A aplicação do princípio da precaução nas relações de teletrabalho:
dever do empregador
Carlota Bertoli Nascimento1
Resumo: A segurança e proteção do meio ambiente através de ações dos entes estatais, nacionais e
internacionais, bem como dos particulares, tem hoje amparo inegável. Diversos acordos e tratados
internacionais, bem como as Cartas constitucionais de diversos países possuem princípios e normas
positivadas que visam à proteção e a promoção de um meio ambiente saudável e hígido. A proteção
desse patrimônio é direito de toda a humanidade, inclusive das gerações futuras, sendo que sua
degradação pode atingir um numero indeterminado de pessoas e até de gerações. O meio ambiente
laboral, nesse mesmo sentido passou a ser reconhecido como uma derivação do meio ambiente que
da mesma forma necessita de cuidados e proteção tanto através de ações dos entes estatais como
dos particulares. A falta de proteção desse meio ambiente específico possui reflexos mais facilmente
visíveis na vida dos trabalhadores. O presente artigo apresenta algumas reflexões sobre as novas
tecnologias aplicadas nas relações de trabalho e as consequências da falta de uma legislação
específica, que reconheça e proteja os diversos meios ambientes onde elas possam ocorrer, em
especial no labor em casa, bem como a consequência para a saúde dos trabalhadores. Parte-se da
premissa que o meio ambiente laboral é direito fundamental do trabalhador de forma individual e
coletiva, sendo espécie do meio ambiente ecológico, havendo necessidade de proteção dos entes
estatais e especialmente dos particulares, a fim de se reconhecer a aplicação do principio da
precaução também no meio ambiente laboral, em especial no tele trabalho, mormente pela falta de
estudos científicos no país a respeito das problemáticas que as novas tecnologias podem causar ao
meio ambiente laboral e como reflexo à saúde do trabalhador.
Palavras- chave: meio ambiente laboral – teletrabalho - trabalho em casa - princípio da precaução.
The safety and protection of the environment through actions on state national and international
entities and individuals, today is undeniable support. Several international agreements and treaties as
well as the constitutional charters of several countries have positivadas principles and rules aimed at
protecting and promoting a healthy environment and healthy individual. The protection of this heritage
is the right of all humanity, including future generations, and their degradation can reach an unlimited
number of people and even generations. The medium work environment in that sense has been
recognized as a derivation of the environment in the same way that needs care and protection both
through actions of state bodies and households. The lack of protection of this particular natural
environment features more easily visible reflections on workers. This article presents some reflections
on the new technologies applied in labor relations and the consequences of the lack of specific
legislation that recognizes and protects the diverse environments where they may occur, especially in
home working as well as the consequences for the health of workers. Part on the assumption that the
medium work environment is a fundamental right of workers individually and collectively, with species
of the ecological environment, requiring protection of state bodies and especially of individuals, in
order to recognize the application of the principle of caution also in the middle workplace, especially in
teleworking, especially the lack of scientific studies in the country about the issues that new
technologies may cause to the work environment and reflecting the health of the worker.
Keywords: middle workplace – telecommuting - work home - the precautionary principle.
1
Advogada, mestre em Direito pela PUC-RS, especialista em Direito Público e Direito e Processo do
Trabalho, professora do curso de bacharelado em Direito - FACOS/CNEC.
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Introdução
A segurança e proteção do meio ambiente através de ações dos entes estatais,
nacionais e internacionais, bem como dos particulares, tem hoje amparo inegável.
Diversos acordos e tratados internacionais, bem como as Cartas constitucionais de
diversos países possuem princípios e normas positivadas que visam proteção e
promoção de um meio ambiente saudável e hígido.
Essa preocupação com o patrimônio ambiental passou a ter maior ênfase após o
reconhecimento pelos juristas e mesmo pelos economistas de que a proteção desse
patrimônio é direito de toda a humanidade, inclusive das gerações futuras, sendo
que sua degradação pode atingir um numero indeterminado de pessoas e até de
gerações.
