A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA
INTERAMERICANO
Raphaela Rodrigues Costa ¹
Sidney César Silva Guerra ²
A presente pesquisa se propõe a ressaltar a importância que o sistema de proteção internacional dos
direitos humanos conquistou nos últimos anos. Restringindo-se à esfera regional, o destaque se dará
à proposta oferecida pela Convenção Americana de 1969, que instituiu dois órgãos que atuam em
defesa dos direitos humanos na América, quais sejam: a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O Estado Brasileiro aderiu expressamente ao sistema através do Decreto n°678 de 1992 e está sob a
competência contenciosa da Corte devido ao Decreto-Lei n°89 de 1998, e deve, por isso, submeterse e adequar-se à normatização da Convenção Americana de 1969.
A partir disso, a República Federativa do Brasil já sofreu quatro condenações no plano
internacional; sendo essas o objeto da presente pesquisa, a qual se prestou a uma análise minuciosa
dos pontos mais relevantes de todos os casos.
O objetivo do trabalho desenvolvido era ampliar o entendimento acerca das condenações que o
Estado brasileiro vem sofrendo, dentro do sistema regional de proteção aos direitos humanos. E em
virtude dessa análise, compreender como se dá a eficácia do instrumento utilizado, qual seja, a
Convenção Americana de 1969, para a promoção dos direitos humanos.
Primeiramente, foi preciso expor, de acordo com os apanhados históricos, como se desenvolve o
sistema regional de proteção aos direitos humanos, e em seguida, como está estruturado este
sistema, que instaurou a Comissão e a Corte Interamericanas de Direitos Humanos.
Com a ratificação do Brasil da Convenção de 1969 e o reconhecimento da competência contenciosa
da Corte para decidir acerca de violações aos direitos humanos, o Estado foi declarado responsável
dentro de quatro situações distintas, que foram analisadas metodicamente.
A primeira condenação é conhecida como “Caso Ximenes Lopes”. A sentença é de 04 de julho de
2006. Trata-se de uma sentença condenatória ensejada pela morte de Damião Ximenes Lopes,
deficiente mental, provocada por maus-tratos, durante internação numa casa de saúde de
Guararapes, Ceará, vinculada ao Sistema Único de Saúde.
O Brasil foi considerado unanimemente violador de vários direitos consagrados na Convenção de
1969, não somente em referência ao Sr. Damião, mas também à família da vítima que sofreu com a
perda. Ocorreram violações ao direito à vida, à integridade pessoal, aos direitos às garantias
judiciais e à proteção judicial, além da violação à obrigação de respeitar e garantir os direitos.
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¹ Discente do Curso de Direito, UNIGRANRIO
² Docente da Escola de Ciências Sociais Aplicadas, UNIGRANRIO
Em decorrência, dentre as cinco determinações para cumprimento da sentença pelo Brasil, esteve
inclusive a obrigação de continuar a desenvolver um programa de formação e capacitação para os
agentes de psiquiatria e psicologia, de enfermagem e auxiliares de enfermagem e para todas as
pessoas vinculadas ao atendimento de saúde mental, em especial sobre os princípios que devem
reger o trato das pessoas portadoras de deficiência mental. Isso representou uma grande mudança na
esfera dos tratamentos psicológicos, como proteção aos direitos humanos.
Fato é que na resolução da Corte sobre a supervisão do cumprimento de sentença, o Brasil declarou
que está em continuidade os melhoramentos na área de tratamentos psicológicos. Inclusive, no ano
de 2009 se expandiram os cursos de capacitação em saúde mental para os profissionais do
“Programa Saúde da Família” e para profissionais de apoio que atuam as regiões Norte e CentroOeste do Brasil.
O segundo caso de responsabilização internacional teve sentença em 06 de julho de 2009. É
conhecido como Caso Escher e outros versus Brasil.
O que provocou a condenação brasileira desta vez foram a interceptação e o monitoramento
telefônicos das vítimas, que foram deferidos em decisão judicial que não obedeceu às normas legais
estabelecidas para situações de necessidade de ingerência estatal na vida privada.
Arlei José Escher, Dalton Luciano de Vargas, Delfino José Becker, Pedro Alves Cabral e Celso
Aghinoni foram considerados as vítimas do caso. Todos faziam parte das associações COANA E
ADECON, ambas ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
As linhas telefônicas das associações foram interceptadas sob a justificativa de investigações da
morte de um dos integrantes das mesmas. No entanto, foi caracterizada uma perseguição política, já
comum na região sul do país.
Encaminhado à Corte, o pedido da Comissão se baseava nas agressões sofridas pelas vítimas de
acordo com os artigos 8.1, 11, 16 e 25 do Pacto San Jose de Costa Rica, que tratam respectivamente
de garantias judiciais, proteção da honra e da dignidade, liberdade de associação e proteção judicial.
