Rev. Bras. Fisiot. V oi. 3, No. 1 (1998)
©Associação Brasileira de Fisioterapia
·Desenvolvimento de um Suporte para
Suspenso-Terapia**
R.T. Gonçalves*
Departamento de Fisioterapia, Univesidade Federal de São Carlos,
Via Washington Luis, km 235, C.P. 676, 13569-905 São Carlos- SP
Recebido: 05.01.98; Aceito: 12.08.98
Resumo: A utilização da técnica de Suspenso-Terapia permite a execução precisa de exercícios
progressivos e facilita o trabalho do fisioterapeuta ao proporcionar a suspensão segura de um membro, enquanto
suas mãos permanecem livres para a execução de procedimentos terapêuticos simultaneamente. A simplificação
do equipamento para suspensão, embora limite sua aplicação às articulações do ombro e quadril, justifica a
retomada da antiga técnica nas regiões do corpo onde outros recursos mecanoterápicos são impróprios ou onerosos.
O projeto procurou atender ainda a necessidade de um equipamento de confecção simples e de baixo custo para
viabilizar sua instalação nos pequenos espaços de uma clínica ou setor de fisioterapia de um hospital geral. Sua
conformação em "L" invertido satisfez os requisitos básicos quanto à forma, dimensão e custo previstos. Sua
instalação em pequenos espaços de diferentes serviços de fisioterapia vem demonstrando a eficiência da técnica
e as vantagens. práticas e econômicas de sua utilização.
Palavras-Chave: bioengenharia, cinesioterapia, suspensão por amarras
Abstract: The use ofSuspension-Therapy allows progressive exercises to be executed precisely
and facilitates the work ofthe physioterapist by allowing his/her hands to be free to conduct therapeutic procedures
while the limb is safely suspended. Simplification ofthe suspension equipment, although limiting its aplication to
the shoulder and hip joints, justifies using this old techinique on the regions of the body where other mechanotherapic means are inappropriate or expensive. The project aimed to establish the need for a simply-manufactured,
low-cost piece of equipament which could therefore be viably installed in a small space in a clinic or physioterapy
department of a general hospital. lts inverted "L" configuration, satisfied the basic requirements regarding its
shape, dimension and expected cost. The installation o f the equipment in small spaces in different physiotherapy
services proved the efficiency o f the sling suspension technique and demonstrated the praticai and economical
advantages ofits use.
Keywords: bioengineering, kinesiotherapy, sling suspension therapy
Introdução
A Suspenso-Terapia (S.T.) é uma técnica especial de
exercícios terapêuticos na qual uma parte ou todo o corpo
do paciente é suspenso por meio de cordas, molas ou polias
que são ligadas a amarras e fixadas em um ponto acima do
corpo por ganchos. Deste modo, os efeitos da gravidade e
do atrito sobre o corpo podem ser modificados ou praticamente eliminados, tornando possível a realização de
movimentos articulares significativos, inclusive em pessoas com grupos musculares demasiadamente fracos 1
Uma demonstração clara da satisfação contínua com
a aplicabilidade da técnica de S.T. através dos tempos são
as freqüentes referências à técnica encontradas na literatura
. I'1zada de d'C
'
2'3 ' 4 ' 56
espec1a
11erentes epocas
' .
Segundo Rocher7 , uma das primeiras pessoas a
chamar a atenção sobre as vantagens que pode se obter das
diferentes montagens dos exercícios em suspensão foi Miss
Guthrie Smith, em 1943. Desde então, sua utilização é
comum nos grandes centros de reabilitação com equipamentos modernos ou com compartimentos gradeados
semelhantes ajaulas, "Gaiolas de Rocher" que permitem a
suspensão total do corpo e o uso conjunto de amarras
*Rui Toledo Golcalves: Rua Marechal Deodoro 2115, apto. 92, centro, 13560-200 São Carlos- SP; Telefone: (016) 2728427.
