Apelação Cível n. 2005.030917-8, de São Joaquim
Relator: Des. Lédio Rosa de Andrade
APELAÇÃO
CÍVEL.
AÇÃO
ORDINÁRIA
DE
REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA NOS ÓRGÃOS
DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. NEGLIGÊNCIA DA
FINANCEIRA NA COBRANÇA DO CRÉDITO. DANO
MORAL CARACTERIZADO. DEVER DE INDENIZAR
CONFIGURADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível
n. 2005.030917-8, da Comarca de São Joaquim (1ª Vara), em que é apelante
Cintia Regina Fonseca Varela Souza e apelada Losango Promotora de Vendas
Ltda.:
ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Comercial, por
unanimidade, dar parcial provimento ao recurso. Custas legais.
RELATÓRIO
Cintia Regina Fonseca Varela Souza interpôs recurso de
apelação cível contra decisão do MM. Juiz de Direito da Comarca de São
Joaquim (1ª Vara), proferida nos autos da ação ordinária de repetição do indébito
c/c indenização por danos morais movida contra Losango Promotora de Vendas
Ltda.
Sobreveio sentença (fls. 114-117), na qual o magistrado
julgou totalmente improcedentes os pedidos formulados na ação principal e
cautelar em apenso, condenando a autora ao pagamento das custas processuais
e honorários advocatícios de R$ 600,00 (seiscentos reais), em ambos os
processos.
Nas razões recursais, a autora suscitou a intempestividade
da contestação. No mérito, postulou a reforma parcial da sentença, para seja
dada procedência ao pedido de indenização por danos morais por inscrição
indevida nos órgãos de proteção ao crédito.
Contrarrazões às fls. 131-137.
VOTO
Repousa a controvérsia em ação de repetição de indébito
cumulada com pedido indenizatório, segunda a qual pretende a recorrente, em
grau de recurso, o reconhecimento do abalo moral sofrido por restrição indevida
nos cadastros de inadimplentes, de débito representado por cartão de crédito.
Da preliminar de intempestividade
Não há falar-se em intempestividade da peça de defesa,
simplesmente, porque da certidão de fl.49 extrai-se que a contestação (fls. 41-45)
foi apresentada via fax dentro do prazo legal, o que foi confirmado por este juízo
ad quem, em consulta ao Sistema Saj de acompanhamento de processos.
Do mérito
Quanto ao pedido de indenização por danos morais, assiste
razão, em parte, à apelante.
Da narrativa inicial retira-se que a apelante adquiriu cartão de
crédito com limite de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) junto à financeira
apelada. Registrou que, apesar ter pago todas as faturas mensais do cartão em
dia, teve seu nome injustamente inserido nos cadastros de proteção ao crédito,
motivo pelo qual pugnou pela condenação da apelada ao pagamento de 100
(cem) salário mínimos, a título de danos morais.
A fim de corroborar suas alegações, a apelante trouxe aos
autos os seguintes documentos:
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(1) à fl. 13, uma fatura mensal do cartão de n.
4417.8306.4929.2017, com vencimento previsto para 11-01-2001, no valor de R$
468,16 (quatrocentos e sessenta e oito reais e dezesseis centavos), e paga em
19-02-2001;
(2) à fl. 14, uma fatura mensal com a discriminação do saldo
anterior do cartão, com vencimento para 11-02-01, no valor de R$ 740,86
(setecentos e quarenta reais e oitenta e seis centavos), a qual constou como
impaga e na qual a controvérsia reside. Nesta última, informou que havia tido um
acréscimo desconhecido de R$ 272,70, (duzentos e setenta e dois reais e
setenta centavos), razão do pedido de repetição de indébito o qual não foi
ratificado em grau de recurso;
(3) à fl. 15, fatura enviada por fax, no valor de R$ 709,38
(setecentos e nove reais e trinta e oito centavos) com vencimento em 16-03-2001
e liquidada em 15-03-2001 (fl. 16);
(4) à fl. 17, outra fatura referente ao mesmo cartão, agora no
valor de R$ 91,76 (noventa e um reais e setenta e seis centavos), com
vencimento para 10-10-2001, sem registro de pagamento;
(5) às fls. 18-20, uma pesquisa cadastral contendo a restrição
do nome da apelante no Serasa, referente ao débito de R$ 91,76 (noventa e um
reais e setenta e seis centavos), suposta última parcela do cartão;
(6) às fls. 21-22, a cópia da liminar concedida na cautelar
ajuizada pela apelante para a imediata retirada do seu nome do rol dos maus
pagadores;
(7) às fls. 23-25, declarações emitidas pelo comércio local
dando conta da negativa devido à restrição no Serasa, com datas de 03-12-2002
e 12-12-2002;
(8) à fl. 31, uma declaração de pessoa física registrando o
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financiamento tomado pela recorrente, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais),
em 05-12-2002.
