UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
O INSTITUTO DO FAIR USE E A PROPRIEDADE
INTELECTUAL NO BRASIL
Por: Isabella Rodrigues Bonisolo
Orientador
Prof. Francis Rajzman
Rio de Janeiro
2012
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
O INSTITUTO DO FAIR USE E A PROPRIEDADE
INTELECTUAL NO BRASIL
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Direito da Concorrência e
Propriedade Intelectual.
Por: Isabella Rodrigues Bonisolo
3
AGRADECIMENTOS
Ao
meu
namorado
Paulo,
que
recuperou o único arquivo que eu
salvei da monografia pronta, que o
computador corrompeu uma semana
antes do prazo.
4
DEDICATÓRIA
Dedica-se à minha família, que sempre
olha com admiração e orgulho todas as
vitórias da minha vida.
5
RESUMO
O presente trabalho debruça-se sobre o instituto do Fair Use, do sistema
Copyright do Direito Americano, e sua aplicação (ou não) na legislação
brasileira. A pesquisa busca justamente traçar algumas nuances das diferenças
e/ou semelhanças entre o “uso justo” do Copyright e do regime jurídico
brasileiro para Direitos Autorais.
Com as mudanças na Sociedade da Informação, cada vez mais sedenta
pelo acesso à informação e cultura, percebe-se que o Direito Autoral possui
função essencial diante do interesse coletivo de uso. Assim, a limitação ao uso
exclusivo dessa propriedade intelectual é problemática a ser insistentemente
estudada, a fim de garantir o diagnóstico do posicionamento jurídico
atualmente adotado pelas legislações vigentes.
Diante dessa necessidade, este trabalho pretende dar um panorama
sobre como essas limitações são encaradas no Direito Americano, com o
instituto do Fair Use, e como a legislação brasileira se posicionou sobre o tema.
Como o Fair Use foi instituto transportado também para o Direito
Marcário, esta pesquisa também analisa como se dá essa apropriação no
Direito Americano e as limitações implementadas na Lei da Propriedade
Industrial Brasileira.
6
METODOLOGIA
Esta pesquisa priorizou a revisão bibliográfica como arcabouço
construtivo acerca do posicionamento jurídico adotado nos sistemas de Direitos
Autorais analisados, o Americano e o Brasileiro, para o Fair Use. Priorizaramse artigos de revistas especializadas e da Internet, por este material ser o mais
atualizado sobre o cerne deste trabalho. Ademais, como a Internet é uma das
grandes motivações das discussões sobre Direitos Autorais, também é ela um
dos importantes palcos da exposição de pensamentos sobre as limitações do
Direito do Autor.
A fase um da pesquisa foi baseada apenas no levantamento desses
artigos, livros e sites que poderiam contribuir com o trabalho. Em um segundo
momento, fez-se a leitura exaustiva da bibliografia citada para começar a
pensar a divisão estrutural da monografia, pois só assim, com o pensamento
organizado didaticamente, é que se poderia aprofundar nos assuntos dos sub
tópicos dos capítulos.
Por fim, a pesquisa focou-se na leitura de jurisprudências dos Tribunais
Brasileiros. Embora este trabalho tenha preferido adotar uma postura mais
teórica, as jurisprudências possuem muito conteúdo doutrinário jurídico, por ser
a aplicação nos casos concretos.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
08
CAPÍTULO I - Considerações sobre o Fair Use
10
CAPÍTULO II - O Direito do Autor e o Fair Use na Legislação Brasileira
16
CAPÍTULO III – O Fair Use e as Marcas Registradas
39
CONCLUSÃO
44
BIBLIOGRAFIA
51
FOLHA DE AVALIAÇÃO
57
8
INTRODUÇÃO
Não há dúvidas que se vive na Sociedade da Informação. As
ferramentas comunicativas e de criação se multiplicam a cada dia. Os meios
eletrônicos, sejam online ou off-line, têm garantido o acesso aos usuários
comuns, que aparentemente não se consideram artistas, a uma gama de
instrumentos de criação cultural e informativa.
É diante desse quadro contemporâneo que se vê a necessidade das
questões de Direitos Autorais estarem na pauta do dia. Assim, este trabalho
busca discutir um pouco sobre os limites do Direito do Autor sobre a sua obra.
Para isso, optou-se pela abordagem de um famoso instituto do Direito
Americano, o Fair Use. O Fair Use, em sua tradução literal, significa “uso justo”.
Ou seja, diz-se daquela apropriação da obra, que mesmo sem a autorização do
seu titular, é considerada lícita em determinadas circunstâncias.
Objetiva-se, portanto, dar um panorama sobre tal instituto. Apenas com
noções preliminares sobre o tema é possível observar, comparativamente,
como a legislação brasileira se comporta sobre o tema. É exatamente isto que
o primeiro capítulo desta pesquisa buscou.
Em um primeiro momento, é fundamental delimitar o sistema jurídico
de Direito Autoral Americano, o Copyright. Em seguida, busca-se reviver as
origens do instituto do Fair Use, para entender como a construção doutrinária
se deu. É certo que a criação do Fair Use é no mínimo curiosa: não nasceu da
vontade do legislador, mas sim da necessidade da sociedade, em vista de um
caso concreto (Folsom vs. Marsh).
Após revisitar a história e requisitos para a Aplicação do Fair Use,
como a consideração do impacto mercadológico do uso e questões de boa fé,
por exemplo, passa-se para o segundo capítulo, onde se abordará a temática
na legislação brasileira.
Busca-se abranger o maior número de facetas do Direito do Autor na
legislação brasileira possível. Para isso, se discutirá a constitucionalização do
Direito Autoral e a consequente problemática do confronto com outros direitos
fundamentais. Questiona-se sempre o que deve prevalecer no caso concreto e
este trabalho pretende tentar dar algumas soluções.
9
Ainda na legislação brasileira sobre Direitos Autorais, fala-se da
adesão à Convenção de Berna, no âmbito internacional. Uma das maiores
contribuições deste tratado é a Teoria dos Três Passos. Em suma, são os três
requisitos que seriam essenciais para que uma limitação ao direito exclusivo do
titular da obra. Deve-se então estar diante de casos especiais, que não
prejudiquem a exploração da obra e que não causem prejuízos ao autor.
Ainda no capítulo segundo discute-se caso a caso as hipóteses de
limitação do Direito do Autor na Lei 9.610/98, como caso de citação, cópia, etc.
Em princípio os doutrinadores entendem que o rol das limitações, dos artigos
46, 47 e 48 seriam taxativos. No entanto, se verá que a jurisprudência já vem
aceitando entendimento diverso.
Por fim, preferiu-se visualizar o instituto do Fair Use no Direito
Marcário. É certo que o Fair Use é fruto da doutrina de Direito Autoral. No
entanto, foi transportado para a área da propriedade industrial.
No Direito Americano, a principal validação de uso de uma marca sem
autorização é quando esta representa um sentido descritivo ou informativo. No
Brasil, a questão está regulada no artigo 132 da Lei de Propriedade Industrial
(Lei 9.2779/96). São os casos em que um comerciante do produtor teria a
liberdade de uso da marca para anunciar a venda; a liberdade de comércio do
produto autorizado a ser vendido no Brasil (livre circulação) e também a
liberdade de uso para fabricante de acessórios para a marca.
Em resumo, esta monografia tem o intuito de observar como anda a
limitação do Direito da Propriedade Intelectual no Brasil, a partir da experiência
americana.
10
CAPÍTULO I
CONSIDERAÇÕES SOBRE O FAIR USE
A questão dos Direitos Autorais pode estar inserida em diferentes
sistemas legislativos. Didaticamente podem-se dividir tais sistemas em três, de
acordo com as influências culturais e políticas que a definiram. De acordo com
Carlos Alberto Bittar (2005), tem-se o sistema individual (europeu), coletivo
(russo) e o comercial (norte-americano).
Neste momento, este trabalho se voltará para o sistema comercial,
desenvolvido prioritariamente nos Estados Unidos, mais conhecido como
Copyright.
Ao entender esse sistema, será possível começar a delinear as bases
desse trabalho, através da construção histórica, jurisprudencial e ideológica do
instituto do Fair Use, inserido na legislação sobre Copyright americana.
1.1
– O Copyright e seu sistema
Com a invenção da imprensa por Gutemberg, a preocupação com os
Direitos Autorais começaram a ter espaço. As questões começaram a ficar
mais evidentes no mundo a partir da independência norte-americana e da
Revolução francesa. A partir desses dois cruciais momentos históricos, foram
moldando-se as vertentes mais conhecidas do Direito Autoral.
Na Europa francesa, inundada dos ideais de liberdade, igualdade e
fraternidade, o regime jurídico para os Direitos Autorais que surgia tinha um
viés subjetivo. A tutela jurídica recaía sobre o autor da obra, com uma faceta
mais individualista.
Nos Estados Unidos pós-independente, ao revés, o regime jurídico
moldou-se de forma mais objetiva. Os Direitos Autorais e sua tutela focavam a
obra em si e definitivamente prezavam por uma faceta mais comercial. Neste
sistema, haveria cláusulas mais genéricas e abertas em relação aos limites do
Direito Autoral, o que permitiu o aparecimento do Fair Use.
11
1.2 – As origens e desdobramentos do instituto do Fair Use
Durante algum tempo pensou-se que o Copyright como direito positivado
não permitia exceções. No entanto, tal assertiva jamais poderia ser encarada
como verdadeira, já que a impossibilidade de flexibilizações de uso condenaria
a própria produção intelectual.
Assim, apesar de os autores (“detentores de Copyright”) terem o direito
de reproduzirem suas obras e de autorizarem terceiros as reproduzirem, é
importante ter em mente que este direito não é absoluto, visto que possui
limitações.
No Direito Americano, objeto da análise no momento, estas limitações
encontram-se nas seções 107 a 118 da Lei de Copyright e um dos expoentes
mais importantes em sua doutrina é o instituto do Fair Use.
A justificativa dos legisladores americanos para a criação do Fair Use foi
a de que os Direitos Autorais foram criados com o intuito de desenvolver o
país, nos campos do progresso, ciências e artes. Dessa forma, tal ambição só
seria alcançada caso o próprio direito autoral tivesse exceções.