** Parte da Dissertação de Mestrado apresentada por Rui Toledo Golçalvez ao Programa de Pós-Graduação em Bioengenharia da escola de Engenharia
de São Carlos e a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
2
Rui Toledo Gonçalves
(sling-therapy), molas (spring-therapy), e polias (pulleytherapy).
Entretanto, pelo fato dos cursos de fisioterapia em
nosso meio formarem profissionais que em geral atuam em
pequenas clínicas, há hoje pouca ou nenhuma divulgação
da S.T. em nossas escolas, e conseqüentemente um considerável desconhecimento da técnica e das suas vantagens
pelos especialistas na área em nosso meio.
Paradoxalmente, algumas de suas características a
tornam particularmente vantajosa no que tange ao
tratamento cinesioterápico das grandes art~culações do
paciente ambulatorial tributário de movimentação passiva
e ativo-assistida. Vários autores ao longo do tempo são
unânimes ao afirmar que a utilização da S.T. facilita o
relaxamento, diminui a fadiga e incentiva a auto-ajuda,
além do que o seu custo é muito baixo, favorecendo o início
precoce do tratamento cinesioterápico, inclusive nas
.
d'
... 89.1011
cama d as d e menor po der aqmsJtivo ' ' ' . Prova Isto e
que ao minimizar o atrito e o efeito da gravidade eles se
tornam similares aos exercícios em meio aquático, porém
com uma praticidade bem maior, um custo bem menor, e
com a vantagem de não possuir as contra-indicações clínicas que em geral limitam o uso da hidro-cinesioterapia nas
fases precoces de uma grave lesão ortopédica ou
neurológica.
No que diz respeito à mobilização manual destas
lesões pelo fisioterapeuta, as vantagens na utilização dessa
técnica beneficiam tanto o paciente como o operador. Sua
utilização diminui a apreensão de ambos ao exigir menor
esforço do profissional na manutenção do membro suspenso e ao proporcionar ao paciente o controle absoluto
para ativar ou impedir movimentos que possam ser dolorosos.
Desenvolvimento do Produto
Analisando as consideráveis vantagens de ordem
prática e econômica da técnica e a inadequação dos grandes
equipamentos para suspensão em espaços restritos, pensouse então no desenvolvimento de um novo tipo de suporte
para suspensão de uma parte do corpo que atendesse ao
paciente ambulatorial de pequenas clínicas de fisio12
terapia . Suas dimensões reduzidas, o baixo custo de fabricação e a simplicidade de manuseio possibilitariam ainda
sua instalação em setores de fisioterapia de um hospital
geral, abrigos de idosos ou até mesmo em residências de
pacientes com lesões motoras graves em um ou mais membros do corpo.
O equipamento pretendido teve como requisito básico
ser de fácil instalação em pequenos espaços, de forma a
atender o usuário dos pequenos serviços de fisioterapia em
nosso meiO.
Desta forma, foi feito um levantamento pormenorizado da bibliografia especializada, tanto sobre as carac-
Rev. Bras. Fisiot.
terísticas e especificações técnicas disponíveis dos antigos
suportes existentes, quanto sobre as já comprovadas conseqüências fisiológicas e terapêuticas dos exercícios em
.
- 1'2 '7 . E qmpamen- poss1·b·l·
1 1tad os nestas armaçoes
suspensao
tos mais sofisticados, como os utilizados hoje em grandes
centros de reabilitação, não foram avaliados por não
estarem compatíveis com nosso principal objetivo de desenvolver uma armação simples, de baixo custo e que
pudesse atender basicamente ao paciente ambulatorial de
pequenas clínicas.
Inicialmente, os requisitos julgados necessários para
a construção de um protótipo para os primeiros testes clínicos foram:
• armação leve e facilmente transportável por uma só
pessoa;
• material de baixo custo e acessível no comércio em
geral;
• ausência de fixação externa permanente;
• instalação ou acondicionamento ocupando pequeno
espaço.
O novo produto deveria ainda ser suficientemente
estável e robusto para suportar o peso de um membro do
corpo em movimento e oferecer condições ergonômicas
satisfatórias ao paciente e ao fisioterapeuta.
