ISSN 1982 - 0283
EDIÇÃO ESPECIAL
NOVAS DIRETRIZES
CURRICULARES PARA
O ENSINO MÉDIO
Ano XXIII - SETEMBRO 2013
EDIÇÃO ESPECIAL
NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
SUMÁRIO
Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio............................................... 3
Marise Ramos
EDIÇÃO ESPECIAL
Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio1
Marise Ramos2
Este texto propõe uma conversa com educa-
Mas pensar e fazer, como processos huma-
dores. Vamos falar um pouco sobre as no-
nos, não têm um começo definido nem um
vas Diretrizes Curriculares Nacionais para o
fim predeterminado, ainda que vislumbre-
Ensino Médio - DCNEM (BRASIL. CNE/CEB,
mos, sempre e necessariamente, onde que-
2011; 2012). Desde a década de 1990, educa-
remos chegar. Assim, neste texto, vamos
dores brasileiros veem sua prática político-
pensar sobre o que são as novas DCNEM e
-pedagógica sendo confrontada com novas
que princípios destacamos para (re)elaborar
diretrizes e parâmetros, infinitas e comple-
nossa prática visando à formação plena dos
xas orientações que, por vezes, parecem nos
estudantes nos dias de hoje, com especial
dizer: comecem tudo de novo. Não é isto
ênfase no significado da relação entre traba-
que propomos aqui. Ao contrário, queremos
lho, ciência, tecnologia e cultura que deve
que as presentes reflexões se encontrem
orientar o currículo do ensino médio. Refle-
com seus saberes, suas práticas e experiên-
tiremos, ainda, sobre algumas experiências
cias e dialoguemos uns com os outros sobre
que podem ser ricas para fazer convergir
o quanto nossa prática político-pedagógica
interesses da escola e dos estudantes nes-
é, de fato e potencialmente, rica de conquis-
sa perspectiva, um desafio permanente de
tas, ao mesmo tempo em que enfrentamos
qualquer processo educativo formal. Espera-
problemas, dúvidas, dilemas e dificuldades
mos que seja uma leitura proveitosa e que
de toda ordem.
os debates que ela suscitar sejam fecundos
1
Este texto foi originalmente elaborado para o Programa Salto para o Futuro que aborda as novas Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, exibido em 27/09/2013. Seu conteúdo tem por base outros textos da
própria autora (RAMOS, 2005, 2011) que também compõem, em co-autoria, o material didático para formação de
professores do Ensino Médio do Programa Ensino Médio Inovador da Secretaria de Educação Básica do Ministério
da Educação (2012, no prelo).
2
Doutora em Ciências Humanas (Educação) pela UFF. Especialista em Ciência, Tecnologia, Produção e
Inovação em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Laboratório de Trabalho e Educação Profissional em Saúde
da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – LATEPS/EPSJV-Fiocruz). Professora Adjunta da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana – PPFH/UERJ).
3
para a nossa (re)construção permanente e
buscar meios para enfrentá-la, visando dar a
coletiva como educadores neste país.
ela outra direção e sentido.
1. O QUE SÃO AS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS
DO ENSINO MÉDIO.
Diretrizes são orientações para o
pensamento e a ação. As DCNEM, então,
trazem orientações explícitas de como deve
ser pensada e conduzida a ação educacional
no ensino médio, iniciando pela definição
de suas finalidades, com as quais se espera
que a seleção e a organização de conteúdos
de ensino sejam coerentes. Igualmente,
faz
considerações
sobre
abordagens
Assim, vemos que, ao sintetizar sua
concepção no slogan “ensino médio agora é
para a vida”, as diretrizes anteriores elegiam
o trabalho e a cidadania como contextos
do currículo. Assim definido, o contexto do
trabalho era o próprio mercado de trabalho;
e a cidadania, o exercício de direitos
formais. A referência principal do currículo,
que orientaria a seleção e a organização de
conteúdos, eram as competências – práticas
e condutas esperadas dos estudantes – e não
mais as ciências e os processos históricosculturais da sociedade.
