CEFAC
CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA
MOTRICIDADE ORAL
DISTÚRBIOS DA DEGLUTIÇÃO
NA INFÂNCIA
WALMARI PILZ
PORTO ALEGRE
1999
CEFAC
CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA
MOTRICIDADE ORAL
DISTÚRBIOS DA DEGLUTIÇÃO
NA INFÂNCIA
Monografia de conclusão do curso de
especialização em Motricidade Oral
Orientadora: Mirian Goldenberg
WALMARI PILZ
PORTO ALEGRE
1999
1
RESUMO
Os distúrbios da deglutição, também chamados de disfagias, nem sempre são
de fácil diagnóstico, e as seqüelas respiratórias
são as manifestações mais
significativas e importantes desta alteração.
O objetivo deste estudo é trazer informações que possam auxiliar tanto no
diagnóstico como no manejo de crianças com disfagia. Para isso é feita uma análise
do mecanismo da deglutição, detalhando todo o processo normal e destacando as
manifestações clínicas das alterações que podem ocorrer nesse processo.
São abordados alguns procedimentos e orientações realizados no setor de
Pneumologia do Hospital da Criança Santo Antônio. Esta condutas têm se mostrado
eficazes na tentativa de diminuir e/ou evitar os riscos de aspiração que estas
crianças possuem, considerando que apresentam alterações na respiração, o que
compromete, muitas vezes, a coordenação entre deglutição e respiração necessária
para uma alimentação segura.
Como não se detém em técnicas específicas da fonoaudiologia, este estudo
pode auxiliar profissionais de diversas áreas, possibilitando melhor compreensão e
conseqüentemente uma atuação mais efetiva nos distúrbios da deglutição.
2
ABSTRACT
Swallowing disorders, also called dysphagias, are not always easily
diagnosed. Effects on the respiratory system are the most significant manifestations
of this malady.
This study aims to provide information that can assist not only in diagnosising
but also in dealing with children with dysphagia. Thus, an analysis is done of the
swallowing mechanism, detailing the normal process and noting any clinical evidence
of abnormalities that may occur.
Some procedures and guidelines from the Pneumologia ward of the Santo
Antonio Children’s Hospital are described. They have showed effective in reducing
and/or preventing aspiration risks that these children run, considering the breathing
disorders they have, which often interferes with the coordination between swallowing
and breathing that is necessary for safe food intake.
As it does not restrict itself to specific speech pathology techniques, this study can
help professionals in a variety of areas, enabling better understanding and
consequently a more effective approach to swallowing disorders.
3
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 1
DISCUSSÃO TEÓRICA ................................................................................ 3
1. Desenvolvimento oromotor normal e da alimentação .. .......................... 3
2. Fases da deglutição ............................................................................... 8
2.2 Fase preparatória ................................................................................... 8
2.3 Fase oral ................................................................................................ 8
2.4 Fase faríngea ......................................................................................... 9
2.5 Fase esofágica ..................................................................................... 11
3.
A interferência das drogas no processo da deglutição ....................... 14
4.
Classificação das disfagias ................................................................. 18
5.
Aspiração como conseqüência dos distúrbios de deglutição ............... 22
6.
Atuação nos distúrbios da deglutição ................................................. 27
6.1 Levantamento dos fatores indicativos ................................................ 27
6.2 Avaliação clínica ................................................................................. 28
6.3 Orientações e procedimentos para uma deglutição segura ................ 29
6.4 Sucção não-nutritiva ........................................................................... 35
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 37
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 41
4
INTRODUÇÃO
Na deglutição participam várias estruturas com o objetivo de transportar
alimentos e secreção da boca até o estômago. O adequado funcionamento deste
mecanismo é essencial para a saúde humana.
Parte do trajeto que o alimento faz é também passagem do ar. Sendo assim, é
necessário que todos os elementos
envolvidos estejam trabalhando de forma
equilibrada e em perfeita sintonia. Qualquer alteração pode comprometer a eficácia e
segurança da deglutição.
A atuação
fonoaudiológica
nos distúrbios da deglutição vem ganhando
destaque nos últimos anos e tem marcado forte presença junto aos profissionais de
outras áreas, num trabalho interdisciplinar.
Em Porto Alegre estamos no início desta jornada, pois ainda é pequeno o
número de hospitais que oferecem atendimento fonoaudiológico aos seus pacientes.
Conseqüentemente, são poucos os profissionais da saúde que sabem da
importância e necessidade do trabalho do fonoaudiólogo no restabelecimento da
deglutição.
Nestes três anos de atuação hospitalar, tenho observado que, pela falta de um
conhecimento mais amplo e, ao mesmo tempo, detalhado da deglutição, crianças
são expostas ao risco de aspiração durante a alimentação. Por outro lado, muitas
delas deixam de se beneficiar das vantagens da alimentação via oral pela ausência
de estimulação e/ou orientação adequadas.
Considerando estes aspectos, a proposta deste trabalho é apresentar uma
revisão bibliográfica que contemple os temas relacionados à deglutição. Para isso,
inicio apresentando o desenvolvimento das funções orais envolvidas na alimentação
5
para então detalhar a deglutição. Cada fase do processo normal é separado e
caracterizado, destacando as manifestações clínicas da disfagia e a interferência
das medicações.
As classificações das disfagias também são relacionadas e servem como
auxílio na definição e compreensão do tipo e grau das alterações. Outros assuntos
revisados são as características e conseqüências das aspirações decorrentes dos
distúrbios da deglutição.
Alguns procedimentos e orientações realizados no setor de Pneumologia do
Hospital da Criança Santo Antônio, com pacientes portadores de distúrbios da
deglutição, são descritos e fundamentados teoricamente na bibliografia consultada.
Este trabalho não pretende abordar técnicas fonoaudiológicas específicas
para o manejo das disfagias, mas fornecer elementos que possam informar e auxiliar
os profissionais de diversas áreas, como médicos, fisioterapeutas, nutricionistas,
enfermeiros, etc, que atuam com pacientes disfágicos, especialmente crianças.
6
DISCUSSÃO TEÓRICA
1. DESENVOLVIMENTO OROMOTOR NORMAL E DA ALIMENTAÇÃO
Os primeiros movimentos de deglutição e sucção podem ser observados já
durante a vida fetal. Segundo Arwedson, Brodsky & Rogers (1993), é entre a 10ª e
11ª semanas de gestação que pode-se perceber o início dos movimentos de
deglutição. Já a sucção tem seu aparecimento por volta da 18ª e 24ª semanas.
Porém, apesar do aparecimento precoce destas funções, é somente após a 34ª
semana que há
coordenação entre sucção-deglutição-respiração (S-D-R), tão
necessária para uma alimentação eficaz e segura. É também neste período que o
feto alcança a quantidade necessária de gordura que possibilita uma alimentação
normal.
Quando o bebê a termo nasce, está pronto para sugar, pois apresenta um
conjunto de estruturas que, embora sejam semelhantes às do adulto, possuem
diferenças anatômicas e funcionais que são fundamentais para um bom
desempenho durante a alimentação. O bebê apresenta ainda reflexos orais que
auxiliam na alimentação (busca e sucção) e na defesa (Gag ou reflexo de vômito e
mordida). Além disto, é neurologicamente organizado e possui coordenação ritmada
entre S-D-R.
Para que o bebê possa se alimentar de forma segura, é preciso que a
respiração e a deglutição ocorram de forma coordenada. Na bibliografia consultada
há diferentes posições quanto à ocorrência ou não de pausa respiratória durante a
deglutição. Em estudos realizados por Wilson, Thach, Brouillette & Obu-Obsa (1981)
foram medidos o esforço respiratório das crianças e o fluido nasal durante
deglutições espontâneas. Os achados demonstram que a deglutição sempre
7
coincide com uma pausa na respiração, que dura aproximadamente um segundo e
não varia com as mudanças no ritmo respiratório.