O meio ambiente laboral, nesse mesmo sentido passou a ser reconhecido como
uma derivação do meio ambiente que, da mesma forma, necessita de cuidados e
proteção tanto através de ações dos entes estatais, mas especialmente dos
particulares. A falta de proteção desse meio ambiente específico possui reflexos
mais facilmente visíveis na vida dos trabalhadores e algumas vezes nos seus
familiares.
Nesse sentido o presente estudo apresenta algumas reflexões sobre as novas
tecnologias aplicadas nas relações de trabalho e as consequências da falta de uma
legislação específica que reconheça e proteja os diversos meios ambientes onde
elas possam ocorrer, bem como a consequência para a saúde dos trabalhadores.
O texto evolui para a aplicação do principio da precaução também no meio ambiente
laboral, mormente pela falta de estudos científicos no país a respeito das
problemáticas que as novas tecnologias e as diferentes formas de prestação de
serviço podem ocasionar para a saúde do trabalhador, e a necessidade de sua
observância pelos tomadores de serviço, mesmo naquelas situações conhecidas
como “homework”, onde a prestação de trabalho em casa não afasta a
responsabilidade do empregador pela saúde e segurança do empregado.
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Meio ambiente laboral como espécie de meio ambiente
Quando se fala em meio ambiente o que primeiro vem a mente é o meio ambiente
ecológico, não sem razão, já que este nos dias atuais é o meio ambiente mais
visivelmente degradado. Mas falar em meio ambiente é tratar do meio ambiente
natural ou físico, artificial, cultural e do trabalho.
Este último acaba inserindo em si todos os demais, a depender do local e da
maneira que o trabalho é prestado. Não se diz com isso que o meio ambiente laboral
constitui matéria isolada, mas específica.
Isso porque o meio ambiente laboral interfere cada vez mais nos demais meios onde
o homem possa estar e desenvolver-se, podendo afetar de forma maléfica sua
saúde, segurança e o bem estar da sociedade em geral2.
No Dizer de Fincato, o meio ambiente do trabalho tem por fim observar a qualidade
de vida e da saúde dos que estão a ele submetidos, pois o “habitat” laboral é o
espaço onde o ser humano obtém os meio apropriados e necessários para prover o
seu sustento e desenvolvimento [...]3.
Jose Afonso da Silva, ao conceituar meio ambiente o define como a interpretação do
conjunto
de
elementos
naturais,
artificiais
e
culturais
que
propiciem
o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas4.
No mesmo sentido Paulo Bessa Antunes leciona que o humano deve ser
compreendido como parte do conjunto formador do meio ambiente, conjunto esse
que abarca as relações econômicas, sociais, políticas, construídas a partir da
apropriação dos bens naturais submetidos ao trabalho, influência humanos,
2
SOARES, Evanna. Ação ambiental trabalhista. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris. 2004.
FINCATO, Denise Pires. Meio Ambiente Laboral:ferramentas legais Brasileiras para concretização
de um Direito Humano Fundamental. In GORCZEVSKI, Clovis (org.). Direitos Humanos e
Participação Política. Volume I. Porto Alegre: Imprensa ivre, p. 195.
4
SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2000,p. 9.
3
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afirmando, com maestria que a construção teórica da natureza como recurso é o seu
reconhecimento como base material da vida em sociedade5.
A preocupação com o meio ambiente laboral, até bem pouco tempo, limitava-se com
a emissão de pó, fumaça, perigo de mutilação com maquinário mal conservado,
barulho excessivo, etc. Hoje pode-se dizer que todos os segmentos em que se
desenvolve o trabalho humano exigem providencias com vistas à boa qualidade de
vida
no
ambiente
laboral,
amanhã,
quiçá,
o
homem
estará
laborando
corriqueiramente em estações espaciais e, lá, serão outras as suas necessidades
para a efetiva proteção da saúde e da vida6.