metodológicas e sobre a definição e o uso
dos tempos e espaços curriculares.
educacional, à qual nos referimos, o ensino
Definidas as finalidades do ensino
médio no artigo 35 da LDB, as DCNEM as
reiteram, mas o fazem de forma diferenciada
das DCNEM anteriores, pois partem de
outra base filosófica. Nas primeiras, a
educação contribuiria para que as pessoas
se adaptassem ao mundo contemporâneo
caracterizado pela instabilidade econômica,
pela flexibilidade de objetivos pessoais e
normas sociais e pela individualização dos
projetos de vida. As diretrizes atuais, apesar
de reconhecerem que a realidade hoje tem
essas características, não as tomam como
naturais e entendem que a educação deve
contribuir para que as pessoas sejam capazes
de compreender tal realidade criticamente e
Para ser coerente com outra filosofia
médio procuraria agora formar o sujeito
em múltiplas dimensões, proporcionando
o
desenvolvimento
potencialidades
–
de
todas
físicas,
as
suas
intelectuais,
sensíveis, dentre outras – a partir das quais ele
teria condições de elaborar projetos e buscar
realizá-los no encontro entre vida pessoal e
vida social. Para isto, é preciso compreender
a si próprio como um ser histórico, social
e cultural, e a sociedade como produto de
nossas ações e de nossas lutas que, por sua
vez, se fazem no confronto entre interesses
e necessidades distintas de grupos sociais.
Trata-se, portanto, de uma formação de
caráter omnilateral – que ocorre em todas
as direções – e que visa se contrapor às
dualidades entre preparar para o trabalho
4
ou preparar para o prosseguimento de
conhecimentos que nos permitem apreendê-
estudos; preparar para o trabalho manual
la, estabelecendo-se as devidas relações entre
ou intelectual; preparar para ser dirigente
os conceitos originados a partir de distintos
ou para ser subordinado. Entende, então, o
recortes da realidade – os diversos campos
projeto do ensino médio na perspectiva da
da ciência representados em disciplinas
escola unitária.
– e entre esses e a prática social. Além da
O currículo pensado nessas bases
é uma relação entre partes – conjunto
de atividades escolares como disciplinas,
conteúdos e métodos de ensino; atividades
e
abordagens
científicas,
tecnológicas,
corpóreas, culturais etc; interações entre
educadores, entre estudantes e entre eles
– e a totalidade da vida social que, por sua
vez, se estrutura pela relação entre trabalho,
ciência,
tecnologia
e
cultura.
Nesses
forma interdisciplinar, a abordagem dos
conteúdos de forma historicizada permite
aos estudantes compreenderem as razões
sociais que levaram ao desenvolvimento
de determinados conhecimentos, técnicas,
tecnologias, normas, valores e expressões
artísticas que dão vida e identidade aos
grupos sociais e à sociedade como um todo,
num determinado tempo e espaço.
Portanto, não se trata simplesmente
termos, o currículo organiza os conteúdos
de
se
contextualizarem
de ensino e desenvolve o processo de
científicos no trabalho e na cidadania,
ensino-aprendizagem de forma que os
relações antes designadas como contextos.
conhecimentos sejam apreendidos como
Nas novas diretrizes, nem o trabalho
sistema de relações históricas e dialéticas
é delimitado como contexto, nem este
dessa mesma totalidade (KOSIK, 1978) Esta
forma uma dualidade com a cidadania.
concepção compreende que as disciplinas
Trabalho, ciência, tecnologia e cultura
escolares são responsáveis por permitir
são
apreender os conhecimentos já construídos
devem ser integradas ao currículo, tendo
em sua especificidade conceitual e histórica;
o
dimensões
trabalho
da
como
vida
conhecimentos
humana
princípio
que
educativo.
ou seja, como as determinações mais
particulares dos fenômenos que, relacionadas
entre
si,
A
permitem
compreendê-los.
