias
[...] Esses Direitos Fundamentais constitucionalmente
garantidos – direitos individuais – preenchem o próprio
conteúdo da Democracia, bem como traçam os limites e
contornos de atuação dos poderes estatais. Isso significa
que o paradigma liberal de Democracia concebido por
Dworkin – Democracia Constitucional – consagra que
os direitos individuais são trunfos frente à maioria e,
por isso, sobrepõem-se frente ao governo e a eventuais
grupos representativos de maiorias que participem
de procedimentos de formação da vontade pública
e tentem restringir as liberdades e direitos individuais
(VERBICARO, 2006, p.8).
Para consolidar a Jurisdição política, ou “politi­
zação do Judiciário”, e a participação política no
âmbito deste poder, é basilar a distinção que Dworkin
estabelece entre a Democracia majoritária, fundada no
princípio da maioria, e o que designou de Democracia
Constitucional.
Para este autor, o princípio majoritário não asse­
gura o governo pelo povo, senão quando todos os
membros da comunidade são concebidos, e igualmente
respeitados, como agentes morais; a Democracia por
Neste diapasão, é interessante ressaltar conceito
ele conceituada respeita os Direitos Fundamentais e
de soberania complexa de Werneck Vianna, que consiste
neles preenche o seu conteúdo.
na combinação de duas formas de representação
[...] Dworkin confere supremacia aos Direitos Fun­da­
mentais frente à soberania popular. Com essa relação
de prioridade, protege-se certos núcleos de direitos
ante eventuais interferências advindas de processos
majoritários de deliberação. Para Dworkin, portanto, os
Direitos Fundamentais devem restringir a soberania do
povo a fim de se resguardar os direitos e as liberdades
individuais. Isso porque nem sempre uma lei pautada
na vontade de uma suposta maioria será uma lei
justa; nem sempre essa lei contemplará os direitos
individuais e o direito a igual respeito e consideração –
crítica à Democracia majoritária e à autodeterminação
do povo que podem conduzir à própria degradação
de seus direitos. Democracia não é, para Dworkin,
a simples obediência à regra de maioria. Numa
Democracia constitucional concebida em paradigmas
liberais, deve-se, sobretudo, assegurar a garantia aos
Direitos Fundamentais dos cidadãos, atribuindo-se
respeitabilidade à Constituição e à dinâmica de direitos
nela materializada (VERBICARO, 2006, p.8).
162 |
e duas dimensões de cidadania. A representação
política, atrelada à cidadania política, é exercida pelos
representantes eleitos segundo os procedimentos demo­
cráticos. A representação funcional, por sua vez, atrelada
à cidadania social, é exercida pela comunidade de
intérpretes, composta inclusive pelos agentes judiciais.
Logo, numa leitura fundada neste autor, a poli­
tização do Judiciário, manifestação da cidadania social,
é forma de participação na vida pública, alter­nativa à
6
É certo que para Dworkin a atuação do Judiciário para
efetivar os Direitos Fundamentais se limita aos direitos
individuais e não se estende aos direitos sociais. Porém, a
construção de sua teoria representa um ponto de partida –
ao qual devem acrescentar-se os direitos coletivos – quando
diz que o Judiciário cumpre com o papel da Democracia ao
afirmar os Direitos Fundamentais do cidadão, que tem o
direito de exigi-los do Judiciário não obstante a inércia dos
demais poderes.
Revista da
FAE
representação, e adequada à Democracia, nos termos
Estado de Direito e Democracia. [...] Quando os cidadãos
desta soberania complexa.
vêem a si próprios não apenas como os destinatários,
[...] se a cidadania política dá as condições ao homem
comum de participar dos procedimentos democráticos
que levam à produção da lei, a cidadania social lhe dá
acesso à procedimentalização na aplicação da lei por
meio de múltiplas formas, individuais ou coletivas, de
um simples requerimento a uma ação pública, pro­
porcionando uma outra forma de participação na vida
pública (VIANNA, 1999, p.372).
A politização do Judiciário possibilita o acesso do
cidadão comum, que por vezes não é representado
politicamente; sobretudo em nossa Democracia ainda
mas também como os autores do seu direito, eles se
reconhecem como membros livres e iguais de uma
comunidade jurídica” (CITTADINO, 2007, p.04-06).
Todo aquele que vive no contexto regulado por uma
norma e que vive com este contexto é, indireta ou,
até mesmo diretamente, intérprete dessa norma. O
destinatário da norma é participante ativo, muito
mais ativo do que se pode supor tradicionalmente,
do processo hermenêutico. Como não são apenas
os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a
norma, não detêm eles o monopólio da interpretação
da constituição (HÄBERLE, 1997, p.15).
infante, advinda de um sistema político autoritário e de
exceção do qual ainda existem vestígios, principalmente
Porém, reconhece que em países em que os cida­
na educação para a participação política; à efetivação
dãos não compartilham os valores, devido a rupturas
do direito. Cria, assim, “um direito responsivo”, aberto
no processo histórico de sedimentação da Democracia
aos interesses e concepções éticas do homem comum.