O Fair Use pode ser definido como a permissão de utilização livre de
certa obra protegida pelo Copyright, independente de prévia autorização de uso
pelo proprietário do direito. Latman (1958) assim definiu:
“um privilégio para outros que não o proprietário do
Copyright, para usar, de uma forma razoável, o material
protegido pelo Copyright, sem o seu consentimento, não
obstante o monopólio concedido ao proprietário do
Copyright.” (LATMAN, 1958. p.5) 1
Segundo Latman (1958), o Fair Use pode ser entendido de duas formas.
A primeira seria considerar o Fair Use como uma infração técnica ao Copyright,
1
Tradução livre de “Fair Use may be defined as a privilege in others than the owner of the
Copyright, to use the Copyrighted material in a reasonable manner without his consent;
notwithstanding the monopoly granted to the owner by the Copyright.”
12
mas que é escusável. Ou seja, o uso já nasceria como uma infração, mas há a
previsão de uma excludente de ilicitude. A outra vertente seria entender o Fair
Use como uma situação que não nasce em sua origem como uma infração,
pois é caso que sairia da órbita da proteção do autor.
O instituto do Fair Use surgiu no Direito Norte Americano, mais
precisamente nas Cortes dos Estados Unidos, de forma incidental, a partir da
análise de um caso concreto. Pode-se inferir, então, que o Fair Use não é fruto
de uma invenção abstrata do legislador, que a dispôs em lei um conceito
previamente construído. Pelo contrário. O Fair Use e seu posterior
desenvolvimento doutrinário e aplicação foi resultado de uma lide levada ao
judiciário estadunidense.
Em 1841, o referido conflito, na qual figuravam como partes Folsom e
Marsh, teceu as bases posteriores da doutrina do Fair Use, inovando os limites
do conceito de Copyright da época. O objeto da lide era a reprodução pela
parte ré, sem a devida autorização, de cartas de George Washington, com o
intuito de compor um novo livro biográfico sobre o ex-presidente.
Segundo Bracha (2008), esse momento em especial do século XIX
marcou os estudos e posicionamentos doutrinários sobre os Direitos Autorais
de duas formas cruciais. Até então, os Direitos Autorais eram vistos de uma
maneira limitada, sendo compreendidos apenas como a possibilidade de
imprimir e vender um texto. Com a discussão na Corte, abriu-se a mentalidade
sobre a questão da propriedade intelectual, que passou a ser questão com
valor de mercado agregado.
Por outro lado, pela primeira vez foram discutidos os limites do uso de
um conteúdo protegido pelos Direitos Autorais, estando em uma ponta do cabo
de guerra os interesses patrimoniais (lucro) do mercado comercial cada vez
mais latente nos EUA e do outro o argumento de uma sociedade e seu direito à
informação, marcada pelos ideais republicanos da época.
No entanto, o legado de Folsom e Marsh foi mais evidente nos anos
1980, quando começaram a pipocar casos em que era preciso determinar o
uso justo ou uma infração sem os excludentes do Fair Use.
Até hoje o caso é encarado como a semente do combate contra a
proteção exacerbada dos Direitos Autorais, numa tentativa de equilíbrio entre
13
os direitos de propriedade imaterial exclusivos e o acesso ao público de
informação e conhecimento.
Foi em 1976 que a doutrina do Fair Use foi incorporada a Lei Federal
Americana de Direitos Autorais (U.S. Copyright Act). Foi posta como uma
cláusula geral, de modo a permitir que os tribunais americanos pudessem ter
entendimentos diversos sobre a licitude ou ilicitude do uso a partir do caso
concreto. Na lei americana, portanto, não há a definição taxativa do uso justo,
mas a fixação de critérios, de modo não exaustivo, que ajudam na aferição do
qual uso é possível ou não, casuisticamente.
Carlos Carvalho (2005), em seu texto “A doutrina do Fair Use nos EUA”,
aponta que muito embora a lei não tenha definido expressamente um conceito
fechado para o instituto do Fair Use, há a colocação de quatro parâmetros, que
devem ser analisados em conjunto, para a aplicação dessa exceção de
infração dos Direitos Autorais. São eles:
(a)
propósito e caráter do uso não autorizado
(b)
natureza da obra intelectual protegida
(c)
quantidade reproduzida
(d)
efeito do uso na autorizado no mercado potencial
Sobre o propósito do uso, diz-se da distinção da finalidade em que a
obra autoral está sendo usada. A reprodução de uma obra não pode
representar para o usuário uma fonte de renda. Assim, um dos indicadores do
Fair Use seria o uso sem fins lucrativos.
Em relação à natureza da propriedade intelectual em questão, os
tribunais americanos vêm caracterizando como Fair Use quando a obra possui
um caráter mais científico, histórico, etc. Assim, consegue-se atingir a
finalidade da produção intelectual, que é justamente a disseminação de
informação. Dessa forma, os usuários que reproduzam obras de puro
entretenimento dificilmente têm conseguido a caracterização do Fair Use.
Ademais, uma obra de cunho educacional que esteja esgotada poderia ser
reproduzida para fins privados. A partir desse quesito, entende-se por que seria
lícito copiar integralmente um trabalho científico esgotado, enquanto que fazer
download de uma música de uma cantora pop, mesmo que para uso apenas
privado, não seria considerado Fair Use.
14
Sobre a quantidade reproduzida, não há uma fórmula certa, com
percentuais exatos. Quando julgado o caso, deve-se questionar se o que foi
reproduzido foi razoável para atingir o intuito do Fair Use. Carvalho (2005)
atenta para o caso das copias integrais das obras, que não vem sendo
entendidas nos tribunais como Fair Use, mesmo quando para uso privado, por
esbarrar no quarto quesito.
O quarto quesito é considerado o mais importante pelas Cortes
americanas. Se a reprodução da obra afeta o mercado econômico autoral, não
deve ser considerado Fair Use. Isso porque a partir do momento que há uma
afetação econômica, cria-se um ambiente de desestímulo ao desenvolvimento
de novas obras autorais.
Mesmo com parâmetros aparentemente claros, aplicar o instituto do Fair
Use não é tarefa fácil, pois não existe uma medida quantificada de quantas
frases, parágrafos, trechos ou páginas podem ser reproduzidos de forma justa.
Será na análise concreta, nos casos de reprodução para fins de crítica,
comentário, informação, investigação e ensino, em que será definido o uso
justo ou não. Até porque é um instituto suscitado apenas quando o detentor
dos Direitos Autorais se sentiu lesado. Ou seja, quando a infração já ocorreu é
que se discutirá a aplicação do Fair Use no caso.
“Com efeito, os quatro factores devem ser ponderados na
determinação
do
Fair
Use,
não
se
excluindo
a
consideração de outros factores “extra” com relevo em
função das circunstâncias do caso concreto. De resto, os
quatro factores são objeto de críticas, considerando-se
enganosos o primeiro e o terceiro, vazio o segundo, e
claudicante o quarto. Não obstante, para a jurisprudência
norte-americana, este último, relativo ao efeito econômico
da utilização, é considerado o factor mais importante para
determinar o Fair Use.” (PEREIRA, 2008. p.5)
Ascensão (2002) acrescenta que o Fair Use não é apenas clausulas
gerais, mas possui especificações positivas e diretrizes. As especificações
positivas estariam na seção 108 do diploma americano. Isso torna o sistema
15
americano misto, pois contém abstrações gerais e casos específicos, como a
possibilidade de uso de obras por bibliotecas e arquivos.
Por ter essas linhas limitadoras tão fluidas, muito se discute sobre as
desvantagens do instituto do Fair Use. Principalmente quando se fala em
segurança jurídica. Alguns autores defendem que a figura do Fair Use é no
mínimo estranha, pois foi colocada dentro de um sistema em que a lógica das
excludentes de ilicitude está longe de ser subjetivas, mas sim taxativas.
De qualquer forma, não há de se negar que a possibilidade de abertura
sobre a exploração exclusiva do Direito do Autor é positiva, quando o que está
em jogo é o interesse coletivo.
16
CAPÍTULO II
O DIREITO DO AUTOR E O “FAIR USE” NA
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
“O direito de autor é um direito como qualquer outro. Por
isso,
como
todo
o
direito,
tem
limites.
Isto
é
particularmente sensível no Brasil, em que a Constituição
Federal tão insistentemente sublinha, nomeadamente
quando refere os direitos intelectuais, o princípio da
função social” (ASCENSÃO, 2002.p.94)
2.1 – O regime jurídico brasileiro para Direitos Autorais
Tendo em vista o sistema adotado, fica evidente que em nossa
legislação sobre Direitos Autorais, toda inspirada no “droit d’auter”, não há
espaço para a exata aplicação do instituto do Fair Use do direito americano.
Justamente por não adotarmos o sistema de Copyright (regime jurídico
comercial), não há do que se falar em utilização direta do instituto do Fair Use
no Direito Brasileiro.
No entanto, do ponto de vista lógico, não se pode negar a necessidade
de uma limitação dos Direitos do Autor. Não importa a forma ou a nomenclatura
que esta limitação adotará no sistema brasileiro, pois o importante é que seja
preservada uma série de outros direitos fundamentais e o interesse coletivo.
Do ponto de vista das novas tecnologias, também não se pode dar as
costas a alguma forma de limitação dos Direitos do Autor. O compartilhamento
de informação faz parte do cotidiano mundial, o que, conseqüentemente, leva a
reflexão sobre as novas formas de utilização e sua regulação no mundo
jurídico.
Assim, embora não possamos falar em Fair Use no direito brasileiro, há
de se pensar na essência do que se entende por Fair Use, pois a flexibilização
17
do direito de propriedade do autor deve ser considerada em face de situações
de outros direitos de caráter mais coletivo em jogo.
2.2 - O Direito Autoral e a Constituição de 1988
No Brasil, o primeiro ato sobre propriedade intelectual foi um alvará de
D. João VI, datado de 1809. No texto, o nobre dizia:
“(...) e continua sendo muito conveniente que os
inventores de alguma nova máquina e de invenção de
artes gozem do privilégio, além do direito que possam ter
ao favor pecuniário que seu serviço estabelece em favor
da indústria e das artes. Ordeno que todas as pessoas
que estiverem neste caso apresentem o plano do seu
novo
invento
à
real Junta
de
Comercio
e
que,
reconhecendo a verdade do fundamento dele, lhes
conceda o privilégio exclusivo de 14 anos, ficando
obrigados a publicá-lo para que no fim deste prazo toda a
Nação goze do fruto desta invenção (...)” 2
Posteriormente, todas as constituições brasileiras, excetuando a de
1937, dispunham expressamente sobre os direitos da propriedade intelectual.