interdisciplinaridade,
como
2. A RELAÇÃO ENTRE OS MUNDOS
DO TRABALHO, DA CIÊNCIA, DA
TECNOLOGIA E DA CULTURA E A
ESCOLA
método, é uma tentativa de reconstruir,
ordenada
totalidade,
e
sistematicamente,
pela
explicitação
essa
As novas DCNEM nos apontam as dimensões
dos
do trabalho, da ciência, da tecnologia e
5
da cultura como eixo integrador entre os
como trabalho assalariado. Assim, a história
conhecimentos
de
distintas
naturezas,
da humanidade é a história da produção
em
dimensão
da existência humana e a história do
histórica e em relação ao contexto social
conhecimento é a história do processo
contemporâneo. Nessa perspectiva, tenta-
de apropriação social dos potenciais da
se superar o histórico conflito existente em
natureza para o próprio homem, mediada
torno do papel da escola, de formar para a
pelo trabalho.
contextualizando-os
sua
cidadania ou para o trabalho produtivo com o
consequente dilema de um currículo voltado
para as humanidades ou para a ciência e
tecnologia. Na verdade, o processo educativo
visaria “produzir, direta e intencionalmente,
em cada indivíduo singular, a humanidade
que é produzida histórica e coletivamente
pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2005,
p. 13), além de proporcionar aos estudantes
o desenvolvimento técnico-intelectual para
produzirem a existência por meio de seu
trabalho sob determinadas circunstâncias
históricas.
A essa concepção de trabalho associa-
se a concepção de ciência. A humanidade,
na busca da apreensão e transformação
dos fenômenos naturais e sociais, gerando
assim capacidade produtiva para satisfazer
necessidades sociais, produziu também
conhecimentos, tanto cotidianos quanto
científicos.
Os
primeiros
normalmente
têm seus limites postos pelos contextos
em que são produzidos e nos quais se
tornam eficazes. Por exemplo, as mulheres
do campo produzem sabão usando a
gordura animal, cinzas e aquecimento, sem
A produção da existência humana
necessariamente saber que estão lidando
se faz mediada, em primeira ordem, pelo
com conceitos científicos como o de reação
trabalho (MARX, 2001; MÉSZÁROS, 1981).
química, reagentes, catalisadores, produtos,
Primeiramente,
característica
rendimento etc. É a ciência que tem por
inerente ao ser humano, de agir sobre a
princípio ir além do saber circunstancial e
natureza, apropriando-se de seus potenciais
contextualizado, buscando um sentido mais
e
das
generalizável do conhecimento. Assim, a
necessidades humanas. Por isso, o trabalho
ciência conforma conceitos e métodos, cuja
é uma categoria ontológica: é inerente à
objetividade permite a transmissão para
espécie humana e primeira mediação na
diferentes gerações, ao mesmo tempo em
produção de bens, conhecimentos e cultura
que podem ser questionados e superados
(LUKÁCS, 1978). Numa segunda dimensão
historicamente, no movimento permanente
está o trabalho nas suas formas históricas,
de construção de novos conhecimentos.
como
transformando-os
em
benefício
que na sociedade capitalista caracteriza-se
6
A cultura é o conjunto dos resultados
dessa ação sobre o mundo. Ela se torna o
próprio ambiente do ser humano no qual
ele é formado, apropriando-se de valores,
crenças,
objetos,
conhecimentos
etc.
Reconhecer a ciência e tecnologia como
produções humanas obtidas pelo trabalho,
e, portanto, como resultados de uma ação
transformadora consciente, é caracterizálas como parte da cultura e, como tal,
bens que são constantemente produzidos e
reproduzidos.
Em
vida e a cultura social.
O exposto nos permite concluir
que trazer os mundos do trabalho, da
ciência, da tecnologia e da cultura para o
currículo do ensino médio significa abordar
os conteúdos de ensino dando-lhes vida
produtiva, social, cultural e histórica. Os
conteúdos se manifestam aos estudantes,
então, como conhecimentos entranhados
nos processos produtivos materiais e não
materiais, assim como nas transformações
nossa
normalmente
que mudou completamente os hábitos de
prática
pedagógica,
consideramos
científico-tecnológicas
e
nas
relações
como
políticas, culturais e sociais concretas.
conhecimentos de cultura geral os das
Tais processos podem se constituir como
linguagens, da história, da filosofia, da
mediações da prática pedagógica, vindo a
sociologia, da geografia e das artes. A
ser estudados como momentos históricos
matemática, a física, a química e a biologia,
da produção social da existência humana.
como conhecimentos científicos, os quais,
por sua vez, têm aplicação prática em
tecnologias de base mecânica, elétrica,
eletrônica, microeletrônica, bioquímica etc.