Para Stevenson e Allaire (1991), os tipos de respiração variam de acordo
com a idade e o desenvolvimento do lactente. Com um mês de vida, os bebês
realizam duas ou mais sucções antes de fazer uma pausa para respirar ou deglutir.
Aos poucos, vão aumentando o grupo de sucções espaçando mais as pausas,
parando a respiração durante o estágio faríngeo da deglutição. Os autores salientam
também que a respiração dos lactentes é obrigatoriamente nasal, devido ao
tamanho da cavidade oral e ao fato da língua ocupar todo o espaço intra-bucal.
Arvedson, Brodsky & Rogers (1993) concordam quanto à presença da
respiração nasal em quase todos os recém-nascidos, porém afirmam que a
deglutição pode ocorrer sem a interrupção da respiração, devido a grande
aproximação entre o palato mole e a epiglote - o líquido passaria lateralmente ao
vestíbulo faríngeo. Acrescentam ainda que este tipo de funcionamento perdura até
aproximadamente quatro a seis meses de vida, quando há mudanças anatômicas
com o crescimento da face e na posição da laringe, além da modificação dos
padrões alimentares e o início da fonação.
Xavier (1998) descreve que, em alguns casos, as dificuldades na
coordenação entre sucção, deglutição e respiração podem não ficar evidentes nos
primeiros meses de vida do bebê, pois ele funciona basicamente em nível reflexo e a
anatomia facilita o desempenho. Porém, com o crescimento e as modificações que
ocorrem na cavidade oral, há necessidade de uma perfeita coordenação entre todas
as estruturas envolvidas. Quando isto não acontece, é grande o risco de aspirações
e, então, é preciso suspeitar que possa haver alterações neurológicas que estejam
dificultando ou impedindo o funcionamento normal.
8
Os
recém-nascidos
apresentam
características
particulares
que
os
diferenciam anatômica e funcionalmente. A mandíbula é pequena e retraída em
relação à maxila e as bochechas possuem bolsas de gordura que, de acordo com
Xavier (1998), dão firmeza, proporcionando maior estabilidade e auxiliando na
sucção.
A língua preenche quase toda a cavidade oral, e em repouso permanece com
a ponta sobre a gengiva e o lábio inferior, liberando a região posterior da boca para
a respiração. Devido ao pouco espaço intra-oral, durante a sucção a língua faz um
movimento antero-posterior para a extração do leite. Este padrão de movimentação
horizontal é chamado suckling. De acordo com Arvedson, Brodsky & Rogers (1993),
o suckling se mantém até seis ou nove meses de idade, quando a língua começa a
apresentar uma movimentação mais vertical, subindo e descendo, com forte
participação dos músculos intrínsecos e pequena excursão vertical da mandíbula –
esta movimentação estimula o crescimento da mandíbula. Outra mudança que
ocorre neste período é o aumento da pressão dos lábios
em torno do
bico,auxiliando na extração do líquido.
Os mesmos autores afirmam ainda que a passagem de um padrão de sucção
para o outro (suckling/sucking) é um dos estágios na preparação das estruturas
orais para a manipulação de consistências mais espessas e para a introdução da
colher. Sendo assim, é importante observar a etapa de desenvolvimento oral em que
o bebê se encontra, antes de orientar mudanças alimentares. Ele pode apresentar
engasgos e dificuldades no controle do alimento na cavidade oral, se não estiver
pronto para isso. Um dos enganos freqüentes é a
introdução de alimentação
pastosa na colher, quando o bebê ainda se encontra na fase do suckling. Isto ocorre
porque na maioria das vezes leva-se em conta apenas a idade cronológica.
9
As mudanças no padrão de sucção são decorrentes não apenas do
crescimento facial, mas também da maturidade neurológica, das experiências de
sucção que o bebê vivencia – que auxiliam no crescimento da maxila e da mandíbula
– e no fortalecimento da musculatura. De acordo com Xavier (1998), estas
modificações iniciam por volta do quarto e sexto meses e continuam durante o
primeiro ano de vida.
As modificações alimentares também iniciam por volta do quarto e sexto mês
e acompanham uma série de acontecimentos na vida do bebê. Neste período ele
permanece mais tempo acordado, há maior interesse e participação no que
acontece ao seu redor e, principalmente, domina a posição sentada com apoio.
A introdução gradativa de consistências variadas neste período vai auxiliar no
desenvolvimento de habilidades de alimentação conforme apresentado por
Arvedson (1993):
Idade
Consistência
4-6 m
Líquidos
Habilidade
§
Segura a mamadeira com as duas
mãos;
Pastosos
§
Introdução do copo com ajuda;
§
Introdução da colher- vedamento labial
para retirar o alimento da colher;
5-7m
Semi-sólidos
§
Mastigação
inicialmente
com
movimentos verticais de mandíbula e,
após, rotatórios;
9m
10-11 m
Sólidos
Sólidos
§
Leva a bolacha à boca;
§
Segura a colher;
§
Movimento de pinça ao se alimentar
com as mãos;
12 m
Líquidos
§
Segura o copo com as mãos e é capaz
de fazer quatro ou cinco deglutições
seguidas;
10
15-24 m
Todas as consistências §
Possui habilidades para se alimentar
sozinho;
Arvedson (1993) lembra que podem haver variações nas idades sugeridas
para a introdução das diferentes consistências, pois esta recomendação depende
da história da criança e do seu desenvolvimento global. Por outro lado, enfatiza a
importância de não retardar a mudança na alimentação quando a criança está
pronta para isso. Ela acredita que este atraso pode dificultar o aprendizado das
habilidades de alimentação.
11
2. FASES DA DEGLUTIÇÃO
A deglutição é definida por Arvedson, Brodsky & Rogers (1993) como um ato
motor semi-automático. Neste processo, estruturas do sistema respiratório e
digestivo interagem com o objetivo de transportar o alimento e também as
secreções da cavidade nasal e oral, promovendo limpeza e proteção das vias
aéreas inferiores.
Para facilitar a compreensão de como ocorre, quais são e qual a função das
estruturas envolvidas, a deglutição pode ser dividida em quatro etapas distintas: fase
preparatória, oral, faríngea e esofágica.
1) Fase preparatória: nesta fase, o alimento é manipulado na boca para
formar o bolus, com o objetivo de facilitar a deglutição. A consistência, o volume e a
temperatura dos alimentos interferem na duração da fase preparatória. A
preparação dos líquidos é mais rápida – Logeman (1983) cita um tempo de
aproximadamente dois a três segundos. Quanto mais sólido o alimento, mais
demorado será seu preparo para a deglutição. Isto acontece porque os sólidos
precisam ser lateralizados pela língua para serem triturados pelos dentes. A
contração da musculatura das bochechas auxilia na manutenção do alimento sobre
os dentes e evita depósito de resíduo nos recessos alveolares. Depois de
mastigados, os alimentos são misturados com a saliva formando um bolus pronto
para ser deglutido.
Enquanto o alimento está sendo preparado, o palato mole está em repouso e
a contração do músculo palatoglosso evita que grande quantidade de alimento entre
na faringe antes do reflexo de deglutição ser desencadeado. Os lábios permanecem
12
fechados para evitar a perda de alimentos. Durante esta fase, a via aérea está
aberta e a respiração é predominantemente nasal.
2) Fase oral: é voluntária, podendo ser mais automática (deglutição da
saliva) ou menos (alimentos). Quando o bolus alimentar está preparado, ele é
colocado no sulco central da língua e levado para a faringe através da elevação e de
movimentos ondulatórios da língua. De acordo com Logemann (1993), esta fase tem
a duração média de um segundo (independente da consistência do alimento) e a
respiração é reflexamente inibida desde o início deste estágio.
