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I ENCONTRO EM ANÁLISE DO DISCURSO
limites e perscpectivas
02 a 05 de Maio de 2007
CADERNO DE RESUMOS E COMUNICAÇÕES
2007/2009
Publicação
UNIVERSIDADE ESTADUAL DEMATO GROSSO DO SUL
UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE NOVA ANDRADINA
NÚCLEO DE ESTUDOS EM ANÁLISE DO DISCURSO
CURSO DE LETRAS
EXPEDIENTE
Web-Revista Página de Debate: questões de Linguistica e de
lingauem
ISSN: 1984-527
NO. 12 dezembro/2009
www.uems.br/na/linguisticaelinguagem/
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL
UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE NOVA ANDRADINA
NÚCLEO DE ESTUDOS EM ANÁLISE DO DISCURSO
CURSO DE LETRAS
REITOR
Prof. Msc. Luiz Antônio Álvares Gonçalves
VICE-REITORA
Msc. Profª Eleuza Ferreira Duarte
PRÓ-REITOR DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
Profª Dr.ª Vera Lúcia Lescano de Almeida
PRÓ-REITOR DE ENSINO
PRÓ-REITOR DE EXTENSÃO, CULTURA E ASSUNTOS
COMINITÁRIOS
Profª Msc. Maria José Telles de Franco Marques
GERENTE DA UNIDADE
Prof. Msc. Fernandes Ferreira de Souza
COORDENADOR DO CURSO DE LETRAS
Prof.ª Msc. Eliane Maria de Oliveira Giacon
COORDENADOR DO PROJETO
Marlon Leal Rodrigues
COMISSÃO ORGANIZADORA
COMISSÃO CIENTÍFICA
Alaíde Pereira Japecanga Aredes
Anaíton de Souza Gama
2
Antônio Carlos Santana de Souza
Edileuza Gimenes Moralis
Daniel Abrão
Jauranice Rodrigues Cavalcanti
Maria Conceição Alves de Lima
Marina Célia Mendonça
Paulo Cesar Tafarello
Wedencley Alves Santana
COMISSÃO EDITORIAL
Anailton de Souza Gama
Marlon Leal Rodrigues
COMISSÃO DE APOIO
Maria Francisca Valiente
Adriana Cozim de Oliveira Lima
Eliana Maria de Oliveira Giacon
Elisa da Silva Martins
Fabiana Flores da Silva
Gerson Marcia da Silva
Dayane Caceres da Silva
I EAD
Nova
No.
dezembro
Andradina - MS
12
2009
APRESENTAÇÃO
O I Encontro em Análise do Discurso: Limites e
Perspectivas, realizado nos dias 02, 03 e 04 de maio de 2007,
na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade
Universitária de Nova Andradina, consolida-se como o evento
pioneiro na Análise do Discurso no Mato Grosso do Sul,
reunindo
estudantes
da
graduação,
pós-graduação
e
pesquisadores de várias partes do país, bem como autores
consolidados na área do discurso.
Buscando dar visibilidade e consistência à Análise do
Discurso que praticamos, cujos fundamentos se assentam no
ISSN
legado deixado pela tradição francesa e seus seguidores, o
1984-5227
encontro procurou, mais do que reiterar nossos vínculos e
Rua Walter Hubacher, no. 138, Centro Nova Andradina – MS CEP
79 750-000 Tel.: (67) 3925-5192 – 3925-5188 www.umes.br
filiações, que vão além da teoria, mostrar sintonia e
cumplicidade com as demandas contemporâneas do discurso.
Com a atenção voltada para os limites e perspectivas, o I
Encontro em Análise do Discurso procurou dar visibilidade não
somente ao aspecto territorial, tendo em vista a falta de uma
maior tradição em estudos do discurso no estado de Mato
Grosso do Sul, mas também no aspecto material, em sua
3
dimensão metodológica. Embora tomando o discurso como seu
da década em que surge a Análise do Discurso onde se
objeto apenas nos anos 60 do século XX, a língua já se
propunha a análise, em profundidade, entre a articulação do
apresentava de forma não sistemática em diferentes épocas e
político\sujeito\discurso\ideologia.
segundo diferentes perspectivas, situando-a no século XX,
Acreditamos que esse evento cumpre um papel
temos os estudos dos formalistas russos (anos 20\30), que já
importantíssimo ao integrar acadêmicos da graduação, pós-
pressentiam no texto uma estrutura. Z. Harris (anos 50)
graduação e pesquisadores de renome nacional, bem como a
propunha o seu método distribucional pocedendo a uma análise
comunidade em geral, pois um dos objetivos principais do I
lingüística do texto como o faz na instância da frase.
ENCONTRO EM ANÁLISE DO DISCURSO é propiciar um
Nos anos 60 a AD se constitui como espaço de questões
debate franco e plural com todas as instituições presentes e que
criadas pela relação entre três domínios disciplinares que são ao
estão envolvidas nos debates e análises discursivas da inúmeras
mesmo tempo uma ruptura com o século XIX: a Lingüística, o
questões prementes ao nosso tempo.
Marxismo e a Psicanálise. E nada melhor para discutir esses
Resta-nos agradecer à toda comunidade participante
limites e perspectivas do que conectá-lo, associá-lo às questões
desse I ENCONTRO EM ANÁLISE DO DISCURSO:
contemporâneas, às entradas do novo e do diferente na esfera
LIMITES E PERSPECTIVAS, promovido pela Universidade
do discurso, que nos chega pela mídia, a relação com a política
Estadual de Mato Grosso do Sul – Unidade Universitária de
e os movimentos sociais, abrindo um manancial infinito de
Nova Andradina, este evento é a soma do trabalho profícuo de
possibilidades para o trabalho teórico e analítico, acarretando
profissionais que se dedicam aos estudos do discurso,
desafios teóricos-metodológicos, não impondo limites e
privilegiando as relações intrínsecas entre o lingüístico e o
perspectivas, afinal, seu caráter intervencionista e militante é
contexto social, conscientes da ação transformadora da língua
mais evidente hoje, diante da Globalização e da tendência
em sua relação dialética com a realidade. Essa tarefa
Neoliberalista em que vivemos, contextualizada com a França
dificilmente poderia caber a uma só pessoa. O fazer científico
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PROGRAMAÇÃO DO EVENTO
na Análise do Discurso no Brasil e, quiçá, em nosso Estado
apresenta como uma de suas características importantes o
trabalho coletivo, com resultados de altíssima qualidade que
Dia 02\05\2007
tem contribuído para a formação de novos pesquisadores e para
7:00 às 10:00 hs. – Inscrições
a consolidação do campo. Esse evento, assim como esse
9:00 às 9:15 hs. – Café
caderno de resumos, tem orgulho de integrar essa tradição.
Saudações discursivas...
13:30 às 18:30 hs. - Minicursos
Tema 1 – As estratégias Lingüística-Discursivas na Produção
(leitura e escrita) de texto
Anailton de Souza Gama
Profa. Dra. Maria Angélica Freire de Carvalho (UEZO\RJ – TV
Educativa SEED/MEC))
Tema 2 – Linguagem Publicitária
Profa.
Dra.
Jauranice
Rodrigues
(METROCAMP\UNICAMP)
Tema 3 - Identidade, Minorias e exclusão
Profa. Msc. Kassandra Muniz (UNICAMP)
Cavalcanti
5
Tema 4 – Sob a Inocência do Discurso: a linguagem e seu
funcionamento
Tema 10 – Análise do Discurso e Educação
Prof. Dr. Lauro José da Cunha (UNEMAT)
Profa. Dra. Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
Tema 5 – Discurso Além da Língua: visualidade e
Tema 11 – Foucault e a História
Corporeidade como objetos de análise
Prof. Msc. Clementino Nogueira de Souza
Prof. Dr. Wedencley Alves Santana
(UNICAMP/UNEMAT)
Profa. Msc. Edileuza Gimenes Moralis
Tema 6 – Línguas Indígenas
Profa. Msc. Valéria Faria Cardosos (UNICAMP/UNEMAT)
Tema 12 - Pesquisa em Análise do Discurso: Princípios e
Procedimentos
Tema 7 – Pesquisas em Tradições Discursivas e Mudanças
Profa. Dra. Vânia Maria Lescano Guerra (UFMS)
Lingüísticas
Prof. Msc. Antônio Carlos Santana
Tema 13 – Poesia Brasileira Contemporânea
Prof. Dr. Daniel Abrão (UEMS\UNESP)
Tema 8 – aspecto Bakhtinianos no Moderno Teatro Brasileiro
Prof. Dr. Wagner Enedino Corsino (UFMS)
Tema 14 – O Uso das Fontes Orais nas Ciências Humanas:
considerações de pesquisa
Tema 9 – Aspectos Discursivos da Obra “Viva o Povo
Profa. Dra. Maria Selma Borges (UFMS)
Brasileiro” de João Ubaldo Ribeiro
Profa. Dra. Rosimeire Aparecida de Almeida (UFMS)
Profa. Msc. Eliane Maria de Oliveira Giacon
6
Tema 15 – Sociolingüística em Sala de Aula: da teoria à prática
Profa. Dra. Nara Sgarbi (UNIGRAN)
Tema 21 – Reflexões sobre a Leitura em LE: pondo fim a
Vacuidade de sentidos nos textos didáticos
Tema 16 - a Identidade Cultural de um povo nas Letras de
Profa. Msc. Maria Lígia Aguiar (UEMS)
Música Country
Prof. Esp. Mônica Aparecida Matos (UEMS)
Tema 22 – O Jogo de Imagens no Discurso: o banco e a melhor
idade
Tema 17 – Na Tela do Cinema, a Mulher Brasileira
Profa. Msc. Adélia Maria Evangelista Azevedo (UEMS)
Profa. Msc. Raquel de Oliveira Fonseca (UEMS)
Tema 23 – Semiótica Narrativa e Discursiva
Tema 18 – A Descoberta da Afetividade Dentro da Teoria
Prof. Esp. Anailton de Souza Gama (UEMS\FINAN)
Psicanalítica: formação docente e ensino significativo
Profa. Msc. Sandra Albano da Silva (UEMS)
Tema 24 – Interpretação Textual e Análise Crítica do Discurso:
uma parceria para o ensino de língua portuguesa
Tema 19 – Análise do Discurso e os Processos de Leitura em
Prof. Msc. Francisco Vanderlei ferreira da Costa (UFGD)
Língua Inglesa: uma perspectiva prática
Prof. Msc. João Fábio Sanches Silva (UEMS)
Tema 25 – O Imagético nas Capas de Livros de Literatura: uma
análise discursiva
Tema 20 – Filosofia Wik – A Hora e a Vez do Discurso HiperTextual Colaborativo na Web
Profa. Dra. Maria Conceição Alves de Lima (UEMS)
Profa. Eliza da Silva Martins Peron (UEMS/UFMS)
7
Tema 26 - – Alienação ou Emancipação: uma proposta ao
Maria Conceição Alves de Lima (UEMS)
projeto político pedagógico
Profa. Espc. Adma Cristina Salles de Souza (UEL\UEMS)
Discurso, Alteridade e Gênero – Ed. Pedro e João.
Vânia Maria Lescano Guerra e Edgar Nolasco (orgs) (UFMS)
Tema 27 – Atlas Lingüísticos Regionais: instrumentos de
ensino de língua materna
(Re) Criação do Campesinato, Identidade e Distinção - – Ed.
Profa. Msc. Regiane Pereira Coelho dos Reis (UEMS)
UESP
Rosemeire Aparecida de Almeida (UFMS)
10:00 às 11:30 hs.
MESA REDONDA: Modalidades Discursivas em Suporte
20:00 às 21:30 – Apresentação Cultural
Digital
Grupo Vocal Vida e Voz
Profa. Dra. Maria Conceição Alves de Lima
Coordenação: Prof. Msc. Fernandes Ferreira (UEMS)
(UEMS\UNICAMP)
21:30 hs. – Palestra: Análise do Discurso: Limites e
11:00 às 13:30 hs. - Almoço
Perspectivas
Prof. Dr. Wendencley Alves Santana
19:00 às 20:00 hs. – Lançamento de Livros
Textualidade
e
Ensino:
os
aspectos
(UNICAMP\CAPES/UNIVERSO)
lógico-semântico-
Dia 03\05\2007
cognitivos da linguagem e o desempenho discursivo escolar Ed. Da UNESP
8:00 às 9:30 hs. – Mesa redonda A
8
Profa. Dra. Rosimeire Aparecida de Almeida (UFMS)
Identidade, Exclusão e Minorias
Prof. Dr. Vitor Wagner Neto de Oliveira (UFMS)
Identidade, Exclusão e Minorias
9:15 às 11:30 hs. Mesa –Redonda
Profa. Msc. Kassandra Muniz (UNICAMP)
Língua e Discurso: Contribuições Bakhtinianas
Esquecimento, Interpelação e Exclusão Social
Profa. Dra. Marina Célia Mendonça (UNIFRAN\UNI-FACEF)
Prof. Dr. José Lauro da Cunha (UNEMAT)
Um debate sobre a língua na Mídia segundo a perspectiva
Bakhtiniana
O Discurso da Exclusão em Plínio Marcos
Prof. Dr. Wagner Enedino Corsino (UFMS)
Profa.
Dra.
Jauranice
Rodrigues
Cavalcanti
(METROCAMP\UNICAMP)
Uma Introdução à Identidade do pedófilo
As Contribuições de Bakhtin para o Discurso Jornalístico
Prof. Msc. Paulo César Tafarello (UFMS/UNEMAT)
13:00 às 14:00 hs: Apresentação de Posters
8:00 às 9:00 hs. – Mesa redonda B
Poster 1
Movimentos Sociais em Análise do Discurso: Entre campo e a
Variação Lingüística: a oral e a escrita
cidade
Valdira Alves de Sá Fialho (UEMS)
Ariane Zaparolli Dalcico (UEMS)
Profa. Dra. Maria Celma Borges (UFMS)
Luciana Leal de Souza (UEMS)
9
Maria Morais (UEMS)
Poster 2
Kary Angelis Miranda (UEMS)
Linguagem Formal versus Linguagem oral: análise de alguns
Marcelo Rodrigo da Silva (UEMS)
metaplasmos
Maria Francisca Valiente (UEMS)
Poster 6
Maria Pastoura Benedita de Santana (UEMS)
Análise Comportamental de Práticas Pedagógicas
Luciene da Silva Santos Bomfim (UEMS)
Luciene da Silva Santos Bomfim (UEMS)
Maria Francisca Valiente (UEMS)
Poster 3
Maria Pastoura Benedita de Santana (UEMS)
Análise Psicológica: alguns aspectos da relação escolar
Marcos Antônio cáceres esteves (UEMS)
Poster 7
Alencar Jácomo dos Reis (UEMS)
Total Phisycal Response
Irani Fonseca Francisco (UEMS)
Reinaldo Coimbra de Oliveira (UEMS)
Neuza rodrigues Santana de Lima (UEMS)
Poster 4
Da Língua Oral à Escrita: análise de alguns metaplasmos
Poster 8
Blair Antônio de Farias (UEMS)
Método Proposto por Charles A. Curran para o Aprendizado de
Estela Duveza Teixeira (UEMS)
Línguas
Paula Juliana Rodrigues (UEMS)
Poster 5
Análise de Alguns Metaplasmos: entre o oralidade e a escrita
Andréia Fernanda de Souza (UEMS)
10
Poster 9
Necessidade de trabalhar o Antiracismo nas Séries Iniciais do
Poster 13
Ensino Fundamental
Regras mais Freqüentes Impostas aos Alunos na Sala de Aula
Maria Fêlix de Carvalho (UEMS)
Vera Alves de sá
Sandra Albano da Silva (UEMS)
Poster 10
Literatura como Expressão do Pensamento (semiótico)
Poster 14
Déborah Negrine Antico (UEMS)
Community Language Learning
Liani da Silva Militão (UEMS)
Poster 11
Daiana Francisca Zanovello (UEMS)
Análise Discursiva de Teorias Psicológicas
Laura Aparecida Crippa (UEMS)
Poster 15
Valdira Alves de Sá Fialho (UEMS)
Identificar os Rastros Trágicos na Obra “Gosta d’Agua”
Luciana Leal de Souza (UEMS)
Alcimar de Matos Tombini (UEMS)
Ariane Zaparolli Dalcico (UEMS)
Gerson Marcio da Silva (UEMS)
Sônia maria de Barros Cursino Pedroso (UEMS)
Poster 12
Análise do Desenvolvimento da Moral Autônoma em Alunos
Poster 16
do Ensino Médio de uma Escola
O Silêncio com Fator de Interação na Sala de Aula
Sandra Albano da Silva (UEMS)
Nádia Nalziza Lovera de Florentino (UEMS)
Vera Alves de Sá
Luciene Clementino Pereira Aguiar (UEMS)
11
Rozeli Conceição da Silva (UEMS)
Uiliana Julia Pereira dos Santos (UEMS)
Solange Pinheiro da Silva (UEMS)
Poster 17
Ranulfa Correia de Matos (UEMS)
A Produção Escrita e a Gramática
Regiane Jacinta de Brito (UEMS)
14:00hs às 15:00hs.Comunicação Individual e Coordenada
Margarida Xisto da Silva (UEMS)
Regiane da Silva Macedo (UEMS)
Mesa 1
Terror em São Paulo e Terror na Mídia
Poster 18
Vânia Maria Guerra Lescano (UFMS)
A Produção de Texto a partir da Diversidade de Gêneros
Jefferson Barbosa de Souza (PG/UFMS)
Textuais
Luana Cândida de Carvalho (UEMS)
Considerações sobre o Discurso de Garotas de Programa
Romilda Meire Souza Barbosa (PG/UFMS)
Poster 19
O Silêncio com Fator de Interação em Sala de Aula
“A Linguagem Habita Lalangue”: O equívoco do dizer e a não-
Nádia Nelziza Lovera Florentina (G/FINAN)
coincidência das palavras consigo mesmas
Luciene Clementino Pereira Aguaiar (G/FINAN)
Carlos Magno Viana Fonseca (PG/UFC)
Rozeli Conceição da Silva (G/FINAN)
Questões de Identidade e Representações Sul Matogrossenses
Poster 20
Uma Reflexão Racial e Social no Meio Educacional
Anailton de Souza Gama (UFMS/UEMS/FINAN)
12
Mesa 2
Diálogos Bakhtinianos entre o Cinema de Spielber e o
“O Uso de Genéricos e os “Apagamentos” em Saúde do
Romance de Kafka. Forças Hegemônicas em Discussão
Trabalhador”
Ivo Di Camargo Júnior (PG/UFSc)
Alessandra Moreno Maestrelli (PG/USP)
Entre o Asilo e o Exílio, a Condição da Literatura no Universo
“O Idoso "Excluído" no Bolsão Sul-Matogrossense: a
Midiático
identidade em questão”
Volmir Cardoso Pereira (PG/UFMS)
Yara de França Catarino Barros (PG/UFMS)
A linguagem Jurídica numa Perspectiva Pragmática: análise de
Gravidez na Adolescência: uma questão de efeito de sentido
Texto do STF
Irani Fonseca Francisco (G/UEMS)
Daniel de Mello Massimino (PG/UFMS)
Mesa 3
A Linguagem do Direito
O Processo de Monotongação no Português Falado em
Paula Abrão da Cunha (G-UEMS)
Dourados-MS
Elza Sabino da Silva Bueno (UEMS)
Mesa 5
O Bom e o Mau Poeta: o ethos nos prólogos de Terêncio
Estudo Sociogeolingüístico do Município de Iguape
Nahim Santos Carvalho Silva (PG/USP)
Roseli da Silveira (PG/USP)
A Reciclagem de Discursos em Quarto de Desejo, de Carolina
Mesa 4
Maria de Jesus
13
Letícia Pereira de Andrade (PG/UFMS/CPTL)
A Fragilidade da Identidade Indígena numa Comunidade
Próxima a um Centro Urbano
15:30hs. Às 17hs. Comunicação Individual e Coordenada
Sandra Espíndola (UEMS)
Mesa 6
Apontamentos sobre Violência, Relações de Gênero e Análise
A Leitura no Ensino Fundamental
Crítica do Discurso
Emílio Davi Sampaio (UEMS)
Tânia Regina Zimmermann (PG/UNIPAR/UEMS)
História Consica da Leitura no Mundo Ocidental
O Guarani e sua Relação com a Identidade Cultural da América
Valter Ribeiro dos Santos Junior (G-UEMS)
do Sul
Nádia Nelziza Lovera de Florentino (G/FINAN)
Apelo Sócio-Cultural da Leitura
Rosimar Francelino da Silva (UEMS)
Mesa 8
As Múltiplas Linguagens na Análise de Fontes Históricas
Os Benefícios da Leitura
Maria Neusa G. Gomes de Souza (CPCX/UFMS)
Elizabete Maria dos Santos (G-UEMS)
Uma Abordagem Semiótica do Texto da Canção “Onde Estará
Mesa 7
o Meu Amor” Chico César
Linguagem: arco e flecha na caça ao sentido
Rosemeire de Almeida Aguero (PG/UEMS)
Adilson Crepalde (UEMS)
14
“O Senhor das Armas” (Lord of War) Discurso Cínico ou
Beligerante?
Mesa 10
Eusvaldo Rocha Neto (CE/UEMS)
A Importância de Contar História nas Escolas
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
A Possível Exclusão das Comunidades Indígenas Ocasionada
Michelle Cristianne de Souza Gonçalves (G/UEMS)
pelas Diferenças Lingüísticas
Rosemeiro Maziero Fernandes (G/UEMS)
Michele Aparecidade Sá
Mesa 11
Mesa 9
Análise da Conversação
Literatura como Expressão do Sentimento (semiótica)
José Amorim da Silva (G/FINAN)
Geane Carla Di Benedeto (G/FINAN)
Deborah Negrine Ântico (G/FINAN)
Um Estudo Ideológico de Alguns Discursos Midiáticos
Televisivos
Rastros do Trágico na Obra “O Santo Inquérito” de Dias
Olga Talita Furlan Mazzei (FAIS)
Gomes
Ilma Benício Tavares (G/UEMS)
Discurso e Charges
Priscila Mendes Daosico (G/UEMS)
Cleide Pires de Moraes (G/UEMS)
Gonçalo Mendes Ramires – Personagem como Metáfora na
Mesa 12
Obra de Eça de Queiroz
“Denis, O Pimentinha” Segundo as Teorias da Análise do
Liani da Silva Militão (G-UEMS)
Discurso
15
Renata Borba Fagundes (G/UEMS)
A Literatura Infanto-Juvenil: despertando o prazer da leitura na
Discurso e Identidade do Professor Construído pelo Aluno
sala de aula
Vanda Lúcia Godoi Garcia Marques (G/UEMS)
Ana Paula Machado (G-UEMS)
Discurso e Ideologia na Ignografia Representiva Sul-
Reflexões sobre a Leitura em LE: pondo fim a Vacuidade de
Matogrossense
sentidos nos textos didáticos
Anailton de Souza Gama (PG/UFMS/UEMS/FINAN)
Maria Lígia Aguiar UEMS
A Identidade Cultural de um Povo nas Letras de Música
Mesa 14
Country
VIda Cachoeirinha: um cenário de sonho
Mônica Aparecida Matos (UEMS)
Danieli Tavares (G-UEMS)
Mesa 13
Uma Análise Sobre Atividade de Leitura em Língua Inglesa
O Teatro como Forma de Aprendizagem
Bruna Bonancin Torrecilha Lopes (G-UEMS)
Claudia Alves Gomes (G-UEMS)
Os Livros mais Vendidos: um estudo sobre a recepção como
A Importância dos Contos de Fada na Escola
Michele Cristianne Souza Gonçalves (G-UEMS)
imposição às escolhas e gosto do público leitor
Daniele Alves Silva (PG/UEMS)
Rosemeire Mazieiro Fernandes (G-UEMS)
Aláide Pereira Japecanga Aredes(UEMS)
20:00 às 21:30 hs. Mesa redonda
16
Questões de Discurso e de Gênero
O Funcionamento Textual-Discursivo nos Rótulos em Artigos
de Opinião
O “Novo” domesticado: gênero como ritual da formulação
Profa. Dra. Maria Angélica Freire de Carvalho (UEZO\RJ)
diante do acontecimento discursivo no jornalismo
Prof. Msc. Wedencley Alves Santana (UNICAMP\CAPES)
A AD e o Discurso Mítico Indígena
Profa. Dra. Nara Sgarbi (UNIGRAN)
Questões de Discurso e de Gênero Publicitário
Profa. Msc. Ana Lúcia Furquim de Campos (UNIFA-
Discurso e metodologia: tensão na análise
CEF\UNIFRAN\UNESP)
Marlon Leal Rodrigues (UEMS)
Questão de discurso e de Gênero de Auto-Ajuda
Nas malhas da AD: Obediências e travessuras
Profa. Dra. Sheila Fernandes Pimenta e Oliveira (UNI-
Janaina Nicola (UFMS)
FACEF\UNESP)
08:00hs às 09:30hs. Mesa redonda B
04\05\2007
Lexicologia e Lexicografia
8:00 às 9:30 hs. Mesa-redonda A
O Vocabulário da Erva-Mate no cone Sul
Discurso e texto: Fronteiras e Aproximações
Prof. Msc. Aparecido Lázaro Justiniano (FIP)
17
Um olhar para a Toponímia Sul-Matogrossense: resultados
parciais
13:00hs às 15hs. Comunicações Individual e Coordenadas
Profa. Msc. Marineide Cassuci Tavares.
Atlas Lingüístico de Ponta Porá-MS: notícias de um Atlas
Mesa 1 Comunicação Coordenada
concluído
Concepções teóricas da Semântica e da AD na formação do
Profa. Msc. Regiane Coelho Pereira Reis (UEMS)
professor
10:00hs às 11:30hs. Mesa redonda
Concepções teóricas e as relações com a formação do professor
Coordenadora: Adélia Maria Evangelista Azevedo (UEMS)
História, Discurso e Política
A charge "Radical Chic" - a enunciação em foco
Discurso Apologético da escravidão “feliz”: Da Casa grande ao
Elena Rodrigues Alarcon (G/UEMS)
Sobrado
Profa. Dra. Maria do Carmo Brazil (UFGD)
A negação na crônica "Teleantevisão"
Tania Roberta Benites Carvalho (G/UEMS)
Tradições Discursivas e Comunidades Quilombolas de Mato
Grosso do Sul
A formação do professor e a realizade do ensino
Prof. Msc. Antonio Carlos Santana de Souza (UEMS\USP)
Sandra Regina Alez Herter Pereira (G/UEMS)
Sujeito Político e sua Constituição
Mesa 2
Profa. Msc. Edileuza Gimenes Morais (UNEMAT\UNICAMP)
Alguns Sentidos do Discurso sobre os Seios Femininos Caídos
18
Fernanda Aline de Andrade (PG/UFMS)
Mesa 4
Sr. Trovões: polifonia e dialogismo em “O menino do dedo
A Não-Coincidência das Palavras com as Coisas: o real da
verde”
língua a nomear
Mariana Maciel dos Santos Souza (G/UEMS)
Carlos Magno Viana Fonseca (PG/UFC)
Reescritura e o Encontro com os Outros: uma análise desse
Mesa 3
discurso
Educação de Jovens e Adultos: questões de gênero
Eliza da Silva Martins Peron (PG/UFMS)
Márcia Regina Adão de Souza (G/UNICAMP)
Entre a Crítica e o Humor: polifonia, dialogismo e
Discurso e Identidade: as cotas na UEMS
carnavalização em Charges Jorn
Lúcia Alves Demétrio (G/UEMS)
Hellen Suzana da Cruz Miranda (PG/UFMS)
Discurso de Cotas na UEMS: uma questão polêmica
O Discurso dos Bons Exemplos na Literatura de Cordel: uma
Maria Francisca Valiente (G/UEMS)
forma
de
entretenimento,
informação
e
correção
comportamento
Racismo e Preconceito nas Séries Iniciais do Ensino
Raymundo José da Silva (PG/UEMS)
Fundamental
Maria Fêlix de Carvalho (G-UEMS)
Mesa 5
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
Práticas Interacionistas no Ensino de Língua Inglesa
Fernandes Ferreira de Souza (UEMS)
de
19
Produção Textual – uma perspectiva interacionista a partir do
Memória coletiva e Construção de Identidade: aproximações e
discurso relatado
Considerações
Geraldo José da Silva (UEMS)
Ana Claudia Duarte Mendes (UEMS)
O Ensino de Língua Inglesa sob Aspectos Culturais
A Memória Coletiva Presente em “Minha cidade Era Assim”
Bruna Bonacin Torrecilha Lopes (G/UEMS)
de Emmanuel Marinho
Kátia Silene Rodrigues (PG-UEMS)
Total Physical Response
Reinaldo Coimbra de Oliveira (UEMS)
Mesa 7
Aspecto do Português em Macau: uma questão de dialeto
A Escola na Visão de Foucault e Girox: um debate possível
Geraldo José da Silva (UEMS)
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
Raymundo José da Silva (UEMS)
Mesa 6
A Questão da Identidade em Dorian Gray
Estrangeirismos: invasão ou enriquecimento lingüístico?
Mara Regina Pacheco (PG-UEMS)
Thiago Teodoro Rupere (G-UEMS)
Fernandes Ferreira (UEMS)
Mesa 8
A Questão Étnica na Obra “Viva O Povo Brasileiro” de João
Dos Diáris Íntimos Tradicionais ao Blogs Virtuais
Ubaldo Ribeiro
Luciane Silva Castro(G-UEMS)
Rosana Pereira de Souza (G-UEMS)
20
A Construção Colaborartiva do Plano Municipal de Edcuação
de Nova Andradina-MS
Vocabulário de Fronteira: a influência cultural do Paraguai
Sandra Albano DA SILVA (UEMS)
Andréia dos Santos Fernandes (FPI)
Nábia Massaroto da Silva (FIP)
O Texto Escrito e a Imagem: na Obra Marcelo Marmelo
Martelo e o Outras Histórias
Uma Visão da Linguagem da Religião e da Crença
Nilza Pires dos Santos Silva (PIBIC/UEMS)
Cíntia Arce (G/FIP)
Falando Através da Escrita: uma característica da linguagem
Mesa 10
dos Webchats
Os Quadros Sociais da memória: a poesia de Flora Egídio
Juliana Ceobaniuc da Silva Michelini (UEMS)
Thomé e Raquel Naveira
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
Ana Cláudia Duarte Mendes (UEMS)
Maria Conceição Alves de Lima (UEMS)
O Discurso da Tríade: poder, sexo, dinheiro em Arthur de
15:00hs. Às 17:00hs. Comunicação Individual e Coordenadas
Azevedo
Mara Regina Pacheco (G/UEMS)
Mesa 9 Comunicação Coordenada
Estudos do Léxico Regional
Ex-Ribeirinho: discurso e identidade
Neuraci Vasconcelos Reginaldo (PG/UFMS)
O Léxico na Música Regional de Mato Grosso do Sul
Coordenadora: Marineide Cassuci Tavares (PIF)
Mesa 11
21
O Preconceito e o Racismo nas Escolas Públicas e Particulares
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
de Nova Andradina
Michelli Fernanda de Souza Dan (G/UEMS)
Leuzeni Moreira Dias (G/UEMS)
Letícia de Fátima Dias Wedekin de Oliveira (G/UEMS)
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
Mauro Eduardo de Souza (G/UEMS)
O Burnout: a síndrome de desistência que pode causar a
Uma Reflexão sobre Formação de Professores
falência na educação
Rita de Cássia Marcon (G/UEMS)
Ednalva Regina Oliveira Alves (G/UEMS)
Mesa 13 Coordenada
A construção da Leitura e da Escrita num Adulto, Trabalhador
Análise do Discurso: múltiplos objetivos
Rural
Regina Albano da Silva (SP)
Os Múltiplos Objetos da Análise do Discurso: da ordem fixa do
arquivo à oscilação do ordinário
O Teatro Inserido como Apoio Pedagógico no Ensino
Coordenadora: Mara Rúbia de Souza Rodrigues Morais
Fundamental
(PG/UNESP)
Vilma Marques Dutra da Cruz Natal (UEMS)
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
Mulher e política: limites de discursos, de poder
Fernanda Fernandes Pimenta de Almeida Lima (PG/UNESP)
Mesa 12
O Análise do Discurso nas Produções de Texto. O Caso da E.
O discurso de resistência nas crônicas do Acre
M. Efantina de quadro
Marília Lima Pimentel (PG/UNESP)
22
Mesa 14
Mesa 15
Diversidade de Gêneros Textuais como Incentivar à Leitura
Beatriz Aparecida Alencar
As Relações de Trabalho no Cotidiano Escolar à Luz da Teoria
da Ação Comunicativa de Habermas
Diversidade de Gêneros Textuais como Incentivo à Leitura
Alaíde Pereira Japecanga Aresdes (UEMS)
Luana Cândida de Carvalho (G/UEMS)
Candido Vieitez Guiraldez (UNESPE/MARÍLIA)
Estela Natalina Mantovani Bertoletti (G/UEMS)
Silvane Aparecida de Freitas Martins (UEMS)
20:30 às 21:30 hs. ENCERRAMENTO
O Mau Uso da Língua Portuguesa
Limites e Perspectivas
Juliana Marques de Matos Amorim (G/UEMS)
AD: Novos objetos, Novas Práticas Analíticas
Aurelinho e Dicionário Ilustrado de Português: uma análise
Profa.
lexicográfica
(UNESP\ARARAQUARA)
Dra.
Maria
do
Sandra Cristina Miotto de Gouvêa (PG/UFMS)
A AD como Teoria dos Textos
A Linguagem Escrita: considerações sobre a produção textual
do ensino fundamental
Anaísa Nantes de Araújo (G- UEMS)
Elza Sabino da Silva Bueno (UEMS)
Prof. Dr. Sírio Possenti (UNICAMP)
Rosário
Gregolin
23
RESUMOS
(segue a ordem da programaçao)
MINI-CURSOS
Tema 1: As Estratégias Lingüística-Discursivas na Produção
(leitura e escrita) de Texto
Profa. Dra. Maria Angélica Freire de Carvalho (UEZO/RJ - "
Salto para o Futuro" - TV Escola/SEED/MEC)
Tema 2: Linguagem Publicitária
Profa. Dra. Jauranice Rodrigues Cavalcanti (METROCAMP /
UNICAMP)
Tema 3: Identidade, Minorias e Exclusão
Profa. Msc. Kassandra Muniz (UNICAMP)
O que leva uma criança afro-brasileira a abandonar os bancos
escolares em sua idade de grande criatividade e vivacidade
jovial? Essa poderia ser minha (uma)pergunta de pesquisa. No
entanto, o que procura-se não está no aqui e agora, mas sim na
24
retroatividade. Pu(o)de perceber, como educadora do ensino de
Tendo em vista uma defasagem entre a evolução dos estudos
jovens e adultos, um silenciar que falava (gritava) aos meus
acerca do funcionamento dos processos discursivos e a
ouvidos das mulheres negras moradoras na cidade de
socialização
Campinas. Silenciavam suas histórias. Várias atividades foram
principalmente entre os cidadãos comuns, faz-se mister
construídas no intuito de dar voz, através da escrita, para essas
questionar o sentido habitual da palavra comunicação, e
mulheres silenciadas. E no decorrer desse levantamento,
possibilitar um conhecimento de pelo menos duas teorias que
pudemos(pode-se)detectar que sua invisibilidade negra e
vemos embasar, freqüentemente, diversos discursos em
feminina estava no apagamento de sua etnicidade, na sua
circulação na sociedade brasileira. Tomamos duas teorias para
introdução ao ambiente escolar (por volta dos sete/oito anos) e
representar,
gradativamente no mercado de trabalho. Essa construção do
comunicação (que representamos pelo modelo de Roman
silenciamento perpassa pelos ambientes familiares e escolares e
Jakobson) e um modelo moderno (que representamos por
está relacionado ao processo histórico escravocrata ocorrido na
reflexões de Michel Pêcheux acerca do funcionamento dos
cidade de Campinas. Tal proposta de investigação, de cunho
processos discursivos). Propomos o estudo e a análise de
etnográfico, pretende dar visibilidades a essas mulheres, que já
discursos institucionais que mostrem uma alternância no uso de
foram filhas, mães e hoje são mães e avós.
uma ou outra teoria, alternância essa que se reflete em efeitos
desses
conhecimentos
respectivamente,
um
na
modelo
sociedade,
clássico
de
de sentido distintos. Este mini-curso objetiva discutir e
Tema 4: Sob a Inocência do Discurso: A Linguagem e seu
explicitar processos de comunicação em curso na sociedade,
Funcionamento
utilizados não somente na política, e não somente por políticos,
Prof. Dr. Lauro José da Cunha (UNEMAT)
mas por todos nós, em variadas circunstâncias. Antes de tudo,
pretende sensibilizar o público-alvo interessado para as
materialidades utilizadas para a produção de efeitos de sentidos
25
em diversas produções discursivas. Objetivos específicos: -
publicados pela mídia televisiva e impressa, com o objetivo de
refletir sobre dois modelos lingüísticos, um representado por
familiarizar e sensibilizar o público-alvo para os mecanismos
Roman Jakobson e outro por Michel Pêcheux, objetivando, a
que regulam o funcionamento dos processos discursivos; a
partir daí, evidenciar as diferenças a que pode levar a filiação
partir da identificação das materialidades que compõem o
de um discurso a um modelo ou outro; - resgatar reflexões
discurso, e familiarização com as mesmas, discutir os eventuais
acerca de referenciais teóricos da Análise de Discurso de linha
efeitos de sentido que criam nas condições de produção
francesa, conforme tem se desenvolvido no Brasil, como modo
específicas.
de permitir para o público o acesso a um dispositivo de
Palavras-chaves: Discurso, Funcionamento.
interpretação do funcionamento dos processos discursivos.
Como principais tópicos a serem explorados, apresentamos a
Tema 5: Discurso Além da Língua: Visualidade e Corporeidade
questão do sujeito, das condições de produção, o mecanismo de
como Objetos de Análise
antecipação, os discursos pré-construídos, as relações de
Prof. Msc. Wedencley Alves Santana (UNICAMP/CAPES)
sentido, as relações de força, as formações imaginárias, o poder
no esquecimento (no sentido desenvolvido por Pêcheux) na
Tema 6: Línguas Indígenas
sobredeterminação das práticas discursivas; - sensibilizar para
Profa. Msc. Valéria Faria Cardoso (UNEMAT/UNICAMP)
as materialidades que compõem os mais variados discursos
(relação corpo/linguagem, o silêncio, objetos, posições,
Tema 7: Pesquisas em Tradições Discursivas e Mudanças
movimentos, cores, foco, etc., até chegar no discurso verbal),
Lingüísticas
partindo de situações discursivas com as quais o público-alvo
Prof. Msc. Antônio Carlos Santana de Souza (UEMS/USP)
esteja familiarizado para situações mais abrangentes; - proceder
a um estudo (análise) de diversos discursos institucionais
Tema 8: Aspectos Bakhtinianos no Moderno Teatro Brasileiro
26
Prof. Dr. Wagner Enedino Corsino (UFMS)
Tema 9: Aspectos Discursivos da Obra "Viva o Povo
Brasileiro" de João Ubaldo Ribeiro
Tomando como ponto de partida os critérios propostos por
Profa. Msc. Eliane Maria de Oliveira Giacon (UEMS)
PRADO (1987) - o que a personagem revela sobre si mesma, o
que ela faz e o que os outros pensam a seu respeito -, o objetivo
deste mini-curso é traçar um perfil das personagens centrais de
O objetivo deste trabalho é analisar alguns aspectos
três peças do moderno teatro brasileiro do dramaturgo Plínio
dos discursos que constituem o discurso da obra Viva o Povo
Marcos – Abajur lilás, A mancha roxa e Homens de papel -, de
Brasileiro (1982) de João Ubaldo Ribeiro como um discurso
modo a estabelecer homologias entre as estruturas artísticas e
agenciador de outros discursos. Nesse sentido é importante
as estruturas mentais dos grupos sociais marginalizados,
considerar que em uma estante, mesmo que metaforicamente,
ressaltando ligações entre os artifícios discursivos e a ideologia
ou até mesmo amontoados em caixas nos cantos de um
subjacente no objeto da análise. Além disso, trazer para o cerne
cômodo, os livros despertam a nossa curiosidade pelo o que
das discussões os conceitos bakhtinianos de dialogismo,
pode haver dentro deles. Isso talvez se explique pelo fato de
carnavalização e polifonia (Bakhtin, 1993 e 1999), para ancorar
que eles foram tidos durante muitos anos como sendo uma
as análises das obras. O estudo será predominantemente
“forma oculta” de discurso ou discursos que não produziram
intrínseco, centrado na exploração do texto como forma e
um efeito de sentidos capaz de se impor, guardadora de outros
estrutura, como história e discurso, sem abandonar as temáticas
discursos que se constituem em segredos, entre os vivos, os
(exclusão, AIDS/vida em presídios e subemprego) e seus
mortos e os deuses, favorecendo assim uma relação misteriosa
vínculos sociológicos, bem como o caráter de signos
entre as “coisas-a-saber” do discurso ou o seu “conteúdo” e o
ideológicos que ali assumem as personagens.
efeito de sentido dos mesmos e a forma como eles foram
constituídos e materializados em texto. Os livros, assim, se
27
ultrapassam o “poder" simbólico, inscrevendo-se em unidades
pelo poder. Há aqueles que até adoecem se lhe tirarem um
“individuais” e dramáticas do passado com um discurso
cargo, no qual ele exerce certo poder, mesmo que seja mínimo
histórico “que se produz em condições históricas determinadas
em relação a também um grupo minúsculo de pessoas. As
e projeta-se no futuro porque cria tradição, passado e influencia
relações de trabalho nestes âmbitos se constituem em relações
novos acontecimentos” de acordo com Orlandi (1990, p. 35),
de poder. Geralmente predomina na escola um poder
pelo efeito de sentido, que demanda sentidos na produção de
centralizador. Na escola básica pelo diretor, na Universidade,
uma diversidade de textos, os quais ao longo do tempo são
por grupos ligados ao Reitor. Chamar Michel Foucault, de
carregados de significados que “cada leitor confere de acordo
maneira especial reportando às obras da década de 60 – As
com certa leitura” que podem também variar de acordo com o
Palavras e as coisas, A Arqueologia do saber, Microfísica do
corpus teórico tomado, a fim de delimitar alguns fatores
Poder, Vigiar e Punir é minha intenção. Sendo assim, pretendo
relativos ao discurso materializado no texto como o da época
contribuir para uma discussão em torno de algo delicado, mas
histórica e da concepção filosófica discursiva de “autor”
que precisa ainda ser trabalhado.
(Foucault, 1997).
Palavras-chaves: Poder, Educação Básica, Universidade,
Discurso.
Tema 10: Análise do Discurso e Educação
Profa. Dra. Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
Tema 11: Foucault e a História
Prof. Msc. Clementino Nogueira de Souza
Quando me propus a fazer este mini-curso o meu principal
(UNEMAT/UNICAMP)
objetivo era mostrar que existe na Educação de modo geral,
Profa. Msc. Edileuza Gimenes Moralis
tanto na Educação Básica, quanto nas Universidades, uma
(UNEMAT/UNICAMP)
atração muito grande por parte da maioria dos profissionais
28
Tema 12: Pesquisa em Análise do Discurso: Princípios e
Procedimentos
Tema 13: Poesia Brasileira Contemporânea
Profa. Dra. Vânia Maria Lescano Guerra (UFMS)
Prof. Msc. Daniel Abrão (UEMS/UNESP)
O mini-curso procura mobilizar modos de análises sob a
Tema 14: O Uso das Fontes Orais nas Ciências Humanas:
perspectiva discursiva, buscando ampliar as possibilidades de
Considerações de Pesquisa
reflexão sobre as questõe relativas à linguagem/identidade, no
Profa. Dra. Maria Selma Borges (UFMS)
domínio
Profa. Dra. Rosimeire Aparecida de Almeida (UFMS)
aplicado.
Isso
implica
alguns
deslocamentos
necessários em relação à noção de sujeito e de discurso por
parte do investigador. Dessa forma, olhar para o discurso não
Tema 15: Sociolingüística em Sala de Aula: Da Teoria à
pode se restringir a uma análise do produto lingüistico visto
Prática
como uma seqüência linear, tampouco como superfície
Profa. Dra. Nara Sgarbi (UNIGRAN)
acabada. Assim sendo, temos a preocupação de compreender
conceitos para que possamos problematizar na/pela linguagem
O curso pretende discutir conceitos da Sociolinguística
os dizeres que constituem a identidade na sua relação com a
variacionista (Labov, 1972), expor recortes de análises
linguagem.
um percurso
sociolinguísticas desenvolvidas em sala de aula e demonstrar a
investigativo, nos deparamos com tensões e conflitos, com
aplicabilidade e funcionalidade da mesma, assim como refletir
ilusões e certas "pedras" no caminho. Mas é isso o que torna o
sobre
processo mais instigante, essa necessidade de nos enxergarmos
comportamento
como outros, de nos interrogarmos acerca do que nos parece
comunidade de fala , possibilitando aos alunos das classes
estranhamente familiar.
sociais desfavorecidas o acesso à cultura letrada e, com isso, a
Nessa
tentativa
de
desenhar
o
papel
do
professor
lingüístico
enquanto
observável
mediador
dentro
de
do
uma
29
chance de lutarem pela cidadania com os mesmos instrumentos
Tema 18: A Descoberta da Afetividade Dentro da Teoria
disponíveis para os falantes já pertencentes às camadas sociais
Psicanalítica: Formação Docente e Ensino com Significado
privilegiadas .
Profa. Msc. Sandra Albano da Silva (UEMS)
Tema 16: A Identidade Cultural de um Povo nas Letras de
Tema 19: Análise do Discurso e os Processos de Leitura em
Música Country
Língua Inglesa: Uma Perspectiva Prática
Profa. Espec. Mônica Aparecida Matos (UEMS)
Prof. Msc. João Fábio Sanches Silva (UEMS)
Este workshop tem como objetivo analisar a identidade cultural
Tema 20: Filosofia Wiki - A Hora e a vez do Discurso Hiper-
de um povo do Sul e Oeste dos Estados Unidos através de um
textual Colaborativo na Web
ritmo folclórico dos colonos que ocupavam as terras nas
Profa. Dra. Maria Conceição Alves de Lima
montanhas Apalaches; o “country music”. A idéia é apresentar
(UEMS/UNICAMP)
a origem da música country; música rural, conhecida como
blues pelos brancos, evidenciando o contexto histórico para
Tema 21: Reflexões sobre a Leitura em L E: Pondo fim a
compreendermos a formação de uma identidade constituída nos
Vacuidade de Sentidos nos Textos Didáticos
discursos dos compositores e cantores atuais e antigos da
Profa. Msc. Maria Ligia Aguiar (UEMS)
época, como Jimmie Rodgers, o pai do country.
A leitura em uma língua estrangeira (LE) não trata apenas da
Tema 17: Na Tela do Cinema, a Mulher Brasileira
decodificação
Profa. Msc. Raquel de Oliveira Fonseca (UEMS)
significados. É processo dinâmico de desenvolvimento e
de
vocabulário,
mas
da
construção
de
implementação de estratégias e deveria ser entendida como
30
ampliação de conhecimento, instrumento de reflexão crítica e
embasamento teórico da AD (Análise do Discurso de linha
meio de transformação da sociedade, objetivo último da
francesa) o jogo de imagem que se manifesta na tessitura do
educação.
discurso publicitário de agências bancárias direcionado ao
interlocutor da melhor idade. Conteúdo: *Conceitos de texto e
Tema 22: O Jogo de Imagens no Discurso Publicitário: O
discurso; Surgimento da disciplina (ciência) Análise do
banco e a melhor idade
Discurso (AD) de linha francesa; Principais fases da AD; As
Profa. Msc. Adélia Maria Evangelista Azvedo (UEMS)
condições de produção e o jogo de imagens a partir do teórico
M. Pêcheux; Análise de 03(três) discursos publicitários de
A Análise do Discurso é uma ciência que surgiu com o objetivo
agências bancárias ao público da melhor idade brasileira.
de investigar na tessitura do discurso escrito aspectos sociais e
Discussões e reflexões sobre as formações discursivas que se
ideológicos de uma determinada sociedade. A partir dessas
mostram nas peças publicitárias.
considerações
iniciais
escolhemos
um
corpus
para
investigarmos através do jogo de imagens e as condições de
Tema 23: Semiótica Narrativa e Discursiva
produção que antecedem ao discurso publicitário de agências
Prof. Anaílton de Souza Gama (UEMS)
bancárias direcionadas ao público da melhor idade. A análise e
as reflexões do material coletado direcionam o profissional da
O termo Semiótica reúne diferentes teorias. Todas têm em
área de Letras a um olhar mais atento e dinâmico, porque
comum a preocupação com o sentido, com a significação.
concebe o uso da linguagem como processo de interação verbal
Santaella e Noth afirmam que “a semiótica é a ciência da
contínuo que precisa ser questionado quanto ao uso e quanto ao
significação e de todos os tipos de signos”. Interessa-nos, no
conhecimento dos processos discursivos que antecedem a
momento, saber que existem três grandes teorias semióticas = a
produção do discurso. Objetivos: Analisar a partir do
doutrina dos signos elaborada pelo norte-americano Charles
31
Sanders Peirce, a Semiótica da Escola de Tártu – também
Tema 24: Interpretação Textual e a Análise Crítica do
conhecida como semiótica russa -, e a Semiótica francesa,
Discurso: uma parceria para o ensino de língua portuguesa
proposta por Greimas. A Semiótica de Greimas e a Escola de
Prof. Msc. Francisco Vanderlei Ferreira da Costa (UFGD)
Tártu têm uma base semelhante – os estudos de Saussure – são
geralmente complementares. Greimas constrói sua teoria a
A interpretação textual é encarada como o momento do ensino
partir das contribuições de diversos autores, principalmente de
que o professor deve mostrar ao aluno algo que não está na
Ferdinand de Saussure, Louis Hjemslev, Vladimir Propp e
superfície do texto, mas que caso o leitor não perceba não
Claude Lévi-Strauss. Assim, a Semiótica aqui proposta tem
conseguirá entender completamente os significados presentes
como princípios gerais estudar a significação dos textos, ver a
em tal texto. Muitas vezes, entretanto, o texto em sala de aula
realidade do texto como uma construção, ser uma teoria do
não consegue ultrapassar os limites da superfície textual. E,
texto, entendido em seu aspecto mais global; descrever e
mais grave, não consegue ultrapassar o limite do lingüístico
explicar o que o texto diz e como faz para dizer o que diz, não
para chegar ao contexto social. A situação de construção do
se preocupando com o ato de criação ‘real’ do texto mas se
significado em sala de aula precisa ser explicitada para que
atendo aos efeitos que essa produção deixa apreender. O texto
tanto professor quanto aluno possam lidar com o texto como o
aqui entendido como uma espécie de ‘ilusão’, construindo uma
produto de uma interação social. Por isso, seu significado é um
imagem de autor, do que quer convencer, a criação do
construto que não está somente na segmentação, está sim -
simulacro. Procura-se também analisar o ‘fazer’ do sujeito para
muito mais - em elementos fora do segmento lingüístico. Com
o ‘ser’ do sujeito – semiótica da ação – abordando as paixões =
isso a interpretação deve vislumbrar muito mais que questões
“efeito de sentido passionais produzidos no discurso”.
do texto, precisa mostrar questões que localizam o leitor na sua
Palavras-chaves: sentido, significação, signos
própria história. Objetivos: Discutir a interpretação textual
dentro de um contexto discursivo. Metodologia: Selecionarei
32
músicas e textos jornalísticos atuais para trabalhar com a
como incorpora elementos alheios ou os rejeita, permite-nos
interpretação textual. Mostrarei em textos da música popular
observar os processos de assimilação criativa desses elementos,
brasileira, principalmente o Rap, e nos textos jornalísticos
favorecendo não só o conhecimento da peculiaridade de cada
(jornais do Estado do Mato Grosso do Sul) como o discurso
texto, mas também o entendimento dos processos de produção
torna a interpretação mais palpável.
literária. Percebemos então nessas reescrituras que os diálogos
se tornam produtos do encontro com o outro, da alteridade. O
Tema 25: O Imagético nas Capas de Livros de Literatura: uma
presente trabalho tem por intuito analisar como ocorre esse
análise discursiva
discurso, esse processo de assimilação, desse “encontro com os
Profa. Eliza da Silva Martins Peron (UFMS/CEUL)
outros”.
Os discursos não se encerram nos limites da linguagem ou da
Tema 26: Atlas Lingüísticos Regionais: instrumentos de ensino
uniformização. A realidade social é estruturada por discursos,
de língua materna
sendo que tanto a cultura da minoria (erudita), como a de massa
Profa. Msc. Regiane Coelho Pereira dos Reis (UEMS)
(popular) são manifestações da sociedade e todos esses
discursos convivem harmoniosamente. Nas narrativas pós-
Várias ciências ocupam-se do estudo da relação entre o homem
modernas pode-se dizer que as reescrituras interessam na
e sua linguagem. À Lingüística cabe o papel de descrever as
medida em que os diálogos, ao mesmo tempo em que se fazem
línguas humanas e de demonstrar como elas se configuram no
intimistas, demonstram estranhamento decorrente do encontro
âmbito de uma comunidade, além de documentar a importância
com as outras formas de cultura. Assim, a investigação dos
que esta confere à língua que fala. Dentre os diferentes ramos
elementos intertextuais, bem como o exame de como ocorre a
da Lingüística situam-se a Dialetologia e a Geolingüística que
absorção ou a transformação de um texto ou de um sistema e de
voltam seus estudos para a descrição das diferenças regionais
33
da modalidade oral da língua, mapeando-as em cartas
forma sutil, em culturas e sociedades diversas. Neste trabalho,
lingüísticas que integram os atlas lingüísticos, resultados finais
intentamos revelar algumas dessas “fotografias” lingüísticas
das pesquisas geolingüísticas. A importância dos atlas,
retiradas de atlas Lingüísticos regionais brasileiros com o
enquanto “álbum de fotografias’ de redutos lingüísticos
intuito de demostrar sua aplicação e eficácia no ensino de
investigados numa dada época, tem sido divulgada e
língua materna. Entre os atlas analisados estarão o EALMG,
demonstrada
APFB, ALS II, ALiPP, entre outros.
por
estudiosos
brasileiros
dessa
área,
especialmente, na última década. Sobre o assunto, assim se
pronunciaram FERREIRA et al (1996, p. 488): um Atlas
Temas 27: Um discurso de emancipação ou alienação?:Uma
lingüístico vale, assim, como registro documental da língua
proposta de projeto pedagógico
viva e como produto de uma reflexão sobre ela. Porém, como
Profa. Adma Cristhina Salles de Oliveira (UEL/UEMS)
instrumento de trabalho, ele pode ser ponto de partida para
novas investigações, multiplicando-se, assim, o seu valor. É
O presente trabalho discute os indicadores que permeiam a
fato inegável, que os atlas lingüísticos têm servido como
construção do projeto pedagógico, através do exercício das
“fotografias”
de
práticas sociais no âmbito escolar. Ao afirmar que as reflexões
comunidades de falantes espalhadas pelo Brasil, as já
e ações executadas no dia – dia devem ir além dos discursos
investigadas e mapeadas constituem-se em fontes inesgotáveis
conteudistas, em que os trabalhos e as práticas produtivas
de estudos. A análise do vocabulário de um grupo humano,
ocupam lugar central abrindo as portas do diálogo, da reflexão
especialmente num recorte regional, proporciona a recolha de
e da responsabilidade para a formação humana, a escola deve
formas lingüísticas que denotam as influências socioculturais
ocupar um lugar neutro para os embates diversos, mas com
sofridas por esse grupo. Assim, podemos falar da força criadora
parcialidade ideológica, onde as diversidades e adversidades
da linguagem que, por vezes, atravessa fronteiras, infiltra-se, de
comunguem com suas verdades respeitando o espaço coletivo.
reveladores
da
realidade
lingüística
34
Como muito bem afirma Arroyo (1991), a escola é lugar de
para
pensar e fazer educação levando em conta os elementos de
conhecimento de causa.Lembrando que o efeito deste fator é
formação humana, que são contraditórios em tempos modernos,
condição essencial na execução das práxis pedagógicas.
mas que se articulam no movimento, tendo o trabalho como
Acreditamos que o sujeito só faz as circunstâncias quando
príncípio educativo, pois a dinâmica do bloco histórico imbuí-
transcende o conhecimento específico para um conhecimento
se de ação e reestruturação, demonstrando as adversidades e
político, quando ele acorda para as circunstâncias neoliberais já
flexibilizações que o trabalho educativo possui. Partindo desse
postas e apregoadas pelo sistema do dia-a-dia e mascarada
princípio o trabalho educativo pode ou não estar dentro de uma
como soluções imediatistas e paliativas, dificultando o
instituição educativa. Ela é condição cultural produzida pela
entendimento e enfrentamento de ações que liberem e
sociedade que ocorre sem fronteiras nas relações sociais, pois
transformem o sujeito emancipador em que o conhecimento
quando proposto pela escola deve transcender a produção
colabore para uma sociedade igualitária e menos votátil e os
procurando encontrar sua identidade, que possui o caráter
valores não sejam vistos como peças descartáveis ou obsoletas
formador. Olhar a escola com seus sujeitos educativos significa
do processo de produção.
romper com a ignorância de que quem ensina, é só o professor,
Palavras-chave: Discurso, Emancipação, Alienação.
significa co-responsabilizar a gestão e seus membros sobre a
responsabilidade social que cada um tem na construção e
interação dos direitos e deveres do cidadão, tendo uma visão
crítica do macro das estruturas e sub-estruturas do capital, bem
como o envolvimento de ação e limitação que a escola tem
sobre o bloco ideológico, histórico, e político que pulsa dentro
dela. Procurar entender as raízes orçamentárias para depois ir
o
embate
argumentativo
sem
ingenuidade,
com
35
RESUMO
POSTERS
Poster 1
Variação Lingüística: a oral e a escrita
Valdira Alves de Sá Fialho (UEMS)
Ariane Zaparolli Dalcico (UEMS)
Luciana Leal de Souza (UEMS)
No desenvolvimento desse projeto analisamos a diferença entre
a língua oral e a língua escrita, e também os metaplasmos
escritos das narrativas a partir das entrevistas, onde vários
informantes de diferentes faixas etária, sexo, escolaridade,
profissão e região forma entrevistados. Esses informantes
relataram fatos importantes de sua vida, sendo que esses relatos
foram gravados e posteriormente transcritos observando a
forma de falar de cada informante. Foi realizado o contato com
os informantes, na qual não há nenhum parentesco com o
entrevistador, são apenas conhecidos. A princípio foi elaborado
um questionário sócio-lingüístico contendo nome, local, sexo,
idade, escolaridade, profissão e região, sendo que o mesmo foi
36
aplicado a três informantes em forma de entrevista por meio de
gravação, onde foi selecionada uma entrevista e transcrita de
Poster 2
acordo com o falar regional do informante, e logo após foi
Linguagem Formal versus Linguagem oral: análise de alguns
efetuado a transcrição fonética e análise dos metaplasmos.
metaplasmos
Descobrimos com essa entrevista que os informantes têm
Maria Francisca Valiente (UEMS)
muitas histórias interessantes e importantes para nos contar,
Maria Pastoura Benedita de Santana (UEMS)
mas quando o assunto é gravar, os informantes nem sempre
Luciene da Silva Santos Bomfim (UEMS)
querem falar. Esse trabalho foi uma experiência única, devido o
contato que tivemos com os informantes, sendo que foi
A proposta deste trabalho é analisar alguns confrontos entre
necessário muita insistência para que os informantes falassem
língua oral e língua formal mesmo considerando que ambas
com o gravador ligado, pois, todos ficavam constrangidos
pertencem a instâncias distintas de realização social, outro
porque estavam sendo observados e gravados, mas no decorrer
aspecto importante é que os falantes normalmente não têm
da entrevista eles ficaram mais a vontade e com a simplicidade
consciência de que a língua está em constante mudança e
de cada um obtivemos uma boa entrevista. Enfim, o mais
transformação,
importante em nosso trabalho foi a participação de todos os
transformações. De forma geral as transformações no senso
membros e a experiência foi muito gratificante e interessante,
comum são percebidas como realização do “certo” e “errado” a
pois percebemos a variação da língua e dos sotaques que
partir da Gramática Normativa que via de regra é considerada
mudam de acordo com a idade, região escolaridade e profissão
como sendo o “certo” da língua e sua única referência. Para tal
de cada informante, e dessa forma apreciamos melhor a cultura
análise de alguns metaplasmos, foi feito gravações de
e a linguagem deixando de lado o preconceito lingüístico que
narrativas com alguns falantes de onde foram selecionadas
existe em nosso meio.
algumas marcas lingüísticas da língua oral e confrontada com a
não
há
uma
percepção
“pontual”
das
37
norma padrão. O corpus se constitui de narrativas em que foi
aluno-professor vista pelo aluno; relação entre professor-aluno
considerado sexo, idade, escolaridade, profissão, tempo que
vista pelo professor, relação entre professor-administração
mora na região e classe social. As etapas da pesquisa foram:
escolar vista pelo professor, relação administração escolar-
elaboração de uma ficha, seleção dos falantes, gravação de
professor vista pela administração escolar. Para tal trabalho
fatos significativos do informante que em média durou trinta
utilizamos de duas modalidades metodológicas de entrevistas,
minutos, transcrição grafonemática das entrevistas, transcrição
uma oral, a partir de um roteiro, e a outra com aplicação de um
fonética, seleção de palavras para análise para confronto com a
questionário. As entrevistas tiveram como roteiro algumas
norma padrão e depois análise do tipo de confrontação, ou seja,
questões: ética, dificuldades gerais encontradas na escola, o que
que tipo de transformação e/ou diferença “metaplasmática” há
seria possível melhorar no ambiente escolar, como é o tipo de
entre a oralidade e norma padrão. Foi possível perceber que os
relação entre os segmentos que compõem a escola (alunos,
metaplasmos analisados estão em confronto constante com a
professores e administração escolar). Este trabalho teve como
norma padrão.
referencial teórico para nortear não apenas as entrevistas mas
sobretudo as análises, algumas teorias comportamentalistas,
Poster 3
tais como a teoria psicanalítica de Freud, a comportamentalista
Análise Psicológica: alguns aspectos da relação escolar
de Skinner, sócio-interacionista de Vigotsky e a construtivista
Marcos Antônio Cáceres Esteves (UEMS)
de Jean Piaget. Um dos objetivos das análises foi “classificar” e
Alencar Jácomo dos Reis (UEMS)
“enquadrar” os discursos das entrevistas nessas correntes da
Irani Fonseca Francisco (UEMS)
psicologia de forma que foi possível compreender e analisar
alguns dos aspectos da situação do quadro escolar a partir das
O objetivo deste trabalho foi analisar alguns aspectos do quadro
linhas teóricas. Algumas de nossas conclusões indicam que,
da relação escolar a partir de diversas óticas: a relação entre
independente da análise da linha comportamentalista, a relação
38
escolar se constitui de um quadro complexo de perspectivas,
falada, foi necessário entender alguns aspectos das variações
histórias de vida e objetivos diferentes, alguns mais
lingüísticas sem perder de vista a língua como um conjunto
comprometidos, outros menos comprometidos e ainda alguns
heterogêneo tanto quanto os seus usuários. De certa forma, o
indiferentes.
falante “adapta” sua fala à situação contextual, por exemplo, se
ele está falando com pessoas íntimas, numa situação informal, a
Poster 4
variedade usada é diferente daquela que seria usada se o
Da Língua Oral à Escrita: análise de alguns metaplasmos
mesmo falante estivesse falando com pessoas estranhas, numa
Blair Antônio de Farias (UEMS)
situação formal. A língua também fica diferente quando é
Estela Duveza Teixeira (UEMS)
falada por um homem ou por uma mulher, por uma criança ou
por um adulto, por uma pessoa alfabetizada ou por uma não-
A proposta nesta pesquisa foi analisar algumas características
alfabetizada, por uma pessoa de classe alta ou por uma pessoa
entre a norma padrão e a norma oral a partir das análises de
de classe média ou baixa, por um morador da cidade e por um
alguns metaplasmos, mesmo considerando que ambas possuem
morador do campo e assim por diante. Temos, então, ao lado
uma ordem própria. A análise de alguns metaplasmos
das variedades geográficas, outros tipos de variedades: de
demonstra, além da ordem própria de cada norma, o
gênero, socioeconômicas, etárias, de nível de instrução,
distanciamento entre elas. Entre os fatores que corroboram para
urbanas, rurais etc. Somente com esses conceitos saberemos
isto estão o cultural, o econômico, o social, o regional sem
como funciona a estrutura e transformação da nossa língua.
considerar que um dos próprios da língua é a “capacidade
plástica” de transformação dado as condições históricas. Para
Poster 5
desenvolver o trabalho nos valemos de alguns conceitos de
Análise de Alguns Metaplasmos: entre o oralidade e a escrita
língua que nos nortearam a diferença ente língua escrita e
Maria Morais (UEMS)
39
Kary Angelis Miranda (UEMS)
narrativas. Nas entrevistas foi abordado questões como sexo,
Marcelo Rodrigo da Silva (UEMS)
idade, profissão, aspecto da vida pessoal, o conceito de ética
etc. considerando a contribuição da psicologia na formação
Poster 6
profissional. As etapas da pesquisa foram: elaboração de uma
Análise Comportamental de Práticas Pedagógicas
ficha, seleção dos falantes, gravação das respostas dos falantes
Luciene da Silva Santos Bomfim (UEMS)
de acordo com as questões contidas na ficha, e depois foi feito
Maria Francisca Valiente (UEMS)
uma análise das respostas de acordo com as teorias do
Maria Pastoura Benedita de Santana (UEMS)
desenvolvimento, ou seja, foi verificado em que linha teórica
da psicologia do desenvolvimento se enquadra o perfil dos
A proposta deste trabalho é analisar o discurso da prática
entrevistados. A partir deste trabalho pudemos analisar alguns
escolar de professores, alunos e técnico-administrativos a partir
aspectos comportamentais a partir de algumas teorias
de algumas teorias comportamentais do desenvolvimento, tais
psicológicas do desenvolvimento.
como a psicanalítica, a construtivista, a behaviorista e a sóciointeracionista considerando o contexto de práticas pedagógicas.
Poster 7
Para isso, tivemos como proposta entrevistar membros da
Total Phisycal Response
comunidade
Reinaldo Coimbra de Oliveira (UEMS)
escolar
(professores,
alunos
e
técnico-
administrativos), a respeito das relações e interações pessoais
Neuza rodrigues Santana de Lima (UEMS)
no ambiente escolar. Para tal proposta foi feito gravações na
forma de narrativas com um técnico-administrativo, um aluno e
Poster 8
um professor da Escola Municipal Brás Sinigáglia situada no
Método Proposta por Charles A. Curran para o Aprendizado de
município de Batayporã. O corpus se constitui dessas
Línguas
40
Paula Juliana Rodrigues (UEMS)
discussões e promove uma verdadeira interação, devido ao fato
Andréia Fernanda de Souza (UEMS)
de não haver barreiras entre o professor e os alunos, mantendo
um relacionamento de respeito e confiança, que favorece o
Charles A. Curran desenvolveu o Método Comunitário de
processo de aquisição da segunda língua sem o sentimento de
Ensino de
se da metáfora do
medo sempre presente nas aulas de língua estrangeira. Portanto,
aconselhamento para redefinir as regras entre professor e aluno,
o aluno internaliza mais rapidamente o conteúdo discutido, e
onde o professor é comparado ao papel de conselheiro e o
este método exige também a participação ativa e consciente do
aluno ao de cliente. Os procedimentos básicos do Método
aluno e do professor desenvolvendo todas as habilidades
Comunitário são os seguintes: um grupo de alunos senta-se em
relacionadas à linguagem.
Línguas
utilizando -
círculos enquanto que o professor permanece circulando fora
do círculo. Quando alguém deseja se comunicar, o professor se
Poster 9
aproxima, o aluno sussurra a mensagem que deseja transmitir
Necessidade de trabalhar o Antiracismo nas Séries Iniciais do
em língua nativa (L1) e o professor traduz a mensagem em
Ensino Fundamental
língua estrangeira (L2). O aluno repete em voz alta a
Maria Fêlix de Carvalho (UEMS)
mensagem em língua estrangeira e o professor grava esta
mensagem com um gravador de voz e assim sucessivamente.
Este é um projeto de pesquisa que está sendo realizado nas
No fim da sessão, a gravação das mensagens em L2 é
escolas públicas de Nova Andradina e consiste em demonstrar
reproduzida e transcrita para comentários e observações,
que o problema do preconceito racial surge nas escolas desde
incluindo reações dos alunos ao processo de aprendizagem da
as séries iniciais. Nossas pesquisas acusam que ele é grande em
língua. Os alunos refletem sobre os sentimentos e pensamentos
meio às crianças e que infelizmente tanto professores como
deles. Esse método estimula todos os alunos a participarem das
demais funcionários não têm a consciência da necessidade de
41
abordar este assunto em sala de aula. Afirmam não saber como
familiarizado com escrita, posteriormente, o aluno sentirá
trabalhá-lo.Aplicamos um questionário para alguns professores
maior interesse em ler.
e os resultados são preocupantes. Até o momento pudemos
confirmar que o problema existe e o pior, os professores não
Poster 11
estão preparados para trabalhá-lo, pois é visto como algo
Análise Discursiva de Teorias Psicológicas
delicado muito complicado, o que exigira
Laura Aparecida Crippa (UEMS)
deles um
compromisso político e ético. Embora tenha se tornado lei,o
Valdira Alves de Sá Fialho (UEMS)
trabalho interdisciplinar nas escolas,podemos notar que o fato
Luciana Leal de Souza (UEMS)
não acontece e a lei fica só no papel.
Ariane Zaparolli Dalcico (UEMS)
Poster 10
A Proposta da pesquisa é analisar a partir de algumas teorias,
Literatura como Expressão do Pensamento (semiótico)
tais como, Psicanálise, Behaviorismo, Construtivismo e
Déborah Negrine Antico (UEMS)
Sociointeracionismo fundamentais nos pensadores Sigmund
Freud, Skinner, Jean peaget e Vygotsky, que caracterizam um
Este projeto está direcionado para Ensino Fundamental,
conjunto de conhecimentos sobre o funcinamento psíquico e
visando
e
comportamental das pessoas entrevistadas, onde a finalidade
conseqüentemente, em ler, através do estímulo visual. As
das análises era entender o mundo psíquico, sócio-cultural,
figuras expostas servirão como instrumentos para emergir tais
construtivo e, o comportamento do indivíduo. O objetivo da
sentimentos,
nova
pesquisa é analisar alguns aspectos da realção afetiva escolar,
experiência desencadeará no aluno o desejo de externizar seus
tais como, relação entre professores, alunos e técnicos
sentimentos, para isso ele se utilizará a escrita. Quando
administrativos. Para a realização do trabalho foi efetuado uma
o
despertar
nunca
do
antes
interesse
em
escrever
experimentados.Essa
42
coleta de dados a partir de uma entrevista realizada com
Vera Alves de Sá (UEMS)
integrantes de cada setor. As etapas de pesquisa foram:
confecções de uma ficha, elaboração de questionários e seleção
A sociedade atual enfrenta vários problemas: violência,
dos entrevistados, sendo que as entrevistas com os informantes
ausência de ética nas relações, agressividade, individualismo
tiveram em média duração de 30 minutos. E, posteriormente,
etc.; que não são novos, mas se agravam a cada dia, diante
foram analisadas várias questões de todos os segmentos
desse quadro, a escola pouco participa para transformar essa
podendo constatar que não existe um consenso entre eles,
realidade, tornando-se muitas vezes passiva e indiferente frente
devido o histórico de vida e de construção social de cada
às intempéries que o meio social apresenta. O presente estudo
uniforme, também foi levado em consideração a idade
objetivou observar a realidade do cotidiano dos alunos e
cronológica e o tempo na construção da relação professor,
professores do ensino médio e questionar os alunos sobre
aluno e administrativo, com a finalidade de colocar em
questões
epígrafe qual teoria a pessoa esta sujeita, analisando o que está
autonomia. Para a realização desta pesquisa, observou-se no
por trás de cada discurso e distingüindo qual teoria está mais
período de agosto de 2005 a setembro de 2006 o
próxima de cada informante, porém após a análise concluiu-se
comportamento de 95 alunos com faixa etária entre 15 e 20
que predominou a teoria sociointeracionista em todos os
anos de idade e 12 professores, em uma escola pública do
setores.
município de
que
envolvam
o
desenvolvimento
Ivinhema-MS. Os
dados
moral
da
obtidos foram
relacionados às teorias de BZUNECK (1975), KANT (1974),
Poster 12
KOHLBERG (1966) e PIAGET (1977), para mostrar que a
Análise do Desenvolvimento da Moral Autônoma em Alunos
moralidade é resultado da construção interna, que só se alcança
do Ensino Médio de uma Escola
com o equilíbrio que somente se tem com a moral que a
Sandra Albano da Silva (UEMS)
autonomia pode proporcionar. Verificou-se que a escola
43
pesquisada não proporciona aos educandos a elaboração e
A educação, pode ser compreendida como ato ou efeito de
discussão das regras, os alunos não vêem as regras exteriores
educar, pois se trata de um processo de desenvolvimento da
como arbitrárias, ao contrário, acatam-nas, durante sua vida
capacidade física, moral e intelectual do indivíduo. Dessa
escolar o aluno é visto pela maioria dos professores como
forma o processo educativo precisa favorecer a formação de um
incapaz de realizar algum ato responsável por conta própria.
sujeito que valorize seu corpo e sua saúde e que seja reflexivo
Concluiu-se que a escola é composta de regras para os alunos,
diante da realidade, mostrando-se capaz de buscar soluções
porém, o restante da comunidade escolar, na maioria dos casos,
para os desafios do cotidiano e para os problemas vivenciados
não tem regras, sendo que é freqüente, o desrespeito por parte
pela coletividade. Dentro deste contexto o presente trabalho
dos professores e funcionários sempre tendo uma relação de
objetivou saber se existem e quais são as regras impostas
superioridade para com os educandos. Cabe ressaltar que já
dentro da sala de aula, se a escola pede sugestões de regras e se
existe uma minoria de professores, que busca colocar os alunos
os alunos obedecem às tais regras. A pesquisa foi realizada em
no contexto atual, provocando um pensamento próprio e
setembro de 2006, através de um questionário semi-estruturado
autônomo, porém, muitas vezes são desmotivados pela grande
sendo entrevistados 30 alunos do ensino médio de uma escola
maioria conservadora.
pública do município de Ivinhema - MS. Verificou-se que as
regras são impostas dentro da sala de aula, sendo que as mais
Poster 13
citadas quando questionados se existem regras para se
Regras mais Freqüentes Impostas aos Alunos na Sala de Aula
comportar dentro da sala de aula foram: deve-se respeitar os
Vera Alves de sá
professores (43,35%), não pode conversar durante a aula
Sandra Albano da Silva (UEMS)
(30%), só pode tomar água e ir ao banheiro na 2ª e 5ª aula
(10%), necessita sentar em fileiras (3,33%), não pode discutir
os exercícios na hora da prova (3,33%), não pode chegar
44
atrasado (3,33%), é proibido colar (3,33%) e não pode sair do
lugar sem pedir (3,33%). Os alunos disseram que a escola não
Poster 14
pede as suas opiniões, ou seja, ela cria as suas normas, regras e
Community Language Learning
leis sem a participação dos alunos, sendo que eles só
Liani da Silva Militão (UEMS)
necessitam acatá-las, sem saber porque as estão cumprindo,
Daiana Francisca Zanovello (UEMS)
como diz uma aluna: “Não, temos apenas que cumprir.”