3. INTERESSES DOS ESTUDANTES
E DA ESCOLA: A DIFÍCIL, MAS
POSSÍVEL, CONVERGÊNCIA.
e, por isto, se desdobram em tecnologia.
Mas isto não faz sentido social, pois o
Qual é o interesse da escola? Que os
desenvolvimento da ciência é, ao mesmo
estudantes aprendam o que se ensina, não é
tempo, um desenvolvimento tecnológico
verdade? Então os interesses dos estudantes
e cultural. É interessante notar que, por
seria realmente aprender o que a escola
exemplo, um grande acontecimento que
ensina. Se assim fosse, certamente teríamos
possibilitou o desenvolvimento das ciências
menos problemas a enfrentar. Porém,
físicas foi a invenção da máquina a vapor,
esta convergência não é tão frequente
o que demonstra que, por vezes, é o
porque a escola é, para o estudante, um
processo tecnológico que possibilita o salto
espaço de muitas experiências e relações
científico. Ao mesmo tempo, essa invenção
que transcendem a dimensão acadêmica.
possibilitou o desenvolvimento da indústria
Por exemplo, é frequente encontrarmos
7
estudantes que dizem gostar muito da
apenas a necessidade de ser aprovado. A
escola, mas pouco da sala de aula. É possível
motivação da leitura não coincidia com o
enfrentar este desafio? Devemos tentar e as
objetivo da aprendizagem, mas sim com um
novas DCNEM sugerem isto.
dispositivo de coerção externo ao interesse
Pensando a partir da escola, de fato
do estudante.
podemos afirmar que a formação que ela
realiza é, necessariamente, mediada pelo
comprometido
conhecimento
produzido
sistematizado não só educaria o interesse
socialmente até então, de acordo com o
do estudante pela História e, assim, pela
desenvolvimento intelectual dos estudantes
leitura interessada do livro, como também
em cada momento do percurso escolar.
o levaria ao movimento de questionar,
Mesmo que este percurso não seja linear,
pesquisar, relacionar, enfim, a um processo
como é o caso de jovens e adultos que o
de aprendizagem que é significativo, não
interrompem e a ele retornam na modalidade
porque o conteúdo se vincula formal e/ou
da EJA, a ciência e a cultura, na relação com
artificialmente com situações cotidianas
a produção da existência humana, são o
ou a obrigações escolares, mas porque
objeto precípuo da escola.
tal conteúdo possibilitou compreender o
sistematizado
Porém, como já indicamos, o acesso
ao conhecimento sistematizado pode não
ser o interesse dos estudantes. O que fazer,
então? Temos que entender que também
é função da escola educar os próprios
interesses dos estudantes.
Contudo,
o
com
trabalho
o
escolar
conhecimento
mundo em que ele vive e que ele reconhece
tal compreensão como uma conquista.
A convergência entre os interesses
de ensinar e de aprender, necessária
à aprendizagem, é tanto uma questão
de
método
como
de
conteúdo.