Nas fases preparatória e oral, o vedamento labial garante a manutenção do
alimento na boca e propicia a criação de pressão oral negativa. Esta ausência de
pressão
vai possibilitar o discreto movimento de sucção que é realizado para
coletar os resíduos alimentares dos recessos orais.
Apesar da importância do vedamento labial, é a língua que desempenha o
papel de maior importância, tanto na preparação como durante a fase oral. Angelis,
Mourão & Furia (1997) e Logemann (1993) descrevem que a mobilidade e a força
da língua, além de serem responsáveis pela organização e manipulação do bolus
alimentar, exercem influência na fase faríngea da deglutição. Acreditam que quanto
maior a força de propulsão do bolus, melhor o desempenho e o transporte deste na
fase faríngea.
3) Fase faríngea: é um dos estágios mais críticos da deglutição, onde ocorre
uma série de movimentos involuntários, de forma simultânea. Inicia com a ativação
do reflexo de deglutição no momento em que o bolus toca os pilares anteriores –
Logemann (1983) caracteriza-os como sendo os lugares mais sensitivos para a
elicitação deste reflexo.
13
De acordo com McCaffrey (1998), as informações sensoriais são levadas ao
centro da deglutição, localizado na medula, através do IX par encefálico. Neste
momento há elevação do palato mole e o fechamento do esfíncter velofaríngeo para
proteção das Vias Aéreas Superiores (VAS). A língua fica retraída, evitando o
retorno do alimento.
Ao mesmo tempo em que ocorre o fechamento do esfíncter velofaríngeo,
ocorre a elevação e o fechamento da laringe, protegendo as Vias Aéreas Inferiores
(VAI). Neste momento a respiração cessa, enquanto o EES relaxa permitindo a
passagem do alimento, para logo após fechar. A respiração então se restabelece
completando a fase faríngea.
Logemann (1983) salienta a importância do reflexo de deglutição nesta fase,
pois a movimentação do véu palatino, da faringe e da laringe só ocorre como
resultado deste reflexo. A autora relata que os pacientes podem ser ensinados a
realizar o fechamento glótico para proteção das vias aéreas, mas não há meios de
iniciar ou modificar voluntariamente a contração faríngea ou o fechamento
velofaríngeo durante a deglutição.
A proteção das VAI ocorre através do fechamento completo e automático da
glote, durante a deglutição e na produção da tosse reflexa. O fechamento do espaço
supraglótico se dá pela oposição das paredes laterais, conseqüência da contração
e espessamento do feixe superior do músculo Tiroaritenoideo. Já o fechamento do
vestíbulo acontece pela compressão do espaço subepiglótico ocasionado pela
inclinação da epiglote.
De acordo com Arvedson, Brodsky & Rogers (1993), há uma seqüência no
fechamento laríngeo para a proteção das VAI:
1. Adução de pregas vocais com aproximação horizontal das cartilagens
aritenóides;
14
2. Aproximação das aritenóides com a base da epiglote;
3. Elevação laríngea;
4. Abaixamento da epiglote;
Segundo as autoras, a mera introdução de líquidos na boca freqüentemente
causa adução parcial de pregas vocais, sugerindo que talvez existam fibras
sensoriais aferentes na cavidade oral que desencadeiem este mecanismo de
proteção.
Outro importante mecanismo de proteção, a tosse reflexa, tem como objetivo
expulsar qualquer corpo estranho da laringe e espaço subglótico. Ela é
desencadeada pelos receptores sensitivos estimulados pelo Vago (X). De acordo
com Rocha (1998), os pontos de maior excitabilidade para o reflexo de tosse são: a
bifurcação traqueal (carina), a epicarina e a laringe. A tosse será mais intensa e
persistente quanto mais próximos destes pontos estiverem os elementos irritativos.
Para que a propulsão do alimento na faringe ocorra de forma eficaz e sem
risco de aspiração, é preciso a interação de vários fatores. McCaffrey (1998) cita
quatro elementos como reponsáveis pela movimentação do bolus para o Esfíncter
Esofágico Superior (EES) ou Cricofaringeo:
§
movimentação e força do dorso da língua;
§
ação dos músculos constritores da faringe;
§
presença de pressão negativa na laringofaringe;
§
ação da gravidade;
Angelis, Mourão & Furia (1997) também reforçam a importância da língua
neste processo. As autoras descrevem que a movimentação e a força da base da
língua são fundamentais para a criar a pressão que vai impulsionar o bolus através
15
da faringe, e que é através de contrações que a faringe transporta o alimento até o
esôfago, evitando que sobrem resíduos em suas paredes.
Resumindo, podemos dizer que, para que a deglutição ocorra de forma
segura, é preciso uma perfeita coordenação entre os movimentos que ocorrem na
fase faríngea: transporte do bolus pela faringe, fechamento laríngeo e abertura do
EES. No atraso ou ausência de alguma das etapas desta fase, a alimentação pode
acumular-se na nasofaringe, nas valéculas e seios piriformes, podendo deslizar para
a passagem aérea após a
deglutição. Outro comprometimento encontrado diz
respeito à falta de mobilidade da laringe na elevação e/ou no fechamento,
ocasionando aspiração.
4) Fase esofágica: é involuntária e consiste no transporte do bolus pelo
esôfago até o estômago através de movimentos peristálticos auxiliados pela
gravidade. Em relação à duração desta fase, os dados bibliográficos diferem. Para
Arvedson, Brodsky & Rogers (1993) a fase esofágica dura de seis a oito segundos.
Já para Logemann (1983), o tempo de trânsito esofágico é de oito a vinte segundos.
O relaxamento do EES depende do volume do bolo a ser transportado.
Quanto maior a quantidade, maior a abertura e o tempo que permanecerá aberto. O
atraso na abertura do EES pode provocar a retenção do bolus na faringe, podendo
ocasionar aspiração no momento em que a respiração se restabelecer.
De acordo com Angelis, Mourão & Furia (1997), a abertura do esfíncter ocorre
pelo relaxamento do seu tônus e principalmente pela movimentação para cima e
para frente do complexo hiolaríngeo, através da elevação da cartilagem cricóide.
Além da movimentação da laringe, McCaffrey (1998) relaciona outros fatores
que podem interferir no funcionamento do EES: a inervação, realizada pelo nervo
16
Vago, o tempo de contração da faringe e a elevação da laringe. Porém, alerta que
este processo de relaxamento do esfíncter ainda não está bem compreendido.
Assim como há uma interdependência entre as fases oral e faríngea, todo o
desenvolvimento da fase esofágica está relacionado com o que aconteceu durante
as fases anteriores. É preciso lembrar também que a divisão da deglutição em
etapas é apenas uma forma simplificada de se analisar este processo, pois, na
verdade, tudo ocorre de maneira integrada e sincrônica, onde o que acontece numa
fase tem interferência sobre a outra.
17
3. A INTERFERÊNCIA DAS DROGAS NO PROCESSO DA DEGLUTIÇÃO
Na presença da queixa e/ou sintomas de distúrbio da deglutição é importante
investigar se o paciente está sendo medicado e qual o tipo de droga que está
recebendo. Segundo Dantas (1998), não é freqüente a disfagia como efeito colateral
das medicações, no entanto, é preciso estar atento para perceber e investigar esta
possibilidade.
Alguns medicamentos podem causar ou agravar a disfagia, por provocarem
alteração em algum momento do processo da deglutição. O grau de prejuízo à
deglutição vai depender da intensidade do efeito que a droga causa e também das
características da doença à qual se destina.