Constitucional, em que não há uma nação de cultura,
(MACIEL; KOERNER, 2002)
se faz necessário o comprometimento do Judiciário com
A Democracia brasileira, não obstante seu processo
de consolidação institucional, experimenta um déficit
no modo do seu funcionamento, resultante da pre­
dominância do Executivo sobre o Legislativo e do
insulamento da esfera parlamentar em relação à
sociedade civil. Conquanto, observa-se reações da cida­
dania ao fechamento desses poderes às suas demandas
e expectativas, através da busca crescente do Poder
Judiciário contra leis, práticas da Administração ou
omissões tanto do Executivo quanto do Legislativo
(VIANNA apud MACIEL; KROENER, 2002).
a concretização da Constituição, dos valores oriundos
do consenso formal da qual emanou, com a ressalva
de que não é imprescindível o domínio dos tribunais,
mas de uma cidadania participativa que sobre eles atue
(CITTADINO, 2007, p.06).
Paulo Bonavides elabora outra advertência rela­
cionada a certo grau de dificuldade da abertura do
processo quanto ao estágio de amadurecimento dos
sistemas políticos democráticos de nações subde­sen­
volvidas:
Gisele Cittadino adverte que esta participação
política no âmbito do Judiciário não deve presumir uma
ausência de correspondência entre os textos normati­
vos7 e os cidadãos, pois “uma cidadania ativa não pode
supor a ausência de uma vinculação normativa entre
7
Com a devida vênia à expressão utilizada pela autora, pre­
ferimos utilizar a expressão ausência de correspondência
entre o texto normativo e os cidadãos, porque entendemos
que foi neste sentido que empregou a palavra Direito, como
texto normativo advindo do processo legislativo. Necessária
esta observação porque consoante a concepção por nós
compartilhada, o texto normativo não encerra o Direito,
pois a norma se perfaz com a interpretação.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009
Demais, o método concretista da “Constituição aberta”
demanda para uma eficaz aplicação a presença de
um sólido consenso democrático, base social estável,
pressupostos institucionais firmes, cultura política bas­
tante ampliada e desenvolvida, fatores em dúvida
difíceis de achar nos sistemas políticos e sociais de
nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento, cir­
cunstância essa importantíssima, porquanto logo inva­
lida como terapêutica das crises aquela metodologia
cuja flexibilidade engana à primeira vista (BONAVIDES,
2003, p.516).
Feitas estas observações, sobremaneira perti­nen­
tes, de que o estágio de amadurecimento do sistema
| 163
político democrático pode não culminar no auto-reco­
nhecimento da “comunidade aberta de interprétes”,
na expressão de Häberle, como comunidade políticojurídica autora de seu direito, há que ser feitas duas
observações.
A primeira de que o Judiciário deve estar imbuído
do compromisso com a efetivação da Constituição e
dos valores democráticos, funcionando como dito pelo
próprio Härbele, como um intérprete qualificado. A
segunda é no sentido de resgatar a noção da antiguidade
clássica romana, de que Direito é, sobretudo, prudência,
de determinadas ações, especialmente aquelas de natu­
reza coletiva e/ou de dimensão constitucional – ação
popular, ação civil pública, mandado de injunção, etc.,
torna-se um instrumento privilegiado de participação
política e exercício permanente da cidadania (GUERRA
FILHO apud DEL PRÁ, 2008, p.73).
O advento da Ação civil pública, a legitimidade do
Ministério Público para a propositura de ações, o poder
geral de cautela do magistrado, a mitigação ao princípio
da demanda, o desenvolvimento de microssistemas,
a responsabilização de pessoas jurídicas, as tutelas
e que, portanto, “a comunidade de interpretes” é
de urgência e todo o desenvolvimento recente dos
qua­lificada neste quesito e sob este aspecto. Nesta
institutos de Processo Civil buscaram a superação do
esteira é crucial a abertura do processo à participação
modelo individualista de demanda e instrumentaliza­
democrática, à “comunidade aberta de intérpretes”, ao
ram crescente politização do Poder Judiciário.
cidadão da polis.
3 A tutela dos interesses coletivos:
marco para a abertura democrática
do processo
A abertura do Processo teve início com a criação
de institutos processuais aptos a salvaguardar os dis­
positivos constitucionais que fixaram direitos subje­
tivos transindividuais. O direito coletivo à efetivação da
Constituição fez com que o Judiciário passasse a atuar
no espaço público e que os institutos processuais, que se
destinavam às demandas individuais, evoluíssem para a
tutela de interesses coletivos. O novo Direito Processual
remodelou sua legitimidade, surgindo a tutela coletiva
A tutela coletiva tem condições de instrumentalizar
o controle de políticas públicas de modo a fornecer
à Constituição densidade suficiente para a tutela de
Direitos transinidividuais (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.97).
A implantação de políticas públicas é dever do admi­
nistrador, que se não as realizar conforme manda a Cons­
tituição e a legislação respectiva, poderá ser acionado,
jurisdicionalmente, por qualquer legitimado coletivo,
inte­ressado arrolado nos art.s 5° da LACP e 82 do CDC
(ALMEIDA apud FREIRE JÚNIOR, 2005, p.98).
Dentre estes institutos, o Amicus Curiae se reveste
de destaque sob a perspectiva da participação política.
Inclusive, o projeto de lei que culminou na Lei 9.868/99,
de autoria de Gilmar Ferreira Mendes, foi apresentado
no mesmo ano (1997) em que o douto doutrinador
traduziu a “sociedade aberta dos intérpretes da Cons­
tituição”, de Peter Härbele.
e as ações correspondentes.