As
Um exemplo trazido por Moretti
metodologias proporcionam as mediações
(2007) a partir da obra de Leontiev é
necessárias a esse processo, enquanto a
elucidativo. Este sugere-nos que imaginemos
efetiva correspondência entre a teoria e sua
um estudante, ao se preparar para uma
capacidade explicativa do real dá sentido
prova, lendo um livro de História. O que
aos conteúdos curriculares. Nossa sugestão,
aconteceria se o estudante ficasse sabendo
então, para se chegar a essa convergência,
que o conteúdo dessa leitura não cairia na
é
prova? Se ele abandonar a leitura ficaria
historicamente
claro que o motivo que o levou a ler o livro
problemas e processos produtivos (de coisas
não era o conteúdo por si mesmo, mas
materiais e não materiais) que caracterizam
que
os
professores
os
problematizem
fatos,
fenômenos,
8
e habitam a vida social hoje, em suas
base nos eixos Trabalho, Ciência e Saúde4.
múltiplas vertentes: econômica, estética,
Este componente conta, tanto com aulas
ética, ambiental, política, social, cultural,
formais
técnica, dentre outras.
estudantes, sob orientação de professores,
Esses fatos, fenômenos e processos
podem ser tomados como um ponto de
partida histórico e dialético para o processo
pedagógico. Histórico porque o trabalho
pedagógico fecundo ocupa-se em evidenciar,
juntamente com os conceitos, as razões, os
problemas, as necessidades e as dúvidas que
constituem o contexto de produção de um
conhecimento. Dialético porque a razão de
se estudar um fenômeno não está na sua
estrutura formal e procedimental aparente,
mas na tentativa de captar os conceitos
que os fundamentam e as relações que os
constituem. Esses podem estar em conflito
ou ser questionados por outros conceitos.
Obviamente,
a
organização
formal do currículo exigirá a organização
desses conhecimentos, seja em forma de
disciplinas ou como projetos ou outros
tipos
de
atividades.
Uma
experiência
curricular que conhecemos3, por exemplo,
criou um componente curricular integrador
chamado
de
“Iniciação
à
Educação
Politécnica” (IEP), que se organiza com
de
quanto
um
pela
“Trabalho
realização,
pelos
Integrador”
(TI).
Por meio deste, um ou vários
temas – que se constituem em fatos,
fenômenos e processos a que nos referimos,
anteriormente tomados como objeto de
estudo/investigação – são problematizados
teórica
e
empiricamente,
promovendo
a aprendizagem e a sistematização de
conhecimentos que levem, inclusive, à
produção material de algum instrumento
que possibilite a difusão dessa experiência
e
dos
conhecimentos
adquiridos
e
sistematizados.
Sugerimos que vocês assistam, por
exemplo, ao vídeo chamado “Alienado”,
produto final do Trabalho de Integração
(TI) do referido componente curricular. O
vídeo mostra Abel Venâncio, um técnico
de laboratório, contando sua história e sua
rotina de trabalho. Enquanto apresenta
sua vida, são apresentadas também as
condições precárias de trabalho de Abel
e como sua rotina familiar e pessoal são
afetadas por aquilo sem que ele perceba.
3
Referimo-nos ao currículo dos cursos técnicos integrados ao ensino médio da Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (www.epsjv.fiocruz.br).
4
A introdução explícita do eixo Cultura está sendo discutida, porém esta está plenamente presente inclusive
na metodologia na qual a produção de vídeos pelos alunos é frequente.
9
Abel se torna cada vez mais, então,
ontológica do trabalho). Além disso, neste
um técnico alienado por seu trabalho5.
caso específico, usam uma linguagem
que atravessa largamente a vida juvenil e
Este vídeo – certamente mediante
a experiência de sua produção pelos
a do adulto nos dias de hoje, a linguagem
midiática.
estudantes, mas também pela sua exibição
a outros estudantes – permite-nos discutir o
em que o mundo real não está fora dos
mundo do trabalho, da ciência, da tecnologia
seus muros, mas, ao contrário, se condensa
e da cultura, não só em termos históricos,
no interior da própria escola. Temos aqui
filosóficos, sociológicos e estéticos, mas,
somente um exemplo. A imaginação, as
também em articulação com conhecimentos
vontades, as experiências e os problemas
de outras ciências, como a Física, a Química,
de cada escola e de seus sujeitos, no meio
a Biologia, a Matemática e as Linguagens.
em que se inserem, podem nos levar a
Afinal,
dessas
criar muitas possibilidades. Mas é preciso
áreas estão presentes, tanto no trabalho
ir construindo um referencial filosófico
concreto em laboratório, retratado pelo
e ético-político sólido para ir dirigindo o
vídeo – a produção de exames laboratoriais,
ensino nesse sentido.