Na experiência de Taylor (1997), os efeitos colaterais são mais
comuns nas pessoas com alterações do desenvolvimento neurológico e naquelas
com danos no Sistema Nervoso Central.
Como durante a deglutição a harmonia no funcionamento das estruturas
envolvidas é um o fator preponderante, qualquer alteração pode ser a causa de
modificações que afetem todo o mecanismo. Medicamentos que tenham como
efeito colateral algumas das alterações citadas abaixo podem desencadear a
disfagia:
• alteração da mobilidade, sensibilidade, força ou coordenação da
musculatura oral: pode provocar dificuldades na preparação do alimento e
no controle da fase preparatória e oral, podendo ocorrer deslize precoce
do alimento para a faringe e possível aspiração.
•
alteração da salivação: a saliva é fundamental na formação do bolo
alimentar, no transporte para o esôfago e na limpeza da cavidade oral e
18
faríngea, prevenindo aspirações pós-deglutição. De acordo com Taylor
(1997), a saliva também desempenha um papel essencial na
desobstrução do esôfago, pela estimulação constante da peristalse.
Dantas (1998) lembra que as drogas como os antidepressivos tricíclicos,
anti-histamínicos e anticolinérgicos diminuem a produção de saliva e
aumentam sua viscosidade, dificultando a deglutição. Já as drogas com
atividade colinérgica produzem o efeito contrário - aumentam a salivação,
podendo provocar sialorréia.
•
alteração na movimentação faríngea: pode causar incoordenação ou
déficit na movimentação da musculatura da faringe, o que tornará o
trânsito do bolo alimentar mais lento ou provocará estase de pequenas
porções nas paredes da faringe, com risco de aspiração ou asfixia.
•
Refluxo Gastro-Esofágico (RGE): pode ser a causa de choro e desprazer
durante a alimentação, podendo provocar incoordenação na etapa
faríngea da deglutição.
Entre os medicamentos que afetam a deglutição estão os neurolépticos. Para
Taylor (1997), estes formam o grupo que apresenta maior risco para uma deglutição
segura. Além destes, há os anticonvulsivantes, antidepressivos
e drogas
antiparkinsonianas. A seguir, são citadas algumas destas drogas e alguns dos seus
efeitos colaterais, de acordo com Taylor (1997) e Poon (1995):
•
Fenitoína:
ataxia, letargia, alteração do paladar, náusea e hiperplasia
gengival;
•
Carbamazepina: sedação, ataxia, anorexia, náusea, toxicidade cerebelar,
discinesia orofacial;
19
•
Fenobarbital: depressão respiratória, ataxia, diminuição da atenção e
consciência, déficit da memória a curto prazo;
•
Haloperidol: boca seca, taquicardia, constipação, reações distônicas
agudas;
•
Teofolina: náusea e vômito, RGE, anorexia, taquicardia;
•
Acido Valpróico: sedação, náusea e vomito, alterações gastrointestinais;
•
Hidrato de Cloral: sedação, ataxia, irritação gástrica, desorientação;
•
Thioridazina: sedação, efeitos extrapiramidais, boca seca, alterações
gastrointestinais;
Outros medicamentos que podem provocar disfagia são citados por Dantas
(1998). Em seu artigo, o autor agrupa as drogas de acordo com os efeitos colaterais
destas no sistema nervoso central:
1. Depressão do nível de consciência: benzodiazepínicos, zolpidem, hidrato
de
cloral,
carbamazepina
hidroxine,
e
anti-histamínicos,
valproato.
Dosagens
barbitúricos,
maiores
fenitoína,
aumentam
a
probabilidade de provocar disfagia.
2. Supressão da regulação central da deglutição: benzodiazepínicos como
lorazepam, alprozolam e nitrazepam causam a diminuição das contrações
na faringe.
3. Desordem dos movimentos: haloperidol e clorpromazine podem prejudicar
as fases oral e faríngea da deglutição, por provocarem prejuízo na
coordenação ou problemas posturais.
20
A suspeita de que a disfagia esteja sendo provocada pelo uso de
determinado tipo de droga geralmente ocorre no início do uso desta ou quando há
modificações na dosagem. Os sintomas podem se manifestar através de queixas
como: inapetência, engasgos freqüentes, perda de peso, maior tempo despendido
para a alimentação, alterações na ausculta pulmonar principalmente após a
alimentação, e aumento de secreção.
Uma avaliação criteriosa da deglutição vai auxiliar não só no diagnóstico, mas
poderá fornecer dados que possibilitem uma conduta mais eficaz e adequada para
cada caso.
21
4. CLASSIFICAÇÃO DAS DISFAGIAS
Disfagia é um distúrbio da deglutição que pode afetar qualquer momento do
processo, desde a preparação do alimento, diminuição da peristalse faríngea, até
alterações anatomofisiológicas do esôfago. Não é uma doença, mas um sintoma de
uma patologia de base.
As causas das disfagias podem ser anatômicas, neurológicas, musculares ou
ainda ocasionadas por alguns tipos de drogas. De acordo com Furkim & Martinez
(1998), as principais patologias neurológicas que apresentam a disfagia como
sintoma são: Acidente Vascular Cerebral, Trauma Crânioencefálico, Paralisia
Cerebral, Distrofias Neuromusculares e Tumores Cerebrais. Marquesan (1995)
acrescenta também o mal de Alzheimer, Esclerose Lateral Amiotrófica e Parkinson.
As disfagias podem ser classificadas conforme o local onde ocorre a
alteração, ou então de acordo com a sua intensidade. A classificação que segue o
mesmo processo de divisão da deglutição, localizando o comprometimento de
acordo com a etapa em que ocorrem os distúrbios é mais freqüentemente
encontrada na literatura nacional – Botelho (1995), Dantas (1998), Furkin & Martinez
(1998), entre outros. Nesta classificação, as disfagias dividem-se em:
•
Disfagia oral: manifesta-se por dificuldades na sucção, ausência de
vedamento labial, mastigação alterada, presença de reflexos orais
arcaicos, distúrbios sensoriais relacionados a gosto, temperatura e textura
de alimentos, incompetência velofaríngea e alteração na mobilidade da
língua.
Pode ter causas anatômicas (fissuras, micrognatia, etc.) ou funcionais
(bebês prematuros). De acordo com Marquesan (1995), este tipo de
22
disfagia é freqüente nos distúrbios do SNC e nas afecções neuromusculares (Parkinson, Paralisia Central, Distrofias Musculares, etc.).
Pode também ser resultante de lesão de nervos cranianos V, VII e XII.
•
Disfagia faríngea:
Botelho (1995) relata que a dificuldade na
alimentação, em pessoas que apresentam este tipo de disfagia, se
caracteriza por engasgo, tosse, náusea, regurgitação ou refluxo faringonasal, baixo peso ponderal ou dificuldades ventilatórias por aspiração. É
mais freqüente a ocorrência destes sinais durante ingestão de líquidos.
Segundo a autora, as alterações mais comuns são: atraso ou ausência do
reflexo de deglutição, incoordenação no fechamento do EES (comum em
bebês até dois ou três meses de idade, pela imaturidade funcional das
estruturas), alteração na elevação e no fechamento da laringe e redução
na contração da musculatura da laringe.
Quando há alteração da deglutição tanto na fase oral como na faríngea,
a disfagia é denominada como orofaríngea.
•
Disfagia esofageana: pode ser decorrente de alterações estruturais do
esôfago (fístulas, tumores, hipotonia do músculo cricofaríngeo) ou ainda
estar relacionada a esofagite e Refluxo Gastro Esofágico (RGE). As
principais queixas são de dor à deglutição (odinofagia), sensação de
pressão durante a passagem do alimento, vômito e regurgitação. Nos
bebês, há recusa de alimentos e/ou choro.