A restrição do nome da apelante no rol dos maus pagadores
é incontroversa. Basta analisar, portanto, se é devida ou não.
Do cotejo das informações trazidas à baila pela recorrente
com o conjunto probatório carreado, verifica-se que a fatura de R$ 740,86 não foi
paga no vencimento. Houve negociação pelo atraso, e foi emitida nova fatura por
fax, agora perfazendo um total de R$ 709,38, a qual foi paga em 15-03-2001,
dentro do prazo do seu novo vencimento, com um desconto de R$ 31,48 (trinta e
um reais e quarenta e oito centavos).
Foi a partir de então que a apelante acreditou ter adimplido
toda a dívida. Entretanto, na data de 10-10-2001 - 6 (seis) meses após, diga-se! foi surpreendida com a emissão de novo boleto relativo ao cartão de crédito, no
valor de R$ 91,76 (noventa e um reais e setenta e seis centavos) (fl. 17),
contendo o aviso expresso de que, se já tivesse havido a quitação do débito do
cartão, deveria ser desconsiderada a correspondência. É o que foi feito pela
apelante, entendendo que nada mais devia à apelada.
Fato incontroverso nos autos é, também, que não há a
quitação da fatura emitida no valor de R$ 91,76, em 10-10-01. Logo, a apelante
está em inadimplência.
A financeira repele o argumento da apelante, sob a alegação
de que intermediou um crédito, através do Cartão de Crédito Losango n.
4417.8306.4929.2017, por meio do qual a apelante efetuou um saque parcelado,
em 12-09-2001, no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), para pagamento em 8
(oito) parcelas fixas de R$ 208,72 (duzentos e oito reais e setenta e dois
centavos), sendo o vencimento da primeira fatura em 11-10-2001 e da última
previsto para 11-05-2001, tornando-se credora da apelante da importância de R$
1.669,76. Completou que o valor de R$ 91,76 (noventa e um reais e setenta e
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seis centavos) é resultado da composição do saldo devedor com os valores
amortizados pela apelante, desde 11-05-2001, descontados os juros e encargos.
Sob esta ótica, o magistrado entendeu que é absolutamente
legítima a inscrição do nome da autora nos órgãos de proteção ao crédito porque
ela pagou menos do que devia.
Nas razões de decidir, o juiz expôs que das faturas de fls.
13-14, retira-se que a apelante realizou operação denominada "SAQUE B.B 065",
parcelada em oito vezes, de modo que no documento de fl. 13 há referência à
parcela de n. 4 e no documento de fl. 14 à de n. 5, todas com valor igual de R$
208,72 (duzentos e oito reais e setenta e dois centavos).
A parcela de n. 4 foi quitada através da fatura de fl. 13, e na
fatura de fl. 14 houve a soma desta parcela, porque a fatura anterior (fl. 13) foi
paga somente em 19-02-2001, quando já tinha sido emitido o documento de fl.
14, cujo vencimento era dia 11-02-2001.
Concluiu que, antes do pagamento de R$ 709,38 (fl. 15), a
apelante estava em débito ainda com 4 parcelas de R$ 208,72, o que totalizava
R$ 834,88. E descontado o valor de R$ 709,38, ainda restavam a pagar R$
125,50, fora os encargos de inadimplência. Então a importância de R$ 91,76
cobrada pelo documento de fl. 17 só não é devida, bem como muito inferior ao
débito que deveria sido quitado.
Apesar de não existir o pagamento da fatura de fl. 17,
entendo ser devida a indenização por danos morais pela negativação da apelante
e pelo modus operandi de cobrança da financeira. Isso porque não há como
saber ao certo quanto a apelante deve ou se realmente deve.