Falar em proteção de meio ambiente ecológico em última ratio esta a se proteger em
verdade a vida humana que depende diretamente da qualidade do meio ambiente
onde esta inserido. Não por outro motivo a doutrina nacional7 e a internacional8
reconhece o direito à qualidade ambiental como direito fundamental e humano,
pertencente às presentes e futuras gerações, o mesmo se pode afirmar do meio
ambiente laboral, pois, o meio ambiente de trabalho é o local onde esta o
empregado inserido, prestando serviço ou desenvolvendo atividade e onde passa
grande parte de seu dia, quiçá de sua vida.
Dessa forma pode-se afirmar que alguns dos princípios que regem a proteção do
meio ambiente aplicam-se também ao meio ambiente laboral, principalmente o
princípio da precaução, isso porque a cada dia, com a inserção de novas tecnologias
no ambiente laboral, novas possibilidades de danos causados à saúde do
trabalhador surgem na mesma proporção.
Nesse sentido, a mudança da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, pela lei
12.551/2011, que inseriu o parágrafo único ao artigo sexto, tem por escopo proteger
o tele trabalho realizado em casa, embora não defina o que venha a ser tele trabalho
tão pouco as diretrizes e direitos decorrentes dessa natureza de trabalho, podendo-
5
ANTUNES, Paulo Bessa. Direito Ambientel. 11 ed. Rio de Janeiro: lúmen Juris. 2008, p.9.
SOARES, Evanna. Ação ambiental trabalhista. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris. 2004, p. 82.
7
SARLET, Ingo Wolfgang. SILVA, José Afonso da; entre outros.
8
CANOTILHO, J.J. TRONCOSO, Maria Isabel; entre outros.
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se observar uma abordagem precaução no “homework” que deve ser tomada pelo
empregador.
Saúde e segurança no trabalho: direito social fundamental.
A constituição Federal de 1988 prevê em seus artigos9 7º, XXII; 200; 225, o dever de
proteção do meio ambiente laboral, determina a Carta Magna o dever de proteção
do meio ambiente pela União, Estados e Municípios, especificando ser o meio
ambiente do trabalho hígido e seguro direito do trabalhador. Essa determinação não
é direcionada apenas aos entes públicos, mas especialmente à iniciativa privada que
possui um dos seus limitadores o respeito ao meio ambiente10.
A preocupação do legislador constitucional deu-se após muitos anos de lutas das
classes trabalhadoras, principalmente após a revolução industrial, quando as
doenças e acidentes de trabalho começaram a aumentar. Com o avanço tecnológico
também surgiram novas doenças e maiores riscos à saúde dos trabalhadores.
A Constituição em seu artigo 225 caput assegura o direito ao meio ambiente
equilibrado para todos, estando dentro dele o meio ambiente laboral, esse, tal como
o direito ao trabalho, constitui direito fundamental de todos os seres humanos,
estando inserido dentre o rol de direitos fundamentais do artigo 5°, bem como entre
os direitos sociais do artigo 7º. Nesse sentido Raimundo Simão de melo afirma que:
9
Art. 7º, XXII- redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meios de norma de saúde, higiene e
segurança;
Art. 200- Ao Sistema Único de Saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
II- executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
Art. 225- Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§1º. Para assegurar a efetividade desse direito incumbe ao Poder Público:
V- controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substancias que
comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
10
Tal pode ser observado de forma expressa no artigo 170 caput e inciso VI da CF/88.
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O meio ambiente do trabalho adequado e seguro é um dos mais
importantes e fundamentais direitos do cidadão trabalhador, o qual, se
desrespeitado, provoca agressão a toda sociedade, que, no final das
contas, é quem custeia a Previdência Social, responsável pelo Seguro de
Acidente do Trabalho – SAT [...].
O Estado, através do Ministério do Trabalho e Emprego e de outros órgãos
governamentais é responsável pelo estabelecimento de normas de
11
segurança, higiene e medicina do trabalho .