164 |
Capelletti, já em 1976, apontava que “eram quatro os
pontos nos quais seria necessária uma profunda reforma
do processo civil tradicional, a fim de garantir um
novo canal de acesso ao Judiciário: legitimidade ativa,
garantias processuais (contraditório e ampla defesa) dos
ausentes; efeitos da decisão (secundum eventus litis); e
tipo de provimento e de sanção que se pode obter do
juiz” (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.97).
4 Análise do Amicus Curiae
O processo Judicial que se instaura mediante a propositura
do Amicus Curiae, no Year Books, no direito inglês
4.1 A origem do Amicus Curiae
Del Prá, em dissertação de mestrado pela PUC/SP
publicada em 2008 informa que, a respeito da origem
Revista da
medieval, este sujeito tinha papel meramente informa­
FAE
partes, é terceiro interveniente ou auxiliar do juízo.
tivo no processo, levando à Corte matérias de fatos
Fredie Didier, em análise da natureza jurídica do
desconhecidas desta. Tratava-se um sujeito imparcial
Amicus Curiae, o enquadra como “um auxiliar do juízo”
e desinteressado, e a discricionariedade do juiz em
aceitá-lo, assemelhava-se, de certa forma, ao atual
poder instrutório do juiz (DEL PRÁ, 2008).
Segundo este autor, com a absorção do instituto
pelo direito norte-americano, ele foi se afastando
desta função neutra. Sobretudo no momento global
pós II Guerra, quando organismos internacionais de
proteção dos direitos humanos utilizaram-se deste
instituto para pleitear sua participação em processos
que tinham por objeto a violações destes direitos, nos
mais diversos países. O autor traça acuradamente a
evolução jurisprudencial e positivação deste instituto
que integra “ao lado do juiz, das partes, do Ministério
Público e dos auxiliares da Justiça – o quadro dos sujeitos
processuais” (DIDIER, 2002, p.79), Já Milton Luiz Pereira
identifica o Amicus Curiae como interven­ção de terceiros,
caracterizando para o autor, uma forma qualificada de
assistência (PEREIRA, 2002, p.39-44).
Para Del Prá, nos casos em que a manifestação se
dá por iniciativa do juiz, este exerce função de auxiliar
do juízo. Já nas hipóteses de intervenção voluntária
assumiria a natureza de terceiro interveniente – inclu­
sive, sendo-lhe atribuídos os poderes de recorrer da
em diversos países, a quem remetemos à leitura para
decisão que indefere sua manifestação; sustentar
que não fujamos do escopo de nosso trabalho.
oralmente suas razões e juntar documentos, por
Assim, o instituto evoluiu, em linhas gerais, para
a configuração que tem hoje em nossa legislação, a
exemplo – distinta daquelas do Código de Processo
civil. O autor sustenta que a atuação distinta do
participação de um terceiro desprovido de interesse
Amicus Curiae nas duas hipóteses revela sua natureza
direto em causas de repercussão social. Embora nos
dúplice e que, a depender da modalidade de ingresso,
Estados Unidos, admita-se a participação do Amicus
será determinada sua modalidade de participação
Curiae mesmo sem a transcendência social da matéria
(DEL PRÁ, 2008).
debatida, isto porque os ordenamentos da common
Para o citado autor, a resistência em admitir o
law não possuem disciplina semelhante à intervenção
instituto como uma hipótese da intervenção de tercei­
de terceiros dos sistemas de civil law, servindo o Amicus
ros está na tendência de interpretação restritiva das
Curiae a sanar essa lacuna.
hipóteses cabíveis de intervenção de terceiros em
O autor aponta a origem do instituto, em nosso
processo alheio, cara ao nosso sistema processual, de
ordenamento, nas previsões legais de manifestação,
tradição romano-germânica, que teve Liebman por
nos processos com que tenham pertinência temática,
expoente e influenciador de nossas codificações.
da CVM – Comissão de Valores Mobiliários, do CADE –
No entanto, o próprio autor alude à dificuldade
Conselho Administrativo da Defesa Econômica e do
de enquadramento do instituto nas categorias legais
INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial
existentes, visto que os terceiros arrolados no CPC, só são
(DEL PRÁ, 2008).
terceiros, até o momento de sua entrada no processo,
quando, então, adquirem a qualidade de parte, somente
4.2 A natureza jurídica do Amicus Curiae
permanecendo como terceiro o assistente.
Assim, a intervenção do Amicus Curiae não seria
No que tange a este ponto, a celeuma está em saber
a intervenção do clássico terceiro interessado, visto
se o Amicus Curiae, ora sujeito neutro que informa à
que o interesse que o legitima não é próprio, mas um
Corte questões de fato, ora sujeito parcial, embora não
interesse que decorre da transcendência do objeto
comprometido diretamente com a vitória de uma das
da causa, um interesse, por falta de termo melhor,
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009
| 165
público, respaldado, imediatamente, na lei auto­riza­
processo como assistentes litisconsorciais ou Amicus
dora, mediatamente no princípio democrático e na
Curiae (DEL PRÁ, 2008).
legitimação da Jurisdição.
Na ADPF, a possibilidade legal de participação do
Sob o aspecto procedimental, os terceiros clássi­
Amicus Curiae está no artigo 6º, parágrafo 1º, como
cos, como dito, à exceção do assistente, depois de seu
possibilidade de manifestação, para o fim de fornecer
ingresso no processo, transformar-se-iam em partes,
elementos técnicos, fáticos ou jurídicos para a melhor
o que não ocorre com o Amicus Curiae, dada a sin­
construção da decisão. Uma especificidade digna de nota
gularidade de seu interesse, em qualquer dos casos em
é que na ADPF a participação voluntária é autorizada a
que é previsto, ou especialmente em sede de controle
“quaisquer interessados”, não somente aos “órgãos e
concentrado, pois nesta seara nem mesmo há partes
entidades”.