23
Episódios de RGE, assim como as disfagias, muitas vezes estão
associados a sintomas respiratórios. Aspiração de conteúdo gástrico
pode provocar graves lesões pulmonares devido a sua composição.
Como não é incomum a presença de RGE acompanhada de disfagia,
nos casos onde há suspeita de aspiração é importante investigar não
somente o refluxo como também o mecanismo da deglutição. Botelho
(199) adverte que o tratamento clínico e/ou cirúrgico do RGE geralmente
não é suficiente para sanar os problemas respiratórios em pacientes com
disfagia orofaríngea não tratada.
A classificação proposta por Sheppard (1995) é baseada na adequação
funcional da deglutição. A autora classifica as disfagias em estágios, de acordo com
a severidade:
•
Estágio I – normal: competência oral, faríngea e esofágica em todos os
tipos de alimentos e secreção oral.
•
Estágio II – disfagia leve: a nutrição é realizada através de dieta especial
e/ou com uso de medicamentos. O status
respiratório e nutricional
relativos à deglutição são bons.
•
Estágio III - disfagia moderada: há restrição da dieta e uso de estratégias
especiais para a alimentação. O status respiratório e nutricional relativos à
deglutição são bons.
•
Estágio IV – disfagia severa: nutrição e/ou proteção da via aérea
inadequada(s), apesar da utilização de estratégias compensatórias.
•
Estágio V – disfagia profunda: quando há contra-indicação de
alimentação por via oral.
24
Assim como Sheppard (1995), Silva (1998) apresenta uma classificação
baseada na intensidade da disfagia. Sua proposta foi elaborada a partir de um
estudo realizado com adultos pós-Acidente Vascular Encefálico Isquêmico e é
caracterizada da seguinte forma:
•
Disfagia Leve: quando o controle e transporte do bolo alimentar está
atrasado e lento, sem sinais de penetração laríngea na ausculta cervical.
•
Disfagia Moderada: quando o controle e transporte do bolo alimentar está
atrasado e lento, com sinais de penetração laríngea na ausculta cervical e
risco de aspiração.
•
Disfagia Severa: quando há presença de alteração substancial com
sinais de alteração respiratória e ausência ou falha da deglutição
completa do bolo alimentar.
Logemann (1983) não propõem uma classificação para as disfagias mas,
durante estudo videofluoroscópico, verifica o tempo que o paciente leva para deglutir
cada consistência testada. Quando o tempo ultrapassa dez segundos em todas as
consistências, a autora considera que ele não é capaz de receber alimentação
exclusivamente pela via oral.
25
5.
ASPIRAÇÃO
COMO
CONSEQÜÊNCIA
DOS
DISTÚRBIOS
DE
DEGLUTIÇÃO
De acordo com Logemann (1983), a aspiração pode ser definida como “um
termo genérico que se refere à penetração do material na laringe e sua entrada na
passagem aérea, na região abaixo das pregas vocais”(p.65).
O fato da via aérea ser próxima do canal alimentar e o ar utilizar, no seu
trajeto, a mesma passagem que o alimento (cavidade oral e faringe) fazem com que
o risco de aspiração exista mesmo para crianças com estruturas e funções normais.
Porém, de acordo com Stevenson & Allaire (1991) as crianças de mais alto risco
são as que apresentam distúrbios do Sistema Nervoso Central e as portadoras de
anomalias estruturais congênitas da orofaringe.
A ocorrência de aspiração é um dos principais indicativos de disfagia e ao
mesmo tempo o mais preocupante, mas nem sempre provoca doenças pulmonares.
Laraya-Cuasay & Mikkilineni (1995) citam que aproximadamente 45% das pessoas
aspiram saliva durante o sono, porém, devido à presença dos reflexos e
mecanismos de defesa mucociliares, poucas desenvolvem doenças respiratórias.
Os sintomas e as lesões decorrentes da aspiração vão depender de vários
fatores, como os citados por Dinwiddie (1992), Brosky & Volk (1993), Colombo
(1993) e Ísola (1998): quantidade e freqüência da aspiração, tipo de material
aspirado e condições pulmonares individuais. Em estudos realizados com animais,
Colombo (1993) relata que o ph do material aspirado e o volume são os elementos
mais agressivos e que freqüentemente provocam lesões pulmonares.
Para evitar aspirações, os pulmões contam com três mecanismos
reflexos de proteção: tosse, fechamento laríngeo e deglutição. Se algum destes
reflexos estiver ausente, ainda há a possibilidade do material aspirado ser eliminado
26
da traquéia ou da árvore brônquica através da ação ciliar. Como em crianças com
Paralisia Cerebral, retardo neuromotor e doenças neuromusculares os reflexos de
proteção estão geralmente ausentes ou alterados, as aspirações são mais
freqüentes.
Colombo (1993) divide em quatro grupos os principais distúrbios que podem
levar à aspiração:
Imaturidade do reflexo de deglutição,
Neuromusculares
paralisia
laríngea
ou
faríngea,
hidrocefalia, distrofia muscular, paralisia
cerebral, etc.
Fístula
Anatômicas
traqueoesofágica,
traqueostomia, tubo endotraqueal, anel
vascular, micrognatia,etc.
Funcionais
RGE,
fístula
traqueoesofágica
reparada,etc
Diversas
Gengivite, trauma na faringe e higiene
oral pobre.
Muitos episódios de aspiração são silentes, ou seja, não apresentam um
quadro sintomático claro e por isso passam despercebidos. De acordo com
Dinwiddie (1992), pode ser difícil diagnosticar as aspirações quando estas não
estão associadas à malformação congênita ou à alterações fisiológicas mais
visíveis. Colombo (1993) salienta que a queixa de tosse e engasgos durante a
alimentação é bastante útil para auxiliar no diagnóstico, porém não é freqüente,
especialmente se ocorre aspiração de pequena quantidade de material durante o
sono ou se o reflexo de tosse encontra-se diminuído. Por isso, tanto Colombo como
27
Dinwiddie declaram que, muitas vezes, crianças que fazem aspirações silentes são
tratadas como portadoras de infecção recorrente do trato respiratório inferior ou de
asma.
Os mesmos autores relatam que crianças que aspiram geralmente
apresentam episódios de sibilância e de infecção com hiperinsuflação significativa
dos pulmões. Pode-se observar também taquipnéia em repouso, retração intercostal
e sibilos bilaterais à ausculta. Além dos sinais citados, a aspiração pode provocar
também alterações fisiológicas como as relacionadas por Kush & Sanders (1988):
redução da oxigenação arterial, aumento da permeabilidade da membrana capilar,
diminuição do volume intravascular e entrada de plasma nos pulmões acarretando
edema pulmonar.
Como já foi visto anteriormente, as seqüelas respiratórias são as
manifestações mais significativas dos distúrbios da deglutição. Dinwiddie (1992)
ressalta que episódios freqüentes de aspiração podem levar à pneumonia e,nos
casos mais graves, à doenças do parênquima pulmonar e bronquiectasias.
Os principais sinais indicativos de pneumonia são: febre, irritabilidade,
alteração da cor, consistência e odor das secreções. Geralmente após duas horas
de uma aspiração severa pode-se observar tosse, taquipnéia, febre e sibilos.
Pessoas que aspiram têm seus brônquios constantemente inflamados e,
segundo Ísola (1998), os de médio calibre são os mais afetados. Os lobos inferiores,
principalmente à esquerda, são mais acometidos devido aos seguintes fatores:
-
o brônquio principal direito é maior que o esquerdo e, por ser como uma
continuação da traquéia, facilita a drenagem de secreções;
-
há uma discreta compressão do brônquio principal esquerdo pela artéria
pulmonar.