Através do que foi exposto anteriormente, percebe-se que a
O ensino de línguas estrangeiras, de Inglês especificamente,
escola impõe suas regras prontas para os alunos, sendo que elas
oferece muitos métodos de ensino importantes e que têm sido
são revestidas de “autoridade” através da ameaça de punição a
usados com sucesso ao longo deste século. Sendo que nenhum
quem se propor a desobedecê-las. Mas, quando questionados se
método é definitivo e as práticas atuais de ensino podem ser
obedecem às regras que são impostas pela escola e se acreditam
melhoradas e adaptadas; para tanto é necessário observar o
se elas são necessárias, 76,67% disseram que obedecem as
perfil do aluno de hoje, a metodologia aplicada e conferir se
regras e pensam que elas são necessárias e 23,33% que não
estão adequados uns aos outros. O objetivo do nosso trabalho é
obedecem às regras e acreditam que elas não são importantes.
apresentar uma metodologia de ensino de uma segunda língua,
Concluiu-se que as regras existem dentro da sala de aula,
através do método Community Language Learning, método no
mesmo a maioria dos alunos acreditando que seja importante,
qual os alunos são membros de uma comunidade e aprendem
durante o seu processo de elaboração não existe a participação
por meio da interação com outros membros da comunidade.
do corpo discente, o que dificulta a construção de sujeitos
Curran considera os professores como conselheiros, cujas
decididos, reflexivos, que possam usar de todo o seu potencial
funções são a de dar suporte e ajuda aos alunos para que
no desenvolvimento de uma sociedade mais humana e
entendam melhores seus problemas, aplicando ordem e análise.
solidária, porque, mais autônoma.
Isso acontece sempre que um grupo de pessoas decide aprender
45
uma segunda língua. A aprendizagem não é vista como
ensino de Língua Inglesa, que os alunos desenvolvem várias
realização individual, mas como algo que é conseguido
habilidades cognitivas, e que há uma perfeita interação entre os
colaborativamente. A aquisição da segunda Língua não é
alunos, e esses com o professor, de quem eles dependem e
resultado de acúmulo de informações e conhecimento a
confiam muito. Assim tornando a sala de aula um ambiente
respeito de regras gramaticais. Levando-nos à conclusão de que
bem próximo ao ambiente doméstico, o que leva os alunos ao
línguas são difíceis de serem ensinadas, mas serão aprendidas
maior interesse e participação. Cabendo ao professor a tarefa de
se houver o ambiente apropriado, uma vez que o aprendizado
proporcionar essa atmosfera familiar, para que os alunos não
de um idioma se dá pela assimilação subconsciente de seus
desistam jamais de aprender uma segunda língua.
elementos pronúncia, vocabulário e gramática em contextos
sociais. Tendo em vista que o ensino de línguas eficaz não é
Poster 15
aquele que depende de receitas didáticas em pacote, de prática
Identificar so Rastros Trágicos no Obra “Gota d’Agua”
oral repetitiva, buscando apoio de equipamentos eletrônicos e
Alcimar de Matos Tombini (UEMS)
tecnologia, mas sim aquele que explora a habilidade do
Gerson Marcio da Silva (UEMS)
instrutor em criar situações de comunicação autêntica,
Sônia maria de Barros Cursino Pedroso (UEMS)
naturalmente voltadas aos interesses e necessidades de cada
grupo e cada aluno. E que funciona não necessariamente dentro
Através de referências teóricas ao gênero literário da tragédia
de uma sala de aula, mas sim estimulando o intercâmbio entre
feita por Aristóteles, que dão vida a Tragédia, buscou-se
pessoas de diferentes culturas, e que dissocia as atividades de
identificar os Rastros Trágicos na obra “Gota D'água”, de
ensino e aprendizado do plano técnico-didático, colocando-as
Chico Buarque e Paulo Pontes, considerada uma tragédia
num plano pessoal-psicológico. Portanto, podemos perceber
brasileira lida e assistida pelos palcos brasileiros, tendo como
que a Aprendizagem Comunitária da Língua é um método de
46
base os problemas sociais vivenciados pelo povo brasileiro,
questão do funcionalismo da língua e não conseguem aplicar as
principalmente nas periferias das grandes cidades.
regras na produção escrita, é necessário assim aplicar
exercícios que tenham um significado para o aluno e nada
Poster 16
melhor do que usar suas próprias produções para isso.
O Silêncio como Fator de Interação na Sala de Aula
Trabalharemos
Nádia Nalziza Lovera de Florentino (UEMS)
concordâncias nominais e verbais, pontuação, emprego dos
Luciene Clementino Pereira Aguiar (UEMS)
tempos verbais e explicando-os dentro dos próprios textos dos
Rozeli Conceição da Silva (UEMS)
alunos, produzindo assim uma aprendizagem significativa e
aspectos
problemáticos
tais
como:
contextualizada.
Poster 17
A Produção Escrita e a Gramática
Poster 18
Regiane Jacinta de Brito (UEMS)
A Produção de Texto a partir da Diversidade de Gêneros
Margarida Xisto da Silva (UEMS)
Textuais
Regiane da Silva Macedo (UEMS)
Luana Cândida de Carvalho (UEMS)
Apresentaremos um trabalho referente a obra "A produção
O texto deve ser o ponto de partida e chegada em todo o
escrita
aspectos
processo de ensino/aprendizagem, porque está presente em
problemáticos no emprego da língua escrita, a partir de
todas as situações cotidianas e também porque somente a
redações desenvolvidas por alunos e sugerir métodos ou
leitura não garante a escrita, mas sim o trabalho desenvolvido
exercícios para os professores trabalharem com os alunos a fim
com interação entre as práticas de ensino juntamente com a
de sanar essas deficiências. Os alunos não compreendem a
diversidade de gêneros textuais, pois amplia a competência
e
a
gramática",que
trata
de
alguns
47
comunicativa fazendo com que se aumente também a
Poster 19
criticidade. Por isso, é importante que o professor ao orientar
O Silêncio com Fator de Interação em Sala de Aula
seu aluno na produção textual forneça-lhe antes, modelos de
Nádia Nelziza Lovera Florentina (G/FINAN)
leitura, já que para aprendermos a escrever, é necessário
Luciene Clementino Pereira Aguaiar (G/FINAN)
conhecermos previamente a estrutura textual que será
Rozeli Conceição da Silva (G/FINAN)
trabalhada, a funcionalidade do texto. Nesse sentido, os PCNs
(1998) apontam que os projetos é recurso muito útil, pois
Segundo Laplane, “onde há linguagem, há também o silêncio”.
contextualizam as atividades, mas para isso as produções
Esse silêncio não deve ser entendido como exclusão,
textuais não podem ser vistas meramente como objeto de
resistência, opressão e também não é sinônimo de falta de
avaliação do professor, e sim um meio de divulgação de idéias,
interação, faz parte da construção de sentido. Quando as
é necessário dar um destino às produções textuais dos alunos
crianças se silenciam por algum motivo, elas estão devolvendo
para que amplie sua consciência lingüística, ative estratégias
aos adultos uma contra-imagem de si mesmos, suas
mais inventivas no uso dos signos verbais. Sendo assim, temos
impotências, impossibilidades, limites e incompetências. Esse
as seguintes questões de pesquisa: Será que os professores de
assunto se torna ainda mais relevante quando se trata do
língua materna do ensino fundamental (4ª série) estão sabendo
diálogo professor-aluno/aluno-professor na sala de aula. Para
criar as condições adequadas para a efetivação da produção de
analisar este aspecto, convém dividir esse diálogo em três
textos, enfatizando a diversidade de gêneros textuais? Como se
categorias: A fala do professor, a fala do aluno e o silêncio.
dá o processo ensino/aprendizagem de produção de textos
nessa série? Como se dá a relação entre conhecimento da
Poster 20
palavra escrita e a escolarização?
Uma Reflexão Racial e Social no Meio Educacional
Uiliana Julia Pereira dos Santos (UEMS)
48
Solange Pinheiro da Silva (UEMS)
terreno fértil que possibilitou a aplicação prática aos alunos do
Ranulfa Correia de Matos (UEMS)
ensino fundamental. A realização prática da presente pesquisa
foi possível para nós, acadêmicas do Curso de Letras –
O presente trabalho focalizou uma aplicação prática de
Unidade de Jardim a partir de duas vertentes: a primeira de
temáticas de combate ao preconceito racial e social, na 5ª série
leituras teóricas centradas na Análise do Discurso com:
do ensino fundamental, da rede municipal de Jardim-MS. Para
Cardoso (1999), Maingueneau (2002) e outros teóricos da
isso, realizamos uma avaliação diagnóstica sobre a temática a
Literatura Infanto-Juvenil, tais como: Abramovich (2001) e da
ser discutida e depois abordamos temas de igualdade social e
psicanálise Bettelhein (1980) e da Prática de Leitura e
racial através de textos literários da Literatura Infanto-Juvenil.
Produção Textual; e a segunda vertente a partir da vivência no
Com isso, houve discussões e após isso houve a produção de
Programa Brasil Afroatitude através da bolsa de monitoria que
discursos/textos como forma de manifestação de idéias dos
proporcionou uma reflexão teórica, uma vivência interna com
alunos. E o resultado revelou que as crianças e/ou adolescentes
os demais acadêmicos do Curso de Letras; Unidade de Jardim e
foram autênticos nas manifestações de idéias, porque foram
uma aplicação prática na comunidade externa, alvo desta
capazes de discutir temas velados socialmente e pertinentes ao
apresentação. Com isso, percebemos o quanto a fundamentação
momento de mudanças físicas e psicológicas, próprias da pré-
teórica e a avaliação diagnóstica são importantes para prática
adolescência e da adolescência. Outro aspecto é que tais
pedagógica.
temáticas não configuram foco de estudo nas aulas de
Português da rede pública, pois tanto a coordenação quanto a
professora titular da sala receberam a proposta de forma
positiva e constataram que tais assuntos ainda não tinham sido
trabalhados no 3º bimestre de 2006. E isso configurou um
49
RESUMO
MESA REDONDA
Modalidade Discursiva e Suporte Digital
Profa. Dra. Maria Conceição Alves de Lima
(UEMS/UNICAMP)
PALESTRA
Análise do Discurso: limites e perspectivas
Prof. Dr. Wedencley Alves Santana
(UNICAMP/CAPES/UNIVERSO)
MESA REDONDA
INDENTIDADE, EXCLUSÃO E MINORIAS
Identidade, Exclusão e Minorias.
Profa. Msc. Kassandra Muniz (UNICAMP)
Esquecimento, Interpelação e Exclusão Social
50
Prof. Dr. José Lauro da Cunha (UNEMAT)
serviços de três prostitutas. Ali, o foco da análise são as
significativas relações entre história e ficção, na época
O Discurso da Exclusão em Plínio Marcos
metaforizada na peça: a ditadura militar pós-1964. Em seguida,
Prof. Dr. Wagner Enedino Corsino (UFMS)
trataremos da obra A mancha roxa (1988), que tem por tema a
contaminação pelo vírus da Aids em um presídio feminino, que
O objetivo desta conferência é demonstrar, por meio da análise
discute questões de gênero, identidade e poder. Constata-se
e interpretação de contornos identitários, sociais, ideológicos e
que, nas três peças, ficam latentes as contradições entre o poder
histórico-culturais delineados nas peças Homens de papel
e o não-poder; entre as aspirações e as frustrações individuais,
(1967), O abajur lilás (1969) e A mancha roxa (1988), de
em decorrência da situação histórico-social das personagens.
Plínio Marcos, a existência de invariantes que estruturam o
projeto estético-político do autor. Abordam-se questões de
Uma Introdução à Identidade do Pedófilo
gênero, identidade, poder e representação social, acrescidas de
Prof. Msc. Paulo Cesar Tafarello (UNEMAT/UFMS)
discussões sobre esquecimento, interpelação e exclusão social.
Em primeira instância, trataremos das representações sociais e
MESA REDONDA
relações de poder em Homens de papel (1967), que relata o
drama dos catadores de papel na cidade grande, provocado pelo
MOVIMENTOS SOCIAIS E ANÁLISE DO DISCURSO:
desemprego e pela exploração do homem no sistema
ENTRE O CAMPO E A CIDADE
capitalista. Num segundo momento, toma lugar a análise O
abajur lilás (1969), que põe em cena os temas interditados da
Profa Dra. Maria Celma Borges (UFMS)
prostituição e da homossexualidade, ambientados num bordel
Profa. Dra. Rosimeire Aparecida de Almeida (UFMS)
em que um homossexual, auxiliado por um sádico, explora os
Prof. Dr. Vitor Wagner Neto de Oliveira (UFMS)
51
do interdiscurso e propor uma análise da semântica global do
MESA REDONDA
discurso. O autor coloca o interdiscurso como o lugar da
gênese/da produção do discurso. Nesse caso, heterogeneidade
LÍNGUA E DISCURSO: CONTRIBUIÇÕES
discursiva – no caso, a constitutiva – e interdiscurso são
BAKHTINIANAS
conceitos que razoavelmente se recobrem. Proponho, nesta
apresentação, retomar o conceito de dialogia e de enunciado em
Um Debate sobre Língua na Mídia: segundo a perspectiva
Bakhtin e ressignificá-los à luz dos estudos de pesquisadores
bakhtiniana
que também partiram das idéias do autor russo. Assim,
Profa. Dra. Marina Célia Mendonça (UNIFRAN/UNIFA-CEF)
retomarei os conceitos de heterogeneidade constitutiva, de
interdiscurso e de memória discursiva para pensar o diálogo
A perspectiva de linguagem proposta pelo Círculo de Bakhtin
discursivo na grande temporalidade. Analisarei discursos sobre
centra-se em duas questões fundamentais: a subjetividade e a
língua na mídia tendo em mente o diálogo constitutivo que se
dialogia, da qual tratarei nesta apresentação. Uma aplicação da
estabelece com a tradição gramatical purista e com as pesquisas
dialogia aos estudos do discurso foi feita no interior da AD
desenvolvidas no interior das ciências da linguagem. Pode-se
francesa por J. Authier-Revuz, nas análises daquilo que a
afirmar que a tradição gramatical purista, com poder de dizer
autora chamou de heterogeneidade discursiva. A lingüista
no país (poder de longa data), está na constituição de grande
distingue a heterogeneidade constitutiva do discurso (a que
parte dos discursos sobre língua produzidos hoje na mídia; no
advém da produção do discurso na sua relação necessária com
entanto, também ajudam a constituir esses discursos as recentes
outros
mostradas.
(e nem tanto) propostas de abordagem da língua feitas por
Maingueneau também partiu da reflexão sobre a linguagem
lingüistas. No entrecruzamento discursivo que percebemos na
proposta pelo referido círculo para defender a tese do primado
constituição desses discursos, não se pode pensar em uma
discursos)
das
heterogeneidades
52
relação discursiva “bipolar” (ou seja: há um diálogo com duas
circular esses gêneros. De acordo com as reflexões de Bakhtin
instâncias, e o discurso purista recente é uma paráfrase do
(1997), seriam esses os aspectos a priorizar no estudo dos
discurso da tradição gramatical, mas com interferências do
gêneros, e não apenas a descrição de suas características
discurso da lingüística). Enfim, o que proponho é uma
estruturais. Partindo das contribuições do filósofo russo,
reafirmação do interesse teórico da categoria da dialogia
procuramos
bakhtiniana aplicada aos estudos do discurso, este pensado
composicional e estilo dos gêneros notícia e reportagem,
sempre na sua relação com o interdiscurso.
observando principalmente o estilo. Essa noção está ligada à de
analisar
o
conteúdo
temático,
construção
escolha (cf. Possenti, 1988, 2002), que supõe um sujeito
As Contribuições de Bakhtin para o Discurso Jornalístico
(locutor nos termos de Bakhtin), a instância enunciativa que
Profa. Dra. Jauranice Rodrigues Cavalcanti
opera com/sobre os recursos da língua para construir seu dizer.
(METROCAMP/UNICAMP)
Essa instância, em termos bakhtinianos, não pode ser pensada
fora do social, dos gêneros que circulam nesse espaço, o que
Esta comunicação discute aspectos dos gêneros notícia e
implica afastar a idéia de uma escolha individual, independente
reportagem. Nas classificações que circulam na comunidade
das coerções do discurso jornalístico. Interessa-nos investigar
jornalística eles aparecem situados na mesma categoria: a de
que escolhas seriam essas, como elas se mostrariam, o que
jornalismo informativo. Isso quer dizer que são concebidos
desvelariam da instância enunciativa. Em outros termos:
como tendo por função observar a realidade e descrevê-la, e
procuraremos apreender indícios de autoria, marcas da
não analisá-la ou avaliá-la, como nos gêneros da categoria
presença de um autor nos textos selecionados.
opinativa. Os critérios usados para estudá-los acabam não
levando em conta aspectos discursivos, como as condições e
finalidades da esfera da atividade jornalística que produz e faz
MESA RESDONDA
53
QUESTÕES DE DISCURSO E DE GÊNERO
Profa. Dra. Maria Angélica Freire de Carvalho (UEZO/RJ – TV
Educativa)
O “Novo” Domesticado: gênero como ritual da formulações
diante do acontecimento discursivo no jornalismo
A AD e o Discuso Mítico Indígena
Prof. Dr. Wedencley Alves Santana
Profa. Dra. Nara sgarbi (UNIGRAN)
(UNNICAMP/CAPES/UNIVERSO)
O texto “A AD e o discurso mítico indígena” pretende fazer a
Questões de Discurso e de Gênero Publicitário
análise discursiva que perpassa o mito da criação da primeira
Profa. Msc. Ana Lúcia Furquim de Campos (UNIFA-
terra
CEF/UNIFRAN/UNESP)
originalidade da palavra indígena, com a intenção de apontar
,apresentado
por
Clastres
(1990),
observando
a
uma forma de desvelamento dos elementos constitutivos da
Questões de Discurso e de Gênero de Auto-Ajuda
brasilidade do índio Guarani, a partir da argumentação, dos
Profa. Dra. Sheila Fernandes Pimenta de Oliveira (UNIFA-
aspectos coesivos caracterizadores desse mesmo discurso e de
CEF/UNESP)
elementos inerentes aos níveis semânticos , pragmático e da
manifestação (AD), tomando como bases teóricas as idéias de:
MESA REDONDA
Pêcheux (1990), Foucault (1969), Brandão (1986), Habermas
(1990), entre outros. Sociolingüística em sala de aula: da teoria
DISCURSO E TEXTO: FRONTEIRAS E APROXIMAÇÕES
à prática.
O Funcionamento Textual-Discursivo nos Rótulos em Artigos
Discurso e Metodologia: tensão na análise
de Opinião
Prof. Dr. Marlon Leal Rodrigues (UEMS)
54
Um Olhar para a Toponímia Sul-Matogrossense: resultados
Nas Malhas da AD: obediência e travessuras
parciais
Prof. Janaína Nicola (UFMS)
Profa. Msc. Marineide Cassuci Tavares
É preciso continuar. São as palavras de Michel Foucault a
Atlas Lingüístico de Ponta Porâ-MS: notícias de um atlas
encaminhar-nos ao encontro com os entornos do discurso. O
concluído
ensejo que esse trabalho pretende construir, com respeito à
Profa. Msc. Regiane Coelho Pereira Reis (UEMS)
teoria da Análise de Discurso de linha francesa, destina-se a
explorar os viézes entrecruzados desse objeto contrário a si
MESA REDONDA
mesmo, além de recuperar um pouco da história (e
historicidade) do referido campo investigativo que a ele se
HISTÓRIA, DISCURSO E POLÍTICA
dedica especialmente.
O Discurso Apologético da Escravidão “Feliz”: Da Casa
MESA REDONDA
Grande ao Sobrado
Profa. Dra. Maria do Carmo Brazil (UFGD)
LEXICOLOGIA E LEXICOGRAFIA
Tradições Discursivas e Comunidades Quilombolas de Mato
O Vocabulário da Erva-Mate no Cone Sul
Grosso do sul
Prof. Msc. Aparecido Lázaro Justiniano (FIP)
Prof. Msc. Antônio Carlos Santana de Souza (UEMS/USP)
Sujeito Político e sua Constituição
55
Profa. Msc. Edileuza Gimenes de Moralis
análises estão ausentes, os protocolos de leitura não são
(UNEMAT/UNICAMP)
explicitados. Este trabalho tem o objetivo de recuperar algumas
posições da “memória” da AD que caracterizaram esta
MESA REDONDA
disciplina como a que mantinha com a língua uma relação
fundamental. Uma segunda questão, decorrente da primeira,
ANÁLISE DO DISCURSO: LIMITES E PERSPECTIVAS
trata da questão da relação da AD com os textos, dado que a
passagem da língua ao texto não se faz por simples extensão.
Ad: Novos Objetos, Novas Práticas Analíticas
Serão mencionados exemplos de análises e hipóteses de
Profa. Dra. Maria do Rosário Gregolin
trabalho.
(UNESP/ARARAQUARA)
Palavras-chave: discurso, língua, texto, análise.
A AD como Teoria dos Textos
Prof. Dr. Sírio Possenti (UNICAMP)
Uma das características de muitos trabalhos em AD é a
repetição mais ou menos sem conseqüência de algumas
posições clássicas em relação ao sentido. Um sub-tema de tais
declarações consiste em uma crítica à posição da lingüística,
que defenderia o sentido “dado”. No entanto, com muita
freqüência, os trabalhos não mostram como se constitui o
sentido dos textos analisados, segundo a AD. Ou seja, as
56
RESUMO
COMUNICAÇÕES INDIVIDUAIS E COORDENADAS
Mesa 1
Terror em São Paulo e Terror na Mídia
Vânia Maria Guerra Lescano (UFMS)
Jefferson Barbosa de Souza (PG/UFMS)
Este trabalho faz parte de uma pesquisa de escopo maior,
intitulada “Discursos midiáticos no fogo cruzado entre grupos
criminais organizados e equipes de segurança nacional” em
desenvolvimento no programa de pós-graduação da UFMS,
câmpus de Três Lagoas. Em decorrência da extensão do projeto
e de sua prematuridade, delimitamos para este debate
determinados aspectos referentes à acontecimentalização do
discurso da mídia, em especial, sobre os ataques promovidos
pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) à capital paulista em
maio deste ano. Para tanto, selecionamos matérias divulgadas
pela imprensa on line como objetos de nosso estudo, ou seja, as
revistas Época, IstoÉ e o jornal Folha de São Paulo, por meio
dos quais a análise realizar-se-á a partir de contribuições da
57
escola francesa de Análise de Discurso e dos Estudos Culturais.
divulgação da notícia, se se trata de uma atitude de
Trata-se de um estudo de cunho político, tendo em vista que
responsabilidade ética (LIPOVETSKY, 2004) ou simplesmente
“as lutas para emancipar os grupos oprimidos podem ajudar a
de manobra de recortes de enunciados sob a luz de um
libertar os outros, ao promover atitudes de tolerância mútua que
horizonte
no limite beneficiarão a todos” (GUIDDENS, 2002). Para o
evidenciam que o trabalho de jornalistas com a linguagem
autor, podemos “preparar a cena” para uma política
caminha paralelamente ao dos cientistas e aparenta sempre
emancipatória. Nessa visão, acima de tudo, há a preocupação
estar permeada por necessidades que regulam sua credulidade:
em liberar os indivíduos e grupos de limitações que afetam
citação de discurso alheio, argumento de autoridade, juízos de
negativamente suas oportunidades de vida: os homens são
valores, elevação de posições em relação a outros, depoimentos
capazes de, reflexivamente, “usar a história para fazer história”
(principalmente de familiares de civis e policiais que perderam
(p. 194). Interessa-nos, ainda, nesta fase preliminar de estudo,
suas vidas em prol da segurança do Estado). O efeito de sentido
saber como a imprensa, independentemente do canal que
dessas regularidades parece confirmar a parcialidade da mídia
utiliza, procede à circulação de discursos (FOUCAULT 2003,
no que tange à veiculação de informação em que há, nesse
2004) e como é o processo de discursivização no tocante às
sentido, espetacularidade e jamais neutralidade no discurso da
formações discursivas; sob que regras seus textos pretendem
mídia. Por isso, a hipótese sobre a qual trabalhamos concentra-
veicular verdade e que estratégias de poder e imaginário são
se no fato de que no texto da mídia, apesar da heterogeneidade
articuladas (PÊCHEUX 1975, 1990), já que, segundo Gregolin
discursiva, nenhuma delas executa a prática social da
(2003, p. 97), a mídia age como construtora de imagens
imparcialidade, provocando sempre a sua dispersão em direção
simbólicas, em que os indivíduos percebem a si mesmos e aos
a sustentação de uma posição em detrimento de outras
outros, gerando um efeito de subjetividade coletivizada. Uma
possíveis.
das questões a serem debatidas refere-se ao modo de
infinito
de
discursos?
Análises
preliminares
58
Considerações sobre o Discurso de Garotas de Programa
prostituta, dada a saturação de valores de uma nova classe
Romilda Meire Souza Barbosa (PG/UFMS)
social, cuja conjuntura econômica excede na valoração de um
tipo de garota submetida às tecnologias do corpo? Tais
Segundo Foucault (2001), assiste-se nos dois últimos séculos a
inquietações
uma proliferação de discursos sobre a sexualidade. Oferecendo
discursivo de garotas de programa, numa perspectiva crítica,
uma explicação para o lugar que o sexo ocupa na cultura
histórica e social que contribua para a elucidação das relações
ocidental e o porquê de tanta curiosidade sobre o assunto,
entre sujeito, história e ideologia, em que o lingüístico e o
Foucault (1978) afirmou que no fundo do sexo está a verdade: é
social se relacionam na construção dos sentidos. Para tanto,
nele que o indivíduo pode melhor descobrir-se, visto ser o sexo
essa
aquilo que o determina. Se para cada indivíduo constitui uma
conceitos e procedimentos da corrente francesa da Análise do
problemática conhecer-se através do sexo, representa também
Discurso: Pêcheux (1988,1990); Foucault (2001,2004). O
uma preocupação saber o discurso de pessoas por meio desse
córpus
domínio, em particular, as que vivenciam o sexo de maneira
veiculados
diferente, tal como as garotas de programa. Qual seria o
Metrópole (2003) e Caros Amigos (2006). Pretende-se,
discurso dessas mulheres que se relacionam sexualmente com
mediante a seleção desses enunciados, discutir questões
vários homens/mulheres estranhos por dia, nos tempos atuais
referentes
em que o corpo está coisificado, em que há toda uma indústria
observando-se aspectos atinentes às representações discursivas,
em torno da produção de corpos e de desejos sobre eles, em que
à questão de gênero e de identidade do referido sujeito
o dinheiro é instrumento perfeito para qualquer troca? Por ser a
constituído nesse discurso.
prostituição uma constituição histórica, estariam, nesse
PALAVRAS-CHAVES: discurso, acontecimento, garotas de
discurso, se ressignificando os sentidos, os conceitos de
programa.
dimensionam
pesquisa(comunicação)
a
análise
tem,
do
como
acontecimento
aporte
constitui-se de enunciados recortados de
teórico,
artigos
na mídia impressa, sobretudo, nas revistas
à
irrupção
desse
acontecimento
discursivo,
59
do dizer (cf. AUTHIER-REVUZ, 1998) classificando esses
“A Linguagem Habita Lalangue”: O equívoco do dizer e a não-
eventos em quatro tipos distintos: a) as não-coincidências
coincidência das palavras consigo mesmas
interlocutivas; b) as não-coincidências interdiscursivas; c) as
Carlos Magno Viana Fonseca (PG/UFC)
não-coincidências das palavras com as coisas e d) as nãocoincidências das palavras consigo mesmas. Como já nos
Este trabalho faz parte de um conjunto de investigações que
ocupamos
estamos desenvolvendo no curso de Pós-graduação em
interlocutivas (FONSECA, 2006) e das não-coincidências
Lingüística da Universidade Federal do Ceará, cujo objetivo
interdiscursivas
imediato
das
ocuparemos das não-coincidências das palavras consigo
natureza
mesmas e no futuro nos debruçaremos sobre as não-
é
verificar
heterogeneidades
acadêmica.
a
presença
enunciativas
chamada
de
2006)
não-coincidências
neste
trabalho
nos
objetivos imediatos analisaremos o inventário, já disponível na
enunciado concreto, nas mais variadas perspectivas, isto é,
literatura
desde o “aparelho formal da enunciação” de Benveniste (1995),
materializam o fenômeno, interpretando os efeitos de sentido
passando pela perspectiva polifônica de Bakhtin (1992; 2000),
que sua incidência provoca no discurso acadêmico levando em
considerando as noções de arquivo e enunciado em Foucault
conta uma análise que considera as formas em níveis; das mais
(1997; 2004; 2005), levando em conta a interdiscursividade de
explícitas, lingüisticamente marcadas com o verbo ‘dizer’ às
Pêcheux (2004; 2006) até chegar ao tipo de discurso batizado
mais
por Authier-Revuz (1990; 1998; 2004) de metaenunciação.
heterogeneidade constitutiva do sistema lingüístico, proposta já
Esta
heterogeneidades
amplamente aceita no Brasil (cf. TEIXEIRA, 2005). Esta
enunciativas a partir do que ela designa de não-coincidências
análise está pautada no atravessamento do discurso da
formas
de
Lingüística
(FONSECA,
das
Enunciação (FLORES E TEIXEIRA, 2005) partimos do
as
a
textos
efeitos
momento
coincidências das palavras com as coisas. Para atender a nossos
descreve
sob
os
outro
da
autora
Abrigados
em
e
em
especializada,
interpretativas,
que
das
formas
remetem
lingüísticas
ao
fenômeno
que
da
60
Lingüística e da Análise do Discurso pelo discurso da
enunciação, as relações entre o ‘eu’ que enuncia, o ‘outro’,
Psicanálise lacaniana, posto que para cunhar o conceito do
interlocutor que participa ativamente da comunicação de duas
fenômeno, Authier-Revuz recorre ao conceito de lalangue (cf.
formas, por um lado, como o lugar de onde o sujeito-
LACAN, 1985; 2003) reconhecendo o jogo do equívoco
enunciador espera uma atitude responsiva e, por outro, como o
constitutivo da linguagem humana. Nosso corpus é composto
elemento da comunicação que desencadeia o processo das
de trinta artigos acadêmicos de lingüística de publicação on
formações imaginárias no sujeito-enunciador de se dirigir ao
line, sendo dez da revista D.E.L.T.Α dez da ReVel e dez
Outro, termo lacaniano para designar “o Grande Outro da
da Linguagem em (dis)curso coletados com base no critério de
linguagem, o lugar da Lei” (MILLER, 2002, p. 30) que
que o artigo acadêmico deveria tratar, preferencialmente, de
entendemos como o lugar das ‘Leis da Linguagem’ com as
análise de discurso. Os eventos analisados são selecionados a
quais
partir da configuração da metaenunciação, procedimento
desencadeando o processo das não-coincidências do dizer.
enunciativo na qual o sujeito-enunciador se distancia de seu
Disto, concluímos que o fenômeno circunscreve o sujeito não
dizer, e de uma posição avaliativa, realiza um comentário, uma
apenas como entidade empírica (como na psicanálise) nem
avaliação ou uma crítica sobre o próprio dizer, os itens lexicais
assujeitado pela história e ideologia como na primeira fase da
empregados ou a maneira que o dizer foi enunciado,
análise de discurso, nem também entre ambos, mas um sujeito
consistindo no que Authier-Revuz chama de ‘desdobramento
visto sob uma nova ótica o sujeito-efeito de sentido, marcado
metaenunciativo da modalização autonímica’, ou seja, um
pelo não-um constitutivo da
enunciado dentro de outro, o que ocasiona momentaneamente a
inconsciente, pela história, pela ideologia e pelo imaginário.
opacificação do signo lingüístico. Os resultados alcançados
Sujeito este que faz de seu dizer, oral ou escrito, um momento
apontam para uma negociação obrigatória empreendida pelo
único de embate de vozes sociais nas quais há sempre o
sujeito-enunciador que coloca em jogo, no ato efetivo da
despertar do poder.
uma
enunciação
efetiva
nem
sempre
linguagem,
coincide
clivado pelo
61
PALAVRAS-CHAVE:
psicanálise,
lalangue,
análise
de
discurso, não-coincidências do dizer
de uma cultura iconizada que nos nega historicidade,
considerando o sujeito sul matogrossense a-histórico. Assim,
procura-se fazer essas reflexões levando em conta a Análise do
Questões de Identidade e Representações Sul Matogrossenses
Discurso que se inscreve num terreno em que intervém
Anailton de Souza Gama (UFMS/UEMS/FINAN)
questões teóricas relativas à ideologia e ao sujeito, concebendo
o discurso como uma manifestação, uma materialização da
Considerando-se uma das tendências da atualidade no que
ideologia decorrente dos modos de produção social.
tange aos estudos lingüísticos, nota-se a inclinação pautada nos
estudos da recepção para tomar foco central o processo de
Mesa 2
produção textual, a prática de leitura e o leitor. A atividade
“O Uso de Genéricos e os “Apagamentos” em Saúde do
crítica, oscilando entre autor, obra e leitor, tem apresentado ao
Trabalhador”
longo do tempo diferentes teorias que, entrelaçando-se,
Alessandra Moreno Maestrelli (PG/USP)
anteciparam ou negaram questões enfocadas no percurso
marcado pelos diferentes pólos dessa proposição, culminando
Este trabalho é resultado do esforço de investigação sobre o
com postulações da Análise do Discurso. A presente
funcionamento da conexão entre ideologia e inconsciente.
comunicação propõe analisar o processo de produção textual, a
Trata-se, portanto, de uma das possibilidades de interface entre
forma como o discurso científico/político toma o lugar do
análise de discurso de filiação francesa e Psicanálise. Como se
discurso histórico no processo divisionista do estado de Mato
sabe inconsciente é um dos conceitos fundantes da psicanálise
Grosso, conferindo ao sul matogrossense o estatuto de sujeito-
desde Freud, relido por Lacan que adiciona a noção de
cultural e negando-lhe o direito de sujeito-histórico, produtor
Progresso aos avanços da Psicanálise na compreensão dos
de sua própria identidade e representação através da imposição
novos modos de subjetivação. Ideologia, por sua vez, é um
62
conceito que Pêcheux empresta do marxismo e acaba por
mais em menos tempo etc. Além de todas as perdas mais
perpetrar a alienação ao desejo do Outro, função política da
relevantes a maior importância é dada ao título, ao certificado e
noção de Ideologia em Análise do Discurso. A questão do
enfim à garantia de conhecimento ampliado. Essa investigação
trabalho, para mim, tem sido motivo de inquietação em
dar– se– á a partir da análise dos modos de produção do
múltiplos sentidos, talvez o maior e mais forte deles seja a
conhecimento de trabalhadores da área da saúde, que, por sua
atualização do trabalho na atualidade, entre os quais
vez, refletem no seu processo de adoecimento. Nos últimos 15
consideramos a geração de renda, de riqueza, motivo pelo qual
anos esses trabalhadores estiveram envolvidos com sua própria
o sujeito se entende e se reconhece como cidadão, a crença na
capacitação profissional, além de sua manutenção nos serviços
superação de déficits econômicos e por fim a ascensão social.
públicos de saúde em função das novas diretrizes para a
Esse discurso em torno do trabalho e de seus significados nos
consolidação do Sistema Único de Saúde, o SUS. As tentativas
leva a crer que é o discurso hegemônico mantido pelos
de construção do sistema público de saúde têm passado por
empresários e patrões, para os explorados e oprimidos, ou
várias reformas, entre elas, a criação dos Programas de Saúde
ainda, os socialmente prejudicados. Por outro lado o discurso
da Família. Nota – se que, ao se inserir o profissional de saúde
que faz ecoar a propagação da exploração vem de encontro à
da família no contexto da saúde da comunidade, espera – se
demanda social e trabalhista, não por melhorias nas condições
que, este, seja a redenção das esferas governamentais;
postas à exploração da mão de obra existente, mas, sim, na
assegurando a saúde pública, e a manutenção de um sistema
melhoria da própria mão de obra, e, assim, nascem as
eficiente de atenção à saúde. No entanto, o que se tem é um
capacitações e as demandas por salvo condutos especializados
crescimento de frustrações e sobrecarga de trabalho, o que
em títulos. O curso que o sujeito realiza tem a função de salvo-
acaba por produzir os mais diferentes sentidos sobre o sujeito,
conduto mesmo que provisório para trabalhar melhor, uma vez
sobre o trabalho e o si mesmo. Aparentemente importa para o
capacitado o funcionário colaborador irá render mais, fazer
sistema (SUS), que, os trabalhadores tenham envolvimento
63
pessoal e compromisso com o trabalho e com os usuários dos
Psicanálise francesa, a superfície lingüística é opaca, o que se
serviços. A esse respeito, é válido, no entanto, lembrar o que
vê, são marcas, pistas, que, para serem interpretadas, requerem
LACAN (1985, p.41) aponta sobre as relações pessoais. Para
que se atinjam seus modos de funcionamento. O ponto de
ele, trata-se de considerar laços sociais e, portanto, políticos,
partida é sempre considerar que existe uma heterogeneidade de
que, ao se estreitarem para consolidar uma política que se diz
formações discursivas, que, são determinadas por formações
apartidária, produzem outros sentidos que não exclusivamente
ideológicas, as quais, por sua vez, estão embebidas em uma
os esperados. Com o amparo da noção de ideologia em
formação social. O sujeito do discurso é considerado como
Pêcheux, podemos supor a delegação das responsabilidades
efeito, que emerge em alguma posição que lhe permita produzir
governamentais para com a Saúde aos Pólos de Educação
alguns sentidos, enquanto está assujeitado à interdição de
Permanente em Saúde, trabalhadores e usuários dos serviços,
outros. Temos assim uma conexão entre o inconsciente
como “desculpabilização” ou isenção. Na seqüência desta
psicanalítico e o inconsciente da ideologia; encontramos atos
análise inicial do corpus, a noção de Transferência em LACAN
falhos, metáforas, metonímias e outras formações, que poderão
(1995) compõe o arcabouço teórico inicial de análise como
nos indiciar o apagamento da condição social dos sujeitos
uma tentativa de ouvir as diferentes vozes do discurso
trabalhadores da saúde, na luta de classes. Os vários corpora
hegemônico e as várias posições sujeito ocupadas e alternadas
deste trabalho irão favorecer as análises discursivas que nos
na relação de poder. Somado a isto, o conceito Posição sujeito
permitirão capturar um “naco” de Real no discurso produzido
norteia a compreensão das convergências discursivas e
pelos sujeitos envolvidos e o contra - ponto com as leis e o
dissonâncias nas formações sociais, e, portanto, ideológicas,
discurso hegemônico vigente; fazem parte deles alguns
bem como o mecanismo do discurso pedagógico. Como
documentos oficiais públicos, tais como a portaria nº 198 de
sabemos, este último esconde, apaga as polissemias inerentes à
Março de 1993, as Diretrizes do Sistema único de Saúde,
linguagem. Tanto para a Análise de Discurso quanto para a
redigido pelo Ministério da Saúde, além da produção textual de
64
16 alunos do curso de facilitadores em educação permanente
análise discursiva seguirá em busca dos
em saúde dos quais fui tutora no período de Março de 2005 a
lingüísticos, percorrendo as formações ideológicas nos
Janeiro de 2006; o curso foi promovido pelo Ministério da
discursos dos sujeitos até que, os encontremos nas várias
Saúde e realizado pela FIOCRUZ em parceria com os
posições sujeito que ocupam em seus discursos e em seus
municípios e os pólos de educação permanente em saúde. A
papéis. Ao estabelecerem relações distribuídas ideologicamente
análise indiciária, à qual nos filiamos, faz-se a partir de gestos
de modo a suprimir as situações de classes, poderemos fazer os
de interpretação por parte do analista, dos quais se fará possível
destaques e recortes no discurso hegemônico no que concerne à
atingir algumas das peculiaridades nas manifestações da
formação pedagógica e ao desenvolvimento de “habilidades
ideologia e do inconsciente, que, a qualquer momento,
necessárias ao trabalhador da saúde” associadas ao seu
emergem como falta. O conhecimento não vem da observação
processo de adoecimento mental, acidentes de trabalho,
direta da língua ou da linguagem, e, sim, da junção de aspectos
doenças ocupacionais e óbitos.
apagamentos
teóricos da internalização da história e da cultura por parte dos
sujeitos. Há, portanto, uma mudança no modelo de análise que
“O Idoso "Excluído" no Bolsão Sul-Matogrossense: a
não responde pela ideologia institucional, indicando um
identidade em questão”
imbricamento do analista com seu corpus de análise, o que nos
Yara de França Catarino Barros (PG/UFMS)
remete novamente aos conceitos de inconsciente, ideologia e
transferência. (TFOUNI, L. V, 1992). A partir da determinação
Tendo em vista os programas de reintegração social aplaudidos
histórica dos processos de significação, reconhecemos o
pelo Estatuto do Idoso (2001) esta pesquisa objetiva descrever
“apagamento” de sentidos, próprio do discurso político,
e interpretar como o idoso constrói sua identidade na condição
definido por PÊCHEUX (1990), como sendo da ordem do
de "excluído". Como procedimentos metodológicos adotamos
mecanismo do funcionamento da memória discursiva. A
entrevistas com idosos, com idade a partir de 65 anos, que
65
residem em asilos situados em algumas cidades do bolsão-sul-
programas sociais e de saúde para os anciãos, particularmente
matogrossense, tais como: Três Lagoas, Inocência, Brasilândia,
para os de baixa renda. Objetivamos com esta pesquisa,
Paranaíba, Cassilândia e Chapadão do Sul.Tendo como base
investigar aspectos relativos à (des)construção de identidades e
teórica os Estudos Culturais na pós-modernidade (Hall, 2005) e
à representação social, tomando como objeto de análise a voz
formação discursiva com base nos princípios teóricos da
dos "excluídos" (idosos que vivem nos asilos) e o Estatuto do
Análise do discurso de linha francesa (Foucault,2005 e
Idoso. Essa investigação teve como procedimentos básicos a
Pêcheux, 2006) analisamos as diferentes identidades dos
pesquisa bibliográfica e documental, e de campo, cuja coleta e
idosos. O idoso tem sido um assunto de extrema repercussão
análise/discussão
em nosso meio social, o qual desperta vários questionamentos,
procedimentos: 1) pesquisa no documento: Estatuto do Idoso;
o que na verdade não deixa de ser mais uma questão social que
2) realização de entrevistas; 3) transcrição de fitas; 4)seleção
necessita ser tratada com mais atenção e respeito seja pela
dos dados para análise; 5) análise dos dados propriamente
família, pelo poder público, pela iniciativa privada ou até
ditos. Na entrevista foram abordados os seguintes temas:
mesmo pela universidade. Enquanto proliferam práticas,
direitos do idoso, acesso à escola e justiça. Os dados foram
discursos e representações sociais sobre a marginalidade, o
coletados na Vila Vicentina, sito à rua Paranaíba, 1299 na
sistema carcerário, a exclusão social, direitos humanos e sobre
cidade de Três Lagoas - MS, a qual mantém-se por meio de
o indivíduo marginal ou desviante, a voz desse sujeito
doações e promoções, recebe ajuda de custo proporcionada pela
submetido a sanções sociais e penais (e de seus familiares)
Prefeitura Municipal de Três Lagoas - MS. O estabelecimento
pouco se faz ouvir, favorecendo assim, a construção de um
abriga pessoas de ambos os sexos, com a finalidade de socorrer
imaginário individual ou coletivo) parcial, ou caracterizado por
pessoas carentes de todas as faixas de idade, sem discriminação
representações falsas ou enviesadas. Assim, o abandono do
de cor e raça, tem como finalidade o exercício da prática da
idoso no Brasil se evidencia na precariedade dos serviços e
caridade no que concerne à assistência social e a auto-estima.
dos
dados
utilizaram
os
seguintes
66
Quanto à assistência material eles recebem donativos tais
discurso sobre prevenção circula nos mais variados espaços
como: alimentos, vestuários. Há uma igreja interna, onde
sociais, então porque os levantamentos de gravidez na
ocorre a reza do terço duas vezes por semana e missas todas as
adolescência tem aumentado gradativamente? Uma das
sextas-feiras à noite.
questões seria pensar que os discursos de prevenção, neste
caso, não surtem seu efeito de sentido “esperado” ou a questão
Gravidez na Adolescência: uma questão de efeito de sentido
da gravidez na adolescência seria uma questão de outra ordem.
Irani Fonseca Francisco (G/UEMS)
A proposta é analisar nos discursos da posição sujeito
adolescentes grávidas qual o “nível” de informatividade
Temos por objetivo analisar neste trabalho o discurso de
discursiva, se antes da posição sujeito gravidez havia um
algumas adolescentes grávidas do município de Nova
espaço discursivo preventivo? Assim, a pesquisa pretende
Andradina que se constituem em sujeito discursivo. Buscamos
caracterizar alguns discurso que revelem em sua constituição
nos discursos das adolescentes saber por que o discurso da
do efeito de sentido dos discursos preventivos de gravidez na
prevenção não constituiu seu efeito de sentido, uma vez que a
adolescência.
circulação
de
discursos
preventivos
de
gravidez
na
adolescência faz parte de grande maioria dos programas
Mesa 3
escolares de ensino médio e fundamental, postos de saúde,
O Processo de Monotongação no Português Falado em
programa vinculada nos meios de comunicação de massa, e até
Dourados-MS
telenovelas exploram esses discursos, ainda sem considerar que
Elza Sabino da Silva Bueno (UEMS)
esses discursos não se constituem em um discurso de
“novidade” ou tabu discursivo, como “coisas-a-saber” das
O princípio da variação supõe que os falantes recorram a
quais ninguém ousaria enunciar em certos espaços. Se o
elementos lingüísticos distintos para expressar conteúdos
67
distintos, uma vez que, se podem usar elementos lingüísticos
estudo é detectar a influência exercida por fatores lingüísticos e
diferentes para dizer a mesma coisa. O uso alternativo de
sociais sobre o fenômeno em estudo. Para tanto, adotamos os
formas diferentes de se dizer o mesmo é encontrado em todos
pressupostos teórico-metodológicos da teoria da variação
os níveis da língua, desde o mais concreto (fonético-
lingüística, propostos por Labov (1972) e Cedergreen &
fonológico) ao mais amplo (discurso), passando pela gramática
Sankoff (1974), em que se analisou a fala de doze informantes
e pelo sistema lexical. Para explicar o funcionamento destes
da região acima mencionada, sendo seis homens e seis
usos, pode-se prestar a atenção à forma como exercem sua
mulheres com idade entre quinze a vinte e cinco, vinte e seis a
influência os fatores lingüísticos e à forma como atuam os
cinqüenta e acima de cinqüenta e um anos de idade. Quanto ao
fatores extralingüísticos, isto é, os históricos, geográficos,
grau de instrução, trabalhamos com falantes do ensino
contextuais e sociais. Entre esses fatores sociais está,
fundamental e do ensino médio, para verificar a freqüência de
naturalmente, a profissão, a idade, o sexo do falante e sua
monotongação entre os dois grupos. Através da análise dos
ocupação. Tratando-se, porém, das variedades lingüísticas,
dados obtidos pudemos concluir que os ditongos [ay], [ey] e
encontramos dentre as várias ciências que tratam desse tema, a
[ow] sofrem variação nos diferentes contextos de uso da língua.
sociolingüística, que estuda a língua em uso no seio da
O ditongo [ay] é condicionado pela presença de uma fricativa
comunidade de fala. Portanto, o presente trabalho analisa o
palato-alveolar; o ditongo [ey], quando seguido por fricativa
fenômeno variável da monotongação, que consiste em reduzir
palato-alveolar. Nesses contextos o condicionamento fonético é
um ditongo a um monotongo, conforme podemos observar nos
categórico para ambos os ditongos. Com relação ao ditongo
exemplos: baixo> baxo; dinheiro>dinhero; roubo>robo. Os
[ow], observamos que não há condicionamento algum
ditongos
orais
relacionado a sua variação, ou seja, a redução deste ditongo
decrescentes existentes no português falado na cidade e na
pode ocorrer em qualquer contexto lingüístico de uso da língua
por
nós
estudados
restringem-se
aos
região da grande Dourados-MS. O objetivo principal do nosso
68
portuguesa falada no Brasil e, de modo especial, no português
importância no período colonial, com certeza depositária de
falado na região selecionada para este estudo.
diferenças diatópicas que revelariam aspectos comuns se
PALAVRAS-CHAVE: Monotongação; teoria da variação
coligidos em uma série de atos lingüísticos, portanto, normais,
lingüística; ditongos orais.
e, ao mesmo tempo, funcionais, constituindo um sistema de
isoglossas. Para que elaborar a carta lingüística de Iguape? Esse
Estudo Sociogeolingüístico do Município de Iguape
material deve trazer à luz um valioso inventário de formas, em
Roseli da Silveira (PG/USP)
primeiro lugar. Além disso, deve se prestar a observações de
caráter geral sobre o funcionamento da linguagem como meio
A partir de 1996, intensificam-se os esforços para a elaboração
de intercomunicação social, revelandoa espaço a conexão entre
de um atlas lingüístico nacional, o ALiB. Passados trinta anos,
a história lingüística e os fatores geográficos ou geopolíticos.
a pesquisa dialetal no Brasil avançou. Abortada a idéia de um
atlas nacional, dadas as dificuldades de um país de dimensões
Mesa 4
continentais, partimos para a elaboração de atlas regionais:
Diálogos Bakhtinianos entre o Cinema de Spielber e o
nosso primeiro atlas, datado de 1963, é o Atlas Prévio dos
Romance de Kafka. Forças Hegemônicas em Discussão
Falares Baianos, depois seguem-se o Esboço de Atlas
Ivo Di Camargo Júnior (PG/UFSc)
Lingüístico de Minas Gerais, o Atlas Lingüístico da Paraíba, o
Atlas Lingüístico de Sergipe, o Atlas lingüístico do Paraná, o
O dialogismo bakhtiniano, corrente do pensamento lingüístico
Atlas Lingüístico Etnográfico da Região Sul, entre outros que
surgido no início século XX, vem nos ajudando a melhor
já foram ou estão sendo elaborados. Iguape, campo de pesquisa
trabalhar com assuntos vários e temas que antes ou eram
de nosso projeto de estudo sociogeolingüístico tem grande
tratados distintamente ou eram estudados separadamente e que
interesse por ser uma cidade histórica que teve muita
agora, podem ser analisados como material intertextual e
69
referencial. Neste trabalho, esperamos apresentar aos nossos
Entre o Asilo e o Exílio, a Condição da Literatura no Universo
destinatários, uma forma de se recuperar o intertexto numa obra
Midiático
fílmica, dentro de uma determinada ótica, utilizando os
Volmir Cardoso Pereira (PG/UFMS)
conhecimentos deste grande pensador das ciências humanas,
Mikhail Bakhtin. O discurso será aqui analisado com vistas a
Esta comunicação tem por objetivo efetivar uma reflexão
interligar as obras analisadas, demonstrar seus potenciais
crítica sobre a situação da literatura no mundo contemporâneo e
dialógicos e explicá-las sob o mesmo ponto de vista. Ao
o seu lugar dentro do universo midiático. Na era do áudio-
mesmo tempo esperamos levantar os possíveis diálogos entre o
visual, da reprodução em escala planetária das imagens pop,
filme de Steven Spielberg, Encurralado, e os estilos do romance
dos mitos de consumo globalizados, a “indústria cultural”
Kafkiano moderno para assim mostrar aos interessados na
(Adorno) sustenta seu poderio através do bombardeio constante
Filosofia da Linguagem e na Dialogia de Bakhtin, um trabalho
de informações fragmentárias e de espetáculos efêmeros,
que levante discussões a respeito dos diálogos entre artes
destituídos de qualquer sentido histórico. Por isso, os tempos
distintas, cinema e literatura, mas que se completam
hodiernos se caracterizam pela perda da capacidade de se
perfeitamente quando traspassadas de uma ótica a outra. Por
contar histórias, ou seja, diante do vertiginoso mosaico non
outro lado discutiremos as forças hegemônicas filosóficas e
sense de informações gerado pela mídia, toda e qualquer
discursivas apresentadas no filme, à maneira como Bakhtin as
narrativa se decompõe em fragmentos, ficando sujeita à mera
trabalhou. Sem mais, esperamos que este trabalho enriqueça
condição de produto descartável. Nesse sentido, questionar a
ainda mais os estudos bakhtinianos e que ajude a compor uma
condição da arte literária dentro da indústria cultural fatalmente
bibliografia mais completa nos estudos de cinema, literatura e
nos leva a reconhecer que o seu espaço se encontra cada vez
filosofia da linguagem
mais restrito e, sobretudo, sujeito à lógica consumista que, por
não ver nela um mercado promissor (a não ser o reino dos best
70
sellers), marginaliza-a. Vista como uma expressão da cultura
sem a necessidade de passar pela seleção rigorosa (quando não,
que se arcaizou ante a emancipação do cinema e da televisão, a
um jogo de cartas marcadas) das grandes editoras. Hoje, um
literatura parece se encontrar asilada dentro da indústria
escritor iniciante pode começar publicando em sites e blogs,
cultural, como se fosse um puro anacronismo. Nesta condição
pode inclusive criar, junto com alguns amigos, sua própria
de asilo, ela se restringe ao interesse de alguns poucos
revista literária ou, de forma mais ambiciosa, sua própria
acadêmicos, a pequenas comunidades virtuais (blogs, revistas
editora. Todas essas possibilidades nos levam portanto, a uma
eletrônicas) e a outros poucos indivíduos soturnos. Contudo, há
conclusão que é, no mínimo, paradoxal: embora sejam
certamente um movimento por parte de escritores e leitores
fenômenos recentes – os sites, os blogs, as pequenas editoras –
para impedir que o “asilo” da literatura se transforme em um
cremos que pelo menos de uma coisa se pode ter certeza: os
completo “exílio” dos meios de comunicação atuais, o que nos
meios de produção literária estão mais democráticos, embora
dá alguma esperança. Nesse sentido, é preciso dizer também
isso não tenha tornado a literatura democrática em si mesma,
que, além do público escasso, outro problema que o escritor
visto que ainda atinge um ínfimo número de pessoas no Brasil.
contemporâneo enfrenta é justamente o descaso da própria
Mesmo diante dessa situação conflituosa, percebe-se também
crítica universitária, sempre mais preocupada com figuras
que os escritores se valem da mídia, da tecnologia, das técnicas
canônicas e não disposta a se arriscar no estudo de obras e
de publicidade, enfim, dos suportes ideológicos do capitalismo
autores recentes. Mas, se por um lado é visível essa má-vontade
para expressar sua voz e seu descontentamento com o mundo.
com relação à literatura contemporânea, temos visto também,
Ao narrar, eles também desdizem, desconcertam ideologias e
desde os anos 90, uma facilitação no que tange às publicações e
confrontam o leitor com novas formas de apreensão da
à divulgação das obras lançadas. Com a ascensão dos meios de
realidade, fazendo com que este se torne novamente capaz de
comunicação virtuais e a disseminação de pequenas editoras,
imaginar, pensar e agir mais livremente. Creio ser com essa
qualquer pessoa pode atualmente publicar seu próprio trabalho
consciência que grande parte de nossos escritores atuais tem se
71
dedicado a trabalhar. As obras instigantes de muitos autores da
progressão de regime de cumprimento de pena, mesmo tendo
geração 90, por exemplo, são fontes inexauríveis de
cometido um crime hediondo (atentado violento ao pudor). Tal
questionamento quanto a problemas como violência, miséria,
corpus tem por finalidade, por ser um voto do relator do
consumismo, solidão, insatisfação, falta de esperança, enfim,
processo, direcionar o entendimento dos outros Ministros
esses temas que permeiam toda a realidade brasileira atual. A
acerca da matéria questionada. Portanto, diversas são as
literatura contemporânea tem muito a dizer e, como os fins
estratégias argumentativas passíveis de serem utilizadas para a
justificam os meios, ela tem se valida dos mais variados
consecução desse objetivo primaz, e tais estratégias são os
recursos para reivindicar seu lugar dentro da cultura capitalista,
focos principais da pesquisa, principalmente o entendimento de
reivindicar o seu lugar ao sol e não ter sua voz calada.
como tais estratégias surtem efeitos nos receptores da
mensagem, no caso, do voto. Por ser um assunto envolvido
A linguagem Jurídica numa Perspectiva Pragmática: análise de
numa aura de comoção popular, pois a sociedade repudia
Texto do STF
veementemente crimes de tal natureza (hediondos), o objeto
Daniel de Mello Massimino (PG/UFMS)
adquire uma importância ainda maior, pois a aceitação ou não
dos argumentos do relator pode gerar uma convulsão social,
O trabalho tem por escopo analisar questões pragmáticas no
tendo em vista que o que ocorre nesse caso é a aceitação dos
discurso, lançando um olhar sistematizado sobre o sistema
argumentos do paciente do habeas corpus pelo relator. Ou seja,
lógico-argumentativo que permeia as construções textuais
o relator deferiu um pedido que contraria frontalmente os
jurídicas, utilizando-se para esse mister de um voto do Ministro
anseios da sociedade, que cada vez mais quer os criminosos
Marco Aurélio de Mello, relator do habeas corpus 82.959,
atrás das grades e, em alguns casos, mortos. A atitude do
impetrado junto ao Supremo Tribunal Federal por Oséas de
relator em pronunciar-se contra uma vontade praticamente
Campos, presidiário que objetivava para si ver garantida a
geral da sociedade foi embasada em argumentos contundentes,
72
o que pode ser configurado por, ao final, ter conduzido de fato
vocabulário textual utilizado. A integração do componente
o julgamento da matéria que houve por proporcionar ao
pragmático na investigação lingüística é sustentada pelas obras
condenado a progressão de regime de cumprimento de pena,
de Oswald Ducrot (1987) e seus seguidores. Por seu turno, os
mesmo tendo ele cometido um crime hediondo. A metodologia
grandes filósofos gregos são base para a interpretação da lógica
da pesquisa nesse trabalho baseou-se primeiramente na
jurídica em suas mais variadas vertentes. Justifica-se tal lócus
realização de recortes teóricos que subsidiassem a delimitação
de pesquisa principalmente pela desconstrução das barreiras
das áreas abrangidas, levantando-se, em seguida os enunciados
disciplinares advindas da pós-modernidade contemporânea
textuais que permitissem a aplicação das referências teóricas e
(JAMESON, 2004). A vivência eminentemente disciplinar caiu
conseqüente verificação do pressuposto de base da pesquisa,
por terra, dando lugar a um espaço de multiculturalidade e
que é o posicionamento das construções lógico-argumentativas
transdisciplinaridade, em que o entendimento das questões
como necessárias à produção do discurso jurídico plenamente
transcende a órbita centrista das teorias isoladas. Para
persuasivo. Segue-se uma leitura crítico-analítica do objeto do
entendermos um corpus como o apresentado nessa pesquisa,
trabalho, confrontando-o, primeiramente, com a bibliografia, e,
tem-se que haver a convergência de diversas disciplinas que, a
em segunda análise, com os dados sobre o pensamento social.
um primeiro olhar, quem sabe oblíquo e dissimulado, nada
Tais operações teóricas tiveram como suporte principal as
detém em comum, mas que acuradamente percebido,
obras de Michel Foucault (2006), principalmente na questão da
consubstancia-se numa impossibilidade de dissociação e não-
verificação das relações entre os poderes e as verdades contidas
intervenção de disciplinas deveras distintas, como filosofia,
no discurso-objeto de análise. A microfísica do poder latente no
lingüística, sociologia e direito, mas ao mesmo tempo
Pretório Excelso é pressuposto de qualquer análise efetuada em
indissociáveis.
seus textos. As formas de exclusão do receptor do discurso
somam-se às análises, em particular no entendimento do
A Linguagem do Direito
73
Paula Abrão da Cunha (G-UEMS)
Quintus Terentius Afer foi um comediógrafo latino do século II
a.C.Sua vida foi breve (morreu aos trinta anos, provavelmente
Este trabalho tem como objetivo o estudo da linguagem jurídica
vítima de um naufrágio) e sua obra pequena (apenas seis
na sua forma mais expressiva: a argumentação. Desde a Grécia
comédias). Contudo é considerado um dos maiores poetas de
antiga este assunto vem sendo abordado, porém, por ser uma
seu século por causa de sua técnica. Sua obra, assim como toda
discussão do campo filosófico, toma corpo atualmente. O
a comédia romana, remete a comédia nova grega, tipo de drama
estudo em questão aborda o ato de argumentar e seus principais
desenvolvido a partir do final do séc. III a.C. em Atenas. Seus
pilares: o locucionario, o ilocucionario e perlocucionário. O
principais modelos foram as Comédias de Menandro e
estudo torna-se relevante, por discorrer sobre a argumentação
Apolodoro de Caristo. Nossa pesquisa consiste na análise do
nas
ethos
ciências
jurídicas
demonstrando
construções
discursivo
nos
prólogos
de
suas
comédias.
argumentativas empregadas através de jogos de palavras, sem
Diferentemente dos poetas de até então, que usavam o prólogo
esquecer da questão da verdade que vai ter valor diferenciado
para introduzir o argumento da peça para espectador, Terêncio
quando falamos em Linguagem e em Justiça. E conclui-se
usa-o para defender-se de acusações de um poeta rival,
levando em conta o poder que o bom operador da língua pode
evocando uma cenografia do tribunal. Fiando-se na figura do
exercer em vários momentos do profissional das ciências
velho advogado, o enunciador instaura no discurso o ethos do
jurídicas no júri, bem como no cotidiano do falante comum.
poeta que agrada ao povo, que versa boas comédias em latim a
partir de modelos de boas comédias gregas.
Mesa 5
O Bom e o Mau Poeta: o ethos nos prólogos de Terêncio
A Reciclagem de Discursos em Quarto de Desejo, de Carolina
Nahim Santos Carvalho Silva (PG/USP)
Maria de Jesus
Letícia Pereira de Andrade (PG/UFMS/CPTL)
74
trabalho, analisar e descrever a realidade da leitura no ensino
A finalidade dessa comunicação é discutir a problemática
fundamental em escolas de Dourados (MS). A discussão é
acerca da tensão produzida por variações de discursos, que
ampla e necessária e se faz presente, principalmente, na
cedem forma à experiência narrativa do “poeta trapeira”, da
realidade escolar, pois entre tantas funções atribuídas à escola,
“poeta do lixo” Carolina Maria de Jesus em seu diário “Quarto
esta se apresenta, necessariamente, como fundamental.
de Despejo” (1960). A escritora reciclava lixo para comer,
assim como reciclava discursos em sua poética dos resíduos.
História Concisa da Leitura no Mundo Ocidental
Dessa forma, renova, por tentar administrar, e reestrutura um
Valter Ribeiro dos Santos Junior (G-UEMS)
novo sentido para nosso sistema social no campo da arte
escrita.
Nosso trabalho visa apresentar uma visão geral sobre a história
da leitura e sua evolução. Para a realização de tal tarefa
Mesa 6
procuramos fazer um pequeno resumo das condições de leitura
A Leitura no Ensino Fundamental
desde a Grécia antiga até os tempos atuais. Nesse caminho,
Emílio Davi Sampaio (UEMS)
procuramos mostrar não só a questão da leitura, mas também, o
contexto cultural de cada período, a situação dos escritores, do
Ler, sem dúvida alguma, é um ato de profunda solidão. Mas,
livro em si, ou seja, buscamos dar uma visão mais geral do que
uma solidão de encontro consigo mesmo. A leitura é reveladora
simplesmente falar sobre leitura. Assim, o presente trabalho
na medida em que se estabelece um diálogo silencioso com o
focaliza de modo amplo sobre como a leitura veio se
texto. Sabe-se que não se pode questionar a importância da
desenvolvendo desde os seus primórdios, buscando, com isso,
leitura para a formação humanística de um cidadão. E por onde
criar um contraponto para que seja possível uma melhor
e como começar? Em razão disso, pretende-se, com este
comparação com a situação da leitura nos tempos atuais.
75
A leitura é um dos maiores bens da humanidade. Ela é quem
Apelo Sócio-Cultural da Leitura
determina e possibilita que um indivíduo se torne um cidadão
Rosimar Francelino da Silva (UEMS)
apto a desenvolver habilidades como: ler, escrever, falar,
entender. A prática de leitura proporciona ampliação de
Este trabalho tem por objetivo investigar e demonstrar a
horizontes, apropriação de conhecimentos, além disso, ela
realidade da leitura no ensino fundamental, em escola de
também pode ser vista como lazer e diversão, como um objeto
periferia da cidade de Dourados. Pesquisamos o que os alunos
de distração, prazer e mais que isso, de enriquecimento
lêem, para quê e com que freqüência e, ainda, o nível de
cultural. No entanto, há circunstâncias em que a leitura não é
importância que os alunos atribuem a este ato. Antes de ser um
vista como objeto de prazer e sim como requisito necessário
meio de proporcionar prazer, a leitura é um importante
para aquisição de “um bom lugar ao sol”, ou seja, um meio
instrumento de ação social e cultural para todas as pessoas. A
para se conseguir um bom emprego e uma melhor condição de
leitura cumpre papel político importante na formação de um
vida. Diante disso, esta pesquisa pretende analisar e descrever a
cidadão competente, crítico e participativo. O resultado de
realidade da leitura no ensino fundamental, em escola pública
nossa pesquisa aponta que os alunos, na sua maioria, gostam de
da cidade de Dourados (MS).
ler; não o fazem por falta de incentivo, apesar de acreditarem
que a leitura é realmente importante para a vida social de cada
Mesa 7
indivíduo.
Linguagem: arco e flecha na caça ao sentido
Adilson Crepalde (UEMS)
Os Benefícios da Leitura
Elizabete Maria dos Santos (G-UEMS)
Este trabalho consiste em uma reflexão sobre o discurso
indígena Kaiowá e Ñandeva, elaborados e pronunciados nas aty
76
guasu, assembléias indígenas, objetivando chamar a atenção
amigavelmente dentro de duas Aldeias: a Bororó e a Jaguapiru.
para
algumas
Trata-se de três etnias, os Kayowá, os Guarani e os Terena,
considerações sobre possibilidades interpretativas e sobre
cada uma com sua língua nativa. Partindo de estudiosos da
aplicação de categorias e constructos analíticos na análise desse
formação da identidade como Stuart Hall, este trabalho esboça
discurso. As reflexões enfatizam a importância do olhar
algumas reflexões acerca da constituição da identidade étnica
etnográfico, de conhecimentos históricos e antropológicos para
indígena dessa comunidade. Esse tema torna-se polêmico por si
a análise do discurso indígena. Chamam a atenção para a
só, uma vez que o indígena que convive de forma muito estreita
política indígena como base para a construção dos modos de
com os não-índios, muitas vezes até na dependência econômica
ser dos referidos grupos étnicos bem como a importância de se
destes, acaba por ver diluída sua identidade de “ ser índio”, pois
compreender a dinâmica dessa política em qualquer análise.
sua cultura, seus costumes e até sua língua vão sendo
Este trabalho destaca, ainda, as transformações históricas pelas
paulatinamente substituídas pelos dos não índios, resultando
quais passaram esses grupos étnicos e a utilização da
num povo sem referências firmes, contundentes. A linha que
linguagem como instrumento de luta na construção e
separa o índio do não-índio vai se atenuando sem que se
manutenção de seus modos de ser.
perceba em que momento a etnia vai cedendo lugar a
a
complexidade
desse
discurso,
fazer
conveniência. Após pesquisa de campo, através de entrevistas
A Fragilidade da Identidade Indígena numa Comunidade
com os indígenas in loco percebe-se que os próprios índios
Próxima a um Centro Urbano
carregam muitas dúvidas com relação a essa questão: em que
Sandra Espíndola (UEMS)
situação eles devem resgatar sua identidade e em quais essa
identidade deve ser esquecida, em favor de se ter alguma
Os índios da Reserva Francisco Horta Barbosa, localizada no
Mato Grosso do Sul, próxima à cidade de Dourados, convivem
vantagem ou não disso.
77
PALAVRAS-CHAVE: Identidade Lingüística. Cultura e
elite encarregaram-se de elaborar e reproduzir via práticas
Identidade.
discursivas às regras de convívio social.
Apontamentos sobre Violência, Relações de Gênero e Análise
O Guarani e sua Relação com a Identidade Cultural da América
Crítica do Discurso
do Sul
Tânia Regina Zimmermann (PG/UNIPAR/UEMS)
Nádia Nelziza Lovera de Florentino (G/FINAN)
Nas décadas de 1960 a 1990 percebe-se na imprensa do Oeste
Mesa 8
do Paraná uma ênfase em enaltecer os municípios através da
As Múltiplas Linguagens na Análise de Fontes Históricas
imagem de cidades progressistas, associadas ao caráter ordeiro,
Maria Neusa G. Gomes de Souza (CPCX/UFMS)
harmônico, pacífico e trabalhador de seus habitantes. O
processo de urbanização e de adensamento populacional
Este trabalho faz parte de um projeto de pesquisa maior,
contribuiu para o crescimento de tensões no cotidiano da cidade
desenvolvido na UFMS; intitulado: Multiculturalismo e
e nas áreas rurais. Tensões estas também presentes nas relações
identidade cultural; da linha de pesquisa; educação, psicologia
de gênero e que nos são percebidas em jornais, revistas,
e prática docente do Mestrado e Doutorado em Educação. Este
boletins de ocorrência e nos processos crimes que envolveram
ramo do projeto se preocupa com a constituição da identidade
mulheres e homens nas suas tramas.Comportamentos vistos
dos educandos Coxinenses, questionando sobre o papel da
como desviantes da ordem instituída poderiam destruir a
riqueza cultural existente no município e a aplicação desta na
imagem das belas, ordeiras e civilizadas cidades do interior do
formação da identidade individual. Este Estado é caracterizado
Paraná. Para esta tarefa o judiciário, a imprensa e os grupos da
por suas fronteiras com 5 Estados brasileiros, São Paulo, Minas
Gerais, Mato Grosso, Goiás, Paraná; e duas fronteiras com
78
países da América latina; Paraguai e Bolívia; então já se
história com uma lógica própria de interpretação como diz
imagina a magnitude cultural, as tradições, os costumes, as
Thompson, e com a História Nova, Le Goff esclarece sobre o
músicas, alimentos, artes, vestuários, linguagem, sotaques,
campo da historia cultural e das mentalidades; as artes e
lendas e muito mais; que influenciam na educação e formação
literatura como novas abordagens, novos problemas, novos
dos jovens estudantes, nosso alvo na pesquisa. Nos preocupa a
objetos de estudo. As artes e literatura se transformam em
possibilidade da negação de tais influências,para uma educação
documentos históricos que trazem um discurso, um sentido e
única, que trata os alunos como iguais, como têm ocorrido em
significados próprios da sociedade a ser desvelada, produzidos
muitos lugares. Objetivamente a pesquisa se desenvolve com
como expressão de uma época; que resgatada, e inserida na
uma metodologia de trabalho, visando a história social das
contemporaneidade
representações. O local, o Centro de documentação histórica e
identidades cristalizadas na ignorância da riqueza cultural de
Memorial Henrique Spengler em Coxim; que preserva objetos
uma região como esta.
contribui
para
a
metamorfose
de
antigos da região pantaneira, obras de arte na temática
Kadiwéu, esculturas, jornais, livros e outras representações da
Uma Abordagem Semiótica do Texto da Canção “Onde Estará
cultura. Pesquisamos o papel da cultura, limitada a arte, história
o Meu Amor” Chico César
e literatura; como a manifestação da arte kadiwéu de Henrique
Rosemeire de Almeida Aguero (PG/UEMS)
Spengler, na história da participação dos índios Guaicurus na
guerra do Paraguai, o resgate dos objetos pantaneiros
Este estudo trata da análise semiótica das paixões expressas na
preservados e as perspectivas analíticas da literatura regional.
letra da canção ‘Onde estará o meu amor’, do compositor Chico
Iniciaremos selecionando o material elencado analisando a sua
César. A análise utiliza como opção teórica os estudos
representação social e questionando professores sobre a
semióticos desenvolvidos por A.J.Greimas e seus seguidores,
reflexão deste material no cotidiano escolar. Conceituamos a
por se constituir em um instrumento teórico que privilegia a
79
investigação de textos escritos.
