Fonte:
http://www.adunesp.org.br/pdfs/pagina_principal/noticias/Documento%20sobre%20Paridade%20na%20Unesp.pdf
Por que estamos a favor da paridade do voto em todas as instâncias
deliberativas da UNESP
A função histórica da universidade é produzir conhecimento, fruto do trabalho cooperativo de um grande
número de trabalhadores, assim considerados por participar dessa produção, cada um com suas
especificidades. Entendemos que todos e todas possuem responsabilidades que se complementam,
razão pela qual defendemos a paridade entre os setores da universidade que nela cooperam:
docentes, funcionários não docentes e discentes. Os professores e pesquisadores, categorias a partir das
quais nos manifestamos, pensam que a universidade só pode realizar com êxito as suas tarefas de
ensino, pesquisa e extensão com o concurso não hierárquico dos três setores, igualmente conscientes
e responsáveis pelo conjunto delas. Se as responsabilidades assumidas são equitativas e necessárias
umas às outras, não vemos razão para que a desigualdade se instaure no ato das deliberações.
É necessário que nós, professores e pesquisadores, a quem o ofício obriga ao enfrentamento permanente
da realidade com as armas da reflexão, questionemos argumentos do senso comum que sustentam o
voto censitário na decisão sobre os rumos da universidade. Segundo tais argumentos, a posse de um
título acadêmico e a aprovação por concurso para assumir cargo docente e de pesquisa, habilitariam,
com mais mérito, para as tomadas de decisão sobre questões de variadas naturezas no interior da
universidade. Fala-se em “meritocracia” como governo dos mais habilitados, com maior autoridade e
conhecimento para a tarefa, mas a aplicação cabal de tal princípio nos obrigaria a delegar as decisões
aos especialistas em administração pública. Tal critério, porém, é muito frágil, uma vez que, se as
decisões exigem conhecimentos técnicos, o que está verdadeiramente em questão nas deliberações
são decisões políticas sobre o tipo de universidade que queremos.
Os atuais dispositivos, que reconhecem para os docentes um peso correspondente a 70% nas tomadas
de decisão e apenas 15% para os funcionários não docentes e 15% para os discentes, são expressão
da matriz que marcou a fundação das universidades no nosso país em geral e as paulistas em particular.
Júlio Mesquita Filho, a quem a UNESP homenageia como patrono, dizia que a universidade, se
referindo à USP, deveria ser o cérebro do organismo social:
“Nós temos que cuidar muito do organismo político brasileiro, e não podemos dar direito de voto a
determinadas regiões [...] porque o organismo brasileiro é meio teratológico, cresceu de um lado e não se
desenvolveu em outro. [...] Ocorreu na sociedade brasileira um problema seríssimo, foi incorporada à
cidadania a massa impura e formidável de 2 milhões de negros, que fizeram baixar o nível da
nacionalidade, na mesma proporção da mescla operada.”
Nós, que aqui assinamos, renunciamos a essa herança. Abraçamos, em troca, a herança humanista do
mestre Florestan Fernandes, para quem a universidade deve ser democratizada a fim de “elevar o nível
da nacionalidade”. Precisamos romper com aquela matriz de sua fundação que se destina a formar a elite
para uma sociedade de caráter fortemente estamental e reproduzir uma sociabilidade definida por uma
cadeia de favores entre cidadãos com poder de decisão desigual. Do contrário, a universidade, longe
de ser a vanguarda da nacionalidade democrática, tende a ser um renitente lastro do século XIX.
A não paridade entre os setores envolvidos com a construção da universidade reproduz perigosamente o
espírito do voto censitário e restritivo que vigorou durante o Império, de 1824 a 1881. Nestes tempos
não votavam menores de 25 anos, índios, escravos, assalariados, mulheres e nem mesmo os soldados.
O voto censitário foi restaurado parcialmente em 1934, justamente na época de fundação da Universidade
de São Paulo. Argumentos bastante semelhantes à “meritocracia” mantiveram os analfabetos sem direitos
políticos até as eleições de 1985. Considerando a flagrante desigualdade de oportunidades na nossa
sociedade, a “meritocracia” tende a coincidir com “plutocracia”. Isto faz-nos suspeitar que o critério é
mais um recurso e um nome bonito para prolongar em novas bases o “darwinismo social” do século XIX.
Esta teoria, que foi expulsa da academia pela porta da frente, volta pela porta dos fundos, como um
substrato de doxa, outro nome para o senso comum, protegido assim de qualquer crítica.
Profa. Dra. Silvia Beatriz Adoue Profa. Dra. Maria
Orlanda Pinassi Prof. Dr. Edmundo Peggion todos da
FCL Araraquara
Download

“Nós temos que cuidar muito do organismo político brasileiro, e não