Com o advento da Constituição de 1988, os direitos de propriedade
intelectual ganharam status de direitos e garantias fundamentais, justamente
por constarem explicitamente no artigo 5º da Carta Magna. A propriedade
industrial foi regulada no inciso XXIX, enquanto que os direitos do autor
aparecem nos incisos XXVII e XXVIII.3
2
Trecho retirado do texto “Copyright e Copyleft: direitos reservados ou reversos?”, de Oscar
Valente Cardoso.
3
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
18
É evidente que nem todo sistema jurídico mundo afora prevê em sua
Constituição tais direitos com tamanha literalidade. Muitos doutrinadores
questionam se tal previsão sobre os direitos da propriedade intelectual deveria
estar na Constituição. Afinal, os direitos de propriedade não são um
reconhecimento do estatuto fundamental do homem, não sendo, portanto, um
direito natural, mas sim uma criação da lei mediante a vontade e conveniência
da sociedade. Sobre o tema, José Afonso da Silva defende que:
“O dispositivo que a define e assegura está entre os dos
direitos individuais, sem razão plausível para isso, pois
evidentemente não tem natureza de direito fundamental
do
homem.
Caberia
entre
as
normas
da
ordem
econômica” 4
Assim, os direitos morais do autor reconhecidos constitucionalmente
decorrem de mera decisão política e, portanto, não poderiam figurar como
direitos fundamentais. Carboni (2006), no entanto, faz uma ressalva para o
direito de paternidade do autor. Este sim sempre poderia ter o caráter de
fundamental, pois tal status decorreria da própria natureza dos fatos: não se
poder renunciar a tal qualidade de criador.
XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de
suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz
humanas, inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que
participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e
associativas;
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua
utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes
de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o
desenvolvimento tecnológico e econômico do País;
4
SILVA, José Afonso da, citado por BARBOSA, D.B., - citação observada em CARBONI,
Guilherme em “Conflitos entre Direito de Autor e Liberdade de Expressão, Direito de Livre
Acesso à Informação e à Cultura e Direito ao Desenvolvimento Tecnológico”.
19
Sobre os direitos patrimoniais do autor, há dois posicionamentos,
segundo Guilherme Carboni (2006). O primeiro apenas reafirma a posição já
exposta de que seria impossível vincular o Direito do Autor a questões de
direitos
fundamentais,
pois
ele
seria
mera
decorrência
de
escolhas
econômicas. No entanto, há corrente menos radical, que vê a vinculação dos
Direitos do Autor ao artigo 5º corretamente, visto a questão da função social da
propriedade.
Ao nos debruçarmos sobre a Constituição Brasileira de 1988, podemos
perceber que os Direitos Autorais foram protegidos apenas no seu âmbito
patrimonial. Ao falar em “direito exclusivo de utilização”, “transmissível aos
herdeiros” e posicionar tal inciso próximo a outros direitos de propriedade, o
legislador brasileiro demonstra que a proteção constitucionalmente prevista pra
os Direitos do Autor é na sua esfera econômica.
Os aspectos morais, relativos à paternidade, não são tutelados
constitucionalmente. O que para muitos doutrinadores é uma contradição, pois
são os direitos morais que decorrem da natureza do homem, enquanto os
patrimoniais são uma escolha política da sociedade.
“Portanto, o legislador constituinte falhou ao não fazer
referência expressa ao direito de paternidade (...) no rol
dos direitos e garantias fundamentais no artigo 5º da
Carta Magna, pois é ele que merecia a classificação de
direito fundamental e não os direitos de propriedade
industrial ou de direito patrimonial de autor que, a nosso
ver, são reflexos de movimentos de política econômica e
cultural.” (CARBONI, 2006. p.41)
Outro ponto importante a ser observado é omissão da Constituição de
1988 no que diz respeito à dimensão social e solidária do Direito do Autor. Na
nossa Constituição prevalece uma concepção individualista do Direito do Autor,
o que definitivamente não está ajustado com a atual interpretação e evolução
dos direitos fundamentais.
Vive-se uma fase de prioridade aos direitos de desenvolvimento,
solidariedade, igualdade e paz. Uma vez que a positivação dos Direitos
20
Autorais dispõe uma individualização, perde-se a função social do direito de
autor,
em
sua
perspectiva
de
interesse
público.
A
promoção
do
desenvolvimento cultural, econômico, tecnológico, mediante a concessão de
um direito privado, que a gente chama de um direito exclusivo, fica, portanto,
prejudicada.
2.3 - Direitos Constitucionais contrapostos e o Direito Autoral
Sabe-se que é indubitável que o Direito Autoral é considerado um direito
fundamental na legislação brasileira. No entanto, a própria Constituição de 88
possui um rol extenso de outros direitos fundamentais. Por vezes, em
determinadas situações, o Direito do Autor como garantia constitucional e estes
outros direitos com o mesmo status de fundamentais se tornam incompatíveis.
“Comumente verifica-se, tanto no âmbito internacional
como no interno, diversos conflitos gerados pelo choque
de interesses opostos envolvendo os direitos exclusivos
dos titulares dos Direitos Autorais, gerando uma constante
discussão em torno da proteção destes, ainda que os
diferentes institutos legais que tratem do tema tragam
regras
que
relativizam
essa
hipóteses de livre utilização
proteção,
elencando
de obras intelectuais
protegidas que são tratadas, na legislação interna como
limitações” (LEONARDOS, 2010)
A doutrina muito se empenha em tentar criar mecanismos de solução
para os conflitos entre direitos constitucionais. O que se deve ter em mente é
que em face de colisão entre dois princípios, deve-se buscar sempre a
realização de ambos, sem desprezar nenhum deles. A tarefa não é fácil.
Deve-se entender a Constituição Federal como um sistema. Os
inúmeros princípios e regras constitucionais não são pontos desconexos, mas
sim devem ser entendidos de maneira conjunta e sistemática. Dessa forma,
valoriza-se o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.
21
Carboni (2006) menciona Schier e Canotilho como os doutrinadores a
serem
seguidos
para
dirimir
conflitos
entre
regras
constitucionais.
Primeiramente é importante ressaltar que se aconselha a não optar pela
prevalência do interesse publico sobre o privado. Deve-se inicialmente buscar a
função Constitucional em sua unidade. Se não for possível a solução pela
observância da própria regra constitucional, aí sim se tem que adotar uma
leitura funcional da Carta Magna para uma interpretação sistêmica. Um
segundo ponto levantado por Carboni (2006) diz respeito à prevalência dos
princípios constitucionais sobre as regras constitucionais.
No entanto, todos os caminhos dados pela doutrina são por demais
teóricos e apenas acabam sendo guias para os casos concretos. Por fim, o que
deve prevalecer é a razoabilidade.
No caso dos Direitos Autorais, por muitas vezes encontramos conflitos
com a questão da liberdade de expressão, acesso à informação e cultura e o
direito ao desenvolvimento.
Como ficariam os Direitos Autorais diante de uma criação de um, DJ, por
exemplo? Ao proibir a mixagem de uma música se estaria violando a liberdade
de expressão do suposto artista DJ?
A liberdade de expressão está positivada como direito fundamental no
artigo 5º inciso IX da Constituição 5. No entanto, o próprio direito do autor é
uma restrição ao pleno exercício dessa liberdade.
Não se pode usar do seu direito de liberdade de expressão livremente
no direito brasileiro em relação a uma obra artística, a menos que haja
expressado concordância do criador da obra. Há de se ressaltar, no entanto,
que a tutela sobre um conteúdo é em relação a sua forma e jamais sobre a
idéia.
No caso do DJ, os produtos de sua criação na verdade são obras
derivadas e dependerão da expressa anuência do autor da obra original.
5
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença;
22
“Apesar do conflito filosófico existente, não há, do ponto
de vista jurídico, uma real colisão entre o direito de autor e
a liberdade de expressão (...), pois a própria concepção
do direito de autor já remete à idéia de uma limitação à
liberdade de expressão” (CARBONI, 2006. p.45)
Muito também discutida é a questão dos conflitos entre os Direitos
Autorais e o acesso à informação e à cultura, direitos constitucionais
positivados nos artigos 5º, inciso XIV e 215 da Constituição de 1988 6. Estamos
diante de um duelo entre direitos sociais e direitos privados.
Sem dúvidas a questão mais complicada na atualidade diz respeito ao
acesso a informação e à cultura na Sociedade da Informação: a sociedade da
Internet.
Criada na década de 60 pela Agência de Projetos de Pesquisa
Avançada do Departamento de Defesa (DARPA) dos EUA, no intuito de
proteger o sistema de comunicação norte-americano de um possível ataque
soviético com um suposto sistema invulnerável, a Internet – inicialmente a
ARPANET – transformou-se em uma rede apropriada por indivíduos do mundo
todo com intuitos bem distintos do projeto inicial. No entanto, um caminho não
tão longo foi gradualmente sendo percorrido até essas atuais apropriações do
mundo virtual, que definitivamente transformaram as relações sociais, a
produção de informação, o comércio, a política, etc.
Será mais precisamente na década de 70, com o aparecimento dos
microcomputadores, que a revolução da tecnologia da informação se inicia.
Pierry Levy (1999) defende que o uso do computador como recurso tecnológico
pessoal começa na Califórnia, em um momento de “contracultura”. O mono
utilitarismo dessa tecnologia, como processador de dados para empresas,
6
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional;
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes
da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações
culturais.
23
passa-se a uma utilização instrumental de criação, diversão, organização,
simulação, etc.