Partindo desse princípio, a
investigação busca identificar a estrutura mais profunda do
investigação considera os três níveis de complexidade do
texto, no sentido de explicitar as categorias de natureza
percurso gerativo de sentidos proposto por Greimas: a estrutura
existencial, antonímicas, a partir das quais se constrói o sentido
fundamental, a estrutura narrativa e a estrutura discursiva do
do texto analisado. Reconhece-se a oposição semântica entre
texto, que correspondem, respectivamente, à passagem do nível
duas categorias que podem ser representadas por meio das
mais abstrato (estrutura fundamental) ao mais concreto
expressões solidão versus comunhão, fundamentadas nos
(estrutura discursiva). No nível das estruturas narrativas são
valores do amor romântico. Dentre essas categorias a solidão
consideradas as relações entre o sujeito e o objeto, analisadas
apresenta natureza disfórica e o desejo do sujeito passional por
sob o enfoque da semiótica das paixões, que se caracterizam
um retorno ao estado de comunhão,por conseguinte, natureza
pelo desejo do primeiro em relação ao segundo. Essa relação no
eufórica. No texto reconhece-se, ainda, que embora manifeste o
texto se manifesta por meio de um sujeito passional que se
desejo de passar do estado de disforia para o de euforia o
encontra em estado de disjunção em relação ao seu objeto
sujeito passional permanece em um estado de espera, de
amoroso e anseia pelo objeto-valor, representado pela plenitude
inércia. Quanto à estrutura discursiva, última etapa da análise -
amorosa. O texto não apresenta a seqüência canônica completa
identificada ao patamar mais superficial do texto - nela são
do percurso gerativo de sentidos, representada pelas fases de
investigados
manipulação, competência, performance e sanção, propostas
figurativização,
por Greimas. A letra se restringe à fase de manipulação onde o
interdiscursividade e polifonia. Percebe-se a existência de um
sujeito passional assume o papel actancial de destinatário,
narrador implícito que, por meio de estratégias discursivas
achando-se modalizado por um querer-ser. Falta-lhe, todavia, o
constrói um efeito de debreagem enunciativa entre o narrador e
poder-ser e o poder-te o que gera a paixão da angústia e da
os
intranqüilidade presentes no texto. No nível fundamental a
proximidade e de intimidade compartilhado entre ambos.
processos
como
os
de
temporalização,
leitores-narratários,
caracterizado
tematização,
espacialização,
pela
sensação
de
80
Observa-se, ainda, a reiteração de certos simbolismos visuais
personagem principal do filme “O Senhor das Armas (Lord of
interpretados como conectores de isotopias, representados pela
War
redundância de traços figurativos presentes na letra da canção.
interdiscursivas entre o que é dito pelo protagonista e o que
O discurso dominante na letra é o do romantismo e nele se
deprendemos de alguns outros discursos bem marcados
percebe a tecitura dialógica de várias vozes culturais, entre o
(literários, filosóficos) que à princípio parecem construir uma
discurso do narrador e outros textos românticos, expressos
mesma formação discursiva, ou, pelo menos assemelham-se em
tanto na temática escolhida quanto na imagística adotada. Essa
superfície. Se para um dos ramos da Análise do discurso, a AD-
opção afirma o primado do intertextual sobre o textual,
2, o sujeito constitui-se enquanto uma função e ele pode estar
presente na letra. O estudo está limitado apenas ao plano de
em mais de uma, atentamos para o fato de que os indivíduos
conteúdo, que se reflete na linguagem escrita, descurando de
deixam transparecer em seus discursos aquilo que fazem no
outras substâncias de expressão passíveis de serem analisadas
mundo de suas práticas cotidianas. Desse modo, o discurso do
na canção. A escolha do corpus se justifica por ser um texto
personagem (Iuri Orlov) traz as marcas de sua profissão
que possibilita investigar o ser do sujeito e os efeitos passionais
(traficante de armas) mescladas às outras que o significam
produzidos em seu discurso.
enquanto um homem ambicioso, de negócios etc. Ao longo do
2005)
com
o
intüito
de
estabelecer
relações
filme assiste-se as conseqüências das reflexões e práticas
“O Senhor das Armas” (Lord of War) Discurso Cínico ou
individualistas que caracterizam tal personagem. Ao pensarmos
Beligerante?
que a noção atual que temos de individualidade pode estar
Eusvaldo Rocha Neto (CE/UEMS)
relacionada “à quebra de alguns valores de ordem social,
econômica e religiosa medievais”, pode-se conjectuar que o
“O Senhor das Armas (Lord of War) – Discurso Cínico ou
individualismo
Beligerante?” Este trabalho propõe-se a estudar o discurso do
caracterizam uma deflação dos elementos expostos acima.
extremado
e
anti-ético
do
protagonista
81
Assim, quando da sua opção pelo mundo do crime, fica patente
aos membros de seu grupo social. Podendo ser ela um fator
a recusa de um modelo moral e a adoção de um outro que nos
extremamente importante na identificação de grupos, em sua
seus limites deixa transparecer os fatores reativos do seu
configuração, como também uma possível maneira de demarcar
comportamento, que ao tentar enunciar a sua “verdade” acaba
diferenças sociais no seio de uma comunidade. Sendo a língua
por fazê-la como um jogo de palavras ou um simulacro.
falada o veículo lingüístico de comunicação usado em situações
Atentando-se ao fato de que o referindo filme tenta fazer uma
naturais de interação social do tipo comunicação face a face, o
denúncia da sociedade capitalista no que ela tem de mais cruel:
presente trabalho pretende colaborar para que os indígenas da
a venda de um meio com o qual os poderosos silenciam os ou
etnia Guarani e kaiowá da aldeia Jaguapirú de Dourados MS
eliminam os mais fracos. Percebe-se que o discurso de seu
aprendam a língua portuguesa formal, uma vez que a ausência
personagem central, apesar de denunciar e provocar reflexões
desta está ocasionando a exclusão desses indígenas que estão
traz à tona a sua contraparte, ou seja, a noção pré-concebida de
tentando uma vaga na Universidade Estadual de Mato Grosso
que a guerra é inerente à espécie humana. Assim, ele nada faz
de Sul (UEMS), também cabe ressaltar aqui as dificuldades de
para impedi-la ou evitá-la e, até dá a sua contribuição para o
comunicação que os estudantes indígenas que já estão ingressos
estado de caos mundial.
na universidade estão sofrendo, uma vez que seus colegas de
sala e professores são falantes da língua portuguesa. Fato este
A Possível Exclusão das Comunidades Indígenas Ocasionada
que dificulta sobremaneira a entrada e permanência dos alunos
pelas Diferenças Lingüísticas
indígenas, pois um bom número deles recebeu as primeiras
Michele Aparecidade Sá
instruções em guarani, sua língua mãe, ficando o português
como segunda língua, a qual usam para negociar com os não-
A aprendizagem lingüística sendo ela a aprendizagem de um
índios em situações específicas. Além disso, o português falado
discurso, cria uma consciência verbal que une cada individuo
por eles é uma variação da língua padrão que recebeu
82
influência da língua guarani. Esses e outros fatores fazem com
seguida serão analisadas as redações do vestibular da
que surjam dificuldades no domínio do português formal que
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) do ano
vêm contribuindo para a exclusão de indígenas do ensino de
de 2006, para verificar as dificuldades recorrentes que muitas
terceiro grau por várias razões, destacando-se entre elas os
vezes podem ser explicadas pelas diferenças gramaticais das
motivos em decorrência da exclusão lingüística. O vestibular,
línguas, como questões de diferença de gênero (típico da língua
porta de entrada na universidade, só permite que passe por ela
portuguesa,
aqueles que dominam o código lingüístico padrão da língua
evidenciado em estudos anteriores), conjugação verbal e outras,
portuguesa. Em decorrência desse fato o objetivo maior desse
que por sua vez dificultam o aprendizado da língua portuguesa
projeto é o de propor a aplicar conhecimentos lingüísticos para
formal. Dessa forma as dificuldades das redações serão
compreender e ajudar a solucionar um problema de ordem
analisadas para posteriormente começar a elaboração de
social que consiste na inclusão e permanência de indígenas na
materiais
universidade, ou seja, disponibilizar conhecimentos lingüísticos
recorrentes para que os indígenas tanto da aldeia Jaguapirú
sobre as diferenças entre a língua guarani e a língua portuguesa
como universitários indígenas da UEMS possam ter acesso à
para a confecção de material didático como instrumento
esse material para compreenderem a língua portuguesa e
facilitador da aprendizagem formal de língua portuguesa,
incluir-se
destinado aos atores sociais desses grupos étnicos, falantes da
consequentemente, aumentar sua participação nas atividades
língua guarani. Para a execução desse projeto será analisada a
acadêmicas sem que percam sua identidade lingüística e
gramática das duas línguas, ou seja, a da língua portuguesa e
cultural.
porém
didáticos,
de
ausente
que
forma
na
língua
enfatizarão
satisfatória,
guarani,
essas
para
como
dificuldades
que
guarani, para que se torne possível uma compreensão da
estrutura gramatical de ambas as línguas, isto é, verificar os
Mesa 9
fatores que distanciam e aproximam uma da outra. Logo em
Literatura como Expressão do Sentimento (semiótica)
possam
83
Geane Carla Di Benedeto (G/FINAN)
Tendo por base as narrativas orais do interior nordestino nos
Deborah Negrine Ântico (G/FINAN)
idos de 1750, a tragédia de Dias Gomes intitulada “O Santo
Inquérito” traz como temática as torturas praticadas pela Igreja
Este projeto está direcionado ao Ensino Fundamental, visando
católica no século XVIII. Este foi o recurso utilizado por Dias
despertar
e,
Gomes para denunciar a censura pelo qual passaram muitos
consequentemente, ao hábito de leitura, através do estímulo
brasileiros durante o período militar iniciado na década de 60
visual; estímulo este que emergirá sentimentos que antes se
vindo a perdurar por mais de vinte anos. Trazendo como
encontravam em estado de torpor. A prática da leitura visual
personagem principal Branca Dias, o enredo da peça é marcado
servirá como instrumentos para emergir sentimentos e
por um jogo de interpretação e ambigüidade (entre o que
afetividade, levando o educando a externar sentimentos,
Branca via como verdade e o que o Padre via como verdade) e
ocasionando na produção escrita. Familiarizado com a escrita,
o conflito entre a oikos e polis se estabelece, pois ela passa a
o educando sentirá maior interesse em ler empregando o seu
rever tudo o que conhecia como verdade a luz de uma nova
potencial criativo e ativo no processo de aquisição da leitura e
interpretação, daí vai surgindo-lhe o reconhecimento. Branca
produção textual, que são tarefas essenciais e principais no
então é acusada de heresia e seu pai e noivo presos pelo Santo
processo de educação.
Ofício. Mas a acusação e o acusador lhe são desconhecidos.
o
interesse
dos
educandos
pela
escrita
Sendo submetida a um inquérito, vai percebendo as razões de
Rastros do Trágico na Obra “O Santo Inquérito” de Dias
ser acusada mesmo, que de maneira ambígua, e não se
Gomes
considera culpada. A origem judaica que possui e a ação de
Ilma Benício Tavares (G/UEMS)
salvamento de Padre Bernardo a condenam. Neste ínterim seu
Priscila Mendes Daosico (G/UEMS)
noivo, não suportando a tortura é morto. Seu pai condenado a
carregar uma cruz e ela segue para fogueira. Nesse sentido, o
84
presente trabalho visa apontar os aspectos trágicos encontrados
restaurar a consciência heróica de Portugal escrevendo nos
na referida obra de Dias Gomes, a partir da definições da
Anais da Literatura a estória da Torre de um de seus avos,
Professora Adelaide Caramuru César em “O trágico enquanto
Trutesinho Ramires, comprovando na sua narrativa o objetivo
marca do texto literário”.
deste trabalho.
Gonçalo Mendes Ramires – Personagem com Metáfora na
Mesa 10
Obra de Eça de Queiroz
A Importância de Contar História nas Escolas
Liane da Silva Militão (G-UEMS)
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
Michelle Cristianne de Souza Gonçalves (G/UEMS)
O presente trabalho teve como objetivo a analise do
Rosemeiro Maziero Fernandes (G/UEMS)
personagem principal do livro A Ilustre Casa de Ramires,
Gonçalo Mendes Ramires, da obra A Ilustre Casa de Ramires,
O ato de contar histórias ou estórias é de suma importância para
do romancista e prosador Eça de Queiroz numa perspectiva
o desenvolvimento integral das pessoas. Inclusive vale salientar
histórica social da trajetória do personagem, que se espelha a
que se trata de um processo onde a alma é tranqüilizada. A
mesma de seu pais, Portugal. No romance ha o melhor estilo
criança tem a oportunidade de desenvolver sua capacidade de
queirosiano em todas as suas oscilações, fruto do desejo sincero
atenção e de compreensão das palavras faladas, por isso é
de compreensão profunda do destino português e das
fundamental que o contador de história seja alguém bem
possibilidades de superação do sentimento decadente de sua
humorado, que se identifique com as crianças e sua classe
pátria. Nas representações das tenções ideológicas do Realismo
social, que tenha realmente a intenção de ajudá-las a construir
Português, pela ânsia de intervir na realidade, o autor apresenta
sua personalidade e caráter. Estes elementos são importantes no
um personagem, Gonçalo um jovem fidalgo que deseja
desenvolvimento da escrita e da leitura. Desta forma, o projeto
85
ora apresentado pretende unir-se à escola, bem como ao projeto
validade a sentimentos importantes, promoverão percepções
com o qual estará conectado no alcance destes objetivos, ou
internas, alimentarão esperanças, reduzirão ansiedades e com
seja, propiciar de fato o gosto pelos livros. Para contar uma
isto enriquecerão a vida da criança no momento, e daí para
história, é bom saber como se faz. Nela se descobrem palavras
sempre. Os contos de fadas, à diferença de qualquer outra
novas, se entra em contato com a música e com a sonoridade
forma de leitura, dirigem a criança para a descoberta de sua
das frases, dos nomes, contar histórias é uma arte, pois encanta
identidade e comunicação, e também sugerem as experiências
criança de todas as idades. Contar histórias é trabalhar com a
que são necessárias para desenvolver ainda mais o seu caráter.
imaginação da criança, pois a partir do momento que essa
Porque os contos de fadas declaram que uma vida
criança começa a ouvir as historias, sua mente está voltada para
compensadora e boa está ao alcance da pessoa, mas apenas se
os problemas dos personagens dessa história, e como esses
ela não se intimidar com as lutas do destino, sem as quais
personagens enfrentam esses problemas, então, a criança
nunca se adquire verdadeira identidade.
começa a perceber que todas as pessoas encontram obstáculos
em suas vidas e que ela não está sozinha, podendo assim
Mesa 11
superar suas dificuldades em se relacionar com outras pessoas e
Análise da Conversação
tentar encontrar o caminho para se tornar um sujeito mais feliz.
José Amorim da Silva (G/FINAN)
Ouvir histórias e incorporar as imagens que ela apresenta pode
ser comparado a espalhar sementes, onde só algumas ficarão
As pesquisas mais recentes na área de interação verbal definem
implantadas na mente da criança. Algumas ficarão trabalhando
a linguagem como ação conjunta, na qual as pessoas interagem
na sua mente de imediato; outras estimularão processos no seu
realizando ações individuais e coordenadas entre si. Usar a
inconsciente. Mas as sementes que caíram no solo certo se
linguagem é, portanto, realizar ações individuais e sociais. A
transformarão em lindas flores e árvores robustas, isto é, darão
conversação é um exemplo de uso da linguagem ao qual
86
estamos adaptados desde as primeiras falas, na inffincia; é por
meio da conversa, de fazer associações, de assimilar
meio dela que podemos interagir com outras pessoas no meio
informações, e mesmo de obter conhecimento. A Análise da
social, convidar para conversar, comentar fatos, dar notícias.
Conversação baseia-se em conversas que são gravadas e depois
Os outros meios de comunicação / interação que surgiram,
transcritas, para então serem analisadas. Estas transcrições
como e-mail, telefone, mensagens via SMS e chats na Internet,
devem ser totalmente fiéis ao áudio que foi gravado, sem sofrer
por mais eficientes e rápidas que sejam, ainda não superaram
qualquer alteração por parte da pessoa que o irá analisar. Além
em preferência e relevância a conversação. Devido à
dos aspectos referentes a palavras, também devem ser anotados
importância que tem na vida social do ser humano, a
nas transcrições gestos e/ou expressões que possam contribuir
conversação mereceu um estudo específico dentro da
para a construção de sentido de determinada frase. Conversas
lingüística moderna, sendo a Análise da Conversação a
cotidianas são repletas da mistura do verbal ao não-verbal.
responsável por tal estudo. No Brasil, o primeiro autor a
Nesta análise, são evidenciados os mínimos detalhes da
abordar a Análise da Conversação dentro da Lingüística foi o
conversação, como mudança de tom de voz, superposição de
professor Luis Antonio Marcuschi, na década de 80, com seu
vozes,
livro Análise da Conversação. Segundo o autor, “ela
interrogação, entre outros. Estes segmentos são identificados na
[conversação] é o exercício prático das potencialidades
transcrição por meio de sinais estabelecidos por uma norma
cognitivas do ser humano em suas relações interpessoais,
padrão, característica da Análise da Conversação. O objetivo da
tomando-se assim um dos melhores testes para a organização e
análise é descobrir como a conversa se organiza, como se
funcionamento da cognição na complexa atividade da
organizam as seqüências da conversação, são analisados os
comunicação humana”. Ou seja, no ato da conversação, o ser
marcadores conversacionais e o porquê da existência deles no
humano tem a chance de explorar o seu potencial cognitivo, de
diálogo, e descobre-se como se constrói a compreensão no
organizar as idéias de acordo com as informações trocadas por
texto falado, esta última dividida em cinco etapas: negociação,
simultaneidade
de
vozes,
citações,
silabação,
87
construção de um foco comum, demonstração de (des)interesse
inovação na área midiática, constata-se que o veículo
e (não)partilhamento, existência e diversidade de expectativas e
comunicativo
marcas de atenção. Logo, o objetivo desta comunicação será
atualmente é a televisão. Seria imprudente definir uma única
esclarecer ao público sobre os meandros da Análise da
forma que sobrepusesse as demais quanto à difusão de
Conversação, e mostrar a eles que a simples conversa do dia-a-
ideologia, mas com certeza , a propaganda é uma delas. Com
dia é também um interessante objeto de estudo, e que portanto
tamanha audiência a televisão passou a visar principalmente o
não poderia passar despercebida pela Lingüística.
mercado consumidor, tendo como objetivo sua sustentação
mais
acessado
pela
população
brasileira
empresarial e a lucratividade. Fica evidente a conseqüência da
Um Estudo Ideológico de Alguns Discursos Midiáticos
amplitude que tomou a mídia televisiva. Ela atinge várias
classes sociais e acarreta numa alienação associada ao desejo
Televisivos
consumista; influi tão fortemente nas pessoas fazendo com que
Olga Talita Furlan Mazzei (FAIS)
elas fiquem envolvidas, mudem de opinião, de gosto, de
O mundo está entrelaçado pela comunicação moderna. Temos o
sujeito a serviço da linguagem e esta a serviço do sujeito.
Tivemos muitas mudanças em relação a informação e interação
comunicativa: a distância diminuída, as pessoas aproximadas,
imagens e notícias em tempo real e a linguagem passou a ser
estudada como ciência. A mídia se tornou organizadora e
divulgadora de discursos. Cabe a ela propagar ideologia,
enriquecer
conhecimento,
produzir,
reproduzir,
inventar
situações e mundos imaginários. Apesar de tanta tecnologia e
comportamento, exercendo assim sua função social. A
linguagem
usada
nos
discursos
midiáticos
de
cunho
publicitário, é uma linguagem sedutora que manipula os
receptores. Em se tratando de mídia televisiva, conta-se ainda
com imagens e sonoridade, que com certeza envolvem os
telespectadores de acordo com os objetivos dos anunciantes.
Essa transmissão tende na maioria das vezes a persuadir o
ouvinte através do convencimento porém, esse processo pode
ter efeitos deturpados. Ao proporcionar a circulação de uma
88
propaganda a determinado público alvo, o discurso pode, além
descontrole diante de um “sonho de consumo”. Numa
de convencer algumas pessoas, indignar tantas outras. É o que
sociedade que busca a reabilitação de pessoas que foram
acontece quando percebemos a existência de um discurso
excluídas socialmente, como presidiários neste caso, a
discriminatório, ou que incite a violência, ou que ainda explora
propaganda contribui para a ampliação das idéias de
determinada
proposta
discriminação. Dessa forma, propõe-se neste trabalho analisar
publicitária. Pode ser que o anúncio consiga atingir
até que ponto esta sedução pode ser considerada apenas como
positivamente alguns consumidores, que se mantém passivos e
um recurso persuasivo, visto que muitas propagandas trazem
ingênuos diante da publicidade veiculada, todavia, deve-se ter a
ideologias implícitas e algumas delas podem ser consideradas
pretensão de se tornar telespectadores críticos e capazes de
como prejudiciais à sociedade, uma vez que promovem
identificar os fatores históricos, sociais e econômicos
desrespeito, submissão e injustiça.
responsáveis pela produção do discurso. Nesta comunicação
Palavras-Chave: Discurso, Mídia, Ideologia.
classe
social,
em
determinada
realizamos uma possível leitura, baseada na perspectiva
francesa de Análise do Discurso, de um texto veiculado na
Discurso e Charges
mídia, mais especificamente de uma das propagandas da
Cleide Pires de Moraes (G/UEMS)
Fábrica de automóveis Fiat. Tratava-se de uma campanha
publicitária do veículo Pálio. A propaganda televisiva mostrava
A linguagem é um elemento distinto do ser humano em relação
um ex-presidiário saindo da cadeia e deparando-se com um
aos outros seres vivos.
Pálio estacionado na rua. A imagem então ficava escura e
interpretar em seu meio, seja através da fala, da escrita ou
escutava-se o barulho de quebra de vidro e aparecia a frase
através da arte, tornando-se capaz de construir críticas e
“ninguém resiste ao novo Pálio”. Os resultados dessas análises,
expressar-se ideologicamente. Desde períodos pré-históricos,
até o momento, apontam para uma visão de obsessão e
sem a invenção da escrita, o homem interpretava a realidade
O homem possui a capacidade de
89
produzindo um discurso relacionado num determinado contexto
Mesa 12
histórico. A comparação desses fatos faz-se por meio das
“Denis, O Pimentinha” Segundo as Teorias da Análise do
pinturas rupestres encontradas em cavernas. “ Cada época e
Discurso
cada grupo social têm seu repertório de forma de discurso que
Renata Borba Fagundes (G/UEMS)
funciona como um espelho que reflete e retrata o cotidiano.”
(Cardoso 1999, página 25). Assim o homem torna-se cada vez
No presente artigo nos propomos a analisar um texto
mais
criativo fazendo uso dos diferentes discursos como
pertencente ao gênero tira. A escolha de uma das tiras
instrumento de comunicação entre os diferentes seguimentos
entituladas “Dênis, o pimentinha” tem como justificativa a
sociais. Portanto desenvolveremos um trabalho no qual se fará
popularidade desse personagem, o que, conseqüentemente, nos
uma análise de alguns discursos das charges de jornais, tendo
permitiu um conhecimento prévio acerca de características
como objetivo de estudo um tipo de linguagem contida nas
comportamentais de Dênis. Objetivamos fazer uma análise com
charges, considerando os recursos da linguagem não-verbal,
base nas teorias de alguns autores da Análise do Discurso (AD)
relacionando efeitos de sentido, épocas, descrições de cenários,
de linha francesa; sendo que esses autores nos nortearão ao
objetos, sujeitos e “fatos” que compõe o contexto discursivo
verificarmos aspectos ideológicos, de efeitos de sentido;
das charges. Utilizaremos como corpus para este trabalho as
enunciação e de condições de produção do texto escolhido.
charges dos jornais: - Folha de São Paulo, 31 de janeiro de
Como exemplo, citemos Cardoso (1999, p.51) que afirma que
2007, folha 02. “O Fertão: Deputados Usados.” - Folha de São
as palavras, expressões, proposições mudam de sentido
Paulo 05 de fevereiro de 2007 folha 02. “Adivinha quantos
segundo posições sustentadas por aqueles que as empregam, o
Deputados eu tenho na mão?” -Folha de São Paulo 29 de março
que significa que elas tomam seu sentido em referência a essas
de 2007 folha 02. “Segundo Escalão.”
posições, isto é, em referência às formações ideológicas nas
quais essas posições se inscrevem. Dessa forma, e posto que os
90
dois sujeitos principais da tira são a mãe e seu filho Dênis,
como compreendem a realidade política e social na qual estão
consideraremos tanto os aspectos da formação ideológica (FI)
inseridos. A propósito, a comicidade contida na tira é gerada
da mãe, que lhe determina o que pode e deve ser dito; bem
pela locução prepositiva “em frente”, presente no seguinte
como sua formação discursiva (FD), que determina o que ela
trecho da fala de Dênis: “... tenho passado muito tempo em
deve pensar. Verificaremos as condições de produção de seu
frente à televisão”. Desse modo, percebemos também ser
discurso materno dentro da sociedade brasileira- que lugar ela
pertinente uma análise lingüística dessa locução, segundo as
ocupa dentro dessa sociedade? Ou seja; para quem ela diz?
propostas de Geraldi (2000). Visto que ao refletirmos língua
Quem é ela para dizer o que diz? Quem é ele para que ela lhe
também refletimos seus recursos gramaticais, buscaremos
fale assim? Pois, segundo Mussalim (2001, p.123), a AD
constatar como funciona essa locução, primeiramente dentro do
considera como parte constitutiva do sentido o contexto
discurso da mãe, e posteriormente, dentro do discurso do filho.
histórico-social, ou seja, as condições em que o texto foi
Que sentido cada um deles atribui a “em frente”? O sentido
produzido. Já, com relação ao filho, partindo do nosso
dado pela mãe é o mesmo dado pelo filho e vice-versa? Se não,
conhecimento a respeito das peraltices do personagem Dênis,
quais foram as conseqüências dessa atribuição de sentidos
verificaremos os efeitos de sentido que o garoto dá à ordem que
diferentes?
ele recebe de sua mãe; analisaremos suas FD E FI e as
comparar os funcionamentos da locução prepositiva em cada
condições de produção do discurso do menino em seu lugar de
um dos discursos a fim de compreendermos os processos de
filho. Diante disso, responderemos à indagação: quais são as
significação do item comicidade.
Respondidas
essas
indagações,
poderemos
condições de produção que o levam a dar determinado sentido
e não outro ao discurso de sua mãe?
Uma vez que, para
Fernandes (2005, p.22), os sentidos são produzidos em
decorrência da ideologia dos sujeitos em questão, da forma
Discurso e Identidade do Professor Construído pelo Aluno
Vanda Lúcia Godoi Garcia Marques (G/UEMS)
91
Considerando a importância que o professor tem historicamente
anglo-saxã, a Análise da Conversação, a Linguística Textual e a
na construção e divulgação do conhecimento de diversas áreas
Semiótica Narrativa e Discursiva. Não se pretende estabelecer
do conhecimento. Considerando ainda os aspectos da história
as diferenças entre as distintas teorias discursivas e textuais,
de professores e sua influencia na aprendizagem de seus
mas buscar estabelecer, de maneira prática e crítica, o percurso
alunos, analisaremos nesta pesquisa o discurso de construção
de uma delas = a Semiótica Narrativa e Discursiva, aplicando-a
da identidade do professor de Letras pelos alunos. Desde a
na análise da iconografia representativa sul-matogrossense,
antiguidade, os relatos da influência/importância do professor
buscando estabelecer um significado para esses signos,
sobre seus alunos, nos leva a refletir como o aluno identifica o
relacionados ao processo de identidade do sul-matogrossense.
professor. Quais características? Quais discursos? Quais
Nas imagens (iconografia), as evidências explicitam uma
sentidos? Assim o objetivo e analisar como o aluno “vê o
ideologia, ocorrendo aí a isotopia que, para Greimas, define os
professor hoje”, a construção da imagem sua representação da
mecanismos reguladores para fazer de um enunciado ‘uma
identificação construída na interação histórica entre aluno e
totalidade de significações’. Pretende-se estabelecer uma
professor no espaço acadêmico.
relação da Semiótica com a Análise do Discurso. Ambas,
partem de uma ciência maior, a linguística, na busca do
Discurso e Ideologia na Iconografia Representiva Sul-
significado
Matogrossense
representativa sul-matogrossense. Esculpidas como um objeto-
Anailton de Souza Gama (PG/UFMS/UEMS/FINAN)
símbolo, criados a partir do Governo Popular Zeca do PT,
e
das
ideologias
presentes
na
iconografia
instaladas nos espaços das cidades, canteiros centrais e placas
Em relação às teorias do discurso e do texto, cinco têm sido as
indicativas, os signos (esculturas pantaneiras) inauguram uma
orientações teóricas mais praticadas no Brasil = a Análise do
nova temporalidade – da expectativa indeterminada – do
Discurso de linha francesa, a Análise do Discurso de extração
espetáculo. Como objeto cultural, a iconografia sintetiza, na
92
mídia, a recuperação do imaginário que a TV (mídia) tece na
compreendermos a formação de uma identidade constituída nos
preparação do acontecimento = ESTADO DO PANTANAL. A
discursos dos compositores e cantores atuais e antigos da
análise dessa rede de discursos pode desvelar mecanismos de
época, como Jimmie Rodgers, o pai do country.
representação da identidade por meio dos quais a História e a
Memória são investidas e reconfiguradas em objetos da mídia.
Mesa 13
Fazendo circular essas figuras, a mídia constrói uma ‘história
O Teatro como Forma de Aprendizagem
do presente’. O que os textos da mídia oferecem não é uma
Claudia Alves Gomes (G-UEMS)
realidade, mas uma construção que permite ao leitor produzir
formas simbólicas de representação de sua relação com a
realidade concreta.
O teatro é uma arte envolvente que cativa pessoas de diferentes
idades e tem como objetivo à representação com o caráter de
lazer e diversão, entretanto, ele não oferece apenas isto, pois ele
A Identidade Cultural de um Povo nas Letras de Música
Country
Mônica Aparecida Matos (UEMS)
diverte, adverte, ensina, documenta e instrui. Com temas
corriqueiros podemos atingir inúmeros pontos positivos, tais
como: despertar e educar a observação, organizar idéias e
pensamentos, desenvolver a criação, criar hábitos sociais e
Este trabalho tem como objetivo analisar a identidade cultural
de um povo do Sul e Oeste dos Estados Unidos através de um
ritmo folclórico dos colonos que ocupavam as terras nas
montanhas Apalaches; o ?country music?. A idéia é apresentar
a origem da música country; música rural, conhecida como
blues pelos brancos, evidenciando o contexto histórico para
entre outros. Trabalhando temas da realidade, podemos lembrar
a concepção do educador Paulo Freire que propôs uma
pedagogia que trabalhasse o conhecimento da realidade do
aluno, do qual o educador pudesse partir para desenvolver suas
atividades, e a arte teatral cumpre esse papel, abrindo caminhos
também para o diálogo além de colocar os alunos de frente a
93
problemas sociais. Diante disso, podemos dizer que o teatro é
e ameaças que sente a sua volta. O trabalho que ora
importante para o crescimento do indivíduo e para o seu
desenvolvemos visa auxiliar na formação das crianças,
comportamento de cidadão do mundo e no mundo.
utilizando os principais contos de fada.
A Importância dos Contos de Fada na Escola
Michele Cristianne Souza Gonçalves (G-UEMS)
Rosemeire Mazieiro Fernandes (G-UEMS)
A Literatura Infanto-Juvenil: despertando o prazer da leitura na
sala de aula
Ana Paula Machado (G-UEMS)
Aláide Pereira Japecanga Aredes(UEMS)
Em busca de uma resposta aos constantes desafios e questões
Os contos de fada podem ser decisivos para a formação da
criança em relação a si mesma e ao mundo à sua volta, é
possível observar a influencia positiva que estes proporcionam
na vida do leitor, pois os personagens que às vezes são bons ou
maus, belos ou feios, poderosos ou fracos, facilitam o leitor na
compreensão de certos valores básicos da conduta humana ou
no convívio social. A psicanálise lembra, que a criança é levada
a se identificar com o herói bom e belo, não devido a sua
bondade ou beleza, mas por sentir nele a própria personificação
de seus problemas infantis, seu inconsciente deseja a bondade e
a beleza, principalmente, sua necessidade de segurança e
proteção, podendo assim superar o medo e enfrentar os perigos
sugeridas quanto à superação da Literatura Infanto- Juvenil e às
práticas de leitura e produção de textos em sala de aula,
pensou-se no projeto de extensão: “ A Literatura InfantoJuvenil: despertando o prazer da leitura na sala de aula”, que
se destina ao incentivo da leitura em séries iniciais, como forma
de se garantir o aprendizado da capacidade de ler e refletir
sobre o mundo, propiciando o prazer, de forma a aproveitar o
caráter instrutivo do texto, construindo um espaço privilegiado
entre os leitores infantis. Deste modo, a proposta é de trabalhar
a Literatura de forma lúdica, a fim de formar público leitor. O
projeto foi implantando na quarta série da Escola Estadual
Abigail Borralho, em Dourados. Os diversos recursos utilizados
94
têm sido ferramentas importantes paras aulas de leitura, que
desse pressuposto é que a obra Vida Cachoeirinha, de Nicanor
despertam o interesse dos alunos pelo ato de ler.
Coelho, será apresentada. Poeta, jornalista, fundador da
Academia Douradense de Letras e sócio da ANE (Associação
Reflexões sobre a Leitura em LE: pondo fim a Vacuidade de
de Novos Escritores de Mato Grosso do Sul), Nicanor leva aos
sentidos nos textos didáticos
leitores uma visão poética de um bairro pobre de Dourados,
Maria Lígia Aguiar UEMS
onde, segundo o autor, residem mais de mil e quinhentas
famílias vindas de toda parte do Brasil em busca de um sonho.
A leitura em uma língua estrangeira (LE) não trata apenas da
A obra está constituída em quatro partes: “Estações”,
decodificação
de
“Canções”, “Viagens”, “Vôos”. Com o intuito de apresentá-la
significados. É processo dinâmico de desenvolvimento e
ao público, tecerei comentários acerca de uma poesia da
implementação de estratégias e deveria ser entendida como
respectiva obra, complementando com teorias que a sustentam:
ampliação de conhecimento, instrumento de reflexão crítica e
a plasticidade (na construção do cenário) e o social (a
meio de transformação da sociedade, objetivo último da
perspectiva do homem neste cenário).
de
vocabulário,
mas
da
construção
educação.
UMA ANÁLISE SOBRE ATIVIDADES
DE
LEITURA EM LÍNGUA
Mesa 14
INGLESA
VIda Cachoeirinha: um cenário de sonho
BRUNA BONANCIN TORRECILHA LOPES (G-UEMS)
Danieli Tavares (G-UEMS)
As atividades de leitura têm sido muito pesquisadas nas últimas
Muitas análises de poesia são realizadas em torno das grandes
décadas e tornou-se uma preocupação tanto por parte de
estrelas. O valor de uma obra está em sua revelação. Partindo
pesquisadores na área da educação como professores de Língua
95
Inglesa, isso porque, tanto em provas, vestibulares, concursos e
propiciando ao leitor uma melhor compreensão, uma visão de
atividades em sala de aula, mostra-se um baixo desempenho
mundo crítica e realista. Quando a leitura é vinculada como
por parte dos alunos com relação a essa questão. Quais são os
agente descobridor de sentidos, os leitores rompem as barreiras
fatores que influenciam no processo de ensino-aprendizagem
impostas à compreensão e valorizam o conhecimento crítico,
de línguas, tanto materna quanto estrangeiras? A compreensão
podendo descobrir novas idéias através da comparação do texto
desses fatores nesse processo de aprendizagem, é essencial para
com o seu próprio conhecimento de mundo. Desvendar o papel
analisar a forma como vem sendo trabalhada a leitura em sala
do leitor em meio a uma verdadeira “guerra” editorial significa
de aula e os resultados a que se pretende chegar no que se
perceber que em se tratando da leitura, toda escolha possível
refere ao ensino de línguas, principalmente à Língua Inglesa.
não passa de uma atitude previamente arbitrária.
Os Livros mais Vendidos: um estudo sobre a recepção como
Dia 05/05/2009
imposição às escolhas e gosto do público leitor
Mesa 01
Daniele Alves Silva (PG/UEMS)
Concepções teóricas da Semântica e da AD na formação do
professor
Esta proposta de comunicação tem a finalidade de observar a
influência que o mercado editorial brasileiro exerce nos
Concepções teóricas e as relações com a formação do professor
leitores. Neste sentido, destaca-se as contribuições de Jauss
Coordenadora: Adélia Maria Evangelista Azevedo (UEMS)
quanto a problemática da leitura e sua produção, há também
recorrência à História da Literatura e a Teoria Literária. A idéia
Como resultado positivo nos cursos de Letras, cada vez mais,
de que a leitura que procura produzir sentido opõe-se àquela
são inseridas leituras de semanticistas brasileiros como: Ilari
vista como técnica, fortalece os sentidos ocultos no texto,
(2001), Geraldi (2000); teóricos da Análise do Discurso (AD)
96
tais como: Orlandi (1987), Maingueneau (1997) e outros
fundamental e médio, cujo objetivo é reverter os baixos índices
filósofos da linguagem. Essas inserções de leituras têm
de desempenho dos alunos do ensino fundamental e médio em
contribuído para discussões e possíveis mudanças na prática
pesquisas brasileiras, tais como o SAEB. As reflexões
pedagógica do futuro profissional.Vale lembrar que tais leituras
presentes nas pesquisas surgiram e foram realizadas ao longo
teóricas aliadas às construções de estratégias pedagógicas, de
da disciplina de Língua Portuguesa III por acadêmicos do 3º e
certa forma, é algo recente e não tão simples para acadêmicos
4º anos de Letras/UEMS – Unidade Universitária de Jardim, no
do 3º e 4º anos de Letras. Desse modo, a presente comunicação
ano de 2006, e com a participação em Projetos de Extensão
coordenada tem por objetivo discutir aspectos teóricos da
intitulados: “Introdução à Análise do Discurso”e “Aspectos da
Semântica e da AD na formação do acadêmico de Letras e
teoria da Análise do Discurso aplicados à reflexão do papel da
apresentar contribuições/reeleituras de alguns gêneros que
mulher e da criança na sociedade.”
circulam socialmente. Assim, o gênero humorístico, charge:
“Radical Chic”, de Miguel Paiva, será investigado nas
A charge "Radical Chic" - a enunciação em foco
condições de produção e nos principais enunciados que se
Elena Rodrigues Alarcon (G/UEMS)
mostram. Outro gênero, a ser abordado, será a crônica,
“Teleantevisão”, de Millôr Fernandes, em que se discutirá
A negação na crônica "Teleantevisão"
sobre a negação e as inúmeras possibilidades argumentativas.
Tania Roberta Benites Carvalho (G/UEMS)
Com isso, amplia-se à concepção cristalizada pela gramática
normativa sobre a negação centralizada no advérbio “não”. E
A formação do professor e a realizade do ensino
por último, focalizaremos a necessidade da abordagem dos
Sandra Regina Alez Herter Pereira (G/UEMS)
conceitos teóricos aliados à concepção de análise e a
reelaboração de diferentes atividades discursivas para o ensino
Mesa 02
97
Alguns Sentidos do Discurso sobre os Seios Femininos Caídos
produto do “poder” que gera divisões sociais, uma vez que
Fernanda Aline de Andrade (PG/UFMS)
permite organizar sistemas de classificação, social, cultural,
política ou econômica, instituindo a cada um dos sujeitos uma
Numa pesquisa de campo realizada no ano de 2006, que tinha
“posição” a ocupar nas representações sociais que estão em
como objetivo verificar o efeito de sentido do discurso sobre os
jogo. As condições de produção serão o suporte fundamental na
seios na formação imaginária social que se faz da mulher, foi
atividade
detectado com uma certa freqüência, nas marcas discursivas
consideração que no momento atual o “implante de silicone”
dos informantes-sujeitos ou sujeitos-informantes, tanto nos
tem se tornado um discurso de modismo na sociedade
discursos dos sujeitos homens quanto nos discursos dos sujeitos
brasileira, abrindo-se a partir dos discursos veiculados pela
mulheres, um certo sentido de aversão aos seios caídos. O
mídia a (re) construção de “novos” sentidos sobre o feminino,
presente trabalho busca analisar, pelo viés da Análise do
ao mesmo tempo que se fecha a outros sentidos que não
Discurso de orientação francesa, a partir de um pequeno
encontram prestígio na ordem do discurso vigente, já que cada
recorte, alguns sentidos sobre o feminino evocados a partir do
época investe diferentemente sobre os corpos, construindo e
discurso dos seios caídos que levaram esses sujeitos – sociais e
(re)construindo corpos e sentidos sempre provisórios.
analítica
desses
discursos,
levando-se
em
históricos - a considerá-los com o sentido de “feios” ou
“indesejáveis”. Tendo em vista a opacidade e a “obscuridade”
A Não-Coincidência das Palavras com as Coisas: o real da
dos discursos, buscar-se-á responder, em certa medida, quais
língua a nomear
são as formações imaginárias femininas, que permeiam o
Carlos Magno Viana Fonseca (PG/UFC)
imaginário social, rejeitadas nesses discursos. Para iniciar tal
discussão, torna-se mais ter a concepção corpo cunhada por
O objetivo deste trabalho é investigar o fenômeno constitutivo
Foucault: como um “lugar” de inscrição dos discursos, um
da enunciação chamado de não-coincidência das palavras com
98
as
coisas
(ARTHIER-REVUZ,
1998)
verificando
sua
ênfase às questões do sujeito-enunciador no que se refere às
incidência em artigos acadêmicos de lingüística. Definido a
perguntas: (i) o que é ser sujeito na psicanálise e na análise do
partir da noção de referente, excluída do escopo saussuriano e
discurso?; (ii) Como um enunciador se torna sujeito?; e (iii)
reabilitada por Benveniste, uma não-coincidência das palavras
Quais são as condições responsáveis por um fracasso no
com as coisas se materializa textualmente quando o enunciador,
processo de tornar-se sujeito?. No que se refere às questões
no curso da enunciação, interrompe a cadeia linear do
psicanalíticas a base teórica adotada é Fink (1998) que faz um
enunciado e reenvia um item lexical ao contexto redefinindo-o,
trabalho de análise do sujeito lacaniano, Dor (2003) e Porge
avaliando-o, estendendo ou delimitando o seu sentido,
(2006) que explicam da forma mais didática possível o
reduzindo ou ampliando o contexto no qual o item se insere. É
pensamento hermético de Lacan; no que se refere à balizagem
um caso de metaenunciação de desdobramento enunciativo da
teórica da análise de discurso, optamos pelos trabalhos de
modalização autonímica. O conceito mobiliza determinadas
Pêcheux (2006), Navarro (2006), Indursky e Ferreira (2005) e
operacionalizações que colocam em jogo analítico questões
Gregolin (2004). Nosso corpus de análise é composto por trinta
fundamentais da Análise de Discurso, especialmente a escola
artigos acadêmicos de lingüística publicados on line pelas
fundada por Pêcheux (GADET e PÊCHEUX, 2004) que
revistas D.E.L.T.A, ReVel e Linguagem em (dis)curso, sendo
percebe a insuficiência do sistema lingüístico em nomear o real
que dez de cada. Para selecionar os eventos buscamos amparo
numa relação direta e necessária com o discurso da psicanálise
na proposta de Teixeira (2005) que ordena as não-coincidências
lacaniana na qual a tríade Real-Simbólico-Imaginário é parte
do dizer em seis níveis: das mais explícitas ―
constitutiva do esquema da comunicação. Dessa forma,
lingüisticamente marcadas com o verbo ‘dizer’; às mais
procuramos compreender os conceitos que estão aí implicados
interpretativas;
para, com base nisso, perceber os efeitos que a inserção desse
constitutiva do sistema; fazendo recortes sucessivos nos textos
tipo de enunciado provoca no discurso acadêmico, dando
analisados para encontrar o evento específico das não-
que
apontam
para
a
heterogeneidade
99
coincidências das palavras com as coisas. A hipótese básica
por vontade deliberada do sujeito-enunciador, mas por coerção
que orienta o trabalho é que o real é inalcançável pelo sistema
das Leis do Dizer e das Leis da Linguagem que obrigam o
simbólico da linguagem que como tal se confira numa
enunciador a suprimir as faltas e falhas deixadas no discurso
ferramenta utilizada pelo homem para uma atividade definida:
pelo impossível da língua, ou seja, nomear o real, restando ao
interagir com seus semelhantes. No entanto, como ferramenta,
sujeito somente um processo simbólico-imaginário efetivado na
a linguagem invariavelmente falha levando o sujeito-
ato de discurso.
enunciador a elaborar um processo de obturação da falta do
PALAVRAS-CHAVE: não-coincidência, análise de discurso,
sistema através de uma metaenunciação. Os resultados apontam
psicanálise.
para o fato de que a linguagem é o domínio do não-Um
discursivo evidenciado através dos sentidos, das vozes que
Mesa 03
atravessam os dizeres, da polissemia generalizada do sistema e
Educação de Jovens e Adultos: questões de gênero e raça
do sujeito-enunciador sempre dividido, clivado, cindido, um
Márcia Regina Adão de Souza (G/UNICAMP)
sujeito-efeito que está no atravessamento do sujeito da história,
do sujeito da ideologia e do sujeito do inconsciente. Ainda
O que leva uma criança afro-brasileira a abandonar os bancos
como resultado, percebemos que o discurso acadêmico, mesmo
escolares em sua idade de grande criatividade e vivacidade
sendo escrito e planejado, portanto um discurso no qual a voz
jovial? Essa poderia ser minha (uma)pergunta de pesquisa. No
do inconsciente está amordaçado encontra espaço para se
entanto, o que procura-se não está no aqui e agora, mas sim na
manifestar, senão pela associação livre, processo legitimamente
retroatividade. Pude perceber, como educadora do ensino de
psicanalítico, mas pela falta constitutiva do sistema lingüístico.
jovens e adultos, um silenciar que falava (gritava) aos meus
Disso concluímos que as não-coincidências do dizer é um
ouvidos das mulheres negras moradoras na cidade de
efeito de discurso que aparece na linearidade enunciativa não
Campinas. Silenciavam suas histórias. Várias atividades foram
100
construídos no intuito de dar voz, através da escrita, para essas
que vieram para o Brasil (italianos, espanhóis, croatas,
mulheres silenciadas. E no decorrer desse levantamento,
chineses, japoneses, alemães, etc.), de forma geral, não é
pudemos(pode-se)detectar que sua invisibilidade negra e
considerada uma vez que é comum apenas considerar, a
feminina estava no apagamento de sua etnicidade, na sua
princípio, o índio (nativo), o português (invasor) e o escravo
introdução ao ambiente escolar (por volta dos sete/oito anos) e
(trazido nos navios). De acordo com Hélio Santos (2002: 31), a
gradativamente no mercado de trabalho. Essa construção do
respeito da representação do negro: “de um lado há um grupo
silenciamento perpassa pelos ambientes familiares e escolares e
que finge que não discrimina. E no outro a própria população
está relacionado ao processo histórico escravocrata ocorrido na
negra que finge que não é discriminada”. Pode-se considerar
cidade de Campinas. Tal proposta de investigação, de cunho
que o jogo de representação sobre a questão da identidade
etnográfico, pretende dar visibilidades a essas mulheres, que já
implica em discutir problemas situados em outra ordem, como
foram filhas, mães e hoje são mães e avós.
ideologia (Eagleton, 1997), problema sócio-econômico e
cultural. A questão do negro no Brasil tem sido uma discussão
Discurso e Identidade: as cotas na UEMS
muito polêmica, principalmente em relação ao racismo e a
Lúcia Alves Demétrio (G/UEMS)
posição do negro na sociedade brasileira após a libertação
oficial
dos
escravos.
Sua
situação
foi
determinada
A insurgência do debate sobre as cotas contribui para discutir a
historicamente através dos séculos em um regime de escravidão
própria representação identitária não só do negro trazido nos
e
porões dos navios vindo do continente Africano, mas também
marginalização, situação que perdura ainda hoje. Essas relações
de outros povos, recentemente, que vieram de forma e de
estão marcadas nos discursos históricos em redes de memórias.
condição diversa constituir a formação da identidade do
Uma questão que vem sendo muito debatida atualmente diz
brasileiro. Convém ressaltar que a identidade dos outros povos
respeito às políticas de reparação históricas para afro-
de
posteriormente
de
preconceito,
estigmatização,
101
descendente, em particular, as cotas para negros nas
A questão do negro no Brasil tem sido uma discussão muito
universidades e serviços públicos, ou seja, uma reserva de
polêmica, principalmente em relação ao racismo e a posição do
vagas para os negros concorrerem entre si, fato que aumentaria
negro na sociedade brasileira após a libertação oficial dos
em número significativa a representação do negro na sociedade.
escravos. Sua situação foi determinada historicamente através
Essas questões, entre outras, têm sido o centro da polêmica
dos séculos em um regime de escravidão e de posteriormente
sobre os negros - não apenas no Brasil, mas também nos
de preconceito, estigmatização, marginalização, situação que
Estados Unidos da América quando a Suprema Corte
perdura ainda hoje. Essas relações estão marcadas nos
recentemente prorrogou por mais 30 anos as cotas nas
discursos históricos em redes de memórias. Uma questão que
universidades - em especial nas universidades públicas, pois as
vem sendo muito debatida atualmente diz respeito às políticas
cotas também promovem também um debate sobre a questão da
de reparação históricas para afro-descendente, em particular, as
identidade do povo brasileiro. Assim, o objetivo desse trabalho
cotas para negros nas universidades e serviços públicos, ou
é analisar quais os discursos e as identidades dos sujeitos que
seja, uma reserva de vagas para os negros concorrerem entre si,
constituem o debate e a implantação das cotas para negros na
fato que aumentaria em número significativa a representação
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul desde os
do negro na sociedade. Essas questões, entre outras, têm sido o
discursos sobre políticas reparação histórica até a sua
centro da polêmica sobre os negros - não apenas no Brasil, mas
implantação.
também nos Estados Unidos da América quando a Suprema
Corte recentemente prorrogou por mais 30 anos as cotas nas
Discurso de Cotas na UEMS: uma questão polêmica
universidades - em especial nas universidades públicas, pois as
Maria Francisca Valiente (G/UEMS)
cotas promovem também um debate sobre a questão da
identidade do povo brasileiro. Assim, o objetivo desse trabalho
é analisar quais os discursos que constituem o debate e a
102
implantação das cotas para negros na Universidade Estadual de
político e ético. Embora tenha se tornada lei, o trabalho
Mato Grosso do Sul desde os discursos sobre políticas
interdisciplinar nas escolas, podemos notar que o fato não
reparação histórica até a sua implantação.
acontece e a lei fica apenas no papel.
Racismo e Preconceito nas Séries Iniciais do Ensino
Mesa 04
Fundamental
Sr. Trovões: polifonia e dialogismo em “O menino do dedo
Maria Fêlix de Carvalho (G-UEMS)
verde”
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
Mariana Maciel dos Santos Souza (G/UEMS)
O projeto em questão está sendo realizado nas escolas públicas
Este trabalho tem por objetivo analisar e contextualizar a
de Nova Andradina e consiste em demonstrar que o problema
personagem Sr. Trovões da única obra infanto-juvenil do
do preconceito racial surge nas escolas desde as séries iniciais.
escritor francês Maurice Druon. Trata-se do passo inicial do
Nossas pesquisas acusam que ele é grande em meio às crianças
trabalho de conclusão de curso da acadêmica que pretende
e que infelizmente tanto professores como demais funcionários
estudar a polifonia e intertextualidade entre “O menino do dedo
não têm a consciência de que precisam abordar este assunto em
verde” (1957) e “O pequeno príncipe” (1944) de Antoine de
sala de aula. Afirmam não saber como trabalhá-lo. Aplicamos
Saint-Exupéry. Como referencial teórico serão utilizados os
um questionário para alguns professores e os resultados são
autores organizados por Diana Barros e José Luiz Fiorin no
preocupantes. Até o momento pudemos perceber que o
livro “Dialogismo, polifonia e intertextualidade” (1999). Na
problema existe e o pior, os professores não estão preparados
narrativa de “O menino do dedo verde”, cada personagem (e,
para trabalhar a questão, pois ela é vista como algo delicado e
em especial, a estudada) tem uma opinião acerca da educação
muito complicado, o que exigirá deles um compromisso
de Tistu - a personagem-título - e acredita-se que cada uma está
103
ligada a uma ideologia. Tal afirmação é possível por considerar
que um enunciado é composto por duas partes, que se
Reescritura e o Encontro com os Outros: uma análise desse
completam, dialogam e polemizam: a percebida (com a leitura)
discurso
e a presumida. Para chegar à parte presumida, ou à significação
Eliza da Silva Martins Peron (PG/UFMS)
verdadeira, é necessário relacionar o escrito com a situação - ou
contexto - da obra e do autor e observar as marcas lingüísticas
Entre a Crítica e o Humor: polifonia, dialogismo e
que atuam como pistas para sentido global; uma vez que são
carnavalização em Charges Jornal
carregadas de marcas históricas e ideológicas. Com isto em
Hellen Suzana da Cruz Miranda (PG/UFMS)
mente, as etapas do desenvolvimento da presente pesquisa
serão o levantamento e a análise do contexto histórico e das
Ancorando-se nos estudos desenvolvidos por Romualdo (1992)
marcas discursivas. Por fim, cabe conceituar dialogismo como
relacionados à charge jornalística, no princípio da polifonia,
a multiplicidade de vozes, cada uma representando diferentes
dialogismo e da carnavalização (Bakhtin, 1992, 1993 e 1999) e
pontos de vista e/ou posições sociais e polifonia como o
nos critérios propostos por Bremmer e Roodenburg (2000)
fenômeno (ou recurso estilístico) que permite que uma delas de
acerca das relações entre humor e História, o objetivo deste
destaque e claramente se faça ouvir dentro do discurso. Ou
trabalho é analisar marcas discursivas em charges jornalísticas
seja, estudar o dialogismo e polifonia é elencar as múltiplas
empregadas nas redações no Exame Nacional do Ensino Médio
vozes e identificar a que se destaca. Em suma, o presente
(ENEM/2000), explorando as vozes bakhtinianas, os signos
estudo, pretende-se identificar as vozes que atuam sobre o
lingüísticos e a enunciação humorística ali representada.
discurso da personagem rígida e autoritária do Sr. Trovões e
Constata-se que o chargista atualiza seus pontos de vista por
qual é a ideologia por ela representada no contexto da Segunda
meio do discurso do outro e no objeto da enunciação,
Guerra Mundial vivido pelo autor.
aproveitando a matéria histórica para produzir efeito de sentido,
104
por meio de uma linguagem carnavalizada e polifonicamente
destacaram no próprio sertão do Nordeste do Brasil. Assim
tecida de imagens e símbolos universalmente conhecidos.
como ocorrera em Portugal, muitos séculos antes, com os
jograis do Trovadorismo andando de cidade em cidade,
O Discurso dos Bons Exemplos na Literatura de Cordel: uma
interpretando as cantigas, e aqui no Brasil os cantadores
forma
ambulantes do cordel percorriam as fazendas, os arraiais e as
de
entretenimento,
informação
e
correção
de
comportamento
feiras contando suas estórias. Qualquer fato que mereça grande
Raymundo José da Silva (PG/UEMS)
atenção do público pode ser tema de cordel. Pode ser um
cataclismo como um terremoto, uma enchente, um incêndio
Sabe-se que o homem do campo no Brasil sempre gostou de
num edifício, num circo, ou ainda a morte ou a renúncia de um
contar e ouvir estórias, e até mesmo necessitava disso, uma vez
Presidente da República. Há quem diga que, no apogeu do
que, pelo menos até a década de 1960, tinha pouco ou nenhum
cordel, o sertanejo só acreditava de fato na notícia, depois que a
acesso aos modernos meios de comunicação, como o jornal
tivesse lido no folheto ou ouvido do cantador. Isto Posto, o
impresso e o rádio. Logo, as informações e entretenimentos
objetivo deste trabalho é mostrar que, ao trabalhar com esses
tornavam-se escassos, razão pela qual as pessoas se visitavam e
personagens de origem local, ou seja, o homem comum, que se
se reuniam nas varandas ou nos terreiros dos vizinhos para
notabilizou de uma forma ou de outra, boa ou má, com o
ouvir e contar causos. Daí o surgimento e a importância das
cangaceiro famoso, o padre, o coronel, o monge, o feiticeiro ou
estórias versejadas pelos repentistas algumas verídicas, mas
outros personagens de origem duvidosa ou longínqua como
sempre engrandecidas pela ilimitada imaginação do sertanejo;
príncipes, reis e bruxas, o poeta da literatura de cordel adapta,
outras deturpadas ou lendárias, cujos episódios grandiosos,
de modo natural, as estórias maravilhosas ao ambiente agreste e
quase épicos, tiveram sua origem na Europa, sobretudo durante
ao gosto do público leitor. Valendo-se desse material e de seu
a Idade Média, ou foram construídos com personagens que se
talento, o repentista
de cordel seduz o leitor pelo
105
entretenimento, traz informações verídicas e fantasiosas que
Mesa 05
expressam fielmente as ansiedades, crenças e crendices do
Práticas Interacionistas no Ensino de Língua Inglesa
homem rural e aproveita para inscrever um fundo moral no
Fernandes Ferreira de Souza (UEMS)
final de cada estória. Por conseguinte, tornam-se freqüentes
acontecimentos que enaltecem a justiça, a coragem, a bondade
Este trabalho visa à demonstração de algumas práticas de
e a fé com personagens destemidos, heróicos e quase sobre-
cunho interacionista que em muito podem auxiliar o processo
humanos. Por outro lado, também destacam-se, de forma
de ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira, no caso, a
negativa, aspectos como a injustiça dos poderosos contra os
Língua Inglesa. As referidas práticas rompem a estrutura
humildes, a maldade, a traição e a vilania. Sabe-se ainda que o
discrusiva carcterística da sala de aula, a qual é sempre de
sertanejo, mormente das gerações mais antigas, é, sob certos
iniciativa do professor, elicitando a resposta do aluno, seguida
aspectos, profundamente moralista e religioso tendo como
então pela avaliação do professor. Aqui a sala de aula, além de
principal característica o sentimento de honra, sobretudo da
constituir um lugar onde se desenvolve o processo de
honra familiar. Assim, os ensinamentos dessas estórias e a
ensino/aprendizagem, é também uma situação social, onde os
forma de corrigir, quando premiam os bons e punem os maus,
atores se encontram face a face e sofrem, em suas ações,
satisfazem as expectativas do público leitor e ratificam o seu
influências recíprocas
ideal de vida. Esta pesquisa mostra que no discurso da literatura
de cordel a presença marcante dos bons exemplos de vida,
Produção Textual – uma perspectiva interacionista a partir do
representados por atos virtuosos que, em oposição ao mal,
discurso relatado
sempre acabam vencendo e finalmente recompensados por bens
Geraldo José da Silva (UEMS)
materiais ou a felicidade na Terra ou no Além.
106
O presente trabalho objetiva apresentar as características da
Assim, pretendemos analisar ainda a produção do texto
produção de textos escritos de cunho midiático e o tecer do
escolhido, a fim de verificar a relação autor-portador-tema-
discurso relatado no periódico O Estado de S.Paulo,
interlocutor, observando a articulação argumentativa, via
denominado “Universidade: escola pública terá 50% das
discurso relatado com ênfase ao discurso direto, que os
vagas”, de Demétrio Weber e Leonêncio Nossa, verificando a
articulistas utilizam para tecer o texto, vislumbrando a
articulação argumentativa utilizada pelo locutor na construção
interação com o interlocutor. A escolha do texto supracitado
macroestrutural do texto polêmico, visando à interação com o
justifica-se devido a sua construção que subsidiará a discussão
interlocutor numa perspectiva bakthiniana em que se valorizem
proposta e, também, pelo jogo articulatório na elaboração dos
os aspectos constitutivos da enunciação como autor, portador,
enunciados que constituem o discurso relatado posto em cena
tema e interlocutor. A produção textual deve levar em conta
pelos locutores. Inúmeras discussões têm sido travadas no que
alguns aspectos relevantes como: a escolha de um determinado
se refere ao sistema de cotas no Brasil e em torno das políticas
gênero e isso se faz em função de para quê se escreve, para
de ação afirmativa, principalmente nos movimentos sociais:
quem se escreve, em que esfera e sobre que suporte deverá
negros e Ongs. O debate assume proporção volumosa, pois traz
circular o texto produzido. Portanto, é pertinente observarmos
à tona o problema das medidas compensatórias a grupos
em sua macroestrutura a bipolaridade que o objeto texto
historicamente discriminados e perseguidos, como o caso das
encerra, ou seja, aspectos de conteúdo e de forma em sua
indenizações recentemente pagas às vítimas do Holocausto,
materialidade lingüística. Isto posto, impute-nos saber que a
reacendendo uma preocupação cada vez mais presente no
linguagem não existe por acaso, mas imbricada numa rede de
ocidente: o racismo e os seus feitos nefastos na geopolítica
valores discursivos de vários níveis. Dessa forma, todo o
atual. O tema em questão não é novo, pois nos Estados Unidos,
universo lingüístico constrói-se, existe e funciona num universo
década de 60, se instituíram as chamadas “políticas de
social, coletivo, e não pode ser abstraído dessa condição.
discriminação positivas” representadas por políticas públicas
107
dirigidas aos segmentos sociais afro-americanos. Naquele país,
menor ou maior grau – um deslocamento posicional, o que nos
as chamadas ações afirmativas foram instituídas na década de
permite dizer que a objetividade total é uma ilusão.
60 pelo Presidente John Kennedy, num momento em que o país
vivenciava o auge de seus conflitos raciais. Determinou-se, na
O Ensino de Língua Inglesa sob Aspectos Culturais
ocasião, que firmas e universidades deveriam reservar cotas ou
Bruna Bonacin Torrecilha Lopes (G/UEMS)
abrir vagas de forma proporcional ao peso dos negros no total
da população americana, cuja fatia era 12%. É sabido que o
A abordagem da Língua Inglesa sob um aspecto cultural
Estado brasileiro sempre desempenhou ações que passam longe
propicia ao aluno uma reflexão a respeito da própria língua
de uma perspectiva eqüitativa de justiça social, quando o objeto
materna e proporciona também uma reflexão sobre a própria
refere-se aos direitos das minorias políticas, em especial de
linguagem como um todo. Mas há que se ter cuidado para que a
negros e índios. Frente a esse panorama social, a questão das
aula de Língua Inglesa não se torne uma aula de História da
cotas ganha força e os debates ocorrem com maior freqüência
Língua Inglesa. Os aspectos culturais funcionam como
no Governo atual, quando algumas iniciativas começam a ser
complementos
propostas e efetivadas. A mídia incumbe-se de relatar os fatos e
conhecimentos e a compreender a formação dos vocábulos, o
promover o debate entre os indivíduos e, com isso, dar a sua
uso das expressões que geralmente não tem um significado
contribuição reflexiva à sociedade ledora. O discurso
literal, a estrutura da pronúncia da Língua Inglesa capacitando-
jornalístico assume papel de retratação da história, como uma
o como falante que compreende o que ouve e o que fala,
interpretação da realidade. Diante disso, há que se levar em
ajudam a desenvolver uma percepção crítico-analítica com
consideração que, no discurso midiático, embora se tenha como
relação a questões sociais, políticas e étnicas, e a capacidade do
premissa a objetividade e a imparcialidade, sempre ocorre – em
aluno de interagir com o mundo de forma respeitosa e
que
ajudam
o
aluno
a
ampliar
seus
compreensiva, entendendo as diferenças e as variedades
108
existentes em outras culturas e na própria cultura a que
psíquica, social, étnica e política do indivíduo. A elucidação
pertence,
de
com relação à origem das expressões, dos vocábulos e o porquê
culturalmente
da pronúncia, facilitam ao aluno a compreensão da língua alvo,
determinada. O que nós percebemos acerca da língua e da
destruindo a idéia de uma língua difícil ou superior, melhor que
cultura de uma pessoa é o que nós temos condicionado pela
a língua materna, pois, “o estudo das línguas de diferentes
nossa própria cultura de ver as coisas, e os modelos
culturas deixa claro, da mesma forma, que não há línguas mais
estereotipados já construídos em torno de nós.” (KRAMSCH,
complexas ou mais simples, mais lógicas ou menos lógicas:
2001, P. 67). Um breve retrospecto da evolução da Língua
todas elas são adequadas às necessidades e características da
Inglesa, por exemplo, abre campo para uma discussão bastante
cultura a que servem, e igualmente válidas como instrumentos
polêmica: a questão dos estrangeirismos, tanto em Língua
de comunicação social.” (SOARES, 1997, p. 39). A influência
Inglesa, quanto na língua materna. Essa discussão ajuda a
dos negros com o Black English serve como um exemplo de
evidenciar a importância dos empréstimos lingüísticos em todas
variação lingüística dentro da Língua Inglesa, o que demonstra
as línguas e desmistificar a idéia da existência de uma língua
que as variações lingüísticas ocorrem em qualquer língua em
pura. A idéia de que exista uma língua pura, que em toda a
face das transformações sociais que ocorrem com os povos e
história da humanidade, nunca tenha sofrido qualquer invasão
que essas variações não devem ser vistas como “erradas”, mas
lingüística decorrente das invasões dos territórios, e da
sim como instrumentos e fenômenos de comunicação. A fala
dominação dos povos ali encontrados, é um tanto quanto
transforma-se no decorrer do tempo através da somatização de
perigosa, os prisioneiros sobreviventes dos campos de
fatores sociais, psíquicos e históricos, a língua falada possui
concentração nazista que o digam. Essa idéia caracteriza-se
uma construção léxico-semântica diferenciada da língua escrita,
mais como uma manobra manipuladora que atenta contra a
o que não quer dizer, que seja menos elaborada: “Assim sendo,
natureza da linguagem e conseqüentemente contra a natureza
o texto falado não é, absolutamente caótico, desestruturado,
identidade
principalmente,
cultural
de
porque
alguém
“nossa
é
muito
percepção
109
rudimentar. Ao contrário, ele tem uma estruturação que lhe é
professor se restringia ao ensino gramatical, no qual limitava as
própria, ditada pelas circunstâncias sócio-cognitivas de sua
possibilidades do educando de obter uma aprendizagem
produção e é à luz dela que deve ser descrito e avaliado.”
significativa.
(KOCH, 1997, p. 64). O professor que trabalha a Língua
Inglesa considerando
os aspectos culturais
da língua,
proporciona uma maior reflexão por parte de alunos e
professores,
amplia
conhecimentos,
desenvolve
A Escola na Visão de Foucault e Girox: um debate possível
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
outras
capacidades e torna esse processo de ensino-aprendizagem algo
Nesta pesquisa, desde seu início propomos a prática da
real e mais próximo da realidade do aluno.
pedagogia da voz do estudante (Giroux,1987). O que seria esta
pedagogia? Quais são suas características principais?Que
Total Physical Response
pressupostos me levam a propor
uma escola que utilize o
Reinaldo Coimbra de Oliveira (UEMS)
Dialógo como prática constante? Guimarães (1987), estudou
Neuza Rodrigues Santana de Lima (UEMS)
algumas escolas periféricas em Campinas, baseando-se no
referencial de Focault. Segundo ela a degradação escolar, algo
Com a finalidade de uma melhor atuação metodológica frente à
muito frequente nas escolas públicas, de modo geral, se dá pela
aquisição de uma segunda língua este trabalho tem por
própria forma como é organizada a escola, ou seja,
objetivo, retratar informações a despeito do método de ensino
parafraseando Focault, é um espaço muito parecido com o
criado por James Asher, com o propósito de fornecer aos
presídio, os alunos nunca podem nada e são vigiados o tempo
educadores uma nova alternativa para o ensino de línguas
todo e se qualquer regra for desobedecida, são logo punidos,
estrangeiras, cujo foco principal é ensinar uma segunda língua
sem nenhuma oportunidade de explicação, sua voz não é
conciliando fala com ações físicas, visto que, até então, o
ouvida. Guimarães (1987), utilizando os trabalhos do IDAC
110
(Instituto de Ação Cultural), define assim a escola: Um mundo
um se diferenciam. A preocupação maior da escola é
separado da vida, de ritos imutáveis, de silêncio e imobilidade,
uniformizar comportamentos, se manter distante da realidade
onde os papéis de cada um já estão predeterminados: o aluno
do aluno, teimar em transmitir os conhecimentos através de
cala, escuta, obedece, é julgado; o professor sabe, ordena,
velhas e ultrapassadas metodologias, e negar a expressão do
decide, julga, anota e pune. Um mundo uniforme, de
estudante. Com isso favorece o desinteresse, a apatia, enfim, ao
comunicação artificial, onde só se admite falar bem. Um
entendimento desta como um mundo estranho, muitas vezes
mundo de punições... castigo. Um mundo desligado da
rival do aluno. Ao chegar à escola o aluno se decepciona pois
realidade, que não tem qualquer significação, nem qualquer
os profissionais do ensino, principalmente o diretor, estão mais
utilidade imediata para os alunos. Um mundo com conteúdos
preocupados com o controle, em silenciar a voz do estudante
compartimentados, rigidamente hierarquizados. Um mundo
do que propriamente com o ato de ensinar, com o ato de
comandado por adultos estranhos (p.48). Newton Ramos de
transmitir o conhecimento de forma que os educandos o
Oliveira (1995) amplia essa visão dizendo que a escola é um
adquiram satisfatoriamente, ou seja, compreendam a realidade
mundo separado, com sua lógica. Um mundo estranho (139).
de forma a intervir nela. Portanto, percebe-se que os interesses
Na realidade, os alunos nesta instituição são também como
da escola estão em desacordo com os interesses do aluno. Mas
estranhos para um espaço estranho com adultos estranhos.
isso se deve a que? O que leva à alunos e professores terem
Nesse sentido, ampliaríamos ainda mais essa visão, a escola é
interesses diferentes dentro da escola? Na realidade, têm-se no
uma instituição estranha composta por pessoas estranhas entre
magistério professores-técnicos em detrimento de professores-
si. Analisando o interior da escola pública percebe-se a não
educadores. A diferença básica entre eles é que no primeiro
identificação desta para com seus alunos e destes para com ela.
caso o profissional age como se não existisse uma realidade
Existem na verdade, dois mundos diferentes em permanentes
que é por sua vez, dinâmica, carente de ser decifrada. Já o
embates: o da escola e o do aluno, ou seja, os interesses de cada
professor-educador busca entender e fazer entender esta
111
problemática realidade. Ele se envolve, acredita no potencial
Este trabalho tem como objetivo estudar a questão da
transformador da educação, acredita numa educação para a
identidade em Dorian Gray. Analisaremos as características do
emancipação. No dizer de Giroux (1987, p. 21), é o professor
período Romântico onde existia um desejo de alterar o que já se
assumir o seu papel de intelectual. É preciso trabalhar com o
tinha concebido anteriormente em detrimento de uma
princípio de que os professores podem ser "atores reflexivos".
experiência nova. Essa premissa levou o indivíduo romântico a
A escola deixou de ser considerada um espaço de luta, tornando
ter um individualismo exacerbado, esse estigma, se deve ao
um lugar onde vigiar e punir na expressão de Foucault (1975) é
fato do ‘ser’ romântico ter tomado consciência da perda da sua
a tarefa principal de todos, com objetivo maior de uniformizar
identidade. O sentimento de revolta a esta ‘tomada de
comportamentos, homogeneizar os pensamentos. Em outras
consciência’ começa a ser expressado pelo afastamento da vida
palavras, a escola está mais preocupada com o controle das
prática e refúgio numa vida contemplativa. A evasão no tempo
expressões, mesmo as mais simples e corriqueiras, do que
e espaço é uma tentativa de recuperação da ‘unidade’ e
propriamente com a formação de seres humanos capazes de
identidade perdidas. O sentimento de rebeldia vai contra tudo
intervir na realidade condicionada, isto é, de exercer o papel de
aquilo que é limite ou regra. Começa aqui a complexidade na
verdadeiros cidadãos.
identificação das identidades, uma vez que o indivíduo
romântico revela a problemática do desdobramento da
Mesa 6
personalidade, caso de Dorian Gray (homem/espelho, homem
A Questão da Identidade em Dorian Gray
que vendeu a alma).
Mara Regina Pacheco (PG-UEMS)
Fernandes Ferreira (UEMS)
A Questão Étnica na Obra “Viva O Povo Brasileiro” de João
Ubaldo Ribeiro
Rosana Pereira de Souza (G-UEMS)
112
é trabalho, a evocação do passado não é simples imagem a ser
Com base na obra Viva o povo brasileiro de João Ubaldo
visitada, pois envolve o processo de carregar a percepção do
Ribeiro nota-se a valorização do negro como um suporte
fato ocorrido na época, atualizando-o, modificando-o, para a
fundamental da construção da identidade nacional, e esta
atividade do presente. Condicionada, dessa forma, pela
temática está inserida nos estudos pós-modernos que objetivam
consciência atual do indivíduo, a lembrança, neste revisitar,
resgatar as vozes de negros, índios, mulheres, homossexuais,
sofrerá a interferência da visão de mundo atual. Ao tecer
entre outros, que foram por muito tempo silenciados pela ótica
considerações sobre a questão da memória coletiva discutimos
eurocêntrica.
a formação dos quadros sociais, a representação do ser e da
Palavras-chave: o negro, e estudos pós-modernos.
sociedade, no processo de construção e desconstrução da
imagem de si, em suma da identidade.
Memória coletiva e Construção de Identidade: aproximações e
Considerações
A Memória Coletiva Presente em “Minha cidade Era Assim”
Ana Claudia Duarte Mendes (UEMS)
de Emmanuel Marinho
Kátia Silene Rodrigues (PG-UEMS)
Estudar a memória como elemento na formulação do que se
entende por identidade é estabelecer um diálogo com o que se
Para trabalhar com a obra do poeta Emmanuel Marinho,
considera fator importante na definição dos grupos sociais, no
nascido em Dourados (MS), elege-se a perspectiva da análise
processo de consolidação dos espaços coletivos e individuais.
dos traços memorialísticos, e a possibilidade de estudar os
Na formulação dos limites que separam as identidades
poemas sob a perspectiva da formação de quadros sociais da
individuais e coletivas, construídas pela necessidade de
memória, observando os aspectos culturais e históricos
sobrevivência das práticas sociais. Segundo Halbwachs lembrar
presentes e que denunciam uma forte ligação com a nossa
113
região, mais especificamente da cidade de Dourados. Como
formação de diferentes
fundamentação teórica apresentaremos em largos traços a
Dependendo das contingências sociais, alguns dialetos se
abordagem da memória social, construída a partir da idéia de
fortalecem, agigantam-se transformando-se em línguas ricas e
grupos e dos quadros sociais da memória, abordados na obra
influentes; ou definham, de sorte que, após alguns séculos
Memória Coletiva de Maurice Halbwach (1990) que trabalha
podem restar apenas fracos vestígios da língua-mãe. Nota-se
aspectos da construção coletiva, como uma forma de pensar de
que tal fenômeno tem ocorrido com a herança lingüística
um determinado grupo social, pois o homem, junto com uma
deixada pelos portugueses em sua época de maior potência
sociedade, partilha e ajuda a construir a própria história. Para
marítima. Por conseguinte, o intuito deste trabalho é levantar
tanto escolhemos neste recorte o poema “Minha cidade era
aspectos de alguns falares da Língua Portuguesa, mas, de modo
assim”, no qual buscaremos perceber a construção da memória
mais específico, enfocar as principais características do dialeto
e do tecido poético.
de Macau, que já apresenta fundas transformações. Para tanto,
falares denominados dialetos.
escolhemos um texto para ilustrar as mudanças fonéticoMesa 7
morfológicas no dialeto de Macau.
Aspecto do Português em Macau: uma questão de dialeto
Palavras-chave: Língua portuguesa;
Geraldo José da Silva (UEMS)
Macau; falantes.
mudanças;
dialeto;
Raymundo José da Silva (UEMS)
Estrangeirismos: Invasão ou Enriquecimento Lingüístico?
Sabe-se que as línguas modificam-se naturalmente e, de acordo
Thiago Teodoro Rupere (G-UEMS)
com a história dos seus falantes, migram, ramificam-se. Deste
modo, em contato com outros indivíduos e nova geografia,
O presente trabalho tem o intuito de apresentar e discutir
surgem
parcialmente o projeto de lei do então deputado federal pelo
mudanças mais profundas que contribuem para a
114
(PcdoB) de São Paulo, Aldo Rebelo, o qual propunha a defesa e
promovendo a substituição dos tradicionais manuscritos
promoção da língua portuguesa contra a suposta invasão de
guardados a “sete chaves” pelos novos blogs digitais, onde,
vocábulos provenientes de outras línguas, sobretudo os
além de serem possíveis todas as combinações semióticas do
provenientes da língua inglesa. Por final, apresentar alguns
hipertexto, verifica-se uma mudança radical de comportamento
exemplos de palavras estrangeiras incorporadas à língua
dos locutores do enunciado, que expõem virtualmente ao
portuguesa, mostrando alguns aspectos diacrônicos inerentes às
“mundo
mesmas, bem como refletir sobre a evolução lingüística que
possibilitando a invasão de privacidade característica do mundo
permeia todas as línguas e povos, muitas vezes influenciada
pós-moderno. Dessa forma, analisar esse diário íntimo digital,
pelos empréstimos feitos de uma língua em evidência para
seu estilo e conteúdo face às intenções do locutor e aceitação
outra.
do alocutário, comparando-os ao do diário tradicional, constitui
inteiro”
os
seus
enunciados
mais
íntimos,
o objeto deste estudo, que tem por objetivo pesquisar as
Mesa 8
características das novas formas de expressão linguageira nesse
Dos Diários Íntimos Tradicionais ao Blogs Virtuais
tipo de mídia digital, incluindo as possibilidades pedagógicas
Luciane Silva Castro(G-UEMS)
que a mesma oferece à educação atual.