(DEL PRÁ, 2008).
Também é possível a participação do Amicus Curiae
em sede de Controle Difuso. Neste caso se dará sempre
4.3 As hipóteses legais de participação
do Amicus Curiae
voluntariamente. Poderão assumir a sua função, nos
termos da Lei 9.868/99 “as pessoas jurídicas de direito
público responsáveis pelo ato impugnado, os co-
As ações de controle concentrado, abstratas e obje­
legitimados do artigo 103 da Constituição e quaisquer
tivas, não servem à defesa de interesses subjetivos de
outros órgãos e entidades”. Neste ponto, há que se
particulares ou terceiros. O interesse a ser resguardado
salientar a inovação operada pela Emenda Constitucional
no palco do judicial review é a guarda da Constituição.
nº 45 que instituiu a “Repercussão Geral da matéria” como
Desta forma, poderia parecer inadequada a intervenção
condição de admissibilidade do Recurso Extraordinário, ao
do Amicus Curiae em processo objetivo, o que se trata
adicionar o parágrafo 3º ao artigo 102 da Constituição
de engano, haja vista a intervenção do Amicus Curiae
Federal, nos seguintes termos:
não atender, dada a feição da lei 9.868/99, ao clássico
arcabouço da intervenção de terceiros.
Desta forma, a participação do Amicus Curiae em
processo objetivo de controle de constitucionalidade,
reveste-se da elogiável função de trazer a sociedade
ao debate, ao diálogo constitucional. Considerando a
Art. 102 [...] § 3º No recurso extraordinário, o recorrente
deverá demonstrar a Repercussão Geral das questões
constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a
fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso,
somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois
terços de seus membros (BRASIL, 2008, p.35).
preconizada legitimidade discursiva do Judiciário, a figura
Por Repercussão Geral, conforme expõe André
deste instituto reforça esta legitimidade, posto que trará
Ramos Tavares em seu Curso Direito Constitucional,
“outras vozes” à confecção do discurso cons­titucional.
deve-se compreender as temáticas que afetem um
A previsão de possibilidade de participação do
grande número de populares, que aborde de assuntos
Amicus Curiae na ADIN está no artigo 7º, parágrafo 2º,
relevantes e significativos socialmente, transcendendo
da Lei 9.868/99, havendo “relevância da matéria e
aos interesses processuais das partes (TAVARES, 2007).
a representatividade dos postulantes” admite-se a
Destarte, observe-se que a “Repercussão Geral da
“manifestação de outros órgãos e entidades”. Há
matéria” – requisito para a análise do Recurso Extraor­
possibilidade de participação do Amicus Curiae também
dinário, e, portanto, da Jurisdição Constitucional na
na ADC, por analogia.
modalidade concreta em grau recursal – coaduna-se
Del Prá acentua a possibilidade dos co-legitimados
com a repercussão social da causa ou relevância da
à propositura das Ações Constitucionais ingressarem no
matéria, requisito para a admissão do Amicus Curiae.
166 |
Revista da
FAE
O que evidencia não só o cabimento da participação de
qual, “eventuais interessados, ainda que não sejam
Amicus Curiae em sede de Recurso Extraordinário, mas
partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de
também, a consonância de propósitos destes requisitos
trinta dias”.
de admissibilidade.
Ainda no âmbito da uniformização de jurisprudência,
A previsão legal infraconstitucional da Repercussão
o mesmo dispositivo aplica-se também, por previsão
Geral está assentada no Código de Processo Civil, nos
expressa, ao processamento do Recurso Extraordinário,
artigos 343-A e 543-B acrescidos pelo advento da Lei
hipótese inclusive reconhecida pela Emenda Regimental
nº 11.418/06. Bem como no Regimento Interno do
12 de 12/12/2003, do STF.
STF que disciplina a matéria nos artigos 322 a 328.
A Repercussão Geral delimita a competência recur­
sal do STF às questões com relevância social, política,
econômica ou jurídica. Por este motivo, o parágrafo 6º
do artigo 543-A do Código de Processo Civil favorece a
intervenção de terceiros em sua análise, in verbis: “O
5 Amicus Curiae: instituto de
legitimação e participação
democrática no judiciário politizado
Relator poderá admitir, na análise da Repercussão Geral,
a manifestação de terceiros, subscrita por procurador
O instituto em análise corrobora com a abertura
habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo
do processo, de modo a ampliar a participação da
Tribunal Federal.” Embora o Amicus Curiae, não seja
sociedade na realização da tutela Jurisdicional, uma
um dos clássicos casos de intervenção de terceiros, sua
abertura democrática do processo hermenêutico,
admissibilidade é necessidade teleológica estabelecida
nos moldes da doutrina de Peter Härbele. Este autor
pelo liame estabelecido entre a Repercussão Geral e a
aborda a legitimidade da pluralidade de intérpretes
transcendência da matéria.
pelo viés da Teoria da Democracia. Para ele, embora
A admissibilidade de terceiro na análise da Reper­
cussão Geral consagra a proposta de Peter Häberle
no tocante a “sociedade aberta dos interpretes da
Constituição”
estes intérpretes não tenham legitimação represen­
tativa, isto não lhes retira a legitimidade. Porque
Democracia não se exerce somente por representação,
mas numa sociedade aberta, principalmente, pela
realização dos Direitos Fundamentais e pela inter­
A interpretação constitucional é, em realidade, mais
um elemento da sociedade aberta. Todas as potências
públicas, participantes materiais do processo social,
estão nela envolvidas, sendo ela, a um só tempo,
elemento resultante da sociedade aberta e um ele­
mento formador ou constituinte dessa sociedade. [...]