Nos anos 80 e 90, a web vai delineando-se espontaneamente pela
iniciativa de utilização interconectada dos computadores de jovens americanos
das grandes metrópoles e nas universidades. Muitos chamam essa fase inicial
de web 1.0, pois é o momento da fase embrionária em que os servidores
desenvolvem programações para colocar conteúdo no ciberespaço. Por
ciberespaço entende-se:
“Novo meio de comunicação que surge da interconexão
mundial dos computadores. O termo especifica não
apenas a infra-estrutura material da comunicação digital,
mas também o universo oceânico de informações que ela
abriga, assim como os seres humanos que navegam e
alimentam esse universo.” (LEVY, 1999. p.7)
Percebe-se um deslocamento da visão do computador como uma
tecnologia maquinária para um instrumento de modificação cultural e social. A
partir dessas intensas transformações, instaura-se a Era da Informação e,
como defende Castells (1999), essa incorporação das tecnologias da
informação na vida social vai determinando a sua capacidade de transformação
do mundo.
“O surgimento de um novo sistema eletrônico de
comunicação caracterizado pelo seu alcance global,
integração de todos os meios de comunicação e
interatividade potencial está mudando e mudará para
sempre a nossa cultura.” (CASTELLS, 1999. p.414)
Da passividade à possibilidade de um público mais ativo. Da aceitação
de conteúdos à construção dos próprios sentidos. A Internet trouxe nítidas
mudanças em várias esferas sociais, seja para as empresas produtoras de
informação e entretenimento, seja para o público.
24
Assim, não se pode negligenciar que essas mudanças estão na pauta do
dia e merecem atenção do aplicador do direito. Os diversos usos que as obras
autorais podem ter no ciberespaço trazem à tona a discussão os limites dos
direitos do autor, visto que este é um novo espaço de produção e replicação de
material. Ademais, conflita-se ainda a questão do acesso à informação e
cultura diante das limitações da exclusividade do direito do autor.
Carboni (2006) coloca como caso concreto entre direito do autor e o
acesso à informação e à cultura os projetos de digitalização de livros e músicas
de acervos especiais. Ora, não há na legislação brasileira instrumento jurídico
que permita tal digitalização. No entanto, há finalisticamente a presença do
interesse público em tal projeto, o que deveria poder levar a flexibilização do
direito do autor. Não existem, porém, subsídios jurídicos expressos para esse
tipo de limitação.
“A Constituição Federal brasileira e a nossa atual
legislação de direito do autor não contem dispositivos
adequados para solucionar os possíveis conflitos entre os
direitos do autor e os da coletividade nas situações
descritas nesse artigo. Na ausência de regulamentação
adequada, deverão ser aplicadas ao caso concreto as
normas relativas à função social da propriedade e de
abuso de direito, apesar das suas limitações no que diz
respeito ao direito do autor.” (CARBONI, 2006. p.53)
2.4 – Tratados Internacionais e as relativizações dos Direitos
do Autor
O mais importante dos Tratados Internacionais na área de Direito Autoral
é a Convenção de Berna. Neste Tratado, há a disposição da proteção mínima
do Direito do Autor, que jamais podem ser burladas pelas legislações internas
dos signatários membros.
Sobre a questão das limitações do Direito do Autor, temos o expresso o
artigo 10 e 10 bis. No art. 10.1, fala-se sobre a licitude da citação. Já no art.
25
10.2 trata-se da utilização sem autorização de obras autorais para fins
educativos. É importante destacar que tal artigo, embora tenha deixado a
cargos dos países membros a faculdade de regulação interna, prevê que a
medida da legislação deve ser regulada de acordo com a finalidade da obra. A
Convenção, portanto, deixa clara que o sentido finalístico da obra deve ser
observado.7
No entanto, a principal contribuição da Convenção de Berna sobre o
tema da limitação do Direito do Autor diz respeito à Teoria dos Três Passos
(three step test), encontrada no artigo 9.2.8
7
Convenção de Berna
Artigo 10
1) São lícitas as citações tiradas de uma obra já licitamente tornada acessível ao público, com
a condição de que sejam conformes aos bons usos e na medida justificada pela finalidade a
ser atingida, inclusive as citações de artigos de jornais e coleções periódicas sob forma de
resumos de imprensa.”
2) Os países da União reservam-se a faculdade de regular, nas suas leis nacionais e nos
acordos particulares já celebrados ou a celebrar entre si as condições em que podem ser
utilizadas licitamente, na medida justificada pelo fim a atingir, obras literárias ou artísticas a
título de ilustração do ensino em publicações, emissões radiofônicas ou gravações sonoras ou
visuais, sob a condição de que tal utilização seja conforme aos bons usos.
Artigo 10 bis
1) Os países da União reservam-se a faculdade de regular nas suas leis internas as condições
em que se pode proceder à reprodução na imprensa, ou a radiodifusão ou a transmissão por
fio ao público, dos artigos de atualidade de discussão econômica, política, religiosa, publicados
em jornais ou revistas periódicas, ou das obras radiofônicas do mesmo caráter, nos casos em
que a reprodução, a radiodifusão ou a referida transmissão não sejam expressamente
reservadas. Entretanto, a fonte deve sempre ser claramente indicada; a sanção desta
obrigação é determinada pela legislação do país em que a proteção é reclamada.
2) Os países da União reservam-se igualmente a faculdade de regular nas suas legislações as
condições nas quais, por ocasião de relatos de acontecimentos da atualidade por meio de
fotografia, cinematografia ou transmissão por fio ao público, as obras literárias ou artísticas,
vistas ou ouvidas no decurso do acontecimento podem, na medida justificada pela finalidade de
informação a atingir, ser reproduzidas e tornadas acessíveis ao público.
8
Convenção de Berna:
Artigo 9
26
Segundo a referida Teoria, pode-se flexibilizar o Direito do Autor, se
forem cumpridos os seguintes requisitos (denominados passos):
(a) 1º passo – quando for em certos casos especiais
(b) 2º passo - quando essa reprodução não prejudicar a exploração
normal da obra
(c) 3º passo – quando não causar um prejuízo injustificado aos legítimos
interesses do autor
Alguns autores acreditam que o texto dos tratados internacionais
relativos aos Direitos Autorais – não só a Convenção de Berna, mas os
posteriores TRIPS e WCT – sempre privilegiaram demais os autores, o que
tornava difícil a aplicação da Teoria dos Três Passos, que por sinal é uma
teoria com clausulas por demais genéricas.
Critica-se que as disposições sobre os direitos exclusivo dos autores na
Convenção de Berna são positivos e injuntivos. Ou seja, os países signatários,
em suas legislações internas, deveriam dispor claramente e obrigatoriamente
sobre isso.
No entanto, quanto às limitações ao direito exclusivo do autor, a
Convenção as coloca como uma faculdade dos Estados membros em dispor
sobre elas em sua legislação interna.
Em vista de tal dificuldade de aplicação da teoria, o Instituto Max Planck
de Munique, um renomado centro de estudos de propriedade intelectual na
Alemanha, publicou uma espécie de guia doutrinário-principiológico que
indicava o animus jurídico da Teoria dos Três Passos.
“O Teste dos Três Passos já se firmou como um meio
efetivo de prevenção da aplicação excessiva de limitações
e exceções. No entanto, não existe qualquer mecanismo
complementar que proíba que sua aplicação se faça de
modo indevidamente limitado ou restritivo. Por esta razão,
o Teste dos Três Passos deve ser interpretado com vistas
2) Os membros restringirão as limitações ou exceções aos direitos exclusivos a determinados
casos especiais, que não conflitem com a exploração normal da obra e não prejudiquem
injustificavelmente os interesses legítimos do titular do direito”.
27
a assegurar uma aplicação adequada e equilibrada das
limitações e exceções. Isto é essencial para se alcançar
um efetivo equilíbrio de interesses.” 9
Inicialmente, a declaração deixa clara a importância do privilégio do
interesse público como instrumento assecuratório da não negligência da
sociedade. Assim, quando surgir um conflito entre os direitos privados do autor
e o interesse coletivo, deve-se dar mais atenção e empenho na apropriada
solução.
E seria justamente do Poder Judiciário o dever de tratar da omissão dos
tratados internacionais. Tendo em vista que os tratados pouco dispõe sobre os
direitos de terceiros sobre as obras, ao ser omisso em relação a
obrigatoriedade de regulação das limitações ao direito do autor, cabe ao
Estado juiz atuar diante dos conflitos decorrentes desse silêncio. É enfatizado
que, muito embora não haja referências explícitas ao interesse de terceiras
partes, a Teoria dos Três Passos não pode diminuir a necessidade de
consideração desses direitos. Em suma, a tutela dos direitos humanos e
liberdades fundamentais deve ser preservada.
“O direito de autor tem como fim beneficiar o interesse
público, porquanto estabelece incentivos importantes para
a criação e disseminação de novas obras ao público em
geral. Estas servem para a satisfação de necessidades
comuns, que são satisfeitas tanto por meio da obra em si
como por intermédio de sua utilização como base para a
criação de novas obras. No entanto, o interesse público
apenas estará verdadeiramente resguardado, se o direito
9
A presente versão da Declaração é uma tradução do inglês, realizada por Edson Beas
Rodrigues
Jr.,
e
revisada
por
Denis
Barbosa
e
Fabíola
Zibetti
encontrada
em:
http://www.ip.mpg.de/files/pdf2/declaration_three_step_test_final_portuguese1.pdf. Acesso em
10 de julho de 2012.
28
de autor oferecer incentivos adequados para todas as
partes envolvidas.” 10
Outra orientação da Declaração seria a avaliação conjunta de todos os
passos da teoria, pois nenhum requisito deve ser considerado isoladamente.
Ou seja, a Teoria dos Três Passos é um todo indivisível (Princípio da
Indivisibilidade).
Ademais, a Teoria dos Três Passos seria importante mecanismo
anticoncorrencial. Ela deve ser considerada de moda a proteger a harmonia de
mercados, principalmente os secundários. Isso pode ser observado inclusive
na precificação das obras. Preços muito elevados serão aceitos apenas se
forem reflexo da concorrência natural do mercado. No entanto, se a
exorbitação dos preços for ato anticoncorrencial, a Teoria dos Três passos
pode e deve mitigar tal atitude.
Como comentário final sobre tal teoria, está o posicionamento do
professor Jorge Machado da USP. Em seu grupo de pesquisa, Machado
sugere uma nova regra dos três passos, diante das novas tecnologias
presentes na contemporaneidade. São elas:
(a) 1ºpasso - Os meios digitais constituem um caso especial, por sua
peculiaridade;
(b) 2ºpasso - não prejudica, por permitir cópias infinitas sem prejuízo à
original;
(c) 3ºpasso - desde que sem fins comerciais e sem ofensa aos direitos
morais de atribuição, não causa prejuízos.