28
Em estudo radiológico realizado com 22 crianças com aspiração recorrente,
Colombo (1993) apresenta outros dados. Ele observou que 41% dos casos
mostraram infiltrados localizados nos dois lobos, 27% infiltrados difusos e 18% com
espessamento da parede dos brônquios ou somente hiperinsuflacão. Em 14% dos
casos, os RXs de tórax foram normais.
Na atuação com crianças com distúrbios da deglutição não basta identificar a
ocorrência de aspiração, mas principalmente o momento em que ocorre e sua
possível causa, pois, cada etiologia requer um tratamento diferenciado. Para auxiliar
nesta tarefa, Logemann (1983) relaciona as possíveis causas de acordo com o
momento em que ocorre a aspiração:
1. Antes do reflexo de deglutição ser acionado: as causas principais são a
alteração na sensibilidade, redução ou dificuldade no controle motor oral e
atraso ou ausência do reflexo de deglutição;
2. Durante a deglutição: ocorre pela redução ou ausência do fechamento
laríngeo e falha na elevação da laringe;
3. Após a deglutição: pode ocorrer por diversos motivos, tais como: sobra de
resíduos alimentares na cavidade oral que se dirigem à via aérea quando
o paciente dorme; redução ou ausência dos movimentos constritores da
faringe, permitindo que os resíduos se acumulem nos recessos faríngeos;
redução na elevação laríngea, possibilitando que o alimento permaneça
no topo da laringe e a hipertonicidade do músculo cricofaríngeo.
Apesar da existência de vários estudos enfocando o tema aspiração, ainda
há muito a se descobrir, principalmente sobre sua inter-relação com os distúrbios
de deglutição e quais suas conseqüências no funcionamento pulmonar.
29
6.
A ATUAÇÃO NOS DISTÚRBIOS DA DEGLUTIÇÃO
6.1.
LEVANTAMENTO DOS FATORES INDICATIVOS:
A investigação de disfagia geralmente inicia com o levantamento de dados
referentes à história do caso, revisão dos achados médicos e observação. É
realizada através de entrevista com os pais ou cuidadores e, neste momento, coletase informações relacionadas à alimentação. As questões são direcionadas aos
fatores citados por Dinwiddie (1992), Arvedson (1993), Hernandez (1996) e Xavier
(1998) como indicativos de distúrbios da deglutição:
• período de alimentação maior que 30 a 40 min;
• sucção fraca;
• alteração brusca da respiração durante a alimentação;
• reflexo de vômito exagerado ou tosse durante a alimentação;
• irritabilidade ou problemas comportamentais durante a alimentação;
• movimentos de boca exagerados durante mastigação e/ou deglutição;
• sobra de alimento na língua ou vestíbulo após a deglutição; baba excessiva;
• pigarro depois de comer ou beber;
• alterações vocais durante ou depois da alimentação (rouquidão);
• refluxo nasal;
• recusa inexplicável de alimentos;
• expectoração mucopurulenta;
• infecção pulmonar recorrente;
30
6.2. AVALIAÇÃO CLÍNICA
Após o levantamento das queixas e do histórico, é realizada a avaliação
clínica dos pacientes com suspeita de distúrbios da deglutição. Este momento da
investigação compreende duas etapas. Inicialmente, avalia-se as características
anatômicas e funcionais das estruturas e da musculatura envolvida na deglutição.
Após, observa-se seu funcionamento durante a alimentação, buscando avaliar a
efetividade da proteção do Trato Respiratório Inferior e coordenação da respiração
e deglutição.
Conforme referido por Sheppard (1995), durante a avaliação clínica a
utilização de ausculta cervical e oxímetro de pulso podem ser úteis para detectar e
monitorar sinais de disfagia.
Apesar de Colombo (1993) salientar que não há substituto para a observação
da criança durante a alimentação, quando se suspeita de aspiração, é preciso
lembrar que nem sempre os sintomas são evidentes. Desta forma, muitas vezes é
imprescindível a realização de exames complementares como a videofluoroscopia,
a manometria, a endoscopia ou o ultrassom para avaliação da deglutição.
Na avaliação instrumental é possível determinar não somente o diagnóstico,
mas também a causa
da disfagia e, a partir de manobras e procedimentos
realizados durante o exame, verificar a conduta mais adequada para cada caso.
Durante a avaliação da deglutição é preciso atenção em todos os aspectos
que cercam a alimentação: postura, tipo de alimento, utensílios utilizados, forma
como recebe a alimentação, etc. Por isso é importante, observar como a criança
está recebendo e qual o seu comportamento durante a dieta, para se fazer as
orientações necessárias. Há estudos que, apesar de terem sido realizados com
adultos, podem ser estendido às crianças e confirmam esta afirmação. É o caso da
31
pesquisa realizada por Ohmae et al. (1997) que, durante avaliação da deglutição
por videofluoroscopia, verificaram que mudanças posturais adicionadas ao controle
do volume a ser ingerido podem prevenir a aspiração em mais de 70% dos
pacientes.
Tendo em vista estes aspectos, e com o objetivo de melhorar o desempenho e
garantir maior segurança na alimentação das crianças internadas no Serviço de
Pneumologia do Hospital da Criança Santo Antônio, temos adotado alguns
procedimentos e orientações (citados a seguir) que têm nos mostrado serem
realmente eficazes.
6.3. ORIENTAÇÕES E PROCEDIMENTOS PARA UMA DEGLUTIÇÃO
SEGURA
•
Postura – durante a alimentação é importante que a criança esteja em simetria
e a posição deve ser confortável, não apenas para ela como para quem a
alimenta. A modificação do posicionamento da criança vai acompanhando o seu
desenvolvimento motor e também o tipo de alimento que recebe.
Em seu artigo, Sheppard (1995) apresenta uma tabela relacionando a melhor
postura de acordo com o tipo do alimento que será ingerido e a habilidade
necessária (sucção, mastigação). Indica, por exemplo, que durante a sucção e
quando recebe alimentos semi-sólidos a criança deve estar no colo, semireclinada. A partir do momento em que passa a receber alimentos macios em
pequenos pedaços, a melhor posição é sentada em uma cadeira alta.
Sheppard também enfatiza a importância de um posicionamento adequado
de todo o corpo, pois a postura global pode facilitar ou dificultar os movimentos
realizados durante a alimentação. Isto acontece especialmente em crianças com
32
alterações no desenvolvimento. Segundo a autora, a posição ideal é aquela que
propicia flexão moderada de membros inferiores e superiores, estabilidade de
tórax e cintura escapular com alinhamento cervical. Esta postura vai permitir
melhor coordenação entre respiração e deglutição, vedamento labial, manutenção
da língua na cavidade oral e
coordenação faringe-laringe, necessárias à
deglutição.
A forma como o alimento é apresentado também vai influenciar na
manutenção da postura adequada. A pessoa que alimenta a criança deve estar
na mesma altura que esta, pois isto vai evitar a elevação do queixo para receber o
alimento. A hiperextenção da cabeça aumenta o diâmetro da faringe e diminui o
espaço valecular, facilitando a aspiração.
As orientações de Xavier (1998) são semelhantes, e a autora lembra ainda que
a postura mais elevada dos bebês, durante a alimentação, é muito importante na
prevenção de infecções do ouvido médio, pois a tuba auditiva dos bebês
encontra-se posicionada horizontalmente desde o ouvido médio até a
nasofaringe. Para reforçar esta conduta, Xavier faz referência aos estudos de
Shelov (1995), onde se observa que, quando os bebês recebem a mamadeira
numa posição menos elevada, os exames timpanométricos acusam presença de
líquido no ouvido médio. Ao se modificar a postura, os resultados são normais.