Palavras-chave:
O terceiro milênio caracteriza-se pelo advento da cibercultura
diários
tradicionais;
blogs
virtuais;
possibilidades pedagógicas dos blogs.
veiculada pela Web, cuja tecnologia digital propiciou um novo
espaço de escrita, sendo que a essência dessa nova cultura é o
A Construção Colaborativa do Plano Municipal de Educação
hipertexto, que pode incorporar todas as outras formas de mídia
de Nova Andradina-MS
digital (imagens, animação, sons, simulações). Em relação à
Sandra ALBANO DA SILVA (UEMS)
escritura de diários íntimos, a nova linguagem digital vem
115
Esta comunicação visa expandir a experiência que tive como
O Texto Escrito e a Imagem: na Obra Marcelo Marmelo
coordenadora da construção colaborativa do Plano Municipal
Martelo e Outras Histórias
de Educação de Nova Andradina (MS). Este trabalho foi
Nilza Pires dos Santos Silva (PIBIC/UEMS)
eminentemente participativo pois, de início, foi convocada pelo
Secretário de Educação uma reunião com representantes de
O texto escrito e a ilustração apresentam contribuições
todos os órgãos e instituições envolvidos com a educação do
específicas para a leitura integral da história, e, portanto, têm
município, do qual foi retirada uma segunda comissão que
funções diferentes no conjunto. O texto escrito designa as
representaria os diferentes segmentos: SEMEC, UEMS, SEE,
personagens, os ambientes, os objetos, cumprindo, por sua vez,
SINTED, Câmara Municipal, Escolas municipais, estaduais e
a função de complementação, preenchendo lacunas e
particulares através de diretores e coordenadores), pais de
dissipando ambigüidades da imagem. Nesta esteira, a
alunos e alunos da rede regular de ensino. Essa comissão foi a
articulação entre texto e imagem, deve ser equilibrada.
grande elaboradora do Plano, sendo que buscavam nas suas
proposta deste trabalho é mostrar a articulação entre o texto
bases opiniões e sugestões acerca das temáticas a serem
escrito e a imagem na literatura para crianças a partir da obra
constituídas no documento em questão. Todos tinham vez e voz
Marcelo Marmelo Martelo e Outras História de Ruth Rocha. A
e podiam sempre influenciar os rumos da construção do Plano
justificativa se faz à medida que a imaginação e as experiências
que está em trâmite para a aprovação pelo legistativo
do leitor interagem para estabelecer as relações de sentido
municipal. Dessa forma, seguimos a Lei de Diretrizes e Bases
mediadas pelos códigos da palavra escrita associada à
da Educação Nacional 93.94/96 quando em seus artigos 9º e 87
ilustração. Diante do exposto, o trabalho tem como objetivo
indica a obrigatoriedade de que a União, os Estados e todos
trazer à tona a relação texto/imagem em suas dicotomias e
Municípios do país construam o referido documento.
avaliar o impacto desta relação no processo de recepção da
obra.
A
116
Estudos do Léxico Regional
Falando Através da Escrita: uma característica da linguagem
dos Webchats
O Léxico na Música Regional de Mato Grosso do Sul
Juliana Ceobaniuc da Silva Michelini (UEMS)
Coordenadora: Marineide Cassuci Tavares (PIF)
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
Maria Conceição Alves de Lima (UEMS)
Considerando a definição de Sapir (1969: 44) de que a língua é
um complexo de símbolos que reflete o quadro físico e social
O terceiro milênio caracteriza-se pelo advento da cibercultura
no qual se encontra um determinado grupo, procuramos realizar
veiculada pela Web, cuja tecnologia digital propiciou um novo
o estudo do vocabulário presente em letras de músicas que
espaço de escrita. O objetivo principal deste trabalho consiste
retratam a condição sócio-cultural de moradores do Pantanal
em analisar essa nova forma de enunciação utilizada nos bate-
sul-mato-grossense. As letras de músicas selecionadas para
papos virtuais, pautada numa oralidade escrita que pretende
compor o corpus são do Grupo Acaba, reunido desde 1971,
representar a conversação no ambiente virtual, através da coleta
cujas músicas demonstram as alegrias e os dissabores
de um corpus suficientemente extenso na Web, que permita a
vivenciados no dia-a-dia pelo povo pantaneiro. Objetivamos,
caracterização dessa nova maneira de falar escrevendo. Através
no âmbito lexical, verificar a presença do regionalismo nas
deste estudo, buscamos compreender esse novo tipo de escrita
letras de músicas do Grupo, e divulgá-lo, entre os sul-mato-
utilizada principalmente pelas novas gerações, o qual,
grossenses, que nem sempre têm contato com informações
provavelmente, terá importantes reflexos na história da língua e
sobre sua própria cultura, e entre moradores de outros estados,
no ensino escolar da linguagem.
que, por vezes, devido às grandes extensões geográficas dos
territórios são impossibilitados de conhecer. Para esta
Mesa 09
comunicação selecionamos três músicas: Vaca tucura, Boi
117
pantaneiro; Ciranda pantaneira; A última cheia. As letras de
ser levada para a sala de aula. Isso porque, a escolha em
música retratam elementos locais como a fauna (tuiuiú, boi,
analisar letras de música não se esgota facilmente. Inúmeras
vaca, burro, cavalo, caititu, ariranha, piranha...), a vegetação
questões poderiam ser abordadas envolvendo esse tipo de
(carandá, tarumã, jenipapo, caraguatá, urucum...) o ambiente
análise, como acontece com outros temas ligados ao Mato
(cheiro de lodo, terra molhada, boi que passa, bule esquecido,
Grosso do Sul, como a questão indígena ou a situação de
águas barrentas, molhado pela cheia...) o homem (peão que
fronteira Brasil/Paraguai. Muitos outros artistas “cantam o
grita, de pele queimada, cheiro de camalote, gosto de tarumã,
Pantanal”, ou o Mato Grosso do Sul e, nem sempre, sabemos
pintar o corpo...). A letra da música Vaca tucura, boi pantaneiro
utilizar as letras para (nos) ensinar/informar. A idéia do estudo
recupera dois animais essenciais para a lida diária dos
é unir a informação e a preservação cultural pantaneira com a
moradores do Pantanal: o boi e a vaca. Para explicar a utilidade
Lexicologia, fazendo com que um auxilie o outro. A análise do
desses amimais os autores das letras das músicas os associam
conjunto de unidades lexicais permitiu-nos a confirmação da
as suas atividades diárias e, para isso, utiliza vocabulário
importância do léxico como forma de registro dos costumes de
pertencente à realidade pantaneira. Já na música Ciranda
uma comunidade e da forma de um grupo representar a
Pantaneira são retratados o homem pantaneiro e os principais
realidade através da linguagem da música. É possível observar,
elementos que os cerca: os animais e as plantas. Da música A
por meio do estudo da linguagem, questões que refletem um
última cheia, recolhemos os vocábulos que recuperam
determinado meio, visto que “a língua é, antes de tudo, um
elementos da fauna e da flora pantaneira, retratando a
produto cultural, ou social, e assim deve ser entendida”
importância dos mesmos e a tristeza do homem ao perceber que
(SAPIR, 1961: 26).
o seu mundo está ameaçado. A idéia inicial do trabalho foi a de
encontrar caminhos para um estudo mais prático na área do
Vocabulário de Fronteira: a influência cultural do Paraguai
léxico, e o de fornecer uma opção de análise textual, que deverá
Andréia dos Santos Fernandes (FPI)
118
Nábia Massaroto da Silva (FIP)
transcrição grafemática. Para a realização das entrevistas foi
utilizado um roteiro organizado com base no questionário Atlas
Por meio da linguagem, podemos nos comunicar e nos
Lingüístico de Mato Grosso do Sul (ALMS), com questões
entender, independente da cultura, do credo religioso e da
adaptadas, relacionadas aos hábitos e costumes de moradores
classe social, e é o estudo do vocabulário de um grupo que
de um município na região de fronteira, Brasil/Paraguai. Os
possibilita o conhecimento desse universo sócio-cultual. O
dados foram coletados na cidade de Coronel Sapucaia- MS, por
vocabulário fornece ao homem a chave para a entrada no
meio de 08 informantes, nascidos ou que residem no município
mundo, já que não é possível estudar aspectos de uma
há mais de 10 anos, com pouca escolaridade, ou escolaridade
sociedade sem levar em consideração a linguagem utilizada. É
máxima de 5ª série do Ensino Fundamental, de duas faixa etária
necessário observar o léxico e analisar as lexias, porém, sempre
– 17 a 25 anos, e acima de 60 anos –, sendo 4 informantes do
levando em consideração o meio em que o falante vive e suas
sexo masculino e 04 do sexo feminino. Os dados foram
variações. Fundamentado nesse princípio, foi desenvolvido um
divididos em dois campos léxicos: erva e comidas típicas. O
estudo lexical que levou em consideração as variantes
campo erva, foi subdividido em dois subcampos: chimarrão e
lingüísticas e teve como ponto de partida a seguinte
tereré, e o das comidas típicas teve a subdivisão em chipa, sopa
investigação: Coronel Sapucaia (Brasil), fronteira com Capitan
paraguaia, feijão poroto e mandioca. Por meio do estudo, além
Bado (Paraguai), sofre influências, percebidas nas unidades
de detectar aspectos culturais, observamos algumas marcas
lexicais, dos hábitos e costumes do país vizinho, cidades de
históricas. Cultural, por exemplo, porque o ato de tomar
fronteira que se dividem apenas por uma avenida, em especial
chimarrão serve para aproximar as pessoas, já que é nesse
no que se refere à alimentação e a erva mate, muito comum na
momento que as famílias geralmente costumam conversar os
região fronteiriça. A coleta de dados ocorreu por meio de
assuntos rotineiros e também assuntos pessoais restritos, dos
entrevistas gravadas, e posteriormente transcritas por meio de
quais crianças não participam. Históricas, como a origem do
119
hábito de tomar chimarrão, que é comum na região Sul do país.
essa influência, já que não se pode conceber uma língua sem
Como houve uma grande migração de gaúchos para o Mato
uma sociedade e nem uma sociedade que não seja organizada
Grosso do Sul, o chimarrão foi trazido junto com o povo
em função da linguagem.
sulista. A análise demonstra também o hábito fronteiriço, as
rodas de tereré que, por ser uma bebida de fácil preparo, pode
Uma Visão da Linguagem da Religião e da Crença
ser tomada em qualquer lugar e horário. As pessoas costumam
Cíntia Arce (G/FIP)
tomar tereré nos finais de semana, em rodas de amigos
(principalmente os jovens) cujo costume serve para aproximá-
O ser humano desde a antiguidade e principalmente nos dias
los. É tomado também nos momentos de bate-papos e até
atuais tem se beneficiado cada vez mais da linguagem, sendo
mesmo em algumas reuniões de negócios. Dentre as comidas
esta, essencial para a comunicação. É por meio dela que
típicas destacam-se a chipa, a sopa paraguaia, o feijão poroto e
podemos nos identificar e nos integrar em sociedade. A
a mandioca. Chama atenção a forma como se preparam esses
importância da linguagem para a vida das pessoas manifesta-se
pratos, como a mandioca que, na região, sofre influência do
tanto na fala quanto na escrita, e para a nossa pesquisa
povo indígena da fronteira. O alimento é cozido sem tempero, e
consideramos a língua falada pelos informantes, que possibilita
acompanha todas as refeições. É uma comida tipicamente
o estudo das variantes, que são justificadas na região de
paraguaia, mas que influência a culinária brasileira. Através da
fronteira em relação às crenças ou costumes e religião. Daí a
análise dos dados examinados neste trabalho, concluímos que
relação direta entre língua e sociedade. Por acreditarmos que o
os hábitos e costumes alimentícios dos moradores de Coronel
vocabulário revela aspectos culturais de um grupo, o trabalho
Sapucaia, bem como de alguns outros habitantes de Mato
visa uma investigação da relação língua, cultura e sociedade,
Grosso do Sul são influenciados pela cultura paraguaia e vice-
que será obtido por meio do estudo do léxico dos campos
versa. E que é por meio da linguagem que podemos detectar
crenças e religiões, do município de Ponta Porã- MS fronteira
120
com Pedro Juan Caballero- PY. Para a realização do trabalho
povo vizinho do Paraguai e sendo o temor ao inferno maior
foi coletado um corpus de dez entrevistas – cinco informantes
entre os moradores de baixo nível escolar. Contrariamente à
do sexo feminino e cinco do sexo masculino, com duas faixas
Inferno alguns informantes acreditam que após a morte, o
etárias: dezoito a vinte anos, e acima dos cinqüenta anos de
homem vai para o Paraíso, já que, quem morre, pode ir também
idade. O roteiro de entrevista foi adaptado do questionário do
para o paraíso ao qual estão associados os vocábulos céu e
ALIB – Atlas Lingüístico do Brasil - e composto de sete
Deus. Do campo Encontro com Deus destacam-se as lexias
questões, todas relacionadas ao tema da pesquisa “crenças e
missa, igreja e cemitério. Chama a atenção, o vocábulo
religiões na fronteira Brasil/Paraguai”. O campo da religião
cemitério, que, segundo alguns informantes, é o local de
subdividiu-se em dois sub-campos: pós-morte e encontro com
acender velas, levar panos de cruz, e conversar com Deus. Há
Deus; do campo da crença resultaram os subcampos coisas que
na região de fronteira uma grande tradição católica ligada à
dão sorte e coisas que dão azar. Esses campos e sub-campos
igreja e ao cemitério. Quanto ao cemitério o laço é muito
demonstram uma presença cultural muito arraigada que pode
grande porque as pessoas não somente sepultam os queridos
ser observada a todo momento nas falas dos informantes, que
que já se foram, mas, fazem visitas semanais e passam esse
demonstram ora crença muito grande na religião, em especial
costume de geração a geração principalmente entre os povos do
no catolicismo, ora em crenças populares. Destacamos o sub-
lado paraguaio que não deixam faltar água, vela e pano de cruz
campo pós-morte, ligado à religião, do qual destacamos as
aos mortos.O trabalho demonstrou o poder que as palavras têm
lexias inferno e paraíso. Inferno recupera um lugar que possui
de transmitir informações de uma dada sociedade, ao passo que
fogo segundo a crença popular. Ao inferno estão associadas as
possibilitou o estudo de aspectos sociais e culturais
lexias fogo, medo, coisa ruim e queima em fogo que denotam
relacionados aos moradores do município de Ponta Porã-MS,
lugar assustador. Detectamos o campo da religião, que na
bem como as relações existentes com o povo vizinho, residente
região de fronteira Brasil/Paraguai é muito forte devido ao
em Pedro Juan Caballero-PY, o que torna a cultura fronteiriça
121
ainda mais rica. Isso porque o morador de uma região de
Retratos, de Flora Egídio Thomé e mais dois de Via Sacra de
fronteira traz consigo a miscigenação de duas ou mais culturas
Raquel Naveira, na perspectiva de observar a construção do
sobrecarregando assim valores sócio-culturais, regionais que
discurso a partir dos fragmentos de memória, presentes no
podem ser explicadas através de estudos lingüísticos.
tecido poético, bem como pontuar as imagens recorrentes que
Comprovou-se, assim, que o ambiente sócio-cultural influencia
permeiam essa produção. Para tanto, nos aproximamos do
a maneira de pensar e agir de um indivíduo em um determinado
conceito de memória coletiva, de Maurice Halbwachs, a fim de
grupo, sobretudo no nível lexical.
discutirmos a questão da memória individual e coletiva, no
processo de percepção e construção do texto poético, pois,
Mesa 10
compreendemos o ato de lembrar como trabalho, e nesse labor
Os Quadros Sociais da memória: a poesia de Flora Egídio
o indivíduo que lembra nunca está só, dialogando com sua
Thomé e Raquel Naveira
consciência estão o grupo social, a tradição e a linguagem. Para
Ana Cláudia Duarte Mendes (UEMS)
o teórico, a seleção dos conceitos e idéias é trabalho individual,
mas isso não implica que esta seja independente, pois considera
Trabalhar com a memória é construir a ponte entre presente e
a lembrança produto de um determinado meio, uma vez que o
passado, encontrar no nosso fazer cotidiano traços de costumes
indivíduo lembra daquilo que faz sentido para seu atual grupo
bem anteriores, montar o mosaico que forma as imagens
social. Podemos observar que as obras selecionadas estão
recorrentes que nos identificam. Para compor esse trabalho
permeadas de imagens recorrentes do passado, mas no processo
selecionamos as obras das poetas sul-mato-grossenses – Flora
de composição poética, as lembranças atendem ao chamado do
Egídio Thomé e Raquel Naveira- . A fim de estudar a
presente, o que atesta a presença de uma poesia que reflete a si
conformação destes “quadros sociais da memória”, presentes
mesma, e o mundo ao seu redor, possibilitando-nos um diálogo
nesta produção poética, escolhemos dois poemas das obras:
com o passado, refletido no presente. Ao considerar que as
122
poesias escolhidas nos falam das relações sociais, contam
mas uma maneira de tornar-se novamente presente, por meio de
histórias de lugares e pessoas, visitam mitos, e, ao mesmo
narrativas, histórias, situações, atos que pela arte da narrativa
tempo, realizam-se enquanto texto poético, estruturado e
invadem – novamente – a consciência. Deste modo, segundo
inscrito em uma linguagem demarcada, pois construída a partir
Halbwachs, a consciência atual é estabelecida pelo grupo social
de imagens, que abarcam formas, texturas, cores, e exploram ao
ao qual pertence aquele que lembra. A própria imagem
máximo a percepção dos sentidos, criando significados.
suscitada só deverá fazer sentido se estiver dentro dos
Estamos diante do fenômeno de narrar – representação de uma
parâmetros sociais de determinado grupamento.
tarefa individual – a atividade poética torna-se um ato solitário
que, ao compor cenários passados, dialoga com as vozes da
O Discurso da Tríade: poder, sexo, dinheiro em Arthur de
“tradição”. Apesar de só, o poeta carrega em si o “outro” de
Azevedo
modo que a sociedade, a família, as leituras misturam-se na
Mara Regina Pacheco (G/UEMS)
produção dos significados. Nesta tarefa particular de seleção
das lembranças realiza-se a narrativa que conta o passado, com
A Capital Federal escrita em 1897 por Athur Azevedo, registra
a vigilância e valores presentes do ser que lembra e escreve.
um padrão de humor nacional com uma valiosa descrição dos
Uma vez que ao se tentar alcançar as sensações e experiências,
costumes de uma época decisiva na formação da sociedade
as reduzimos e traduzimos em linguagem, alterando-as, dessa
urbana brasileira. Essa maneira de escrever comicamente e com
forma, as concepções e a visão de mundo do indivíduo no
ironia os acontecimentos de sua época, é descrito por Orlandi
momento presente passam a influenciar e atuar nas percepções
(1988, p. 48) como as relações e inter-relações de sentido
passadas. Então o olhar – que estrutura o poema – volta-se para
dentro de um discurso. Segundo o estudioso, a significação não
o passado e move-se no espaço da memória. Esta pode ser uma
se desenvolve sobre uma linha reta, calculável, segmentável, os
forma de atualização do que já foi; não uma volta ao passado,
sentidos são dispersos, se desenvolvem em todas as direções e
123
se fazem por diferentes matérias. Arthur Azevedo usa desse
onde construíram sua identidade cultural. Nestes casos, o
subterfúgio ao escrever: faz uso da dualidade, da ambigüidade,
responsável pela obra repassa uma indenização aos antigos
da alteridade, da multiplicidade, da complexidade. Em A
moradores/proprietários, que reivindicam o pagamento em terra
Capital Federal podemos detectar “silêncio múltiplos”: o
e o Estado, em dinheiro, decorre daí, a maioria dos conflitos. É
silêncio das emoções, o da contemplação, o da introspecção, o
o antagonismo da sociedade organizada em que atuam
da revolta, o da resistência, o da disciplina, o do exercício do
diferentes agentes sociais, cada qual age conforme seus ideais,
poder, o da derrota da vontade e etc. Aqui estabelece-se a
interesses e demarca território sob a égide das lutas de força.
tríade: poder, sexo e dinheiro, três forças poderosas e de
Tomando como objeto de estudo o discurso do ex-ribeirinho
embate eterno que dão vida e engendram o discurso narrativo
em confronto com o discurso do Estado (CESP – Companhia
de Azevedo.
Energética
de
São
Paulo),
ancorados
em
princípios
metodológicos de Análise de Discurso de linha francesa, buscaEx-Ribeirinho: discurso e identidade
se, mediante recortes de enunciados coletados em entrevistas e
Neuraci Vasconcelos Reginaldo (PG/UFMS)
outros documentos, desenvolver estudos que contribuam para
tornar visíveis as relações discursivas entre o oleiro - na
O processo brasileiro de modernização industrial, com a
condição de “excluído”- em confronto com o discurso da
crescente urbanização e o conseqüente aumento do consumo
Estado (CESP), bem como analisar as modalidades de sentidos
energético, tem levado o país a optar pela construção de Usinas
possíveis, reconstruir seus processos históricos discursivos e
Hidrelétricas.
construção de sua
Tais
empreendimentos
são
planejados
e
identidade tomando como referência
executados com vistas ao desenvolvimento econômico do país.
empírica o caso Reassentamento Nova Porto João André no
Todavia, este “desenvolvimento” ocorre, ao mesmo tempo, que
município de Brasilândia – MS.
centenas de famílias são desalojadas dos lugares de seu habitat
124
Mesa 11
envolvidos responderam a um questionário que versou sobre as
O Preconceito e o Racismo nas Escolas Públicas e Particulares
DST/AIDs. Em seguida fizemos uma avaliação do trabalho.
de Nova Andradina
Estes são a priori assustadores. Notamos que há entre os jovens
Leuzeni Moreira Dias (G/UEMS)
mais preconceitos do que imaginava. Como vivemos numa
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
sociedade moderna, não pensei que fosse encontrar tantos
conceitos racistas nesta significativa parcela da população.
O referido projeto pretende contribuir para a promoção da
Dentre os preconceitos, o mais destacado foi em relação aos
conscientização por parte dos jovens das escolas públicas e
homossexuais e se este for negro, o preconceito é ainda maior.
particulares no que tange à questão do preconceito e racismo
Percebemos nas faces deles expressões horríveis quando
em relação ao portador das DSTs, de modo especial os
indagamos se este homossexual fosse negro qual seria a reação,
portadores do vírus HIV, de modo mais especial ainda, se o
inclusive, vale salientar, que no grupo havia um adolescente
portador
algumas
negro que tem um irmão que é “gay”. No último dia de nossas
atividades junto aos alunos participantes deste projeto. Estas se
atividades este jovem não apareceu, pois não queria mais tocar
realizaram no período de 30/04 à 01/05/2006. Técnicas como
no assunto. Ficamos curiosas por saber o porque daquela
“Embolação”, “o boneco” e a dinâmica “chuva de palavras”,
reação e onde e como construiu este preconceito, sendo ele
foram trabalhados, com o intuito de abrir a discussão sobre o
afrodescendente, vulnerável, portanto, ao preconceito, é
assunto. Começávamos sempre com uma brincadeira para
também preconceituoso. Certamente não nos contentamos por
depois ir para o debate e tais brincadeiras tinham o objetivo de
aqui, o trabalho continua.
chamar a atenção para o tema. E depois das técnicas, assistiam
Palavras-chave:
a um filme. Trabalhei com os seguintes filmes: “O Animal” e
adolescente
é
afrodescendente.
Desenvolvemos
“AIDs – aconteceu comigo”. No último dia os jovens
Racismo,
Preconceito,
DST/AIDs
e
125
O Burnout: a síndrome de desistência que pode causar a
sentimento muito forte de tensão emocional que produz uma
falência na educação
sensação de esgotamento, de falta de energia e de recursos
Ednalva Regina Oliveira Alves (G/UEMS)
emocionais próprios para lidar com as rotinas da prática
profissional e representa a dimensão individual da síndrome...
A chamada Síndrome de Burnout é definida por alguns autores,
Num primeiro momento é um fator de proteção, mas pode
como por exemplo, Wanderley Codo (1999) como uma das
representar um risco de desumanização, constituindo a
conseqüências mais marcantes do stress ocupacional, que se
dimensão interpessoal de Burnout. (PERNAMBUCO, 2002, p.
caracteriza por profundo sentimento de frustração e exaustão
32). Diante deste quadro, ousamos afirmar que se trata de uma
em relação ao trabalho desempenhado. É uma síndrome através
situação que merece um olhar especial, pois de nada adianta
da qual o trabalhador perde o sentido da sua relação com o
apontarmos para este mesmo professor novas formas de
trabalho, de forma que as coisas já não o importam mais e
ensinar, novas tecnologias de ensino, novos Parâmetros
qualquer esforço lhe parece ser inútil. Assim também se sente o
Curriculares etc, se não consideramos esta realidade como um
professor, pois: O Burnout não ocorre de repente, é um
começo da ruína do Ensino Público Brasileiro, como diz
processo cumulativo começando com pequenos sinais de alerta,
Wanderley Codo, a Síndrome do Burnout pode levar à falência
que quando não são percebidos, podem levar o professor a uma
da Educação. Na verdade os professores estão tristes, cansados
sensação de quase terror diante da idéia de ter que ir à escola
de serem apontados pelos fracassos da escola, cansados por não
(LIPP, 2003, p 65). O professor por se envolver afetivamente
serem valorizados pela sociedade, enfim, cansados de serem
com seus alunos, se desgasta, não agüenta a pressão, chegando
maltratados por quase todos os setores da vida social. A
a um extremo. Assim é fácil perceber que a Síndrome do
pesquisa Fizemos um minucioso levantamento sobre as
Burnout é um dos principais problemas dos profissionais de
licenças médicas que têm ocorrido nos últimos anos no que
educação. A exaustão emocional é caracterizada por um
tange aos professores de Língua Portuguesa, bem como
126
entrevistas com professores que abandonaram a profissão
escolas públicas? Responder estas questões não é fácil, mas
docente, a fim de descobrir o porque do abandono, dos
ignorá-las também pode ser perigoso para o futuro da Educação
desapontamentos, dos conflitos com a escola e com os alunos,
Pública.
as exigências, os acúmulos de faltas etc; O resultado é mais
grave do que parece, professores cada vez mais jovens
A construção da Leitura e da Escrita num Adulto, Trabalhador
queixam-se dos sintomas relacionados à síndrome do burnout, e
Rural
o curioso é que estes recusam a admitirem que precisem de
Regina Albano da Silva (SP)
ajuda. Esta síndrome causa inseguranças e medos na pessoa do
professor, este se vê sozinho, abandonado e desprestigiado
A linguagem e o seu papel na constituição do sujeito e das
socialmente. Tudo isso colabora para o mal estar, que pode
ideologias aparecem nas idéias de Vygostky e Bakhtin, que
levar à desistência de ser professor. Este estudo que ora
apesar de seguirem caminhos diferentes em seus estudos, levam
apresentamos está em desenvolvimento, mas já é possível
a um ponto essencial: a linguagem como espaço de recuperação
perceber que muitos problemas afligem os professores da
do sujeito como ser histórico e social. A escrita, como forma de
escola pública e são estes problemas citados acima, que os
linguagem, não pode ser dissociada dessa recuperação, uma vez
afastam da sala de aula. E em Nova Andradina o número é
que na sociedade em que vivemos atualmente a escrita e a
assustador. As estatísticas mostram que cerca de 80 % destes
leitura estão presentes em inúmeras situações cotidianas.
já tiraram licença por motivo de saúde. Esta informação é
Emília Ferreiro e Ana Teberosky, na Psicogênese da Língua
grave, podemos até questionar: qual é mesmo a qualidade de
Escrita, demonstram que o sujeito passa por fases ou níveis na
vida do professor em seu ambiente de trabalho? Quem é
construção da escrita e isso se inicia muito antes que a escola
mesmo o professor da escola pública? O que estes pensam
imagina, pois, o sujeito tem sua própria forma de ler e escrever.
sobre si mesmos e sobre a situação em que se encontram as
Paulo Freire, em seu trabalho com alfabetização de adultos, vê
127
a leitura e a escrita como formas de libertação, ou seja, grosso
social, uma vez que, no caso do adulto, muito mais do que para
modo, a leitura e a escrita não devem servir para legitimar a
a criança, a leitura e a escrita “abrem portas”, que lhe
divisão de classes, mas sim para que o sujeito tenha consciência
possibilita um novo olhar para a realidade. O saber ler e
dessa divisão e tente transformar sua realidade, através do
escrever para o adulto tem outra dimensão, pois ele se percebe
exercício da cidadania. O trabalho de alfabetização com o
como cidadão, embora a leitura e a escrita não sejam essenciais
adulto, trabalhador rural revelou sentimentos distintos por parte
para o exercício da cidadania e nem para a conquista da
dele: vergonha, no início, por não saber ler e escrever numa
mesma, mas somente um componente para o exercício e
sociedade que cobra a todo o momento tais competências;
construção da cidadania e ao mesmo tempo a alfabetização é
orgulho, por se sentir capaz de escrever o próprio nome e já
instrumento na luta pela conquista da cidadania, ou seja, é uma
saber o alfabeto, enquanto outros companheiros de trabalho não
forma do indivíduo buscar o que lhe é negado. Dessa forma,
o sabem; exultação, por já ler e escrever razoavelmente bem
alfabetizar um adulto requer que o educador tenha habilidades e
diversas palavras e se sentir parte do mundo. Nesse trabalho de
competências para que possa atender as expectativas desse
alfabetização, as palavras geradoras (Paulo Freire) nortearam o
adulto, que possui outras que não são as mesmas das crianças,
trabalho e o que mais chamou a atenção foi que as mesmas
embora os processos pelos quais passa sejam os mesmos. A
fases pelos quais as crianças passam, segundo Emília Ferreiro e
cidadania também tem outra conotação que não é a mesma
Ana
na
quando se trata da criança, isto é, no caso do adulto,
alfabetização de adultos. Assim, analisando os estudiosos
alfabetização e cidadania só podem estar juntas se houver
citados anteriormente, houve as seguintes constatações: a
clareza de ideologia e das políticas que as envolvem. Somente
linguagem tem função histórica e social; os processos de
assim, a alfabetização será instrumento de conquista e de
construção da leitura e da escrita são os mesmos, independente
exercício da cidadania. É por isso que esse trabalho de
da idade; a escrita e a leitura são mecanismos de inserção
alfabetização específico foi enriquecedor, pois ao alfabetizar o
Teberosky
encontraram,
também
aparecem
128
adulto em questão houve a possibilidade de perceber as
com flexibilidade e aceitação das diferenças e aquisição de sua
dimensões que algo tão comum (ler e escrever) para aqueles
autonomia, adquirindo poder de agir e pensar, de forma a
que já o fazem, pode ser complexo e fundamental para quem
desenvolver a sensibilidade. Contribuindo assim para a
não o faz e o quanto isso muda a forma desse sujeito se
construção de um ser crítico e cidadão, com auto-estima
perceber e perceber sua realidade.
estruturada.
Palavras-chaves:
O Teatro Inserido como Apoio Pedagógico no Ensino
Linguagem
Jurídica,
Argumentação,
Discurso.
Fundamental
Vilma Marques Dutra da Cruz Natal (UEMS)
Mesa 12
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
O Análise do Discurso nas Produções de Texto. O Caso da E.
M. Efantina de quadros
O texto inserido como apoio pedagógico, explora e elabora
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
textos, encena a própria linguagem teatral e dá fundamentos
Michelli Fernanda de Souza Dan (G/UEMS)
para o desenvolvimento educacional em sala de aula, na família
Letícia de Fátima Dias Wedekin de Oliveira (G/UEMS)
e comunidade, articulando diversos saberes que são adquiridos
Mauro Eduardo de Souza (G/UEMS)
e que são necessários para fortificar esse desenvolvimento
concretizando sonhos, expectativas e mais além, proporciona
A Escola Municipal Efantina de Quadros situa-se em um dos
sanar dúvidas de competências, fobias e seus conflitos, criando
bairros mais carentes da cidade, “Morada do Sol”, A referida
assim cumplicidade aluno, professor, escola e comunidade.
escola é carente em todos os sentidos. Grandes autores foram
Portanto, abrindo fronteiras para a busca de novos saberes,
pesquisados para a viabilidade deste projeto e para alcançar as
necessários para se viver de forma digna e agradável, agindo
metas traçadas para a leitura e a escrita, houve um
129
aprofundamento teórico com Antônio Gil Neto, Beatriz Citelli
Acordar e não poder te tocar, nem abraçar, / Medo da realidade,
e Eglê Pontes Franchi. Segundo Neto (1996), a escrita é algo
da saudade, / Mas nunca tive medo de gritar bem alto, / Que eu
espetacular, parece poético, mas não é. Ninguém escreve só
te amo muito, sentimento incomparável... / E que ser mãe é
para ser aprovado na escola. Escrever é manifestar à vontade, a
tudo!È / Se pudesse não daria apenas uma estrela, / Lutaria para
emoção, a história, história de vida, história de um país, de um
conseguir a constelação inteira. / Seu afago superior me a
Estado, de uma cidade e assim através da escrita percebe-se a
calma, me felicita, / Amor inigualável, flor especial, em nossas
ideologia presente nos textos. O maior desafio para um docente
vidas, / O coração de mãe não tem limites, / Sentimento único,
é mostrar ao aluno uma maneira diferenciada de ler e escrever
semblante de luz, / Jóia rara, incomparável, ser inexplicável, /
através da produção de textos, como interpretar textos e diante
Mãe pensamento fixo de sinceridade, / Anjo de luz, matriarca
de outros textos serem capazes de criar novas histórias e que o
da vida... / Ser mãe é uma dádiva de Deus, benção total, / É o
mundo da poesia faça parte do cotidiano, demonstrando através
resultado de todo amor e carinho do mundo. / Afinal, ser mãe é
das mesmas à ideologia que está presente na sociedade. Então
tudo... / História é Arte / História é arte, filosofia é cultura, /
ao criar um poema a perfeição foi inédita, os alunos
Esporte é a cultura que renasce. / Essa cultura que mata a
perceberam que eram capazes, através daquele poema “MÃE É
floresta / Que acabará com uma geração... / Se as atitudes
TUDO” acreditaram que poderiam escrever qualquer texto.
humanas não mudarem, / Matas, animais e até mesmo pessoas
Seguem os poemas produzidos por eles. MÃE É TUDO / A
tudo pErecerá. / Consciência, amor e respeito essência que
minha vida não é vida, / Sem a tua vida querida mamãe... / Ser
falta, / Sonhos que se destroem e se desmaterializam. / Porque
mãe não é gerar filhos! / E sim saber amar, é compreender, é
não guardar com carinho, o passado... / A memória um dia se
querer, / Viver sonhos, realidades, é ter saudades... / Mas eu
perderá no tempo / Ser velho, antigo é ser e ter história. / Cada
tive medo mãe, / De não ser o que sou hoje. / Mãe eu tenho
ser, objeto ou pessoa tem passado, / Sentimentos manifestados
medo de te perder, / Medo te de esquecer, jamais te ver... /
e concedidos / Seja presente, para ter um glorioso passado.
130
(Ana Paula) / Visita ao Museu de Nova Andradina / Se você
Muito se tem discutido acerca da Educação, mas o que chama a
nunca viu uma onça empalhada? / Não fique nervosa... / Vá ao
atenção é o fato de que o professor é normalmente considerado
museu de Nova Andradina / E lá estar exposta! / Você já viu
como maior responsável pelos problemas educacionais que
um jacaré empalhado? / Isso não é nada não... / No museu de
vem ocorrendo no Brasil e no mundo afora. Infelizmente o
Nova Andradina / Tem um que é bem grandão. / Talvez você
educador ainda não é reconhecido como deveria e existem
não era nascido, / Mas o museu de Nova Andradina tem /
muitos estudiosos que defendem o professor como profissional
Aqueles telefones antigos, / Que rodam com a mão também... /
que é. Segundo Borges-Unesco/Brasil, os professores são os
Talvez é de sua época, Talvez não, / Aqueles dinheiros antigos,
trabalhadores mais qualificados, “mais de metade dos
/ Lá tem de Montão. / E para finalizar / Algo que antigamente
trabalhadores com ensino superior trabalha em educação”, no
tinha de montão, / O querido “PAU BRASIL” / Que hoje está
entanto, os professores estão sofrendo com a grande
em extinção... (Itamara) / Amor / O amor é a união; / O amor é
responsabilidade que está sobre seus ombros. Deve-se
a loucura; / O amor é o coração; / O amor é a doçura / O amor é
reconhecer
a vida , / È a luz... / O amor é a importância,
responsabilidade, e que seu trabalho é claro depende de muita
Da vida, o amor é a importância de tudo de bom. / O amor é um
competência e qualidade, mas não se pode generalizar a
sentimento, / Reduzido em uma simples / Palavra que é paixão.
situação colocando-o como único responsável pela “bagunça”
/ O amor é o mais / Puro sentimento. / Que se resulta na vida..
em que se encontra o ensino. No que diz respeito aos
(Vanilda).
professores a muito que ser dito e estudado, mas é interessante
que
ao
professor
é
dada
uma
grande
apontar aqui, que a educação em geral vive em constantes
Uma Reflexão sobre Formação de Professores
transformações e mudanças. Ao fazer uma retrospectiva
Rita de Cássia Marcon (G/UEMS)
histórica do sistema educacional brasileiro percebemos que
sempre existiram problemas relacionados ao ensino e a escola,
131
pois a cada época ou período político a culpa era dada a um
politicamente e coloca a educação a serviço do que nomeou
sujeito diferente. Segundo Veiga (1996), no período de 1549 a
desenvolvimento” (Pietri: 37). Com isso foi preciso aumentar o
1930 o sistema de ensino brasileiro era catequético (religioso),
número de professores e por falta de profissionais, o que ouve
oferecido pelos padres Jesuítas aos índios e escravos, sua ação
foi a diminuição do grau de exigência na seleção de
pedagógica ia “contra o pensamento crítico”. Após 1930 foi
profissionais para esse cargo, e é claro, acabou por diminuir a
implantada a escola técnica, a ênfase recai no ensinar bem,
qualidade de ensino. A partir dos anos 80 surgem diversas
mesmo que a uma minoria. Já em 1945 a educação brasileira
mudanças na educação. O fim da ditadura militar abre
começou a receber influência norte-americana para o ensino
caminhos aos primeiros estudos e a filosofia da educação,
elementar, é claro que sob a implantação de novos métodos
tendo por função os problemas educacionais. A década de 90
além do processo de ensino não considerar o contexto político
foi marcada pelo crescimento acelerado da educação, com a
social. As décadas de 60 e 70 do século XX foram marcadas
reforma educacional criou-se os PCNs, as diretrizes e
pela articulação da tendência tecnicista assumida pelo grupo
referenciais curriculares e as avaliações do ensino através do
militar e tecnocrata, que em acordos com EUA passaram a
ENEM e do ENC-provão. Essas novas tendências fizeram com
influenciar também o ensino superior, implantando aí, a
que os indivíduos, economias e sociedades recorressem à
técnica. O professor torna-se mero executor de objetos
profissionalização que o mercado de trabalho exigia. Isso
instrucionais, de estratégias de ensino e de avaliação, com isso
acarretou
as pessoas não tinham conscientização política e ideológica.
aprendizagem envolvendo pessoas de todas as idades, sem a
Por outro lado, segundo Pietri (2005), este período denominado
preocupação de tempo e de lugar” (Borges: 110). De acordo
“democratização do ensino” proporcionou acesso às pessoas
com Borges foi neste contexto, que o direito de todos à
que até então não tinham tido oportunidade de freqüentar
educação uniu-se a necessidade da profissionalização “e os
bancos escolares. “Nesse período, a ditadura militar intervém
sistemas educativos expandiram-se”, tornando-se intensa a
em
um
desenvolvimento
de
“atividades
de
132
necessidade de professores qualificados para atender todos os
e epistemológicos, pelo encontro das idéias de Pêcheux com o
níveis de educação. Com isso teve-se que desenvolver
programa arquegenealógico de Michel Foucault. Entre as
programas de especialização rápida, aos docentes atuantes no
questões a serem discutidas, destacam-se: 1) a revisão da
ensino, denominadas por Marzola como reciclagens, que
concepção de corpus em AD (uma vez que esse campo teórico
seriam simplesmente um rápido aperfeiçoamento a fim se
passa a se interessar pela análise da singularidade dos
suprir as exigências determinadas pelo sistema, enfatizou-se
acontecimentos
somente a prática, e a formação critica necessária para a
objetos – literários, midiáticos, entre outros – da ordem do não-
atuação política e reflexiva do docente foi deixada de lado.
logicamente estabilizado); e 2) a postulação do batimento
Assim, podemos notar que por trás da “culpa dos docentes” há
descrição/interpretação como a ordem teórico-analítica capaz
uma ideologia política que rege o país democrático. Enfim, esta
de resguardar a análise das interpretações sem margens –
pesquisa, não tira do professor a culpa, mas também não a
construídas à revelia das redes de memória e das condições de
atribui somente a ele, é preciso ouvir os educadores, saber
produção que participam da construção dos discursos –, assim
desses profissionais o que realmente estão enfrentando em suas
como de uma sobreinterpretação antecipadora das séries
salas de aula, e em seus cursos profissionalizantes.
discursivas.
Mesa 13
Os Múltiplos Objetos da Análise do Discurso: da ordem fixa do
Análise do Discurso: múltiplos objetivos
arquivo à oscilação do ordinário
discursivos,
constituídos,
sobretudo,
Coordenadora: Mara Rúbia de Souza Rodrigues Morais
O objetivo geral deste trabalho é refletir sobre algumas
redefinições teórico-metodológicas do projeto pecheuxtiano de
Análise do Discurso, ocasionadas, entre outros fatores políticos
(PG/UNESP)
em
133
O presente trabalho tem por objetivo apresentar um projeto de
“despretensiosos de veicular” o discurso oficial, representando
pesquisa em andamento. Esse estudo mostra a existência de um
um espaço de “tensão” no discurso jornalístico.
discurso de resistência, na crônica publicada em jornal
impresso no Acre, especialmente, as de Francisco Dandão, à
Mulher e Política: limites de discursos, de poder
luz da análise do discurso, propondo pensarmos sobre a prática
Fernanda Fernandes Pimenta de Almeida Lima (PG/UNESP)
discursiva da crônica rompendo, em certa medida, com o
discurso da mídia local, por, simplesmente, ignorá-lo. Além
Este trabalho resulta da elaboração de um projeto a ser
disso, buscaremos compreender como se organiza o discurso
desenvolvido no Doutorado em Lingüística da Universidade
oficial, para que possamos evidenciar as estratégias de
Estadual Paulista (UNESP-CAr). O estudo tem como objetivo
construção do discurso de resistência nas crônicas estudadas.
analisar discursos sobre as mulheres políticas, especificamente,
Observamos que os veículos de comunicação no estado do
candidatas nordestinas às eleições de 2006. São discursos
Acre, especialmente, nos últimos oito anos, tornaram-se,
veiculados em revistas, que circulam nos diversos estados
principal e importante via de acesso de uma certa ideologia de
nordestinos e que, presumidamente, identificam a mulher como
resgate a um ufanismo e nacionalismo, que ora se dizia perdida
um efeito de construções sociais e culturais modeladas por
ou esquecida e que, por isso o governo deveria promover o
diferentes práticas discursivas. Assim, a mulher política
resgate cultural e histórico. Ao mesmo tempo, no entanto, em
nordestina não designa uma identidade estável, mas se define a
que há uma mídia impressa no Acre que parece articular o
partir de interesses, objetivos e legitimidades presentes nos
discurso da floresta pautado no resgate de uma “falsa” história,
discursos que (re)significam a subjetividade feminina e que a
ou seja, na construção de identidades, existem textos
constituem enquanto sujeito político.
produzidos e publicados nos jornais locais, nessa mesma mídia,
O discurso de resistência nas crônicas do Acre
134
Marília Lima Pimentel (PG/UNESP)
comprovou que a professora X trabalha com os gêneros mais
circulados socialmente, porém, falta fundamentação teórica
Mesa 14
para alcançar o principal objetivo, que é fazer o aluno gostar de
Diversidade de Gêneros Textuais como Incentivar à Leitura
ler. A professora Y, ao contrário, desenvolve projetos de
Beatriz Aparecida Alencar
leitura, rodas de leitura, leitura em voz alta e colaborativa,
dentre outras atividades que propicia criticidade e melhor
Diversidade de Gêneros Textuais como Incentivo à Leitura
desenvolvimento nas produções orais e escritas.
Luana Cândida de Carvalho (G/UEMS)
Estela Natalina Mantovani Bertoletti (G/UEMS)
O Mau Uso da Língua Portuguesa
Silvane Aparecida de Freitas Martins (UEMS)
Juliana Marques de Matos Amorim (G/UEMS)
É por meio da leitura que o educando desenvolve inúmeras
Os futuros professores e mesmo aqueles que já são gramáticos
habilidades, comunicativas e cognitivas além de ampliar sua
conceituados vivem atualmente em um impasse: o mau uso da
competência comunicativa, sendo assim, na presente pesquisa
Língua Portuguesa deve ser corrigido como erro ou aceito
de Iniciação Cientifica foram analisadas a 4° série (atual 5°
como diferença? De acordo com os PCNs de Língua
ano) de duas escolas públicas uma municipal e outra estadual,
Portuguesa, o ensino deve ser contextualizado; ou seja,
para identificar se as práticas pedagógicas utilizadas e os
adequado à realidade da pessoa. O que significa aceitar o que
gêneros textuais escolhidos despertam o prazer de ler nos
classificaríamos de “erros” como características naturais no que
alunos,a análise dos dados foi feita com base na abordagem
conceme ao nosso idioma. O fato de algumas pessoas não se
sócio-interacionista e da análise do discurso de linha francesa
expressarem na norma culta da língua não quer dizer
para interpretação do questionário semi-estruturado, que nos
exatamente que não possuam conhecimento, capacidade
135
intelectual, ou mesmo que seus professores não tenham tido
ou ocasiões impróprios: o verbo “acontecer”, por exemplo, é
competência para tanto. O que ocorre, geralmente, é a
usado em larga escala pela mídia para divulgar eventos com
interferência da variedade linguística não-padrão, que afeta a
hora e local marcados: “No dia 7 de junho de 2006, às
concordância, e também o uso de grafias iguais para sons iguais
l7h3Omin. acontece no hotel tal, número tal, palestra do
(tão comum em alunos nos primeiros anos escolares), que afeta
empresário Antonio Ermírio de Moraes”. Ora, o verbo
a ortografia. Mas não é sobre os equívocos nos primeiros anos
“acontecer”, sendo derivado do latim contigescere, que
escolares que falaremos. O que será discutido aqui não serão
significa “acontecimento fortuito ou fora do combinado”,
propriamente erros, mas sim o mau uso que algumas pessoas
deveria ser usado justamente só para isso: “Aconteceu a queda
fazem da Língua Portuguesa. Só para citar um exemplo, a
do avião da Gol, no vôo 1907”; ou seja, a queda “aconteceu”,
Língua Portuguesa é atualmente devastada pela “praga” do
nada havia sido “combinado” previamente. Outro lapso
gerundismo, que se espalhou dos departamentos de televendas
bastante comum é o uso de expressões que caíram, há muito
para os mais inusitados lugares. As pessoas parecem não mais
tempo, em desuso: é o caso da expressão “a nível de”. Ou então
“passar”, “pagar”, “falar”, “conversar”, etc, mas sim “estar
verbos que são usados impropriamente em lugar de outros:
passando”,
“estar
“nada haver” ao invés de “nada a ver”. Estes são apenas alguns
conversando”. Analisando gramáticas da Língua inglesa,
dos exemplos que poderemos citar. O objetivo desta
podemos perceber que este vício de linguagem é uma herança
comunicação não é estimular a discriminação àqueles que se
da Língua Inglesa, que freqüentemente alia o verbo copulativo
expressam pela norma não-padrão da língua, e tampouco
“to be” (ser, estar) às mais diversas formas verbais, isso sem
defender a idéia purista de preservar a Língua Portuguesa tal e
falar nos verbos terminados em -ing, que por sinal nem sempre
qual ela está, menosprezando empréstimos lingtiísticos e
expressam gerúndio. Outro exemplo que poderíamos citar são
neologismos. pois, ao contrário do que a maioria das pessoas
as palavras que são utilizadas (escritas ou faladas) em contextos
pensam, essas características colaboram para o enriquecimento
“estar
pagando”,
“estar
falando”,
136
da língua. O que se busca é evidenciar vícios de linguagem e
fim, Nunes (2006, p. 20) afirma que um dicionário nunca é
escrita que possam prejudicar a compreensão correta da Língua
completo e nem reflete diretamente a realidade, pois ele
Portuguesa, e fazer com que as pessoas passem a se
corresponde a uma projeção imaginária do real: de um público
expressarem de modo que possam ser compreendidas
leitor, de uma concepção de língua e de sociedade. E é por
adequadamente em qualquer meio em que estiverem.
conta desse aspecto abordado por Nunes que se optou, nessa
pesquisa, pela análise lexicográfica de dois dicionários
Aurelinho e Dicionário Ilustrado de Português: uma análise
escolares infantis ilustrados: a) Dicionário Ilustrado de
Português. b) Aurelinho – Dicionário Infantil Ilustrado da
lexicográfica
Língua Portuguesa. O trabalho de pesquisa refere-se à análise
Sandra Cristina Miotto de Gouvêa (PG/UFMS)
lexicográfica desses dicionários com base em toda estrutura
O dicionário é um instrumento de referência que a maioria das
pessoas conhece desde a infância. No Brasil, em geral, os
primeiros contatos com essa obra ocorrem na fase de
alfabetização, pois ele é utilizado como meio de verificação da
ortografia
das
palavras,
dos
diferentes
significados
apresentados, dos sinônimos que podem ser encontrados, da
separação silábica e até das ilustrações. No entanto, a consulta
ao dicionário nem sempre se torna fácil, pois os alunos acabam
por apresentar certo grau de dificuldade em compreender ou
encontrar as informações pretendidas. Partindo do pressuposto
de que o dicionário é um discurso produzido para determinado
apresentada por cada um deles, partindo da análise do seu
material anteposto, interposto e posposto. O interesse pelos
dicionários escolares infantis selecionados surgiu de uma
inquietação em relação ao uso ou não desses dicionários nas
escolas da rede pública e particular e também pelo fato de
considerar esse tipo de dicionário como o alicerce fundamental
em todo processo de alfabetização e escolarização. Com base
numa análise superficial questiona-se se tais obras poderiam ser
consideradas como instrumentos de apoio à alfabetização e às
séries iniciais. E ainda se teriam sido elaboradas segundo as
necessidades de seu público-alvo, considerando as condições
137
de produção do discurso: quem produz, o que produz, para
estudo e a relevante contribuição dada pela Lexicografia a todo
quem produz e em que situação é produzido. Essa observação
usuário da língua, bem como considerar a definição do objeto,
inicial das obras resultou em dois questionamentos que
que é o dicionário como uma forma de discurso. Como segunda
serviram de base para questionamentos posteriores: O
etapa, há a apresentação de um perfil do usuário ideal do
dicionário escolar infantil, enquanto objeto pedagógico e
dicionário escolar infantil, já que a discussão do objeto de
discursivo
possui
pesquisa não é possível sem considerar a perspectiva, as
características que permitem distingui-lo como tal? Quais são
necessidades e habilidades do usuário. Há ainda a preocupação
os critérios de elaboração e/ou redação desses dicionários?
em apresentar, propor e discutir um modelo de descrição, bem
Diante desses questionamentos pertinentes, a pesquisa busca
como de análise dos aspectos observáveis dos dicionários
contribuir para uma necessária crítica lexicográfica desse tipo
selecionados.
de dicionário, com a finalidade de explicitar como esses
identificar as características do tipo de dicionário pesquisado,
dicionários se apresentam e se eles correspondem às
perpassando e discutindo a apresentação da estrutura de cada
necessidades do usuário, que é o público infantil, e às
objeto e verificando se há ou não a adequação dessas obras aos
definições impostas pela Lexicografia. Expostos os principais
critérios do modelo proposto. A pesquisa preocupou-se ainda
objetivos do trabalho, cabe salientar que a pesquisa possui
em traçar um panorama geral do desempenho de cada um dos
como estrutura geral algumas etapas assim distribuídas: numa
dicionários analisados, com a finalidade de retomar alguns
primeira etapa há uma coleta de dados sobre a história do
objetivos propostos, algumas hipóteses, algumas considerações
dicionário, ou seja, para que melhor se possam definir o
e conclusões.
destinado
a
um
público
específico,
Posteriormente,
há uma preocupação em
dicionário como discurso, faz-se necessário estabelecer e
identificar as bases históricas de sua constituição. Essa revisão
A Linguagem Escrita: considerações sobre a produção textual
bibliográfica permite identificar a importância desse tipo de
do ensino fundamental
138
Anaísa Nantes de Araújo (G- UEMS)
Elza Sabino da Silva Bueno (UEMS)
Um dos obstáculos que a educação brasileira enfrenta, é à
dificuldade que os alunos têm ao escrever e interpretar um
texto, por mais simples que seja. Neste sentido, quando o
professor se propõe a trabalhar produção de textos em sala de
aula sabe que ouvirá depoimentos sobre as reais dificuldades de
escritura dos alunos, apesar destes, na maioria das vezes,
exporem oralmente suas idéias com clareza e coerência. Se o
aluno tem alguma dificuldade de aprendizado que não é
solucionada, pode carregá-la por toda a sua vida, prejudicando
seu desenvolvimento lingüístico e cultural. Por isso, a
interferência do professor é imprescindível no sentido de apoiálo na realização de suas produções textuais. Com o propósito de
aprimorar a linguagem escrita, e desenvolver a capacidade de
utilizar essa linguagem na produção de diferentes tipos de
textos, buscamos apontar algumas características do processo
de elaboração de textos escritos por alunos do Ensino
Fundamental, visando verificar o uso de alguns elementos
básicos de textualidade presentes nos referidos textos.
PALAVRAS-CHAVE: Produção textual, linguagem escrita.
139
ARTIGOS
(segue ordem da programação)
MESA REDONDA: Modalidades Discursivas em Suporte
Digital
Profa. Dra. Maria Conceição Alves de Lima
(UEMS\UNICAMP)
11:00 às 13:30 hs. - Almoço
19:00 às 20:00 hs. – Lançamento de Livros
Textualidade
e
Ensino:
os
aspectos
lógico-semântico-
cognitivos da linguagem e o desempenho discursivo escolar Ed. Da UNESP
Maria Conceição Alves de Lima (UEMS)
Discurso, Alteridade e Gênero – Ed. Pedro e João
Vânia Maria Lescano Guerra e Edgar Nolasco (orgs) (UFMS)
140
(Re) Criação do Campesinato, Identidade e Distinção - – Ed.
UNESP
Esquecimento, Interpelação e Exclusão Social
Rosemeire Aparecida de Almeida (UFMS)
Prof. Dr. José Lauro da Cunha (UNEMAT)
20:00 às 21:30 – Apresentação Cultural
O Discurso da Exclusão em Plínio Marcos
Grupo Vocal Vida e Voz
Prof. Dr. Wagner Enedino Corsino (UFMS)
Coordenação: Prof. Msc. Fernandes Ferreira (UEMS)
Uma Introdução à Identidade do pedófilo
21:30 hs. – Palestra: Análise do Discurso: Limites e
Prof. Msc. Paulo César Tafarello (UFMS/UNEMAT)
Perspectivas
Prof. Dr. Wendencley Alves Santana
8:00 às 9:00 hs. – Mesa redonda B
(UNICAMP/CAPES/UNIVERSO)
Movimentos Sociais em Análise do Discurso: Entre campo e
Dia 03\05\2007
cidade
8:00 às 9:30 hs. – Mesa redonda A
Profa. Dra. Maria Celma Borges (UFMS)
Profa. Dra. Rosimeire Aparecida de Almeida (UFMS)
Identidade, Exclusão e Minorias
Prof. Dr. Vitor Wagner Neto de Oliveira (UFMS)
Identidade, Exclusão e Minorias
9:15 às 11:30 hs. Mesa –Redonda
Profa. Msc. Kassandra Muniz (UNICAMP)
141
Língua e Discurso: Contribuições Bakhtinianas
Carlos Magno Viana Fonseca (PG/UFC)
Profa. Dra. Marina Célia Mendonça (UNIFRAN\UNI-FACEF)
Um debate sobre a língua na Mídia segundo a perspectiva
Questões de Identidade e Representações Sul Matogrossenses
Bakhtiniana
Anailton de Souza Gama (UFMS/UEMS/FINAN)
Profa.
Dra.
Jauranice
Rodrigues
Cavalcanti
Mesa 2
(METROCAMP\UNICAMP)
“O Uso de Genéricos e os “Apagamentos” em Saúde do
As Contribuições de Bakhtin para o Discurso
Trabalhador”
Alessandra Moreno Maestrelli (PG/USP)
14:00hs às 15:00hs.Comunicação Individual e Coordenada
“O Idoso "Excluído" no Bolsão Sul-Matogrossense: a
Mesa 1
identidade em questão”
Terror em São Paulo e Terror na Mídia
Yara de França Catarino Barros (PG/UFMS)
Vânia Maria Guerra Lescano (UFMS)
Jefferson Barbosa de Souza (PG/UFMS)
Gravidez na Adolescência: uma questão de efeito de sentido
Irani Fonseca Francisco (G/UEMS)
Considerações sobre o Discurso de Garotas de Programa
Romilda Meire Souza Barbosa (PG/UFMS)
Mesa 3
O Processo de Monotongação no Português Falado em
“A Linguagem Habita Lalangue”: O equívoco do dizer e a não-
Dourados-MS
coincidência das palavras consigo mesmas
Elza Sabino da Silva Bueno (UEMS)
142
O Bom e o Mau Poeta: o ethos nos prólogos de Terêncio
Estudo Sociogeolingüístico do Município de Iguape
Nahim Santos Carvalho Silva (PG/USP)
Roseli da Silveira (PG/USP)
A Reciclagem de Discursos em Quarto de Desejo, de Carolina
Mesa 4
Maria de Jesus
Diálogos Bakhtinianos entre o Cinema de Spielber e o
Letícia Pereira de Andrade (PG/UFMS/CPTL)
Romance de Kafka. Forças Hegemônicas em Discussão
Ivo Di Camargo Júnior (PG/UFSc)
Entre o Asilo e o Exílio, a Condição da Literatura no Universo
Midiático
Volmir Cardoso Pereira (PG/UFMS)
A linguagem Jurídica numa Perspectiva Pragmática: análise de
Texto do STF
Daniel de Mello Massimino (PG/UFMS)
A Linguagem do Direito
Paula Abrão da Cunha (G-UEMS)
Mesa 5
143
A RECICLAGEM DE DISCURSOS EM QUARTO DE
DESPEJO, DE CAROLINA MARIA DE JESUS
Letícia Pereira de Andrade
(PG/UFMS/CPTL)
RESUMO:
A
finalidade
deste
trabalho
é
discutir
a
problemática acerca da tensão produzida por variações de
discursos, que cedem forma à experiência narrativa da “poeta
do lixo” Carolina Maria de Jesus em seu diário Quarto de
despejo (1960). A escritora reciclava lixo para comer, assim
como reciclava discursos em sua poética dos resíduos. Dessa
forma, pela reciclagem, reestrutura um novo sentido para nosso
sistema social no campo da arte escrita.
PALAVRAS-CHAVE: reciclagem de discursos; Quarto de
despejo.
ABSTRACT: The purpose of this work is to discuss the
problem concerning the tension produced by variations of
speeches, that give up form to the narrative experience of the
144
"garbage's poet" Carolina Maria de Jesus in her diary Quarto
intuito de denunciar a miserabilidade da vida favelada e
de Despejo (1960). The writer recycled garbage to eat, as well
ascender socialmente vendendo sua literatura, Carolina escreve
as recycled speeches in her poetic of the residues. In that way,
seu diário.
for the recycling, it restructures a new sense for our social
Diante da visão de que a maioria dos pobres de nosso
system in the field of the written art.
país não possui acesso à escritura e que literatura para os
KEYWORDS: recycling of speeches; Quarto de despejo.
pobres constitui-se como um trabalho quase impossível,
procuramos compreender como a “catadora” de lixo Carolina
1. Carolina Maria de Jesus: catadora de lixo e de palavras
Maria de Jesus realizou sua escrita. Notamos que, assim como
Carolina de Jesus reciclava lixo para comer, reciclava discursos
Os poetas encontram
numa poética de resíduos.
o lixo da sociedade
Para nós, a narrativa caroliniana se vale de uma
nas ruas e no próprio
reciclagem de linguagens e de idéias que consome vorazmente
lixo o seu assunto
em sua ânsia de escrever. Carolina é tomada por uma grande
heróico.
ansiedade descritiva, uma ansiedade de transcrever, de
(BENJAMIN)
fotografar pela escrita o mundo que a rodeia. A necessidade de
reproduzir todas as falas, colocar o nome completo das pessoas,
Carolina Maria de Jesus, autora de Quarto de despejo:
o endereço, onde trabalham etc., decorre da encenação do pacto
diário de uma favelada, como o próprio subtítulo sugere: foi
autobiográfico e de referência (LEJEUNE, 1998), um modo de
moradora de uma favela, especificamente, da favela do
conferir veracidade ao que relata.
Canindé em São Paulo, na década de 50 do século XX. Para
Nessa ânsia, ocorre o que Bakhtin (1993) denominava
sobreviver com os seus três filhos catava lixo nas ruas. Com o
dialogismo: a voz do eu dessa narrativa desabrocha como um
145
desdobramento das demais, pois a narradora se preocupa em
letrados. Assim Carolina de Jesus situa-se entre dois grupos
discutir, refletir e julgar a partir de comentários (quando se
culturais, entre dois conjuntos semânticos com base em dois
refere a alguma circunstância vivida) ou textos alheios que
estilos de escrita: a norma culta da língua portuguesa que
possam vir a “explicar” sua condição social:
procura seguir e o desvio lingüístico da fala marginal. Nessa
engrenagem surgem a imitação da forma romanesca e a
14 de setembro: ...Hoje é o dia da páscoa de
oralidade (linguagem falada na favela), ou seja, o preciosismo
Moysés. O Deus dos judeus. Que libertou os
da escrita clássica misturado com o desvio lingüístico da fala
judeus até hoje. O preto é perseguido porque
marginal, os provérbios, os ditados populares e até passagens
a sua pele é da cor da noite. E o judeu porque
bíblicas: um tipo de bricolagem discursiva.
é inteligente. Moysés quando via os judeus
descalços e rotos orava pedindo a Deus para
2. Bricolagem discursiva
dar-lhe conforto e riquesas. É por isso que os
judeus todos são ricos. Já nós os pobre não
tivemos um profeta para orar por nós.
(JESUS, 2005: 107-108).
O espaço da literatura caroliniana está limitado a sua
O bricoleur é aquele
que trabalha com
suas próprias mãos.
(LÉVI-STRAUSS)
parca formação escolar e as leituras que pôde fazer com jornais
e livros encontrados nos lixos (em Quarto de despejo cita
Castro Alves e Casimiro de Abreu). Carolina cursou apenas o
segundo ano primário, contudo tinha em mente escrever para os
O trabalho literário de Carolina de Jesus se
compara a de uma bricoleur, que usa o material lingüístico
146
que dispõe, para a construção de uma narrativa de resíduos e
bricoleur põe-lhe sempre algo de si mesmo
de sua identidade, numa irrestrita imbricação de códigos.
(1970: 42).
Segundo Lévi-Strauss (1970), a poesia da
bricolagem é própria de organizações sociais que, diferentes
de uma lógica científica, estão mais próximas de uma
configuração de significados palpáveis, pois decodificam os
sentidos no dia-a-dia. São criações que emergem de novos
arranjos de fragmentos formalizados. Em Carolina, as
sucatas literárias já enferrujadas, que transforma em nova
literatura, constituem uma força intelectual que imprime um
sentido para sua vida. Vale lembrar a importância da
ressignificação, que esse tipo de poesia libera, segundo o
antropólogo francês:
A narrativa de Carolina de Jesus não fixa moradia
em nenhum local, pois não segue nenhum modelo dado, mas
recria seu cotidiano, no qual a favela é a metáfora da cidade
decadente. Toda a desordem da economia capitalista é
reciclada culturalmente pela escritora. E, em seu cruzamento
interdiscursivo, renova práticas culturais na forçosa aliança
que faz com antigos códigos.
No que tange ao universo vocabular em Quarto de
despejo, as palavras ali empregadas vão desde reproduções
de modelos jornalísticos, da década de 1950, aos clichês de
best-sellers de bolso, vendidos em bancas. Ela capta,
(...) não se limita a cumprir ou executar; fala
também, o português mais formal de grandes literaturas -
não somente das coisas, (...), como também
inhospitos, leito, abluir-me, jantar...-, incorrendo,
por meio das coisas: contando, pelas
freqüentemente, a erros gramaticais.
escolhas que faz entre possibilidades
limitadas, o caráter e a vida de seu autor.
Sem jamais completar seu projeto, o
Assim, essa obra possibilitou a transmissão de um
novo tipo de mensagem, porque quando aliou códigos
dominantes e de oralidade, passando-os para a escrita, sua
147
expressão se tornou significativa para a história de nossa
polifônica
linguagem e literatura, dando voz aos favelados. Este rumor
(LEJEUNE).
arranha e machuca os ouvidos “bem educados” e delicados
da elite, mas por outro lado aguça a curiosidade daqueles
O diário de Carolina Maria de Jesus tem uma
que se reconhecem em suas palavras. A narrativa de
composição, uma tessitura discursiva muito rica. Nas narrativas
Carolina nos faz mergulhar no mundo imediato, na ação em
do gênero memorialístico, o discurso predominante é o do
si de um favelado.
autor-narrador, pautado sobre as reminiscências e reflexões
A narrativa de Carolina fragmenta-se em várias vozes
de acordo com as situações que se seguem no desenrolar do
cotidiano. Todo conflito ocorre porque uma favelada
inusitadamente se dispõe a ler e a escrever. Assim essa
literatura pode ser definida como híbrida, complexa e
dialogizada por modificações, assimilações e imitação de
discurso de outrem, nas capturas que faz em seu cotidiano.
sobre o passado, às vezes com inserções no presente e
antecipação do futuro, feitas em primeira pessoa, e com rara ou
total ausência de discurso direto. O diário de Carolina, ao
contrário, por privilegiar a forma discursiva fragmentada do
diário íntimo, alavancada no presente vivido pelo autornarrador, é composto em grande parte de diálogos sob forma de
“discurso citado”, ou seja, de reprodução do discurso direto,
deslocado no espaço e diferido no tempo.
É importante observar que a presença maciça do
3. Orquestração de vozes
discurso direto em Quarto de despejo corrobora o caráter da
Os diversos textos da
escrita pessoal são
vozes numa partitura
obra como marcada pelo seu tempo. Daí sua importância como
testemunho e sua força de denunciação política. Os diálogos
reportados pela autora-narradora reafirmam sua vinculação ao
contexto histórico da época, suas inserções no destino dos
148
favelados e as conseqüências disso. Por outro lado, reafirma a
literária, um verbo escrito que tivesse o poder de representar a
autoridade dessas outras vozes (contestadoras, discordantes,
diversidade e a mobilidade dos diálogos orais.
passivas, conformistas, sentimentais, íntimas, racistas e
Ecléa Bosi, em Cultura de massa e cultura popular:
agressivas), usando-as como sustentáculo para a avaliação do
leitura de operárias, diz que a transcrição da fala popular é
momento em que vive. Assim, não basta para a autora-
problemática, pois através da escrita se dá de “imediato a
narradora apenas comentar o preço da passagem, diretamente
diferença com relação à que chamamos fala culta”, mas
no diário, ativando a instância de interlocução. Carolina
acrescenta que esta se não se realiza no abstrato da escrita, se
precisa, na verdade, reportar a opinião de outros moradores que
realiza perfeitamente no concreto, pelos gestos, atitudes,
exercem, nesse caso, a função de testemunha ocular do fato.
entonações que a acompanham. Por outro lado, Ecléa Bosi
Desse modo, ela reativa o pacto de autenticidade (LEJEUNE,
também descreve nossa atitude de pesquisador diante dessa
1998) ao citar o emissor do discurso citado, seu nome ou
linguagem, de nossa posição de classe da qual é impossível
profissão, e muitas vezes até o endereço.
sair:
Os outros grupos sociais – os trabalhadores da fábrica
de doces, os funcionários púbicos, a imprensa, os transeuntes,
(...) que diremos de nós mesmos como
os passageiros do coletivo, Dona Julita, Seu Manoel, ou seus
interlocutores? Nós, cuja razão nega, mas
vizinhos racistas de Santana – são personagens cuja força só
cuja vida de todo dia aceita a divisão de
pode ser definida pela função que exercem no texto: caixas de
classes? Esse não da razão é acompanhado
ressonância, repetidores e fornecedores de matéria verbal,
pelo conjunto de nossas atitudes que dizem
matéria viva que compõe o universo de criação literária de
sim, sim, sim, ao sistema. (BOSI, 1981: 15).
Carolina de Jesus. Ela criou uma estética capaz de retrabalhar
esse material, ou seja, capaz de constituir uma linguagem
149
Carolina cria, pois, uma orquestração discursiva que
saber do mundo. Este é o universo das máximas, das falas e
representa a complexidade em que vive: o mundo da oralidade,
ditos populares, dos provérbios que ela adorava (“recordei o
dos encontros e desencontros da favela (brigas, histórias: “...
meu provérbio: não há coisa pior na vida do que a própria
Na favela tudo circula num minuto. E a notícia já circulou que
vida” – JESUS, 2005: 145), das quadrinhas satíricas contra os
a D. Maria José faleceu” – JESUS, 2005: 29) em contradição
políticos (“Político quando candidato/ Promete que dá
com as notícias veiculadas pela imprensa escrita, com as
aumento/ E o povo vê que de fato/ Aumenta o seu sofrimento!”
leituras dos livros de poesia.
- JESUS, 2005: 118), e das infâmias do cotidiano do final dos
Essa trama discursiva é constituída de um discurso
anos 50, no Brasil, como o aumento de preços, o desemprego, o
híbrido, por sua vez, de discurso direto, citado na forma de
sofrimento do pobre etc. Mas também é a esfera da construção
representação dos diálogos, e do discurso narrativo em primeira
estilística das metáforas, da ironia e comparações (“vida do
pessoa (o discurso do autor-narrador é diferente do discurso das
brasileiro, é como roupa que rompe-se, que não tem conserto, e
personagens). Ou seja, o discurso é híbrido porque apresenta
a gente precisa dela”). A escrita de Carolina é irônica, apesar
marcas de discurso direto (travessões, dois pontos, aspas) e de
do tom de tristeza que muitas vezes toma conta de sua
discurso indireto (frase subordinada, verbo declarativo, como
narrativa:
no exemplo “ele disse-me que”). Muitas vezes, Carolina servese de recurso estilístico característico do romance: a reprodução
(...) Nós somos pobres, viemos para as
do diálogo com o uso do travessão, marcas típicas do discurso
margens do rio. As margens do rio são os
direto citado, para cada fala, sem verbo declarativo; porém, às
lugares do lixo e dos marginais. Gente da
vezes descarta o uso do travessão.
favela é considerado marginais. Não mais se
A esfera do discurso do autor-narrador é de longe a
mais interessante, pois é aqui que Carolina desvenda o seu
vê os corvos voando a beira do rio, perto dos
150
lixos,
os
homens
desempregados
substituíram os corvos. (JESUS, 2005: 48).
É importante ressaltar que o diário Quarto de despejo
fala de um eu, com vida extratextual comprovada, que morava
na favela do Canindé, o qual anota periodicamente, com o
Na favela é tão duro que “Já se foi o tempo que a
amparo de datas e de uma maneira fracionada, um conteúdo
gente engordava” (JESUS, 2005: 113). Mas na favela, apesar
muito variável, “as lambanças dos favelados”, mas que
das dificuldades, das tristezas, do esforço e do cansaço
singulariza e revela esse eu-narrador.
cotidianos, ouve-se a voz satírica da narradora: “O senhor
Ao nível do discursivo há diferenças entre as próprias
Sampaio quando era vereador em 1953 passava os domingos na
vozes carolinianas. Quarto de despejo é escrito, narrado e vivido
favela. Tomava nosso café, bebia nas nossas xícaras. Ele nos
por três diferentes figuras: a autora, a narradora e a protagonista,
dirigia as suas frase de viludo (...) e quando candidatou-se a
todas chamadas Carolina Maria de Jesus. A autora, em primeira
deputado venceu. Não nos visitou mais” (JESUS, 2005: 16–
instância, é dona do discurso que constrói uma narradora séria,
grifo nosso para mostrar Carolina se incluindo como favelada).
digna de credibilidade, em contraponto à protagonista “irreal”,
Há um desequilíbrio, pois ao mesmo tempo em que
volúvel. No texto, misturam-se as percepções da autora (que
Carolina se inclui neste grupo tem a vontade de denunciar a
deseja denunciar a realidade circundante), da narradora (que
realidade circundante, por isso a narradora se vê às vezes como
conta sentindo-se “despertencida” da favela) e da personagem
fora da favela: “O que eu observo é que os que vivem aqui na
(que vive como favelada).
favela não podem esperar boa coisa deste ambiente [...] todas
É interessante observar como Carolina narradora, em
as pessoas que residem na favela, não aprecia o lugar” (JESUS,
momento centrado, reflete e trai Carolina personagem de
2005: 79– grifo nosso para mostrar a auto-exclusão da
poucas páginas antes, que divaga poeticamente sobre sua
narradora).
realidade. As mulheres da favela e os episódios (até pitorescos)
em que estão envolvidas são apresentados por meio dos olhares
151
da autora (que assiste e cria), da narradora (que conta) e da
na favela, para que os moradores fossem buscar um prêmio
personagem (que vive) e constituem uma grande fonte de
surpresa para seus filhos numa festa, a festa de Zuza, na rua
contradições. (cf. ARAGÃO, 2005: 108) A narradora se
Javaés 771. Observa-se que, apesar de condenar as mulheres
encarrega de salvar
a protagonista das características
faveladas, no excerto acima, por se submeterem ao “sustento
lamentáveis das mulheres com quem compartilha o ambiente
indigno” oferecido por associações de caridade, Carolina
da favela. A personagem, por sua vez, mostra que é mais uma
favelada, agora confusamente narradora e personagem, rende-
dessas mulheres, que inevitavelmente é parte do grupo. No
se ao “ganho fácil” do assistencialismo:
trecho abaixo, observa-se a primeira faceta dessa contradição:
Devido eu ter bajulado inconcientemente o
As mulheres que eu vejo passar vão nas
senhor Zuza, ele deu-me varios pães. Contei
igrejas buscar pães para os filhos. (JESUS,
até seis.
2005: 34).
(JESUS, 2005: 62).
Meus filhos não são sustentados
Na igreja eu ganhei dois quilos de macarrão,
com pão de igreja. Eu enfrento
balas e biscoito. (JESUS, 2005: 67)
qualquer espécie de trabalho
para mantê-los. E elas tem que
mendigar. (JESUS, 2005: 14)
Verifica-se que existem passagens do livro que
mostram posicionamentos, relatos, diferentes discursos que
levam o leitor de maneira fragmentada ao universo ambíguo do
Carolina Maria de Jesus sai da condição de favelada
dependente para se dizer mulher responsável pelo seu próprio
sustento e de seus filhos. Adiante, narra uma entrega de cartões
texto caroliniano.