É claro que os passos reescritos do professor são apenas uma
sugestão. Mas são mudanças a serem refletidas diante da forte presença das
mídias digitais.
2.5 – As limitações na legislação infraconstitucional brasileira
5
A presente versão da Declaração é uma tradução do inglês, realizada por Edson Beas
Rodrigues
Jr.,
e
revisada
por
Denis
Barbosa
e
Fabíola
Zibetti
encontrada
em:
http://www.ip.mpg.de/files/pdf2/declaration_three_step_test_final_portuguese1.pdf. Acesso em
10 de julho de 2012.
29
Primordialmente cabe ressaltar que os termos “limitação” e “exceção”
não são sinônimos. As limitações estão relacionadas a certo grau de redução
do direito do autor e as exceções diz respeito a supressão desse direito
exclusivo11. No entanto, a maioria das legislações sobre Direitos Autorais em
nada diferenciam tais termos. A nossa legislação, Lei 9.610 de 1998, também
não é diferente.
Em seu texto “Os Limites e Exceções dos Direitos Autorais na
Sociedade da Informação”, Avancini (2002) diz que essas limitações do direito
do autor podem ser divididas em duas categorias. A primeira seria as de livre
utilização e a segunda seria a categoria sujeita à remuneração (licença
compulsória).
Quando se tem limitações do direito do autor na qual a utilização é livre
e gratuita, pode-se fazer uso da obra sem a necessidade de autorização prévia
e de pagamento ao titular dos Direitos Autorais. Esse é o modelo adotado pela
legislação brasileira (Lei 9.610 de 1998), tendo como hipóteses os casos de:
(a) cópia privada (artigo 46, II e VIII);
(b) direito de citação (artigo 43, III);
(c) finalidade de pesquisa e ensino (artigo 46, IV);
(d) para uso da informação (artigo 46, I, “a”, “b” e “c”);
(e) uso em processos judiciais e administrativos (artigo 46, VII);
(f) fins humanitários (artigo 46, d);
(g) obras artísticas situadas em locais públicos (artigo 48);
(h) execução de músicas gravadas e recepção de transmissões de
radiodifusão nos comércios para fins de demonstração (artigo 46, V);
(i) paródias e paráfrases (artigo 47);
(j) representações privadas e gratuitas (artigo 46, VI).
A segunda categoria diz respeito às limitações sujeitas à remuneração,
denominadas licenças não voluntárias ou compulsórias. Nela podem-se utilizar
obras sem a autorização do autor, mas é obrigatório uma remuneração para
ele. Na legislação brasileira não há previsão para tal categoria.
11
AVANCINI, Henara Braga. Os Limites e Exceções dos Direitos Autorais na Sociedade da
Informação. p.40
30
Feito esse esclarecimento, passemos aos artigos 46, 47 e 48 da Lei
9.610 de 1998, que dispõem justamente sobre essas limitações do Direito do
Autor no Brasil.12
12
Art. 46. Não constitui ofensa aos Direitos Autorais:
I - a reprodução:
a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou
periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram
transcritos;
b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer
natureza;
c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando
realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles
representada ou de seus herdeiros;
d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre
que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro
procedimento em qualquer suporte para esses destinatários;
II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde
que feita por este, sem intuito de lucro;
III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens
de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a
atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;
IV - o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem,
vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as
ministrou;
V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio
e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela,
desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam
a sua utilização;
VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou,
para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer
caso intuito de lucro;
VII - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou
administrativa;
VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de
qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução
em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da
obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.
Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra
originária nem lhe implicarem descrédito.
31
Nos incisos I e II do artigo 46 da Lei de Direitos Autorais há a primeira
exceção, que podemos dizer que seria considerada um uso justo em prol da
sociedade e seu direito à informação, garantido constitucionalmente. Fala-se
na possibilidade da livre reprodução de determinadas obras em veiculação de
informações em periódicos ou diários.
Assim, um periódico não precisaria solicitar uma prévia autorização do
autor de uma notícia já publicada se desejar reproduzi-la. No entanto, só será
configurada uma não violação aos Direitos Autorais caso seja citada a fonte e o
nome do autor.
O mesmo aconteceria com os discursos públicos. A reprodução na
íntegra em um jornal independe da autorização de quem proferiu o discurso.
Nota-se que a exigência aqui seria de que os discursos fossem públicos, o que
também englobaria um discurso feito em um estúdio de TV, sem pessoas
assistindo, mas que transmitido por qualquer meio de comunicação para uma
audiência.
Tal dispositivo legal está em harmonia com a o artigo 10º bis da
Convenção de Berna, que dispõe que os países membros teriam a faculdade
de regular as suas leis internas no que concerne à reprodução na imprensa,
sempre exigindo a indicação clara da fonte.
Fala-se da alínea c, inciso I da do artigo 46 da Lei. Aqui se facultaria ao
artista criador de uma obra encomendada o direito de utilizar a imagem posta
na obra encomendada em uma exposição pública de suas obras sem a
necessidade de prévia autorização. No entanto, uma vez que haja oposição
manifestada do proprietário da obra encomendada, o uso deixa de ser livre.
Um dos itens que demonstram que a função social de uma obra cultural
deve prevalecer sobre o direito do autor é a alínea d do inciso I do artigo 46. O
texto da lei dispõe que obras literárias, artísticas ou científicas podem ser
reproduzidas em Braille sem que haja a prévia autorização do autor. No
entanto, só quem poderia realizar essa transposição do texto escrito para o
Art. 48. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser
representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos
audiovisuais.
32
suporte em Braille seriam as instituições sem fins lucrativos. Ou seja, editoras
que queiram produzir livros para comercializá-los não estão incluídas nesse
livre uso.
Sobre a licitude da reprodução de pequenos trechos (artigo 46, II), na
legislação anterior a de 1998, permitia-se uma única reprodução do total de
uma obra protegida pelos Direitos Autorais, caso quem a confeccionasse a
utilizasse apenas no âmbito privado. Está se falando do artigo que regula a
hipótese legal para a cópia privada no Brasil. Ou seja, na anterior lei dos
Direitos Autorais era legal, por exemplo, fotocopiar um livro inteiro, desde que
fosse para uso privado.
No entanto, a disposição da nova lei de Direitos Autorais brasileira
restringiu esse tipo de reprodução, o que definitivamente vai ao caminho
contrário dos anseios e necessidades da sociedade. Agora só é possível a
cópia de pequenos trechos, seja de um livro inteiro, seja de uma peça
audiovisual, etc. Ou seja, há a proibição da cópia integral privada.
Atualmente, a legislação impõe 05 (cinco) requisitos cumulativos para
que a cópia de uma obra autoral seja considerada lícita. São elas:
(a) Limitação de um só exemplar;
(b) Ser feita pelo próprio usuário da cópia;
(c) Ser apenas de pequenos trechos, sendo vedada a cópia integral da
obra;
(d) Ser destinada ao uso privado do copista;
(e) Não haver intuito lucrativo.
Obviamente o artigo 46, inciso II da Lei 9.610 de 1998 recebe por parte
da doutrina uma chuva de críticas negativas.
Inicialmente a crítica diz respeito ao requisito de a cópia ser limitada a
apenas um exemplar. Marta Leonardos (2010, p.47) narra excelente exemplo
de caso em que a cópia de mais de um exemplar não representaria qualquer
dano ao autor da obra. Senão imaginemos que um indivíduo tenha comprado
um CD original e este mesmo adquirente resolva fazer duas cópias deste CD,
sendo uma para deixar no seu carro e a outra para deixar na sua casa de praia.
Não há qualquer prejuízo para o autor em relação ao seu direito exclusivo, pois
na verdade o adquirente só quer evitar transportar a mídia e mais nada.
33
Outra crítica comum diz respeito ao termo “pequenos trechos”, que leva
a conclusão de proibição da cópia integral da obra. Ora, falta ao texto da lei
objetividade na sua definição, pois o que representa pequeno trecho para uns
pode não ser para outros. Não há, portanto, um guia de porcentagem a ser
seguido.
Uma das críticas apontadas nesse dispositivo seria a impossibilidade de
reprodução de conteúdos autorais que estão fora de circulação, que não foram
reeditados e que são de difícil acesso. Estar-se-ia proibindo e restringindo a
circulação de um arcabouço histórico, cultural e científico e, por conseguinte,
afetando o direito à informação, constitucionalmente garantido.
Diante da falta de definição do que seriam os “pequenos trechos”,
multiplicaram-se
as
interpretações
nas
instituições
Brasil
afora.
Na
Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, em 2005, foi determinada uma
Resolução com entendimento próprio. Na Resolução, “pequenos trechos” foi
entendido como “capítulos de livros e artigos de periódicos ou revistas
científicas”. No mercado de copiadoras, alguns estabelecimentos determinaram
que pequenos trechos seria10% do número de páginas de um livro.
De certo que muito embora a atitude seja interessante, não se pode
deixar a cargo das instituições privadas regulação normativa que deveria ser
clara na lei.
Outra controvérsia diz respeito do “uso privado do copista”. Diante da
Internet, tal assertiva fica comprometida diante das inúmeras formas de
compartilhamento de arquivos online. Conforme a lei, este compartilhamento
seria ilegal, pois extrapolaria o sentido de uso pessoal a que se destina a cópia.
O fato é que de nada adianta uma lei que está em descompasso com o
desenvolvimento da sociedade. Se o senso comum leva ao não cumprimento
da letra da lei, a lei se torna morta. E parece que é exatamente o caso do artigo
46, inciso II.
Ainda em consonância ao direito à informação, tem-se o direito à
citação, considerado uma norma de ordem pública, disposta no artigo 46, inciso
III da Lei 9.610. Este direito permite que se possam utilizar trechos de livros,
jornais, revistas ou qualquer meio de comunicação com o intuito de difusão do
conhecimento, estudos, ressalvado o direito de indicação do nome do autor e
origem da obra.