diversos
conhecimentos
A escola, então, torna-se um lugar
neste caso – quanto nas relações sociais que
fizeram com que este tipo de trabalho e de
Aqui cabe destacar outra questão
produção fossem necessários e passassem
importante, a saber: o cuidado para que
a existir, com todas as suas contradições;
atividades como essas não se convertam em
isto é, o que de positivo e de negativo se
simples experimentações ou em exercícios
gerou com ele, como, por exemplo, poder
artificiais de conexão entre conteúdos; ou,
diagnosticar doenças e gerar emprego e,
ainda, que levem a um currículo repleto
ao mesmo tempo, transformar a saúde em
de atividades ou de exemplos, de forma
mercadoria e explorar o trabalho humano.
descomprometida com a formação científica,
tecnológica e cultural dos estudantes.
Além da riqueza de aprendizagem
que uma atividade pedagógica como esta
pode proporcionar, o fato de os estudantes
serem os próprios produtores do vídeo –
A contextualização é, sem dúvida, um
princípio pertinente e útil à formação dos
com todos os elementos que este trabalho
estudantes no sentido aqui discutido. Mas
técnico e estético exige – e seus próprios
ela deve ir além de situar o conhecimento
atores, tanto na ficção quanto na vida real,
científico em práticas sociais vividas. A
pois são ou serão também trabalhadores,
contextualização se torna, na verdade, uma
permite que eles se vejam como sujeitos
produtivos concretos e se reconheçam
na sua obra (expressão da dimensão
5
estratégia de análise da realidade social,
por parte dos estudantes, com base no
Disponível em http://www.youtube.com/user/culturapolitecnica, publicado em 15/11/2012.
10
conhecimento sistematizado. Trata-se de um
conhecimento seja suficiente para que
processo, então, que provoca a investigação
o aluno estabeleça relações entre ideias,
coletiva, um interrogar permanente sobre a
fatos e fenômenos e
cotidianidade contraditória e, muitas vezes
concretas que demandam problematizações,
perversa, frente ao próprio papel que deve
elaborações conceituais e soluções. Esse
cumprir a escola.
é um falso conhecimento. Outro risco
Nossa
maior
preocupação
com
esse aspecto é o risco de simplificação dos
processos de aprendizagem, tornando-a
uma pseudo-aprendizagem e contribuindo,
cada vez mais, para o isolamento entre as
instâncias produtoras de conhecimento e a
enfrente situações
que, em parte, pode ser consequência do
primeiro, é considerar a existência de uma
continuidade e de uma equivalência entre o
conhecimento cotidiano e o conhecimento
científico, e de que é possível passar de um
para outro sem rupturas.
escola, condenando esta última à simples
instância de reprodução ou transmissão
aprendizagem
de saberes prontos e acabados. O contexto
importante meio de estimular a curiosidade
pode ser o ponto “concreto” de partida que,
e fortalecer a confiança do educando. Por
mediante a elaboração do pensamento e a
outro lado, sua importância só pode se
capacidade de abstração, torna-se “concreto
fazer valer se for capaz de fazer com que
pensado” e, portanto, com suas dimensões
este tenha consciência sobre seus modelos
essenciais, complexas e contraditórias.
de explicação e compreensão da realidade,
Quando se parte do contexto de
vivência do educando, por exemplo, devese saber da necessidade de se enfrentarem
as concepções prévias que eles trazem que,
mesmo consideradas como conhecimento
tácito, podem estar (e a tendência é que
Por um lado, o processo de ensinocontextualizado
reconheçam-nos
limitados
a
como
é
equivocados
determinados
um
ou
contextos,
enfrente o questionamento, coloque-os em
cheque num processo de desconstrução de
conceitos e de reconstrução/apropriação de
outros.