A oralidade na obra de Carolina está, pois, no seu
desdobramento da personagem. A circulação da personagem
152
Carolina por diversos locais na favela ou na cidade traz para o
De acordo com Bakhtin (1993), o plurilingüismo
diário tudo o que se estava falando em São Paulo e no Brasil –
social – as diversidades das linguagens do mundo e da
e também no mundo – naquele momento. É por meio das
sociedade – é representado no romance de forma impessoal
andanças que Carolina se inteira sobre os temas da vida
(através do diálogo com os gêneros literários ou extraliterários),
nacional da época para depois retratá-los no diário. Trata-se de
ou de forma direta por intermédio das falas das personagens, do
demissões em massa, congelamento de preços, inflação,
discurso do narrador ou ainda do autor, que juntos geram um
inauguração de Brasília e mais uma série de notícias que são
diálogo permanente entre todas as instâncias da narrativa.
veiculadas pela mídia e que ela lê diretamente na banca de
jornal:
Assim, no romance, não há uma linguagem única,
mas
uma
“instabilidade
dialógica”
que
é
a
própria
representação do funcionamento da linguagem no mundo, com
8 de agosto
relação a sua diversidade e à tensão que é gerada entre todos os
Saí de casa as 8 horas. Parei na banca de
seus tipos: “o plurilingüismo, desta forma, penetra no romance,
jornais para ler as noticias principais.
por assim dizer, em pessoa, e se materializa nele nas figuras das
(JESUS, 2005: 95)
pessoas que falam, ou, então, servindo como um fundo ao
diálogo, determina a ressonância especial do discurso direto do
A teoria bakhtiniana da linguagem romanesca pode
romance”. Ou seja, “o principal objeto do gênero romanesco,
nos servir de embasamento para a análise da orquestração de
aquele que o caracteriza, que cria sua originalidade estilística é
vozes retratada pela autora em seu diário. Apesar de não tratar
o homem que fala e sua palavra” (BAKHTIN, 1993: 134).
de romance, o diário, ao reproduzir as falas de outros
Todavia, não podemos esquecer que esse homem que
personagens, o faz de acordo com a prática romanesca da
fala no romance é um ser social e que, portanto, seu discurso é
reprodução do discurso.
feito em uma linguagem social e não em um dialeto individual,
153
o que equivale dizer que o “sujeito que fala no romance é
– É que eu tinha fé no kubstchek.
sempre, em certo grau, um ideólogo, e suas palavras uma
(JESUS, 2005: 35)
ideologia” (BAKHTIN, 1993: 134).
Conforme Bakhtin, uma das características intrínsecas
Em 1958, fala-se, sobretudo, do Prefeito de São
ao romance é o emprego da linguagem enquanto representação
Paulo, Ademar de Barros, e do Presidente da República, JK:
de estilos, de linguagens dos diversos meios sociais, e,
“Juscelino esfola!/Adhemar rouba!/Jânio mata!/A Câmara
sobretudo, enquanto linguagem representada, metalinguagem,
apóia!/E o povo paga!” (JESUS, 2005: 116). A imagem do
propriedade esta que lhe confere seu valor artístico, uma vez
governo é representada, pela autora-narradora, por um cachorro
que todo romance “é um sistema dialógico de imagens das
que morde o próprio rabo, o que é uma metáfora clara da
linguagens, de estilos, de concepções concretas e inseparáveis
política nacional sempre às voltas com a questão social e com
da língua” (BAKHTIN, 1993: 371).
dificuldades sérias em seguir adiante com os projetos: “Você já
O diário de Carolina de Jesus é, pois, um burburinho
viu um cão quando quer segurar a cauda com a boca e fica
de vozes que opinam contra a favela e os favelados, como os
rodando sem pegá-la? É igual o governo do Jucelino!” (JESUS,
morados do bairro mais próximo (Santana), e outras que
2005: 118).
reclamam das mazelas que sofrem em conseqüência da má
condução da política brasileira:
A voz da autora-narradora está sempre sobreposta às
outras vozes reportadas no diário (de transeuntes, passageiros
do bonde, do ônibus, pessoas que, como ela, aguardam nas filas
– Pois é. A senhora disse-me que não ia mais
de doações de diversos lugares, como açougue, matadouro,
comer as coisas do lixo.
fábricas de salsicha e bolachas etc.). Por meio desse mosaico de
Foi a primeira vez que vi minha palavra
vozes, são desenhadas a opinião e a recepção que se tinha na
falhar. Eu disse:
época dos fatos políticos nacionais. Ainda que Carolina
154
defenda ou ataque nomes de políticos da época, essa visão é
Embora o relato de Carolina fosse interessado, porque
sempre contrabalançada por outras opiniões que ela retrata no
ela tinha um projeto de ascensão social pela literatura (“estou
diário. Assim, o leitor sempre tem vários comentários de vozes
escrevendo um livro para vendê-lo. Viso com esse dinheiro
diferentes:
comprar um terreno para eu sair da favela” – JESUS, 2005: 25),
de qualquer forma, isso não compromete o fato de que ela
– Senhor Germano, esta faixa é de que
reflete a opinião da maioria pobre. Ninguém dá ouvidos às
partido?
queixas da pobreza. Aliás, os moradores da favela do Canindé e
– Do Jânio!
da periferia da capital paulistana já conhecem o traçado: “os
Ela rejubilou-se e começou a dizer que o Dr.
políticos só aparecem em época de eleições”. Essa afirmativa é
Ademar de Barros é um ladrão. Que só as
repetida incansavelmente no diário. Ainda confirma a
pessoas que não presta é que aprecia e acata
incapacidade dos políticos de resolverem o problema da fome:
o Dr. Adhemar. Eu, e D. Maria Puerta, uma
espanhola muito boa, defendiamos o Dr.
Quando um político diz nos seus discursos
Adhemar. D. Maria disse:
que está ao lado do povo, que visa inclui-se
– Eu, sempre fui ademarista. Gosto muito
na política para melhorar as nossas condições
dele, e de D. Leonor.
de vida pedindo o nosso voto prometendo
A Florentina perguntou:
congelar os preços, já está ciente que
– Ele já deu esmola a senhora?
abordando este grave problema ele vence nas
– Já, deu o Hospital das Clínicas. (JESUS,
urnas. Depois divorcia-se do povo. Olha o
2005: 85)
povo com os olhos semi-cerrados. Com um
155
orgulho que fere a nossa sensibilidade.
seu diário, como um registro de fatos, um livro denúncia. Por
(JESUS, 2005: 34)
meio das outras vozes, Carolina busca legitimação para seu
discurso.
Por meio das diferentes vozes pode-se também medir
É interessante ver a mescla do discurso de Carolina
a popularidade do Prefeito e do Presidente. As vozes são uma
com o de pessoas de outras profissões e, sobretudo, como é
caixa de ressonância das notícias veiculadas pela mídia (rádio e
que, por meio desses diálogos na rua, entram no diário os
jornais). Carolina tem o refinamento de saber resumir as
discursos de outras esferas sociais, o jurídico, o legal, o político
diversas opiniões e de ressaltar aquelas que despertaram nela
etc., como é o caso da conversa com o guarda da prefeitura
algum tipo de reação: concordância, discordância, revolta etc.
quando reproduz um vocabulário técnico, próprio daquela área
As vozes que têm mais opinião sobre política não são
de trabalho: “inquilino”, “lei do inquilinato”, “rendas das
as da favela. Os moradores da favela são retratados por
propriedades municipais”. O poder público está presente por
Carolina quase sempre em relação às questões internas do
meio dos funcionários que circulam pelas imediações da favela:
Canindé: brigas, prostituição, disputas por espaço, querelas
fiscais municipais, funcionários dos correios, da Light, da
com os filhos da autora, comentários sobre outras questões
Polícia, da Rádio Patrulha, da imprensa (As Folhas da Manhã e
ligadas à promiscuidade da vida na favela, com relação à falta
daTarde, O Cruzeiro, Seleções do Rider´s Digest).
d’água, ao preço da luz, à sujeira, enfim, com relação às
Há um retrato do mundo do trabalho, dos proletários,
misérias do cotidiano na favela. É quando ela faz o percurso da
no diário. São vozes dos trabalhadores: o homem da salsicharia,
catação do lixo na “cidade jardim” que ela conversa sobre
o livreiro, Seu Manoel do empório, as lavadeiras do Rio Tietê,
política com várias pessoas que encontra. Ela instiga a
o guarda da prefeitura, policiais, os trabalhadores da Light, os
conversa, solicita o comentário, torna-se ouvinte. Essa atitude
operários da Prefeitura, empregado da livraria Saraiva. Esses
deliberada de Carolina tem a ver com o modo como ela encara
encontros representam uma ocasião de exibir seu conhecimento
156
– seu português “clássico”, seus modos “refinados”, como: “E
Eram sacos de arroz que estavam nos
exaltaram tanto que o Armim acabou premiando os designados
armazens e apodreceram. Mandaram jogar
pelas mulheres atrabiliarias que predominam”; “As pessoas de
fora. Fiquei horrorizada vendo o arroz podre.
espírito jocoso dizem que a favela é a cidade náutica”; “Ablui
Contemplei as traças que circulavam, as
as crianças, aleitei-as e ablui-me e aleitei-me”. Em algumas
baratas e os ratos que corriam de um lado
ocasiões, a utilização de palavras inusuais, para ela, provoca
para outro. Pensei: porque é que o homem
deslocamento de sentido: “A Dona Domingas recebe uma
branco é tão perverso assim? Êle tem
pensão do extinto esposo”. Por aí Carolina autora-narradora
dinheiro, compra e põe nos armazens. Fica
também justifica que merece um lugar melhor para viver, que
brincando com o povo igual gato com rato.
ela é diferente, especial, não é da favela. Ela não quer se incluir
(JESUS, 2005: 130).
no grupo dos não letrados, pelo fato de escrever se sente
superior, melhor do que as mulheres da favela do Canindé,
“usuárias das palavras de baixo calão”.
Percebe-se que a intelectual Carolina Maria de Jesus
usa as palavras como arma: “não tenho força física, mas as
Enfim, a partir da narrativa em forma de diário, a
minhas palavras ferem mais do que espada. E as feridas são
narradora passa a gerenciar tudo o que lhe acontece e como
incicatrisaveis” (JESUS, 2005: 43). Assim o livro seria o ponto
quer. Carolina, negra, catadora de papel e favelada, sentia-se
de estranhamento entre Carolina e os favelados e vice-versa.
diferente dos demais, porque dispunha da linguagem como uma
Escrevê-lo foi a “fuga quixotesca” que encontrou para tentar
arma de denúncia, apontando todos os aspectos negativos da
romper o fechamento do mundo em que vivia. Paradoxalmente,
vida na favela e as injustiças cometidas contra os miseráveis:
por meio das vozes carolinianas, percebemos que a favelada
sentia-se “despertencida” da favelada do Canindé, por isso foi
preciso, segundo a autora, arquitetar o “quarto”: “criar este
157
ambiente de fantasia, para esquecer que estou na favela [...]
repressão do governo, as formas de exclusão, a falta de justiça,
Como é horrivel pisar na lama [...] O único perfume que exala
as falhas na “democracia” e divagações poéticas de uma voz à
na favela é a lama podre, os excrementos e a pinga.” (JESUS,
contramão da história oficial, hegemônica. Dessa forma, pela
2005: 52).
reciclagem, Carolina reestrutura um novo sentido para nosso
sistema social no campo da arte escrita.
4. À Guisa de conclusão: a reciclagem arquiteta Quarto de
5. Referências Bibliográficas
despejo
A reciclagem de discursos em Quarto de despejo
ARAGÃO, Liana. Carolina Quer A Construção Intencional Do
exibe a memória de netos e bisnetos de ex-escravos, de
Discurso Pelo Uso Da Ambigüidade Em Quarto De Despejo.
migrantes nordestinos e de toda população brasileira de vida
In: Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos
pobre e, também, mostra o como vivem os da “cidade jardim”.
científicos - Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais. Rio
Assim Carolina, ao optar por descrever o que o leitor espera de
de Janeiro: Querubim Digital. Ano I, Vol. 01, Nº 01, ago/dez-
um diário de uma favelada, atende às expectativas, mas trai
2005. ISSN 1809-3264.
quando se posiciona no texto revelando ao leitor não um
espelho da favela, mas o reflexo bizarro de toda a sociedade
BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de estética (A
brasileira.
teoria do romance). São Paulo: Hucitec/Unesp. 1993.
Carolina de Jesus, catadora, bricoleur, recicla falas de
tantos outros, como também usa a sua imaginação na
construção de um “quarto” onde o leitor é capaz de descobrir
não somente a linguagem marginal da favela, mas também a
BOSI, Ecléa. Cultura de massa e cultura popular: leituras de
operárias. Petrópolis: Vozes, 1981.
158
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma
15:30hs. Às 17hs. Comunicação Individual e Coordenada
favelada. 8ª ed. São Paulo: Ática, 2005.
Mesa 6
LEJEUNE, Philippe. El pacto autobiográfico y otros estudios.
A Leitura no Ensino Fundamental
El mundo iluminado. Ciudad del México: Lumen, 1998.
Emílio Davi Sampaio (UEMS)
LÉVI-STRAUSS, C. O pensamento selvagem. São Paulo: Ed.
História Consica da Leitura no Mundo Ocidental
Nacional e Universidade de São Paulo, 1970.
Valter Ribeiro dos Santos Junior (G-UEMS)
Apelo Sócio-Cultural da Leitura
Rosimar Francelino da Silva (UEMS)
Os Benefícios da Leitura
Elizabete Maria dos Santos (G-UEMS)
Mesa 7
Linguagem: arco e flecha na caça ao sentido
Adilson Crepalde (UEMS)
159
LINGUAGEM: O ARCO E A FLECHA NA CAÇA
AO SENTIDO
Adilson Crepaldi (UEMS)
Resumo: Este trabalho consiste em uma reflexão sobre o
discurso
indígena
pronunciados
nas
Kaiowá
aty
e
Ñandeva,
guasu,
elaborados
assembléias
e
indígenas,
objetivando chamar a atenção para a complexidade desse
discurso, fazer algumas considerações sobre possibilidades
interpretativas e sobre aplicação de categorias e constructos
analíticos na análise desse discurso. As reflexões enfatizam a
importância do olhar etnográfico, de conhecimentos históricos
e antropológicos para a análise do discurso indígena. Chamam
a atenção para a política indígena como base para a construção
dos modos de ser dos referidos grupos étnicos bem como a
importância de se compreender a dinâmica dessa política em
qualquer
análise.
Este
trabalho
destaca,
ainda,
as
transformações históricas pelas quais passaram esses grupos
étnicos e a utilização da linguagem como instrumento de luta
na construção e manutenção de seus modos de ser.
160
Palavras-chave:
discurso
indígena,
categorias
éticas,
constructos analíticos, olhar etnográfico, política, linguagem.
Introdução
Abstract: This work consists of a reflection on the indigenous
Por ocasião da feitura de minha dissertação de
people Kaiowá and Ñandeva discourse, elaborated and
mestrado e de outros trabalhos de pesquisa, realizei trabalhos
pronounced in big assemblies named by them aty guasu. The
etnográficos com os grupos étnicos Kaiowá e Ñandeva1 do
objective of this work is to highlight the complex indigenous
Mato Grosso do Sul, objetivando compreender o modo de ser
discourse and reflect on the interpretative possibilities as well
desses indígenas e a maneira como constroem sentido e usam a
as on the possibilities of applying categories and analytical
linguagem. Estes trabalhos possibilitaram-me identificar a
constructs in the analysis of the indigenous discourse. The
construção de um discurso realizado em assembléias indígenas
reflections emphasize the importance of ethnographic works
cujo tema era a retomada das terras tradicionais. Chamou-me a
and historical and anthropological knowledge on the cited
atenção a habilidade dos oradores e a maneira ritualística de
indigenous groups. This work also stresses the indigenous
elaborar e pronunciar esse discurso na construção e defesa da
politics as basis for the construction of their way of being as
tese da retomada das terras tradicionais. Depois de ter
well as the importance of one comprehend the dynamic of this
detectado a recorrência do tema e a caracterização de uma
politics for any kind of analysis. This work underlines the
forma de produzir o discurso, percebi que não poderia me ater
historical transformation through which these indigenous have
somente à superfície lingüística nem simplesmente aplicar
been through and the use of language as fight instrument in the
conceitos e métodos da análise do discurso para refletir sobre
construction and maintenance of their ways of being.
ele. Percebi que para compreender a dinâmica da construção
Key words: indigenous discourse, ethical categories, analytical
constructs ethnographic works, politics,language.
1
Neste trabalho, grafam-se os nomes de grupos étnicos no singular em
consonância com a convenção antropológica.
161
daquele discurso e consequentemente dos efeitos de sentido,
simbólicas entre os referidos grupos étnicos e entre eles e os
teria de levar em consideração conhecimentos construídos a
não-índios, sobre as transformações históricas e sobre as
partir da Antropologia, da Sociologia e da História. Uma
estratégias desses indígenas face ao contato com os não-índios.
Antropologia, uma História e uma Sociologia que tentam captar
Além disso, tomei como base teórica as considerações de
a dinâmica da construção da vida social, dando ênfase ao
Maingueneau (1977, 2007), de Foucault (1985, 2005, 2000) e
processo e não a modelos analíticos pré-elaborados. Desta
de Derrida (1997, 2006). Na medida em que aplicava conceitos
maneira, para refletir sobre o objeto de estudo deste trabalho,
e reflexões dos referidos autores e baseava-me em trabalhos
lancei mão de conhecimentos adquiridos por meio de leituras
historiográficos, antropológicos e sociológicos sobre esses
etnográficas e historiográficas sobre os referidos grupos e do
indígenas, fui percebendo a importância de se refletir sobre o
referencial teórico utilizado por ocasião da feitura da minha
discurso indígena a partir do ponto de vista político. Para tanto,
dissertação de mestrado. Lancei mão das considerações de
segui as reflexões de Foucault (2005) sobre política como
Barth (1993) sobre fronteiras étnicas, de Bhabha (1998) sobre
maneira de se realizar as relações de poder que perpassam por
trocas simbólicas, culturas em contato e entre-lugar, de
todo o corpo social. Na medida em que refletia sobre o discurso
Bourdieu (1996) sobre a ritualização do discurso e voz de
indígena do ponto de vista político, percebia que corria menos
autoridade, de Maffesoli (1996) sobre pertença e construção da
risco em fazer análises superficiais que ajudam a cristalizar no
identidade, de Dixon (1997) sobre o contato entre línguas e de
imaginário brasileiro uma idéia genérica de indígenas como
Oliveira (1999) sobre a adaptação dos mitos às demandas
seres fossilizados, incapazes, indolentes, ingênuos e apolíticos.
históricas.
As reflexões sobre o discurso, neste trabalho, não
As leituras etnográficas, historiográficas e esse
visam a refletir detalhadamente sobre as leis do discurso e
referencial teórico ajudaram-me a refletir sobre a construção da
classificá-lo nesse ou naquele gênero nem identificar as vozes
identidade, das fronteiras étnicas, das trocas lingüísticas e
do discurso e demonstrar sua heterogeneidade, nem dar ênfase
162
pressupostos,
Os Kaiowá e os Ñandeva2 do Mato Grosso do Sul,
intencionalidades e interdiscursividade. Visam, antes de tudo, a
grupos étnicos falantes da língua guarani, reconheçam
salientar a maneira desses indígenas de manipular a linguagem
semelhanças lingüísticas, culturais, sociais, religiosas e
como instrumento de luta e construir sentido, chamando
econômicas
atenção para a complexidade dessa maneira de construir
diferenças que marcam suas fronteiras étnicas (Barth, 1987).
sentido e para as condições de possibilidade para construir
Tais diferenças, contudo, não impedem que se reúnam em aty
sentido, considerando a prática discursiva, mas também a
guasu3, aty, reunião, e guasu, grande, nas quais discutem
prática social. Muito embora, este trabalho não vise a uma
problemas comuns como saúde, educação e principalmente
análise detalhada do discurso indígena, a título de exemplo,
problemas referentes à retomada de suas terras.
a
marcadores
discursivos
e
determinar
entre
si;
entretanto,
reconhecem,
também,
será feita a análise de uma carta, escrita pelos indígenas em
A luta pela terra tem sido organizada nas aty guasu,
março de 2005, objetivando demonstrar a importância de uma
cenário político onde se inscrevem atores sociais para
visão multidisciplinar para se refletir sobre o discurso indígena.
2
Aty guasu: o lugar do discurso
Ñandeva é o termo que tem sido utilizado por alguns antropólogos e
historiadores. Os indígenas desse grupo étnico se autodenominam Guarani.
A opção pelo termo Ñandeva, nesse trabalho, tem a intenção de evitar
remissões aos Guarani de maneira genérica e marcar a diferença entre os
Ñandeva e os Kaiowá, tidos pela literatura como descendentes dos Guarani.
Alguns autores aceitam a tese de que estes grupos étnicos são descendentes
dos antigos Guarani e referem-se a eles como Guarani/Ñandeva e
Guarani/Kaiowá. Assunto polêmico que não cabe na extensão desse
trabalho. Basta aqui reafirmar que embora sejam falantes da língua guarani e
tenham semelhas culturais são grupos étnicos que se percebem enquanto
diferentes.
3
A aty guasu é uma assembléia que reúne indígenas dos dois grupos étnicos
e começou a ser organizada a partir da identificação de problemas comuns
entre eles. Almeida (2001) sugere que essas grandes reuniões começaram a
ser realizadas a partir da década de 1970 em decorrência da implantação do
Projeto Kaiowá e Ñanceva (PKN) que objetivava buscar alternativas de
sobrevivência para esses indígenas.
163
produzirem suas enunciações a partir de temas determinados
como manifestações em praça pública, gestões junto à
sócio-historicamente
da
procuradoria pública, cartas a políticos, à imprensa e a
eterna
autoridades de vários setores. Este discurso tem função política
construção/desconstrução do sentido, da estruturação de uma
inter-étnica, uma vez que se dirige aos não-índios, mas tem,
forma de vida, de uma maneira de pensar e de simbolizar, na
também, função política intra-étnica, pois por meio dele se
busca, enfim, da significação. É nesse cenário que toma forma
estabelece a correlação de forças entre os dois grupos étnicos e
um discurso, pronunciado segundo as orientações das
a correlação de forças entre os membros do mesmo grupo
formações discursivas (Foucault, 1985) Kaiowá e Ñandeva.
étnico. Muito embora o discurso seja pronunciado e validado
instalação
da
(Maingueneau,
palavra
e
da
1977).
É
contra-palavra
lugar
na
O que é dito na aty guasu não pode ser feito de
qualquer maneira, deve ser pronunciado em guarani, ainda que
na aty guasu, é construído no dia-dia com a possibilidade da
participação de todos.
não seja mais, como dizem, o guarani puro, o guarani dos
O discurso da aty guasu é marcado pelo espetáculo da
antigos, mas uma língua marcada pelo contato com o português
heterogeneidade das vozes, manifestas nos jogos políticos,
e com o espanhol falados na fronteira entre Brasil e Paraguai.
motivadas pela necessidade de se encontrar respostas para os
Uma língua, um rastro, (Derrida, 2006) que revela a luta e as
problemas desse momento histórico. Embora todos participem
estratégias dessa luta em defesa de um modo de ser; um rastro
da construção do discurso, a tarefa de articulá-los é
que comunica, mas que também “descomunica” por meio de
incumbência de alguns, lideranças, vozes de autoridade
ambigüidades e ambivalências. Os oradores combinam
(Bourdieu, 1996) ou pessoas que estão se construindo como tal,
símbolos lingüísticos e não-lingüísticos como gestos, adereços,
o que requer habilidade em usar a palavra, ñe’e, termo que
encenações, tons e ritmos de voz e usam toda sorte de recursos
significa também alma. Manter-se vivo é manter a alma em
argumentativos na elaboração do discurso para defenderem a
equilíbrio, ou seja, viver é saber dar significado à palavra-alma
tese da retomada da terra e na elaboração de estratégias de luta
inscrita no corpo, é saber entrelaçá-la a outras palavras-almas
164
na tessitura do “corpo-texto” social, segundo um modo de ser.
espíritos que interagem com os humanos. Esta noção de terra
Nesse sentido, o simbólico e a prática social se interpenetram e
demarca a diferença entre indígenas e não-índios, sugerindo
ambos recebem um fechamento mítico, pois toda e qualquer
que os indígenas tratam a terra com respeito, enquanto os não-
ação deve, necessariamente, ainda em nossos dias, ser
índios a maltratam. Ultimamente, essa noção tem sido
entrelaçadas ao mundo sobrenatural.
reforçada por meio de argumentos ecológicos, aprendidos junto
A aty guasu não tem validade sem a presença de
aos não-índios, que ajudam a construir os efeitos de sentido.
líderes religiosos. E o discurso não tem eficácia se
Desta maneira, enfatizam que não utilizam agrotóxicos, não
desvinculado da dimensão religiosa e do ritual da aty guasu, o
poluem os rios, preservam as matas e os animais, etc.
que implica na presença de ouvintes como interlocutores que
A essa noção de terra agregam ainda conhecimentos
interferem no momento do pronunciamento e que se
históricos, reafirmando que são os legítimos donos das terras
posicionam por meio de votos. A terra é o tema do discurso e a
brasileiras, usurpadas por portugueses e espanhóis que a
premissa básica para a construção do modo de ser no plano
privatizaram e a cercaram. Nesses discursos destacam também
discursivo. É referida como condição sine qua non para a
a história da luta e os que morreram na luta pela terra. Por fim,
manutenção da vida Kaiowá e Ñandeva. Segundo esse
enfatizam os direitos conquistados na constituição de 1988 e a
discurso, problemas como prostituição, fome, doenças e
morosidade no desenrolar dos processos referentes à terra,
violência decorrem da falta da terra. Porém, não é toda e
responsabilizando o poder público pelos males que afligem os
qualquer terra que reivindicam, mas os antigos tekoha, terras
indígenas.
tradicionais, onde viveram seus avós. O termo tekoha não é
usado com o significado de terra tradicional, apenas, mas com
o significado de terra onde se constrói o modo de ser, dando
ênfase à noção de terra como lugar sagrado povoado de
Cuidados com a análise do discurso indígena
165
Esse discurso pode, à primeira vista, ser caracterizado
torna-se profícuo ao se considerar as observações de Foucault
como político por se referir ao futuro dos grupos indígenas, por
sobre política, enquanto estratégia de jogos de poder que
ser um discurso deliberativo (Aristóteles, Arte Retórica e Arte
circula pelo corpo social (Foucault, 2002). Este é o ponto de
Poética, s/d). Por enfatizar a diferença entre indígenas e não-
partida do qual se pode refletir melhor sobre o discurso
índios, estabelecendo uma tensão, uma polêmica entre uns e
indígena, antes de qualquer segmentação em discurso político,
outros, por defender um conjunto de valores (Bakhtin, 1992).
religioso, pedagógico, de classe, etc.
Por ser marcado pela heterogeneidade das vozes, por lançar
Tudo está interligado no mundo indígena. Uma
mão de recursos retóricos e estratégias argumentativas, enfim,
simples reza e um canto, aparentemente despretensioso, podem
por ser possível encontrar nele as características que definem o
ter função política. É preciso pensar política como jogo na
campo do discurso político. Contudo, ao se empregar a
correlação de forças e na manutenção do estar juntos. Política
categoria político, enquanto categoria ética genérica para
como possibilidade de elaborar sentido e uma forma de viver, o
classificar o discurso indígena em gêneros e melhor controlá-lo,
que implica em levar em consideração as relações entre
pode-se minimizar a dinâmica da construção da vida social e da
indivíduos atravessados por uma forma de ser e que se
prática discursiva Kaiowá e Ñandeva que se realizam por meio
comportam por meio de regras implícitas, determinadas sócio-
de jogos políticos que tem características próprias. O discurso
historicamente que possibilitam que o jogo seja jogado. Essa
indígena deve ser compreendido como um todo que se
dinâmica deve ser compreendida para além do viés
configura como um instrumento de luta sócio-historicamente
logocêntrico que concebe o ser humano como indivíduo regido
construído, por ser uma forma de construir sentido diferente de
por leis apriorísticas e que conscientemente formam grupos
outras, a partir das quais se configura e contra as quais se
sociais; para além do viés metapsicológico que idealiza o ser
afirma. Por outro lado, incluir tal discurso como político para
como resultado da dialética entre pulsão de vida e pulsão de
compreender o fio que tece o modo de ser Kaiowá e Ñandeva
morte; para além do viés social que parte do pressuposto da luta
166
de classes, para além do viés econômico que reduz toda e
interpretação pode levar à descrições a-históricas de estruturas
qualquer socialização a partir da divisão do trabalho.
estáticas que permanecem no tempo e que determinam a
Compreender essa dinâmica é considerar que há
História. O mito, ao contrário, é uma construção histórica que
também um prazer sócio-historicamente construído no e pelo
se modifica no tempo, uma racionalidade que parte sempre da
estar juntos (Maturana, 1999); é compreender que há uma
influência das forças sobrenaturais, mas que existe para criar
necessidade de pertença (Maffessoli, 1996) que inclui, no caso
sentido para os fazeres terrenos e partir do fazeres terrenos.
dos indígenas, uma pertença em nível sobrenatural. Esses
Mitos também não são estórias irracionais criados por seres
movimentos de construção da vida social se entrelaçam por
irracionais que se encontram ainda na “infância” do processo
meio da política como condição de possibilidade de dar forma
civilizatório. Por fim, mito deve ser compreendido como uma
aos feixes de relações (Foucault, 1985) e conseqüentemente
atividade política, que instaura uma racionalidade, uma sócio-
uma formação discursiva e a possibilidade de construir sentido.
cognição (Koch, 2000) cuja dinâmica e história variam de
A política, nesse sentido, interconecta todos os fazeres da vida
grupo étnico para grupo étnico.
social, inclusive a religiosidade desses indígenas que tem sido
A religiosidade indígena também não deve ser
interpretada, não raro, a partir de conceitos e categorias da
compreendida
mitologia e do cristianismo. Do ponto de vista mitológico, há
normalmente usadas para se pensar as religiões ditas cristãs.
interpretações que partem do conceito de mito como uma
Uma análise sem a compreensão da dinâmica do uso político da
estrutura fixa que serve para interpretar toda e qualquer
religiosidade mostrará apenas uma face da dimensão religiosa,
sociedade denominada primitiva.
mesmo porque, como dito acima, não há discurso religioso
por
estruturas
analíticas
e
categorias
O que teria de variação entre um mito e outro seria
separado das outras faces da vida social. O olhar etnográfico
apenas o conteúdo, uma vez que, para alguns mitólogos, a
deve buscar entender como, em um dado momento, se pratica a
estrutura mitológica é apriorística e universal. Este tipo de
“mitologicidade”
sem
partir
de
formas
analíticas
167
preestabelecidas. Descrever a inteligibilidade da formação
Rousseau e, por fim, como vagabundos, incapazes, incultos, em
discursiva e da organização sócio-econômica depende da
outras palavras, seres imprestáveis para a vida capitalista.
possibilidade de poder estar em contato com a dinâmica da
Premissas que são aplicadas para se referir também os Kaiowá
construção da organização social situada nesse momento
e os Ñandeva do Mato Grosso do Sul. Além dessas
histórico, o que implica em considerar as rupturas do processo
representações distorcidas sobre os indígenas, há outras
histórico e não determinação linear teleológica de causa e
representações acadêmicas que partem de construtos teóricos
efeito. A linguagem nessa dinâmica é mais que forma de
que tentam compreender esses indígenas dentro de uma camisa
abstração e comunicação, é também forma de não-comunicação
de força teórica, o que gera representações reducionistas que
e instrumento político elaborado e usado no fervor da
acabam por reforçar essas representações. Contrariando o
construção da história. Assim, se discurso é criado a partir da
imaginário nacional e certos quadros analíticos, historicamente,
prática social, por outro lado, é ele que ajuda a manter uma
esses indígenas se construíram mais como políticos do que
forma de ser que, e, por sua vez, determina o que deve ser feito
como guerreiros, sobretudo a partir do contato mais intenso
e a maneira como deve ser feito, deste modo, a prática social e
com os não-índios a partir do início do século passado. As
a discursiva se determinam e se imbricam.
noções político e guerreiro não se excluem como noções
dicotômicas e reforçam a tese de que política não é apenas a
Desconstrução da idéia genérica de índio
guerra continuada, mas estratégias para inclusive evitar a
guerra e possibilitar outras maneiras de convívio e de resolução
O imaginário nacional tem uma representação
de conflito. Conflitos que os Kaiowá e os Ñandeva têm
genérica de índios como sendo guerreiros que resolvem seus
resolvido por meio de armas simbólicas que criam trincheiras
conflitos por meios violentos e coercivos, ou ainda,
nítidas, mas que também as atravessam (Bhabha, 1998) na
paradoxalmente, como seres ingênuos, os bons selvagens de
busca de respostas, na construção de sentido.
168
A produção de vida desses indígenas com elementos
da fofoca4. Esse discurso também visa a chamar a atenção dos
simbólicos e bens materiais desse momento histórico tem sido
não-índios para seus problemas de maneira sutil. Interpretar
muitas vezes mal-interpretadas como aculturação, perda de
esses discursos literalmente pode levar à defesa da tese do
identidade, pois se espera que vivam como seus ancestrais, que
resgate da cultura, ou seja, a tese que defende que os indígenas
falem uma língua pura, que não usem celular, que não ouçam
devem resgatar seus costumes antigos, devem viver como seus
música brasileira, que não comam comida de “brancos’ etc. A
ancestrais. Essa tese desconsidera o fato de que cultura é algo
tese de aculturação e perda de identidade é reforçada por
dinâmico e construído sócio-historicamente.
aqueles que analisam o discurso indígena superficialmente. É
Além disso, o imaginário brasileiro ainda concebe os
comum ouvir indígenas, sobretudo indígenas mais velhos,
indígenas como seres fossilizados que não se transformam no
fazendo discursos emocionados nos quais afirmam que os fins
tempo, incapazes de apresentar soluções para os problemas que
dos tempos chegaram, pois seus filhos e netos não respeitam
enfrentam, lançando mão de elementos matérias e simbólicos
mais a cultura e que há indígenas que não podem ser
que aprenderam, ou que elaboraram na construção da história.
considerados mais indígenas, pois vão a bailes de brancos, não
Para participarem da aty guasu é necessário que sejam
respeitam mais os mais velhos, não rezam, bebem e são
indígenas desse momento histórico, o que implica em aprender
violentos. Ao se tomar esse discurso literalmente não se
os novos símbolos e novos saberes, colocá-los em circulação
compreende a função do discurso dos mais velhos no processo
por meio de novas estratégias de luta, e dentre essas estratégias
de endoculturaçao e manutenção do modo de ser.
está o discurso enquanto enfrentamento em nível simbólico.
Esse tipo de procedimento tem sido registrado em
vários momentos do século passado e são estratégias para
convencer e educar os mais novos, e podem ser também
estratégias políticas, uma tentativa de atingir o outro por meio
4
A fofoca entre os indígenas tem função política importante, pois, por meio
dela, se educa, se reivindica e se exerce o poder. Os indígenas temem a
fofoca, especialmente quando é feita por pessoas próximas em momentos
inesperados.
169
A dinâmica da construção da vida social
Muito embora todos busquem reconhecimento e
prestígio baseado no ideal do símbolo e da religiosidade a
A construção da vida social Kaiowá e Ñandeva passa
validade da prática discursiva esta atrelada à aquisição de bens
muito mais por ações políticas engendradas por símbolos
materiais. E aqueles que são capazes de propor soluções para os
lingüísticos e não lingüísticos do que por ações coercivas
problemas, manter o grupo macro-familiar, denominado, tey’i,
impostas pela força física e regras sociais rígidas e estruturas
família extensa,5 se construindo por meio do diálogo,
sociais prontas e perenes. Essa característica leva à construção
administrar as relação sociais no grupo, a correlação de forças,
de um modo de ser dinâmico no qual os indivíduos
a transmissão de saberes e de símbolos, a formação de sub-
atravessados pelo modo de ser jogam o jogo político da
grupos, a relações de reciprocidade6 e a aquisição de bens
inclusão-exclusão (Bourdieu, 2004), enredando-se nos feixes
materiais, tornam-se líderes. São esses líderes ou pessoas
das relações (Foucault, 1985), mas atuando como agentes na
ligadas a esses líderes que tem representatividade para falar em
construção do modo de ser. Esses indígenas aprendem desde
nome do grupo macro-familiar e disputar entre si o status de
muito cedo a forjar armas-simbólicas e a usá-las na
cotidianidade para pertencer, para convencer, para seduzir, para
denegar, para, enfim, construir sentido no sentido mais amplo
do termo, ou seja, viver de certa maneira. Constroem-se como
excelentes falantes, ouvintes e argumentadores, pois a vida
social é tecida cotidianamente na administração dos problemas
por meio de diálogos, conselhos e rezas. Incluem o mundo
sobrenatural na política terrena que é uma continuidade da
política do mundo invisível na busca de resultados práticos.
5
A família extensa, que ainda hoje, é a base da organização social Kaiowá e
Ñandeva (Mura, 2000), tem como referência um líder, ou uma líder, chefe
da família que reúne em torno de si seus filhos, netos e agregados. O líder
ou a líder é o pólo de referência e pertencimento no processo de construção
da identidade. O indivíduo se identifica a partir do grupo macro-familiar e
em relação de alteridade a outros grupos macro-familiares. Há disputas entre
as famílias extensas, sobretudo por bens materiais. A dinâmica da vida
social Kaiowá e Ñandeva deve começar a ser analisada a partir da família
extensa.
6
O princípio de reciprocidade é uma das características desses indígenas. É
uma regra implícita de pertencimento que coloca os bens materiais e
simbólicos em circulação no grupo, ou seja, os bens individuais devem estar
à disposição dos membros do grupo. Quem assim não procede é acusado de
não ser um indígena de teko porã, comportamento adequado, segundo os
valores desses indígenas.
170
representar e falar em nome dos grupos-familiares que se unem
poder, portanto é nela e com ela que se signifaz o indivíduo.
em aliança para resolverem problemas comuns. São estes que
Muito embora esse indivíduo desenvolva sua eticidade em
mais frequentemente pronunciam o discurso indígena em
relação a outros indivíduos de outras famílias extensas e
ocasiões especiais, sobretudo em presença dos karai guasu,
indivíduos não-índios, é no âmbito da família extensa que
não-índios, que consideram importantes, e que possam vir a ser
aprende como funciona o poder, é dela que faz parte antes de
aliados na luta pela terra.
tudo, antes de ser Kaiowá, Ñandeva, os indígenas se
Esses
discursos
são
pronunciados
mais
identificam a partir de suas famílias extensas. A instituição
veementemente nas aty guasu, assembléias que congregam
família
pessoas de vários grupos macro-familiares dos dois grupos
compartimentadas de especialidades de poder, de saber, de
étnicos, porém, ultimamente, têm aparecido na mídia, por
julgamento e de religião, antes, todas essas compartimentações
ocasião de entrevistas, em palestras, mesas redondas,
são uma e única instância.
audiências públicas, enfim, em todas as oportunidades que os
indígenas têm de se manifestar. Esse discurso tem uma função
extensa
não
é
um
agregado
de
instituições
Todo e qualquer individuo é, em potencial, agricultor,
juiz,
professor
e
rezador7.
Isto,
contudo,
não
evita
política em relação aos não-índios, mas também uma função
política interna. As famílias extensas disputam entre si a
obtenção de bens materiais e de prestígio. Consequentemente,
as lideranças se firmam como tal, por assumir compromissos
junto aos membros de sua família extensa e junto aos membros
das famílias aliadas, o que gera disputas entre as lideranças em
todos os níveis, inclusive no nível religioso. É no âmbito da
família extensa que se iniciam os conflitos e as relações de
7
Os rezadores são líderes religiosos que conquistaram esse status em
decorrência de um saber que lhes permite pedir a interferência do mundo
sobrenatural. Esse saber consiste em rezas e conhecimentos sobre plantas
medicinais. Há especializações e níveis de saber entre os rezadores e seus
conhecimentos são utilizados politicamente no jogo das relações entre as
famílias. O rezador é uma figura ambígua e ambivalente no processo de
construção, pois, segundo o modo de ser desses indígenas, os rezadores
podem atuar tanto para fazer o bem como o mal. Por isso, são
reverenciados, mas também temidos. Os males que ocorrem em
determinados momentos podem ser atribuídos a eles. É muito comum ouvir
discursos sobre a ineficácia das rezas dos rezadores atuais, por outro lado,
os rezadores acusam seus pares de terem perdido o fervor religioso. Ao se
ouvir essas acusações sem contextualizá-las corre-se o risco de entendê-las
171
especializações nem relações de poder assimétricas. Aqueles
dinâmica e em permanente construção. O modo de ser é
que conseguem, segundo suas habilidade, apresentar soluções
resultado do cumprimento de regras, mas também da cultura de
práticas, partindo das premissas do modo ser, e ter
quebrar regras e reafirmá-las em contratos firmados por meio
comportamento adequado podem granjear prestígio e poder. Os
da linguagem, fios que entrelaçam aqueles que estão juntos nos
rezadores se especializam em sua arte, os agricultores em sua e
embates cotidianos da construção da vida social e com os quais
assim por diante, mas nenhum deles, ainda que especialista,
constroem discurso, “como atividade de sujeitos inscritos em
desconhece totalmente o “ofício” do outro. Muito embora haja
contextos determinados” Maingueneau, (p 43, 2006).
um rezador capaz de realizar a cura, o paciente sabe como
funciona o procedimento.
Como “o processo em que o lingüístico e o social se
articulam, objeto ao mesmo tempo social e histórico onde se
O modo de ser, dessa maneira, pressupõe o
confrontam sujeito e sistema” Coracini (1991a, p. 337). Visto
conhecimento da totalidade do mundo e não é construído por
dessa maneira, o discurso não é mera representação das ações
meio de regras rígidas de comportamento. Muito embora
humanas, mas também não é a determinação dessas ações. São
persigam a moral do teko porã,8 e se baseiem em certos tabus,
próprios do agir humano no mundo e existem para garantir vida
o modo de ser é uma construção
em sociedade, para manter a eterna construção de contratos. A
sócio-historicamente
primeira coisa a ser considerada, deste fato, é o que atravessa
como aculturação e perda de identidade. Porém, ao se fazer uma revisão
historiográfica, pode-se encontrar tais acusações em outros momentos
históricos. Essas acusações, em nosso ponto de vista, são muito mais ações
políticas do que indícios de aculturação e perda de identidade.
8
O teko porã é o comportamento adequado, segundo esses indígenas. Ter
teko porã implica em ser obediente, saber ouvir, participar ativamente da
vida social, saber rezar, ser recíproco, ser trabalhador, não beber, não ser
violento, saber trabalhar a ñe’e, como palavra e como alma, enfim, facilitar
a construção do modo de ser. Aqueles que não se comportam segundo o
teko porã, são alvo de “fofocas”, uma arma de controle social bastante
eficaz na construção da vida social.
todos aqueles que fazem parte do contrato, o que os une.
Na esteira de Barth (1985), deve-se perguntar por
valores, premissas a partir das quais o grupo se constrói em
quanto tal, enquanto diferente em relação a outros grupos com
os quais estabelecem relações de alteridade e a partir dos quais
se percebem enquanto diferentes e criam uma identidade. É
172
necessário ainda, enfatizar o caráter dinâmico da construção de
irreconciliáveis, mas também como enfrentamento de teses e
valores, posto que estes são adaptáveis às condições sócio-
interesses opostos em relações contraditórias, exercício
econômicas e ambientais impostas pela história. A construção
dialético e fonte de sentido num mundo de contingências e não
de valores decorre da experiência de estar vivo e de colocar em
apenas de contrariedade.
jogo todas as dimensões humanas, inclusive a dimensão
simbólica que possibilita o afastamento e a reflexão do real e
A argumentação e sentido
faz surgir discursos. O discurso, dessa maneira, não deve ser
compreendido somente como matéria de linguagem cuja
Os Kaiowá e os Ñandeva são referidos como
análise revelaria seu teor e sua complexidade, mas como um
excelentes argumentadores e manipuladores de símbolos
dos elementos que viabilizam o exercício da vida social.
lingüísticos e não-lingüísticos (características que se pode
A experiência se transforma em saberes e atitudes que
confirmar nos trabalhos de campo) que usam como táticas na
estão além da superfície da linguagem, mas que estão também
construção do seu modo de ser. Ao se analisar o discurso
encarnados na própria linguagem enquanto parte constitutiva
indígena não se deve deixar de analisar a argumentação, mas
dessa dinâmica. A vida social não pode ser compreendida com
dentro do contexto indígena.
o somatório de indivíduos que visam a um bem comum, antes,
Breton (2003), Abreu (2004) e outros definem a argumentação
como adverte Foucault (1985), é resultado de um intricado jogo
como elemento essencial para exercício democrático e como
de forças, fonte da construção de valores e da organização da
atividade humana que existe desde sempre. Condição de
vida social. Isto não significa desconsiderar a possibilidade de
possibilidade para formação de grupos por meio de contratos.
convergências
significa
Tais teóricos partem do conceito moderno de democracia como
compreender o conflito não apenas como maneira radical de
regime político construído cotidianamente por meio da
negar o outro, como resultado de posições contrárias,
participação ativa dos cidadãos que em condições físicas,
e
de
momentos
harmônicos,
Alguns teóricos, dentro eles
173
mentais e intelectuais buscam o consenso, seguindo os
defesa de teses. Argumentar é buscar sentido, respostas,
preceitos éticos do seu tempo. Trata-se de uma definição útil
condições que garantam as possibilidades da eterna construção
para a análise do discurso indígena, mas que deve ser
de contratos entre atores sociais que se constroem em
aprofundada, pois a construção das teses e não só a defesa da
sociedade, com o outro, por meio do exercício diário, da luta
tese deve ser compreendida. Também não se pode partir da
diária na dinâmica de transformação do mundo. Argumentar
premissa de que as relações na atividade argumentativa sejam
não
simétricas e decorrem de um exercício democrático claro e
reconhecidos, mas conhecer as leis implícitas que regem o
previamente estabelecido.
fenômeno da argumentação que variam de grupo étnico para
é
apenas
desenvolver
raciocínios
universalmente
A idealização de que a argumentação como resultado
grupo étnico, condição que possibilita a vida social e que
de raciocínios lógicos que visam ao consenso e que tem sido
permite a participação no jogo. Argumentar é saber como as
praticada pelas sociedades ditas civilizadas como uma maneira
coisas devem ser ditas dentro de um contexto.
de evitar a coerção e a violência na construção da vida social
A argumentação, como elemento essencial na
não considera a dinâmica da construção do exercício social.
construção do sentido, tem sido amplamente debatida e
Para
em
teorizada, e muito se tem escrito sobre o poder dos raciocínios
manipulação, sedução, coerção e violência, atitudes que
e das palavras na arte do convencimento. Muitos deram suas
perpassam o exercício de estar juntos nas relações sociais por
contribuições que tem orientado a formação de e oradores e
meio da linguagem e por outros meios. Argumentar, no
estudos sobre a arte de argumentar, porém é uma atividade
contexto indígena significa defender um modo de ser em
humana
relação a outros e a construção da identidade nas relações intra-
constatada em qualquer organização social. Os Kaiowá e os
étnicas. Argumentar, no contexto indígena, não se refere apenas
Ñandeva do MS, por exemplo, nunca leram Aristóteles, ou
a
além
dessa
idealização,
argumentar
embates entre oradores ou entre orador
implica
e auditório em
construída
sócio-historicamente
que
pode
ser
174
Perelman, mas dominam com maestria a arte de argumentar
correlação de forças, mas não exclusão. A argumentação no
inter e intra-etnicamente.
segundo caso é utilizada como meio de se buscar uma síntese,
firmar um contrato e manter um modo de ser. O etnocentrismo
O jeito indígena de argumentar
que hoje encontra suas armas em nível simbólico já foi
praticado com outras armas. Muitos grupos étnicos foram
Analisar o discurso indígena a partir da correlação de
exterminados em decorrência do enfrentamento de teses
forças por meio da argumentação é um exercício produtivo para
opostas que ocorrem em nível físico. Houve grupos étnicos
se compreender a construção do sentido, mas é preciso
que construíam sua realidade objetiva por meio de um conjunto
compreender que, no contexto indígena, há níveis de
de valores e táticas veiculadas e pensadas pela linguagem e se
argumentação e que há teses contrárias e excludentes e que há
constituíram como formações discursivas diferentes, como
teses contraditórias, ou seja, teses que não se excluem
modos de ser diferentes, como discursos diferentes. Muitos
radicalmente. Em relação a isso, as reflexões de Maturana
desses modos de ser não resistiram ao contato com os não-
(1999) e Baudrillard (1990) e Kock (2000) ajudam a
índios. Não conseguiram dar respostas a novas demandas
compreender a complexidade do discurso indígena, pois, como
históricas, não conseguiram dar sentido a novos problemas e
dito em outro lugar neste texto, o discurso indígena tem função
pereceram.
política inter e intra-étnica. No primeiro caso, remete ao
Os Kaiowá, os Ñandeva e outros grupos étnicos, por
enfrentamento entre a tese dos indígenas e a tese dos não-
outro lado, sobreviveram e mantiveram seu discurso, e sua
índios, fundamentados em premissas radicalmente opostas, o
formação discursiva porque conseguiram adaptar sua maneira
que leva a etnocentrismos de ambos os lados, e a negação
de construir sentido às novas demandas históricas. Perceberam,
radical do outro, embora de maneira escamoteada. No segundo
por exemplo, que o enfrentamento armado só traria
caso, nas relações intra-étnicas, as teses não se excluem, há
desvantagens e buscaram outras formas de enfrentamento.
175
Nesse sentido, fazer discurso é muito mais que enfileirar
a aty guasu de Ñanderu Marangatu, terra indígena em litígio,
palavras; é muito mais que atos de fala; é muito mais que
situada na cidade de Antônio João, aproximadamente a 400 km
comunicar apenas. É garantir a vida, uma maneira de produzir
de Campo Grande, capital do Estado de Mato Grosso do Sul.
vida. Refletir sobre o discurso, a partir desse ponto de vista, é
É possível, por meio da carta, identificar a maneira
considerar todas as dimensões do humano no mundo, o que
Kaiowá e Ñandeva de construir discurso. Esta carta, porém, é
requer
é
apenas uma estratégia a mais na defesa da terra que não oferece
reconhecidamente fatigosa e pantanosa, mas, mais segura do
elementos para se refletir sobre a complexidade do discurso
que partir de constructos pré-montados.
indígena, um discurso eminentemente oral composto de uma
uma
visão
multidisciplinar.
Essa
tarefa
diversidade de elementos expressivos que só pode ser analisado
As possibilidades de Análise do discurso.
Em decorrência dos limites, não será feita a análise do
em lócus ou mediante filmagens.
Exmo. Sr. Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
discurso tal qual tem sido construído nas aty guasu. Primeiro,
porque não é essa a proposta do trabalho. Segundo, pela
“Nós lideranças, kaiowá e Guarani de várias aldeias
impossibilidade de apresentar as gravações e filmagens
do estado de Mato Grosso do Sul reunidos na aty guasu na terra
originalmente feitas em guarani com a devida tradução e
indígina Ñanderu Marangatu município de Antônio João-MS,
análise dos recursos lingüísticos e não-lingüísticos utilizados na
vimos por meio dessa, nos dirigir ao Senhor Presidente da
construção do discurso. A título de exemplo, contudo, algumas
República, Luiz Inácio Lula da Silva , para requerer a
reflexões serão realizadas sobre uma representação escrita do
homologação imediata da terra Ñanderu Marangatu bem como
discurso indígena que podem ilustrar as reflexões feitas acima.
todas as áreas (tekoha) em conflito no estado (sic).
O material a ser analisado trata-se de uma carta, escrita durante
176
O
tekoha
ñanderu
Marangatu
já
teve
seu
Até hoje no Estado do Mato Grosso do Sul somente
procedimento demarcatório com Portaria Declaratória do
01( um) tekoha em processo de revisão de limites foi
Ministro da Justiça, com toda a sua demarcação física
homologado. Que foi o caso da terra indígena Panmbizinho
concluída em 12/10/2004, somente carecendo da homologação
por parte do Presidente da República.
Vale destacar também, que nós povos indígenas
Kaiowá Guarani do mato Grosso do Sul, nos sentimos traídos
Clamamos que as medidas liminares de reintegração
pela apresentação do PL 188 de autoria do senador Deelcídio
de posse que foram concedidas pela Justiça Federal em favor
do Amaral do PT-MS, que vem a modificar o procedimento
de fazendeiro que se encontra na terra indígena ñanderu
administrativo de demarcação de terras indígenas. Essas
marangatu, sejam imediatamente cassadas e a fim de se evitar
modificações vêm justamente a prejudicar os povos indígenas
uma grande tragédia com o cumprimento de ordem de despejo
do Brasil, trazendo morosidade ao procedimento, anulando
com força policial que mais parece um efetivo preparado para
processos já em andamento, sem contar o dinheiro público que
uma Guerra!
já foi gasto com os processos em andamento que serão
Os casos de desnutrição que tem ocorrido nas aldeias
kaiowá Guarani não são decorrentes “simplesmente” da fome e
“jogados no lixo”. Portanto, clamamos que seja arquivado
definitivamente esse projeto de caráter “criminoso”.
da miséria do povo, pois na verdade a fome, a miséria e
Pedimos empenho do Presidente da República para a
também a violência, é conseqüência histórica da falta de terra.
regularização das terras indígenas do Mato Grosso do Sul a fim
No caso do Mato Grosso do Sul, quase que a totalidade das
de se solucionar definitivamente todos o problmeas que
terras indígenas precisam de revisão constitucional de limites,
agridem o povo Kaiowá Guarani do MS.
mas os procedimentos de demarcação se encontram totalmente
paralisados ou mesmo nem sequer iniciados.
Queremos lembrar que a luta pela terra do povo
Kaiowá Guarani teve grandes guerreiros do tekoha Ñanderu
Marangatu como Marçal de Souza que foi brutalmente
177
assassinado pelos criminosos inimigos dos povos indígenas que
de luta no qual não cabem todos os recursos argumentativos
jamais foram julgados e condenados por este crime, e Dom
que usam no processo de construção do discurso oral.
Quitito que faleceu em Coroa Vermelha-BA, quando
A teatralidade, o ritual e a presença de indicadores
participava da marcha e conferencia indígena 2000. Queremos,
religiosos fundamentais para darem validade ao discurso, por
portanto, nessa oportunidade prestar nossas homenagens a
exemplo, não cabem no documento. Tive a oportunidade de
todos esses guerreiros, e para os que continuarão com suas lutas
ouvir o discurso em Ñanderu Marangatu e pude perceber os
pela terra e vida do povo Guarani.”
efeitos de sentido provocados pelos oradores. O discurso foi
Ñanderu Marangatu, Antônio João-MS, 20 de março de 2005.
realizado em um espaço com cobertura de sapé. Os oradores
ficavam no meio do espaço, rodeados por todos os lados por
Reflexões sobre a carta
indígenas e vários não-índios. Em frente aos oradores, foi
colocado um banco no qual se sentaram alguns não-índios,
A carta acima resume o discurso da aty guasu
identificados por eles como autoridades. Essa configuração do
realizada em Ñanderu Marangatu e em outras aty guasu. Nela,
espaço é bastante significativa, pois, para que o discurso tivesse
pode-se identificar o discurso indígena de luta pela terra e
validade foi necessário que não-índios o ouvissem. Estes
pode-se analisá-lo à luz da teoria da análise do discurso,
representavam o outro do discurso, porta-vozes da formação
identificando marcadores discursivos, recursos argumentativos,
discursiva “governista” que cumpriam seu papel no ritual de
heterogeneidade, etc, porém, para se compreender as condições
um discurso que nesse caso tinha função intra-étnica.
de construção deste discurso, se faz necessário contextualizar
Os oradores se revezavam, mas o tema do discurso era
tal discurso histórica e antropologicamente. Além disso, deve-
o mesmo diante dos não-índios que estavam lá naquele
se compreender que a carta é apenas mais um recurso
momento e que representavam de certa forma, o Karai Guasu,
argumentativo do discurso eminentemente oral, um instrumento
grande líder, Luiz Inácio Lula da Silva. Dentre os oradores,
178
uma senhora, além de reafirmar que todos os males que sofriam
A insistência em pronunciar o discurso em guarani
advinham da falta de terra, construiu uma representação
não ocorreu somente porque alguns indígenas não conseguem
mitológica de terra bastante comovente. Aquela senhora só
falar português, mas como uma maneira de demarcar as
falou porque tinha voz de autoridade (Bourdieu, 1996) para
diferenças e de reforçar a identidade. O que pode se deduzir a
fazê-lo, ou seja, havia se constituído enquanto líder por outras
partir da carta é o apagamento da diferenças entre os Kaiowá e
qualidades, mas também por ser exímia articuladora da
Ñandeva, estes últimos referidos por Guarani. As diferenças
linguagem enquanto novo instrumento de luta. Na medida em
que marcam as fronteiras étnicas entre esses dois grupos são
que falava, ouviam-se os sons dos mbarakas, chocalhos,
apagadas pelo pronome nós e pelo substantivo povo Guarani,
agitados por muitos rezadores presentes no evento.
termo genericamente usado para ser referir aos Guarani,
O som dos chocalhos legitimava o que a senhora
indígenas que viviam em várias partes do Brasil no período
dizia, representavam as vozes dos espíritos que concordam com
colonial. Ultimamente, a categoria genérica índio tem sido
a fala. A carta também não revela o jogo político inter-étnico.
usada politicamente pelos próprios indígenas e a usam como
Aquele momento serviu para a legitimação de lideranças e
sinal diacrítico genérico para defender interesses comuns como
demonstração de poder por parte dessas lideranças. Houve
a questão da terra e os direitos indígenas garantidos na
claras demonstrações de habilidade lingüísticas discursivas por
Constituição de 1988. Os termos ñanderu, marangatu e tekoha
parte de alguns indígenas que devem se firmar ou se construir
respectivamente líder religioso, modo religioso de ser, e lugar
enquanto liderança perante seus pares. Todos os discursos
onde se realiza o modo de ser são empregados como efeito de
foram realizados em guarani e traduzidos por um não-índio
sentido para se referirem a terra como lugar vivo. Esses termos
que, após alguns minutos, foi substituído por uma intérprete
dão à terra uma conotação sagrada de lugar povoado de
indígena. Queriam demonstrar que os indígenas dominam a
espíritos com os quais devem interagir e com eles construir um
língua portuguesa e outros conhecimentos.
espaço onde tudo está interconectado.
179
A carta revela a ênfase que esses indígenas passaram
descaso do poder público. As aspas no termo simplesmente,
a dar à historia contada do ponto de vista indígena. A terra de
além de dar uma conotação irônica ao termo, demonstram a
Ñanderu Marangatu, segundo a história indígena, tem uma
competência argumentativa e o manuseio da palavra também
fundação mítica e passou a ser terra indígena quando há muito
em nível da escrita.
tempo atrás se fixaram nela indígenas, dentre os quais havia um
Ao utilizarem o verbo traído para se referirem a
ñanderu, líder religioso, que pediu permissão para os ancestrais
atitude de um senador da República, demonstram o
para ali se instalar. Enfatizam também as lutas para manterem
envolvimento desses indígenas com partidos políticos, pois
esse espaço contra os não-índios e salientam a figura histórica
para ser traído é preciso ter um pacto firmado antes. Subtende-
de Marçal de Souza, um indígena que morreu na luta pela
se que o Senador, representante do PT (Partido dos
defesa dos direitos indígenas. Marçal de Souza passou a ser
Trabalhadores) traiu os povos indígenas ou por não ter
uma figura histórica por morrer na luta, mas também por
cumprido uma promessa clara de defesa dos direitos indígenas
representar a sagacidade, a habilidade lingüística e coragem,
ou por ter sido identificado como representante do discurso
características de um grande líder.
petista que na época das eleições pregava a defesa dos direitos
O argumento central da luta pela terra: relação entre
indígenas.
miséria, violência e outros males que os assolam à falta de terra
A carta Demonstra conhecimento da gestão da coisa
também está expresso na carta. Para dar mais efeito de sentido
pública ao afirmarem que a morosidade do processo traz
a esse argumento, aparece o termo “simplesmente” entre aspas
transtornos para os indígenas, mas também leva ao desperdício
para induzir que a fome e a miséria não surgiram do nada, ou
do dinheiro público que é “jogado no lixo”. Esta expressão
pela falta de trabalho, como pensam os não-índios. A fome e a
remete ao envolvimento político e à apropriação do discurso
miséria, segundo a argumentação indígena, têm história, são
político dos não-índios, já que esta expressão é amplamente
conseqüências da usurpação da terra pelos não-índios e pelo
usada para caracterizar má gestão de dinheiro público.
180
O pedido endereçado ao Presidente da República,
reforçados pelos verbos, clamar, pedir e requerer. Nas
enquanto Karai guasu, representante maior dos não-índios,
entrelinhas da carta, lê-se que os indígenas são aqueles
demonstra a crença na possibilidade de uma resolução política
envolvidos no conflito que querem resolver a questão de
para o impasse. Ao pedirem empenho do presidente, dão a
maneira pacifica e democrática, enquanto o poder público é
entender que o presidente é um possível aliado que tem poder
caracterizado como representante de não-índios que querem
para interferir no processo. Por fim, a carta narra sucintamente
fomentar o conflito. Por fim, esta carta, enquanto a escrita do
a história da demarcação das terras indígenas e caracteriza o
discurso,
processo como moroso, injusto e criminoso, responsabilizando
convencimento do outro do discurso.
tem
função
argumentativa
no
processo
de
o poder público pela miséria dos indígenas, pois se o poder
Ela demonstra que os indígenas não são mais povos
público não agiliza a restituição da terra já identificada e
ágrafos e que sabem usar a escrita como instrumento de luta.
homologada como terra indígena, o poder público é injusto por
Isto tem levado a valorização de indígenas que dominam a
negar um direito constitucional. Se o poder público nega o
escrita da língua portuguesa e conhecimentos jurídicos,
acesso à terra que aliviaria a miséria e a fome, é o poder
sociológicos, antropológicos e lingüísticos discursivos. Porém,
público que agrava os males dos indígenas. Se o poder público
esses conhecimentos não bastam para que alguém se firme
não evitar uma possível tragédia, caso não evite um possível
como liderança, pois a construção da liderança entre esses
confronto entre a polícia fortemente armada e os indígenas
indígenas vai muito mais além de saber escrever em português
movidos apenas pelo sentimento de justiça e do direito a vida, o
e ter certos conhecimentos aprendidos dos não-índios. A
poder público compactuará com um ato criminoso.
liderança e o modo de ser desses indígenas se constrói muito
O conflito ganha conotação de guerra, termo que
mais pela habilidade de exercer a política por meio da palavra
aparece na carta precedido de um ponto de interjeição que dá
oral, uma palavra fragmentada, polissêmica e ambígua por
uma conotação emocionada e apelativa ao discurso, aspectos
meio da qual constroem noções de tempo e de espaço e com a
181
qual escrevem modos de ser e suas histórias. Analisar o
BAUDRILLARD, Jean. A transparência do mal: ensaio sobre
discurso indígena por meio dessa escrita em português é ter
os fenômenos extremos. Trad. Estela dos Santos Abreu-
uma visão parcial da maneira Kaiowá e Ñandeva de construir
Campinas- SP: Papirus, 1990.
sentido, pois quando falam em guarani e usam outros recursos
não-lingüísticos criam efeitos de sentido que nem mil cartas
BAKHTIN, MIKHAIL. A estética da criação verbal. São
conseguiram captar. O lugar, as danças, as rodas de tereré, as
Paulo:
Martins
Fontes,
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rezas, os encontros, os olhares, os adereços, enfim, tudo isso é
matéria usada na construção do discurso. Um discurso que
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precisa ser melhor analisado.
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184
A Fragilidade da Identidade Indígena numa Comunidade
Próxima a um Centro Urbano
Sandra Espíndola (UEMS)
Apontamentos sobre Violência, Relações de Gênero e Análise
Crítica do Discurso
Tânia Regina Zimmermann (PG/UNIPAR/UEMS)
O Guarani e sua Relação com a Identidade Cultural da América
do Sul
Nádia Nelziza Lovera de Florentino (G/FINAN)
185
O GUARANI E SUA RELAÇÃO COM A IDENTIDADE
CULTURAL DA AMÉRICA LATINA
Nádia Nelziza lovera de Florentino
(UEMS)
EL GUARANÍ
Cantar quisiera idioma indiana
Todo lo grande que hay en tí
Que se difunda por cerro y llano
Este tesoro del Guaraní.
Con filigranas inigualadas
Como tejido de Ñandutí
Aves y plantas están marcadas
Con bellos nombres en Guaraní.
Miles de puntos marcan tu huella
Selvas y valles que conocí.
Tienen sus nombres de luz de estrella
186
Llevan sus signos en Guaraní.
considerando-o como as “características que definem um
sujeito, nação ou povo”. Dessa forma, a expressão “identidade
Cada palabra es como un arpegio
cultural” poderia ser entendida fazendo-se a relação entre as
Vibra cual arpa dentro de mí,
particularidades que alguns países têm em comum quanto às
Tiene el encanto de un sortilegio
manifestações culturais, a língua é uma delas. No tocante à
América do Sul, existe um ponto de identidade cultural no que
Tiene dulzuras el Guaraní.
se refere à uma língua indígena pertencente a alguns países, o
Hay sin embargo, quienes no quieren
Guarani.
Ver la hermosura que hay en tí.
Mas para entender melhor essa língua, devemos
Yo que conozco lo que tú eres
analisar
Entono loas al Guaraní.
consequentemente dos idiomas por eles falados que mudou
melhor
a
situação
dos
povos
indígenas
e
radicalmente a partir do século 15, quando começaram as
Fuiste el idioma de mis abuelos
Y me arrullaste cuando nací,
grandes expedições européias rumo ao “novo mundo”.
Dizem que em 1492 a América foi descoberta. A
Y en mi partida será un consuelo
verdade é que quando Colombo, Alejo, Cabral e tantos outros
Oir palabras en Guaraní.
europeus aqui chegaram, a terra não estava isolada, ela tinha
ANTONIO ORTIZ MAYANS
habitantes, tinha donos. Donos que perderam a liderança ao se
deparar com uma cultura dita mais “avançada”, totalmente
A palavra identidade, pode ser definida como “os
caracteres próprios e exclusivos de um indivíduo”. Porém, aqui
vamos nos ater a uma concepção mais abrangente deste termo,
invasiva que não veio somente “colonizar” o novo mundo, mas
principalmente roubar-lhe tudo o quanto podia.
187
Roubaram as riquezas minerais, roubaram os recursos
nesse idioma, que foi de seus avós e que o “embalou quando
naturais, mas, acima de tudo, roubaram a cultura, como prova
nasceu”, terminando sua expressão de sentimentos afirmando
maior desse roubo temos o total desaparecimento da maioria
seu desejo de ao partir deste mundo, ser “consolado” ouvindo
das línguas indígenas e algumas que tentam sobreviver, entre
palavras em Guarani.
estas, está o Guarani.
Assim como essa voz que entoa louvores a esse
Esse idioma é da família tupi-guarani, falado por
verdadeiro tesouro, o Guarani, cabe a nós também resgata-lo
aproximadamente quatro milhões de pessoas( dois milhões
porque nele está o princípio, o meio e o fim da nossa identidade
como língua materna) no Paraguai( onde é falado como língua
cultural. Conhecer o Guarani é conhecer a nossa história!
oficial), no noroeste da Argentina, no centro-sul do Brasil e no
Chaco Boliviano. É a língua nativa dos guaranis, um povo
autóctone dessa região. Na América pré-colonial, era falado
Mesa 8
pelos povos que viviam ao leste da Cordilheira dos Andes,
As Múltiplas Linguagens na Análise de Fontes Históricas
desde o mar do caribe até o Rio Prata.
Maria Neusa G. Gomes de Souza (CPCX/UFMS)
Refletindo a condição atual do Guarani a partir do
poema de Antonio Ortiz Mayans, podemos perceber certo
Uma Abordagem Semiótica do Texto da Canção “Onde Estará
sentimentalismo do eu - lírico, na medida em que ele começa
o Meu Amor” Chico César
louvando as belezas do Guarani, comparando-o ao “Ñanduti”(
Rosemeire de Almeida Aguero (PG/UEMS)
símbolo da cultura paraguaia), ao som de uma harpa, exaltando
tudo o que há de grande e belo no Guarani, mas na penúltima
UMA ABORDAGEM SEMIÓTICA DO TEXTO DA
estrofe, ele começa a expor a situação atual do idioma que tanto
CANÇÃO “ONDE ESTARÁ O MEU AMOR”, DO
ama, citando “aqueles que não querem ver a formosura” que há
COMPOSITOR CHICO CÉSAR
188
ABSTRACT: The main objective of this work is to analyze
Rosemere de Almeida Aguero (UFMS/UEMS)
Chico César´s song called “Onde estará o meu amor.” The
starting point of this analysis will be Greimas´ theory, more
RESUMO: Este estudo trata da análise semiótica da música
specifically, his three complexity levels: fundamental structure,
“Onde estará o meu amor”, do compositor Chico César. A
narrative structure and discursive structure.
análise utilizará como opção teórica os estudos semióticos
KEY WORDS: Analyze, song, Greimas’ theory.
desenvolvidos por A.J.Greimas e seus seguidores, pelo seu
caráter de teoria
vinculada essencialmente ao texto. Na
perspectiva greimasiana a narratividade se constrói em três
Onde estará o meu amor
(Chico César)
níveis de complexidade: estrutura fundamental, estrutura
narrativa e estrutura discursiva, abordadas na análise. O estudo
Como esta noite findará?
se limitará apenas ao plano do conteúdo, que se reflete na
E o sol então rebrilhará
linguagem escrita, descurando de outras substâncias de
Estou pensando em você
expressão passíveis de serem analisadas na música. A escolha
Onde estará o meu amor?
do corpus justifica-se por ser um texto que possibilita investigar
Será que vela como eu?
o ser do sujeito e os efeitos de sentido passionais produzidos
Será que chama como eu?
em seu discurso.
Será que pergunta por mim?
PALAVRAS-CHAVE: Análise; texto; canção, Semiótica
Onde estará o meu amor?
greimasiana.
Se a voz da noite responder
Onde estou eu, onde está você?
Estamos cá dentro de nós
189
Sós
apresentações em bares. Em 1991 foi convidado para pequena
Onde estará o meu amor?
tourneé pela Alemanha, e o sucesso lá fora o animou a deixar o
Se a voz da noite silenciar
jornalismo para dedicar-se somente a musica. Formou a banda
Raio de sol vai me levar
Cuscuz Clã e passou a apresentar-se na casa noturna paulistana
Raio de sol vai lhe trazer
Blen Blen Club. Em 1995 lançou seu primeiro disco, o
Onde estará o meu amor
artesanal e independente Aos vivos, depois vendido à gravadora
Velas. A Rádio Musical FM começou a tocar Mama África e A
primeira vista, canção que logo se tornaria sucesso nacional na
O autor e o corpus
interpretação de Daniela Mercury, incluída na trilha sonora da
novela 0 rei do gado, da TV Globo. Em 1996 consagrou-se
com o lançamento de Cuscuz Clã (Polygram): ganhou o Prêmio
Francisco César Gonçalves – ChicoCésar - nasceu em
Catolé do Rocha - PB, em 26 de Janeiro de 1964. Foi criado no
sertão, ouvindo cantadores e reisados, e aos nove anos já tinha
seu primeiro conjunto, Super- Som Mirim. Trabalhando como
vendedor em uma loja de discos de sua cidade, teve
oportunidade de ouvir desde Teixeirinha até Rolling Stones.
Ainda adolescente, mudou-se para João Pessoa PB, onde
Sharp na categoria revelação e o de melhor compositor pela
APCA. Em 1997, depois de tourneé pela Europa e pelo Japão,
lançou seu terceiro disco, Beleza, mano, com participações
especiais de Dominguinhos, Arnaldo Antunes, Arrigo Barnabé
e outros. Suas composições misturam ritmos brasileiros, como
carimbó, folia e forró, com musica pop, do reggae, a salsa e
juju music.
cursou a faculdade de Jornalismo. Transferiu-se para São Paulo
SP, em 1985, e logo fez amizade com artistas de vanguarda
como Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé. Trabalhou como
redator da seção de música da revista Elle e tentou algumas
O corpus escolhido consiste na letra da canção “Onde
estará o meu amor”, do compositor pernambucano.
190
A análise do corpus restringir-se-á ao plano do
de dormir, pensando no seu objeto amoroso e se perguntando, a
conteúdo, limitando-se à linguagem escrita. O processo
todo momento, onde ele estará. Esse estado de disjunção
considerará cada nível separadamente.
potencializa a relação entre o sujeito e o objeto, mantida por
Por uma questão metodológica, o estudo será iniciado
pelo nível narrativo.
meio do desejo de conjunção manifesto pelo sujeito e expresso
no verso “Raio de sol vai lhe trazer”.
O texto não apresenta a seqüência canônica completa
A estrutura narrativa
do percurso gerativo de sentido. Não percebemos nele as quatro
fases clássicas, conhecidas como manipulação, competência,
No nível das estruturas narrativas uma das primeiras
perfomance e sanção. A letra restringe-se à fase da
relações a serem consideradas é a existente entre o sujeito e o
manipulação onde o sujeito assume o papel narrativo
objeto, que se caracteriza pelo desejo do primeiro em relação
(actancial) de destinatário. Esse sujeito sofre a ação de um
ao segundo. Essa relação entre um e outro, denominada junção,
destinador que o manipula e o leva a querer a conjunção
pode ocorrer nos textos sob forma de enunciados conjuntivos e
amorosa. Esse destinador-manipulador expressa-se na figura do
disjuntivos.
ser amado, que se confunde com o objeto-valor. Na situação
No texto “Onde estará o meu amor” encontramos um
analisada o destinatário (sujeito) encontra-se modalizado por
sujeito passional distanciado do seu objeto amoroso, portanto
um querer-ser, que manifesta-se por meio do desejo de entrar
em estado de disjunção com o ser almejado.Esse sujeito quer
em conjunção com o objeto amoroso, todavia falta-lhe o poder-
entrar em conjunção com o objeto-valor, representado pelo ser
ser, uma vez que nem mesmo sabe onde o objeto desejado se
amado e o valor que almeja é a plenitude amorosa. O texto não
encontra – “Onde estará...?”. Assim, falta-lhe a competência
esclarece os motivos desse distanciamento, apenas nos dá conta
para realizar a performance desejada.
de um sujeito intranqüilo, que “vela” durante a noite, ao invés
191
Essa situação o imobiliza a ação e o transforma num
sujeito tenso, intranqüilo, cujo estado de alma encontra-se
uma transformação, tendo-se somente ao estado inicial do
percurso.
muito próximo à noite que atravessa em claro, velando. Nessa
Imobilizado à ação o sujeito passional projeta
perspectiva, no primeiro verso - “Como esta noite findará” -
expectativas em torno dos possíveis estados de alma do
pode-se atribuir dois sentidos à palavra “noite”: o sentido
destinatário(ia): “Será que vela como eu? Será que chama
denotativo, no qual “noite” opõe-se à “dia”, e o conotativo (ou
como eu? Será que pergunta por mim?”. Constrói, ainda, um
metafórico), no qual “noite” refere-se ao estado de alma do
simulacro de que o destinador compartilha com ele o mesmo
poeta. O segundo verso “E o sol então rebrilhará”, reforça
estado de alma – “Estamos cá dentro de nós. Sós”. Desse
ainda mais o sentido metafórico de que a “noite” (tristeza,
modo, reconhece-se no texto o estado inicial do percurso de
morte interior) só findará e o “sol” (alegria, vida) voltará a
uma paixão complexa, denominada por Greimas (cf. BARROS,
brilhar quando o objeto amoroso retornar ao estado de
1997) de “estado de espera”. O sujeito deseja o objeto (quer
conjunção com o sujeito.
ser) , mas momentaneamente nada faz para consegui-lo. É
Narrativamente, portanto, temos um sujeito que quer
estar em conjunção com o objeto amoroso. Entretanto, no texto,
claro que esse estado pode se modificar caso o sujeito parta em
busca do seu objeto amoroso, pronto a realizar a performance.
o sujeito apresenta-se em estado de inércia. Falta-lhe
competência para poder mudar esse estado, então constrói uma
A estrutura fundamental
expectativa em torno das próprias esperanças (“Raio de sol vai
lhe trazer”). A falta de competência para realizar a ação gera a
O nível fundamental é caracterizado por ser a estrutura
paixão da angústia, da intranqüilidade, pois ele quer-ter,
mais profunda do texto. De natureza abstrata, a estrutura
todavia falta-lhe o poder-ter. Dessa forma o texto não apresenta
fundamental estabelece uma relação entre dois termos
antonímicos, que se opõem semanticamente, o que permite a
192
identificação das diferenças , exatamente por estarem dispostos
numa relação de contradição.