34
A autora Elaine Abrão (2002), em seu livro Direitos do Autor e Direitos
Conexos, enumera alguns requisitos para que a citação seja considerada
válida e uma não violação. São eles:
(a) A obra citada deve ter sido devidamente publicada e anteriormente à
obra elaborada. Ou seja, obra que não veio ao conhecimento do público,
sem publicação em modo regular, não pode ser citada;
(b) A única finalidade da citação deve ser a de crítica ou estudo;
(c) A citação deve ser feita para usos honrados, conforme dispõe a
Convenção de Berna, e na medida suficiente para o fim que se
pretende. Ou seja, não se pode sair reproduzindo trechos gigantes e
alegar citação. O direito à citação não pode ser uma camuflagem para a
reprodução não autorizada.
Abrão (2002) ainda deixa claro que o artigo 46, inciso III, deve ser
combinado com o artigo 33 da Lei de Direitos Autorais. Para elucidar a
questão, basta que se imaginem as obras que criticam outras obras. Não se
pode reproduzir integralmente determinada obra com a alegação de que se vai
comentá-la, anotá-la ou melhorá-la. Abrão diz que:
“A norma restringe a possibilidade de fraude, em casos
em que, por exemplo, encontrar-se-á dez por cento de
obra crítica, e noventa por cento de obra criticada na
íntegra.” (ABRÃO, 2002. p. 149)
Abrão (2002) diz que o inciso IV do artigo 46 veio para regular a relação
entre os proferidos de conhecimento e sua audiência (seus alunos). Este artigo
veda a possibilidade de alunos transcreverem ou gravarem os áudios de aulas
sem a prévia autorização do professor.
Por fim, a análise do artigo 46, inciso VIII deve ser feita em conjunto com
o artigo 9.2 da Convenção de Berna. Ou seja, é uma norma que confirma a
Teoria dos Três Passos, acima já explicada.
Muito se discutiu sobre a possibilidade desse rol ser numeros clausus ou
numerus apertus. Para os mais conservadores, o legislador brasileiro teria
criado um rol taxativo de situações em que foi flexibilizada a exigência da
autorização do criador para o uso da obra. Assim, ficariam enumerados
35
taxativamente os casos em que o uso de uma obra autoral que não foi
previamente autorizado é considerado como lícito.
Tal entendimento cria obstáculos aos direitos da sociedade ao acesso a
informação, educação e cultura, contrariando, assim, a função social do direito
do autor. Ou seja, com situações fechadas e não apenas exemplificativas as
possibilidades de uso de uma obra ficam mais limitadas e o Estado juiz em
uma situação concreta fica rendido ao texto da lei.
“A grande dificuldade está em se identificar o conteúdo
exato do princípio da livre utilização, isto porque seu
limite, que permite o uso legal, é muito próximo do uso
ilegal. Uma vez atingido tal limite, tem-se o equilíbrio entre
o interesse privado do autor e o interesse público.”
(LEONARDOS, 2010, p.46)
Doutrinadores do tema apontam ainda outros problemas no texto da
legislação brasileira. O artigo 46 da Lei 9.610 de 1998, por exemplo, não faz
qualquer menção às execuções públicas.
Dessa forma, alguns autores se posicionam pela aproximação com o
sistema americano de Copyright e seu instituto Fair Use. A partir do momento
em que se tem clausulas mais genéricas e princípios gerais em oposição a
uma lista taxativa de possibilidades, o juiz, em determinado caso concreto,
pode moldar soluções conforme as necessidades sociais e mudanças
tecnológicas.
No entanto, o STJ já se posicionou a respeito, determinando que o rol
dos artigos 46, 47 e 48 da referida lei são apenas exemplificativos, como pode
ser observado no trecho do Resp. 964404/ES:
“Ora, se as limitações de que tratam os art. 46, 47 e 48 da
Lei 9.610/98 representam a valorização, pelo legislador
ordinário, de direitos e garantias fundamentais frente ao
direito
à
propriedade
autoral,
também
um
direito
fundamental (art. 5º, XXVII, da CF), constituindo elas - as
limitações dos art. 46, 47 e 48 - o resultado da
36
ponderação destes valores em determinadas situações,
não se pode considerá-las a totalidade das limitações
existentes. Neste exato sentido, também considerando as
limitações da Lei 9.610/98 meramente exemplificativas,
Leonardo Macedo Poli, já citado, e Allan Rocha de Souza
(A Função Social dos Direitos Autorais: uma interpretação
civil-constitucional dos limites da proteção jurídica : Brasil:
1988-2005. Campos dos Goytacazes: Ed. Faculdade de
Direito de Campos, 2006). Saliento que a adoção de
entendimento em sentido contrário conduziria, verificada a
omissão do legislador infraconstitucional, à violação de
direito ou garantia fundamental que, em determinada
hipótese concreta, devesse preponderar sobre o direito de
autor. Conduziria ainda ao desrespeito do dever de
otimização dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º,
§1º, da CF), que vinculam não só o Poder Legislativo,
mas também o Poder Judiciário.” (Resp. 964404/ES Relator: Paulo de Tarso Sanseverino – Publicado no D.O.
de 20.05.2011)
Percebe-se, portanto, que mesmo que os artigos 46, 47 e 48 Lei 9.610
de 1998 já sejam um reflexo direto de diversos preceitos constitucionais,
aliados ao cumprimento da Convenção de Berna, o STJ adotou uma posição
clara de flexibilização do direito da propriedade intelectual do autor, conforme o
caso concreto, a fim de preservar direitos fundamentais contrapostos, tais
como a cultura, a ciência, a intimidade, a privacidade, a família, o
desenvolvimento nacional, a liberdade de imprensa, de religião e de culto.
Como muito bem colocado no voto do relator Paulo Sanseverino no
Resp. 964404/ES, essa flexibilização não se trata de uma anulação do artigo
68 da Lei 9.610 de 1998, mas sim considerar o nascimento da sua tutela a
partir do reconhecimento das restrições e limitações opostas pela própria lei
especial.
Como visto acima, a melhor forma de solucionar tantos direitos difusos
contrapostos seria justamente a ponderação no caso concreto. No entanto, a
37
legislação de Direitos Autorais brasileira é muito rígida e não permite uma
flexibilização diante de situações em que a ponderação entre direitos privados
do autor e o interesse público deveria ser analisada.
Assim, o conceito de uso justo na legislação de Direitos Autorais
brasileira
é
muito
limitado,
sendo
aplicada
apenas
nas
soluções
jurisprudenciais.
2.6 – Limitar é preciso
Diante do conteúdo exposto pode-se notar que a limitação do direito do
autor é fundamental na Sociedade da Informação. E para isso, há duas formas
claras de limitação em vigor nos sistemas jurídicos:
(a) mediante uma clausula geral
(b) mediante figuras restritivas específicas.
As cláusulas gerais são justamente aquelas do Fair Use, em que há um
caráter valorativo e as condutas assim classificadas, no caso concretamente
avaliado, não são consideradas infrações aos Direitos Autorais. É um instituto
tipicamente do direito americano, não encontrado no Direito Europeu ou
Brasileiro.
As figuras restritivas específicas, postas em lista das exceções
admissíveis, são típicas dos sistemas romanísticos, da qual o Brasil certamente
faz parte. Tal sistema pode congelar os Direitos Autorais, causando reflexos no
desenvolvimento cultural do país e no acesso à informação.
No Brasil, viu-se, no entanto, que o Superior Tribunal de Justiça, STJ, já
começa a adotar posição mais flexível em relação a essa lista, a partir da
utilização da Teoria dos Três Passos e da consideração de outros direitos
contrapostos. No entanto, a legislação brasileira ainda não possui clausulas
gerais que permitiriam uma flexibilização mais adequada para a sociedade
contemporânea.
“O sistema norte-americano é maleável, enquanto o
sistema europeu é preciso. Mas, visto pela negativa, o
sistema norte-americano é impreciso, enquanto o europeu
é rígido. O Sistema norte-americano não dá segurança
38
prévia sobre o que pode ou não ser considerado Fair Use.
O sistema europeu, pelo contrário, mostra certa falta de
capacidade de adaptação” (OLIVEIRA, 2002.p.97)
Certamente podem-se encontrar vantagens e desvantagens em ambos
os sistemas. No entanto, o sistema americano do Fair Use parece ser mais
apropriado para as velozes mudanças da sociedade e da ânsia pelo acesso à
informação e cultura.
39
CAPÍTULO III
O FAIR USE E AS MARCAS REGISTRADAS
Muito embora o cerne desde trabalho não seja o Direito Marcário, é de
extrema importância traçar algumas nuances sobre a questão do Fair Use
sobre marcas registradas.
O instituto do Fair Use foi criado para atender demandas do Direito
Autoral. No entanto, foi “emprestado” para este outro ramo da propriedade
intelectual. Dessa forma, pretende-se neste capítulo dar um panorama sobre o
instituto fruto do Direito Autoral aplicado a legislação marcária.
3.1 – Fair Use e marcas
“The concept of Fair Use is clearly important in balancing
the rights given to trademark owners against the needs of
others to use those marks to compete. It is a somewhat
flexible concept but this is a strength rather than a
weakness as this enables trademark law to be adapted to
meet the changing needs and expectations of consumers
and traders” (ROWLAND, 2006)
Nos Estados Unidos, as regras de Direito Marcário, que regulam o
registro de uma marca no US Patent and Trademark Office, estão dispostas no
Lanham Act. Uma vez obtido o registro, o titular poderá impedir o uso não
autorizado de sua marca por terceiros.
No entanto, o instituto do Fair Use tem sido usado como defesa em
casos envolvendo o uso não autorizado de marcas registradas. Atente-se para
o fato de que esta defesa só pode ser usada quando a marca registrada foi
usada em um sentido informativo, descritivo ou nominativo.
Para entender o sentido de “descritivo” permitido pelo Fair Use, Kelly &
Gelchinsky (1999) dão ótimo exemplo de caso concreto, agora aqui
40
reproduzido. Um réu foi acusado de utilizar indevidamente a marca registrada
SWEE-TART, para doces, pois colocou em sua embalagem de suco de
Cranberry a expressão “sweet and tart”. Ora, “sweet” quer dizer doce e “tart”
quer dizer azedo ou ácido. A Corte Americana entendeu que o uso do réu era
um uso descritivo justo, pois marcas registradas não poderiam se apropriar de
termos de uso comum ou genérico em determinado mercado, no caso, o de
alimentos.