No caso de crianças portadoras de RGE, o tratamento postural se faz ainda
mais necessário. A posição de prono, com a cabeça elevada aproximadamente
em 30°,tem se mostrado mais efetiva para reduzir a incidência de RGE. Em
pesquisa realizada por Vandenplas & Sacré (1987), 25% das crianças tiveram
seu refluxo controlado apenas com orientação desta postura.
33
Outras vantagens da posição de prono são citadas por Orenstein (1992):
melhora do esvaziamento gástrico, diminuição do tempo de choro e inúmeros
benefícios nas doenças respiratórias.
Porém, de acordo com Vandenplas (1996), é preciso cautela na indicação da
postura de prono durante o sono, pois esta posição é um fator de risco para a
morte súbita em crianças (sudden infant death).
• Tipo de bico (da mamadeira) – há grande diversidade nos bicos de mamadeira,
não só em relação ao formato, como no tamanho, resistência e material em que é
confeccionado. A partir de sua experiência, Arvedson (1993) constatou que há
variação nas preferências dos bebês em relação aos bicos. Sendo assim, muitas
vezes é necessário avaliar o desempenho com diferentes tipos de bicos e,
sempre que possível, respeitar a preferência do bebê. Além disto, é importante
conhecer bem a causa da dificuldade de sucção para fazer uma escolha mais
adequada, aliando prazer e segurança.
De acordo com Hernandez (1996), o bico mais adequado é aquele que
“permite ao bebê sugar a quantidade de leite necessária à sua nutrição em tempo
adequado, da forma mais segura, com boa função motor-oral” (p.88). O bico
ortodôntico possui vantagens sobre o comum, pois propicia vedamento labial,
com anteparo para os lábio,
e não avança além do terço médio da língua,
diminuindo a excessiva extensão desta, favorecendo a obtenção de pressão intraoral negativa.
O tamanho do bico deve ser correspondente ao tamanho da cavidade oral do
bebê, ou seja, não deve ultrapassar o terço médio da boca, para possibilitar a
elevação do dorso da língua.
34
• O furo do bico – deve ser adequado à força de sucção e ao espessamento do
líquido. Geralmente, um furo adequado é aquele que, ao se virar a mamadeira
para baixo, o líquido goteja. Um furo grande dificulta o estabelecimento do ritmo e
da coordenação entre sucção-deglutição-respiração. Por outro lado, um furo
pequeno demais pode provocar excesso de esforço para extrair o leite, com
conseqüente fadiga muscular e alteração na respiração. O furo do bico na região
superior evita que o leite flua diretamente para a região posterior da boca,
auxiliando na organização do alimento antes da deglutição.
• Tipo de colher – recomenda-se o uso de uma colher pequena (para que possa
ser introduzida na boca da criança) e rasa (facilitando a retirada do alimento com
o lábio superior). O volume de alimento pastoso deve ser adequado para ser
deglutido de uma só vez. Já no caso dos sólidos, recomenda-se um volume que
permita a lateralização do alimento, para que possa ser mastigado sem
dificuldade.
• Temperatura – é preciso avaliar se há mudança de desempenho de acordo com
a temperatura do alimento, para então fazer a indicação mais adequada. Se não
houver nenhuma diferença, oferecer tanto alimentos frios quanto quentes para
propiciar maior estimulação. Caso contrário, iniciar com alimentos na temperatura
de maior facilidade e introduzindo os poucos a mudança.
• Textura - o espessamento do alimento facilita a deglutição quando há dificuldade
no controle oral, quando há atraso no disparo do reflexo de deglutição ou
incoordenacão entre respiração e deglutição. Porém, podem ficar resíduos na
35
faringe, se não houver um bom funcionamento dos músculos constritores da
faringe, havendo o risco de aspiração após a deglutição.
Toda vez que é oferecida nova textura, o bebê precisa de um tempo para se
adaptar a ela. Por isso, novas texturas devem ser gradualmente introduzidas. Um
bom desempenho com líquidos nem sempre garante o mesmo com pastosos.
A deglutição de alimentos de diferentes texturas requer um maior controle;
sendo assim, recomenda-se não misturá-las na mesma colherada e não beber
líquidos enquanto ainda há alimentos na boca. Arvedson (1993) cita que o risco
de aspiração é maior com texturas misturadas porque a criança ainda não sabe
lidar com alimentos que exijam ações diferentes – deglutir o líquido e mastigar o
sólido.
O espessamento dos líquidos, especialmente o leite, além de ser uma
conduta utilizada nas disfagias, tem sido freqüentemente indicada para crianças
com RGE. Vandenplas et al (1996) observam que, apesar de diminuir a
quantidade e a severidade das regurgitações, esta medida isolada não soluciona
o refluxo. Além disto, Davies & Sandhu (1995) fazem um alerta, pois acreditam
que o espessamento dos líquidos pode prolongar a duração dos episódios de
refluxo, sendo desaconselhado à pacientes com suspeita de esofagite.
Para Orenstein (1992), esta é a conduta ideal para crianças que apresentam
dificuldade em ganhar peso devido ao RGE, porque, além de aumentar a
densidade calórica, diminui o choro e, conseqüentemente, o gasto de energia.
• Fracionamento da dieta – é uma conduta especialmente indicada para crianças
que possuem hipotonia da musculatura orofacial. Freqüentemente, estas crianças
se cansam muito durante a alimentação, o que pode provocar uma incoordenação
e/ou alteração no ritmo S-D-R. Botelho (1995) acredita que este é um
36
procedimento também indicado para crianças com RGE, pois, apesar de
aumentar os períodos pré-prandiais – onde sabidamente é grande o número de
refluxos, estes são menos nocivos porque tamponados pelos alimentos.
• Pausas – Xavier (1998) observa que no início da mamada o bebê realiza
grandes grupos de sucções, com breves pausas entre eles. Aos poucos, diminui
a quantidade e aumenta o tempo das pausas. No final da mamada, ele realiza
pausas prolongadas que são interrompidas por pequenos grupos de sucções. Em
bebês que não têm uma boa coordenação sucção/pausas, é necessário auxiliar a
estabelecer um grupo menor de sucções, pois, ao se desorganizar, ele altera
tônus, respiração e postura.
A autora alerta ainda que bebês que no início da mamada apresentam
alteração no ritmo da sucção não estão prontos para receber a alimentação pela
via oral de forma segura e funcional. Na alimentação com colher, é preciso
respeitar o ritmo próprio de cada criança, somente oferecendo nova colherada
após ter certeza de que a anterior foi deglutida.
• Percepção dos sinais de stress – é possível reduzir os riscos de aspiração em
bebês apenas prestando atenção aos sinais de stress. É geralmente nos
momentos em que o bebê apresenta estes sinais que ele altera seu ritmo e a
coordenação S-D-R, podendo aspirar o alimento. De acordo com Arvedson
(1993) e Xavier (1998), são considerados sinais de stress: bocejos, soluços,
engasgos, regurgitamento, vômitos, espirros, mudanças de coloração (palidez,
cianose), pausas respiratórias, respiração irregular, respiração ofegante,
tremores, tosse, choro, agitação, inconsolabilidade, hipotonia, hipertonia e
contorções.
37
6.4.
SUCÇÃO NÃO-NUTRITIVA
Para os bebês que não possuem condições de serem alimentados via oral,
adotamos a estimulação da sucção não-nutritiva como forma de acelerar a transição
para a via oral.
Xavier (1998) descreve que a estimulação deve ser realizada com o bebê em
decúbito lateral, flexionado e em simetria. Enquanto recebe o alimento pela sonda é
oferecido o bico ou o dedo mínimo enluvado. Durante a estimulação da sucção nãonutritiva é preciso especial atenção ao comportamento do bebê
e aos sinais
indicativos de stress.