No texto analisado a solidão decorrente da perda do
ser amado é sentida de maneira intensa, pois a existência do ser
No texto analisado reconhece-se a oposição semântica
do sujeito passa inextricavelmente pelo ser do outro. Por isso,
entre duas categorias de natureza existencial representadas
ele busca pelo outro para restabelecer o equilíbrio, perdido na
pelas expressões só ( situação em que se encontra o sujeito no
separação amorosa. O retorno ao estado de comunhão, nesse
momento da enunciação) versus acompanhado (situação
sentido, apresenta natureza eufórica, pois está vinculado ao
ansiada pelo sujeito na enunciação). Essa oposição de base
retorno do objeto-valor desejado. A solidão ou o estar só e o
poderia, de igual modo, ser traduzida pelas expressões solidão
seqüente estado de tristeza que se pressupõe daí, vincula-se à
versus comunhão, a partir das quais constrói-se o sentido do
perpetuação do estado de disjunção sendo, portanto, disfórica.
texto analisado. As categorias descritas estão fundamentadas
No texto se reconhece o desejo (querer) por parte do sujeito
nos valores do amor romântico.
passional, de passar desse estado de disforia para o de euforia,
Os valores do amor romântico são relacionados à
embora manifeste uma situação de espera.
intersubjetividade, à reciprocidade e o desejo não impulsiona a
ser apenas a alcançar o outro como objeto, mas busca
A estrutura discursiva
essencialmente o encontro com o outro, em toda a sua
alteridade. O paradoxo desse encontro, entretanto, é a
A última etapa da análise é a estrutura discursiva, que
possibilidade da perda. A separação do ser amado assemelha-
está identificada ao patamar mais superficial do texto. No
se, na situação descrita, à “vivência da morte numa situação
percurso gerativo de sentido os três níveis correspondem à
vital: a morte do outro em minha consciência e a vivência da
passagem do mais abstrato (nível fundamental) ao mais
minha morte na consciência do outro.”(ARANHA &
concreto. A análise da estrutura discursiva está mais próxima
MARTINS, 2000 p. 337).
ao processo de textualização e é nela que ocorrem processos
193
como os de figurativização, tematização, temporalização,
“vela”, “chama”, “pergunta” - conseguem o efeito de
espacialização, etc. A construção desses elementos ocorre por
instaurar um tempo futuro concomitante ao momento de
procedimentos de debreagem ou embreagem.
referência presente, reforçando o efeito de proximidade e de
No texto ‘Onde estará o meu amor’, percebe-se a
intimidade compartilhado entre o narrador e o leitor-narratário.
existência de um narrador implícito que constrói um efeito de
Nota-se, ainda, no texto a existência de dois espaços
proximidade, de subjetividade entre o enunciador e o texto,
distintos: o “aqui” de onde fala o narrador e um ‘lá”,
utilizando algumas marcas discursivas em primeira pessoa, tais
subentendido, onde encontra-se o objeto-valor amoroso do
como “Estou”, “meu”, “eu”. Esse processo cria um efeito de
poeta. Projeta-se, desse modo, no enunciado um “eu” e um
aproximação e de intimidade, cujo nome é conhecido por
“agora” (esta noite) e um “aqui” (o espaço onde o narrador
debreagem enunciativa. A existência do pronome em primeira
implícito ‘vela’) e um “lá” ( onde o meu amor estará)
pessoa instaura uma relação ‘eu-tu’, onde o ‘eu’ é o narrador
estabelecidos entre dois espaços enunciativos carregados de
(autor do texto) e os narratários são os leitores do poema-
subjetividade, que também reforçam o sentido de aproximação
música. Além dos pronomes citados, percebe-se ainda o
entre enunciador e enunciatário.
demonstrativo “esta”, que anteposto ao substantivo “noite”
O texto é fundamentalmente de natureza temática,
institui uma marca de tempo (agora) e também de espaço
embora ocorra uma figuração esparsa, pois aborda sentimentos
(aqui). O efeito dessa junção de marcas é causar no narratário a
complexos como a angústia e o sofrimento causados pelo
impressão de tomar parte na própria enunciação, participando
distanciamento do objeto-valor. Mas também se utiliza de
do estado de alma do narrador no momento em que a leitura ou
algumas figuras de linguagem, aqui consideradas como figuras
a audição da música se realiza. Percebe-se, ainda, que os verbos
do discurso, como “noite” e “sol” (noite e dia dicotômicos)
escolhidos - “findará”, “rebrilhará”, “estará” - todos do
usados no sentido de produzir um efeito poético ao texto,
futuro do presente, inscritos ao lado de formas no presente -
reforçando o estado de alma do narrador. Essa recorrência de
194
tema e figura na letra da canção que, em princípio, poderia nos
unidades semânticas de um mesmo percurso temático (idem, p.
indicar a oposição abstrato-concreto, remete-nos entretanto ao
80). Já nas figuras antitéticas “sol/noite”, percebe-se a
mundo natural, tanto aquele efetivamente existente como o
construção de uma isotopia figurativa que, ao enfatizar os
construído pelo enunciador, como reflexo do estado de alma do
aspectos
sujeito. A presença dessas figuras tem, também, o papel de
“luz/escuridão”, pano de fundo para o tema da angústia
concretizar os temas abstratos, instaurando, assim, efeitos de
(tristeza) e do sofrimento proposto no texto. O papel dessas
realidade ao texto (BARROS, 1997, p. 81). Trabalhando essa
isotopias é assegurar a coerência semântica do texto, dando-lhe
oposição entre o real e o fictício (metafórico), o narrador sugere
unidade. Assim, a repetição desses traços semânticos na letra
a realidade na perspectiva da enunciação, recriando-a e
da canção estabelece, de certo modo,a leitura a ser feita.
visuais,
remete
diretamente
à
dicotomia
propondo a adoção de um ponto de vista ao narratário; uma
O discurso dominante na letra é o do Romantismo e,
interpretação do “real” proposto no texto. Esse efeito garante a
nesse sentido, percebe-se a interdiscursividade presente nas
proximidade entre um e outro.
“vozes” que ecoam desse movimento estético, dominante na
Nota-se, ainda, na letra a reiteração de certos
Europa no final do século XVIII e no Brasil, no século XIX.
simbolismos visuais tais como sol, rebrilhar (brilho), raio (de
Percebe-se na letra da canção, compartilhando da visão de
sol) que podem ser interpretados como conectores de isotopia
Bakhtin, textos que se aproximam numa tecitura dialógica de
(FIORIN, 2002, p. 87). Esse fenômeno está presente na
várias vozes culturais que se completam, afirmando o primado
redundância dos traços figurativos identificados na letra da
do intertextual sobre o textual, pois a letra certamente deriva de
canção por meio de figuras que se associam pelo efeito de
outras leituras já feitas pelo autor, em outros contextos. O
semelhança
Nas
próprio tema escolhido (angústia/ dor/ sofrimento/ solidão)
expressões “brilho/sol/raio” constrói-se uma isotopia de
remete-nos à temáticas aplaudidas no movimento romântico. A
natureza temática cuja caracterização maior é a repetição de
escolha da metáfora como opção imagística e discursiva
visual
que
propõem
(luminosidade).
195
comprova o dialogismo existente entre o discurso do narrador e
entre as pessoas, que caracterizavam as sociedades tradicionais.
os textos românticos, uma vez que essa figura de linguagem era
Decorre daí o fenômeno que hoje conhecemos como “multidão
uma das formas de expressão preferida de autores daquele
solitária”. As pessoas convivem lado a lado, mas suas relações
movimento. Esse dialogismo produz efeitos de polifonia, pois
são superficiais e os contatos raramente se aprofundam. Nessas
as vozes dos autores românticos deixam-se escutar nas palavras
relações o “eu” não é suficientemente forte e as pessoas optam
do autor. Seu estado de alma melancólico expressa-se de
por não viver sentimentos profundos, dentre eles a experiência
maneira emocional, relativista, procurando pela imaginação
amorosa, exatamente para não ter de conviver com a
escapar do espaço do mundo real da enunciação ( a noite que
experiência da dor, da “morte” intersubjetiva. Dessa forma, as
atravessa em claro) para um lugar fantasioso ( o lugar onde
relações
“estará o meu amor”). O que o impulsiona é a emoção, o
possibilidade de aprofundarem-se.
tendem
a
tornar-se
superficiais,
com
pouca
inconsciente e a paixão que o levam a tentar enxergar além da
A sociedade contemporânea, permissiva, hedonista,
razão. Decorre daí atitude de sonho (presente no apelo ao
voltada para o consumo e para o individualismo narcisista
elemento da natureza) melancolia e angústia expressos na letra
acaba por moldar um indivíduo que busca o prazer imediato e
da canção. Esse conjunto de traços revela a visão do amor
se mostra inapto a suportar frustrações, tais como as causadas
idealizado presente no texto e aparece em número suficiente
pelas perdas emocionais. Nessa perspectiva, a satisfação
para
imediata, o desejo do prazer e emoções fugazes substitui a
identificá-lo
interdiscursivamente
ao
espírito
do
Romantismo.
É
estabilidade das relações, resultando em encontros superficiais
importante
observar
que
nas
sociedades
e amores breves.
massificadas da contemporaneidade, há clara tendência ao
enfraquecimento das relações interpessoais. Isso se deve ao
desaparecimento de certos costumes envolvendo fortes relações
Conclusão
196
Contrariando
essa
tendência
das
relações
na
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda & MARTINS, Maria
contemporaneidade, o texto nos traz um discurso passional e
Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 3 ed., São
revela a visão de um amor idealizado . Essa visão é um traço
Paulo: Moderna, 2000.
comum em textos de natureza poética – embora na
contemporaneidade escreva-se muito pouco sobre o amor e
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria Semiótica do Texto.
mais sobre sexo - e também em alguns tipos de canções que
São Paulo: Ática, 3ed., 1997.
identificam-se com o gosto popular e em que privilegia-se a
sentimentalidade voltada ao consumo da grande massa.
______ e FIORIN, José Luiz (orgs.). Dialogismo, polifonia,
No texto analisado a junção do universo temático do
narrador
(dor/sofrimento/angústia/perda)
com
a
imagem
Intertextualidade: Em Torno de Bakhtin. 2 ed., São Paulo:
Edusp, 2003.
escolhida (cambiada do mundo físico: “noite”, “sol”), consegue
representar de maneira intensa o mundo passional do
CAMPEDELLI, Samira Youssef. Literatura História e Texto
enunciador , ao mesmo tempo em que imprime força poética à
vol. 2. São Paulo: Saraiva., 7ed., 1999.
linguagem.
Somam-se, portanto, no texto, temas e imagens
CÉSAR, Chico. Enciclopédia da música brasileira. Art.
característicos do universo romântico para representar o
Editora
universo passional do narrador.
http://www.mpbnet.com.br/musicas/chico.cesar/
e
Publifolha.
Disponível
Acesso
em
em
20/04/2007.
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São Paulo: Contexto, 2002.
Eusvaldo Rocha Neto (CE/UEMS)
“O Senhor das Armas” (Lord of War) Discurso Cínico ou
Beligerante?
Eusvaldo Rocha Neto (CE/UEMS)
A
essência
humana não é algo
abstrato, interior a
cada
indivíduo
isolado. É, em sua
realidade,
conjunto
das
relações
sociais.
Teses
Feuerbach
Marx.
Introdução
o
sobre
(VI)
198
O discurso curto do protagonista aliado ao exemplo
Tendo em vista a grande quantidade de filmes
instantâneo do que foi dito remete-nos a uma apreensão
estadunidenses que aborda direta ou indiretamente aspectos
fragmentada e parcial da situação num contexto social, onde a
“críticos” da situação global atualmente, esse projeto propõe-se
atenção está focada apenas em uma pessoa ou sujeito,
a estudar as relações entre tais produções e o seu contexto
tornando-a desse modo, não no algoz de suas vítimas, ou
ideológico (Pêcheux, 1997) e histórico, valendo-se de uma
escravo das paixões egóicas, mas num ser/figura de
abordagem analítico-discursiva.
identificação empática por parte do telespectador.
Para tanto, optou-se por um filme produzido na
Atualmente o cinema se constitui enquanto um meio
América do Norte, mas com capital europeu e que chegou aqui
(mídia), uma ferramenta de reconstrução da realidade e
(às videolocadoras brasileiras em 2005) com o nome de “O
revelador de alguns de seus mecanismos. Assim, optamos por
Senhor das Armas”.
analisar um filme que traz uma temática discursiva e ampla e
O filme é “narrado” na posição sujeito do protagonista
em primeira pessoa que faz de uma maneira sucinta um
relatório de uma trajetória no mundo do tráfico de armas. Sem
crítica sobre o comércio internacional de armas.
Antes de adentramos ao nosso estudo, faremos uma
rápida incursão sobre a história do cinema.
discurso de remorso ou de escrúpulos. Iury Orlov (o
Nesse trabalho, a nossa abordagem será no discurso
personagem interpretado pelo ator Nicolas Cage) relata as
do personagem principal e na in/conseqüência desse discurso
causas que levaram a esse caminho. No decorrer do filme
dentro de um quadro geral dos discursos que os ligam a outras
podemos não só acompanhar a narração curta e de retórica
numa tradição discursiva literária e filosófica.
beligerante como podemos observar comparando “as palavras”
do narrador, as cenas que mostram o que é narrado sintetizado.
Breve história do cinema
199
Cinema é a abreviatura de cinematógrafo que é a
A princípio, o cinema que encantava o mundo era
técnica de projetar fotogramas (quadros) de forma rápida e
europeu e não possuía sonoridade. Era o chamado cinema
sucessiva para criar a impressão de movimento, bem como a
mudo. Porém, com o avanço da técnica em todos os setores foi
arte de se produzir obras estéticas, narrativas ou não, com esta
possível a partir de 1927 a produção de um musical americano
técnica.
“Jazz Singer” com alguns diálogos e cantorias sincronizados.
Os inventores do cinematógrafo foram os irmãos
Ao final de 1929 o cinema de Hollywood já era quase
Lumiére no final do século XIX. Também é deles a primeira
totalmente falado enquanto noutras parte do mundo, por
exibição pública e paga de cinema a 28 de dezembro de 1895
questões econômicas e tecnológicas, a transição do cinema
com filmes de curta duração. Apesar de existirem projeções
mudo para o falado foi mais lenta.
anteriores, a sessão dos Lumiére é considerada como marco
inicial a nova arte.
Os
irmãos
Até esta época, Itália e França tinham o cinema mas
popular e poderoso do mundo, mas com a Primeira Guerra
Lumiére
produziram
pequenos
Mundial, a indústria européia de cinema sofreu um forte abalo.
documentários dos quais se destacam, “Sortie de 1’ usine
Hollywood começou a se destacar no mundo do cinema
Lumiére à lyon” ou Empregados deixando a Fábrica Lumiére.
fazendo e importando diversos filmes o que propiciaria a sua
Após os Lumiére muitos outros pioneiros surgiram, cada qual
transformação no mais importante centro cinematográfico do
contribuindo com uma parcela de inovação técnica e arte
planeta.
nascente.
Nos anos que se seguiram até a atualidade a indústria
Nos anos iniciais do cinema os curta-metragens foram
cinematográfica se desenvolveu e transformou-se em uma
preponderantes. No entanto, a partir de 1906 é produzido o
poderosa máquina de propaganda, promoção e veículo de novas
primeiro longa-metragem da história do cinema (“The Story of
idéias, formas de poder e relações ao redor do mundo.
the Kelly Gang”) de setenta minutos.
200
Objetivo Geral
Tentaremos nesse trabalho levantar algumas hipóteses
Faremos uma análise e buscaremos compreender em
sobre o discurso cinematográfico e suas possíveis interações
quais posições sujeito se encaixam ou se constituem alguns
com outros discursos que norteiam algumas correntes de
discursos do referido trabalho cinematográfico. Para tanto
pensamento;
acompanharemos até onde o projeto do filme constitui-se em
Como é sabido que todo discurso é um interdiscurso
quanto crítica discursiva ou estilização da violência no mundo
procurar-se-á inquirir até que ponto os discursos “críticos”
moderno. Para isso tentaremos estabelecer uma relação
atuais têm um suporte na tradição literária ocidental. Assim,
discursiva entre a posição sujeito do personagem do filme e
proceder-se-á um rápido olhar sobre a obra de autores que
alguns personagens paradigmáticos da literatura ocidental (com
tiveram posições críticas frente às instituições e o status quo,
as devidas ressalvas). Observaremos até que ponto as relações
para podermos conjecturar os pontos de semelhança e diferença
interdiscursivas dialogam entre si ( teorias e ideologias) ou
com a obra cinematográfica que aborda um tema crítico e atual
separam de forma cruciante.
como é a produção e consumo de armas.
Por fim, cogitar-se-á uma possível relação entre
(Diamante de Sangue)o jardineiro fiel o filão comercial do
Corpus
cinema “crítico” e sua função discursiva enquanto revelador do
O discurso do personagem narrador (Iury Orlov) do
filme estadunidense “O Senhor das Armas” (Lord of War,
embate das ideologias na fase aguda do capitalismo mundial,
que se configura hoje em todas as instancias discursivas.
2005).
Conjuntura intelectual de surgimento da AD
Hipótese
201
Existem várias maneiras de se estudar a linguagem, da
intelectual á prática escolar, ou seja, ela ocupou partes do
gramática à lingüística todos fazem um recorte necessário à sua
terreno que pertencia a filologia e também à análise de textos
investigação. A partir daí surgiu a análise do discurso que vem
literários. Partindo desse pressuposto a AD se desenvolve no
procurar entender o porquê de determinadas significações e
sentido de esclarecer que as relações de linguagem são relações
abordagens no campo da língua e da linguagem. Por isso, a AD
entre sujeitos e relações de sentidos, que em última instância
se constitui enquanto a disciplina que procura captar o
são construídos historicamente. No Entanto, para se referir á
movimento, a prática da linguagem que caracterizam todas as
AD passa-se antes pelos conceitos lingüísticos e a maneira
sociedades.
como a análise do discurso trabalha-os.
Segundo (Orlandi, 1999) a partir da década de 60 os
Apesar da proliferação dos termos “análise do
textos passam a ser tratados em sua materialidade lingüística e
discurso”, pode-se em linha gerais associá-la a duas correntes:
histórica. Isso se deve ao fato de que os três domínios
AD francesa e AD anglo-saxâ. Uma se ocupando mais dos
disciplinares que configuram uma ruptura com o século XIX se
discursos institucionais, a outra dos discursos cotidianos.
articularam no campo do saber para a produção de novas
Assim, a Análise do Discurso se presta a evidenciar o jogo de
abordagens da realidade.
sentidos que se estabelece entre os discursos.
Das
relações
entre
Lingüística,
Marxismo
e
Eni Orlandi ressalta-se que a AD é servida pela
Psicanálise surge a Análise do discurso que traz em si
Psicanálise, pela Lingüística e pelo Marxismo mas não se
elementos fundamentais de cada uma dessas disciplinas. A AD
restringe a nenhuma dessas disciplinas, ela se constitui como
se firma então como uma ciência que tem o seu objeto de
um recorte dessas disciplinas que estabelece para si um objeto
estudo: o discurso.
que perpassa as outras três constituindo-se enquanto instância e
Para (Mainguenau, 1993) como toda ciência a AD faz
parte de uma tradição. Essa tradição alia uma conjuntura
fundamento de todas as ciências: o discurso.
202
O
discurso
constitui-se
enquanto
prática
de
enunciados nos trechos estudados. Assim, trataremos o discurso
linguagem, palavras e movimentos (Orlandi, 1999). A AD
do personagem principal (Iury Orlov) mais especificamente na
estuda as formações discursivas (FD) que é aquilo que pode e
sua materialidade lingüístico-discursiva.
deve ser dito por um sujeito em posição discursiva num
momento dado e numa conjuntura também dada (Pêcheux,
Pressupostos teóricos
1975).
Introdução ao Corpus – “O Senhor das Armas”
Metodologia.
Antes de selecionarmos as cenas e transcrevermos as
Proceder-se-á ao levantamento do discurso do
narrador/personagem do filme “O Senhor das Armas” (Lord of
“falas” do personagem principal, faremos um breve resumo do
filme.
War, 2005), a seguir analisaremos semanticamente “suas falas”
O filme inicia-se com o protagonista relatando as
e a implicação delas dentro do contexto social a que se refere.
estatísticas da quantidade de armas no mundo e do seu objetivo
Cotejar-se-á o discurso do narrador e a retórica beligerante e
em aumentá-las. Depois, ele faz uma breve exposição de sua
individualista de outros discursos observados mediante leituras.
vida enquanto imigrante ucraniano refugiado, que vive
Procuraremos em ambos os discursos o seu ponto de conjunção
disfarçado na América. Desde os dez anos, nos diz ele, é
e disjunção.
apaixonado por uma modelo famosa. Ao lado do irmão começa
Enquanto material cinematográfico o filme apresenta
a traficar armas para sair da vida monótona que ambos levam.
além da linguagem verbal, uma ou outra não-verbal. Entretanto,
O negócio se expande e ele se torna um dos maiores traficantes
dados os limites e os objetivos do nosso trabalho, as imagens só
de armas do mundo. Segundo ele, “internacionalista”, por
serão discutidas quando colaboram na compreensão dos
vender armas para matar seus próprios compatriotas. Ao longo
203
do filme ele (o personagem) é perseguido por um agente que
medida que a câmera desce, podemos perceber que ele se
acaba desmascarando-o á sua mulher. Ao fim, sem família, sem
encontra na sacada de seu apartamento. Ele traz um cigarro
irmão que fora morto numa transação na África, o personagem
entre os dedos. Após voltar-se em direção ao apartamento, leva
continua sua vida no mundo do crime por achar que a
o cigarro à boca e dá uma tragada. Concomitante a toda a cena
criminalidade faz parte da “sua natureza”. Importa observar que
é dito pelo narrador em primeira pessoa: Enunciado 2 - “Aos
analisaremos os enunciados de acordo com o grau de
quatro meses e meio um feto humano tem um rabo de réptil...
importância dos mesmos para a nossa analise e, não conforme
uma lembrança da nossa evolução. Talvez seja disso que eu não
aparecem cronologicamente no filme.
consiga fugir. Você pode combater muitos inimigos e vencer,
CENA I – após efetuar sua primeira venda de arma,
mas se lutar contra sua biologia você perde sempre.” (tempo:
Iury Orlov deita-se na cama de um quarto semi-escuro, dá um
01:32:30). Para a análise das duas cenas anteriores nos
suspiro de alívio após ter feito a negociação e retira de sob suas
serviremos de dois conceitos básicos da AD: Formação
costas uma cápsula que ficara ali esquecida.
Discursiva (FD) e Paráfrase.
Simultânea a essa cena o narrador diz: Enunciado 1 -
Definindo FD como uma posição ocupada pelo sujeito
“Eu tinha fugido da violência a minha vida inteira, quando eu
a partir de uma Formação Ideológica (FI), podemos observar
deveria ter ido de encontro a ela. Está na nossa natureza. Os
que o “narrador-personagem”
esqueletos humanos mais antigos tinham pontas de lanças em
poderíamos chamar de “determinista”, ou seja, que inclui e
suas caixas torácicas”. (tempo 00:09:04), na cena seguinte, o
resgata o discurso evolucionista de Darwin, ou seja, aquele para
personagem coloca a cápsula na sua corrente como se fosse um
o qual já está de antemão pré-determinado pela “natureza”,
talismã.
pelos “Genes” o desenrolar de uma situação. Portanto, o
CENA II – A câmera focaliza o personagem em sua
metade superior ao mesmo tempo em que enquadra o céu. À
numa posição – sujeito que
discurso do personagem opta por apresentar os aspectos básicos
da cultura humana de forma naturalista.
204
Desse modo, no recorte da cena I, ao tentar justificar o
fonte”. Para tanto atente ao enunciado recortado da cena I onde
efeito de sentido (Pêcheux, 1997) que a violência tem sobre sua
o personagem faz uma apologia do discurso da violência
posição sujeito, ele a significa (a violência) a toda “natureza”
enquanto fator constituinte da natureza humana, com a qual (a
humana. Para justificar-se, ele lança mão de discursos
violência) ele tratará de estruturar-se financeiramente. Agora,
arqueológicos (Enunciado I – quando a posição sujeito relata o
atende-se para essa discurso do personagem “Dolmancé” do
encontro de pontas de lança na caixa tórax dos homens pré-
Marquês de Sade de “A filosofia na alcova ou Os preceptores
históricos) sem o endosso de outros discursos que poderiam
imorais”. “ o assassínio não é do modo algum uma destruição;
outros sentidos para o funcionamento da prática discursiva
aquele que o comete nada mais faz que variar as formas; ele
(históricos,
também
devolve à natureza elementos de que a mão dessa hábil
poderiam fornecer uma visão prática discursiva. Na cena II, o
natureza se serve imediatamente para recompensar outros
personagem lança mão de uma “razão” biologicista para
seres.”
antropológicos,
etnográficos)
que
justificar a sua volta ao tráfico de armas. Atende-se, também,
Feitas as devidas ressalvas contextuais, ou seja, as de
para o efeito de sentido de verbos que denotam ou lembram
que o sujeito sadiano enunciava a partir de uma situação de
beligerância (combater, vencer, lutar, perder) e a palavra
revolução social (1789) e de que antes ele já se constituiu de
“evolução” que é tão cara a algumas correntes científicas
um discurso da imoralidade (Os preceptores imorais), o que
(darwinismo e positivismo).
não é o caso do sujeito principal de “O Senhor das Armas”
O conceito de paráfrase que utilizaremos é aquele que
(Iury Orlov) que faz discursivamente racionalizações para
a vê como “...uma atividade de reformulação, pela qual se
convencer a si mesmo da validade de seus discursos baseados
restitui o sentido de um discurso (enunciado ou texto) já
na sua sofrida condição de imigrante (refugiado).
produzido”. (Fuchs, 1982). Assim, a reformulação deixa seus
No recorte da cena II, depreende-se do conceito do
traços nos discursos que nos permite lembrar o “discurso-
protagonista o determinismo biológico, a saber, aquele que
205
sugere que a violência é intrínseca à natureza humana como se
Do exposto acima, observa-se que o filósofo atribui
essa fosse algo dado e não construído. Ao se constituir por
um sentido negativo á paz (antibiológico) e um sentido positivo
enunciar o discurso determinista naturalista da vida o
á guerra.
protagonista exclui outra tais como: a visão cultural, história e
A primeira cena do filme é a de um homem vestido
socialmente (terno, gravata) com uma pasta preta à mão. Ele
social.
Veja-se essa afirmação de Nietzsche no aforismo 215
está sobre um chão repleto de cápsulas. À sua volta ouve-se
do seu livro “Der wille zur macht” ( S/d, 207) (Vontade de
barulho de tiros e vêem-se ruínas de casa pegando fogo. De
Potência) que assemelha-se, ao menos em superfície ao que foi
repente, ele coloca-se de frente para a câmera e diz: Enunciado
dito pelo personagem principal do filme supracitado:
3 - “Existem cerca de quinhentos e cinqüenta milhões de armas
de fogo em circulação no mundo. Isso equivale a uma arma
A escala de valores que serve hoje para
para cada doze pessoas no planeta. A única pergunta é: como
julgar as diferentes formas da sociedade
podemos armar as outras onze?” (tempo: 00:01:12)
identifica-se absolutamente á que empresta á
Esse monologo do sujeito marca uma posição
paz, um valor superior á guerra: mas uma
discursiva constituída e atravessada por outras posições, isso é
semelhante juízo é antibiológico, é até um
o efeito de sentido desse monologo. Por ser os efeitos de
produto da decadência na vida... A vida é
sentido que interessam à análise do discurso (Mussalin, 2004),
uma conseqüência da guerra, a própria
destacamos a inversão da perspectiva e o direcionamento que o
sociedade é um meio para a guerra... (p. 207)
personagem dá ao seu discurso ao deixar explícito que a sua
(grifo meu).
função social não é minorar o número de armas de fogo, mas
aumentá-lo.
206
Após essa introdução bem sintomática do que será sua
Porém, o espectador que vai apenas “ouvir” o que aconteceu,
prática no decorrer do filme, o personagem-narrador (que
dificilmente questionará se a história tal qual a vê, é a única
ficamos sabendo se autodenominar Iury Orlov) aparece agora
versão através da qual a história pode ser contada. E pode ou
na cena II sobre uma espécie de paliçada de frente para o mar.
não acreditar naquilo que o narrador acredita, pelo seu efeito
Antes de observarmos o enunciado relativo a essa cena, vamos
discursivo.
fazer uma observação a respeito do narrador, pois é ele quem
No decorrer do filme ficamos sabendo do próprio
enfoca as situações a serem abordadas e é dele a última palavra
narrador que ele nos mentira a respeito de seu nome, e por se
em tudo.
tratar de refugiado ucraniano nos Estados Unidos vivia em um
Enunciado 4 - “Vocês não precisam se preocupar. Eu
não estou aqui para lhes contar um monte de mentiras para me
lugar específico Little Odessa (comunidade ucraniana) a qual
ele considerava como o fim da linha para o trem.
fazer parecer bom. Só vou lhes contar o que aconteceu...”
Enunciado 5 - Após presenciar um assassinato duplo,
(tempo: 00:04:35). Do enunciado acima, compreendemos que o
Iury racionaliza “Você entra no ramo de restaurantes porque as
narrador não anunciará um discurso mentiroso. Ora, se
pessoas sempre vão precisar comer. Naquele dia eu entendi que
sabemos que o sujeito tal qual o discurso, é heterogêneo
o meu destino era satisfazer uma outra necessidade humana
(Mussalim, 2004) clivado e dividido, conjecturamos então que
básica.” (tempo: 00:07:35)
ele (o narrador/sujeito) nos enunciará “verdades” e que essas
Do que foi enunciado, depreende-se o não enunciado,
“verdades” o farão “parecer mal”. Atente-se aqui para a
mas que fica na entre linhas pelo efeito de sentido, ou seja, a
ambigüidade do verbo parecer que gramaticalmente é verbo de
outra necessidade humana básica seria matar. Agindo dessa
ligação e que não denota estado fixo de qualidades para o
forma, o protagonista naturaliza as questões básicas da cultura
sujeito. Desse modo, observamos que as “suas” verdades tanto
humana e apaga os sentidos que poderiam trazer se elas fossem
quanto as prováveis mentiras, não têm um estatuto permanente.
historicizadas.
207
As “necessidades humanas básicas” aqui estão
Então, partindo do “estado de natureza” do ser humano e do
próximos dos conceitos biologicistas (alimentar-se, dormir,
estabelecimento do direito natural chegamos pelas malhas do
evacuar), no entanto, há uma clara dificuldade em incutir nessa
interdiscurso ao sujeito do século XX que reclama não só a sua
lista o pressuposto acima (matar).
vida mas a de outros e que quer ter liberdade de dispor da vida
Porém, se sabemos que há como se afirma na AD-3, o
do outro, mesmo que seja a do próprio irmão, como é o caso do
primado do interdiscurso sobre o discurso (Pêcheux, 1997) e o
personagem analisado. E à busca da felicidade adiciona-se: “a
interdiscurso é constituído por diversas FDs, podemos
qualquer preço”, como uma posição discursiva.
considerar o que disse (VALENZI, 2003) sobre o interdiscurso
É certo que o sentido acima exposto não existe por si
ser composto por “FDs e, consequentemente; FIs (Formações
mesmo, ele se constitui à medida que se constitui o discurso.
Ideológicas)” disponibilizando “inúmeras formulações já feitas
No interdiscurso, no não dito é que se observa que esse sujeito,
(e esquecidas)” e que devido às novas condições de produção
agora interpelado pelo neoliberalismo sai em busca do discurso
(CP), novos sentidos são produzidos nesse processo.
da felicidade própria e auto-suficiência econômica utilizando
Retomando o discurso de naturalização da cultura,
retomamos a noção de “estado de natureza” do filósofo inglês
do discurso constituído para matar seus rivais e depredar o
planeta.
(John Locke, 1969) segundo a qual os seres humanos possuem
Tanto o discurso do “estado de natureza” quanto o
características naturais próprias e universais a todos. Assim,
discurso do protagonista se encaixam pelo seus efeitos numa
esse discurso de naturalização dos homens têm seu suporte ou
FD que podemos chamar de individualista (Enunciado I e
constituição legal em muitas constituições de Estado, sobretudo
Enunciado V) que se acham expressas respectivamente nas
a dos Estados Unidos que entre outras coisas anuncia que a
práticas discursivas políticas liberais e neo-liberais.
vida, a liberdade e a busca da felicidade são condições
inerentes a todos os homens pois estes são obras do Criador.
208
Em certa passagem do filme, ao se encontrar com
outro
traficante
de
armas
(mundialmente
famoso),
o
discursivo midiatico, mas especificamente hollywoodiano que
exporta para o mundo todo o seu discurso e a sua maneira de
encarar
protagonista diz, entre outras coisas:
e
“resolver”
os
problemas
de
ordem
ético
Enunciado 6 - “Não há mais espaço no contrabando
existencialistas. Se não podemos, nem precisamos fechar o
de armas para a política, Si meon. Eu vendo pros da esquerda e
assunto, ou a análise discursiva ao menos, podemos tentar
da direita. Vendo pros pacifistas que não são os clientes
classifica-lo como um discurso formado por Fds que
habituais. É claro, você não é um verdadeiro internacionalista
comportam sentidos deterministas das ações humanas e que
até vender armas para matar os seus compatriotas”. (tempo:
podemos conjectuar caiba perfeitamente dentro de uma FI pré-
00:43:05)
científica.
Observa-se do exposto acima, o discurso que oculta a
razão da ação do personagem principal. Ele não explica o que
Bibliografia
entende por política, mas pode-se considerar que o sentido é de
um internacionalismo, que não faz distinção de sentido entre
ACHARD, P. Papel da memória. [et al]: tradução e introdução
partidos
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credos.
Essa
impessoalidade
do
narrador/personagem (no discurso) deixa entrever o seu
contrário, ou seja, ele vende para todos. O único critério de
CARDOSO, S.H.B. Discurso e ensino. Belo Horizonte:
diferenciação é o pagamento que pode ser em dinheiro,
Autêntica, 1999.
diamantes ou cocaína. Assim, para o personagem o importante
é fazer bons negócios.
Assim, não pretendemos esgotar o assunto, apenas
levantar algumas questões que supomos pertinentes ao mundo
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Literatura como Expressão do Sentimento (semiótica)
Geane Carla Di Benedeto (G/FINAN)
Deborah Negrine Ântico (G/FINAN)
Pêcheux, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à
afirmação do óbvio/Michel Pêcheux; trad. Eni Pulcinelli
210
Rastros do Trágico na Obra “O Santo Inquérito” de Dias
Mesa 10
Gomes
A Importância de Contar História nas Escolas
Ilma Benício Tavares (G/UEMS)
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
Priscila Mendes Daosico (G/UEMS)
Michelle Cristianne de Souza Gonçalves (G/UEMS)
Rosemeiro Maziero Fernandes (G/UEMS)
Gonçalo Mendes Ramires – Personagem como Metáfora na
Obra de Eça de Queiroz
A Importância dos Contos de Fada
Liani da Silva Militão (G-UEMS
Michelle Cristianne de Souza Gonçalves9
UEMS/NA
Rosemeire Maziero Fernandes10
UEMS/NA
Alaíde Pereira Japecanga Aredes11
UEMS/NA
Introdução
Sempre que pensamos sobre os contos de fada nos
vêm à mente histórias de amor, nas quais tudo acontece de
9
Egressa do curso de letras da Unidade Universitária de Nova Andradina
Egressa do curso de letras da Unidade Universitária de Nova Andradina
11
Docente na UEMS – Unidade Universitária de Nova Andardina.
10
211
maneira a garantir um final feliz, muitos castelos, princesas e
os grandes clássicos da literatura, orientadas que eram por seus
príncipes cuja única preocupação é levar à diante uma linda
pais e preceptores; já a criança das classes mais populares não
história de amor e sempre estão associados com a chamada
tinha acesso à escrita e à leitura, portanto, tomava contato com
literatura infantil, tipo de texto em que valores moralizantes e
uma literatura oral e mantida pela tradição de seu povo.
elementos educativos são os elementos mais importantes. Em
Percebemos, dessa maneira, a inexistência da chamada
parte, alguns aspectos dessa maneira de pensar estão corretos,
literatura infantil, pois, oral ou escrita, clássica ou popular, a
claro que haveria castelos, príncipes e princesas, além de fadas
literatura veiculada para adultos e crianças era exatamente a
de vez em quando, pois na época em que tudo começou isso
mesma.
era lugar comum. Agora, pensar que tanto os contos de fada,
Desde a segunda metade do século XVIII, as
como a literatura infantil, servem apenas para uma finalidade
sociedades começam um processo de industrialização, novas
didático-pedagógica, isso está completamente equivocado.
classes sociais surgem. Valores são descartados em detrimento
Para entender um pouco mais sobre literatura infantil
e contos de fada, já que o imaginário popular ocidental os fez
permanecerem unidos, vamos entender o processo por meio do
qual os textos nascem na sociedade.
de outros novos que despontavam com o poderio econômico
de uma classe emergente: a burguesia.
Nessa sociedade, sedenta de novos conceitos, métodos
e técnicas movidas pelo poder econômico, iniciam-se as
adaptações de clássicos da literatura como Cinderela, As mil e
Contos de fada: um pouco de História
uma noites e as Fábulas de Esopo, além de uma gama de
histórias que tiveram a sua origem em classes intelectualizadas
Conforme GREGORIN (1995:2), antes do século
ou populares, essas últimas mantenedoras das novelas de
XVIII, encontra-se uma separação bastante nítida do público
cavalaria e de uma infinidade de contos ainda reeditados para
infantil. As crianças pertencentes às altas classes sociais liam
as crianças deste final do século XX.
212
Se considerarmos a interpretação mais apurada desses
textos caracterizados como literatura infantil, verificamos
visual). Portanto, o texto que se nomeia como infantil
pressupõe um leitor intersemioticamente competente.
serem eles portadores de uma estrutura profunda portadora de
Os recursos verbais e visuais contidos no plano de
temáticas que contêm valores humanos, já que os valores sobre
expressão têm o propósito de fazer-crer estar em contato com
os quais as sociedades são construídas não são infantis, adultos
discursos que circulam no universo infantil e que, portanto,
ou senis, são humanos, atemporais e fazem parte do imaginário
tratam de temas infantis. Além disso, a sociedade, num
cultural de uma sociedade, renovando-se e acrescentando
processo de construção dialógica do conceito de criança ,
elementos que são construídos num processo histórico e
produziu
dialógico.
Por meio de análises mais aprofundadas dessa modalidade de
Por meio da análise de recursos utilizados na estrutura
superficial
e
concreta
(discursiva),
verificamos
vários
elementos escolhidos pelos
esses
textos
como
verdadeiramente
infantis.
textos, percebemos que as sociedades (e neste trabalho estamos
nos referindo somente às ocidentais), possuem um cardápio
desses componentes textuais ao qual os enunciadores recorrem
sujeitos da enunciação a fim de serem estipulados
contratos entre enunciador/enunciatário com a finalidade de
fazer-parecer o texto infantil e verdadeiro.
no momento da enunciação.
Temos, desse modo, uma lista de figuras que vem
sendo produzida desde que a pedagogia propôs que se
Observamos, então, que os textos produzidos para
publicassem textos adequados ao mundo da criança, sendo,
crianças são, geralmente, o resultado de dois textos: o visual e o
então, uma produção cultural que vem sendo retro-alimentada à
verbal,
medida que novos valores vão sendo instaurados na sociedade.
conseqüentemente
produzidos
por
enunciadores
distintos. Torna-se importante termos em mente que o
Percebemos que a um plano de expressão com
enunciatário virtual do texto é uma criança e a manifestação
figurativizações apropriadas ao ser que se concebe como sendo
textual integral é o resultado de duas semióticas (verbal e
“criança” não implica um plano de conteúdo com temas do
213
mesmo teor, visto trabalharem-se temas atemporais, havendo
uma etapa de desenvolvimento do ser humano, de seus afazeres
um ponto de interseção no interior das estruturas textuais
e dos textos que devem ser lidos nessa etapa da vida, um
responsáveis pelo surgimento de um nível de manifestação
conceito que se vai construindo através do tempo por textos
chamado de literatura infantil.
construídos para e por essa sociedade.
Esse ponto é percebido quando tem início o processo
Ao mesmo tempo, figuras e estruturas textuais
de discursivização, ponto em que o enunciador escolhe, entre
produzidas historicamente pelo saber humano e num processo
outros elementos, o seu enunciatário e, conseqüentemente, opta
gradual foram divulgadas através da literatura infantil foram
por essa ou aquela manifestação textual, tudo com o objetivo de
sendo cristalizadas no imaginário cultural do homem ocidental
que seu texto e valores nele contidos sejam aceitos.
e, por isso, tornam-se importantes instrumentos através dos
Entendemos a estrutura social como a mantenedora de
um universo pedagógico do qual são retiradas as figuras que
quais um tema ou mensagem pode ser veiculado na sociedade,
daí o seu reaproveitamento em outros tipos de texto.
circulam nessa modalidade de literatura e em outros tipos de
Assim, não é completamente incorreto associar os
texto que circulam na sociedade, pois, sua organização textual e
contos de fada à literatura para crianças, já que os dois
larga veiculação na sociedade já fez criar uma grande parcela
universos textuais têm muita coisa em comum, o importante é
do imaginário cultural das sociedades. Essas figuras fazem vir à
não termos uma visão reducionista de um ou de outro, já que os
tona valores humanos e históricos, por intermédio de
dois são portadores de valores sobre os quais a sociedade vem
manifestações textuais com várias intencionalidades.
sendo construída, a sociedade e as relações sociais, as relações
Temos, hoje, uma concepção de criança e de seu
sociais e a construção do nosso “eu”.
universo, como sendo um conceito que se construiu no e pelo
Também é comum confundir contos de fada com
dialogismo, no sentido bakhtiniano do termo, ou seja, criança
contos maravilhosos, os primeiros têm origem celta (surgiram
para a nossa sociedade é um conceito histórico e dialético de
como poemas sobre amores estranhos, fatais, eternos e foram
214
integrados no ciclo novelesco arturiano), dizem respeito ao
Como um universo tão complexo de valores pode ser
nosso universo individual (subjetivo) e se apresentam com ou
trazido na literatura infantil? Importante lembrar que os contos
sem a presença de fadas. Os contos maravilhosos têm outra
de fada que chegam ao universo infantil já sofreram vários
origem, Originam-se provavelmente de narrativas orientais e
processos de adaptação, geralmente conservam-se neles o
enfatizam a parte material, sensorial e ética do ser humano
caráter de aventura ou as lindas histórias de amor, mas um
(necessidades básicas, de sobrevivência física), mostram um
olhar mais apurado e uma comparação atenta com os textos
universo coletivo e não trazem as fadas como personagens na
próximos do original colhido por estudiosos como os Irmãos
efabulação.
Grimm, constatam essa realidade de serem eles uma produção
As fadas são elementos do folclore europeu ocidental,
ideológica da própria sociedade, para discutir valores que ainda
surgidos na criação poética céltico-bretã. Etimologicamente, a
hoje, séculos depois, estão presentes na nossa construção como
palavra fada vem do latim fatum, que significa destino,
seres humanos.
inúmeras línguas apresentam este vocábulo no seu léxico, como
Desse modo, é importante que se percebam as várias
exemplos, temos: fée (francês.), fairy (inglês), fata (italiano),
florestas pelas quais inúmeras meninas se sentem atraídas ainda
feen (alemão), hada (espanhol).
hoje. Verificarmos que a figura do caçador bondoso que chega
Muito importante é destacarmos a temática que os
contos de fada apresentam. Como citamos anteriormente, ao
para salvar avó e filha das garras do lobo nada mais é do que a
sombra do macho a dominar a nossa sociedade.
refletirem o universo subjetivo, os contos de fada vão narrar
Importante é perceber a volta à normalidade dos vários
conflitos como a questão da alteridade, do gênero e suas
reinos que se desestabilizam entre o “era uma vez” e o final “e
relações com a sociedade, do crescimento, das relações entre
foram felizes para sempre”, sendo que esse último é apenas a
pais e filhos, da sensualidade e da sexualidade.
marcação da volta da estabilidade ao reino ou ao nosso próprio
“eu” depois de colocado à prova.
215
COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da literatura
Últimas Palavras
Em última análise, ler contos de fada ou literatura
infantil e juvenil. São Paulo: Ática, 1991.
_____ A Literatura Infantil. São Paulo: Moderna, 2000.
infantil é ter a postura de se colocar diante de uma narrativa
que representa as nossas lutas com nós mesmos ou com a
_____ O conto de fadas: símbolos, mitos, arquétipos. São
sociedade, é observar o nosso crescimento enquanto sociedade,
Paulo: DCL, 2003.
sociedade essa que, anteriormente, não sabia o que era uma
criança.
CORSO, Diana Liechtenstein e CORSO, Mário. Fadas no
Divã: psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed,
Referências Bibliográficas
2005.
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GREGORIN FILHO, José Nicolau. A roupa infantil da
Rio de Janeiro: LTC, 1981.
literatura. Araraquara, SP: 1995. Dissertação apresentada à
FCL-UNESP.
BETTELHEIM, Bruno. Psicanálise dos contos de fada. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1978.
_____ Figurativização e imaginário cultural. Araraquara. SP,
2002. Tese apresentada à FCL-UNESP.
CARVALHO, Bárbara Vasconcelos de. A literatura Infantil.
São Paulo: Global, 1984.
JOLLES, André. As formas simples. (trad. Álvaro Cabral) São
Paulo: Cultrix, 1976.
216
UM ESTUDO IDEOLÓGICO DE ALGUNS DISCURSOS
PERROTTI, Edmir. O texto sedutor na Literatura Infantil. São
MIDIÁTICOS TELEVISIVOS
Paulo: Ícone, 1986.
Olga Talita Furlan Mazzei
SORIANO, Marc. Guide de la Literature pour la Jeunesse.
(FAIS-Faculdade de Sorriso)
Paris : Flamarion, 1975.
VON FRANZ, Marie- Louise. A sombra e o mal nos contos de
fada. São Paulo: Ed. Paulinas, 1985.
_____ A interpretação dos contos de fada. São Paulo: Paulus,
1990.
Mesa 11
Análise da Conversação
José Amorim da Silva (G/FINAN)
Um Estudo Ideológico de Alguns Discursos Midiáticos
Televisivos
Olga Talita Furlan Mazzei (FAIS)
RESUMO: A interação social acontece através da
linguagem que se caracteriza como a expressão de valores,
julgamentos, críticas, vontades, opiniões. Mas quando se
fala de linguagem, é necessário superar o conceito
verbalista, uma vez que, linguagem é todo e qualquer sinal
convencionado capaz de transmitir alguma mensagem, por
isso, pode-se considerar as imagens como uma das formas
mais fáceis e práticas de transmissão de informação na
atualidade. Toda essa ação comunicativa torna-se uma
atividade dotada de intencionalidade, ou seja, o sujeito
emissor tenta atuar sobre o receptor fazendo com este saia
da posição de mero receptor, a ativo na situação,
modificando atitudes e compartilhando de algumas opiniões.
Cada
enunciação
pode
ter
uma
multiplicidade
de
217
significações, visto que as intenções do sujeito produtor da
ABSTRACT: The social interplay happen through language
fala, ao elaborá-la, podem ser as mais diversas. O discurso
that is describe as valours, judgement, critiques, volition and
considerado neutro é apenas um mito: o discurso que se
opinions. But, when to talk about language, it’s necessary to
pretende neutro, ingênuo, contém também uma ideologia.
overcome the conception verbaly, because, language is every
Portanto não se tem no presente trabalho a pretensão de
and anything establish sinal able to transmit some information,
atribui uma única e verdadeira interpretação ao discurso em
so, it can consider the pictures as a n of the easiest and the most
análise, mas apenas demonstrar um primeiro estudo acerca
pratice form to transmit information in the present time. Every
da ideologia embutida em uma mensagem publicitária,
this communicative accion get a activity full of intention, this
combinando
de
want say that the emitter subject try to actuate in the receiver
Análise do Discurso proporcionando uma leitura crítica e
for this receiver leave of only receiver position and get a active
abrangente dos processos de significação e de produção de
subject that change attitude and to share some opinions. Each
sentido. A diferença entre dizer e mostrar permite relacionar
enunciation can have a mutiplicity of signification, because the
linguagem, homem e mundo e sob esse aspecto se torna
intentions of emitter subject, when he produce a talk ,
pertinente falar de ideologia na linguagem. Como objeto de
developed too and these can be very diversity. The neuter
análise, utilizamos o comercial da Fiat (2004), que foi
discourse is only myth: the neuter discourse ou ingenuous
apresentado através da mídia televisiva e que pode ser
discourse has a ideology too. In as much as doesn’t have in this
compreendido como um discurso contrário a algumas
worl the pretension of imput only one e true interpretation on
considerações sociais de inclusão, respeito e reabilitação.
discourse in analyse, but demonstrate a first study about
procedimentos
teórico-metoldológico
PALAVRAS-CHAVE: publicidade; discursividade; ideologia.
ideology inserted in publicity message combining proceeding
theory and methodology of Analyse Disourse providing a
critique read and ample of the signification process and of
218
production of judgement. The difference between to say and to
diminuída, as pessoas aproximadas, imagens e notícias em
show permit to relate language, person and world and in this
tempo real e a linguagem passou a ser estudada como ciência.
aspect get coherent to talk about ideology in language. As study
Com a globalização e os avanços tecnológicos pelo
object to analyse, it use the comercial Fiat (2004), that it was
qual o mundo passou nos séculos XVIII e XIX, a mídia
introducing through mass comunication
and can be
televisiva surgiu e se desenvolveu tão rapidamente quanto
comprehend like a discourse wich is contrary to some
puderam perceber os maiores alvos desse processo: os
considerations sociais of inclusion, respect and rehabilitation.
telespectadores.
KEY WORDS: Publicity; discourse; ideology.
A televisão começa sua expansão nos anos 50, sofre
alguns avanços na década e 60 com a Rede Record em São
1 Introdução
Paulo, e é fundamentalmente com o surgimento da Rede Globo
de televisão e o desenvolvimento e amadurecimento da
Numa sociedade capitalista, em que o lucro é um dos
objetivos principais, as relações de compra e venda são muito
publicidade que a linguagem da TV se consolida.
A mídia se tornou organizadora e divulgadora de
importantes. Neste contexto, a propaganda veiculada através da
discursos.
mídia televisiva tem papel essencial como alavanca que
conhecimento, produzir, reproduzir, inventar situações e
colabora na efetivação e aumento de vendas, sendo conhecida
mundos imaginários.
Cabe
a
ela
propagar
ideologia,
enriquecer
como “a alma do negócio”. O mundo está entrelaçado pela
E apesar de tanta tecnologia e inovação na área
comunicação moderna. Temos o sujeito a serviço da linguagem
midiática, constata-se que o veículo comunicativo mais
e esta a serviço do sujeito. Tivemos muitas mudanças em
acessado pela população brasileira atualmente é a televisão, e o
relação a informação e interação comunicativa: a distância
alto índice se mantém na região centro-oeste. Seria imprudente
definir uma única forma que sobrepusesse as demais quanto à
219
difusão de ideologia, mas com certeza , a propaganda é uma
positivamente alguns consumidores, que se mantém passivos e
delas. Segundo SAMPAIO (1997) a manipulação planejada da
ingênuos diante da publicidade veiculada todavia, deve-se ter a
comunicação visa pela persuasão, promover comportamentos
pretensão de se tornar telespectadores críticos e capazes de
em benefício do anunciante que a utiliza.
identificar os fatores históricos, sociais e econômicos
Por isso o discurso das propagandas televisivas será o
responsáveis pela produção do discurso.
objeto de estudo deste trabalho. A ideologia, que é definida
Nesta reflexão, amparados pela Análise do Discurso
segundo Althusser (1970) como uma representação da relação
francesa e à luz desta, considerando que o sujeito se constrói e
imaginária dos indivíduos com suas condições reais de
é construído pelo discurso, pretendemos analisar o comercial
existência, é divulgada através das propagandas definidas de
exibido pela Fábrica de automóveis Fiat em 12 e 14 de
acordo com a intencionalidade e objetivos do criador do
novembro de 2004. Tratava-se de uma campanha publicitária
discurso.
do veículo Pálio. A propaganda televisiva mostra um ex-
Essa transmissão tende na maioria das vezes a
presidiário que ao sair do presídio depara-se com um Pálio
persuadir o ouvinte através do convencimento porém, esse
estacionado na rua. A imagem então fica escura e escuta-se o
processo pode ter efeitos deturpados. Ao proporcionar a
barulho de quebra de vidro e aparece a frase “ Impossible to
circulação de uma propaganda a determinado público alvo, o
feel indifferent” que pode ser compreendida como “ ninguém
discurso pode, além de convencer algumas pessoas, indignar
resiste ao novo Pálio”.
tantas outras.
O discurso publicitário supracitado, pode ser avaliado
É o que acontece quando percebemos a existência de
como um desrespeito a população de determinada classe social.
um discurso discriminatório, ou que incite a violência, ou que
Há um intuito governamental de reduzir as desigualdades
ainda explora determinada classe social, em determinada
sociais e permitir a reabilitação para aqueles que pagaram pelos
proposta publicitária. Pode ser que o anúncio consiga atingir
220
seus erros e desejam voltar ao convívio social, e esta
propaganda vem de encontro a todas essas intenções.
Ainda de acordo com Orlandi (2001), os sentidos dos
dizeres são determinados pela maneira como estamos inscritos
na língua e na história, os discursos não se originam em nós,
2 Análise do Discurso
pois quando nascemos já estão em um processo que é contínuo;
as palavras significam pela língua e pela história, existindo
Segundo Orlandi (2001), a análise de discurso busca
portanto, um já-dito, que se liga à memória, o chamado
contribuir para uma reflexão e uma relação menos ingênua com
interdiscurso. Ao pensar linguagem e discurso, a autora destaca
a linguagem na medida em que busca problematizar as
a paráfrase e a polissemia que se relacionam ao funcionamento
maneiras de ler, perceber que estamos sujeitos à linguagem,
da linguagem, representado a paráfrase um retorno aos mesmos
que não é neutra, buscando compreender como um objeto
espaços do dizer, produzindo uma variedade do mesmo e a
simbólico produz sentidos, estando investido de significância
polissemia, uma ruptura dos processos de significação, lidando
para e por sujeitos. A autora lembra que não há discurso sem
com o deslocamento, com o diferente. Não há discurso que não
sujeito, sem ideologia, manifestada através da língua. O
se relacione com outros discursos, numa intertextualidade,
contexto ideológico e o contexto sócio-histórico estão incluídos
numa relação de sentidos, sendo esta relação um dos fatores das
nas condições de produção do discurso, daquilo que é dito e
condições de produção do discurso, sendo outros fatores: o
também daquilo que não é dito ou que poderia ter sido dito e
mecanismo de antecipação, quando o sujeito se antecipa ao seu
não o foi e em relação ao não-dito, a autora remete a Ducrot
interlocutor, dirigindo seu dizer de acordo com o efeito que
que destaca formas de não-dizer (o implícito), separando
pensa em produzir; a relação de forças, quando o lugar a partir
daquilo que deriva da linguagem, o não-dito mas presente (o
do qual fala o sujeito interfere em seu dizer como, e, por fim, se
pressuposto), daquilo que se dá em um contexto (o
relacionando a estes mecanismos/fatores de funcionamento do
subentendido).
discurso, o que a autora chama de formações imaginárias,
221
sendo as imagens dos sujeitos envolvidos no discurso
interação entre locutor e interlocutor está marcada por essa
resultantes de projeções, implicando, por exemplo, a imagem
relação.
que o locutor faz de seu interlocutor, a imagem que ele pensa
O conceito de discurso seria o da linguagem em
que seu interlocutor faz dele e vice-versa. A autora diz que
interação,
“(...) nem a linguagem, nem os sentidos, nem os sujeitos são
interlocutores, assim como o contexto; o ponto de vista da
transparentes: eles têm sua materialidade e se constituem em
Análise de Discurso instaura o discurso como objeto. Já a
processos em que a língua, a história e a ideologia concorrem
unidade da Análise de Discurso é o texto, que é uma unidade
juntamente” (Orlandi, 2001, p.48).
complexa de significação em relação a uma situação, podendo
considerando
a
relação
estabelecida
pelos
Orlandi (1996) diz que as diferenças de construções
ter qualquer extensão, desde uma simples palavra até um
dos discursos são em razão dos efeitos de sentidos desejados e
conjunto de frases, não sendo fechado em si mesmo, mas tendo
cita como exemplo a indústria cultural, em que os textos trazem
relação com o contexto e com outros textos, na chamada
outros sentidos, que não a informação estritamente, através de
intertextualidade. A unidade do diálogo é a do texto e não é da
efeitos como a persuasão, o nivelamento de opinião, a ideologia
ordem de um dos interlocutores ou do outro, é interação, sendo
de sucesso, a homogeneização, etc. Ao falar de sujeitos, a
a relação dialógica básica para a caracterização da linguagem,
autora chama a atenção para o sujeito leitor que, na medida em
supondo ter todo texto uma relação dialógica que se constitui
que tem contato com o texto seja ele verbal ou não-verbal, se
pela ação dos interlocutores.
constitui, se representa, se identifica, pois a compreensão não
Se a Análise de Discurso se propõe desvendar o
se dá em relação apenas à informação, mas faz entrar em conta
discurso, mostrar que sua aparente “transparência” e “verdade”
o processo de interação, a ideologia. O lugar que os
estão amparados por uma ideologia, de que são constituídos o
interlocutores ocupam numa formação social e desse modo na
discurso e o sujeito, procurar demonstrar tudo isto em uma
relação com a ideologia é constitutivo de seu discurso e a
propaganda é o que se propõe a seguir.
222
escuta-se o som de um vidro sendo quebrado e de um alarme
3. Análise da Propaganda “Fiat”
disparado.
De imediato não se pode deixar de fazer algumas
A propaganda televisiva mostra um presidiário que
considerações, como a característica da pessoa que representa o
está prestes a conseguir sua liberdade. Os policiais o chama
presidiário, ele aparenta ter idade avançada, o que pode
para conferir seus objetos pessoais e recebê-los, trocar sua
significar que passou um bom tempo de sua vida no presídio,
roupa e sair do presídio. Ao conferir seus objetos, olha para
ou até mesmo que envelheceu por má qualidade de vida.
algumas fotos que supostamente são de pessoas queridas e das
Outro recurso que foi utilizado na propaganda é a
quais ele deve estar sentindo muita saudade. Quando ele passa
linguagem
pelos colegas, companheiros do presídio, todos demonstram
telespectadores. Durante todo o processo dentro do presídio, a
grande alegria pela vitória dele, em conseguir sair de um lugar
música é instrumental de ritmo lento, disfórico e melancólico.
que através das imagens não parece ser nada acolhedor, ao
No ambiente externo ao presídio, a música toma um ritmo mais
contrário, escuro, frio, assim como os presídios da realidade.
rápido e eufórico para demonstrar a oscilação da emoção do
Ele se despede em silêncio, principalmente daqueles que ele
sujeito em estar preso e em seguida ao conquistar a liberdade.
musical,
que
mexe
com
o
sentido
dos
aparenta ter mais afinidade. Quando o Presidiário está saindo,
A iluminação do cenário é coerente ao contexto
ele olha uma câmera na porta e percebe que estará sendo
representado, na imagem do presídio é possível visualizar
vigiado até que saia totalmente e a porta se feche. Lá do lado de
paredes manchadas, sujas, imagens escuras e ouvir gotas
fora, claridade, passáros cantando, árvores, e um automóvel,
caindo no chão, para comprovar que o presidiário está saindo
atrativo, bonito, pelo qual o ex-presidiário passa e observa
de um lugar ruim, desconfortável e indo para um ambiente
muito. Em seguida, a cena se fecha, fica tudo escuro, e apenas
agradável, que revela imagens claras, lugar aberto, tendo a
223
natureza como cenário, pássaros que voa bem próximo a ele
carro para roubá-lo. Mesmo depois de ter passado muito tempo
para evidenciar a liberdade.
no presídio, onde demonstrou ser um lugar tão ruim, ele
Ao andar, vislumbrando tanta coisa do lado de fora, o
preferiu correr o risco de voltar e ter aquele “sonho de
sujeito se depara com um automóvel, o novo Pálio 2004. Ele
consumo” que é o Novo Pálio. Nem se quer teria dado tempo
demonstra admiração pelo carro, e o telespectador pode
de rever as pessoa que ele admirava nas fotos com saudade,
entender neste primeiro momento que a surpresa do ex-
nem de ter chegado a uma possível casa onde houvesse pessoas
presidiário é por ver um carro tão sofisticado, tão bonito depois
esperando por ele. Estes valores sentimentais que antes a
de tantos anos. Com certeza, um automóvel diferente dos que
propaganda tinha conseguido despertar através da ausência, da
costumava ver antes de ser preso em se tratando de tecnologia,
falta que ele sentia, foram reduzidos, mostrou-se que não havia
inovação e beleza.
tanta importância diante do “Novo Pálio”.
Mas, de repente a cena se escurece, só aparece a
Ao mesmo tempo, é possível a reflexão de uma
descrição do novo automóvel “ The new Fiat Pálio” - “O novo
mensagem discriminatória. Aquele que um dia cometeu um
Fiat Pálio” . Logo após ouve-se um vidro sendo quebrado como
crime, não consiguirá se tornar uma pessoa honesta, na
se tivesse sido estourado e um alarme que dispara. E a frase de
primeira oportunidade, seus instintos criminais sobressairão e o
desfecho da propaganda é “Impossible to feel indifferent” que
indivíduo voltará a realizar algum ato contra a lei.
pode
ser
compreendida
como
“Impossível
se
sentir
Estar-se-á comprometendo toda uma classe social, que
indiferente”, ou, “Ninguém resiste ao novo Pálio” que é a
busca por direitos iguais e que luta por inclusão e que está
versão utilizada na propaganda veiculada no Brasil.
sendo submetida a um preconceito através de uma propaganda
Nesse momento a compreensão do telespectador pode
ser a mais variada; naturalmente pode-se subentender que o expresidiário não conseguiu resistir ao novo Pálio e arrombou o
publicitária que leva em consideração apenas a relação de
consumo e ignora a ideologia evidenciada.
224
Da mesma forma, pergunta-se: O que seria alvo de
entre as pessoas, ela é a forma pela qual o sujeito expressa seus
roubos nos dias atuais? Em relação a automóveis, de uma
conhecimentos, seus sentimentos, suas convicções ideológicas,
forma geral, aqueles que sejam considerados potentes, que
evidenciando em que posição se encontra diante da esfera na
sejam novos, que tenham um valor significativo e que dê
qual está inserido. Essa posição é de certa forma persuasiva,
status. Mas nem todos os consumidores gostariam de ter um
porque demonstra que o emissor sabe usufruir dos recursos
carro que fosse tão cobiçado e que portanto estivesse correndo
lingüísticos em seu discurso e tem o conhecimento da força
o risco de serem roubados.
propulsora que eles contêm.
A imagem do “Novo Pálio” poderia ser ainda a do
carro dos ex-presidiários, ou, aquele que possui um Novo Pálio,
Quando interagimos através da linguagem
o tem porque roubou. Apesar de extravagante, essa
(...), temos sempre objetivos, fins a serem
interpretação seria aceita por se tratar da primeira lembrança
atingidos; há relações que desejamos
que traz a propaganda.
estabelecer, efeitos que pretendemos causar,
Assim como esta, muitas propagandas podem ser
comportamentos que queremos ver
analisadas e consideradas como fonte de propagação de
desencadeados, isto é, pretendemos atuar
ideologias que pregam a injustiça social entre as classes, o
sobre o outro de determinada maneira a obter
racismo, a imagem da mulher e/ou do homem de forma
dele determinada reação. (KOCH, 2000.)
pejorativa, entre outras que estão implícitas no discurso
midiático das propagandas televisivas.
De acordo com o que já falamos anteriormente, a
linguagem é muito mais que uma forma de veicular
informação. Além de ser um importante meio de interação
O processo de produção da linguagem
argumentativa/convicta pode ser observado desde as falas
mais cotidianas até as mais elaboradas, como é o caso da
linguagem utilizada nos discursos midiáticos,
225
principalmente dos publicitários televisivos que utilizam da
As palavras mudam de sentido ao passarem
linguagem verbal e não-verbal.
de uma formação discursiva para outra.
A publicidade televisiva, em foco na região centrooeste, atinge muitas pessoas, pois o meio de comunicação mais
usado como forma de proporcionar informação às pessoas é a
televisão.
De acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios) de 2005, a porcentagem da população
pertencente à região centro-oeste que recebe informação
através da televisão é de 90,03%.
Com tamanha audiência a televisão passou a visar
principalmente o mercado consumidor, tendo como objetivo
sua sustentação empresarial e a lucratividade.
Fica evidente a conseqüência da amplitude que tomou
a mídia televisiva. Ela atinge várias classes sociais e acarreta
numa alienação associada ao desejo consumista; influi tão
Assim, não somente as intenções que
determinam o dizer. Há uma articulação
entre intenção e convenções sociais.
Há uma seleção em relação aos meios formais
que uma língua oferece, seleção feita pelo
falante que vai delimitando o que diz e,
conseqüentemente, tudo o que seria possível
dizer. Porém o sujeito não se apropria da
linguagem num movimento individual: há
uma forma social de apropriação da
linguagem em que está refletido o modo
como ele o fez, ou seja, sua ilusão de sujeito,
sua interpretação feita pela ideologia.
(ORLANDI, 1996)
fortemente nas pessoas fazendo com que elas fiquem
envolvidas, mudem de opinião, de gosto, de comportamento,
exercendo assim sua função social.
Em virtude dessas concepções é que a Análise do
Discurso, de pensamento francês, é vista como essencial neste
estudo por ser justamente a instanciação do modo de se
226
produzir linguagem, isto é, no processo discursivo fica claro
ouvinte visando criar além do efeito de sentido citado por
que a linguagem é um produto social.
Pêcheux, uma relação de intersubjetividade. Ambos os
Mussalim (2004) afirma que o estudo da Análise do
participantes são considerados membros representantes de uma
Discurso, inscreve-se num terreno em que intervêm questões
determinada formação social. Assim qualquer discurso que seja
teóricas relativas à ideologia e ao sujeito. Melhorando o teor
produzido conjuntamente e interativamente decorre de relações
dos argumentos, mudar-se-á o conceito formado pelos ouvintes
de papéis sociais determinados, que são estabelecidos de
e ainda, ter-se-á a oportunidade de convencimento do
acordo com as imagens que cada um pressupõe existir. A
interlocutor em aceitar a ideologia expressa no discurso.
relação é sempre de dominação pela posse do discurso e o
papel do ouvinte é a de dominado, isso pela situação, muitas
A ideologia é bem um sistema de
vezes de total inércia e passividade que tem o ouvinte naquele
representações: mas estas representações não
momento.
têm, na maior parte do tempo, nada a ver com
Ao produzir uma propaganda televisiva, fica-se atento
a “consciência”: elas são na maior parte das
a alguns aspectos ligados a situação psicológica, econômica e
vezes imagens, às vezes conceitos, mas é
social em que se encontra o consumidor. Assim, antes de
antes de tudo como estruturas que elas se
finalizar o trabalho publicitário, há um estudo direto quanto ao
impõem à maioria dos homens, sem passar
público alvo. A propaganda seduz nossos sentidos, mexe com
por suas consciências.” (ALTHUSSER 1970)
nossos desejos, revolve nossas aspirações, fala com o nosso
inconsciente, nos propõe novas experiências, novas atitudes,
Muitos
dos
discursos,
principalmente
os
da
propaganda televisiva, são elaborados a partir de uma relação
verbal e não verbal emitida por um locutor em relação a um
novas ações.” (SAMPAIO, 1997)
O discurso da propaganda é justamente elaborado
para excitar aquilo que é sentido como prazeroso ou
227
desejoso, mas nem sempre o efeito produzido é esse em
é apenas a comunicação, não é apenas a persuasão, mas
todos os ouvintes. Muitas vezes a realidade demonstrada nos
também o reconhecimento pelo confronto ideológico.
anúncios faz parte de uma realidade que fica apenas no
plano das idéias do telespectador, e faz com que haja um
pensamento crítico sobre injustiça social. Vale lembrar que
muitas vezes é através da elaboração do discurso das
propagandas que se inicia a distinção das classes sociais, do
preconceito, do racismo e de tantas outras formas de
É preciso parar de analisar o discurso das
propagandas televisivas apenas como conjunto de signos,
cujo significante e significado são observados abstratamente,
e analisar a relação histórica, social e ideológica que estão
embutidas nas práticas concretas resultantes de uma força
maior ou de um poder.
exclusão.
gostaria de mostrar que o discurso não é
4 Considerações Finais
uma estreita superfície de contato, ou de
confronto, entre uma realidade e uma
A análise do discurso trabalha com a exterioridade
que envolve a linguagem. Há também outras ciências que o
fazem, porém a Análise do Discurso procura estabelecer
essa relação de exterioridade da linguagem de forma mais
imanente, considerando as condições de produção que
constituem o discurso. A reflexão lingüística acerca destas
condições permite afirmar que não é apenas informar a
função fundamental da linguagem, acrescentando-se que não
língua, o intrincamento entre um léxico e
uma experiência; gostaria de mostrar, por
meio
de
exemplos
precisos,
que,
analisando os próprios discursos, vemos
se desfazerem os laços aparentemente tão
fortes entre as palavras e as coisas, e
destacar-se
um
conjunto
de
regras,
próprias da prática discursiva. (...) não
228
mais tratar os discursos como conjunto de
signos
que
ideologia, muitas vezes representam a identidade de uma povo,
a
de uma classe social, de um país, enfim demonstram
representações), mas como práticas que
representações sociais. Temos exemplos de propagandas que
formam sistematicamente os objetos de
retratam a abundância do Brasil, como a fauna, a flora, ou a
que falam. Certamente os discursos são
relação
feitos de signos; mas o que fazem é mais
humorísticamente o jeitinho brasileiro, também a musicalidade
que utilizar esses signos para designar
como o samba, as festas de carnaval, a imagem das mulheres
coisas. É esse mais que os torna
brasileiras que são bem exploradas em propagandas. Percebe-se
irredutíveis à língua e ao ato da fala. É
então que a produção midiática televisiva tem este poder de
esse "mais" que é preciso fazer aparecer e
ressaltar algumas características e manipulá-las de forma a
que é preciso descrever. (FOUCAULT,
divulgar o seu produto e convecer o receptor.
remetem
(elementos
a
significantes
As propagandas, além de serem transmissoras de
conteúdos
ou
2003)
que
se
faz
do
Brasil
com
o
futebol,
ou
Assim sendo, pretende-se indicar os níveis daquilo que
é dito nas propagandas televisivas e sempre analisar as
É nessa vertente, da Análise do Discurso que trabalha
com os processos e as concepções de produção de linguagem
que este trabalho pretende confirmar que a cada situação,
dependendo do ouvinte, do referente e da intenção, o discurso é
elaborado de uma forma, em especial nos casos do discurso
publicitário televisivo, que consegue criar imagens através da
linguagem, seja ela verbal ou não-verbal.
ideologias sociais embutidas no discurso midiático de algumas
propagandas televisivas principalmente de circulação nacional
para demonstrar como a linguagem pode ser fator excludente
no discurso midiático publicitário televisivo identificando nas
propagandas bastante conhecidas a clara distinção entre classes
sociais e o efeito produzido nos telespectadores em decorrência
229
de algumas destas questões ideológicas explícitas e implícitas
produção; por isso dada a diversidade dessas, o sentido do
nos discursos.
silêncio varia, isto é, ele é tão ambíguo quanto as palavras.
O sentido do “explícito” que é o sentido de um nível
(ORLANDI, 2001)
semântico do qual podem surgir outros níveis de significação
É possível observar portanto alguns fatores relativos à
“implícitos”. Além disso, tem-se o implícito absoluto – que se
delimitação daquilo que é dito e daquilo que é silenciado no
introduz no discurso sem que o locutor o queira ou saiba que
discurso publicitário midiático televisivo. Constata-se que
está sendo dito e o implícito relativo – aquilo que o locutor quis
aquilo que é não-dito se interpreta de forma diferente assim
dizer, o interno do discurso. Torna-se claro que a atividade de
como aquilo que é dito e essas interpretações devem sair do
interpretação está em todo o momento da comunicação e funda-
nível superficial para o de abstração, a interpretação crítica do
se na suposição das intenções. Cabe ao processo de intelecção,
implícito e do explícito.
própria do interlocutor , a captação dessas intenções o que se
Para se compreender um discurso publicitário deve-se
prevê uma pluralidade de interpretação. De fato, nada impede
perguntar: o que ele não está falando ao falar isto e o que ele
que o locutor negue a responsabilidade do implícito; além
está querendo falar ao falar isto?
disso, o querer dizer do locutor pode tomar a forma bastante
O profissional de Letras ou de qualquer outra área
indireta de um consentimento ao que os outros queiram fazê-lo
afim tem de estar apto a refletir acerca dos fenômenos
dizer.
midiáticos e a construir significados pertinentes e críticos sobre
Quando, na propaganda tem-se o momento do
os mesmos, e orientar a atuação em sua esfera social como
silêncio, quebrado depois com os sons que sugerem o roubo,
sujeitos capazes de discernir entre o real e o imaginário, o
pode-se dizer que é o silêncio a estratégia usada para dizer
adequado
muita coisa, pois vale lembrar que “silenciar não é calar”. (...) o
principalmente televisiva.
silêncio, tanto quanto a palavra, tem suas condições de
e
o
inadequado,
proposto
pela
linguagem,
230
Referências
PÊCHEUX, M. – Semântica do Discurso – Uma crítica a
afirmação do Óbvio. Campinas: Ed. da Unicamp,1988.
ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de
Estado. 3ªed., São Paulo: Presença, 1970.
_________ O Discurso - estrutura ou acontecimento. Trad. de
Eni P. Orlandi. Campinas: Pontes, 1983.
FOUCAULT, M. A Ordem do Discurso. São Paulo: Loyola,
2003.
SAMPAIO, Rafael. Propaganda de A a Z. Rio de Janeiro:
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Cleide Pires de Moraes (G/UEMS)
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Contexto, 2000. MUSSALIM, F. BENTES, A. C. Introdução à
Mesa 12
lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001.
“Denis, O Pimentinha” Segundo as Teorias da Análise do
Discurso
_____________. A linguagem e seu funcionamento: as formas
Renata Borba Fagundes (G/UEMS)
do discurso. 4ª ed. Campinas: Pontes, 1996.
Discurso e Identidade do Professor Construído pelo Aluno
ORLANDI,
E.
P.
