OS AUTOS DE FÉ NO MANUAL DOS INQUISIDORES
Vanessa da Silva NASCIMENTO.
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No processo de expansão da religião cristã, o demônio tornou-se um personagem
determinante. No discurso da Igreja, o bem e o mal estavam em oposição, lutando para
assumir a condução de vida dos homens. Destacando os perigos do mal, a Igreja
esperava atrair as populações para o “bem”, ou seja, esperava mantê-las sob sua
dominação. A Igreja imprimiu uma “pedagogia do medo”, oferecendo à sociedade duas
opções: o paraíso - destinado àqueles que a seguissem obedientes; e, o inferno - para
onde seriam mandados os desobedientes. O homem medieval esteve, pois, no meio da
disputa entre Deus e o diabo, o Bem e o Mal. Como observa Delumeau,
Estas duas categorias se acham interpenetradas e confundidas no mental coletivo, e os
esforços da catequese através de uma ‘didática do medo’ emprestam a Satã uma
importância capital, engendrando o aparecimento de um prazer estético com o Mal.[1]
O discurso da Igreja relacionava os males sofridos pelas populações - guerras,
pestes, miséria - à repreensão divina. O pecado atraía a fúria divina, que castigava os
povos pelos erros cometidos. Lutar contra os agentes do mal significava, pois, defender
a sociedade: “Desmascarar Satã e seus agentes e lutar contra o pecado era diminuir
sobre a terra a dose de infortúnios de que são a verdadeira causa”.[2]
A sociedade vivia em constante alerta. Cada pessoa estava sob vigilância. Era
preciso identificar os agentes do mal e puni-los. Segundo Nogueira, é pela purgação das
culpas coletivas que se conseguiria a expulsão do mal: “Ao sacrificar-se alguns de seus
membros, a comunidade procura ‘purificar-se’ e assim, manter a sua integridade e a
sua sobrevivência.”[3] Nessa perspectiva, o medo e a perseguição às crenças e práticas
religiosas divergentes ganham sentido: “o medo explica a ação persecutória em todas
as direções, conduzidas pelo poder político religioso na maior parte dos países da
Europa no começo da Idade Moderna”.[4] Foram objeto de especial atenção pelas
autoridades eclesiásticas do final da Idade Média as várias formas de expressão
religiosas divergentes, inseridas na dinâmica da luta entre o bem e o mal.
Frente a essas crenças e práticas, a atitude da Igreja, a principio, era de
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diversidade na Antiguidade e no Medievo.
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aproximação: perdoava, impunha algumas penas corretivas, no intuito de manter a
unidade e a ordem. Mas, com o advento dos grandes movimentos heréticos, nos séculos
XII e XIII, a Igreja já não podia aceitar qualquer contestação. Ela era a detentora da
verdade e a verdade não poderia ser questionada. O princípio da unidade religiosa
precisava ser mantido e respeitado. Sob a justificativa da necessidade, imposta pelas
heresias, de recrudescimento do combate contra o mal, insere-se a criação do Tribunal
do Santo Ofício da Inquisição. Em nome da “verdade” - da qual era a única guardiã - a
Igreja, associada aos Estados nascentes, perseguiu, processou e condenou. Como
salienta Gonzaga,
Através da Inquisição, unem-se mais fartamente os dois poderes e reafirma-se a
doutrina política baseada na idéia das ‘duas espadas’: a da Igreja e a do rei,
delegadas ambas por Deus para o exercício da autoridade nas duas esferas, espiritual
e temporal, com supremacia da primeira. Tanto a justiça comum como a canônica,
devem trabalhar conjugadamente, somando esforços no sentido de manter a fé a ordem
e a moralidade públicas.[5]
A união entre os dois poderes se justifica pela possibilidade de os hereges
extrapolarem o âmbito religioso e passarem a representar um perigo para o reino
temporal:
Estando a vivência da fé profundamente relacionada com a ordem social, a Inquisição
se torna um sinal da aliança entre o poder eclesiástico e o poder civil na perseguição aos
hereges, cuja existência era considerada perigosa para a sobrevivência da sociedade, de
tal modo que o Estado via nos movimentos heréticos um berço de revolucionários e