A utilização da sucção não-nutritiva como estimulação, de uma maneira bem
orientada, tem se mostrado bastante eficaz, endossando os achados na literatura,
especialmente nos distúrbios de deglutição decorrentes de uma sucção fraca e
portanto ineficiente e/ou de uma incoordenação entre S-D-R, que pode ter como
causa principal uma imaturidade do desenvolvimento deste sistema.
Pesquisas – Field et al (1982), Bernbaum et al (1983), Rabello et al (1989) –
mostram que a experiência de sucção auxilia no desenvolvimento proporcionado
pela maturação, melhorando o desempenho dos bebês durante a alimentação,
possibilitando maior ganho de peso e, conseqüentemente, diminuindo o tempo de
internação hospitalar.
Além destas vantagens da estimulação da sucção não-nutritiva, Berezin et al
(1992), Hernandez (1996) e Xavier (1998) citam ainda:
•
Efeito de tranqüilização com o uso da chupeta, propiciando um menor gasto
energético;
38
• Associação entre preenchimento gástrico e a sucção, favorecendo a digestão e a
absorção dos nutrientes pela liberação de hormônios intestinais, estimulados
desde a mucosa da boca;
• Estimulação da lipase oral;
• Experiência de sucção adequando a recepção do estímulo oral, desenvolvendo o
ritmo, a coordenação e a força muscular;
• Propicia melhores índices de oxigenação transcutânea, mantendo o bebê bem
saturado;
• Adequação da musculatura oral;
• Altera os estados de vigília;
• Transição para a alimentação por via oral mais rápida e eficiente;
A estimulação da sucção não-nutritiva é um procedimento simples que pode
ser realizado pelos pais, ou na ausência destes, pelos auxiliares de enfermagem,
toda vez que a criança é alimentada por sonda. No momento em que há melhora no
desempenho sucção/deglutição, a chupeta passa a ser molhada no leite,
propiciando
também
estimulação
gustativa,
conseqüentemente a quantidade de deglutições.
39
aumentando
a
salivação
e
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A deglutição está presente desde a vida intra-uterina e, com a idade e o
desenvolvimento, vai sofrendo transformações. Estas mudanças ocorrem não
apenas como resultado de um amadurecimento neurológico ou de modificações nas
estruturas envolvidas. É também através da experiência com diferentes tipos de
alimentos e utensílios (copos, colher, canudo) que a criança vai desenvolver
habilidades para se alimentar de forma segura e que proporcione o aporte calórico
necessário para o seu crescimento.
Quando se estuda o mecanismo da deglutição é comum encontrá-lo dividido
em etapas, na tentativa de facilitar sua compreensão. Esta divisão pode porém
minimizar um aspecto fundamental no entendimento de todo o processo que é a
sincronia, onde um evento tem forte interferência sobre o outro. Qualquer alteração
que o alimento sofra em seu trajeto vai provocar uma série de alterações nas etapas
subseqüentes.
Apesar da importância de todas as estruturas envolvidas na deglutição,
algumas podem ser destacadas como figuras principais, que desempenham papel
de extrema importância em cada fase da deglutição. São elas a língua (com atuação
nas fases preparatória/oral e interferência também na fase faríngea), o reflexo de
deglutição (fundamental para a ativação do sistema de proteção do trato aéreo) e
finalmente o Esfíncter Esofágico Superior, cujo funcionamento ainda não está bem
compreendido.
Este não é o único tema relacionado à deglutição que suscita dúvidas e
inquietações. Há ainda várias perguntas sem resposta, como, por exemplo, em
relação a aspiração. O avanço dos métodos diagnósticos tem facilitado a
identificação da ocorrência de aspirações; apesar disto, restam ainda algumas
40
questões sobre qual a relação entre tipo, quantidade de material aspirado e danos
pulmonares, e como as freqüentes aspirações podem interferir no desenvolvimento
da criança. O esclarecimento destas e outras questões vão auxiliar no entendimento
destes casos e também na escolha da conduta mais adequada.
Outro assunto que necessita mais atenção é o efeito colateral de algumas
medicações na deglutição. Sabe-se que há drogas que exercem forte interferência
no mecanismo da deglutição, muitas vezes alterando seu funcionamento de tal forma
que impossibilita a alimentação via oral.
Pesquisas neste tema podem auxiliar na compreensão, não apenas para
evitar o uso de alguns tipos de medicamentos em pacientes com risco para o
desenvolvimento de disfagia mas também para fundamentar a prescrição, pensando
nos benefícios que o efeito colateral pode trazer ao paciente. É o caso do uso de
anticolinérgico – que reduz a produção de saliva – em pacientes que não estão
recebendo dieta por via oral mas que fazem infecção respiratória de repetição por
aspiração de saliva.
Este tipo de indicação precisa ser bem avaliada, medindo vantagens e
desvantagens, sem esquecer que é ao médico que compete a prescrição de
qualquer tipo de medicamento. Fato este que não impede aos profissionais
envolvidos no caso de auxiliar na tomada de decisão.
Nesta tentativa de compreender melhor as alterações para auxiliar no
diagnóstico e tratamento das disfagias, encontra-se na bibliografia consultada,
algumas classificações baseadas no local ou na severidade do distúrbio. Apesar de
algumas delas serem baseadas na avaliação de adultos, podem também servir na
caracterização das disfagias infantis. Isso é possível porque, independente da
classificação se basear na localização ou na severidade do distúrbio, o objetivo
41
central é poder determinar se há possibilidade, ou não, do paciente ser alimentado
via oral, de forma segura, com todas as consistências.
Ao se trabalhar com pacientes disfágicos é preciso estar atento a diversos
aspectos, pois a deglutição sofre interferência tanto de elementos internos como
externos. Tenho acompanhado crianças que apresentam uma performance
completamente diferente, dependendo da situação e das condições em que estão
sendo alimentadas. Alguns pacientes encaminhados por suspeita de distúrbio de
deglutição, apresentando engasgos, tosse, sinais de stress e perda de líquido pelas
comissuras, melhoram seu desempenho simplesmente com a adequação do furo do
bico da mamadeira que, conseqüentemente, possibilita melhor controle do fluxo do
leite, facilitando a coordenação respiração/deglutição.
Baseada nestas experiências fundamentadas teoricamente, acredito que
muitos episódios de aspiração podem ser evitados apenas tomando-se alguns
cuidados durante a alimentação. Cuidados estes que não se restringem à atuação
fonoaudiológica, pois os distúrbios da deglutição envolvem um amplo campo de
conhecimento, formando um ponto de intersecção entre várias especialidades da
área da saúde.
Da mesma forma que é necessária harmonia e interação das estruturas
envolvidas para que a deglutição ocorra de forma eficaz e segura, é preciso que esta
mesma interação ocorra entre os profissionais que atendem o paciente disfágico.
Só com a participação e envolvimento de todos
é que vai se garantir um
atendimento efetivo e de qualidade.
Além deste aspectos, na atuação com as dificuldades da deglutição não é
possível deixar de lado o aspecto social e afetivo que envolve a alimentação.
Transformar as refeições em procedimentos mecânicos é esquecer a importância
42
destes momentos na formação e no estreitamento do vínculo mãe-bebê e na
organização das relações entre o bebê e o meio ambiente.
A alimentação das crianças, desde o nascimento, exerce impacto não
somente sobre elas como também na família. Assim, muitas vezes, é preciso lançar
o olhar além das questões técnicas, buscando compreender e atuar de forma a ser
um facilitador do estabelecimento de interações saudáveis, pois qualquer alteração
na alimentação pode afetar não somente o estado nutritivo, como o desenvolvimento
global do bebê e principalmente a interação pais-filhos.
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DISTÚRBIOS DA DEGLUTIÇÃO NA INFÂNCIA