Os critérios de interpretação constitucional hão de ser
tanto mais abertos quanto mais pluralista for a socie­
dade (HÄBERLE, 1997, p.13).
pretação pluralista da Constituição. Por isto, defende
Há também previsão de manifestação do Amicus
da soberania política, espaço público de participação
Curiae no pedido de uniformização de interpretação de
democrática, aberto ao ativismo de agentes sociais e
lei federal, figura do art. 14 da Lei 10.259/01, fundada na
judiciais na produção plural da cidadania, através do
divergência de decisões das Turmas Recursais da mesma
processo. Espaço de representação funcional atrelada à
região, no âmbito dos Juizados Especiais Federais. Tal
cidadania social, no conceito de Werneck Vianna, para a
previsão assenta-se na parte final do parágrafo 7º, pelo
consolidação da Democracia Constitucional de Dworkin.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009
a substituição do conceito de “democracia do povo”,
fundada na soberania popular, pelo de “democracia
do cidadão”, fundada nos Direitos Funda­mentais.
Destarte, o pluralismo dos Direitos Funda­mentais
converte-se no cerne da Constituição Demo­crática
(HÄRBELE, 2002, p.39).
O Poder Judiciário constitui-se espaço de exercício
| 167
A participação popular passa a não mais restringir-se
à esfera política, no sentido, v.g, de representação
direta pelo voto, mas, ao contrário, inunda campos
maiores de atuação, possibilitando mais amplo debate
nas instâncias jurisdicionais, objetivo de fazer valer os
direitos constitucionalmente assegurados, quer de
forma individual, quer coletiva (DEL PRÁ, 2008, p.73).
A pluralidade da sociedade reclama a expansão
da previsão de participação do Amicus Curiae sempre
que a transcendência do objeto da ação o justificar, em
processo objetivo de controle de constitucionalidade,
em controle difuso, em ações coletivas, ou outras
hipóteses, que entendemos, devem ser ampliadas.
Chegou-se a um estágio no reconhecimento, em
todas as instâncias, da politização do Judiciário, politização
esta que faz necessária a extensão dos institutos de
abertura democrática do processo para além dos limites
do processo objetivo de controle de constitucionalidade,
ao procedimento das ações coletivas.
[...] é necessária a modificação da lei de ação civil
pública para permitir que, durante o processo, haja essa
abertura como forma de viabilizar que o juiz, ao decidir,
tenha plena consciência de todas as teses efetivamente
extraíveis do caso em questão. [...] Essa abertura provoca
até mesmo a superação do pseudodéficit democrático,
pois, permitindo a participação direta da sociedade na
resolução da demanda, não há que se falar em falta de
legitimidade para uma importante decisão judicial sobre
políticas públicas (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.107).
Trazer a sociedade pluralista à participação política,
no âmbito do Poder Judiciário, reforça a legitimidade
democrática deste poder. Democratizar as discussões
A composição do Supremo Tribunal Federal deve ser
plural, porque permitirá a participação das forças
políticas imperantes na sociedade, e conseqüentemente
menores serão as resistências às suas decisões. [...] Há
a formação de uma simbiose intrínseca entre o órgão
que exerce a jurisdição constitucional e os demais
estabelecidos, impedindo que as decisões de tutela
da Constituição sejam tomadas através de um forma­
lismo auto-referencial, alienadas das demandas sociais
(AGRA, 2005, p.284).
Além disto, a democratização dos debates impede
o arbítrio, a argumentação hermética, a distância das
contingências sociais e enriquece a jurisprudência.
Existem muitas formas de legitimação democrática,
desde que se liberte de um modo de pensar linear
e eruptivo, a respeito da concepção tradicional de
democracia. Alcança-se uma parte considerável da
democracia dos cidadãos (Burgerdemokratie) com o
desenvolvimento interpretativo das normas consti­
tucionais. A possibilidade e a realidade de uma livre
discussão do indivíduo e de grupos “sobre” e “sob” as
normas constitucionais e os efeitos pluralistas sobre
elas emprestam à atividade de interpretação um caráter
multifacetado. [...] A sociedade tornou-se aberta e livre,
porque todos estão potencial e atualmente aptos a
oferecer alternativas para a interpretação constitucio­
nal. [...] os instrumentos de informação dos juízes cons­
ti­tucionais devem ser ampliados e aperfeiçoados, es­
pecial­mente no que se refere às formas gradativas de
participação e à própria possibilidade de participação no
processo constitucional (especialmente nas audiências
e nas intervenções). Devem ser desenvolvidas novas
formas de participação das potências públicas pluralistas
enquanto intérpretes em sentido amplo da Constituição
(HÄRBELE, 2002, p.39).
travadas no STF, estabelecendo um diálogo com os
Del Prá, fazendo menção à teoria de Niklas
setores organizados da sociedade civil, não acarreta
Luhmann, afirma que: “Na verdade, a legitimação do ato
na perda de independência do Tribunal Constitucional,
de poder não se dá somente em razão da observância
confere-lhe maior legitimidade social, visto que a
do procedimento previsto, mas principalmente pela
interpretação da norma não interessa apenas aos seus
participação dos destinatários que essa observância
intérpretes formais, mas a todos aqueles que convivem
proporciona” (DEL PRÁ, 2008, p.198).
na sociedade.