traidores em potencial, que poderiam minar a fé da Cristandade e, conseqüentemente, a
ordem social.[6]
De Bingemer tomamos a definição das tarefas da Inquisição: “a busca, a
investigação, a indagação sobre tudo o que poderia girar em torno da heresia e seitas
que pareciam perigosas.”[7]
Dentre os textos orientadores dos clérigos envolvidos com essas tarefas destacase o Manual dos Inquisidores, de Nicolau Eymerico, elaborado com o objetivo de
nortear as ações dos inquisidores no desempenho de suas atribuições.[8]
O texto é apresentado em capítulos que versam sobre vários aspectos do
processo inquisitorial, As discussões teóricas sobre a fé e sobre o papel da Igreja, única
instituição com legitimidade para interpretar a realidade e as verdades da fé, estão
associadas a recomendações de caráter prático para os inquisidores. No discurso de
Eymerico, a autoridade da Igreja é um legado de Deus e as heresias constituem um
grave perigo. Por isso, a intolerância e o combate severo às dissidências: “Para
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autoridades políticas, a diversidade publicamente manifesta - afastada em relação à
norma - pareceu a conduta condenável por excelência, a fonte de todas as
desordens”.[9]
O Manual instruía o combate enérgico às heresias. Seus autores, como sublinha
Leonardo Boff, dedicaram-se a justificar as práticas inquisitoriais e fornecer uma base
teológica para a Inquisição. Era necessário explicar, provar a boa razão do procedimento
e legitimar a atuação dos inquisidores. Baseado em vasta documentação - textos
bíblicos, conciliares, pontifícios, imperiais - o Manual contribui para dar à inquisição
uma coerência doutrinária e uma legalidade jurídica
O combate às heresias significava o combate a todo o mal e a promoção do bem
estar da sociedade. Os privilégios concedidos ao Tribunal estão associados à gravidade
dos crimes contra os quais estava a combater - crimes de lesa-majestade divina:
Ora, o maior perigo possível para a sociedade é deixar em liberdade aqueles que
cometem crime de ”lesa-majestade divina”. Pois Deus se vinga dos atentados à sua
honra sobre a coletividade. Daí a necessidade de punir os culpados.[10]
A delação era forma mais usual para se “formar causa” em torno da heresia. As
pessoas eram convencidas a delatar qualquer suspeito, por menor que fossem os
indícios. É como se houvesse um clima de desconfiança geral, onde todos eram
suspeitos e vigiavam uns aos outros. Os depoimentos tinham grande peso no processo:
“[...] a prática e a opinião de quase todos os doutores deixam faculdade ampla aos
inquisidores para condenar o réu pela declaração só de duas testemunhas abonadas.”
[11]
Os delatores recebiam garantia de sigilo e preservação. O Santo Ofício aceitava
testemunhos de excomungados, cúmplices do acusado, e réus de qualquer delito;
entretanto - destaque-se - apenas se fossem contra o acusado. Também mulheres e
filhos, parentes e criados poderiam testemunhar, desde que não o favorecessem.
O capítulo que define as regras para o interrogatório do réu é um dos mais
detalhados. O autor indica cada passo a ser seguido pelo inquisidor, exortando-o a
manter a maior rigidez possível: “nunca haverá de sobra a prudência, circunspeção e a
dureza do inquisidor no interrogatório do réu”.[12]
O autor admite a possibilidade de defesa do acusado, mas utiliza sua experiência
como inquisidor para alertar sobre os “expedientes ardilosos” dos quais os hereges se
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valem. Enumera como qualidades de um bom inquisidor a cautela e sagacidade e
fornece aos inquisidores meios para revidar as ofensivas contra a verdade. Até os
excessos são justificados pela defesa plena da fé.Argumenta que quando o herege age,
está errando, pois o faz com maldade, enquanto o inquisidor está perdoado de qualquer
erro por defender a fé: “existem ardis de duas espécies, umas como finalidades
maléficas e que são elícitas e outras saudáveis e prudentes, usadas para averiguar a
verdade – estas são meritórias”. O interrogatório parece um “jogo”, onde inquisidor e
acusado - ou bem e mal - se enfrentam.