O sentido nominativo ou informativo, também permitido pelo Fair Use,
pode ser usado na defesa de um réu que tenha usado a marca registrada para
se referir diretamente a um produto ou serviço do próprio titular da marca. Há
uma avaliação razoável para ver até que ponto o uso da marca registrada do
terceiro é necessária para a identificação do produto ou serviço do réu. Desde
que é claro que o réu não tenha se aproveitado, confundindo o consumidor a
achar que aquela marca e titular tem alguma relação com ele, como de
patrocínio, por exemplo, o uso é justo.
O Lanham Act fala no uso “fairly and in good faith”, o que em português
teria a noção do instituto da boa-fé. Basicamente se quem está sendo acusado
de violação marcaria pode alegar que estava de boa fé e que não tinha
qualquer intenção de causar confusão nos consumidores.
Porém, uma vez demonstrado para a Corte Americana a confusão sobre
a origem de produtos pelos consumidores, não há que se falar em Fair Use. A
Suprema Corte Americana entende, assim, que a “justeza” deve ser objetiva.
Na legislação européia, há previsão expressa sobre as limitações dos
direitos do titular do registro marcário. É o artigo 6.1 do Trademarks Directive
(TM Directive), que diz expressamente que o proprietário de um registro de
marca não pode proibir o uso da sua marca por terceiros desde que:
(a) seja necessário indicar a intenção ou propósito de um produto ou
serviço que seja um acessório do produto ou serviço da marca registrada,
sendo que este uso deve estar de acordo com as práticas de concorrência leal
da indústria e do comércio;
(b) sejam indicações como tipo, qualidade, quantidade, valor, origem
geográfica, quando foi produzida, ou outra característica dos produtos ou
serviços;
(c) seja o seu próprio nome ou endereço.
41
Rowlands (2006) narra caso curioso que ilustra bem a aplicação desde
artigo da legislação européia. Uma famosa marca de carros ajuizou ação de
violação marcária frente a um mecânico especializado na venda de carros
usados e reparos justamente dessa marca de carros. A empresa clamava pelo
fim do uso em panfletos de divulgação, visto que o mecânico não era um
licenciado ou autorizado. A Justiça Europeia entendeu que era caso de Fair
Use, conforme o referido artigo 6.1.
3.2 - Os limites do Direito Marcário no Brasil
No Brasil, a propriedade industrial é regulada pela Lei 9.279/96, que em
seu artigo 131 diz que a propriedade da marca se adquire pelo registro,
demonstrando que se adota o sistema atributivo. Este uso exclusivo será válido
em todo o território nacional, sendo o princípio da territorialidade. O titular de
um registro de marca, tendo este uso exclusivo, tem o direito de licenciar seu
uso e zelar pela sua integridade.
Assim como no Direito Autoral, a legislação marcaria brasileira impõe
alguns limites aos direitos de uso exclusivo do detentor de uma marca
registrada. Esses limites estão expressos no artigo 132 da Lei 9.279/9613.
No artigo 132, inciso I, diz respeito à liberalidade que comerciantes ou
distribuidores tem para utilizarem as marcas registradas. Assim, um
supermercado, ao produzir um encarte com as promoções dos produtos a
serem vendidos, por exemplo, pode utilizar as marcas registradas livremente,
de forma a permitir a permitir o anúncio.
13
Art. 132. O titular da marca não poderá:
I - impedir que comerciantes ou distribuidores utilizem sinais distintivos que lhes são
próprios, juntamente com a marca do produto, na sua promoção e comercialização;
II - impedir que fabricantes de acessórios utilizem a marca para indicar a destinação do
produto, desde que obedecidas as práticas leais de concorrência;
III - impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por
outrem com seu consentimento, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 68; e
IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra
publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo.
42
No inciso II do mesmo artigo, diz-se daqueles fabricantes de acessórios
para produtos de outras marcas registradas. Assim, se há um produtor de
capinhas para celulares, ele pode citar a marca do celular que cabe como
acessório de determinada capa e não será considerada violação. O inciso
coloca ainda uma ressalva que tal aplicação só será valida se forem
obedecidas as práticas leais de concorrência.
Este é o caso da jurisprudência encontrada no Anexo 1. Trata-se de
Agravo de Instrumento interposto contra decisão que deferiu tutela antecipada
em Ação de abstenção de uso indevido de marca e de indenização pela prática
de atos de concorrência desleal. A agravante, ré do processo principal, era
empresa atuante no ramo de fabricação e comercialização de peças de
reposição para instalações hidráulicas. Alegava que todos os seus produtos
tinham embalagens com marcas próprias e que as marcas de terceiros que
também figuravam na embalagem estavam ali apenas para indicar ao
consumidor a destinação do próprio produto. Tal uso, então, seria permitido
pelo artigo 132, inciso II da LPI, pois há no texto legal limitação à exclusividade
do uso da marca registrada.
Diante do caso, o relator citou a seguinte passagem do livro de José
Tinoco Soares
“Não poderá o titular da marca impedir que os fabricantes
de acessórios utilizem a marca para indicar a destinação
do produto, desde que obedecidas as práticas leais de
concorrência. Ora, essa permissão não deixa de ser
também uma faculdade que terá o fabricante do
acessório, porém não poderá fazer sobrepujar a marca
principal do produto para comercializar o seu acessório.
Poderá, isto sim e quando muito fazer projeção de sua
marca de fabricante do acessório, dizendo de forma
singela que tal produto poderá ser empregado naquele
outro principal com a marca tal ou, ainda, se for o caso,
como acessório do produto, com tais e tais marcas” 14
14
Ver Anexo 1
43
A decisão do Tribunal foi pela procedência do pedido da Agravante, pois
se entendeu que não havia violação do sinal distintivo, principalmente pela
embalagem não causar qualquer confusão ao consumidor. O produto
impugnado era vendido com marca própria e apenas fazia referência lícita a
marca da Agravada (autora), conforme artigo 132, inciso II da LPI.
No inciso III do artigo 132, diz acerca da impossibilidade do titular da
marca registrada impedir a livre circulação de produtos colocado no mercado
interno. Assim, uma vez que a detentora da marca autoriza a importação de um
produto, não pode ela voltar atrás e tentar impedir a circulação do produto e a
respectiva marca no país.
Como observado, assim como a limitação do Direito Autoral, a legislação
brasileira de Direito das Marcas também adotou uma limitação taxativa, inclusa
apenas nesses três incisos do artigo 132. Mais uma vez tem-se o
distanciamento com a noção das clausulas gerais do Fair Use americano.
44
CONCLUSÃO
A limitação do Direito do Autor no Direito Americano é definido pelo
Fair Use, na qual cláusulas abertas definem o que seria o uso justo. Só incidirá
o Fair Use quando a suposta violação já houver acontecido. É necessário,
portanto, que haja um uso não autorizado e o titular da obra, ao se sentir
lesado, recorrer à Justiça. A partir daí, serão analisado basicamente quatro
requisitos, de forma sistemática, como o propósito do uso, a natureza da obra,
a quantidade reproduzida e os efeitos desse uso no mercado em que circula a
obra.
Viu-se que a maior vantagem de se adotar esse sistema do Copyright é
a possibilidade de entender o uso sem autorização de maneira flexibilizada. Há
de se observar que em nenhum momento este trabalho defendeu o uso livre e
indiscriminado das obras autorais. O que foi ressaltado do sistema americano
do Fair Use é que ele está muito mais bem preparado para as mudanças
constantes da sociedade e sua produção intelectual, por ser um procedimento
que olha com uma lupa caso a caso de suposta violação ou não.
No Brasil, ao revés, observou-se que as limitações do Direito do Autor
são taxativas, segundo maior parte da doutrina. O regime jurídico brasileiro,
assim como o europeu, possui uma listagem fechada de possibilidades para
determinar um uso justo de uma obra autoral sem autorização de seu titular.
Em nenhum momento se fala em Fair Use no Brasil, sendo este instituto de uso
exclusivo do Direito Americano.
A pesquisa apontou, no entanto, interessante solução adotada pelo
STJ, que utilizou a Teoria dos Três Passos da Convenção de Berna em um
caso concreto. Tal decisão afirmou exatamente o contrário da maioria
doutrinária: de que o artigo 46 da Lei de Direitos Autorais, que dispõe sobre as
limitações do direito
do autor, não seria
taxativo,
mas meramente
exemplificativo.
Por fim, foi dado um panorama do instituto do Fair Use no Direito
Marcário. Nos Estados Unidos, o sentido do Fair Use do Direito Autoral foi
transportado para as marcas registradas e seu uso sem autorização. No Brasil,
há rol taxativo no artigo 132 da Lei de Propriedade Industrial.
45
No entanto, acredita-se que para que a função social de obra protegida
por Direitos Autorais, no seu escopo informativo e de acesso à cultura na
sociedade, possa ser efetiva, é fundamental discutir e repensar as limitações
do Direito do Autor. A mesma força não parece verdadeira quando se fala da
função social da marca registrada, que seria justamente proporcionar ao
consumidor uma clareza da origem dos produtos, para que haja a liberdade de
escolha na compra. O direito de exclusividade da marca registrada não pode
deve ser muito mais efetiva, para que o consumidor não seja confundido ou
ludibriado.
46
ANEXOS
Índice de anexos
Anexo 1 >> Decisão de Tribunais (jurisprudência)
47
ANEXO 1
Agravo de instrumento n. 2008.063322-9, de Blumenau
Relator: Jânio Machado
AGRAVO
DE
ABSTENÇÃO
DE
INSTRUMENTO.
USO
INDEVIDO
AÇÃO
DE
DE
MARCA
CUMULADA COM INDENIZAÇÃO PELA PRÁTICA DE
ATOS DE CONCORRÊNCIA DESLEAL. DEFERIMENTO
DO PLEITO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA
TUTELA. ARTIGO 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL. EXISTÊNCIA DE LIMITAÇÃO LEGAL AO DIREITO
DE EXCLUSIVIDADE DO USO DA MARCA PELO
TITULAR. ARTIGO 132, INCISO II, DA LEI N. 9.279, DE
14.5.1996. AUSÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA DA
VEROSSIMILHANÇA
IMPÕE
A
DO
REFORMA
DIREITO
DA
ALEGADO
DECISÃO
QUE
AGRAVADA.