Quanto maior o respaldo que seus membros gozarem
na sociedade, maior será a autoridade de suas decisões.
168 |
Porém, este trabalho não pode se furtar a men­
cionar, ainda que brevemente, que a legitimidade do
Judiciário é também discursiva. Repousa também
Revista da
na capacidade de convencimento do argumento, na
FAE
Conclusão
capacidade de, diante das inerentes tensões da demo­
cracia, escolher um dos argumentos dentre os que
colidem na “comunidade de valores compartilhados”,
para criar algum nível de consenso, a partir de uma
verificação racional do argumento.
Embora a representatividade seja instituto essen­
cial das democracias, estas não são configuradas
apenas por ela. Com o advento do Estado Social de
Direito, e o que se assistiu após ele, as democracias
Neste ponto, há que se ressaltar a doutrina de
agregaram ao seu conceito um conteúdo finalístico,
Habermas, em que a legitimação discursiva se opera
assumindo como sua razão de ser a realização dos
pelo alcance da “verdade consensual”, advinda do
Direitos Fundamentais.
debate, da construção do consenso a partir do dis­
Na Democracia Constitucional, surgem outros
sen­so, externada em linguagem “autêntica, justifi­
espa­ços políticos de atuação da cidadania que não os
cável e con­s ensual”. Para o estudo da legitimidade
clássicos métodos de representação, entre os quais se
discur­s iva há que se entender o discurso normativo
destaca o Judiciário, que em crescente atuação política,
(HABERMAS, 1997)
reinventa a sua Jurisdição e legitimidade.
Pode-se assim dizer que a administração da justiça é o
resultante de um paralelogramo de forças no qual os
vetores dominantes são a consciência jurídica formal
e a consciência jurídica material, A decisão obtida é
determinada pelo efeito combinado da interpretação
cognoscitiva da lei e da atitude valorativa da consciência
jurídica. Seria errôneo limitar a atividade valorativa
àquelas ocasiões, relativamente raras, nas quais ela se
manifesta como desvio do resultado a que conduziria
uma interpretação meramente cognoscitiva da lei. A
consciência jurídica material está presente em todas
as decisões. [...] Se os postulados político-jurídicomorais de sua consciência jurídica tivessem levado
o juiz a considerar que a decisão era inaceitável, este
teria podido também, mediante uma argumentação
adequada, descobrir a via para uma melhor solução
(ROSS, 2000, p.168-169).
Desta forma, são reinventados também os instru­
mentos processuais, de modo a possibilitar a abertura
do processo à participação democrática. A este desi­
derato serve o Amicus Curie, numa demonstração
de que o processo adequa-se à nova roupagem das
Democracias Constitucionais, na qual a necessidade
de inclusão das minorias e a proteção dos Direitos
Fundamentais são imperiosas.
A participação política no Poder Judiciário, legi­
timada pela vontade do poder Constituinte e pela
opinião pública, cerceia o excesso do poder constituído
e contorna uma grave crise de representatividade ins­
taurada que ameaça transformar a Democracia em
teorema formal.
Assim, participação do Amicus Curiae é partici­
Assim, a participação direta da sociedade na pres­
pação do cidadão na vida pública na seara do Poder
tação jurisdicional pelo instrumento do Amicus Curiae;
Judiciário, possibilita o pluralismo e complementa a
para além dos limites liberais da ampla defesa e do
Democracia representativa, pelo viés da concretização
contraditório, que atendem aos interesses das partes;
os Direitos Fundamentais. De modo a consolidar a
em situações em que o debate hermenêutico judicial
“Democracia Constitucional Participativa” em detrimento
tem transcendência social, tende a pacificar as tensões
da “Democracia Majoritária”, pelo reconhecimento
entre os vários argumentos existentes na “comunidade
de uma representação política, ou funcional, atrelada
de interpretes” – que em uma democracia deve
à cidadania social, exercida pela comunidade de
participar dos atos de poder – criando uma decisão
intérpretes e agentes judiciais.
com força argumentativa potencialmente indutora de
consenso.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009
Estabelecido o direito “à máxima efetividade da
Constituição”, tendo a função jurisdicional deixado de
| 169
ser reguladora de conflitos intersubjetivos, consagrou-se
Por tudo quanto exposto, há que se buscar o
o Judiciário como um cenário político apto a realizar
aumento da participação política do jurisdicionado,
as prestações sociais do Estado Democrático Consti­
de sua consciência e compromisso com a Constituição,
tucional, com a participação do cidadão, que não é
e, por fim, o aumento da participação, da figura do
mais o Jurisdicionado inerte de outrora.
Amicus Curiae.
Assim, considerando a premissa de que a Juris­
prudência cria direito, porque a norma se perfaz no
momento da interpretação, os cidadãos participam da
criação do direito estatal pela interpretação e aplicação
do direito, não somente pela representatividade confe­
rida ao Legislativo, mas pela via judicial.