Na parte relativa à “Defesa do Réu”, o autor diz que a confissão “basta por si só
para condená-lo”. Ao acusado não é permitido advogado “se não negar os delitos que
lhe são imputados”. O capítulo V do Manual dos Inquisidores trata daquele que talvez
seja o ponto mais visado e mais polêmico de todo o procedimento dos tribunais
inquisitoriais: a Tortura: “É dado tormento ao réu para apressar a confissão dos seus
delitos.” Os inquisidores têm liberdade para torturar os réus, com o objetivo de
conseguir a confissão, embora o autor admita que “a tortura não é um meio infalível
para apurar a verdade”.[13]
Não são descritos métodos ou objetos de tortura: “Como o direito canônico não
descreve esta ou aquela tortura em particular, podem os juízes lançar mão das que
parecem mais convenientes para pressionar o réu a confessar o delito, de uma vez que
não sejam torturas desusadas.”[14]
O Manual expõe, ainda, os castigos e condenações possíveis, explica os casos
em que deveriam ser aplicadas as várias penalidades e defende a autonomia do
inquisidor para mudar a pena, tornando-a mais ou menos rigorosa. Mesmo quando
absolvido, o réu não era considerado definitivamente inocente, pois eram todos
passíveis de culpa.
Os castigos que aplica a inquisição são a purgação, a abjuração em caso de
suspeita de heresia e as penitencias conseqüentes, as condenações pecuniárias, que são
as multas e confiscações de bens, privação do oficio e cargo, a prisão perpétua e a
fogueira.[15]
A pena pecuniária ganha destaque. Os réus de heresia perdiam tudo quanto
possuíam; as famílias também ficavam penalizadas, pois eram deixadas na mais
absoluta miséria. Os inventários eram extremamente minuciosos. Até as coisas mais
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insignificantes - os móveis, utensílios domésticos, roupas usadas - tudo era declarado
(devia ser declarado) e confiscado. Os valores reais, exatos, não são nem podem ser
conhecidos; mas, a partir dos inventários é possível ter uma vaga noção da dimensão
desse valor. Os processos em defesa da fé, como salienta Novinsky, foram bastante
lucrativos.[16] O autor do Manual justifica os confiscos:
Sendo a mais proveitosa entre todas as obras pias a existência e perpetuidade da
inquisição, não se admite dúvida que se possam aplicar as multas de acordo com a
necessidade e o sustento dos inquisidores e família [...] Deve-se reverter estas multas
em obras pias, como é a manutenção e o decoro do Santo Ofício.[17]
Os hereges eram punidos, pois, de maneira exemplar - “com a privação de todo
emprego, oficio, beneficio e cargo se junta todo o poder, seja qual for”[18] - e também
seus filhos, perdiam todos e quaisquer direitos: “A compaixão com os filhos do
delinqüente que precisarão pedir esmolas não pode suavizar esta severidade, pois pelas
leis humanas e divinas os filhos devem ser castigados pelas culpas de seus pais”. [19]
Os inquisidores deveriam ser implacáveis. O rigor da condenação chega a tal
ponto que, se um condenado conseguisse fugir, seria queimado simbolicamente, em
estátua. A compaixão precisava ser suplantada pela lei e pela defesa da fé e mesmo
depois da morte do pecador, a punição deveria ser exemplar:
Depois da morte do herege, pode-se confiscar os bens que possuía, privando de todas
as maneiras os herdeiros, ainda que a condenação venha a ser depois de seu
falecimento. Posto que seja regra inconcussa do direito civil, que com a morte cesse
toda ação criminal, não vale esta lei em causa de heresia por ser considerado um delito
tão grave.[20]
A pena de prisão perpétua era imposta, principalmente, aos hereges arrependidos
e não relapsos e a pena mais severa era a entrega dos condenados pela inquisição ao