Nesse contexto percebe-se que o direito ao meio ambiente de trabalho hígido e
seguro é direito fundamental do ser humano, não sendo mero direito trabalhista,
havendo inclusive doutrinadores de peso que sustentam serem os direitos incertos
no artigo sétimo da constituição direito de todo e qualquer trabalhador, não apenas
de empregados.
Assim, insere-se um novo contexto onde a prioridade é a precaução e a prevenção,
quando conhecidos os riscos, em detrimento das possíveis reparações individuais,
que não podem restaurar os prejuízos decorrentes de acidentes, doenças que
incapacitam trabalhadores e geram danos econômicos, físicos, psíquicos e sociais
no trabalhador, bem como às empresas e ao Estado reparador das mazelas sociais
em última instância.
Nesse sentido, a precaução deve ser tomada, não apenas pelo legislador, mas
especialmente pelo tomador de serviços que embora não tenha pleno conhecimento
dos riscos que determinado trabalho possua, deve tomar todas as medidas
existentes para que a saúde do trabalhador seja salvaguardada.
Teletrabalho: conceito, problemáticas, necessidade de regulamentação
específica – aplicação do princípio da precaução
Conceito
Inúmeras são as linhas de investigação pela qual se pode definir e classificar o tele
trabalho. Para presente investigação, preferiu-se ficar a situação primeiramente
citada por Nilles em 1973, que pensa o tele trabalho como aquele realizado à
11
MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.
Responsabilidades legais. Dano material. Dano moral. Dano estético. São Paulo: LTR, 2004, p. 2930.
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distancia pelo trabalhador, deslocado do local fixo de trabalho, ou seja, da empresa,
sem a supervisão direta de um supervisor hierárquico, conforme também indica
Antônio Padilha12.
Atualmente uma das formas mais utilizadas de tele trabalho é aquele realizado via
internet, ou seja, em que o trabalhador executa suas tarefas, basicamente, através
de um computador conectado à rede mundial de computadores.
Observa-se que a implantação do tele trabalho surge hoje como uma boa alternativa
de minimizar os custos empresarias, mormente com o deslocamento do trabalhador
para outro espaço que não o da empresa e, consequentemente, com a isenção de
responsabilidade sobre o mesmo e suas ações, utilizando-se de mão de obra
especializada, dando preferência (o empresário) ao trabalhador autônomo ou
parassurbordinado.
Nesse sentido, a fim de tentar proteger o direito desse tipo de trabalhador, o
legislador ordinário realizou uma modificação na CLT, inserindo o parágrafo único ao
artigo sexto, o qual peca por sua sutileza e não definição exata do que venha a ser o
teletrabalho, como o faz a legislação de Portugal e outros países da Europa, cabe
aqui citar o referido parágrafo único:
Art 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do
empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a
distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de
emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando,
controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos
meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho
alheio.
Através desse modo de trabalho é possível fazer desde transações comerciais até
atendimento ao consumidor, sem ter que deslocar o trabalhador de sua residência
ou fazê-lo comparecer a uma sede fixada para realizar seu trabalho.
12
- PADILLA, Antonio. Teletrabajo Dirección y Organización. Ed. RA-MA. Madrid, 1998, p. 1-17.
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Nesse contexto, o tele trabalho pode ser classificado, conforme o critério
comunicativo, isto é, pelo meio de comunicação com o empregador, como: off-line
ou on-line.
O teletrabalho off-line, também chamado de desconectado, é realizado sem
qualquer vinculação telemática direta com o computador central da empresa, os
dados são enviados através do correio eletrônico ou convencional ao empregador.
Como crítica, alguns doutrinadores dizem não ser teletrabalho, por não haver
necessariamente a comunicação telemática com a empresa, característica essencial
do tele trabalho.