O Poder Judiciário é poder político, suas instâncias
são espaços democráticos de atuação e produção
política, não representativa, mas participativa, regidos
por regras de processo. Assim, o Judiciário realiza os
valores e princípios democráticos constitucionais, pela
participação dos cidadãos e atores estatais, na concre­
tização dos valores fundamentais.
•Recebido em: 18/06/2009
•Aprovado em: 19/10/2009
Referências
ADEODATO, J. M. Ética e retórica. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
ALVES, R. L. Montesquieu e a teoria da tripartição dos poderes. Jus Navigandi, Teresina, v.8, n.386, jul. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5484>. Acesso em: 10 mar. 2007.
AGRA, W. M. A reconstrução da legitimidade do Supremo Tribunal Federal: densificação da jurisdição constitucional
brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Hemus, 2005.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com
as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nº 01/92 à 56/2007. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições
Técnicas, 2008.
BOBBIO, N. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 5.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
BONAVIDES, P. Do estado liberal ao estado social. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
______. Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito Constitucional de luta e resistência, por uma nova
hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
CAPPELLETTI, M. Juízes legisladores? Porto Alegre: S. A. Fabris, 1993.
COMPARATO, F. K. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. In: MELLO, Celso Antonio Bandeira (Org.).
Direito administrativo e constitucional: estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. São Paulo: Malheiros, 1997. p.343-359.
170 |
Revista da
FAE
CRUZ, J. G. Politização da justiça constitucional ou constitucionalização da justiça? Disponível em:<http://
ultimainstancia.uol.com.br/ensaios>. Acesso em: 02 dez. 2006.
CUNHA JUNIOR, D. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004.
______. Curso de direito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2007.
DALLARI, D. A. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 2002.
______. Separação de poderes e garantia de direitos. Folha de São Paulo, São Paulo, 04 fev. 2006. Disponível em:
<http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=247679>. Acesso em: 06 dez. 2006.
______. O que é participação política? São Paulo: Brasiliense, 1999. (Primeiros Passos, 104).
DEL PRÁ, C. G. R. Amicus Curiae: instrumento de participação democrática e de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.
Curitiba: Juruá, 2008.
DIDIER JUNIOR, F. Recurso de terceiro: juízo de admissibilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
DWORKIN, R. A matter of principle. Cambridge, MA: Harvard University, 1985.
FREIRE JÚNIOR, A. B. O controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
GUERRA FILHO, W. S. Introdução ao direito processual constitucional. Porto Alegre: Síntese, 1999.
HÄBERLE, P. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a
interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1997.
HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
HESSE, K. A força normativa da constituição. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1991.
LEITE, G. S. Direito e política: a politização da justiça constitucional é inevitável. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.
br/static/text/41320,1>. Acesso em: 11 nov. 2006.
LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: M. Claret, 2002.
MACIEL, D. A.; KOERNER, A. Sentidos da judicialização da política: duas análises. Lua Nova: revista de cultura e política,
São Paulo, n.57, p. 113-134, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 06 jun. 2006.
MALISKA, M. A. Acerca da legitimidade do controle da constitucionalidade. Revista Crítica Jurídica, Curitiba, n.18.
Disponível em: <http: //www.unibrasil.com.br>. Acesso em: 11 nov. 2006.
MONTESQUIEU, C. S. O espírito das leis. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
PEREIRA, M. L. Amicus Curiae: intervenção de terceiros. Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, v.24, p.11-17, set./dez. 2002.
ROUSSEAU, J. Discurso sobre o fundamento e as origens das desigualdades entre os homens. 2.ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
SADEK, M. T. A. Poder judiciário: perspectivas de reforma. Opinião Publica, Campinas, v.10, n.1, 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.br>. Acesso em: 11 nov. 2006.
SIEYÉS, E. J. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.
TAVARES, A. R. Partido-politização da justiça constitucional. Folha de São Paulo, 04 fev. 2006. Disponível em:
<http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=247679>. Acesso em: 06 dez. 2006.
______. Curso de direito constitucional. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
VIANNA, L. W. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009
| 171
Orientações aos colaboradores da Revista da FAE
Histórico e missão
A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço
para divulgação da produção científica e acadêmica de temas
multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de
administração, contabilidade, economia, direito, engenharia,
educação, sistemas de informação, psicologia e filosofia, com
o intuito de discutir o posicionamento das organizações e o
desenvolvimento local.
Por ter como missão fomentar a produção e a disseminação de conhecimento em áreas correlatas à discussão sobre
a gestão de negócios e o posicionamento das organizações
no processo de desenvolvimento local, entre nossos leitores,
encontram-se professores, alunos de graduação e pós-graduação, consultores, empresários e profissionais de empresas
públicas e privadas.
Objetivo
o processo de desenvolvimento da organização. Trata-se de
uma visão holística sobre a gestão de negócios, a partir de
uma abordagem multidisciplinar das áreas de ciências sociais
aplicadas (administração, contábeis e economia), jurídica
(direito) e exatas (engenharias).
Já com o tema organizações e desenvolvimento, o objetivo
é analisar o papel e a interação da organização, qualquer
que seja sua origem ou situação societária, no processo de
sustentabilidade econômica, social, ambiental e política.
Além de trabalhos puramente teóricos, serão aceitos
para apreciação artigos resultantes de estudos de casos ou
pesquisas direcionadas que exemplifiquem ou tragam
experiências, fundamentadas teoricamente, e que contribuam
com o debate estimulado pelo objetivo da revista.