“braço popular”. De acordo com o Manual, deveriam receber esta pena,
primeiro, os relapsos arrependidos; segundo, os não relapsos pertinazes; terceiro, os
hereges pertinazes e relapsos; quarto, os hereges negativos, isto é, os que empenham
em negar, mesmo havendo provas do seu delito, e quinto, os hereges rebeldes.[21]
A pena extrema, a da execução, não era, pois, cumprida pela Igreja. Esta “não
pronunciava a pena máxima, limitava-se a afirmar a existência do crime que a merecia e
a inutilidade de seus esforços para obter o arrependimento do culpado. Isso feito,
entregava o réu à justiça, comum, ou seja, ao braço secular, que iria executá-lo.[22]
Essa atribuição de responsabilidades é necessária, segundo Bethencourt, pois a prática
de condenação à morte era vetada aos clérigos pelo direito canônico:
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Daí o artifício de “relaxar” o excomungado à Justiça secular, que reconhecia a
validade do processo inquisitorial, aceitando suas conclusões e ordenando
imediatamente a execução da pena capital.[23]
Mas, como destaca o Manual, os juizes seculares estavam submetidos às regras
do processo inquisitorial:
Alguns jurisconsultores têm sustentado que podiam os Juizes populares, a quem foi
entregue o réu, não sentenciá-lo à pena ordinária, porém todos os cronistas refutam
esta opinião fundamentando-se nas constituições dos Sumo Pontífices Bonifácio Vlll,
Urbano lV e Alexandre lV. Assim, se os Juizes dilatassem o suplício dos réus, os que
são culpados de tamanho delito serão reputados como fatores da heresia e perseguidos
como tais.[24]
A Igreja, pois, não executava “com as próprias mãos”, mas exigia da justiça
comum o cumprimento do seu Juízo. E orientava quanto aos métodos de execução, sua
eficácia e propriedade. O Manual veta, por exemplo, os métodos de execução que
impliquem em derramamento de sangue: “Tenha-se muito em conta de não omitir essa
súplica dos inquisidores ao Juiz popular, de que não se derrame sangue humano, para
que eles não incorram em irregularidade”.[25] E orienta:
Ninguém duvida que os hereges devam ser castigados com pena capital, mas se
pergunta que suplícios usar. Alfonso Castro crê que importa pouco se morreram
a ferro, a fogo, ou de qualquer modo, porém o Cardeal De OSTIA,
GORDOFREDO, COVARRUBIAS, SIMANCAS, ROXAS e outros, levam que
é indispensável, de necessidade absoluta que sejam queimados, porque como diz
muito bem o primeiro, o tormento do fogo é a pena natural de heresia.[26]
Os inquisidores deveriam acompanhar todo o desenrolar do processo,
“tutelando” o acusado desde a entrega à justiça secular até a sua execução. No Manual,
o capítulo XlV é exclusivamente dedicado ao ato de entrega dos condenados ao braço
secular:
Passados alguns dias, em que os réus se disporão por bem morrer, avisarão os
inquisidores aos Juizes populares que em tal dia, a tal hora e em tal lugar serão
entregues tantos hereges e se convocará o povo para a cerimônia na qual se
pronunciará um sermão sobre a fé e ganharão os assistentes as indulgências de
costume.[27]
Mesmo após a condenação, a conversão do pecador, seu arrependimento diante
da ofensa contra Deus, continua sendo base do discurso e da prática da Igreja, que não
desiste do pecador, tenta recuperá-lo. O acompanhamento se prolongava até o momento
próximo à execução:
Assim que o réu tenha sido entregue aos Juizes populares, estes pronunciam a sentença
e imediatamente é levado para o local do suplício, acompanhado de homens pios que
rogarão a Deus pela sua alma, e não o deixarão até que ele esteja diante do tribunal do
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Justo Juiz.[28]
A execução era um momento privilegiado de catequese, de convencimento,