O teletrabalho on-line, também chamado de conectado, utiliza tecnologias
informáticas e de telecomunicações para receber ordens de como executar o
trabalho e o resultado da sua realização. Essa comunicação entre tele trabalhador e
empregador pode ser unidirecional, quando a conexão entre os computadores é
muito simples e não seja possível a intervenção direta da empresa, e bidirecional,
quando a conexão permite interação entre os computadores da empresa e o tele
trabalhador, o empregador exerce seu poder de direção, inclusive no que tange à
jornada de trabalho e os tempos de descanso do trabalhador13.
Problemáticas: a (não) regulamentação insuficiente e inespecífica
Embora essa nova modalidade de prestação de serviço proporcione ao
empresariado e aos trabalhadores benefícios, como a flexibilidade do local e do
tempo em que o trabalho possa ser prestado, possui diversos aspectos
problemáticos que não podem deixar de ser enfrentados.
Não se pretende com isso uma defesa ao não emprego das tecnologias, ou ao tele
trabalho. Ao contrário, as benesses da tecnologia tem de ser implementadas e
aprimoradas, mas não podem servir de instrumento à diminuição ou negação de
13
ANDRADE, Pollyanna Vasconcelos Correia Lima de. Teletrabalho no ordenamento jurídico
brasileiro. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região: João Pessoa, v. 15, n.1, 2007. p.
289-90.
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direitos mínimos já assegurados pelo ordenamento constitucional aos trabalhadores,
tão pouco de forma de precarização do trabalho.
O teletrabalho é um fato social, que por ser reflexo da evolução carece de estudos
científicos no Brasil. A falta de uma regulamentação específica faz com que a
proteção do meio ambiente laboral encontre obstáculos, uma vez que muitas vezes
o trabalho é prestado no domicílio do trabalhador, e este é considerado asilo
inviolável do indivíduo.
A nova redação do artigo sexto da CLT não resolve o problema, pois, alguns
questionamentos permanecem como, por exemplo: pode, ou deve o empregador ter
o direito de entrar no domicilio do empregado a fim de vistoriar e garantir as normas
de ergonomia, luz, utilização correta do equipamento, para que se assegure a
proteção à saúde do empregado, na forma regulamentada nas Normas Reguladoras
do Ministério do Trabalho e Emprego?
Assim todas as problemáticas que possam advir de um ambiente de trabalho e suas
adjacências que nele interfiram, as práticas e métodos de trabalho, a fiscalização da
saúde do trabalhador [...] permanecem em verdadeiro limbo.
O teletrabalho, como já afirmado, é um fato social, que acontece de forma
simultânea em diversas partes do mundo. Essa nova forma de trabalho é reflexo da
globalização que tem na informação e na tecnologia uma maneira de se diluir os
conceitos de tempo e espaço, otimizado lucros.
Muitos países inseriram em seu ordenamento jurídico positivado o teletrabalho como
forma de trabalhar e consequentemente a necessidade de proteção desse
trabalhador e de seu meio ambiente laboral. Como exemplo podem ser citados
Espanha, Portugal, Chile, Uruguai, entre outros que possuem normas sobre o
teletrabalho.
Entre os direitos assegurados estão o controle da jornada de trabalho e
principalmente o meio ambiente laboral. Muitos teletrabalhadores possuem sua
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oficina de trabalho em seu próprio domicílio, outros são levados para fora das
imediações, ou sede da empresa em centros de teletrabalho, e outros ainda
realizam seu trabalho parte na empresa e parte em qualquer outro lugar onde
possam ter acesso a uma rede de internet.
Nesse contexto, nos países onde não há regulamentação sobre o teletrabalho, os
empregadores fogem ao seu dever de cuidar da saúde de seu trabalhador, eis que
em muitos casos se quer reconhecem o vinculo existente, transferindo toda a sua
responsabilidade para o próprio trabalhador e para o Estado.