Ao que tudo indica, a financeira não foi transparente ao
proceder a cobrança do cartão de crédito, além da informação dúbia registrada
na fatura exigida.
Gabinete Des. Lédio Rosa de Andrade
Como o consumidor saberá ao certo quanto deve? Se
realmente deve? O quanto já pagou? Nem mesmo há discriminação dos
encargos. Trata-se de repentino débito exigido 6 (seis) meses depois de uma
renegociação, quando o consumidor pensa já ter saldado toda a dúvida.
A prática contumaz que os autos noticiam é a de que não há
uma informação clara ao consumidor sobre o que está pagando, nem mesmo a
relação superficial do seu débito.
A fatura impaga pela apelante não contém a informação
precisa e inequívoca do quanto deve ou não, além disso, foi enviada meses após
a renegociação da dívida, não mostrando relação nehuma, num primeiro
momento, com algum débito decorrente do cartão de crédito
O que fica claro nos autos é o descaso a que é submetido o
consumidor, já que não houve a exata informação sobre o seu saldo devedor. E
tal fato só vem a contrariar às normas de proteção do Código de Defesa do
Consumidor, sobretudo o princípio da informação, preconizado no art. 6º da
legislação consumerista.
Diante dessa realidade, não há como negar o direito da
apelante ao pagamento de indenização por danos morais devido à negligência da
financeira em seus procedimentos de cobrança, o que culminou com a sua
inscrição indevida nos cadastros restritivos de crédito.
Em relação aos danos morais, inegável o sofrimento e
angústia sofridos pela recorrente, justificando o dever do apelado de indenizar-lhe
o abalo moral suportado. Assim, condena-se o apelado ao pagamento do valor
de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser atualizado desde a data do evento danoso,
com juros de mora, na forma prevista pelo artigo 1.062 do CC/16 até o início da
vigência da CC/02, quando então passa a incidir o índice estabelecido pelo artigo
406 do novo diploma, o qual corresponde à Taxa SELIC. A correção monetária
também incide a partir do evento danoso (efetivo prejuízo) e deve ser alcançada
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mediante a aplicação de índice que reflita a variação de preços ao consumidor, a
teor da atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Edcl no Resp
1077077 / SP. Min. Sidnei Beneti. Terceira Turma. DJe 05/06/2009).
Isso porque pior do que a chamada indústria do dano moral é
a indústria de acinte e desrespeito ao consumidor. O valor do dano deve
recompensar a ofensa sofrida e, ainda, ter a função pedagógica de impedir a
reincidência.
Por fim, os ônus sucumbenciais merecem reforma com o
parcial provimento do apelo, de forma a caracterizar a sucumbência recíproca
das partes. Por conseqüência, condenam-se ambas as partes aos rateio das
despesas processuais e honorários advocatícios, devendo a financeira e a
apelante arcarem, cada qual, com os honorários de R$ 300,00 (trezentos reais).
Por tais razões, dá-se parcial provimento ao recurso, para
reconhecer a ilegalidade da restrição do nome da apelante no rol dos maus
pagadores, com a declaração de inexistência de débito, e condenar a agência
financeira apelada ao pagamento do valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a
título de indenização por danos morais.
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, a Quarta Câmara de Direito
Comercial decidiu, por votação unânime, dar parcial provimento ao recurso para
reconhecer a ilegalidade da restrição do nome da apelante no rol dos maus
pagadores, declarar a inexistência de débito, e condenar a financeira apelada ao
pagamento do valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de indenização por
danos morais. Os ônus sucumbenciais ficam redistribuídos, para condenar
ambas as partes aos rateio das despesas processuais e honorários advocatícios,
arbitrados em R$ 300,00 (trezentos reais) para a financeira e para apelante.
Participaram do julgamento, realizado em 16 de junho de
Gabinete Des. Lédio Rosa de Andrade
2009, os Exmos. Srs. Des. João Henrique Blasi e José Inácio Schaefer.
Florianópolis, 26 de junho de 2009.
Lédio Rosa de Andrade
PRESIDENTE E RELATOR
Gabinete Des. Lédio Rosa de Andrade
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Apelação Cível n. 2005.030917-8, de São Joaquim Relator: Des