ainda que pelo medo. Nesse momento era pronunciada uma pregação: “Se pronunciará
um sermão sobre a fé”. A cerimônia do Auto de fé é um momento extremo, é a
solenidade por excelência. A importância da participação do povo é destacada: “Me
parece muito aceitado celebrar esta solenidade nos dias festivos, sendo proveitoso que
muita gente presencie o suplício e o tormento dos réus para que o medo os retraia do
delito”. [29]
A sua eficácia é posta em evidência: Este espetáculo penetra de terror os
presentes, apresentando-lhes a tremenda imagem do juizo final e deixando nos peitos
um sentimento saudável, o qual produz portentosos efeitos.[30]
Mas algumas precauções deveriam ser tomadas. Os condenados, “além de
serem queimados vivos, será tomada a precaução de corta-lhes a língua ou coloca-lhes
mordaça, para que, com suas blasfêmias não escandalizem aos circunstantes.[31] E,
fundamentalmente, nenhuma clemência deve ser ofertada ao pecador:
Hoje não está em prática a clemência com os hereges que se convertem depois de
entregues ao Juiz popular, porque se presume que a sua conversão não é devida a dor
de ter ofendido a Deus, mas ao medo das chamas que se convertem, o mais seguro é
executá-los.[32]
O excesso de zelo na defesa da verdade justifica, inclusive, a condenação de
inocentes:
Por último, no caso de que seja Condenado injustamente algum inocente, não pode se
queixar do juízo da Igreja que procedeu em virtude de provas suficientes e não penetra
nos corações e se for condenado por falsas testemunhas, há de ouvir com resignação a
sentença e parabenizar-se por estar morrendo pela verdade.[33]
A Igreja parece ter feito uma escolha: entre apresentar os frutos da bondade e da
obediência ou exibir as penas e os sofrimentos que recaem sobre os desobedientes,
praticantes do mal, a ação e o discurso eclesiástico elegem a segunda opção. É pelo
medo que se busca converter.
Pela solenidade do Auto da fé, em praça publica, a Igreja dá exemplos diretos
à população, para que esta não cometa erros, não se desvie do caminho da verdade:
o objetivo fundamental da Inquisição era garantir a aceitação da uniformidade de
opinião e crenças religiosas. O auto de fé representava a liturgia dessa afirmação
ortodoxa. Literalmente, a representação dramática da fé e da perversidade de seus
desvios, carregada de extraordinária carga psicológica, constituída a expressão
pública de penitência do pecado e de ódio a heresia.[34]
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Os autos de fé eram, na verdade, uma grande encenação, com atores “reais”,
vivenciando cenas “reais”, decisivas em suas vidas, mas era uma encenação. A sua
execução está prevista como um componente importante do processo inquisitorial e
ocupa uma parte importante do texto do Manual dos Inquisidores.
O Manual não é um texto dirigido ao povo. É didático porque instrui os
inquisidores, mas não se destina à catequese - no sentido de educação religiosa. E não
nos permite vislumbrar a forma como os Autos de fé eram recebidos pelos seus
participantes e espectadores. Mas permitem visualizar mais um dos aspectos
fundamentais da ação da Igreja na Idade Média, da sua ação pedagógica e do
desenvolvimento de seu discurso.
Cada momento do Auto de fé é minuciosamente pensado, tinha uma razão ou
objetivo e estava calcado em orientações de natureza litúrgica e jurídica. Todo o ritual
estava eivado de significados e mensagens diretas e indiretas. Como todas as ações da
Igreja, era regulado por normas que davam àquele momento uma unidade. Os Autos de
Fé eram, portanto, grandes espetáculos por meio dos quais a Igreja buscou exibir e
fortalecer a sua autoridade, o seu poder, sobre toda a sociedade.