Aplicação do principio da precaução
O princípio da precaução é em verdade como afirmado por Marie-Angèle e Virginie
David um modo de decisão que pesa sobre o cálculo de risco em situação de
incerteza científica14. Já se aceita majoritariamente na doutrina internacional e
nacional, que o princípio a precaução deve ser aplicado quando não há certeza
científica dos riscos ambientais que determinada atividade possa causar.
No tele trabalho, o que ocorre em verdade no Brasil, é uma incerteza sobre as
consequências que a não tutela do instituto possa estar causando na saúde dos
trabalhadores.
O princípio da precaução tem como fim último salvaguardar a saúde humana, isso
porque esperar por provas científicas relativas ao impacto que a tecnologia e seu
uso podem causar, certamente resultará em danos irreversíveis e em sofrimento ao
ser humano, nesse mesmo sentido Troncoso leciona:
O conceito de precaução se formou na Europa nos anos 70 (mas
exatamente na doutrina do direito público alemão). Sem ter normas nas
quais se apoiar, as autoridades públicas no momento no momento em que
suspeitam da ocorrência de danos irreversíveis no ecosistema marinho, se
sustentou a precaução com o fim de limitar o uso das tecnologias. De modo
que foi o direito europeu que deu origem ao princípio em estudo, erigido
com o objetivo de evitar danos graves e irreversíveis sobre os interesses
14
HERMITTE, Marie-Angèle. DAVID, Virginie. A avaliação dos riscos e princípio da precaução. In
Princípio da Precaução Coleção Direito Ambiental em Debate. Coordenado por Marcelo Dias Varella
e Ana Flávia Barros Platiai. Del Rey. Belo Horizonte: 2004.
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mais nobres, como o são a vida, a saúde e o meio ambiente, essenciais à
15
preservação do ser humano .
A conhecida NR-17 e seus anexos são uma tentativa de minimizar os riscos ainda
não totalmente conhecidos da inserção da tecnologia, hoje cada vez mais
abundante, no ambiente laboral. Mas quando esse ambiente é o domicilio do
empregado, ou outra localidade distante da sede ou filial da empresa, a normativa
não vem sendo aplicada, pela certeza do empresariado da impunidade, já que
inexiste uma norma específica para essa relação empregatícia.
Pode-se dizer que os danos e os sofrimentos ocorrerão baseando-se nas já
existentes regulamentação internacionais criadas com o intuído de proteger o meio
ambiente laboral e o trabalhador. Na Europa criou-se o marco europeu de tele
trabalho, que contém normas mínimas de saúde e segurança que devem ser
observadas pelos tele empregadores.
As normas do marco europeu são impositivas, países como Espanha e Portugal
incorporaram em seus códigos de trabalho, normas rígidas sobre higidez no
ambiente tele laboral, mesmo sendo prestado no domicilio do trabalhador,
determinando, inclusive, deveres de manutenção e vistoria contínuas.
No Brasil essa nova espécie de prestação laboral, não é reconhecida pelo
ordenamento jurídico, apesar da redação dada ao artigo sexto que muito
timidamente menciona a telemática no ambiente laboral, sendo que apenas há cinco
anos a jurisprudência vem timidamente reconhecendo alguns direitos trabalhistas a
tais trabalhadores.
Poder-se-ia dizer que algumas das normas regulamentares que tratam da saúde e
segurança no trabalho seriam extensíveis ao teletrabalhadores, mas muito
provavelmente tal ocorreria apenas após o reconhecimento pela via judicial da
violação às normas da CLT e após o dano à saúde do trabalhador já consolidado.
15
Troncoso, Maria. El Principio de Precaución y la Responsabilidad Civil. In Revista de Derecho
Privado n. 18. Espanha, 2010, p. 206-207.
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Nesse sentido, pretende-se defender a aplicação do principio da precaução como
um dos norteadores do dever não apenas do Estado de tutela do teletrabalho, mas
essencialmente do empregador empresário, para que a saúde do trabalhador seja
protegida antes do dano causado em virtude da problemática ambiental desse tipo
de trabalho.