Enfatiza-se a necessidade de os autores respeitarem as
normas estabelecidas nas Notas para Colaboradores, especialmente as referentes ao limite de tamanho. Os trabalhos serão
publicados de acordo com a ordem de aprovação, porém será
priorizado o conteúdo multidisciplinar do debate.
O objetivo da Revista da FAE é promover a publicação
de temas relacionados à gestão de negócios e à inserção das
organizações no processo de desenvolvimento local.
Todos os artigos estão disponíveis para download,
exceto a última edição.
A Revista da FAE deseja motivar e instigar os seus leitores
a compreenderem o papel das organizações no processo de
desenvolvimento local, tendo acesso à discussão de temas
atuais e relevantes para definição estratégica e operacional
das organizações.
Focos
Assim, será dada prioridade à publicação de artigos que,
além de inéditos, nacional e internacionalmente, versem sobre
o papel das organizações no desenvolvimento local e discutam
sobre temas contemporâneos da gestão de negócios.
Orientação editorial
Os trabalhos selecionados pela Revista da FAE serão
aqueles que abordem temas relacionados ao seu objetivo, ou
seja, que se refiram a ferramentas, técnicas e teorias relacionadas à gestão de negócios e à função das organizações no
processo de desenvolvimento local.
Com o tema gestão de negócios, visa-se contribuir com
o debate sobre sistemas de gestão de produção e gestão
econômica de sistemas produtivos, com o intuito de discutir
O principal requisito para publicação na Revista da FAE
consiste em que o artigo represente, de fato, contribuição
científica. Tal requisito pode ser desdobrado nos seguintes
tópicos:
• O tema tratado deve ser relevante e pertinente ao contexto e ao momento e, preferencialmente, pertencer à orientação editorial.
• O referencial teórico-conceitual deve refletir o estado da arte do conhecimento na área.
• O desenvolvimento do artigo deve ser consistente,
com princípios de construção científica do conhe­
cimento.
• A conclusão deve ser clara e concisa e apontar implicações do trabalho para a teoria e/ou para a prática
administrativa.
Espera-se, também, que os artigos publicados na Revista
da FAE desafiem o conhecimento e as práticas estabelecidas
com perspectivas provocativas e inovadoras.
Escopo
• As referências bibliográficas devem ser citadas no corpo do texto pelo sistema autor-data. As referências
A Revista da FAE tem interesse na publicação de artigos
de desenvolvimento teórico e trabalhos empíricos.
Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser
bibliográficas completas deverão ser apresentadas
em ordem alfabética no final do texto, de acordo com
as normas da ABNT (NBR-6023).
sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem propor
• Diagramas, quadros, figuras e tabelas devem ser novos modelos e interpretações para fenômenos relevantes
numerados sequencialmente, apresentar título e fonte,
com relação à gestão de negócios e à interação das organiza-
bem como ser referenciados no corpo do artigo.
ções no desenvolvimento local.
• Os artigos deverão ser enviados em disquete ou CD, Os trabalhos empíricos devem fazer avançar o
acompanhados de duas vias impressas ou via e-mail
conhecimento na área, por meio de pesquisas metodologi-
em arquivo eletrônico anexo. O autor receberá a
camente bem fundamentadas, criteriosamente conduzidas
confirmação de recebimento.
e adequadamente analisadas.
Notas para colaboradores
Permuta
A Revista da FAE faz permuta com as principais faculda-
A Revista da FAE está aberta a colaborações do Brasil e do
des e universidades do país.
exterior. A pluralidade de abordagens e perspectivas é incentivada.
Podem ser publicados artigos de desenvolvimento
teórico e artigos baseados em pesquisas empíricas (de 5.000
a 8.000 palavras).
A aceitação e publicação dos textos implicam a trans-
Assinatura
Periodicidade: Anual
ferência de direitos do autor para a Revista. Não são pagos
Valor: R$ 50,00
direitos autorais.
• Para assinar, favor entrar em contato pelo telefone Os textos enviados para publicação são apreciados por
(41) 2105-4093 ou [email protected]
pareceristas pelo sistema blind review.
Os artigos deverão ser encaminhados para o Núcleo de
Pesquisa Acadêmica (NPA) com as seguintes características:
• Em folha de rosto deverão constar o título do trabalho,
Envio de artigos
Os artigos deverão ser encaminhados para:
o(s) nome(s) completo(s) do(s) autor(es), acompanhado(s)
de breve currículo, relatando experiência profissional
e/ou acadêmica, endereço, números do telefone e do
fax e e-mail.
• A primeira página do artigo deve conter o título FAE Centro Universitário
Núcleo de Pesquisa Acadêmica
Rua 24 de Maio, 135
(máximo de dez palavras), o resumo em português
80230-080 Curitiba/PR
(máximo de 250 palavras) e as palavras-chave
E-mail: [email protected]
(máximo de cinco), assim como os mesmos tópicos
vertidos para o inglês (title, abstract, keywords).
Fone: (41) 2105-4093 - Fax (41) 2105-4080
• A formatação do artigo deve ser: tamanho A4, editor de texto Word for Windows, margens 2,5 cm, fonte
174 |
times new roman 13 e/ou arial 12 e espaçamento
Agradecemos o seu interesse pela Revista da FAE e
1,5 linha.
esperamos tê-lo(a) como colaborador(a) frequente.
Download

SUMÁRIO SUMMaRy