ª
Análise
de
discurso:
procedimentos. 3 ed. Campinas: Pontes, 2001.
princípios
e
Vanda Lúcia Godoi Garcia Marques (G/UEMS)
231
Discurso e Ideologia na Ignografia Representiva Sul-
Reflexões sobre a Leitura em LE: pondo fim a Vacuidade de
Matogrossense
sentidos nos textos didáticos
Anailton de Souza Gama (PG/UFMS/UEMS/FINAN)
Maria Lígia Aguiar UEMS
A Identidade Cultural de um Povo nas Letras de Música
Country
Mônica Aparecida Matos (UEMS)
Mesa 13
O Teatro como Forma de Aprendizagem
Claudia Alves Gomes (G-UEMS)
A Importância dos Contos de Fada na Escola
Michele Cristianne Souza Gonçalves (G-UEMS)
Rosemeire Mazieiro Fernandes (G-UEMS)
Aláide Pereira Japecanga Aredes(UEMS)
A Literatura Infanto-Juvenil: despertando o prazer da leitura na
sala de aula
Ana Paula Machado (G-UEMS)
232
REFLEXÕES SOBRE A LEITURA EM LE: PONDO FIM À
VACUIDADE DE SENTIDOS NOS TEXTOS DIDÁTICOS
Maria Lígia Aguiar
(UEMS)
RESUMO: A leitura em uma língua estrangeira (LE) não trata
apenas da decodificação de vocabulário, mas da construção de
significados. É processo dinâmico de desenvolvimento e
implementação de estratégias e deveria ser entendida como
ampliação de conhecimento, instrumento de reflexão crítica e
meio de transformação da sociedade, objetivo último da
educação.
PALAVRAS-CHAVE:
ensino-aprendizagem
de
língua
estrangeira; leitura em língua estrangeira; construção de
sentidos; interação.
ABSTRACT: Reading in a foreign language does not just
mean vocabulary decoding, but rather a meaning construction.
It is a dynamic process of developing and implementing
strategies and should be seen as knowledge improvement, a
233
tool for critical thinking and means for society change, utmost
conscientização de um ensino mais adequado com o texto em
educational target.
sala de aula tem sido o objeto de estudo de pesquisa já feita na
KEY WORDS: foreign language teaching and learning;
Lingüista Aplicada que, utilizando os subsídios oferecidos não
foreign language reading; meaning construction; interaction.
só pela Análise do Discurso como também pela Psicologia e
outras ciências, parece estar encontrando repostas mais
0. Introdução
satisfatórias do que as dadas pela lingüística teórica
tradicionalmente.
O objetivo deste estudo é refletir sobre o ensino-
Assim, temos a intenção de realizar um breve estudo
aprendizagem da leitura em LE e, particularmente, sobre a
dessas contribuições e refletir sobre elas. Vemos, hoje, a leitura
forma como têm sido tratadas as atividades de leitura propostas
em LE ainda ser feita seguindo um método, no momento, por
nos textos de livro didático usados na aula de LE,
exemplo, de sua apresentação por meio de group e individual
especialmente daquilo que se pode entrever nas instruções dos
repetition e, após a apresentação, no trabalho de simples
seus manuais de professor e da observação na prática. Existem
decodificação de palavras isoladas do texto, quando então é
muitas dificuldades a serem enfrentadas pelo professor de LE
comum proceder-se a uma forma de reading comprehension
na realização do trabalho com a leitura do texto em sala de
que não explora os sentidos do texto e nem se compromete com
aula. Cremos que estas sejam causadas pelo confronto entre as
o seu autor. Numa forma incompreensivelmente banalizadora
concepções de língua e de ensino de LE contidas nos livros
do entendimento do aluno, tecendo perguntas cujas respostas
didáticos e as tradições de ensinar e aprender LE dele mesmo,
são óbvias demais e propondo atividades que, geralmente,
professor, e dos alunos - associadas que foram por tanto tempo
limitam-se à localização do respectivo grammar focus no texto,
às práticas do método da gramática-tradução, conforme nos
o professor tem seguido esse tipo de método, utilizando o texto
ensina Almeida Filho (1993). Não obstante, o trabalho de
geralmente apenas para ensinar a gramática. Importa salientar
234
que não nos detemos aqui na diferenciação entre abordagem,
Krashen (1982) já alertara para o perigo da tripartição
método e técnica, visando uma simples colocação do problema
entre professores, pesquisadores de campo e pesquisadores
restrito ao escopo deste estudo; de qualquer forma, para uma
teóricos, pois a prática pode e deve ser ponto de partida para a
discussão mais detalhada da questão, remetemos o leitor aos
teoria e vice-versa, argumentando aliás, a esse respeito, que
trabalhos realizados por Brown (1994) e Almeida Filho (1993).
teoria alguma se esforça por ser prática, por não fazer parte de
Diante do conceito de que a leitura é uma atividade
sua natureza.
que deveria levar o leitor a tirar do texto o sentido pleno, temos
Widdowson (1979) afirma ter feito seus estudos sem
a concepção de que o trabalho do professor de LE deveria
saber se trariam ou não soluções efetivas aos problemas da
caracterizar-se por uma orientação mais comprometida com os
área, mas que julgava suas reflexões válidas mesmo assim,
processos de mudança necessários à construção de uma
porque elas poderiam ajudá-lo (e aos que o lessem) a olhar a
sociedade mais crítica. Temos claro que as concepções de
sua prática com outros olhos. Cita os versos de Elliot, sobre
homem, educação e sociedade influenciam a prática do
esse aspecto: “We shall not cease from exploration/ and the end
professor de LE, e discutimos, portanto, a respeito das suas
of all our exploring/ will be to arrive where we started/ and
possibilidades de atuação com a habilidade da leitura.
know the place for the first time” (T. S. Elliot, Little Gidding)
Desse modo, cientes de que esse estado de coisas tem
ou seja, “Não paramos nunca de colher de nossas explorações/
origem na tradição de métodos de ensino do século passado, é
e o fim de todas elas/ será chegarmos ao lugar de onde saímos/
nosso intuito realizar uma reflexão a partir do que temos
e
encontrado na prática.
(WIDDOWSON, 1979, p.ii). Chega, igualmente a Krashen, à
conhecê-lo
como
se
fosse
pela
primeira
vez”
afirmação de que os dois campos – teoria e prática - deveriam
1. A dicotomia teoria/prática no ensino de LE
formar o caminho da profissão de ensinar.
Perder-se-ia se assim não fosse. A teoria parte da
235
prática, mas distancia-se em seguida e, quando ela retorna, faz
produção lingüística que definem o ato da interação lingüística”
com que a vejamos com outros olhos. Olhos agora, voltados
(MOITA LOPES, 1996:20).
para a consciência daquilo que faz em sala de aula de LE e o
No intuito de mediar subsídios teóricos da Análise do
porquê desse fazer. No que concerne à pesquisa em LE, não
Discurso, assim como de outras ciências, para a LA, este
mais se concebe o professor que não seja reflexivo e crítico,
estudo, enfim, insere a reflexão sobre alguns de seus conceitos,
como bem explicam Barcelos e Vieira Abrahão (2006).
em especial o de sociointeracionismo. Com base em
Este estudo tem, pois, a intenção de realizar um
concepções propostas por Coracini (1995), Kleiman (1991),
levantamento daquelas que constituiriam algumas das bases
Almeida Filho (1993), Moita Lopes (1996) entre outros, que
teóricas nas quais alicerçar um ensino-aprendizagem bem-
alertam para a importância de empreendermos um balanço do
sucedido de leitura em LE. Em razão disso, fomos buscar na
que tem sido efetivamente conseguido com a leitura em LE até
abordagem comunicativa atual à leitura em LE, sinais de
então e para a importância de se trabalhar com um conceito de
direcionamento teórico que a fundamentasse, via Lingüística
linguagem relacionado ao contexto sócio-cultural e histórico no
Aplicada (LA), no sentido que Moita Lopes (1996:20) define:
qual ela está inserida, verificamos que a prática dessa
“a LA é uma ciência social, já que seu foco é um problema de
habilidade precisa mudar se o objetivo for um ensino mais
uso da linguagem enfrentado pelos participantes do discurso no
significativo e menos mecânico. Suas visões de língua, ensino e
contexto social, isto é, usuários da linguagem (leitores,
aprendizagem influenciaram toda a concepção de como
escritores, falantes, ouvintes) dentro do meio de ensino-
trabalhar com a habilidade da leitura em sala de aula. Em
aprendizagem e fora dele”. Outro princípio pertinente a este
outras palavras, buscamos fazer um recorte interdisciplinar e
tipo de investigação é o fato de se constituir em pesquisa que
não apenas utilizar, portanto, a lingüística teórica. Trata-se de
focaliza a linguagem do ponto de vista processual e que trata
um estudo qualitativo, cuja meta é alcançar uma maior
“dos tipos de competência e procedimentos de interpretação e
compreensão daquilo que realmente
ocorre na prática do
236
professor de LE, caracterizando, assim, o tipo etnográfico.
Defende, portanto, a idéia de que não é possível
explicar as relações entre teoria e prática, sem considerar o
2. A questão da ação do inconsciente na constituição do sujeito
sujeito e sua constituição psicanalítica e social. Levando em
dentro do ensino de LE
conta, desse modo, o sujeito inconsciente, afirma ainda que “o
inconsciente fala pelo sujeito; revela, pela opacidade da
A influência direta, no ensino de línguas, da visão
estruturalista da linguagem como um conjunto de hábitos
lingüísticos, mascarou por muito tempo o potencial da leitura
em LE. Coracini (1998) traça a seguinte conclusão, após
análise de textos teóricos, aulas gravadas e opiniões de
professores e alunos sobre leitura e escrita:
linguagem, o que, conscientemente, ele desejaria abafar; faz
emergir o indesejável, o estrangeiro que habita em nós...”
(CORACINI, 1999:167). Este é o peso de elemento ideológico
do inconsciente, e aqui a LA faz a mediação com a Psicologia,
com seus métodos e objeto próprios. É o que se pode verificar
quando deparamos com a seqüência tradicional: leitura em voz
alta, estudo do vocabulário, repetição, interpretação (ínfima),
tradução. Concordamos, portanto, com Coracicni (1999)
A prática não é a aplicação direta de dados
quando afirma que “há predominância da visão estruturalista e
teóricos: a relação com a teoria não é tão
da tradicional nessas atividades de leitura”, e questiona:
simples quanto alguns lingüistas aplicados
parecem
acreditar
devido
à
ação
do
inconsciente na constituição do sujeito.
(CORACINI, 1998:33)
É preciso que a escola entenda que produzir
texto significa produzir sentido (no momento
da leitura e/ou no momento da escrita) e que
isso é muito mais do que reproduzir ou
237
repetir o que a escola ou o professor querem
As teorias do discurso e da desconstrução
ouvir ou ler (CORACINI, 1999:174).
que compartilham a concepção de sujeito
psicanalítico, - isto é, atravessado pelo
inconsciente
e,
por
isso
mesmo,
impossibilitado de se conhecer e de conhecer
A resposta ao questionamento feito sobre o que
o outro, - de se controlar e controlar o outro,
encontramos na aula de leitura em LE hoje estaria, então,
já que é fragmentado, esfacelado, emergindo
naquilo que podemos inferir da seguinte pergunta de Coracini
apenas pontualmente pela linguagem, lá
(1999:14): “Como nos esvaziar dos sentidos que, numa trama
onde se percebem os lapsos, atos falhos,
densa, tecem nosso inconsciente, nossa subjetividade, sem, ao
chistes...
faze-lo, (re)produzir novas ilusões, (re)apresentar novos
engodos?” E acrescenta sermos “...não só sempre dominados
(embora às vezes aparentemente dominadores), como também
não
existem soluções
para
os
problemas
apontados,”
O foco, então, “deve estar na investigação da
concluindo que “é conflituoso”. Mas essa nada mais é que uma
interação entre o aprendiz e o professor como sendo geradora
característica do próprio discurso. Assim, talvez apenas
de aprendizagem,” como afirma Moita Lopes (1996:90). Por
devêssemos mostrar os conflitos e as negociações nesse
outro lado, na perspectiva de desconstrução de Arrojo (1992),
processo com que nos envolvemos no ato de ensinar leitura.
temos que “o objeto não pode ser independente do sujeito, nem
Sobre a ação do inconsciente na constituição do sujeito,
separado
Coracini (1999:11) afirma:
acrescentando:
deste
por
uma
barreira
de
neutralidade”,
238
Sujeito e objeto são desmascarados em sua
3. Ensino de LE como sinônimo de adoção de livro didático
relação simbiótica: ao mesmo tempo em que o
cria, a partir de seu contexto, de suas
circunstâncias e de sua psicologia, o sujeito
também é criado e influenciado pelo objeto.
Ou seja, como uma espécie de psicanálise, a
leitura desconstrutivista pretende desnudar,
Almeida Filho (1993:40) afirma que “ensinar uma LE
é hoje quase sinônimo de adotar e seguir os conteúdos e
técnicas de um livro didático”. Faz, porém, a ressalva de que:
entre outras coisas, o desejo que se esconde
por trás da necessidade de se manter
objetivamente separados sujeito e objeto,
homem e realidade, leitor e texto.
(...) Quase todos [os livros didáticos]
prometem “comunicação” na língua-alvo.
Essa
postura
se
opõe
ao
ensino
de
significados veiculados no discurso (...) e
De todo modo, entre nós, a reflexão desconstrutivista
ainda não se infiltrou nos paradigmas que vemos na prática, em
que se percebe o professor ainda bastante imerso no esforço de
sistematização vindo de um estruturalismo que parece ter
criado raízes.
retém comumente (e não exclusivamente)
uma visão behaviorista das técnicas para a
apresentação e a prática. (...) Na ausência de
massa crítica dentre o professorado de
línguas, a dependência do livro didático e
suas receitas se torna maior.
239
Na análise de cenas do nosso cotidiano de ensino
com os diferentes estilos de aprender” (ALMEIDA FILHO,
hoje, Almeida Filho (1993:41) destaca “o material de ensino
1993:43). É interessante destacar também a necessidade de
construído para o livro didático que não provoca, não
abrirmos espaço para o diálogo entre as diferentes culturas. O
problematiza e nem informa”. Adiante, em outra cena:
próprio tão comentado processo de globalização pede que
“exercícios mecânicos que não levam a verdadeiras ações de
respondamos a esse desafio que é esse diálogo. Aliás, esse
fazer algo significativo com a LE” (id.,ib.:41), e em outra
diálogo deveria nos levar não apenas às questões de caráter
ainda: “técnicas de fácil manipulação como repetições,
cultural, mas também ao passado, à maneira de “ler” a história,
transformações e perguntas-e-respostas que desconsideram o
às vezes construída em torno de visões nacionalistas. Nesse
envolvimento pessoal e as oportunidades de se trocarem
modo se ver, o que é incomparável torna-se possível. O
informações novas e autênticas”(id.ib.:42-43)
tece, então,
fechamento das leituras deve ser, então, evitado, buscando-se
alguns significados do professor comunicativo (como desejado
não “comparar o incomparável”. Coracini (1999:106) salienta
hoje, pela maioria das tendências teóricas), a partir de posturas
que “toda proposta pedagógica em LE veicula um ponto de
como crer que “a significação e relevância das mensagens
vista sobre o que seja ensinar e aprender uma língua, o que
contidas nos textos, diálogos e exercícios para a prática de
significa que a toda proposta pedagógica subjaz uma certa
língua que o aluno reconhece como experiência válida de
ideologia; todo manual que se encontra na base da prática
transformação e crescimento intelectual; (...) a representação de
docente não é inocente, nem neutro, e isso não é explicitado.
temas e conflitos do universo do aluno na forma de
problematização e ação dialógica” (id.ib.:43). Tem o autor a
crença de que ser comunicativo tem a ver com dar “a devida
atenção a variáveis afetivas tais como ansiedades, inibições,
empatia com as culturas dos povos que usam a língua-alvo e
A visão de linguagem que subjaz às atividades de
leitura propostas na maioria dos livros didáticos enfatiza o
desenvolvimento de uma competência na língua-alvo baseada
em habilidades lingüísticas, com especial destaque para aquelas
em que parece não haver espaço significativo para qualquer
240
questionamento, discussão ou argumentação sobre a atividade
interação, ou seja, nem (só) no aluno, nem (só) no professor.
com que estão trabalhando. Parecem mais interessados em que
Mas sim no espaço entre os dois, ou seja, no discurso. Discurso
o professor esteja atento ao uso correto da língua pelo aluno.
que,
Para além da forma e das funções da linguagem, há fronteiras a
“reconhecimento da dualidade constitutiva da linguagem, isto é
serem ampliadas, em que a linguagem poderia ser vista
, no seu caráter ao mesmo tempo formal e atravessado por
reflexivamente. A linguagem trazida por eles poderia, desse
entradas subjetivas e sociais”. A interação é para a autora,
modo mediar a interação dos alunos nos eventos comunicativos
portanto, a linguagem enquanto discurso, que:
conforme
bem
diz
Brandão
(1995:11)
está
no
que efetivamente fazem parte de sua realidade, ou seja, da
comunidade discursiva à qual pertencem.
“não constitui um universo de signos que
serve
apenas
como
instrumento
de
4. O “hot spot” do Inglês Instrumental e a interação em sala de
comunicação ou suporte do pensamento. (...)
aula de LE
[A linguagem enquanto discurso] é um
modo de produção social; ela não é neutra,
inocente (na medida em que está engajada
O ensino de inglês instrumental (English for Specific
Purposes) atenderia a uma suposta recomendação básica do
ensino moderno do inglês do ensino centrado no aluno. Ocorre
que o ensino moderno, apoiado nos pressupostos da Análise do
Discurso para a Lingüística Aplicada, deveria centrar-se na
numa intencionalidade) e nem natural, por
isso o lugar privilegiado de manifestação da
ideologia. Ela é o sistema-suporte das
representações
ideológicas,
(...)
é
o
‘medium’ social em que se articulam e
defrontam
agentes
coletivos
e
se
241
consubstanciam relações interindividuais”
metodologia centrada no aluno, nas suas
(BRANDÃO, 1995:11).
motivações,
interesses
e
necessidades.
Então, aprender uma língua estrangeira
implicaria não apenas reter estruturas verbais
De fato, de acordo com Moita Lopes (1996), o
conhecimento é construído conjuntamente em sala de aula
através de um processo que envolve controle, negociação,
compreensão e falhas na compreensão entre aluno e professor
até que possa fazer parte do conhecimento compartilhado na
sala de aula. Na visão da psicologia cognitivista, o ensino em
geral não pode estar desvinculado da aprendizagem, na medida
para
repeti-las,
automaticamente,
no
momento oportuno, mas, sobretudo, agir
sobre o objeto de ensino para ‘capturar’ o
seu sentido e o seu funcionamento, de modo
a ser capaz de interagir com o outro ou com
o dizer do outro, com a cultura do outro
(CORACINI, 1999:105-106).
em que ele só terá sentido se estiver a serviço da aprendizagem.
Conforme afirma Coracini (1999:105), na verdade:
Desse ponto de vista, ensinar leitura em LE, portanto,
quer dizer criar condições para que essa interação aconteça,
A pedagogia de línguas estrangeiras viu-se
diante da necessidade de alterar o seu
enfoque: de uma pedagogia centrada no
método e no saber (retenção do conteúdo
transmitido)
passou-se
a
propor
uma
possibilitando desse modo que conceitos já adquiridos
defrontem-se com situações lingüísticas e culturais novas,
resultando em aprendizado cognitivo do aluno.
242
5. A questão da “primazia” da habilidade da leitura sobre as
demais dentro do ensino de LE
O usuário de língua, ao falar, faz uso dos gestos, da
expressão, da emoção, da entonação e do contexto para ajudar.
Na leitura, não. Assim, quando mostra ilustrações, gráficos ou
Com a leitura, temos condições de realizar diversos
tipos de atividades como: atividades preparatórias (ativação do
vocabulário, apresentação prévia do assunto, perguntas
anteriores à interação), discussão prévia sobre aspectos
tablelas, o professor (ou o livro didático) está auxiliando. Em
outras palavras, com as outras habilidades, isto se tornaria mais
difícil. Há ainda que se considerar o que Maingueneau
(1996:39) preconiza:
culturais e sobre os temas a serem analisados. Buscamos com
isto mostrar ao aluno que, mesmo com um conhecimento
lingüístico limitado, é possível compreender o texto. Ao utilizar
as estratégias de leitura e compreensão, tais como a
identificação da idéia central, inferir os significados das
palavras pelo contexto, trabalhar com pistas oferecidas, entre
outras, é possível ao aluno realizar o entendimento do texto.
Isto só a leitura pode proporcionar, visto que ela é fixa, e não
como a fala, que se esvai. Além disso, o desenvolvimento da
habilidade da leitura de textos em LE oferece a possibilidade de
A leitura é atividade cooperativa que leva o
destinatário a tirar do texto o que o texto não
diz, mas pressupõe, promete, implica ou
implícita, a preencher espaços vazios, a ligar
o que existe num texto com o resto da
intertextualidade, de onde ela nasce e onde
irá se fundir (MAINGUENEAU, 1996:39).
aumentar o conhecimento. Assim, desenvolver as estratégias de
leitura (que nada mais são do que planos para resolver
problemas encontrados na construção do significado do texto)
Assim, devemos ter em mente os princípios teóricos
transforma-se em uma grande ajuda aos alunos, que podem
propostos por Bakhtin (1895-1975) e Vygotsky (1896-1934),
almejar (e conseguir) a sua autonomia.
243
que trouxeram uma visão mais socializada da sala de aula. O
sala de aula. Assim como identificar o momento, ou seja, o
aluno passou a ser agente ativo na construção do conhecimento
quando e também o local (ou o onde) está se desenvolvendo o
e o fator sociohistórico foi realçado dentro do contexto da sala
processo de socioconstrução do conhecimento. Há ainda que se
de aula. Suas posições foram essenciais para essa nova visão do
compreender o porquê desses participantes se encontrarem
ser humano, a de ser pensante e ativo, instituindo uma
unidos nesse processo educacional. Só assim torna-se possível
educação mais significativa para professor e aluno e para o
uma abordagem sociohistórica da sala de aula de LE. Desse
contexto escolar.
modo, essa perspectiva centra-se em cada indivíduo presente
em um dado momento particular de socioconstrução de
conhecimento, como também na sua relação com o outro na
6. As contribuições de Bakhtin e Vygotsky para a visão social
da aula de LE
interação. Essa visão sociohistórica de conhecimento e da sala
de aula, portanto, afirma que o outro exerce papel fundamental,
de acordo com as perspectivas teóricas de Vygotsky (1985) e
Bakhtin (1995), cujas idéias muito contribuíram para o
desenvolvimento de uma nova forma de entender o processo de
A visão sociohistórica da sala de aula de LE teve
origem nos postulados dos pensadores russos Bakhtin e
Vygotsky, ao privilegiarem a interação, assim como a
importância que o outro possui no processo de construção do
conhecimento. Num espaço historicamente localizado como é a
sala de aula de LE, entender quem são os participantes da
interação pedagógica é crucial para que possamos entender essa
ensino-aprendizagem. Assim, vemos que os diversos estudos
hoje realizados em sala de aula têm salientado a necessidade da
criação de contextos interacionais em que os alunos e
professores construam, conjuntamente, significados sobre o
mundo no qual estão inseridos, tanto o interno quanto o externo
à sala de aula.
244
A construção desse mundo se faz por meio da
interação com o outro pela linguagem. Por sua vez, a
linguagem é considerada a característica fundamental
do
homem enquanto ser social que é. Dessa forma, ao mesmo
tempo em que o sujeito é influenciado pela sociedade que o
cerca, ele vai também transformando-a e reconstruindo essa
mesma sociedade. O mesmo ocorre na sala de aula, local em
que, ao mesmo tempo em que o aluno constrói o seu
conhecimento, vai igualmente contribuindo para a coconstrução do conhecimento dos outros participantes da
interação, que são o professor e os outros alunos. Nesse
ambiente, então, o aluno não pode ser visto como um produto
apenas desse contexto escolar, mas como um agente ativo na
construção desse mesmo contexto. Assim, devemos entender a
educação como um processo de construção de conhecimento
compartilhado e construído por uma ação conjunta de todos os
participantes da interação em sala de aula.
Pensamos ser correto concluir que há eficácia na
abordagem interacionista no ensino da leitura em LE, uma vez
que temos clara a concepção de que todo o homem se constitui
como ser humano pelas relações que estabelece com os outros,
e de que estamos inseridos em um tempo e um espaço em
dinâmica constante. Desde o nosso nascimento, somos
socialmente dependentes uns dos outros e entramos em um
processo histórico. É por meio desse processo que formamos
nossa visão de mundo e que construímos sentidos sobre ele. Só
com a participação dos outros é que conseguimos nos apropriar
do patrimônio cultural da humanidade, e construir nossa
história, ou seja, as diversas visões de mundo com as quais o
indivíduo convive e que vão transformando o homem no
decorrer de sua vida e deixando marcas de sua própria história
nele. Essa discussão teve origem em Vygotsky e Bakhtin, e
vem sendo aprofundada desde então. Este breve estudo sobre a
questão da leitura em LE procurou alçar o trabalho com esta
atividade em sala de aula a um patamar mais alto do que tem
7. Considerações finais
sido permanecido, esperando contribuir para uma visão mais
crítica da realidade do ensino-aprendizagem da LE. Entre os
245
aspectos práticos relevantes para que o ensino de LE tenha
êxito está, sem dúvida, o fato de que o uso e da forma da língua
BARCELOS, Ana Maria Ferreira & VIEIRA ABRAHÃO,
a ser ensinada devem estar contextualizados e a constatação de
Maria Helena. Crenças e ensino de línguas: foco no professor,
que o aprendizado de uma LE por meio da leitura é importante
no aluno e na formação de professores. Campinas: Pontes,
porque torna possível um contato com novas culturas e novos
2006.
conhecimentos.
BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à Análise do
Discurso. 4.ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1995.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, FILHO, José Carlos Paes. Dimensões
comunicativas no ensino de línguas. Campinas: Pontes,
1993.
BROWN, D. H.
Teaching by Principles: na Iinteractive
Approach to Language Pedagogy.
Englewood Cliffs, New
Jersey: Prentice Hall Regents, 1994.
CORACINI, Maria José Rodrigues (Org.) O jogo discursivo na
aula de leitura: língua materna e língua estrangeira. Campinas:
ARROJO, Rosemary (Org.). O signo desconstruído:
Pontes, 1995.
implicações para a tradução, a leitura e o ensino. Campinas:
Pontes, 1992.
_____. A produção textual em sala de aula e a identidade do
autor. In: CORACINI, Maria José. Interpretação, autoria e
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São
Paulo: Hucitec, 1995.
legitimação do livro didático. Campinas: Pontes, 1999.
246
_____. A teoria e a prática: questão da diferença no discurso
VACUIDADE DE SENTIDOS NOS TEXTOS DIDÁTICOS
sobre e da sala de aula. São Paulo, D.E.L.T.A. v. 14, n. 1, p.
33-57, 1998.
Maria Lígia Aguiar
(UEMS)
KRASHEN, S. D. Principles and practice in second language
acquisition. New York: Phoenix ELT, 1982.
RESUMO: A leitura em uma língua estrangeira (LE) não trata
apenas da decodificação de vocabulário, mas da construção de
MAINGUENEAU, Dominique.
Pragmática para o discurso
literário. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
significados. É processo dinâmico de desenvolvimento e
implementação de estratégias e deveria ser entendida como
ampliação de conhecimento, instrumento de reflexão crítica e
MOITA LOPES, Luiz Paulo. Oficina de Lingüística Aplicada:
meio de transformação da sociedade, objetivo último da
a
educação.
natureza
social
e
educacional
ensino/aprendizagem de línguas.
dos
processos
de
Campinas: Mercado de
Letras, 1996.
PALAVRAS-CHAVE:
ensino-aprendizagem
de
língua
estrangeira; leitura em língua estrangeira; construção de
sentidos; interação.
VYGOTSKY, L. S. Thought and Language. Cambridge, MA:
The M.I.T. Press, 1985.
ABSTRACT: Reading in a foreign language does not just
mean vocabulary decoding, but rather a meaning construction.
WIDDOWSON, H. G. Explorations in Applied Linguistics.
It is a dynamic process of developing and implementing
Oxford: Oxford University Press, 1979.
strategies and should be seen as knowledge improvement, a
REFLEXÕES SOBRE A LEITURA EM LE: PONDO FIM À
tool for critical thinking and means for society change, utmost
247
educational target.
sala de aula tem sido o objeto de estudo de pesquisa já feita na
KEY WORDS: foreign language teaching and learning;
Lingüista Aplicada que, utilizando os subsídios oferecidos não
foreign language reading; meaning construction; interaction.
só pela Análise do Discurso como também pela Psicologia e
outras ciências, parece estar encontrando repostas mais
0. Introdução
satisfatórias do que as dadas pela lingüística teórica
tradicionalmente.
O objetivo deste estudo é refletir sobre o ensino-
Assim, temos a intenção de realizar um breve estudo
aprendizagem da leitura em LE e, particularmente, sobre a
dessas contribuições e refletir sobre elas. Vemos, hoje, a leitura
forma como têm sido tratadas as atividades de leitura propostas
em LE ainda ser feita seguindo um método, no momento, por
nos textos de livro didático usados na aula de LE,
exemplo, de sua apresentação por meio de group e individual
especialmente daquilo que se pode entrever nas instruções dos
repetition e, após a apresentação, no trabalho de simples
seus manuais de professor e da observação na prática. Existem
decodificação de palavras isoladas do texto, quando então é
muitas dificuldades a serem enfrentadas pelo professor de LE
comum proceder-se a uma forma de reading comprehension
na realização do trabalho com a leitura do texto em sala de
que não explora os sentidos do texto e nem se compromete com
aula. Cremos que estas sejam causadas pelo confronto entre as
o seu autor. Numa forma incompreensivelmente banalizadora
concepções de língua e de ensino de LE contidas nos livros
do entendimento do aluno, tecendo perguntas cujas respostas
didáticos e as tradições de ensinar e aprender LE dele mesmo,
são óbvias demais e propondo atividades que, geralmente,
professor, e dos alunos - associadas que foram por tanto tempo
limitam-se à localização do respectivo grammar focus no texto,
às práticas do método da gramática-tradução, conforme nos
o professor tem seguido esse tipo de método, utilizando o texto
ensina Almeida Filho (1993). Não obstante, o trabalho de
geralmente apenas para ensinar a gramática. Importa salientar
conscientização de um ensino mais adequado com o texto em
que não nos detemos aqui na diferenciação entre abordagem,
248
método e técnica, visando uma simples colocação do problema
entre professores, pesquisadores de campo e pesquisadores
restrito ao escopo deste estudo; de qualquer forma, para uma
teóricos, pois a prática pode e deve ser ponto de partida para a
discussão mais detalhada da questão, remetemos o leitor aos
teoria e vice-versa, argumentando aliás, a esse respeito, que
trabalhos realizados por Brown (1994) e Almeida Filho (1993).
teoria alguma se esforça por ser prática, por não fazer parte de
Diante do conceito de que a leitura é uma atividade
sua natureza.
que deveria levar o leitor a tirar do texto o sentido pleno, temos
Widdowson (1979) afirma ter feito seus estudos sem
a concepção de que o trabalho do professor de LE deveria
saber se trariam ou não soluções efetivas aos problemas da
caracterizar-se por uma orientação mais comprometida com os
área, mas que julgava suas reflexões válidas mesmo assim,
processos de mudança necessários à construção de uma
porque elas poderiam ajudá-lo (e aos que o lessem) a olhar a
sociedade mais crítica. Temos claro que as concepções de
sua prática com outros olhos. Cita os versos de Elliot, sobre
homem, educação e sociedade influenciam a prática do
esse aspecto: “We shall not cease from exploration/ and the end
professor de LE, e discutimos, portanto, a respeito das suas
of all our exploring/ will be to arrive where we started/ and
possibilidades de atuação com a habilidade da leitura.
know the place for the first time” (T. S. Elliot, Little Gidding)
Desse modo, cientes de que esse estado de coisas tem
ou seja, “Não paramos nunca de colher de nossas explorações/
origem na tradição de métodos de ensino do século passado, é
e o fim de todas elas/ será chegarmos ao lugar de onde saímos/
nosso intuito realizar uma reflexão a partir do que temos
e
encontrado na prática.
(WIDDOWSON, 1979, p.ii). Chega, igualmente a Krashen, à
conhecê-lo
como
se
fosse
pela
primeira
vez”
afirmação de que os dois campos – teoria e prática - deveriam
1. A dicotomia teoria/prática no ensino de LE
formar o caminho da profissão de ensinar.
Perder-se-ia se assim não fosse. A teoria parte da
Krashen (1982) já alertara para o perigo da tripartição
prática, mas distancia-se em seguida e, quando ela retorna, faz
249
com que a vejamos com outros olhos. Olhos agora, voltados
(MOITA LOPES, 1996:20).
para a consciência daquilo que faz em sala de aula de LE e o
No intuito de mediar subsídios teóricos da Análise do
porquê desse fazer. No que concerne à pesquisa em LE, não
Discurso, assim como de outras ciências, para a LA, este
mais se concebe o professor que não seja reflexivo e crítico,
estudo, enfim, insere a reflexão sobre alguns de seus conceitos,
como bem explicam Barcelos e Vieira Abrahão (2006).
em especial o de sociointeracionismo. Com base em
Este estudo tem, pois, a intenção de realizar um
concepções propostas por Coracini (1995), Kleiman (1991),
levantamento daquelas que constituiriam algumas das bases
Almeida Filho (1993), Moita Lopes (1996) entre outros, que
teóricas nas quais alicerçar um ensino-aprendizagem bem-
alertam para a importância de empreendermos um balanço do
sucedido de leitura em LE. Em razão disso, fomos buscar na
que tem sido efetivamente conseguido com a leitura em LE até
abordagem comunicativa atual à leitura em LE, sinais de
então e para a importância de se trabalhar com um conceito de
direcionamento teórico que a fundamentasse, via Lingüística
linguagem relacionado ao contexto sócio-cultural e histórico no
Aplicada (LA), no sentido que Moita Lopes (1996:20) define:
qual ela está inserida, verificamos que a prática dessa
“a LA é uma ciência social, já que seu foco é um problema de
habilidade precisa mudar se o objetivo for um ensino mais
uso da linguagem enfrentado pelos participantes do discurso no
significativo e menos mecânico. Suas visões de língua, ensino e
contexto social, isto é, usuários da linguagem (leitores,
aprendizagem influenciaram toda a concepção de como
escritores, falantes, ouvintes) dentro do meio de ensino-
trabalhar com a habilidade da leitura em sala de aula. Em
aprendizagem e fora dele”. Outro princípio pertinente a este
outras palavras, buscamos fazer um recorte interdisciplinar e
tipo de investigação é o fato de se constituir em pesquisa que
não apenas utilizar, portanto, a lingüística teórica. Trata-se de
focaliza a linguagem do ponto de vista processual e que trata
um estudo qualitativo, cuja meta é alcançar uma maior
“dos tipos de competência e procedimentos de interpretação e
compreensão daquilo que realmente
produção lingüística que definem o ato da interação lingüística”
professor de LE, caracterizando, assim, o tipo etnográfico.
ocorre na prática do
250
Defende, portanto, a idéia de que não é possível
2. A questão da ação do inconsciente na constituição do sujeito
explicar as relações entre teoria e prática, sem considerar o
dentro do ensino de LE
sujeito e sua constituição psicanalítica e social. Levando em
conta, desse modo, o sujeito inconsciente, afirma ainda que “o
A influência direta, no ensino de línguas, da visão
estruturalista da linguagem como um conjunto de hábitos
lingüísticos, mascarou por muito tempo o potencial da leitura
em LE. Coracini (1998) traça a seguinte conclusão, após
análise de textos teóricos, aulas gravadas e opiniões de
professores e alunos sobre leitura e escrita:
inconsciente fala pelo sujeito; revela, pela opacidade da
linguagem, o que, conscientemente, ele desejaria abafar; faz
emergir o indesejável, o estrangeiro que habita em nós...”
(CORACINI, 1999:167). Este é o peso de elemento ideológico
do inconsciente, e aqui a LA faz a mediação com a Psicologia,
com seus métodos e objeto próprios. É o que se pode verificar
quando deparamos com a seqüência tradicional: leitura em voz
alta, estudo do vocabulário, repetição, interpretação (ínfima),
A prática não é a aplicação direta de dados
tradução. Concordamos, portanto, com Coracicni (1999)
teóricos: a relação com a teoria não é tão
quando afirma que “há predominância da visão estruturalista e
simples quanto alguns lingüistas aplicados
da tradicional nessas atividades de leitura”, e questiona:
parecem
acreditar
devido
à
ação
do
inconsciente na constituição do sujeito.
(CORACINI, 1998:33)
É preciso que a escola entenda que produzir
texto significa produzir sentido (no momento
da leitura e/ou no momento da escrita) e que
isso é muito mais do que reproduzir ou
251
repetir o que a escola ou o professor querem
As teorias do discurso e da desconstrução
ouvir ou ler (CORACINI, 1999:174).
que compartilham a concepção de sujeito
psicanalítico, - isto é, atravessado pelo
inconsciente
e,
por
isso
mesmo,
impossibilitado de se conhecer e de conhecer
A resposta ao questionamento feito sobre o que
o outro, - de se controlar e controlar o outro,
encontramos na aula de leitura em LE hoje estaria, então,
já que é fragmentado, esfacelado, emergindo
naquilo que podemos inferir da seguinte pergunta de Coracini
apenas pontualmente pela linguagem, lá
(1999:14): “Como nos esvaziar dos sentidos que, numa trama
onde se percebem os lapsos, atos falhos,
densa, tecem nosso inconsciente, nossa subjetividade, sem, ao
chistes...
faze-lo, (re)produzir novas ilusões, (re)apresentar novos
engodos?” E acrescenta sermos “...não só sempre dominados
(embora às vezes aparentemente dominadores), como também
não
existem soluções
para
os
problemas
apontados,”
O foco, então, “deve estar na investigação da
concluindo que “é conflituoso”. Mas essa nada mais é que uma
interação entre o aprendiz e o professor como sendo geradora
característica do próprio discurso. Assim, talvez apenas
de aprendizagem,” como afirma Moita Lopes (1996:90). Por
devêssemos mostrar os conflitos e as negociações nesse
outro lado, na perspectiva de desconstrução de Arrojo (1992),
processo com que nos envolvemos no ato de ensinar leitura.
temos que “o objeto não pode ser independente do sujeito, nem
Sobre a ação do inconsciente na constituição do sujeito,
separado
Coracini (1999:11) afirma:
acrescentando:
deste
por
uma
barreira
de
neutralidade”,
252
Sujeito e objeto são desmascarados em sua
3. Ensino de LE como sinônimo de adoção de livro didático
relação simbiótica: ao mesmo tempo em que o
cria, a partir de seu contexto, de suas
circunstâncias e de sua psicologia, o sujeito
também é criado e influenciado pelo objeto.
Ou seja, como uma espécie de psicanálise, a
leitura desconstrutivista pretende desnudar,
Almeida Filho (1993:40) afirma que “ensinar uma LE
é hoje quase sinônimo de adotar e seguir os conteúdos e
técnicas de um livro didático”. Faz, porém, a ressalva de que:
entre outras coisas, o desejo que se esconde
por trás da necessidade de se manter
objetivamente separados sujeito e objeto,
homem e realidade, leitor e texto.
(...) Quase todos [os livros didáticos]
prometem “comunicação” na língua-alvo.
Essa
postura
se
opõe
ao
ensino
de
significados veiculados no discurso (...) e
De todo modo, entre nós, a reflexão desconstrutivista
ainda não se infiltrou nos paradigmas que vemos na prática, em
que se percebe o professor ainda bastante imerso no esforço de
sistematização vindo de um estruturalismo que parece ter
criado raízes.
retém comumente (e não exclusivamente)
uma visão behaviorista das técnicas para a
apresentação e a prática. (...) Na ausência de
massa crítica dentre o professorado de
línguas, a dependência do livro didático e
suas receitas se torna maior.
253
Na análise de cenas do nosso cotidiano de ensino
com os diferentes estilos de aprender” (ALMEIDA FILHO,
hoje, Almeida Filho (1993:41) destaca “o material de ensino
1993:43). É interessante destacar também a necessidade de
construído para o livro didático que não provoca, não
abrirmos espaço para o diálogo entre as diferentes culturas. O
problematiza e nem informa”. Adiante, em outra cena:
próprio tão comentado processo de globalização pede que
“exercícios mecânicos que não levam a verdadeiras ações de
respondamos a esse desafio que é esse diálogo. Aliás, esse
fazer algo significativo com a LE” (id.,ib.:41), e em outra
diálogo deveria nos levar não apenas às questões de caráter
ainda: “técnicas de fácil manipulação como repetições,
cultural, mas também ao passado, à maneira de “ler” a história,
transformações e perguntas-e-respostas que desconsideram o
às vezes construída em torno de visões nacionalistas. Nesse
envolvimento pessoal e as oportunidades de se trocarem
modo se ver, o que é incomparável torna-se possível. O
informações novas e autênticas”(id.ib.:42-43)
tece, então,
fechamento das leituras deve ser, então, evitado, buscando-se
alguns significados do professor comunicativo (como desejado
não “comparar o incomparável”. Coracini (1999:106) salienta
hoje, pela maioria das tendências teóricas), a partir de posturas
que “toda proposta pedagógica em LE veicula um ponto de
como crer que “a significação e relevância das mensagens
vista sobre o que seja ensinar e aprender uma língua, o que
contidas nos textos, diálogos e exercícios para a prática de
significa que a toda proposta pedagógica subjaz uma certa
língua que o aluno reconhece como experiência válida de
ideologia; todo manual que se encontra na base da prática
transformação e crescimento intelectual; (...) a representação de
docente não é inocente, nem neutro, e isso não é explicitado.
temas e conflitos do universo do aluno na forma de
problematização e ação dialógica” (id.ib.:43). Tem o autor a
crença de que ser comunicativo tem a ver com dar “a devida
atenção a variáveis afetivas tais como ansiedades, inibições,
empatia com as culturas dos povos que usam a língua-alvo e
A visão de linguagem que subjaz às atividades de
leitura propostas na maioria dos livros didáticos enfatiza o
desenvolvimento de uma competência na língua-alvo baseada
em habilidades lingüísticas, com especial destaque para aquelas
em que parece não haver espaço significativo para qualquer
254
questionamento, discussão ou argumentação sobre a atividade
interação, ou seja, nem (só) no aluno, nem (só) no professor.
com que estão trabalhando. Parecem mais interessados em que
Mas sim no espaço entre os dois, ou seja, no discurso. Discurso
o professor esteja atento ao uso correto da língua pelo aluno.
que,
Para além da forma e das funções da linguagem, há fronteiras a
“reconhecimento da dualidade constitutiva da linguagem, isto é
serem ampliadas, em que a linguagem poderia ser vista
, no seu caráter ao mesmo tempo formal e atravessado por
reflexivamente. A linguagem trazida por eles poderia, desse
entradas subjetivas e sociais”. A interação é para a autora,
modo mediar a interação dos alunos nos eventos comunicativos
portanto, a linguagem enquanto discurso, que:
conforme
bem
diz
Brandão
(1995:11)
está
no
que efetivamente fazem parte de sua realidade, ou seja, da
comunidade discursiva à qual pertencem.
“não constitui um universo de signos que
serve
apenas
como
instrumento
de
4. O “hot spot” do Inglês Instrumental e a interação em sala de
comunicação ou suporte do pensamento. (...)
aula de LE
[A linguagem enquanto discurso] é um
modo de produção social; ela não é neutra,
inocente (na medida em que está engajada
O ensino de inglês instrumental (English for Specific
Purposes) atenderia a uma suposta recomendação básica do
ensino moderno do inglês do ensino centrado no aluno. Ocorre
que o ensino moderno, apoiado nos pressupostos da Análise do
Discurso para a Lingüística Aplicada, deveria centrar-se na
numa intencionalidade) e nem natural, por
isso o lugar privilegiado de manifestação da
ideologia. Ela é o sistema-suporte das
representações
ideológicas,
(...)
é
o
‘medium’ social em que se articulam e
defrontam
agentes
coletivos
e
se
255
consubstanciam relações interindividuais”
metodologia centrada no aluno, nas suas
(BRANDÃO, 1995:11).
motivações,
interesses
e
necessidades.
Então, aprender uma língua estrangeira
implicaria não apenas reter estruturas verbais
De fato, de acordo com Moita Lopes (1996), o
conhecimento é construído conjuntamente em sala de aula
através de um processo que envolve controle, negociação,
compreensão e falhas na compreensão entre aluno e professor
até que possa fazer parte do conhecimento compartilhado na
sala de aula. Na visão da psicologia cognitivista, o ensino em
geral não pode estar desvinculado da aprendizagem, na medida
para
repeti-las,
automaticamente,
no
momento oportuno, mas, sobretudo, agir
sobre o objeto de ensino para ‘capturar’ o
seu sentido e o seu funcionamento, de modo
a ser capaz de interagir com o outro ou com
o dizer do outro, com a cultura do outro
(CORACINI, 1999:105-106).
em que ele só terá sentido se estiver a serviço da aprendizagem.
Conforme afirma Coracini (1999:105), na verdade:
Desse ponto de vista, ensinar leitura em LE, portanto,
quer dizer criar condições para que essa interação aconteça,
A pedagogia de línguas estrangeiras viu-se
diante da necessidade de alterar o seu
enfoque: de uma pedagogia centrada no
método e no saber (retenção do conteúdo
transmitido)
passou-se
a
propor
uma
possibilitando desse modo que conceitos já adquiridos
defrontem-se com situações lingüísticas e culturais novas,
resultando em aprendizado cognitivo do aluno.
256
5. A questão da “primazia” da habilidade da leitura sobre as
demais dentro do ensino de LE
O usuário de língua, ao falar, faz uso dos gestos, da
expressão, da emoção, da entonação e do contexto para ajudar.
Na leitura, não. Assim, quando mostra ilustrações, gráficos ou
Com a leitura, temos condições de realizar diversos
tipos de atividades como: atividades preparatórias (ativação do
vocabulário, apresentação prévia do assunto, perguntas
anteriores à interação), discussão prévia sobre aspectos
tablelas, o professor (ou o livro didático) está auxiliando. Em
outras palavras, com as outras habilidades, isto se tornaria mais
difícil. Há ainda que se considerar o que Maingueneau
(1996:39) preconiza:
culturais e sobre os temas a serem analisados. Buscamos com
isto mostrar ao aluno que, mesmo com um conhecimento
lingüístico limitado, é possível compreender o texto. Ao utilizar
as estratégias de leitura e compreensão, tais como a
identificação da idéia central, inferir os significados das
palavras pelo contexto, trabalhar com pistas oferecidas, entre
outras, é possível ao aluno realizar o entendimento do texto.
Isto só a leitura pode proporcionar, visto que ela é fixa, e não
como a fala, que se esvai. Além disso, o desenvolvimento da
habilidade da leitura de textos em LE oferece a possibilidade de
A leitura é atividade cooperativa que leva o
destinatário a tirar do texto o que o texto não
diz, mas pressupõe, promete, implica ou
implícita, a preencher espaços vazios, a ligar
o que existe num texto com o resto da
intertextualidade, de onde ela nasce e onde
irá se fundir (MAINGUENEAU, 1996:39).
aumentar o conhecimento. Assim, desenvolver as estratégias de
leitura (que nada mais são do que planos para resolver
problemas encontrados na construção do significado do texto)
Assim, devemos ter em mente os princípios teóricos
transforma-se em uma grande ajuda aos alunos, que podem
propostos por Bakhtin (1895-1975) e Vygotsky (1896-1934),
almejar (e conseguir) a sua autonomia.
257
que trouxeram uma visão mais socializada da sala de aula. O
sala de aula. Assim como identificar o momento, ou seja, o
aluno passou a ser agente ativo na construção do conhecimento
quando e também o local (ou o onde) está se desenvolvendo o
e o fator sociohistórico foi realçado dentro do contexto da sala
processo de socioconstrução do conhecimento. Há ainda que se
de aula. Suas posições foram essenciais para essa nova visão do
compreender o porquê desses participantes se encontrarem
ser humano, a de ser pensante e ativo, instituindo uma
unidos nesse processo educacional. Só assim torna-se possível
educação mais significativa para professor e aluno e para o
uma abordagem sociohistórica da sala de aula de LE. Desse
contexto escolar.
modo, essa perspectiva centra-se em cada indivíduo presente
em um dado momento particular de socioconstrução de
conhecimento, como também na sua relação com o outro na
6. As contribuições de Bakhtin e Vygotsky para a visão social
da aula de LE
interação. Essa visão sociohistórica de conhecimento e da sala
de aula, portanto, afirma que o outro exerce papel fundamental,
de acordo com as perspectivas teóricas de Vygotsky (1985) e
Bakhtin (1995), cujas idéias muito contribuíram para o
desenvolvimento de uma nova forma de entender o processo de
A visão sociohistórica da sala de aula de LE teve
origem nos postulados dos pensadores russos Bakhtin e
Vygotsky, ao privilegiarem a interação, assim como a
importância que o outro possui no processo de construção do
conhecimento. Num espaço historicamente localizado como é a
sala de aula de LE, entender quem são os participantes da
interação pedagógica é crucial para que possamos entender essa
ensino-aprendizagem. Assim, vemos que os diversos estudos
hoje realizados em sala de aula têm salientado a necessidade da
criação de contextos interacionais em que os alunos e
professores construam, conjuntamente, significados sobre o
mundo no qual estão inseridos, tanto o interno quanto o externo
à sala de aula.
258
A construção desse mundo se faz por meio da
interação com o outro pela linguagem. Por sua vez, a
linguagem é considerada a característica fundamental
do
homem enquanto ser social que é. Dessa forma, ao mesmo
tempo em que o sujeito é influenciado pela sociedade que o
cerca, ele vai também transformando-a e reconstruindo essa
mesma sociedade. O mesmo ocorre na sala de aula, local em
que, ao mesmo tempo em que o aluno constrói o seu
conhecimento, vai igualmente contribuindo para a coconstrução do conhecimento dos outros participantes da
interação, que são o professor e os outros alunos. Nesse
ambiente, então, o aluno não pode ser visto como um produto
apenas desse contexto escolar, mas como um agente ativo na
construção desse mesmo contexto. Assim, devemos entender a
educação como um processo de construção de conhecimento
compartilhado e construído por uma ação conjunta de todos os
participantes da interação em sala de aula.
Pensamos ser correto concluir que há eficácia na
abordagem interacionista no ensino da leitura em LE, uma vez
que temos clara a concepção de que todo o homem se constitui
como ser humano pelas relações que estabelece com os outros,
e de que estamos inseridos em um tempo e um espaço em
dinâmica constante. Desde o nosso nascimento, somos
socialmente dependentes uns dos outros e entramos em um
processo histórico. É por meio desse processo que formamos
nossa visão de mundo e que construímos sentidos sobre ele. Só
com a participação dos outros é que conseguimos nos apropriar
do patrimônio cultural da humanidade, e construir nossa
história, ou seja, as diversas visões de mundo com as quais o
indivíduo convive e que vão transformando o homem no
decorrer de sua vida e deixando marcas de sua própria história
nele. Essa discussão teve origem em Vygotsky e Bakhtin, e
vem sendo aprofundada desde então. Este breve estudo sobre a
questão da leitura em LE procurou alçar o trabalho com esta
atividade em sala de aula a um patamar mais alto do que tem
7. Considerações finais
sido permanecido, esperando contribuir para uma visão mais
crítica da realidade do ensino-aprendizagem da LE. Entre os
259
aspectos práticos relevantes para que o ensino de LE tenha
êxito está, sem dúvida, o fato de que o uso e da forma da língua
BARCELOS, Ana Maria Ferreira & VIEIRA ABRAHÃO,
a ser ensinada devem estar contextualizados e a constatação de
Maria Helena. Crenças e ensino de línguas: foco no professor,
que o aprendizado de uma LE por meio da leitura é importante
no aluno e na formação de professores. Campinas: Pontes,
porque torna possível um contato com novas culturas e novos
2006.
conhecimentos.
BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à Análise do
Discurso. 4.ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1995.
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Jersey: Prentice Hall Regents, 1994.
CORACINI, Maria José Rodrigues (Org.) O jogo discursivo na
aula de leitura: língua materna e língua estrangeira. Campinas:
ARROJO, Rosemary (Org.). O signo desconstruído:
Pontes, 1995.
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Pontes, 1992.
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autor. In: CORACINI, Maria José. Interpretação, autoria e
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São
Paulo: Hucitec, 1995.
legitimação do livro didático. Campinas: Pontes, 1999.
260
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sobre e da sala de aula. São Paulo, D.E.L.T.A. v. 14, n. 1, p.
Mesa 14
33-57, 1998.
VIda Cachoeirinha: um cenário de sonho
Danieli Tavares (G-UEMS)
KRASHEN, S. D. Principles and practice in second language
acquisition. New York: Phoenix ELT, 1982.
Uma Análise Sobre Atividade de Leitura em Língua Inglesa
Bruna Bonancin Torrecilha Lopes (G-UEMS)
MAINGUENEAU, Dominique. Pragmática para o discurso
literário. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
Os Livros mais Vendidos: um estudo sobre a recepção como
imposição às escolhas e gosto do público leitor
MOITA LOPES, Luiz Paulo. Oficina de Lingüística Aplicada:
a
natureza
social
e
educacional
dos
processos
Daniele Alves Silva (PG/UEMS)
de
ensino/aprendizagem de línguas. Campinas: Mercado de
20:00 às 21:30 hs. Mesa redonda
Letras, 1996.
Questões de Discurso e de Gênero
VYGOTSKY, L. S. Thought and Language. Cambridge, MA:
The M.I.T. Press, 1985.
O “Novo” domesticado: gênero como ritual da formulação
diante do acontecimento discursivo no jornalismo
WIDDOWSON, H. G. Explorations in Applied Linguistics.
Oxford: Oxford University Press, 1979.
Prof. Msc. Wedencley Alves Santana (UNICAMP\CAPES)
261
O “NOVO” DOMESTICADO: GÊNERO COMO RITUAL
DA FORMULAÇÃO DIANTE DO ACONTECIMENTO
DISCURSIVO NO JORNALISMO
Wedencley Alves Santana
(UNIVERSO)
Pensar as práticas da mídia por uma análise de
discurso, é pensar o lugar da mídia no processo de produção e
constituição político-simbólicas, diferentemente das teorias
sociais, nas suas múltiplas linhas, que buscam os processos de
manutenção e transformação social.
A
AD
se
mira
reprodução/transformação
dos
nos
processos
discursos,
de
enquanto
materialidade ideológica. Ajuda a compreender também como
se dá o acontecimento da textualidade – quando, de acordo
com Orlandi (2001b, 65) a função autor “constrói uma relação
organizada produzindo um efeito imaginário de unidade (com
começo, meio progressão, não contradição e fim”) – sobre uma
base lingüística ou simbólica qualquer.
262
Quando diante do objeto mídia, a AD poderá,
como esses personagens são entrevistados, no recurso ou
portanto, nos trazer o modo do funcionamento discursivo dele,
rejeição de certos documentos, na apreciação ou silenciamento
como ela, a mídia, opera sobre outros sentidos sociais, como se
de certos dados.
dão seus gestos de interpretação e, diante de seu amplo papel
Trata-se já de uma prática discursiva, em que
de referência social, como estes vão desencadear gesticulações
geralmente aquele jornalista posicionado como veiculador de
e/ou gestualizações na produção e na leitura.
verdade, já aponta para a produção de um texto eminentemente
Aqui nessa apresentação, objetivamos empreender um
parafrástico.
diálogo com as ADs que trazem reflexão sobre gêneros, mas
Depois da seleção dos “dados”, passa-se à ordenação.
propondo ver a notícia como um ritual de formulação, cuja
É aqui possivelmente que o sintoma daquela formação
prática discursiva é constituída a partir de uma formação
objetivista se torna mais forte: A idéia de pirâmide invertida,
discursiva, que se constitui no momento histórico da
pirâmide truncada ou paralelepípedo, entre outras figuras,
aproximação entre o jornalismo e saberes epistêmicos, de fundo
remetem evidentemente à geometrização do texto jornalístico.
cientista.
Que por sua vez remete ao prestígio que os discursos
Essa FD, a objetivista, com a qual boa parte se não
estáveis das matemáticas. Jornalistas acreditam que atendem
maioria dos jornalistas se reconhecem como sujeitos do
nesse processo de levantamento e seleção de dados,
discurso, tem como efeito formulações/textualizações mais ou
documentos e depoimentos, a critérios de relevância.
menos estandardizadas, e que tem como efeito-retorno a
própria dominância da paráfrase sobre a polissemia.
São muitas as discussões sobre os critérios de
noticiabilidade, ou de relevância para a produção de conteúdos
Lembramos que a formulação/textualização da
jornalísticos. Esquece-se, no entanto, que estes conteúdos já
notícia começa já na pauta, na escolha dos temas, na escolha
foram pré-moldados, já se encontram com seus contornos
das perguntas, no tempo dedicado a cada entrevistado, na forma
estabelecidos, e se enquadram no espaço do dizível já previsto
263
no relato jornalístico. Em outras palavras: na notícia, os fatos já
pela idéia de pirâmide – a mesma usada como ícone de
são tomados como objetos de discurso mesmo antes de
estatísticas sociais por exemplo, geometrização e controle de
acontecer.
dados.
Os critérios de relevância são determinados por tantos
Sob o rigor da figura piramidal, o jornalismo
fatores que, se relacionados, mais do que definir o que é
encontrou finalmente um espaço entre os discursos estáveis,
notícia, trariam mais confusão. Não são os critérios de
com reconhecimento positivo. Mas não é só isso. O lead
relevância que definem a notícia. Até porque a notícia é uma
apresenta de forma sintética uma informação que depois será
forma de organização textual que remete a práticas discursivas
desenvolvida em suas particularidades. O acidente e a morte,
intercambiáveis na história.
sem
A ênfase sobre os critérios deve ser abandonada para
se perguntar por que a relevância?
Na verdade a própria pergunta pelos critérios de
a
placa
e
a
localização
específica,
a
decisão
governamental, sem as considerações amiúde, o resultado do
jogo sem o passo a passo da partida, é a função do lead. Por
isso a apresentação por meio de seis perguntas básicas.
relevância deve ser compreendida como um sintoma da
A forma de raciocínio que vai do geral para o
necessidade dessa prática discursiva de promover uma
particular é o dedutivo, própria às matemáticas, e que com o
hierarquização dos fatos, que se estabeleceu a partir da
crescimento do seu prestígio acabou sendo o modus operandis
chamada pirâmide invertida.
básico da lógica moderna. Mais do que uma operação retórica,
A ênfase das discussões sobre o jornalismo vem
parece-nos que os critérios de relevância, seja em pirâmides
recaindo sobre o termo errado: o problema não é o fato de ser
invertidas ou outra figura geométrica aponta para o
invertida (invertida em relação a um padrão de narrativa, que
desenvolvimento dedutivo dos dados, e é por isso que parece
teria abertura, problema e solução, mas que evidentemente não
tanto ser mais natural e óbvia.
compreende a totalidade de todas as narrativas), mas a obsessão
264
A humanização do parágrafo, o início por questões,
ou contrastes, a exemplificação e a parábola, formas de
mais noticiável por interesses do próprio veículo e daquilo que
deve um tanto quanto escondido.
abertura que encontram lugar nas chamadas reportagens
E assim se organiza o mundo dos homens,
(feature), ainda é menos comum entre os textos noticiosos.
classificando-os, como se fossem objetos de uma ciência
Poderia ser uma variante do discurso padrão. Mas em verdade
natural. Mas e a notícia? O efeito interdiscursivo sobre a notícia
não é, na medida em que ela serve apenas como “um
é o de lhe conceder elementos cujo resultado é a evidência e a
aperitivo”, para que as mesmas perguntas sejam respondidas.
garantia de verdade, sem o qual a notícia perderá seu caráter de
A noção de ordenação se estende à definição do que
deve e pode constar numa “matéria principal” e o que vira
retranca
estabilidade lógica.
]
A ordenação da notícia tende à repetição de uma
(texto complementar à notícia) ou boxe (que tem
memória discursiva, e o acidente, o acontecimento, só
função suplementar à notícia); do que deve ficar no alto e à
encontrará sua coerência se relatado dentro desse limite. Nesse
esquerda (o lugar hierarquicamente mais importante do
momento, os fatos serão feitos: paráfrases de outros fatos, que
espelho) e o que deve ficar em baixo do mesmo lado (o lugar
remetem a outros fatos, todos dotados de sentido, sem o qual
menos visível aos leitores); do que vai para a página ímpar (as
não existiram como tais, na sua aparente unidade.
páginas de frente para o leitor) e as páginas pares (na
Os fatos, objetos do discurso jornalístico, já estarão
seqüência, a segunda a ser lida, obrigando o leitor a
carregados de sentido, sem o qual não poderiam ser
movimentar os olhos para a esquerda).
vislumbrados com elementos de realidade – como em todo
É sempre uma organização hierarquizada do mais
importante para o menos importante, do mais relevante para o
menos relevante, do mais urgente para o menos urgente, do
discurso. Mas este efeito de estabilidade da notícia prefigura
discursivamente mesmo o imprevisível.
O acidente de avião será associado necessariamente a
estatísticas que mostram se neste ano houve mais ou menos
265
acidente do que no ano passado. O efeito de realidade
dias, através de suítes, análises, comentários, posicionamento
incontestável e a eficácia discursiva da notícia está em nunca
do veículo etc.
dizer não para os sentidos já propostos. Não problematiza
como as teorias críticas.
Ao final do ano, deverá ganhar as páginas ou as cenas
dos principais fatos do ano, nas retrospectivas. E aí será
Uma votação para o sistema de governo pode ser
lembrado no próximo fato similar como um acontecimento
relacionado na cobertura noticiosa a outro plebiscito realizado
histórico (a história no jornalismo é a história dos grandes
num passado não muito remoto. Mas as motivações históricas
acontecimentos jornalísticos e não grandes acontecimentos
para o ressurgimento da proposta deve ser analisado, opinado
históricos, isto é aqueles que tiveram maior repercussão: trata-
por setores específicos do jornal. A notícia informará apenas o
se de mais um critério quantitativo).
resultado da peleja – com cobertura de números e opiniões
devidamente tabuladas
Contribui
muito
Referências Bibliográficas
para
a
domesticação
do
acontecimento noticioso a repercussão, que passa a ser o
Questões de Discurso e de Gênero Publicitário
termômetro da importância do acontecimento discursivo. A
Profa. Msc. Ana Lúcia Furquim de Campos (UNIFA-
repercussão é a demanda de mercado, e deverá ser medida em
CEF\UNIFRAN\UNESP)
estatística de venda e procura dos exemplares. De novo o fato
quantificado.
Automaticamente, se a demanda é positiva, a
repercussão se alastrará, como um efeito pedra no lago,
Questão de discurso e de Gênero de Auto-Ajuda
Profa. Dra. Sheila Fernandes Pimenta e Oliveira (UNIFACEF\UNESP)
espacialmente por outras mídias, e temporalmente por outros
04\05\2007
266
DISCURSO E METODOLOGIA: TENSÃO NA ANÁLISE12
8:00 às 9:30 hs. Mesa-redonda A
No
Discurso e texto: Fronteiras e Aproximações
funcionamento
da
linguagem, como veremos, o
seu sujeito é constituído por
O Funcionamento Textual-Discursivo nos Rótulos em Artigos
gestos de interpretação que
de Opinião
concernem
sua
Profa. Dra. Maria Angélica Freire de Carvalho (UEZO\RJ)
sujeito
a
Fazendo
A AD e o Discurso Mítico Indígena
é
posição.
O
interpretação.
significar,
ele
significa. (Orlandi, 2001: 22)
Profa. Dra. Nara Sgarbi (UNIGRAN)
Marlon Leal RODRIGUES13
UEMS/NEAD/UNICAMP14
Discurso e metodologia: tensão na análise
Marlon Leal Rodrigues (UEMS)
Introdução
12
Este texto faz parte ampliada de minha tese de doutoramento na
UNICAMP, orientada pelo Prof. Dr. Sírio Possenti. Agradeço ao CNPq pela
bolsa de doutorado (2002-2006).
13
Professor Adjunto da UEMS – Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul, Unidade Universitária de Nova Andradina. NEAD – Núcleo de Estudos
em Análise do Discurso.
14
Pós-Doutoramento supervisionado pela Profa. Dra. Eni P. Orlandi
(UNICAMP).
267
A proposta neste texto é abordar uma descrição mais
A pesquisa tem como objeto o discurso do
do que discussão sobre alguns aspectos metodológicos em
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Análise do Discurso de linha francesa desenvolvidas na minha
Terra, o MST. Restringe-se à análise dos
dissertação
editoriais do MST, em sua trajetória
de
mestrado
e,
posteriormente,
tese
de
doutoramento. Notas de caminhos e descaminhos.
histórica (Boletins no. 1 de 15/5/81 ao JST
no. 189 de 5/99 – esta data foi contingência
Questões Metodológicas: dissertação
do trabalho, início do levantamento), e tem
por finalidade levantar o suporte ideológico
Segue de forma elementar o objetivo geral da
que dá sustentação às atividades práticas e
dissertação e sua problemática que de alguma forma já
discursivas do Movimento.
pressupõe um tipo de entrada na análise:
A escolha dos editoriais como objeto de
análise justifica-se por serem eles que
Este trabalho se inscreve nesse quadro de
exprimem, de forma sintética e concisa, as
interdições: a exclusão social que impõe
orientações,
outras formas de interdições, como a da
marcadamente ideológicas daquilo que está
palavra, a do direito à terra, entre outras.
no corpo dos boletins e jornais.
Inscreve-se, também, como não poderia
A compreensão dos acontecimentos sociais,
deixar de ser, pela natureza dos agentes
de uma perspectiva ideológico-discursiva,
sociais, em um quadro de luta, de poder e de
tem dois pressupostos: a presença do sujeito
desejo de transformação social ou de
– no caso, agente do MST – e a
imposição de uma Nova Ordem.
materialidade do discurso. O processamento
propostas
e
bandeiras
268
da análise do discurso pode possibilitar a
mestrado15: como analisar? O que analisar? Enfim, como
verificação da constituição do suporte
iniciar a análise? Um dos caminhos, além da orientação
ideológico sobre o qual o Movimento se
recebida,
sustenta, as ideologias que “pulsam” em
autores/pesquisadores e procurar entender como eles procediam
cada enunciado, em cada texto, em cada
as suas análises. Disto extrai algumas lições: o analista precisa
palavra de ordem. De acordo com Rodrigues
conhecer historicamente o seu objeto de pesquisa porque deste
(1999: 1), considerando o comentário a
conhecimento vai proporcionar em alguma medida o tipo de
respeito da palavra de ordem:
análise e sua especificidade, ou seja, o “discurso” (Pêcheux,
é de praxe nos movimentos sociais a
2002) a ser analisado: elaborar questões pertinentes ao objeto,
elaboração de palavras de ordem como
estabelecer um objetivo geral do qual demanda objetivos
forma de expressar e dialogar com os demais
específicos, determinar qual o tipo de corpus: oral, escrito, o
segmentos
posição
suporte, o “gênero” (Maingueneau, 1993, 2001) etc. Ao pensar
propostas,
no corpus é importante procurar “visualizar” como consegui-lo,
reivindicações, origem do movimento (...) A
ter acesso a ele e o que ele pode oferecer de recorte que atenda
estrutura lingüística da PO pode ser um
as primeiras elaborações/perguntas sobre o objeto.
ideológica
sociais,
concisão
marcando
das
sintagma nominal, sintagma verbal, uma
proposição” (Rodrigues, 2001: 21-22).
foi
ler
e
estudar
as
análises
de
outros
De forma muito empírica, ainda no início do
mestrado, pesquisei em jornais e em revistas, tudo dos últimos
anos. Consegui de doação uma caixa cheia de revistas e jornais
Assim, a partir destas considerações iniciais, a
metodologia se apresentou como uma questão desde o
do SINDET - Sindicato dos Profissionais da Educação de Três
15
Dissertação de Mestrado em Letras, “Introdução ao Estudo da Ideologia
que Sustenta o MST”, UFMS – Campus de Três Lagoas (2001), orientada
pela Profa. Dra. Sílvia Helena Barbi Cardoso.
269
Lagoas e região, eles possuíam assinaturas. Foi uma caixa
se “falava” do movimento. Mas, tive que pensar em outro
(cheia) grande do tipo máquina de lavar de roupa, demorei três
corpus.
meses para recortar, colar e organizar em um arquivo. Além de
Em conversas com amigos e comentando sobre a
pedir um catálogo de matérias e reportagens de televisão sobre
pesquisa, ou seja, das “angústias” de iniciante, uma amiga disse
o MST (TV Cultura de São Paulo), a fitas gravadas eram caras
que tinha a assinatura do Jornal do MST, fato que não sabia e
demais para serem adquiridas. Tive que desistir logo, pois
me “animou” de forma considerável além de resolver muitos
havia outro problema, teria que transcrever horas e horas de
dos meus problemas. Consegui o Jornal do MST (defini o
programa de televisão.
corpus), faltava a sua abrangência. Faltava definir o gênero:
Mas sobre o jornal e a revista, “empolgado” fui
seria entrevistas, depoimentos, narrativas, cartas, mensagens,
conversar com a minha orientadora e ela com poucas perguntas
editorial etc. A primeira etapa foi conseguir o material - ANCA
me fez perceber que tudo o que tinha feito era em vão.
– Associação Nacional de Cooperativas Agrárias-SP - (do
Perguntou: que tipo de corpus? Que tipo de suporte? Se for o
boletim nó. 01 de 1981 até a última edição do jornais, pois o
jornal ou revista, o que eles oferecem? Entrevistas do MST (o
boletim se converteu em jornal) ter contato com ele e
movimento falando dele mesmo de forma direcionada) e/ou
estabelecer um recorte e abrangência histórica (datas). Já estava
entrevistas sobre o MST (alguém falando do movimento). Que
definido, escolhi o jornal enquanto suporte, o editorial
tipo de jornal/revista: do movimento ou dos meios de
enquanto gênero, pois nele continha as metas, os objetivos, as
comunicação de massa? Depois colocou outra questão: qual vai
questões, as discussões do movimento, o contexto histórico, os
ser o gênero do discurso?
conflitos entre outras informações, orientações. Enfim, era o
Não perdi todo o trabalho porque li o material como
“discurso” (Pêcheux, 2002) do próprio movimento.
conhecimento do movimento, o que os outros “falavam do
Em relação ao período, resolvi que seria a partir do
movimento”, o que o movimente “falava” de si e a forma como
número um para ser ter uma visão do desenvolvimento
270
histórico do movimento, desde o nascedouro (1981) do
que muitas vezes não se manifesta na superfície do enunciado
movimento até o momento da pesquisa (1999).
ou dos enunciados.
Umas das maiores dificuldade foi o recorte dos
De acordo com Orlandi16, “não se trata de analisar o
“enunciados” (Pêcheux, 2002), mas precisamente a sua
enunciado em si, mas sim analisar o que ele silencia”. Estas
abrangência (pequeno, médio, grande), depois, o que ele
considerações obrigam a elaborar questões aos enunciados
poderia oferecer de análise para as questões do projeto, no
antes de classificá-los em discursos. No total, classifiquei
entanto, deixei-me levar por outros enunciados, seguindo um
elementarmente cerca de trinta discursos, dos quais fiquei
pouco a intuição e um pouco as questões do projeto. Uma
apenas com sete deles, apenas com aqueles que em seu
questão metodológica se colocou ao recortar o enunciado: tive
conjunto poderia melhor expressar uma traço peculiar do
que enumerá-los e fazer referência para ficar fácil de encontrar
movimento e se oferecia melhor para análise. Até porque se
o contexto caso fosse necessário. Tive que voltar várias vezes
fosse analisar todos eles, com certeza não terminaria o
seja para fazer um novo recorte, seja para aumentar ou diminuir
mestrado no prazo previsto.
o enunciado.
Uma vez decidido pelos sete discursos, iniciou o
Recortei cerca de mil enunciados, depois fui
classificando
os
enunciados
em
discursos
trabalho de indagar os enunciados em suas especificidades
enquanto
enquanto paráfrases um dos outros em maior ou menor “nível”
“paráfrases” (Fuchs, 1982). Foi um trabalho cansativo porque
de “sentido” (Pêcheux, 1997), ou seja, aqueles em é que
certos enunciados dados as sua especificidade participava de
possível classificar como enunciados pertencentes a um mesmo
vários discursos. Esta classificação depende em parte do
discurso ao ser indagado. Foi o momento também de reduzir o
conhecimento do analista (seja de mundo, seja sobre o assunto
ou ainda seja um conhecimento sobre questões da ordem do
político), pois, envolve um certo olhar “político/ideológico”
16
Comentário feito quando ministrava uma disciplina em Análise do
Discurso no IEL – Unicamp em 2004.
271
número de enunciados, ficando somente com os que ofereciam
maior possibilidade de análise.
Se for uma análise mais pautada nas materialidades
discursivas (o que não exclui o caráter histórico), é possível,
A análise de forma geral inicia-se já no recorte dos
entre outras considerações, analisar a demanda de sentidos, a
enunciados, o primeiro momento, no segundo é o da
“polissemia” (Orlandi, 199), o tipo de paráfrase, o que se
classificação em discurso, já no terceiro momento e mais longo
mostra e o que silencia, isto sempre em relação aos outros.
é confrontar as questões principais da dissertação (objetivos e
Mesmo que seja uma análise com ênfase e mais pautada nas
problemáticas) em relação ao discurso a ser analisado, é um
materialidades discursivas, este fato não exclui a historicidade,
momento lento que dependo de duas questões básicas: a
ou seja, aquilo que Pêcheux (2002), concebe como “redes de
primeira diz respeito a “habilidade” (Eni, 1999) com que o
memória”.
analista trabalha a teorias e a segunda, o nível de conhecimento
É importante ressaltar o equilíbrio entre as duas
técnico ou de mundo que o a analista possui sobre o “tema”,
abordagens analíticas. Importa, de acordo com Orlandi (1996:
isto de acordo com tipo de análise que ele pretende.
23) considerar “a relação entre o tipo e funcionamento é um
Se for uma análise de abordagem mais histórica (o
instrumento decisivo para o analista, pois, em grande parte, a
que não exclui a “materialidade discursiva” (Pêcheux, 2002)),
sua tarefa (explícita ou implícita) é distinguir modelos de
procurar a relação do discurso em questão com outros discursos
discursos” a partir de dois pontos: a primeira diz respeito às
históricos e ver qual o tipo de relação que há entre ambos,
questões e perguntas que o analista precisa elaborar, a segunda
também analisar a “posição sujeito” (idem), os sentidos
é observar o que o próprio recorte “oferece” ao analista para
possíveis, “deslocamentos” (idem), aquilo que faz que o
além de suas questões e perguntas e outras questões, pois, na
discurso seja igual e ao mesmo tempo diferente, ou seja, quais
linearidade dos enunciados, a cada “palavra” (Pêcheux, 1997),
os sentidos que permanecem e o sentidos que deslizam para ser
a cada sintagma, a cada fragmento sempre há possibilidade de
tornar um outro.
“algo” soltar aos olhos do analista.