[1] DELUMEAU, J. História do Medo no Ocidente. São Paulo: Cia das Letras, 1989.
Op. cit. p. 165.
[2] DELUMEAU, J. Op. cit. p. 32.
[3] NOGUEIRA, C. R. F. Bruxaria e História. São Paulo, 1991. p. 82.
[4] DELUMEAU, J. Op. cit. p. 394.
[5] GONZAGA, J. B. A Inquisição em Seu Mundo. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 98.
[6] BINGEMER, M. C. L. Violência e Religião – Cristianismo, Islamismo,
Judaísmo: Três religiões em confronto e diálogo. Rio de Janeiro: Ed. PUC – Rio; São
Paulo: Loyola, 2001. p. 161.
[7] BINGEMER, M. C. L. Op. cit. p. 161.
[8] Escrito por Nicolau Eymerico, em 1376, o manual foi revisado e ampliado em 1578
por Francisco de La Peña foi. Com relação ao autor e seu revisor, explica Boff, no
prefácio ao Manual: “trata-se de dois dominicanos, um do século XIV e outro do século
XVI, peritos em jurisprudência e teologia [...] A importância deles reside no fato de
ambos procederem a uma grandiosa codificação das práticas e das justificativas
(teologias e ideologias) acerca do controle das doutrinas na Igreja que culminaram na
instituição da Inquisição. (Prefacio a EYMERICH, Nicolau. Directorium
Inquisitorum. Manual dos Inquisidores: Comentários de Francisco Peña. Rio de
ANAIS do III Encontro Estadual de História: Poder, Cultura e Diversidade – ST 06 – Poder, cultura e
diversidade na Antiguidade e no Medievo.
8
Janeiro: Rosa dos Tempos; Brasília: Fundação Universidade de Brasília, 1993. p. 12).
[9]
DELUMEAU, J. Op. cit. p. 394.
[10] DELUMEAU, J. Op. cit. p. 397.
[11] EYMERICO, N. Manual da Inquisição. Curitiba: Juruá 2001. p. 23.
[12] EYMERICO, N. Op. cit... p. 30.
[13] EYMERICO, N. Op. cit..p. 46-47.
[14] EYMERICO, N. Op. cit... p. 50.
[15] EYMERICO, N. Op. cit... p. 59.
[16] NOVINSKY, Anita Waingart. Inquisição. Inventários de bens confiscados a
cristãos novos. Fontes para a história de Portugal e Brasil. Imprensa Nacional.
[17] EYMERICO, N. Op. cit... p. 67.
[18] EYMERICO, N. Op. cit... p. 74.
[19] EYMERICO, N. Op. cit... p. 68
[20] EYMERICO, N. Op. cit... p. 69.
[21] EYMERICO, N. Op. cit... p. 85-86. Chama-se relapsos àqueles que sustentam esta
ou aquela opinião herética, de que já havia sido julgados convictos e que haviam
abjurado e herege negativo ao herege convicto com provas suficientes, que se empenha
em negar o seu delito.(Idem p. 94).
[22] GONZAGA, J. B. Op. cit. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 87.
[23] BETHENCOURT, F. Op. cit. p. 254.
[24] EYMERICO, N. Op. cit. p. 90.
[25] EYMERICO, N. Op. cit. p. 89
[26] EYMERICO, N. Op. cit. p. 91.
[27] EYMERICO, N. Op. cit. p. 88
[28] EYMERICO, N. Op. cit. p. 90.
[29] EYMERICO, N. Op. cit. p. 91.
[30] EYMERICO, N. Op. cit. p. 91.
[31] EYMERICO, N. Op. cit. p. 97.
[32] EYMERICO, N. Op. cit. p. 92.
[33] EYMERICO, N. Op. cit. p. 95.
[34] NOGUEIRA, C. R. F. Op. cit.. São Paulo, 1991. p. 85.
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diversidade na Antiguidade e no Medievo.
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