Tal posicionamento pode ser embasado na própria sistemática constitucional, que
como observado nos artigos acima descritos, impõe ao Estado e a Iniciativa Privada
o dever de criar políticas públicas, fiscalizar, controlar o emprego de técnicas que
comportem risco para a vida, saúde e meio ambiente, inclusive do trabalhador.
Tudo isso não tem como ser efetivado se não houver uma norma legal que
determine ao empregador manter o meio ambiente laboral do teletrabalhador hígido,
mesmo quando esse meio ambiente seja a casa do empregado. Ainda, não havendo
pesquisas científicas que comprovem os riscos à saúde do trabalhador, que o meio
ambiente “poluído” do teletrabalho possa causar ao trabalhador, necessário se faz,
tendo como um dos embasamentos o princípio da precaução, a tutela específica
dessa nova forma de trabalho, bem como dos meios onde ele possa ocorrer pelo
Estado, a fim de que o empresariado não se furte ao seu dever e cumpra a função
social da empresa.
Conclusão
Nos países paradigmas acima citados, observou-se que as doenças desenvolvidas
no tele trabalho são análogas às ocorridas nas atividades laborais presenciais. No
entanto, como no Brasil não há estudos sobre as mesmas, tão pouco normas
definindo modelos de atuação aos empregadores não há como evitar um possível
dano ao trabalhador.
Nesse sentido é que o princípio da precaução, como dito, funciona como norma que
obriga o Estado e a iniciativa privada à tutelar o meio ambiente tele laboral, já que
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sem as normas indicadoras especiais da atuação do empregador, não se pode falar
em fiscalização e quiçá em responsabilização.
A falta de norma legislativa e regulamentadora sobre o teletrabalho, bem como
sobre a saúde e segurança nos diversos meios onde o mesmo possa se
desenvolver faz com que os direitos mínimos dos trabalhadores sejam apenas
reconhecidos após a ocorrência de dano, o que na prática é o mesmo que negá-los
aos trabalhadores.
Assim, o que se propõe é a aplicação do principio da precaução como uma das
justificativas de necessidade de tutela pelo Estado e dever do empresariado, através
de ações fiscalizadoras e mesmo criação de normas definidoras e protetoras do
meio ambiente laboral onde está inserido o tele trabalhor.
Referências
ANDRADE, Pollyanna Vasconcelos Correia Lima de. Teletrabalho no ordenamento
jurídico brasileiro. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região: João
Pessoa, v. 15, n.1, 2007.
ANTUNES, Paulo Bessa. Direito Ambiental. 11 ed. Rio de Janeiro: lúmen Júris,
2008.
FINCATO, Denise Pires. Meio Ambiente Laboral: ferramentas legais Brasileiras para
a concretização de um Direito Humano Fundamental. In GORCZEVSKI, Clovis
(org.). Direitos Humanos e Participação Política. V. I. Porto Alegre: imprensa Livre.
HERMITTE, Marie-Angèle. DAVID, Virginie. A AVALIAÇÃO DOS RISCOS E
PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. In Princípio da Precaução Coleção Direito Ambiental
em Debate. Coordenado por Marcelo Dias Varella e Ana Flávia Barros Platiai. Del
Rey. Belo Horizonte: 2004.
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MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do Trabalho e a Saúde do
Trabalhador. Responsabilidades legais. Dano material. Dano moral. Dano estético.
São Paulo: LTR, 2004.
PADILLA, Antonio. Teletrabajo Dirección y Organización. Ed. RA-MA. Madrid, 1998.
SARLET, Ingo Wolgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na
Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2007.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 3 ed. São Paulo:
Malheiros. 2000.
SOARES, Evanna. Ação ambiental trabalhista. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris.
2004.
TRONCOSO, Maria. El Principio de Precaución y la Responsabilidad Civil. In Revista
de Derecho Privado n 18. Espanha, 2010.
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