Estudos preliminares das características e descrições
técnicas dos antigos tipos de armações disponíveis levaram
à conclusão que a armação pretendida poderia ter suas
configurações baseadas na simplificação de qualquer um
12
.
dos antigos suportes estudados . No entanto, um exame
mais detalhado de diferentes desenhos de modelos de armações demonstrou que importantes modificações deveriam ser pensadas para dar estabilidade a um equipamento
que apesar de reduzido atendesse a todas especificações de
funcionamento anteriormente propostas.
Finalmente, o formato em "L" invertido pareceu contemplar a exigência de dimensões viáveis para possível
instalação em pequenos espaços. Entretanto, um problema
que nos parecia insolúvel era poder estabilizá-lo sem nenhuma fixação externa para contemplar a necessidade de
uma eventual remoção do equipamento. Mesmo assim, par'a
iniciar os testes clínicos com segurança, optamos pela construção de um protótipo que embora fixado permanentemente em uma parede nos possibilitaria avaliar os
beneficios terapêuticos da técnica de S.T. em pacientes
ambulatoriais.
O desenho básico da annação consistiu de malhas de
aço aramado e galvanizado que foram incorporadas a dois
painéis retangulares, cujas dimensões eram de
800 x 700 mm, compostos por perfilados de aço com
30 x 19 mm, dispostos perpendicularmente (Fig. 1).
Seu quadro lateral, posicionado verticalmente, possui
quatro prolongamentos que distanciam a fixação do suporte
à parede em 150 mm, possibilitando assim a passagem de
acessórios entre a parede e a armação.
Vol. 3. No. I, 1998
Suspenso-Terapia- técnica alternativa
Figura 1. Foto do protótipo para testes clínicos; (A) Quadro aramado
vertical (Lateral); (B) Quadro aramado horizontal (Superior); (C) Haste
para fixação externa; (D) Mão francesa para posicionamento do quadro
superior.
Fonte: Adaptação de Gonçalves (1993).
3
Posteriormente, o suporte para S.T. sofreu algumas
modificações de forma a tomá-lo ainda mais prático. Seu
peso anteriormente de 23 kg foi reduzido para 8 kg, as mãos
francesas substituídas por traves de apoio e só as braçadeiras (em n de 2 ou 3), conforme exigência de menor ou maior
esforço de tração, são fixadas à parede. Desta forma, a
armação tomou-se removível da parede, permanecendo
fixas à ela somente as braçadeiras (Fig. 2).
Os acessórios utilizados no suporte desenvolvido são
basicamente os mesmos de outras armações com algumas
adaptações em decorrência da especificidade do mesmo.
Compreendem essencialmente os dispositivos comuns para
a ligação entre o suporte e o paciente que são traduzidos nas
eslingas (amarras); cilhas, cintos ou correias ~e diferentes
medidas e modelos; ganchos em S e mosquetões com ou
sem eixo; cordas extensíveis com tensores; polias; molas e
elásticos de diferentes calibres; manoplas e empunhadeiras,
dentre outros 8 .
Resultados
Figura 2. Foto do suporte com modificações para redução de peso. Notar:
(A) Braçadeira única inferior; (B) Trave de apoio am1ada; (C) Acessórios
de suspensão.
O quadro superior mantém-se em ângulo reto e horizontal ao solo por mãos francesas, que deslocadas lateralmente pem1item o desarme do quadro e a manutenção do
mesmo à frente do quadro vertical.
A altura do quadro superior a 2,0 m do chão foi
estabelecida de forma a permitir que um operador de estatura média alcance e modifique com facilidade o engate
das amarras que ligam o membro ao suporte. Esta altura
também é compatível com a acomodação do paciente em
uma maca hospitalar ou em uma cadeira comum sob o
suporte.
Para garantir condições ergonômicas ao operador e a
possibilidade de diferentes montagens para os membros
superiores e inferiores de ambos os lados, observou-se a
localização da armação em uma distância de pelo menos l ,O
m das paredes laterais da sala.