A sentença declarou, dentre outros, a violação por parte do Estado do direito à vida privada e o
direito à honra e à reputação reconhecidos no artigo 11 da Convenção de 1969, e ainda a agressão
ao direito à liberdade de associação consagrado no artigo 16 do mesmo tratado internacional.
Desse modo, o Estado esteve obrigado a pagar indenizações às vítimas do caso, além de ter que
investigar devidamente os fatos que provocaram as violações.
Com sentença em 23 de setembro de 2009, o caso conhecido como Garibaldi versus Brasil, é a
terceira condenação sofrida pelo Estado brasileiro no sistema internacional de proteção aos direitos
humanos.
Num assentamento do MST, em novembro de 1998, estavam 50 famílias. Entre essas, a de Sétimo
Garibaldi. Os camponeses foram surpreendidos por vários homens encapuzados e armados que
estavam agindo numa desocupação extrajudicial.
Garibaldi foi atingido por arma de fogo chegando a óbito. Deixou viúva e filhos. Foi instaurado o
inquérito policial n°179/98 para investigar sua morte. No entanto, este procedimento só retratou a
morosidade estatal. Anos se passaram sem que os familiares da vítima tivessem uma resposta
adequada, que deveria ser o fruto de uma investigação comprometida do Estado.
Os familiares após inúmeras tentativas de solução internamente, recorreram à Comissão, que após a
tentativa amistosa, também frustrada, decidiu encaminhar o caso à Corte.
Após as deliberações de exceções preliminares e mérito, a Corte sentenciou declarando
unanimemente que o Estado violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial
reconhecidos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação com o artigo 1.1 da
mesma, em prejuízo de Iracema Garibaldi, Darsônia Garibaldi, Vanderlei Garibaldi, Fernando
Garibaldi, Itamar Garibaldi, Itacir Garibaldi e Alexandre Garibaldi, familiares de Sétimo Garibaldi.
Dentro das disposições da sentença, foi determinado, dentre outros, que o Estado deve conduzir
eficazmente e dentro de um prazo razoável o Inquérito e qualquer processo que chegar a abrir,
como consequência deste, para identificar, julgar e, eventualmente, sancionar os autores da morte
do senhor Garibaldi.
A mais recente sentença condenatória que o Brasil sofreu é conhecida como Caso Gomes Lund e
Outros (“Guerrilha Do Araguaia”) versus Brasil, de 24 de novembro de 2010.
Com o golpe militar de 1964, o Brasil inicia o regime ditatorial que se estende até 1985. O
movimento de enfrentamento à ditadura militar que aconteceu entre os anos 1967 e 1974, ficou
conhecido como Guerrilha do Araguaia porque esteve nas proximidades do rio Araguaia, e foi
pensado pelo PC do B como uma frente de combate aos militares. Acreditava-se que teria maior
êxito se começasse no campo.
A intenção era de iniciar um combate armado para que, inspirado na experiência cubana e chinesa,
o sistema socialista pudesse ser implantado no Brasil. Mas, a iniciativa só serviu para que o número
de vítimas do regime militar aumentasse. Cerca de setenta pessoas estavam envolvidas e
desapareceram sem qualquer indício ou explicação.
A partir disso, familiares das vítimas da guerrilha e organizações da sociedade passaram a buscar na
justiça do Brasil a tutela do direito de saber onde estão, ao menos, os restos mortais dos
guerrilheiros. Infelizmente, as tentativas perante o Estado brasileiro restaram infrutíferas, pela
morosidade do judiciário, principalmente.
Durante o trâmite, o Brasil colocou como obstáculo para a resposta aos familiares das vítimas a
presença da Lei n°6683/79, conhecida como a lei da anistia, que foi de grande importância para o
processo de redemocratização do país, mas que neste momento, figurava como um entrave para a
proteção integral dos direitos humanos no sistema regional americano.
Foi interposta a ADPF n°153 pelo Conselho Federal da OAB, mas que foi julgada, no início do ano
de 2010, improcedente pelo Supremo Tribunal Federal; o que manteve a lei da anistia em vigor.
Ainda assim, na sentença condenatória da Corte, a lei da anistia foi considerada inconvencional, por
não estar enquadrada nos termos da Convenção Americana de 1969, ratificada pelo Estado
brasileiro.
Portanto, foi declarado unanimemente que as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem
a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a
Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um
obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos
responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de
graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil.
O que ocorreu no ano de 2009 foi uma enorme incoerência. A contraditoriedade gerada tem
provocado uma confusão jurídica de proporções internacionais. Não é razoável que um Estado
soberano se comprometa internacionalmente sinalizando que faz parte de uma organização regional
de proteção dos direitos humanos, e por outro lado receba uma norma escandalosamente diversa das
internacionais referentes ao pacto que ratificou.
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