estejam), no plano do senso comum,
constituídos de representações errôneas
acabamos de fazer,
ou equivocadas, ou, ainda, apresentando
proposta
limites como modelo de compreensão
pedagógico. Esta se relaciona intimamente
e de explicação da realidade, restritos a
ao trabalho como princípio educativo, pois
determinados contextos. Se não enfrentada
contribui para a construção da autonomia
essa questão, corre-se o risco de considerar
intelectual do estudante e para uma formação
que
orientada pela busca de compreensão e de
a
simples
sistematização
desse
Suscitados
de
pela
reflexão
que
podemos falar da
pesquisa
como
princípio
11
soluções para as questões teóricas e práticas
em geral e do ensino médio em particular.
da vida cotidiana dos sujeitos. Afinal, formar
Novo, talvez, seja enfrentar tais problemas e
integralmente os estudantes implica não só
desafios num tempo em que a instabilidade
que esses aprendam o significado e o sentido
do mundo e a insegurança da vida individual
das ciências, das tecnologias, das práticas
e social aumentaram significativamente.
culturais etc; mas também que é preciso
Não
fundamentalmente
pessoas
para a classe trabalhadora, a escola e,
para produzirem novos conhecimentos,
especialmente a pública, é a principal, senão
compreenderem e transformarem o mundo
única, fonte do conhecimento sistematizado.
em que se vive.
Não é pequeno, então, nosso compromisso
formar
as
A pesquisa, então, instiga o estudante
esqueçamos
que,
principalmente
ético-político e profissional.
no sentido da curiosidade em direção ao
Como
mundo que o cerca, gera inquietude para que
conhecimento da ciência que ensinamos,
não sejam incorporados “pacotes fechados”
aprendemos
de visão de mundo, de informações e de
e
saberes, sejam do senso comum, escolares
principalmente,
ou científicos. Mas o princípio pedagógico
questionar nossos próprios conhecimentos
da pesquisa está em compreender a ciência
e de criar. Isoladamente talvez consigamos
não somente na dimensão metodológica,
muito pouco. Coletivamente, temos um
mas, também, e fundamentalmente, na
mundo a construir.
perspectiva filosófica. Isto porque é preciso
apreender e discutir as diversas concepções
de ciência para que o estudante possa
se situar nesse mundo e compreender o
sentido que historicamente vem tomando
a produção científica em nosso país.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
somos
professores,
dispomos
metodologias
capazes
de
somos
de
do
ensino
aplicá-las.
capazes
Mas,
de
Certamente não temos as melhores condições
de trabalho, mas o comprometimento éticopolítico de nosso trabalho com a formação
humana é condição para lutarmos por sua
conquista. Nunca teremos uma proposta
curricular nem uma prática pedagógica
pronta, acabada e supostamente ideal. Tratase de um processo permanente que parte do
Nada do que falamos até aqui é propriamente
que se pode fazer, mas que visa poder fazer
novo. Trata-se de questões há muito tempo
o que ainda não se fez.
debatidas, de elaborações já expostas em
outros textos e que focalizam problemas e
desafios históricos da educação brasileira
Boa leitura, bom programa e bom trabalho!
12
REFERÊNCIAS
BRASIL. CNE/CEB. Parecer 5/2011. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
Diário Oficial da União. 24 jan 2012, Seção 1, Pág. 10. Brasília, 2011.
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Médio. Diário Oficial da União. 31 jan 2012, Seção 1, p. 20.. Brasília, 2012.
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In: RAMOS, Marise N.; FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria. Ensino Médio Integrado:
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______________. O currículo para o ensino médio em suas diferentes modalidades: concepções,
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Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2005.
13
Presidência da República
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Básica
TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO
Supervisão Pedagógica
Rosa Helena Mendonça
Acompanhamento pedagógico
Grazielle Bragança
Coordenação de Utilização e Avaliação
Mônica Mufarrej
Fernanda Braga
Copidesque e Revisão
Milena Campos Eich
Diagramação e Editoração
Bruno Nin
Valeska Mendes
Consultora especialmente convidada
Marise Ramos
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Rua da Relação, 18, 4o andar – Centro.
CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ)
Setembro 2013
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