RECURSO PROVIDO.
A antecipação dos efeitos da tutela pressupõe, além da
presença do fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação, a prova inequívoca da verossimilhança do
direito invocado.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de
instrumento n. 2008.063322-9, da comarca de Blumenau (4ª Vara Cível), em
que é agravante Censi Indústria e Comércio de Reparos Ltda. e agravada
Docol Metais Sanitários Ltda.:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Comercial, por
unanimidade, dar provimento ao recurso. Custas legais.
RELATÓRIO
Censi Indústria e Comércio de Reparos Ltda. interpôs agravo de
instrumento contra a decisão que, nos autos n. 008.08.022156-1, relativos à
"ação de abstenção de uso indevido de marca c/c indenização pela prática de
atos de concorrência desleal" promovida por Docol Metais Sanitários Ltda.,
antecipou os efeitos da tutela, determinando a abstenção da utilização indevida
48
das marcas de titularidade da agravada, a saber, Docol e Pressmatic, em
produtos de sua fabricação, bem ainda o recolhimento daqueles já postos em
circulação no mercado, no prazo de 15 (quinze) dias, tudo sob pena de multa
no valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) (fls. 13/14). Argumentou com a
sua atuação "no ramo da fabricação, comercialização, importação e exportação
de peças de reposição para instalações hidráulicas", sustentando, ademais,
que "toda a sua linha de produtos é disponibilizada no mercado com
embalagens e marca" próprias, esta última devidamente registrada no INPI.
Alegou, ainda, "que as marcas de titularidade de terceiros, inclusive da
agravada", são mencionadas na embalagem dos seus produtos para indicar ao
consumidor a sua destinação, defendendo, também, a existência de limitação
legal à exclusividade de uso de marca, o que inviabiliza o respectivo titular de
impedir o seu uso por fabricantes de acessórios, reparos e peças de reposição
para indicar a destinação do produto. Disse, ao final, que a decisão combatida
favorece o monopólio da agravada, pugnando, em consequência, pela
atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, ou antecipação da tutela
recursal, com a posterior revogação da decisão agravada (fls. 2/11).
Em sede de juízo de admissibilidade, o digno magistrado Paulo
Roberto Sartorato admitiu o processamento do agravo na forma de
instrumento, concedendo, ainda, o efeito suspensivo postulado, para sobrestar
os efeitos da decisão agravada (fls. 85/93). Após a agravada apresentar
resposta (fls. 98/106), os autos vieram para julgamento.
VOTO
O recurso interposto merece acolhimento, o que se faz pelas
mesmas razões invocadas pelo digno magistrado Paulo Roberto Sartorato,
com fulcro no artigo 150 do Regimento Interno desta Casa:
"In casu, a manutenção do teor da decisão agravada pode trazer
danos à recorrente, pois ficou impossibilitada de comercializar os
produtos com sua marca.
Dispõe o artigo 132, II da Lei 9.279/96:
'Art. 132. O titular da marca não poderá:
(...).
II – impedir que fabricantes de acessórios utilizem a marca para
indicar a destinação do produto, desde que obedecidas as práticas
49
leais de concorrência;
(...)'.
Nesse sentido, leciona José Carlos Tinoco Soares:
'Não poderá o titular da marca impedir que os fabricantes de
acessórios utilizem a marca para indicar a destinação do produto,
desde que obedecidas as práticas leais de concorrência.
Ora, essa permissão não deixa de ser também uma faculdade
que terá o fabricante do acessório, porém não poderá fazer sobrepujar
a marca principal do produto para comercializar o seu acessório.
Poderá, isto sim e quando muito fazer projeção de sua marca de
fabricante do acessório, dizendo de forma singela que tal produto
poderá ser empregado naqueloutro principal com a marca tal ou, ainda,
se for o caso, como acessório do produto, com tais e tais marcas'.
(Comentários à lei de patentes, marcas e direitos conexos: lei 9.27914.05.1996, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1997, pág.
217/218).
Em análise aos autos, ainda que haja semelhança entre os
produtos comercializados pela recorrente e agravada, tal constatação,
por si só, não permite o reconhecimento da violação de sinal distintivo
da marca de exclusividade, até porque a agravante possui marca
própria, estando bem clara em suas embalagens expostas no mercado,
não causando dúvida ao consumidor, conforme se verifica através das
cópias das fotos inseridas às fls. 20/76, do presente recurso.
Ademais, os produtos são colocados no mercado com sinais de
identificação diferentes e, ainda, a marca é o elemento que identifica
determinado produto ou serviço, cuja exclusividade de uso é obtida
mediante registro concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade
Industrial (INPI), certificando os consumidores acerca da procedência e
da qualidade do bem comercializado.
Nesse sentido, é a jurisprudência desta Corte:
'AGRAVO DE INSTRUMENTO – MARCAS SEMELHANTES –
EVENTOS
COM
A
MESMA
FINALIDADE
–
AUSÊNCIA
DA
POSSIBILIDADE DE CONFUSÃO – AUTORIZAÇÃO PARA USO DA
MARCA NOVA – RECURSO PROVIDO. Não constitui afronta ao art.
50
124 da Lei de Propriedade Industrial a utilização de marca semelhante
a outra, se esta semelhança não for suficiente para induzir o
consumidor ao engano ou confusão'. (AI nº 2000.0238821, Rel. Des.
Ruy Pedro Schneider, j. em 24.04.2001).
'AGRAVO DE INSTRUMENTO – MEDIDA CAUTELAR – PEDIDO
LIMINAR PARA OBSTRUÇÃO DE USO DE MARCA, NOME
COMERCIAL,
EXPRESSÃO
OU
DOMÍNIO
DEFERIDO
–
NECESSIDADE DE PRODUÇÃO PROBATÓRIA PARA IDENTIFICAR
A ORIGEM DO USO – APRECIAÇÃO AFETA AO CASO CONCRETO
– FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA – REQUISITOS NÃO
ATENDIDOS – DECISÃO CASSADA – RECURSO PROVIDO'. (Agravo
de Instrumento n. 2004.014401-6, Rel. Des. Substituto Túlio Pinheiro).
No caso sub judice, diante da inexistência de provas conclusivas
a respeito da indevida utilização da marca da agravada, forçoso
reconhecer a ausência de prova inequívoca e da verossimilhança da
alegação, requisitos necessários para a concessão da antecipação de
tutela." (grifo no original) (fls. 90/91).
Igualmente, não custa enfatizar: a antecipação dos efeitos da
tutela pretendida é resultado da demonstração da presença dos requisitos bem
especificados no artigo 273 do Código de Processo Civil, sem o que se deve
aguardar o desfecho normal de todo e qualquer procedimento judicial. Trata-se
de medida que se reveste de caráter excepcional e que exige prudência em
sua análise, atendendo ao comando inserto no artigo 5º, inciso LIV, da
Constituição Federal, que cuida do devido processo legal, imperativo da ordem
jurídica legal e democrática.
Ao lado da prova inequívoca da verossimilhança do direito
invocado pela parte, para obter a antecipação dos efeitos da tutela pretendida é
imprescindível a demonstração do "fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação" ou, quando menos, a caracterização do "abuso de direito de
defesa" ou "manifesto propósito protelatório do réu", consoante o disposto nos
incisos I e II do artigo 273 do Código de Processo Civil.
Na hipótese, a existência de limitação legal ao direito de
exclusividade do uso da marca pelo titular, invocada pela agravante e
constante do artigo 132, inciso II, da Lei n. 9.279, de 14.5.1996, aliada à
51
demonstração da utilização da marca da agravada pela agravante, para o fim
de indicar a destinação dos seus produtos (fls. 20/49), pois atua "no ramo da
fabricação, comercialização, importação e exportação de peças de reposição
para instalações hidráulicas", conduz, sim, à revogação da decisão que
antecipou os efeitos da tutela.
Afinal, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, "a violação
marcária se dá quando a imitação reflete na formação cognitiva do consumidor
que é induzido, por erronia, a perceber identidade nos dois produtos de
fabricações diferentes" (recurso especial n. 510.885, de Goiás, Quarta Turma,
relator o ministro Cesar Asfor Rocha, j. em 9.9.2003. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 1º.9.2010), o que não se viu no caso
concreto, em sede de cognição sumária.
Ultimando, registra-se, até mesmo para evitar a oposição de
embargos de declaração: o artigo 132, inciso II, da Lei n. 9.279, de 14.5.1996,
o artigo 170, inciso IV, da Constituição Federal e o artigo 20 da Lei n. 8.884, de
11.6.1994, não foram violados no presente julgamento. Em verdade, cada um
deles, ainda que implicitamente, mereceu a apreciação adequada.
DECISÃO
Ante o exposto, a Terceira Câmara de Direito Comercial, por
unanimidade, dá provimento ao recurso.
O julgamento, realizado no dia 16 de setembro de 2010, foi
presidido pelo desembargador Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, com voto, e dele
participou o juiz Paulo Roberto Camargo Costa.
52
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56
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO
2
AGRADECIMENTO
3
DEDICATÓRIA
4
RESUMO
5
METODOLOGIA
6
SUMÁRIO
7
INTRODUÇÃO
8
CAPÍTULO I
Considerações sobre o Fair Use
10
1.1 - O Copyright e seu sistema
10
1.2 – As origens e desdobramentos do instituto do Fair Use
11
CAPÍTULO II
O Direito do Autor e o Fair Use na legislação brasileira
16
2.1 - O regime jurídico brasileiro para Direitos Autorais
16
2.2 - O Direito Autoral e a Constituição de 1988
17
2.3 - Direitos Constitucionais contrapostos e o Direito Autoral
20
2.4 – Tratados Internacionais e as relativizações dos Direitos do Autor
24
2.5 – As limitações na legislação infraconstitucional brasileira
28
2.6 – Limitar é preciso
37
CAPÍTULO III
O Fair Use e as marcas registradas
39
3.1 – Fair Use e marcas
39
3.2 - Os limites do Direito Marcário no Brasil
41
CONCLUSÃO
44
ANEXO
46
BIBLIOGRAFIA
52
WEBSITES ACESSADOS
55
ÍNDICE
56
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“lato sensu” avm faculdade integrada o instituto do fair use e a