Este novo tipo de suporte toma os exercícios em
suspensão para membros prontamente exequíveis nos locais onde o espaço é restrito. Desde o início dos testes
clínicos com pacientes ambulatoriais, os resultados demonstraram que o novo equipamento é extremamente útil
como instrumentação de apoio no tratamento precoce das
afecções do ombro e do quadril. Sua utilização economiza
tempo e esforço do fisioterapeuta e proporciona aos pacientes condições para o início precoce do tratamento cinesioterápico com baixo custo de operação e manutenção.
Independentemente da patologia, nos casos em que o
objetivo terapêutico é o aumento da amplitude de
movimento e/ou fortalecimento muscular em grupos musculares demasiadamente fracos, a armação desenvolvida
tem facilitado enormemente a execução dos exercícios
terapêuticos passivos e ativo-assistidos.
Entre os resultados observados com sua correta utilização clínica, destacamos:
l) Diminuição da apreensão de pacientes e colegas
quanto a uma dor súbita ou agravamento da lesão, que pode
provir da falta de controle de ambos para ativar ou impedir
um movimento brusco e/ou inadvertido.
2) Diminuição da fadiga geral do paciente ao substituir a necessidade de utilizar grupos musculares para manter
o membro suspenso. O movimento requerido pode assim
ser bem localizado e trabalhado vigorosamente até a fadiga
local. O fisioterapeuta, com as mãos livres, pode melhor
observar e direcionar o movimento.
3) Diminuição da necessidade de supervisão direta do
fisioterapeuta, que após instruções básicas pode se afastar
do paciente para aplicar outras técnicas ou atender outros
casos. O próprio paciente é capaz de controlar o movimento
Rui Toledo Gonçalves
4
e obtendo progressos mensuráveis para si próprio, trabalha
ativamente contra a disfunção.
Atualmente, dezenas de modelos similares desta armação estão sendo utilizados por profissionais em diferentes locais de atendimento fisioterápico da cidade e região,
incluindo professores e estagiários do curso de Fisioterapia
da UFSCar, como alternativa de tratamento cinesioterápico
para pacientes em situações clínicas mais diversas.
Discussão
Os recursos cinesioterápicos usuais (mecanoterápicos, hidroterápicos e auxílio manual) sofrem em algum
momento restrições de uso, tanto do ponto de vista clínico,
prático e econômico. Assim, os exercícios em suspensão
demonstraram ser uma alternativa útil em substituição a
esses recursos, sobretudo nos estágios iniciais do
tratamento cinesioterápico de diferentes patologias em que
há necessidade de mobilizações passivas e ativo-assistidas.
No que diz respeito aos auxílios mecanoterápicos,
parece não haver outras instrumentações de apoio que substituam a técnica de suspensão com tanta versatilidade e
praticidade. Os populares e controvertidos aparelhos "Roda
de Ombro" e "Mesa de Quadríceps" foram projetados principalmente para exercícios ativos e ativos-resistidos e não
assistem adequadamente os exercícios passivos e ativo-assistidos.
Quando o objetivo da utilização de hidro-cinesioterapia, (turbilhão ou piscina) for apenas o de assistir ao
movimento de um membro, o suporte desenvolvido pode
também viabilizar exercícios livres do atrito e do peso da
gravidade. Nesses casos, apresenta vantagens clínicas práticas e econômicas em comparação ao meio aquático. O
turbilhão, por exemplo, nem sempre alcança as articulações
de interesse (ombro e quadril) e uma piscina requer instalações de alto custo, além do que o seu emprepo nem
1
sempre é prático ou acessível para todos 9s casos .
No que diz respeito ao tratamento manual, a utilização
do suporte diminui a apreensão e fadiga em ambos, paciente
e fisioterapeuta, e tem demonstrado ser um meio prático e
seguro para auxiliar a mobilização com baixo custo.
Trata-se portanto de mais um valioso recurso mecanoterápico a se somar na solução dos múltiplos problemas resultantes das afecções das grandes articulações em
pacientes ambulatoriais.
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