272
No momento de analisar o discurso ocorre outro fato
importante a ser considerado, de alguma forma o próprio
ter
terminado
as
análises
e
considerações,
explicitar
detalhadamente foi e ainda é uma questão de reflexão.
discurso coloca questões para o analista, umas mais explícitas,
Com estas considerações finalizo ainda que de forma
na superfície discursiva, outras mais complexas, que depende
insatisfatória as questões metodológicas da dissertação de
de elaborações hipotéticas que poderão ou não ser sustentada
mestrado.
de acordo com a argumentação do analista. Em alguns
momentos pode ocorrer a “tentação” de forçar os dados na
Questões Metodológicas: doutorado
teoria ou vice-versa para tentar legitimar a análise, é sempre um
perigo para o analista considerando que analisar é também
Se no tópico anterior as considerações foram post
trabalhar “na tensão das relações significativas” (Orlandi, 2001:
scriptum uma vez que foi feita após a dissertação, este tópico já
13).
é um recorte na íntegra (salvo raras correções, ampliações e
Assim, gostaria de comentar que apesar da descrição
especificações que visão melhorar a questão) de tese de forma
até aqui parecer esquemática como se tudo estivesse pensando,
que serão feitas apenas algumas considerações breves sobre o
organizado previamente, a questão metodológica foi se
recorte e objetivos.
seguindo mais ou menos de forma intuitiva na tentativa de
encontrar “caminhos” e tentar sistematizar ou padronizar uma
Segue, de forma elementar, as considerações a respeito
da problemática e dos objetivos da tese:
forma de analisar, uma forma de se deparar com os discursos e
enunciados a partir das questões prévias e a partir das questões
O
que os próprios discursos e enunciados colocavam a cada
discursivo não é um fato rotineiro, nem
indagação. Isto é tão flagrante que o tópico metodologia ficou
intencional e nem mesmo elaborado, mas
resumido a poucas linhas de forma sintética, pois, mesmo após
constituído
surgimento
no
de
bojo
um
das
acontecimento
relações
de
273
reprodução/transformação das relações de
no Brasil, outras questões se põem: a) que
produção (Pêcheux, 1997: 191) sociais nas
condições materiais de existência histórica
quais se dão os processos discursivos (idem,
propiciaram
161): um discurso novo é constituído no
Considerando esse surgimento uma ruptura
bojo das relações sociais políticas dadas as
em relação aos discursos anteriores na luta
condições de produção (Pêcheux, 1969: 75).
pela terra, como se deu essa ruptura? c)
Nesse sentido, o objeto específico de estudo
quais acontecimentos históricos a sua volta
desta pesquisa é o discurso da Reforma
propiciaram sua irrupção? d) Na mesma
Agrária pela Ocupação, suas condições de
medida, quais acontecimentos a sua volta
irrupção,
materialização
tentaram evitar sua irrupção? e) quais temas,
discursiva e seu efeito de sentido em relação
objetos, controle de sistema o constituíram
a
pelo
em seu repertório discursivo? f) quais
operariado, por exemplo. Considerando que
enunciados colocaram em prática “todo jogo
o surgimento de um discurso não é
de regras” que definem o que pode e o que
acontecimento corriqueiro, proponho duas
não se pode constituir como elemento do
questões. A primeira diz respeito ao fato de
discurso?
esse discurso ser novo17. E como um
Estas são algumas das perguntas que
discurso novo na história da luta pela terra
norteiam a análise do discurso de Reforma
outros
sua
forma
discursos
de
já
inscritos,
seu
surgimento?
b)
Agrária pela Ocupação e as condições de
17
A questão de o discurso do MST ser novo ou não foi inicialmente
abordada de forma introdutória na minha dissertação de mestrado (2001).
Faço uma retomada dessa questão. A minha posição permanece a mesma: o
MST funda um discurso novo.
existência do MST (Rodrigues, 2007: 1819).
274
212). Os recortes do discurso em enunciados “não chegam a
Analisar discursos possui um princípio norteador:
constituir um sistema, pois perdem sua “evidência” toda vez
“toda descrição abre sobre a interpretação” (Pêcheux, 2002: 54)
que questionamos sua validade. Os recortes são sempre
e/para que “através das descrições regulares de montagens
interpretativos” (idem, p. 213).
discursivas, se possam detectar os momentos de interpretações
A Análise do Discurso, no entanto, não possui uma
enquanto atos que surgem como tomadas de posição [do
metodologia específica, um modelo, um esquema já dado que
analista] reconhecidas com tais, isto é, como efeitos de
permita ou pudesse apenas “enquadrar” os dados, nem uma
identificação assumidos e não negados” (idem, 57). Para
forma de trabalhá-los. Isso significa que cabe ao analista adotar
Pêcheux (2002: 57), a interpretação é “uma questão de ética e
“princípios e procedimentos” (Orlandi, 1999: 59) a partir das
política: uma questão de responsabilidade”. Para Orlandi
perguntas e dos objetivos em relação aos dados. A construção
(1999: 64), a interpretação é uma questão de “capacidade
de dispositivos (id.) de análise é condição, a princípio, para
analítica do pesquisador, pela habilidade que ele pratica a
desenvolver um conjunto de práticas sobre os dados, de formas
teoria, face a sua responsabilidade teórica”. A interpretação se
de trabalhar os dados que por fim se constituem em
constitui
procedimentos metodológicos.
a
partir
de
determinados
procedimentos
metodológicos, por mais elementares que sejam, como recortar
um enunciado a ler e elaborar uma pergunta a seu respeito.
Talvez seja óbvio, mas analisar discurso coloca em
questão o que analisar, primeiro passo metodológico, que se
Considerando que o discurso “é concebido como um
desdobra “automaticamente” em algumas perguntas a fazer, um
fenômeno observável, um objeto empírico, constituído de uma
objetivo a construir, algumas hipóteses, um objeto do discurso,
seqüência linear de enunciados. É um acontecimento histórico”
um corpus a ser recortado ou construído e, desse recorte extrair
(Cardoso: 1994: 211) e enquanto hipótese de trabalho ele
somente o que for significativo e relevante para as questões
“serve apenas para certos fins teóricos de análise” (idem, p.
elaboradas. Isso significa que em um dado corpus nem tudo vai
275
ser analisado, porém não equivale a dizer que o que ficou de
fora da análise não seja significativo ou relevante, mas apenas
O corpus é composto de editoriais dos boletins e dos
que são as perguntas, os objetivos, as hipóteses e o objeto do
jornais do MST que compreendem o período de 1981 (no. 01,
discurso que norteiam, em alguma instância, o recorte para
15/05/1981) até 2004, (no. 240, 05/2004). A escolha dos
análise.
editoriais se dá em virtude de conterem, em seu aspecto e em
É importante ressaltar que utilizarei o dado tipo
seu formato material, de forma “objetiva” e assumida, as
rentável (Possenti, 2002: 31). A seleção dos dados que
orientações, as propostas, os objetivos, as reflexões, as
constituem o corpus é, em geral, um passo estratégico
bandeiras e o programa político do movimento. Além disso os
(metodológico) do analista, pois, de acordo com Maingueneau
editoriais constituem um lugar em que os discursos e as
(1993: 20), “cada corpus estabelece problemas específicos”.
ideologias se materializam com certo efeito, força e poder.
Ainda, a respeito do dado, de acordo com Possenti (2002: 33),
Os editoriais do Boletim e do Jornal Sem Terra foram
o primeiro recorte de universo de possibilidades ou de
o
dado
do
“universo discursivo” (Maingueneau, 1993: 116). A escolha
pesquisador, por mais que seu status
dos editoriais se justifica por ser um espaço privilegiado de
dependa da teoria. Afirmar que o dado existe
orientação “programática” quer de jornais e revistas de
independentemente do investigador não
movimentos populares, de partidos políticos ou de jornais e de
significa dizer que ele determine as opções e
revistas de comunicação de massa, o editorial é um espaço que
ações do investigador (...) é preciso admitir
melhor expresse as orientações ideológicas assumidas ou não
que o mundo existe independentemente da
como posições ideológicas.
teoria.
existe
independentemente
A entrada no corpus para proceder a outros recortes
de enunciados nunca é fácil, os discursos não “falam” por si só,
276
a entrada no corpus foi feita com a elaboração de algumas
lingüísticas, como quadro, pintura, charge, tira de jornal,
perguntas, com alguma intuição e também com um pouco de
formas de composição, arte gráfica, cores etc..
atenção para as incidências de “curiosidades discursivas” que a
A delimitação do enunciado é um trabalho do analista
princípio não revelam possuir relação “direta” e “indireta” com
que em grande maioria a partir das perguntas e questões que já
os objetivos propostos, mas que no decorrer do contato e
estão elaboradas previamente, mas não fixas, uma vez que o
trabalho de “idas e vindas” com o corpus elas acabam às vezes
recorte não pode ser aleatório a ponto de causar algum tipo de
por significar algo importante, isso aconteceu, mas não foi uma
estranhamente entre aquilo que o sujeito em sua posição
constante.
discursiva materializou lingüisticamente e aquilo que o analista
A partir das perguntas fui procedendo aos recortes de
recortou. Ou seja, tive o cuidado de no recorte não deturpar
enunciados que respondiam e possuíam alguma relação “direta”
nem a estrutura lingüística nem a linearidade construída pelo
e “indireta” com os objetivos. Outro ponto importante é que no
sujeito no “fio do discurso” (Pêcheux, 1997). O recorte dos
decorrer do contato com o corpus algumas perguntam iam
enunciados pode ser considerado como uma etapa da análise
sendo re-elaboradas e até mesmo abandonadas em detrimentos
muito significativa uma vez que ao recortar os enunciados, o fiz
de outras. O contato com o corpus é um momento tenso para o
já pensando naquilo que ele pode oferecer de produtividade.
analista.
À medida que ia recordando os enunciados, cerca de
É importante ressaltar que os enunciados em AD não
mil, ia enumerando-os e fazendo referência ao corpus. Isso é
equivalem à oração, a proposição, a frase ou aos atos de fala. A
importante porque no momento da análise, foi comum ter que
sua materialidade lingüística pode coincidir como sintagmas
voltar várias vezes ao corpus para verificar alguns aspectos dos
verbal ou nominal ou como período composto de extensão
enunciados em relação a sua linearidade, ou seja, o que tinha
relativa de um texto pequeno ou parágrafo. O enunciado ainda
antes e o que tinha depois do recorte. Em muitos casos na hora
pode possuir em sua composição outras materialidades não
da análise o recorte foi refeito, ampliado ou diminuído para
277
prestar melhor a análise. Essa estratégia apresenta uma
discursos irem se inscrevendo, se repetindo, se parafraseando,
vantagem de contar apenas aquilo que é interessante para o
se transformando e se transformando gradativamente no
analista, evita recortes grandes sem perspectiva de análise, mas
repertório do MST. Cito dois enunciados com exemplo:
que para um possível leitor pode oferecer questionamentos ao
analista porque não analisou isto ou aquilo etc. No decorrer das
(1) “como agricultor achamos que temos o
análises muitos enunciados foram abandonados ou porque eram
direito a ter um pedacinho de terra para
paráfrases de outros “em maior ou menor grau” ou porque não
plantar alimentos para nossas famílias e para
fazia mais sentido, neste caso cabe ao analista verificar quais
os da cidade” (Bol. No. 1, p. 1, 15/5/1981)
dos enunciados se prestam melhor aos seus propósitos.
(690) “NOSSA LUTA É CONTRA O
A quantidade de enunciados é em decorrência de dois
IMPÉRIO” (JST. 02/240/05/2004)
fatores: o tamanho do corpus, editoriais de 1981, no. 01 até
2004, no. 240, eu queria poder olhar de uma perspectiva
É possível constatar no enunciado (1) um discurso na
histórica abrangente, ou seja, queria constatar os discursos que
ordem do Estado, um sujeito autorizado a se inscrever. Era a
iam se inscrevendo “a cada momento” de existência do
inscrição do movimento no ordem do político marcando a sua
movimento e sua relação com a conjuntura. Esta proposta, no
existência em 1981.
entanto, apresenta o inconveniente de “perder” o momento
No enunciado (690) de 2004, a questão não é mais a
exato da enunciação, as “condições de produção do discurso”
da terra, o MST se inscreve a questão da terra como uma
(Pêcheux, 1997), mas em contra partida, ampliei e tentei
questão de política internacional, contra o Estado e o discurso
descrever um contexto político mais amplo para compreender e
capitalista. É importante ressalta que o movimento para passar
relacionar às questões mais amplas de uma agenda política
de uma “discursividade” (Pêchexu, 2002) a outra, foram
nacional. Acredito ter sido um ganho porque pude verificar os
278
necessários vinte e três anos de embate na ordem do discurso
(Orlandi, 1997).
Assim, depois do recorte dos enunciados, fiz o
esquema geral, ainda que elementar da tese, fui separando
Assim, foi uma opção metodológica trabalhar com um
conjuntos de enunciados de acordo com os objetivos e
corpus considerável, se de um lado foi trabalhoso e cansativo,
propostos gerais, os agrupamentos de enunciados são sempre
em contra partida, pude escolher aqueles que se prestavam
provisórios nesse primeiro momento podendo até mesmo
melhor às análises e aos agrupamentos provisórios, no total
participar de vários agrupamentos.
fiquei com seiscentos e noventa enunciados.
Um aspecto importante dos enunciados é que eles se
Depois de recortados, os enunciados ainda não falam
prestam a uma série de análises e abordagens de acordo com as
por si só, a partir das perguntas e dos objetivos e também das
perguntas que se faz a eles, de acordo com o agrupamento em
descobertas (curiosidades e intuição) com o corpus, outras
que estão inseridos ou organizados. Ou seja, à medida que
questões foram surgindo, mas não a ponto de abandonar os
tenho várias perguntas ao mesmo enunciado ele vai se
objetivos e propósitos que me levou ao corpus, caso isso
prestando às análises. Não cheguei esgotar analiticamente
ocorra, talvez o analista tenha outro projeto de pesquisa ou a
nenhum enunciado, confesso que fiquei predisposto, mas não o
constituição do corpus não foi adequada. Um ponto
fiz, o que não quer dizer que não seja possível esgotá-lo.
fundamental antes de iniciar as análises foi após o recorte, fui
Uma vez separado os agrupamentos por capítulos e/ou
refletir sobre o conjunto de enunciados em sua totalidade e
partes, fiz um outro recorte a partir dos objetivos e delimitações
esboçar um primeiro esquema geral da tese, primeiro em partes
específicos
provisórias e depois em capítulos, já um pouco mais estáveis,
agrupamentos considerando suas especificidades. Assim, no
mesmo que de forma elementar e provisória. Foi no decorrer
decorrer das análises por capítulos ou partes, um retorno ao
das análises que as partes e os capítulos foram se constituindo e
corpus foi uma constante como também um reajustamento dos
se configurando estavelmente.
agrupamentos, considerando a exclusão de certos enunciados,
dos
capítulos,
ou
seja,
esquematizei
os
279
inclusão de outros, e a redefinição linear ainda de alguns. Isso
amparo quer nas materialidades discursivas, quer nas filiações
para atender a demanda das questões, dos objetivos e das
históricas e redes de memória discursiva.
perguntas.
Como tinha como proposta uma perspectiva histórica,
Há uma tensão entre as questões, os objetivos e as
adotei metodologicamente o ponto de vista da progressão linear
perguntas em relação aos enunciados. Salvo os objetivos, desde
de enunciação na maioria dos agrupamentos para análise.
que consistentes, eles não se alteram no contato com o corpus.
Iniciei as análises pensando na progressão e desenvolvimento
Mas as questões e as perguntas não apenas no contato com o
discursivo do movimento como condição de poder “capturar”
corpus, mas sobre tudo no momento crucial das análises, elas e
momentos de “surgimento” de algo diferente, algo novo que
eles se constituem de uma relação ou um jogo tenso. Lembrava
ainda não havia se revelado nas práticas discursivas. Foi nesse
sempre de Pêcheux (2002: 57): “face às interpretações sem
sentido que foi possível analisar o desenvolvimento discursivo
margens nas quais o intérprete se coloca como ponto absoluto,
do movimento como a posição de sujeito histórico na ordem do
sem um outro nem real, trata-se aí, para mim, de uma questão
Estado, como agricultor, para sujeito revolucionário que
de ética e política: uma questão de responsabilidade”. Em
questiona o próprio Estado e assim se tornando o outro do
alguns momentos os enunciados questionavam as questões e as
Estado.
perguntas como querendo dizer que elas não eram adequadas
Analisei também os pontos de tensão discursiva, a
para eles; e em outros casos a relação era inversa, as perguntas
constituição: posição sujeito, discursos, objetos, temas,
e as questões questionavam se de fato os enunciados possuíam
transposições de espaço, enunciatários, constituição do
algum tipo de relação com elas. Este momento é delicado e
instrumento discursivo, pontos de ruptura etc.. A visão linear
“perigoso”, o que ocorre é um estranhamento, corre-se o risco
de enunciação favoreceu de forma considerável as análises.
de “forçar” ou construir uma análise sem consistência, sem um
Aliás, a estrutura da tese e dos capítulos seguiu com certa
regularidade este esquema.
280
Outro ponto importante foi a proposta metodológica
agrupamentos e/ou dos discursos dependem do tipo de
de análise que privilegiei: uma abordagem equilibrada entre as
conhecimento que o analista se imbuiu para elaborar questões,
materialidades discursivas e a abordagem histórica, pelo menos
objetivos e adentrar nas análises.
acredito ter conseguido. Esse fato é importante porque é
A partir do exposto, é possível resumidamente elencar
comum em muitos trabalhos em Análise do Discurso o analista
as etapas que constituem metodologicamente a análise, elas são
privilegiar ou uma abordagem das materialidades discursivas
as seguintes, não necessariamente nessa ordem:
ou uma abordagem mais histórica. Tive a impressão que as
escolhas metodológicas sempre implicam em perdas, quando
a) definição: de objetivo, de objeto, elaboração de hipótese e
optei pelo um período longo (1981 – 2004), perdi, por exemplo,
perguntas a fazer;
em muitos casos, a conjuntura precisa de enunciação, tive
b) proceder ao recorte de um corpus de todo corpora de um
apenas, em alguma instância, aquilo que o conjunto de
determinado universo discursivo (Maingueneau, 1993: 116);
enunciados se referiam como pontos de ancoragem históricos.
c) a partir desse corpus e das questões da letra “a”, proceder ao
Assim, procurei não apenas analisar alguns aspectos
primeiro recorte de enunciados (Pêcheux, 1969: 100) e suas
das materialidades discursivas como também relacioná-las a
paráfrases (Fuchs, 1982: 29) significativos e relevantes (ainda
historicidade que a constituem com as condições históricas que
que de forma intuitiva) que possam ser material de análise. É
favorecem sua materialização discursiva e de tudo que pode
importante numerá-los e fazer as devidas referências ao corpus;
decorrer.
d) agrupar os enunciados considerando suas especificidades de
Ainda
um
último
aspecto
das
análises,
o
conhecimento de alguns fatores históricos do analista se
sentidos, de objetos e de temas materializados nos discursos;
constitui em muitos casos de um fator significativo de
e) classificar os grupos de enunciados em discursos, dando-lhes
ancoragem das materialidades discursivas e ancoragem
uma configuração;
histórica. Ou seja, certas especificidades dos enunciados, dos
281
f) analisar os discursos (enunciados desse discurso) quanto a
enunciados no entanto é importante considerar que os
sua posição ideológica, sua relação com outros discursos, redes
agrupamentos são, em alguma medida, instáveis e por isso
de filiações históricas quanto ao interdiscurso e à memória
podem revelar algum ponto de vista do analista. Os
discursiva;
agrupamentos são sempre provisórios e instáveis se o discurso
g) analisar nos discursos as posições sujeito nas suas relações
mudar em decorrência de sua relação tensa com outros grupos
com as estruturas sociais;
de enunciados ou conjuntura política distinta, que ressignificam
h) analisar agrupamentos de enunciados independentemente de
algumas unidades que aparentemente eram consideradas como
se constituírem em discursos com o objetivo de verificar certas
estáveis em relação aos sentidos.
especificidades: analisar a “progressão e transformação” de
sentidos considerando a sua materialidade; analisar conjuntos
Se até aqui foi feita referência somente ao discurso e
de enunciados que marcam aspectos da identidade dos sujeitos;
não aos discursos do MST é tão somente para proceder à
analisar conjuntos de enunciados que materializam objetos e
análise, pois os discursos são constituídos em suas relações
temas de discurso;
com outros discursos, trazem em sua constituição outros
i) proceder a um segundo recorte e exclusão de enunciados:
discursos necessariamente.
durante o percurso de análise, constata-se que alguns dos
Assim, a metodologia foi sendo construída ao longo
enunciados não foram analisados ou porque havia outros que se
do trabalho e face à própria demanda dos objetivos e dos
“prestavam” melhor a análise ou porque, durante o percurso de
objetos da pesquisa. É importante ressaltar que tive a
análise, eles deixaram de fazer sentido;
“impressão” que o percurso metodológico se um lado se
j) voltar ao corpus para efetuar um outro recorte específico a
apresentava produtivo, de outro, parecia que “perdia” algo por
partir de certos enunciados. Qualquer tentativa de agrupamento
seguir este ou aquele caminho. Considero, ainda que
de certo conjunto de enunciados, provoca exclusão de outros
elementarmente, que este fato metodológico se constitui em um
282
dos próprios da Análise do Discurso, uma característica
o positivismo lógico e a denominada
peculiar face à teoria, ao objeto, ao objetivo e ao analista.
filosofia
analítica,
uma
corrente
de
pensamento que alcançou, de maneira
Considerações
singular na lógica formal e na metodologia
da ciência, avanços muitos meritórios para o
A questão metodológica ou como fazer análise em
desenvolvimento do conhecimento.
Análise do Discurso tem sido um certo tipo de “problema” que
apesar de algumas reflexões de pesquisadores Orlandi (2001,
1996, 1999), Possenti (2002) e Voese (2004), ainda é possível
A outra corrente com a qual promove ruptura é a
fenomenologia, que de acordo com Trivinõs (2008: 47-48)
constatar a “tensão” do aluno de pós-graduação ou iniciante em
Análise do Discurso na hora de demonstrar sua habilidade de
a fenomenologia exalta a interpretação do
analista na aplicação teórica, ou seja, no momento de efetuar
mundo que surge intencionalmente à nossa
propriamente a análise.
consciência. Por isso, na pesquisa, eleva o
A AD ao se constituir enquanto disciplina, ela se opõe
ator, com suas percepções dos fenômenos,
à algumas correntes filosóficas que irão contribuir para a
sobre o observador positivista.
questão metodológica em Análise do Discurso, por exemplo: o
(...)
positivismo e a fenomenologia. De acordo com Triviños (2008:
A fenomenologia, sem dúvida, representa
41):
uma tendência filosófica que, entre outros
méritos,
o positivismo, sem dúvida,
representa
através de suas formas neopositivistas, como
parece-nos,
tem
o
de
haver
questionado os conhecimentos positivistas,
283
elevando a importância do sujeito no
reconhece
processo da construção do conhecimento.
independentemente da consciência.
que
a
realidade
existe
(...)
Ao se opor ao positivismo e a fenomenologia, a AD
O materialismo dialética é a base da
não o faz em um campo do saber neutro ou para além das
filosófica do marxismo e com tal realiza a
ciências, ela se situa em algum aspecto no marxismo, naquilo
tentativa de buscar explicações coerentes,
que
e
lógicas e racionais para os fenômenos da
metodológica) “crítica” da realidade a partir de algumas
natureza, da sociedade e do pensamento. Por
posições teóricas que para Trivinõs (2008: 50-51),
um lado o materialismo dialético tem uma
ele
pode
oferecer
enquanto
reflexão
(teórica
longa tradição na filosofia materialista e, por
a
importância
o
outro lado, que é também antiga concepção
marxismo a concepção materialista da
na evolução das idéias, baseia-se numa
realidade
interpretação dialética do mundo.
torna
que
apresenta
necessário
para
referir-se
brevemente ao materialismo filosófico, já
(...)
sabemos que ele considera que a matéria é o
O materialismo histórico é a ciência
princípio primordial e que o espírito seria
filosófica do marxismo que estuda as leis
uma aspecto secundário. A consciência, que
sociológicas que caracterizam a vida da
é um produto da matéria, permite que o
sociedade, de sua evolução histórica e da
mundo se reflita nela, o que assegura a
prática
possibilidade que tem o homem de conhecer
desenvolvimento
o universo. A idéia materialista do mundo
materialismo
social
dos
da
histórico
homens,
no
humanidade.
O
significou
uma
284
mudança fundamental na interpretação dos
reflexão, mas necessariamente uma proposta metodológica sem
fenômenos sociais que, até o nascimento do
esquemas e modelos estruturados a priori. Ao contrário de
marxismo,
concepções
pensar que é um problema, é possível considerar uma questão e
idealistas da sociedade humana. (...) O
uma virtude. Situação que impõe ao analista uma diversidade
materialismo histórico ressalta a força das
de questões de como analisar em Análise do Discurso.
se
apoiava
em
idéias, capaz de introduzir mudanças nas
bases econômicas que as originou.
Assim, a AD se beneficia dessas reflexões seja para
refutar (positivismo e a fenomenologia), seja para estabelecer
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Campinas: UNICAMP-IEL: Tese de Doutoramento, 1994.
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São estas questões estão na base da AD quando ela
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de
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Portuguesa. São Paulo-SP: Cortez Editora, 2004.
NO ESCURO DO DISCURSO: RECORTES TEÓRICOS NA
NÉVOA DISCIPLINAR
Janaina NICOLA
Nas malhas da AD: Obediências e travessuras
(PG-UFMS/CPTL/CAPES)
Janaina Nicola (UFMS)
A perpetuação do Outro; o começo do Eu
A investida sobre a qual se inclina esse estudo oferece
uma apresentação de algumas noções básicas com que se ocupa
esse campo investigativo da Análise do Discurso. Essa empresa
pretende discutí-las e recuperar historicamente as condições de
possibilidade com que trabalhamos na aventura teórica, obscura
do/no discurso, conforme reclama a prática do campo
investigativo supracitado.
Mais precisamente, cuidamos de recuperar, históricopolítico e ideologicamente, alguns dos conceitos cristalizados
pela AD que nos desafiam permanentemente diante dessa
“aventura” nunca tranqüila, do/no discurso, “em que a análise
precede, em sua constituição, a própria teoria”; ou seja, é pelo
fato de o analista ter “um objeto a ser analisado que a teoria
287
vai-se impondo” (MALDIDIER, 2003). Daí as fases dos
desde o aparecimento do Círculo de Praga (marcada pelos
“tateamentos teóricos” sobre as quais fundamenta-se, também,
trabalhos de Trubetskoï e Jakobson), até as conceituações
nosso discurso (nossa prática).
fundamentais para a semiótica do círculo de Copenhague
(Hjelmslev). De lá, encaminhar-se-ia aos esboços da leitura
1 O evolar do ritual
funcionalista; do descritivismo e gerativismo, às lingüísticas
enunciativas. Vislumbraríamos as regulações do discurso o do
Segundo as representações mais usuais, a Lingüística
lugar que ele abre à ocupação do sujeito falante (Benveniste,
irrompe com os estudos de Saussure, cujo Curso de lingüística
Ducrot e Culioli) e, enfim, alcançaríamos as lingüísticas
geral (CLG) inaugura uma doxa sobre a qual se define e de que
discursivas
se compraz a disciplina. Dos interesses lingüísticos do século
morfossintáticos,
XIX (desde a gramática comparada) aos movimentos de
preocupada em restituir as filiações.
que
pretenderam
crivando
ultrapassar
uma
os
progressão
limites
histórica
desenvolvimento ulterior das asserções sobre a linguagem do
Interessa, todavia, marcar especialmente o momento
século XX: o caminho entre 1800 e 1900 que possibilita
de um confronto teórico que possibilitou o aparecimento de
compreender as conceituações ditas contemporâneas; os
uma análise de discurso. O declínio dos movimentos
encadeamentos.
“estruturalistas”,
a
crise
dos
“marxistas”;
o
trágico
Se o espaço de que dispomos não sofresse restrições
desaparecimento de figuras que mantiveram esses movimentos
impostas por um certo ritual em que nos inscrevemos, este
durante os anos de 50 até meados de 80, como Althusser,
estudo poderia propor um passeio cujo percurso levaria a
Lacan, Pêcheux, Barthes, vincaram um vazio que se desenhou
explorar as condições de emergência da gramática comparada,
no início dos anos 1980 com esses desaparecimentos
a ruptura operada pelo pensamento de Saussure com o CLG, as
simultâneos. As décadas seguintes conheceriam o fim das
implicações da interpretação estrutural-funcionalista abraçada
utopias, dos embates heróicos, de tal modo que haveria,
288
mesmo, uma nova configuração dos saberes, pós-1980,
denunciaria, na perspectiva que iria trabalhar o sujeito, a língua
determinada por essas cisões (GREGOLIN, 2004).
e a história.
Os estudos da linguagem, a partir dos anos 60 do
A Análise do Discurso que encontramos no Brasil
século XX, foram surpreendidos por um novo acontecimento
constituiu-se no espaço de discussões provocadas por três
que sacudira a Lingüística de outrora. A lingüística
campos do saber que remetem, ao mesmo tempo, a uma ruptura
distribucional depara com o trabalho de Harris, cuja proposta
com o século XIX: a Lingüística, a Filosofia e a Psicanálise. O
ulterior ao clássico Discourse Analysis ditava que os estudos
que interessa a esse momento de irrupção são três formas
trabalhassem para além dos limites de uma única frase e que
diferentes
fossem realizados levando em consideração “as relações entre a
perpassam a constituição desse novo campo investigativo.
cultura e a língua”. Harris se desprende nesse momento dos
Assim, considera-se da Lingüística a afirmativa segundo a qual
trabalhos apontados pela lingüística do sistema, evocando um
a língua não é transparente: tem uma ordem marcada por uma
contexto sócio-cultural, um locutor e um objeto alheio aos
materialidade específica. Do Marxismo, o fato de que a história
limites da sentença; muda-se o discurso; faz-se reconhecida a
também tem a sua materialidade: o homem faz a história, mas
falta. Ressalta-se aquela exterioridade constitutiva.
ela também não lhe é transparente, uma vez que manipulada.
de
materialidade,
de
não-transparência,
que
Quando Pêcheux se mobiliza a pensar a Análise do
Por fim, com a Psicanálise, é o sujeito que se coloca ante a sua
Discurso, o texto de Harris é recebido como texto fundador, em
opacidade: o sujeito não é transparente nem para si mesmo,
virtude de ter relacionado suas reflexões sobre o discurso à
marcando aqui um deslocamento da noção de homem, de
língua e ao contexto sócio-cultural em que ele é praticado
indivíduo, para a de sujeito. Mais precisamente, ao invés do
(INDURSKY, 2006). A Análise do Discurso inaugurada por
sujeito nós teríamos, com a AD, uma posição-sujeito que
Pêcheux em 1969, com Análise Automática do Discurso (AAD
enuncia e que particularmente nos interessa.
69), já anunciava as novas inflexões que o estudo do discurso
289
Deixar-se atingir pelo conceito de “posição-sujeito”
remete a deslocá-lo de sua estabilidade aparente, em que é
campos para desembocar em uma teoria do discurso
(PÊCHEUX e outros, 1981).
concebido como indivíduo físico, e considerá-lo afetado por um
Nesse sentido (e falar de sentido é sempre
jogo imaginário de projeções que incide sobre sua constituição;
questionável), a AD, antes de ser confundida com as teorias
a isso corresponde dizer que há em toda língua mecanismos de
supracitadas, as pressupõe, construindo um objeto e um método
projeções que oferecem a possibilidade de passar da situação
próprio, contornando-se da relação de três regiões científicas:
sujeito para uma posição ocupada pelo sujeito no discurso,
a) a teoria da ideologia, b) a teoria da sintaxe e da enunciação e
conforme Orlandi, 2006, p. 15:
c) a teoria que compreende o discurso como um processo de
determinação
O sujeito da análise de discurso não é o
sujeito empírico, mas a posição sujeito
projetada no discurso. (...) Portanto não é o
sujeito físico, empírico que funciona no
discurso, mas a posição sujeito discursiva. O
enunciador e o destinatário, enquanto
sujeitos, são pontos da relação de
interlocução, indicando diferentes posiçõessujeito.
histórica
dos
processos
de
significação
(ORLANDI, 2006).
É sob essa égide de pensamento, sob essas discussões
que surge a Análise do discurso, a partir dos anos 60 do século
XX, momento em que a leitura levantava questionamentos em
torno da interpretação. Estudiosos como Althusser (na releitura
de Marx), Foucault (A Arqueologia do Saber), Lacan (com sua
leitura de Freud), Barthes (cujo pensamento nos alerta de que a
Desenha-se, desse modo, o famoso tripé que sustenta
leitura é uma escritura), entre outros, indagavam sobre o fato de
a AD e que lhe propõe gerar uma teoria e um objeto novo, que
que ler significava dizer. Ocorre então que alcançam o
tocam as bordas desses domínios disciplinares, mas que, em
reconhecimento de que a leitura deveria ser des-naturalizada;
nenhum momento, pode ser confundido com eles (ORLANDI,
necessitaria de se pautar em um artefato teórico que lhe
2006). Não se trata de realizar uma soma ingênua dos três
permitisse a subsistência (idem).
290
A AD constitui-se como uma disciplina de entremeio, entre a Lingüística e as Ciências Sociais, interrogando a
alguma
conveniência,
que
os
visitaram
em
diversas
localizações e que os fizeram existir em terrenos outros.
lingüística que pensa a linguagem e se esquece do sócio-
Não sabemos ao certo o marco inicial de irrupção
histórico e interpelando as Ciências Sociais que ignoram a
dessas noções sobre a verdade e sobre o poder, uma vez que a
linguagem em sua materialidade. A AD desloca-se desses
busca da verdade, desde o século VI, com os poetas gregos,
lugares em direção a um outro em que essas ciências traçam um
“tende a exercer sobre os outros discursos (...) uma espécie de
relacionamento complementar. Suas contribuições oferecem
pressão e como que um poder de coerção” (FOUCAULT, 1998,
hoje a teoria a que nos condicionamos.
p. 18). Podemos afirmar, contudo, que, para esta pesquisa,
Exibir nosso pressupostos teóricos, implica, enfim,
importa
considerar
os
apontamentos
que
sobre
eles
resgatar os trajetos históricos da constituição de alguns
desenvolveu Michel Foucault (1999), entre outras diversas e
conceitos, permitindo-nos rediscuti-los ante a nova condição de
vigorosas escansões. Esse é o recorte.
existência em que são postados hoje. Aqui nos subescrevemos
Nesse crivo, Foucault permite-nos perceber não mais
(ou nos inscrevemos) em uma prática, manifestando o evolar
apenas as coerções repressivas que estabelecem o poder e sua
do ritual que nos encaminha sob a névoa disciplinar.
estreita
ligação
à
institucionalização
da
“verdade”,
à
universalidade dos saberes para além do inconteste, mas, antes
2 Do poder e da verdade
e diferente disso, ele nos posiciona em face das relações
positivas que intrincam no espaço ocupado por essas noções,
Não se faz restrita a lista de estudiosos, pensadores,
deslocando o conceito de poder de uma significação negativa e
filósofos, inquietos do conhecimento que se puseram a discutir
impiedosa, de modo a endereçá-lo para fora da identidade
as implicâncias do poder e da “verdade”, que os conceberam
vincada na proibição. Ao contrário, o poder, para Foucault, é
exaustivamente ou ao menos os mencionaram por razão de
produtivo:
291
uma “consciência de todos”. Há algum tempo, todavia, não se
Se o poder fosse somente repressivo, se não
fizesse outra coisa a não ser dizer não você
acredita que seria obedecido? O que faz com
que o poder se mantenha e que seja aceito é
simplesmente que ele não pesa só como uma
força que diz não, mas que de fato ele
permeia, produz coisas, induz ao prazer,
forma saber, produz discurso. Deve-se
considera-lo como uma força produtiva que
atravessa todo o corpo social muito mais do
que uma instância negativa que tem por
função reprimir (FOUCAULT, 1999, p. 08).
pede mais ao intelectual que desempenhe esse papel. Segundo
Foucault (1999, p. 09), os intelectuais habituaram-se a trabalhar
não no “universal”, no “exemplar”, no “justo-e-verdadeiropara-todos”, mas “em setores determinados, em pontos precisos
em que os situavam, quer suas condições de trabalho, quer suas
condições de vida (...)” (ibidem).
Essa virada interessa-nos à medida que nos determina
a observar esses pontos precisos de atuação, esses setores em
que se os postam. Esses pontos dizem respeito aos lugares que
Consideramos essas indicações a fim de levantar
ocupam, de onde (nos) falam, em que lutam, nos quais desejam
discussões relativas aos sujeitos envolvidos nos discursos
permanecer e que, enfim, os autorizam a dizer o que dizem, de
analisados, que nos brindam com os ranços de seus poderes
maneira poderosa e progressiva. Investido em seu setor de
cristalizados na instância enunciativa. Pensar esses sujeitos
atuação, o intelectual ganhou uma consciência muito mais
significa também, entre outras coisas, pensar o papel do
concreta e imediata das lutas (ibid.). Esse é um ponto muito
intelectual com relação a essa busca e essa legitimação da
importante para o qual devemos olhar sempre e com
verdade em nossa sociedade.
desconfiança, uma vez que as considerações com que nos
Ao intelectual incumbiu-se, durante muito tempo,
envolvemos, e a sociedade em geral também, incidem
dominar um acumulado de saberes vários cuja universalidade
vigorosamente sobre esses conceitos de “verdade” a cerca do
seria representativa da verdade e da justiça. A ele competiria
qual haveremos de caminhar, para o bem ou para o mal.
figurar como uma entidade clarividente que funcionasse como
292
O pensamento de Foucault direciona à assertiva
segundo a qual “a verdade não existe fora do poder ou sem
os
seus
posicionamentos,
cuja
função
estreita-se
aos
dispositivos de verdade em nossa sociedade:
poder”. As coerções do mundo produzem a verdade e ela, por
sua vez, constrói efeitos regulamentados de poder. Dessa
É então que sua posição - (a do intelectual) -
maneira, cada esfera da circulação social, e ela mesma em uma
pode adquirir uma significação geral, que
esfera geral, possui os seus regimes de verdade; possui os
seu combate local ou específico acarreta
discursos que nela são produzidos e que concorrem para indicar
efeitos, tem implicações que não são
o verdadeiro, discriminando, em contrapartida, o falso, o alheio
somente setoriais ou profissionais. Ele
à verdade.
funciona ou luta ao nível geral deste regime
Esse intrincamento poderoso entre verdadeiro e falso,
de verdade, que é tão essencial para as
essa relação de (re)conhecimento e esquiva, de acolhimento e
estruturas e para o funcionamento de nossa
desprezo, de identificação e distanciamento está muito patente
sociedade. Há um combate “pela verdade”
nos estudos da língua, por exemplo. A tensão cristalizada entre
ou, ao menos, “em torno da verdade”
português-padrão e não-padrão, entre gramática e lingüística (e
(parênteses nosso) (FOUCAULT, 1999, p.
esta justaposição não quer dizer que eles se equivalem), enfim,
13)
entre o privilegiado e aquele que sofre o preconceito por não
obedecer à mesma ordem, permeia todo o nosso trabalho e
Essa verdade de que nos fala Foucault, e que produz o
sustenta as observações concernentes ao desmascarar dessas
poder, negativa ou positivamente, não se precipita em referir ao
“lutas de classes” evidenciadas na análise discursiva. Isso nos
“conjunto das coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar”,
leva a perceber, conforme mencionado, como esses lugares se
mas ao “conjunto das regras segundo as quais se distingue o
constituem no que são, e o que externam as suas manifestações,
verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos
293
específicos de poder”, entendendo-se também que não se trata
estudo reclama que aceitemos a hipótese de que não há a
de um combate “em favor da verdade”, mas em torno do
possibilidade de se dizer sem que, para isso, sejamos afetados
regulamento da verdade e do papel econômico-político ao qual
por um “exterior”, às vezes introjetado, mascarado. Isso
pode filiar-se: “É preciso pensar os problemas políticos dos
significa dizer, em outras palavras, que é de interesse deste
intelectuais não em termos de “ciência/ideologia”, mas em
trabalho investigar com quais possibilidades de existência os
termos de “verdade/poder” (ibidem).
sujeitos trabalham a construção dos seus discursos (ou às quais
eles se rendem); o porquê da escolha ou manifestação de
Não se trata de libertar a verdade de todo
determinadas formulações e quais as implicâncias desse
sistema de poder – o que seria quimérico na
“exterior” constitutivo nos efeitos a que os sentidos podem
medida em que a própria verdade é poder -
remeter.
mas de desvincular o poder das verdades das
Para Orlandi (2006), as condições de produção
formas de hegemonia (sociais, econômicas,
compreendem os sujeitos e a situação do discurso. Segundo a
culturais) no interior das quais ela funciona
autora, podemos considerar as condições de produção em
no momento (ibidem, p. 14).
sentido estrito e em sentido lato. Se consideramos o primeiro,
temos as circunstâncias da enunciação; o contexto imediato; o
3 As condições de produção
“aqui e agora” do dizer. Já no segundo caso, a situação
compreende o contexto sócio-histórico-ideológico, mais amplo.
A assertiva que nos inquieta especialmente nesse
Importa ressaltar ainda que essa separação faz-se legítima
tópico é a de que “um discurso é sempre pronunciado a partir
somente para fins explicativos, uma vez que na análise são
de condições de produção dadas” (PÊCHEUX, 1990, p. 77).
indissociáveis.
Compreender a implicação dessa noção com relação ao nosso
294
Courtine (1981) transforma as condições de produção
em simples circunstâncias, nas quais os “sujeitos do discurso”
o resultado de um produto “forma”; uma afirmação de lugares
(encontrados ou pretendidos).
interagem e constituem a origem de relações discursivas das
É nessa esteira que caminha o conceito de relações de
quais são o portador ou o efeito. No âmbito discursivo, as
forças, segundo o qual o lugar, a posição que ocupa o falante é
condições de produção configuram o estado em que e a partir
constitutiva do que ele diz:
do qual os discursos são produzidos, em uma conjuntura social,
cultural, política, histórica e ideológica. No processo de
[...] o que anuncia, promete ou denuncia não
construção do discurso, na situação enunciativa, implicam um
tem o mesmo estatuto conforme o lugar que
emissor que fala a um destinatário a respeito de um referente,
ele ocupa; a mesma declaração pode ser uma
sistematicamente.
arma temível ou uma comédia ridícula
O “como” falar, o que deve ou não ser dito, a escolha
segundo a posição do orador e do que ele
do léxico ou vocabulário, a articulação, “livre” ou imposta (de
representa, em relação ao que diz [...]
qualquer forma, nunca será livre) desses fatores, a manipulação
(PÊCHEUX, 1990, p. 77)
da estrutura ou estratégia, pelos quais o discurso se efetiva,
tudo isso, enfim, é determinado por aquilo que as
A “palavra” muda de sentido de acordo com a posição
circunstâncias impõem aos sujeitos; pelo contexto (restritos e
ocupada por aquele que a pronuncia; o “sentido das coisas”
amplos) que os envolve (sujeitos e discursos) e no qual se
altera-se, no mais, de acordo com a formação discursiva na
inscrevem: eis as condições de produção. Dizer isso é aceitar o
qual ele é concebido. Mas o que importa ressaltar nessa noção,
assujeitamento em que se precipitam os discursos e os sujeitos.
e o que nos atinge em nossa empresa, diz respeito à força que
É dizer também que se pode enxergar, através dos
esses lugares, que essas posições, aplicam ao discurso,
protagonistas do discurso, não apenas os sujeitos falantes, mas
295
conferindo aos sujeitos uma autoridade absoluta com relação ao
que busca a sua constituição, na identificação ou na esquiva, na
que dizem.
dívida ou na sublimação, mas ainda no encontrável, fazendo
Dessa afirmação resulta outra: a de que o discurso
que o dizer se sustente na relação com outros e que assim as
deve ser remetido às relações de sentido nas quais é produzido.
coisas façam sentido, ou efeitos de sentido. Os discursos
As “relações de sentido” vêm nos dizer que não há discurso que
amparam-se nessa fonte, nutrindo-se de seus benefícios ou
não se relacione com outros, ou seja, eles dialogam entre si
arriscando-se em seus vícios. Recuperar esses intercâmbios é o
indiscriminadamente, posto que não podemos conceber um
trabalho a que devemos nos inclinar.
discurso escrito “sobre uma página branca”:
4 Entre as imagens
[...] assim, tal discurso remete a tal outro,
frente ao qual é uma resposta direta ou
Partindo da premissa segundo a qual “os indivíduos
indireta, ou do qual ele “orquestra” os
são ‘interpelados’ em sujeitos-falantes (em sujeitos de seu
termos principais ou anula os argumentos.
discurso) pelas formações discursivas, que representam ‘na
Em outros termos, o processo discursivo não
linguagem’
tem, de direito, início [...] (PÊCHEUX,
correspondentes” (PÊCHEUX, 1995, p. 161), tratamos, nesse
1990, p. 77).
enxerto, de discutir as projeções (representações imaginárias;
as
formações
ideológicas
que
lhes
são
ideológicas) que se estabelecem nos processos de construção
Segundo Orlandi (2006), todo discurso é aberto em
do discurso e, por fim, dos sujeitos que a ele emprestam
suas relações de sentido. Isso significa dizer que o discurso
submissão. O jogo das formações imaginárias preside todo
sempre aponta para outros precedentes ou que o sucedem. E é
discurso e incita-nos a perceber como se produzem e como se
assim que ele obtém o seu reconhecimento; é assim também
processam nos discursos as imagens dos sujeitos, assim como
296
do objeto de que se ocupa, dentro de uma conjuntura sócio-
outros) com os quais se relaciona (ou pretende relacionar-se).
histórica:
Postamo-nos assim no campo do simbólico.
Parece claro dizer que nem sempre esses processos de
[...]
o
que
processos
projeções “espontâneas” se fazem livres; ou seja: muitas vezes,
discursivos é uma série de formações
essas representações imaginárias determinam a formulação do
imaginárias que designam o lugar que A e B
discurso, construindo a existência (ou a aparência) dos sujeitos-
se atribuem cada um a si e ao outro, a
falantes, uma vez que esses sujeitos são interpelados, em suas
imagem que eles se fazem de seu próprio
formações discursivas, por formações ideológicas que lhes
lugar e do lugar do outro. Se assim ocorre,
correspondem. Posto isso, faz-se importante pensar que as
existem
manifestações
nos
funciona
mecanismos
nos
de
qualquer
imaginárias
acenam
ao
sujeito
com
a
formação social regras de projeção, que
“compreensão” (“livre” ou imposta) que poderão elaborar ou
estabelecem as relações entre as situações
aceitar a respeito de si, do outro, do meio, do mundo, da
(objetivamente definíveis) e as posições
relação destes entre si e dele para com estes.
representações dessas situações) (PÊCHEX,
1990, p. 82).
Em conformidade com essas considerações, buscamos
observar a maneira pela qual a posição ocupada pelos
protagonistas do discurso intervém como condição de produção
Dessa maneira, pode-se dizer que os discursos
do discurso (ibidem, p. 83). As imagens, no discurso, remetem
oferecem um espaço de confrontos ideológicos, do qual a
às significações que as condições de produção (todas) e as
funcionalidade permite
absorver as representações que
formações ideológicas (diversas) operam nesse sujeito,
concorrem para que o sujeito se torne quem é (ou quem pensa
remetendo àquilo que Pêcheux designou “forma sujeito”: o
ser) e elabore as impressões daqueles (o “meio” e sujeitos
297
sujeito afetado pela ideologia; o indivíduo interpelado em
sujeito por força do ideológico.
Faz-se
necessário,
Isso implica que o orador experimente de
aos
estudos
das
imagens,
certa maneira o lugar de ouvinte a partir deu
considerar as projeções que envolverão o destinador (A), o
próprio lugar de orador: sua habilidade de
destinatário (B), o referente (R) e o código comum a A e B, nos
imaginar, de preceder o ouvinte é, às vezes,
termos daquele velho esquema elementar da comunicação
decisiva se ele sabe prever, em tempo hábil,
criticado por Pêcheux (1969), quando da Análise Automática.
onde
Essas representações imbricantes no acontecimento discursivo
antecipação do que o outro vai pensar
configuram as imagens inscritas na enunciação e orientam-nos
parece constitutiva de qualquer discurso (...).
a considerar algumas questões que, nos termos de Pêcheux
Em certos casos, o ouvinte, ou o auditório,
(1990), registram-se assim: Ia (a), Ia (b), Ia (r), como também:
pode bloquear o discurso ou, ao contrário,
Ib (b), Ib (a), Ib (r). Respectivamente: a imagem que A tem de
apoiá-lo por meio de intervenções diretas ou
A, a imagem que A tem de B e a imagem que A tem de R; e, a
indiretas,
imagem que B tem de B, a que B tem de A e a que B tem de R.
(PÊCHEUX, 1990, p. 77-78).
este
ouvinte
verbais
o
“espera”.
ou
Esta
não-verbais
Se fizermos intervir aqui o mecanismo de antecipação
– que permite ao sujeito postar-se no lugar de seu interlocutor
O interessante para este estudo é perceber, em relação
para experimentar as suas palavras e adiantar uma resposta –,
a esse imaginário, a posição social no discurso. São, pois, essas
esse quadro se multiplica: todo processo discursivo supõe, “por
presenças do imaginário que contornam os nossos discursos,
parte do emissor, uma antecipação das representações do
alertando-nos, de forma mais ou menos clara, daquilo que
receptor, sobre a qual se funda a estratégia do discurso”
estamos dizendo. Esse é o poder das formações imaginárias, à
(ibidem). Em outras palavras:
298
medida que estabelecem direções pelas quais o discurso é
contribuições teóricas da AD não se esgotam nessas argüições;
guiado, conscientemente ou não.
o objeto de que se ocupa a disciplina referida envolve-se com
Como se pôde observar, essas questões envolvem
mais complexidade e merece um sentimento de insatisfação
muito mais que a compreensão dos sujeitos acerca dos fatores
visceral ante a sua concepção. Tratamos, no entanto, de
que os circundam e que incitam suas construções/produções.
recuperar alguns posicionamentos que nos permitem pensar
As formações imaginárias permitirão às nossas análises
inicialmente sobre essa aventura que nos propõem os estudos
recuperar a memória em que estão cristalizados os valores,
da linguagem, e, em especial, os do discurso.
negativos ou positivos, de que esses sujeitos produtores se
valem e com que podem se contradizer. Importa considerar,
Referências
ainda, que, nessa perspectiva, as significações resultantes da
articulação
dessas
imagens
podem
se
cruzar
com
a
COURTINE, J.J.; MARANDIN, J-M. Quel object pour I’
arbitrariedade, uma vez que a construção dessas referências é
analyse du discours? In Matérialités discoursives. Lille: Presses
particular a cada sujeito, ainda que tratemos de um grupo (ou
Universitaires de Lille, 1981.
círculo) incomum; ainda que a questionemos em uma mesma
formação discursiva e/ou ideológica.
FOUCAULT, Michel. A microfísica do poder. Rio de Janeiro:
Graal, 1999.
A ilusão do final
__________. A ordem do discurso. Trad. Laura Fraga de
Pretendemos com esse trabalho apresentar e discutir
alguns pressupostos teóricos básicos com que se relaciona o
campo investigativo da Análise do Discurso. Vale dizer que as
Almeida Sampaio. 4.ed. São Paulo: Edições Loyola,1998.
299
GREGOLIN, Maria do Rosário. Foucault e Pêcheux na
________ e outros. Matérialités discursives. P. U. de Lille,
construção da análise do discurso: diálogos e duelos. São
1981.
Carlos: Claraluz, 2004.
08:00hs às 09:30hs. Mesa redonda B
INDURSKY, Freda. O texto nos estudos da linguagem:
especificidades
e
limites.
In:
Discurso
e
Lexicologia e Lexicografia
Textualidade.Campinas: Editora Pontes, 2006.
O Vocabulário da Erva-Mate no cone Sul
ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso. In: Discurso e
Prof. Msc. Aparecido Lázaro Justiniano (FIP)
Textualidade. Org. Suzy Lagazzi-Rodrigues e Eni P. Orlandi.
Campinas: Pontes Editores, 2006.
Um olhar para a Toponímia Sul-Matogrossense: resultados
parciais
PÊCHEUX, Michel. Análise Automática do Discurso. Em:
Profa. Msc. Marineide Cassuci Tavares.
GADET, F. e HAK, T. Por uma análise automática do
Atlas Lingüístico de Ponta Porá-MS: notícias de um Atlas
discurso. Uma introdução à obra de Michel Pêcheux.
concluído
Campinas: Ed. Da Unicamp, 1990.(1969)
Profa. Msc. Regiane Coelho Pereira Reis (UEMS)
_________. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do
10:00hs às 11:30hs. Mesa redonda
óbvio. Tradução: Eni P. Orlandi [ et al]. 2. ed. Campinas:
Editora da Unicamp, 1995.
História, Discurso e Política
300
Discurso Apologético da escravidão “feliz”: Da Casa grande ao
Sobrado
Profa. Dra. Maria do Carmo Brazil (UFGD)
TRADIÇÕES DISCURSIVAS E O ESTUDO DOS
CORPORA DE LÍNGUA FALADA NAS COMUNIDADES
QUILOMBOLAS DE MATO GROSSO DO SUL
Tradições Discursivas e Comunidades Quilombolas de Mato
Grosso do Sul
Prof. Msc. Antonio Carlos Santana de Souza (UEMS\USP)
Prof. Msc. Antonio Carlos Santana de Souza
(UEMS/USP) E-mail: [email protected]
O texto que ora apresentamos é uma reflexão acerca do
texto “Sobre a historicidade de textos” do Professor Johannes
Kabatek da Universidade de Tuebingen, Alemanha; discutido
no âmbito do Grupo de Pesquisa Para a História do Português
Brasileiro (PHPB) e aplicação aos diversos corpora com
amostras do português falado no Brasil. Por ser tratar de uma
versão modificada de um capítulo do livro "Die bolognesische
Renaissance" (Kabatek, 2004) que veio a ser publicado em
2005, o presente texto foi traduzido a partir do alemão para os
estudos do PHPB, com a anuência e a preciosa revisão e a
necessária correção do autor, com quem mantivemos diálogo
301
por correio eletrônico, videoconferência e seminários durante a
Apesar dos inúmeros trabalhos que nos últimos anos
tradução do mesmo. Sem a sua colaboração, não seria possível
giram em torno do tema das tradições discursivas (TD), parece
nos mantermos fiéis ao verdadeiro espírito do texto em
que ainda não há um consenso sobre onde verdadeiramente as
reflexão. Também as notas de rodapé, quando em alemão no
TD devam ser alocadas na teoria da linguagem.19 Nesse
original, foram traduzidas.
sentido, em diversos trabalhos, tentou-se definir o lugar das TD
As linhas a serem discutidas nasceram da convicção do
com relação à diferenciação de Eugenio Coseriu entre três
professor em epígrafe acerca da importância continuada da
níveis da linguagem20, o que, no entanto, não tem sido feito da
lingüística histórica e de que, em sua opinião, um número
forma idêntica por todos os autores.
considerável das atuais questões centrais da teoria da
linguagem só serão resolvidas se elas resistirem, de certa
forma, a uma revisão desde a perspectiva histórica – bem ao
contrário, portanto, do que afirmam erroneamente algumas
tendências atuais anunciando a morte da lingüística histórica.
Um segundo motivo é o fato de que ele ultimamente tem
trabalhado
no
campo
das
assim
chamadas
tradições
discursivas18, confrontando-se continuamente com o problema
de que o status teórico-lingüístico das mesmas na verdade não
está claro e parece necessário ser revisado mais uma vez.
18
Kabatek (2001) e Kabatek (2004). Sobre o conceito de tradições
discursivas cf. Koch (1997), Aschenberg (2003).
19
As considerações seguintes referem-se, em linhas gerais, a um capítulo
em Kabatek (2004).
20
“A fala é uma atividade universal genericamente humana, que é realizada
individualmente em determinadas situações respectivamente por falantes
individuais como representantes de comunidades lingüísticas com tradições
comunitárias do saber-falar.” Coseriu (1988:70)
Os três diferentes níveis são caracterizados por Coseriu da seguinte forma:
“1. O falar representa aspectos universais genericamente humanos; ela o
‘falar em geral’. Todos os seres humanos adultos e normais falam. Inclusive
o silêncio está em uma relação direta com o falar, pois silenciar significa
‘parar de falar’ ‘(ainda) não falar’ [...].
2. Cada falar é falar uma determinada língua em particular. Na verdade,
fala-se sempre em uma determinada tradição histórica [...].
3. O falar é sempre individual, e notadamente em duas perspectivas: por um
lado é sempre realizado por um indivíduo; não é um ato em coro. Cada um
fala por si, e também no diálogo o papel do falante e do ouvinte é tomado
em intercâmbio. Por outro lado, é individual na medida em que acontece
respectivamente em uma determinada situação única. Para a denominação
desse ato individual em uma determinada situação proponho – do francês
discours – o termo ‘discurso’. Em alemão diz-se para esse nível também
‘texto’ [Text]; com isso é preciso, no entanto, levar em conta que se trata
302
A tentativa mais difundida nos últimos anos no âmbito
ordem
textual
que
atualizasse
determinadas
tradições
da romanística enquadra as TD no nível histórico, que com isso
discursivas, o que pode ser ilustrado de forma esquematizada
se duplica:21
como segue:
“No nível histórico é preciso distinguir entre dois
campos. De um lado, é preciso falar de tradições
discursivas, (gêneros, tendências estilísticas, formas
conversacionais) [...]. De outro lado naturalmente
interessa, sobretudo, cada uma das línguas históricas
particulares.” (Koch/Oesterreicher 1994, 589)
Dessa forma, a fala seria uma atividade universal cuja
objetivo comunicativo
língua particular (sistema e norma)
tradição discursiva
enunciado
prática deveria passar por uma sorte de filtro de tradição duplo:
Em oposição a esta visão, outros autores tentam alocar
a intenção do ato comunicativo precisaria sempre ser alinhada
as tradições textuais no plano individual, outros ainda postulam
adequadamente à organização lingüística, onde os signos são
que o adequado seria a duplicação de todos os três níveis, o que
escolhidos seguindo uma ordem adequada às regras sintáticas
significa dizer que, por um lado, seriam vistos como níveis do
de uma língua particular (de acordo com um sistema e com a
lingüístico, e por outro lado, como níveis do textual.
realização
comum
de
uma
determinada
norma).
Não obstante a isso, deve-se pensar que será preciso
Concomitantemente, seria necessário que ela se referisse a uma
resolver em diferentes sentidos a questão do status das
manifestações lingüísticas com respeito à relação entre TD e
aqui em primeiro lugar da atividade em si e não do seu produto.” (ibidem,
70-71)
21
Cf. também Koch (1997: 45ss).
língua, para chegar a uma clareza sobre a posição das TD na
303
teoria da linguagem. Para isso, parece, em primeiro lugar,
Aborda-se, em primeiro lugar, acerca da historicidade
necessário definir de maneira mais precisa o próprio conceito
da língua. Esta ocupa aqui um lugar especial, uma vez que não
de historicidade. É útil, nesse contexto, lembrar um debate no
se trata da historicidade dos objetos, senão sobre a do próprio
qual se procurava definir o que realmente se entende por
homem como um ser histórico. A língua como língua particular
historicidade na teoria da linguagem de Eugenio Coseriu, um
é a história de uma comunidade internalizada no indivíduo. Ela
debate anterior à noção das TD e no qual e se tratava dos atos
é a forma primária do ser comunitário e o pressuposto para
de fala. Por ocasião de uma discussão sobre a questão acerca da
outras tradições culturais,23 “pois tudo que ali é criado deve ser
historicidade dos atos de fala no ano de 1979, Eugenio Coseriu
denominado por meio da linguagem e é transmitido como
mesmo chamava a atenção de que o pressuposto básico para a
conhecimento por meio da linguagem”.24 Por meio de uma
correta situação do problema se dá através do esclarecimento
língua particular, o indivíduo se torna um ser social,25 é por
do que se entende realmente por historicidade. Nessa ocasião,
meio dela que a existência do homem se torna realidade, já que
Coseriu diferencia três conceitos distintos de historicidade:22
é uma existência compartilhada com uma comunidade, como
diz Hegeli:
- historicidade lingüística strictu senso (historicidade da língua
dada),
-
historicidade
como
tradição
(i.e.,
recorrência)
de
determinados textos ou de determinadas formações textuais,
- historicidade genérica no sentido de uma “pertença à
história”.
22
In: Schlieben-Lange/Weydt (1979), cf. também Coseriu (1978).
23
A linguagem é o pressuposto de todas as outras formas de organização
humano-social: “A afirmação de que as tarefas sociais sejam resolvidas por
meios lingüísticos, não se deve entender no sentido de que as tarefas
constituam-se de forma extra- ou pré-lingüística. A línguagem, diga-se, está
aí desde o início. As tarefas sociais só puderam ser instauradas e
desenvolvidas desta maneira, sob a condição de que os integrantes da
sociedade conversam entre si. A organização social também sempre se
constitui por meios lingüísticos.” (Schlieben-Lange, 1983, 138). Cf. também
Gadamer 1965, 268ss.
24
Coseriu 1978, 121.
25
Cf. Aristoles, Política, I.
304
“Com efeito, a linguagem é o ser-aí do puro Si, como
a recria dentro de si como técnica aberta, a qual lhe permite a
Si; pela linguagem entra na existência a singularidade
ação lingüística criativa.
para si essente da consciência-de-si, de forma que ela é
para os outros.” 26
O segundo tipo de historicidade, ao contrário, refere-se
a todos as manifestações culturais repetíveis, incluindo as
lingüísticas. Trata-se aqui das tradições de uma comunidade, da
recorrência na criação de objetos culturais, da possibilidade de
Essa historicidade primária, que é condicionada por
se referir a fatos culturais anteriores, evocados em fatos novos
meio da alteridade, ou seja, pela “potencialidade inerente de
por conta de semelhança funcional ou formal ou por parcial
ser transferida a outros”,27 é própria apenas à língua como
harmonia. Trata-se aqui daqueles objetos culturais disponíveis
língua particular, uma técnica dada historicamente. Ela
em uma comunidade para a repetição, a qual sempre inclui a
condiciona a existência [So-Sein] do homem, o homem não
mudança em duas direções possíveis: ampliando o modelo
pode retroceder à linguagem, pois, na realidade, é por meio
anterior ou particularizando-o.29 No que se refere à linguagem
dela que ele existe como homem.28 O indivíduo falante
como objeto fala-se aqui de textos que estabelecem uma
incorpora na aquisição da linguagem uma língua particular, ele
relação de tradição com outros textos. Essa pode dar-se, por um
26
Phänomelogie, VI, B, Ia. Coseriu reforçou repetidamente que o conceito
de língua por ele desenvolvido (sobretudo em Sincronia, diacronia e
história) remete, por um lado, no que tange a questão da historicidade e a
origem da língua particular, a Aristoteles, mas também, por outro lado,
quando fala da radicalidade com a que dá ênfase sobre a historicidade, ainda
mais a Hegel.
27
Coseriu (1978, 121). O conceito de alteridade nessa forma em particular
Coseriu assume de Antonio Pagliaro, cf. Schlieben-Lange (1998).
28
O que de forma alguma significa que o indivíduo estaria “preso” por uma
língua em uma visão do mundo determinada, no entanto, ao contrário, ela
possibilita-lhe o acesso a todas as línguas – o que, contudo, pressupõe
sempre o domínio de uma língua primária.
lado, pela repetição de uma determinada finalidade textual ou
de um determinado conteúdo, e por outro lado, pela repetição
de certos traços formais.
O terceiro conceito de historicidade, por fim, refere-se a
acontecimentos individuais, irrepetíveis e únicos,30 no sentido
29
Schlieben-Lange (1983:138).
Sobre essa historicidade refere-se Foucault, quando ele fala da
historicidade do discurso em contraposição à linguagem: “le discours, à la
30
305
do texto como indivíduo, ou seja, como cada texto em
Com
efeito,
pode-se
perguntar
agora,
se
é
particular.31 Aqui, trata-se do fato de que cada texto realizado é
verdadeiramente preciso manter a diferenciação proposta entre
situável como acontecimento em algum lugar historicamente.
uma historicidade primária, da língua, e uma historicidade
Essa forma de “historicidade” poderia, na verdade, ser
secundária das tradições textuais. A partir daí, poder-se-ia
desprezada na questão da tradição lingüística e textual, mas ela
argumentar que uma fala que não esteja relacionada com
está, porém, no centro da pesquisa filológica tradicional, e,
determinadas tradições de textos não pode existir de forma
sobretudo, porque características funcionais ou formais de um
alguma. Mas aqui não se trata da questão se, visto de fora, cada
texto individual servem como exemplo ou modelo para outros
texto, no imenso arquivo de textos já realizados pelas pessoas,
textos e um determinado texto é, por esse motivo, uma parte da
já foi realizado alguma vez ou se um texto pode ser vinculado a
tradição – e pode ser visto, por isso mesmo, também dentro do
uma tradição. Na realidade, sempre é assim, mesmo em casos
segundo aspecto de historicidade.
de relação tradicional negativa: também um texto que rompe
com todas as tradições precedentes é relacionável com elas,
différence peut-être de la langue, est essentiellement historique”, uma vez
que ele não é composto de “éléments disponibles”, senão de “événements
réels et successifs”, que não se podem analisar fora de sua particularidade
histórica (Foucault 1969, 260; veja-se também de la Higuera 1999,21ss). A
língua é aqui, por esse motivo, a-histórica, porque ela é uma técnica
intrínseca, não de forma temporal, para a criação de fenômenos lingüísticos
particulares.
31
Essa “historicidade” do ato único é, com efeito, aquela que Foucault vê
como verdadeiramente histórica, pois situa-se na história, enquanto que
Coseriu nega essa historicidade e diz, “que a criação por si mesma não
demonstra nenhum desenvolvimento e com isso não pode ter nenhuma
história em sentido próprio: A Ilias, a Divina Commedia não se
desenvolvem, elas permanecem idênticas a si mesmas eternamente, e por
isso também só podem achar seu lugar em uma história do homem eterna e
atemporal.” (Coseriu, 1978,118). Bem como Schlieben-Lange (1983:138):
“Um texto em particular não tem uma história, ele é o produto
respectivamente individual da ação comunicativa.”
ainda que seja precisamente pela ruptura. Muito mais do que
isso, trata-se aqui da questão se no ato de falar o vínculo com
determinadas tradições textuais é dado primariamente e
interiorizado no indivíduo da mesma maneira que o vínculo
com uma língua. Esta questão não pode ser respondida
completamente aqui, mas ela pode ser lançada em duas
direções. Primeiramente, existe uma diferença fundamental
entre a tradição internalizada da língua particular, cuja
particularidade mais chamativa é precisamente que para o
306
sujeito falante ela esteja dissociada da tradição, e ela liberte o
Um outro argumento contra a precedência da língua
indivíduo da tradição já que, como técnica, como sistema
poderia ser observado, por exemplo, no fato de que
funcional, é um instrumento de liberdade; é um mecanismo de
freqüentemente na tradição medieval das línguas europeias,
fala que possibilita a criação livre de enunciados que não são
mas também em outras situações históricas, encontram-se
necessariamente
realizações
certos textos lingüisticamente mistos com relativa estabilidade
anteriormente feitas. Em segundo lugar, existe uma diferença
na forma textual. Parece ser que, nestes casos, a finalidade da
qualitativa entre o fato de os falantes falarem uma língua
mensagem e a forma textual são primárias, e a escolha da
particular e o fato de se eles servirem das tradições textuais.
língua é secundária. Trata-se aqui, no entanto, de casos
Um texto (inclusive um texto lingüisticamente misto) é sempre
particulares da comunicação em situações
inerente a uma língua determinada; ele não pode ser “um
lingüístico, nos quais a finalidade dos textos consiste
pouco” ou “muito” português, alemão etc. O vínculo com
precisamente na transferência de uma determinada forma
tradições textuais, ao contrário, é gradual: existem formas
textual de uma língua para outra.
repetições
de
quaisquer
de contato
textuais tradicionais muito definidas, como, por exemplo, o
Até aqui apenas falou-se da historicidade das línguas
soneto, mas também formas muito pouco fixadas, como uma
em particular, das formas textuais e de textos como fenômenos
conversação descompromissada em um bar, a qual parece
universais, mas não de atos de fala. Isso reside no fato de que,
extremamente mais aberta e muito menos vinculada a uma
como fenômenos universais, os atos de fala aqui foram
tradição determinada.32
conscientemente deixados de lado, pois o universal até inclui o
histórico, mas na verdade é a-histórico.33 Contra essa
32
A análise da conversação em parte demonstrou como, contrário ao que se
pensava, também conversações livres são bastante regimentadas. A questão
da definitude de tradição de todas as formas textuais não pode ser
respondida de forma exaustiva aqui; e parece-me que também na pesquisa
relativa a análise de conversação ela não foi respondida de forma definitiva.
Aqui se trata, em primeira linha, de assinalar a gradualidade dos vínculos
com a tradição textual.
33
A discutida questão sobre a universalidade dos atos de fala (SchliebenLange 1979,67ss. e 83ss.) deve aqui ser evitada pela inversão. Como atos de
307
interpretação poder-se-ia argumentar que pode sim haver atos
posso pensar primeiro em fazer uma pergunta em alemão e só
de fala que são tão históricos como uma língua determinada.
depois, em um segundo passo, imaginar, se faço isso com uma
Mas se em uma determinada língua existem técnicas para os
determinada técnica do alemão. Ao contrário, eu preciso fazê-
atos de fala universais, então essas técnicas pertencem com
lo com uma técnica dessa língua. Por isso, onde há técnicas
certeza à historicidade do primeiro nível, a qual é precisamente
lingüísticas para atos de fala em uma língua, a historicidade dos
a historicidade dessa língua em si: se em alemão uma ato de
atos de fala coincide com a historicidade da língua mesma e
fala “pergunta“ pode estar estar vinculado a uma determinada
nenhuma historicidade de atos de fala além da historicidade da
técnica, nesse caso, p.e., em certos casos com a inversão
língua precisa ser assumida. Mas quando os atos de fala em
sintática, então isto não é uma técnica acessória, da qual faz uso
uma comunidade não são históricos no sentido de “pertencente
o alemão, mas ela é uma técnica ancorada na língua alemã, que
à língua”, eles só podem ser históricos no sentido do segundo
pertence à essência [So-Sein] do alemão e com isso também ao
nível, ou seja, tradicionais e acessórios. Ou seja, na realização
próprio ser dos falantes dessa língua. Na historicidade vista
desses atos, os falantes vinculam-se a determinadas tradições.34
nesse sentido, o sujeito e o objeto não podem ser separados.
Essas tradições ou são formalmente definíveis, a saber, quando
Quando eu falo alemão, então eu já estou nessa língua;
para a expressão de um determinado ato de fala em uma
eu não posso primeiro falar “universalmente” e depois, em um
comunidade é comum uma determinada forma textual, ou elas
segundo passo, fazer uso do alemão. Assim eu também não
ainda são definidas de maneira mais precisa, quando um
fala, são considerados aqui somente aqueles atos que são universais.
Naturalmente os atos universais estão sempre ligados a formas históricas.
Um outro problema atinge a historicidade dos atos de fala que estão ligados
a instituições. Segundo Habermas (1971, 113) estes “não pertecem a
universais pragmáticos”. Sua história é indissociável da história das
respectivas instituições. Mas exatamente por este motivo também não se
trata de atos universais, mas de elementos de tradição cultural em particular,
que podem se manifestar tanto em línguas particulares como em formas
textuais ou textos.
34
O caráter “acessório” das tradições textuais mostra-se através do fato de
que a historicidade de formas textuais é comparável a outras formas
culturais, algo como as tradições da arte, da música, do esporte, da religião
etc. (Koch, 1997: 61), que estão vinculadas a comunidades culturais e não a
comunidades lingüísticas. O caráter essencial da língua, ao contrário,
mostra-se também em seu caráter “pre-comutado”: somente através da
língua as outras tradições são acessíveis; a língua é o sistema de signos
primário que define o sujeito e que é necessário para a assimilação de todos
os outros sistemas de signos e tradições.
308
determinado ato de fala é expresso através de um determinado
uma perda, mas a uma ampliação das possibilidades, de como
texto particular, uma fórmula por exemplo.
determinados atos podem vir a ser históricos.
Ainda é necessário insistir aqui que deixar de lado os
O objetivo das linhas anteriores era de duas espécies:
atos de fala na interpretação da historicidade lingüística e
em primeiro lugar, o reforço à singularidade e à precedência da
textual não nega nem a sua existência nem mesmo a sua
historicidade lingüística, que não pode ser situada no mesmo
historicidade. Diz-se apenas que os atos de fala não têm uma
nível de outras historicidades ou tradições. No entanto, em
historicidade própria dissociável das outras historicidades. Mas
segundo lugar, com isso não se deve duvidar da importância
eles podem ser transmitidos historicamente tanto através da
das tradições discursivas para a teoria da linguagem, mas
historicidade primária da língua como através da historicidade
justamente o contrário. Sua situação adequada do ponto de
secundária das tradições discursivas. E ainda mais: eles podem
vista teórico-lingüístico é antes de mais nada o ponto de partida
até ser transmitidos em ações simbólicas não lingüísticas,35 e
para a descrição do que elas realmente são, como elas devem
justamente nisso reside uma grande liberdade que possibilita
ser definidas e quais serão as conseqüências para uma descrição
grandes diferenças em relação à ancoragem de determinados
histórico-lingüística que não se limite à evolução dum sistema
atos em distintas comunidades: um ato como “prometer” pode,
lingüístico abstrato senão que dê conta, ao mesmo tempo, das
segundo cada tradição, ser simbolizado por uma ação não-
tradições discursivas.
verbal, ele pode ser realizado por uma repetição não
modificada de uma determinado texto (uma fórmula), ele pode
requerer uma determinada forma textual ou até mesmo estar
ancorado diretamente no sistema lingüístico. A negação duma
historicidade própria dos atos de fala não conduz, portanto, a
35
Austin (1962:121).
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Sujeito Político e sua Constituição
Profa. Msc. Edileuza Gimenes Morais (UNEMAT\UNICAMP)
312
13:00hs às 15hs. Comunicações Individual e Coordenada
A Não-Coincidência das Palavras com as Coisas: o real da
Mesa 1 Comunicação Coordenada
língua a nomear
Concepções teóricas da Semântica e da AD na formação do
Carlos Magno Viana Fonseca (PG/UFC)
professor
Mesa 3
Concepções teóricas e as relações com a formação do professor
Educação de Jovens e Adultos: questões de gênero
Coordenadora: Adélia Maria Evangelista Azevedo (UEMS)
Márcia Regina Adão de Souza (G/UNICAMP)
A charge "Radical Chic" - a enunciação em foco
Discurso e Identidade: as cotas na UEMS
Elena Rodrigues Alarcon (G/UEMS)
Lúcia Alves Demétrio (G/UEMS)
A negação na crônica "Teleantevisão"
Discurso de Cotas na UEMS: uma questão polêmica
Tania Roberta Benites Carvalho (G/UEMS)
Maria Francisca Valiente (G/UEMS)
A formação do professor e a realizade do ensino
Racismo e Preconceito nas Séries Iniciais do Ensino
Sandra Regina Alez Herter Pereira (G/UEMS)
Fundamental
Maria Fêlix de Carvalho (G-UEMS)
Mesa 2
Alguns Sentidos do Discurso sobre os Seios Femininos Caídos
Fernanda Aline de Andrade (PG/UFMS)
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
313
NECESSIDADE DE SE TRABALHAR O ANTI-RACISMO
JÁ NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Maria Félix de Carvalho36
UEMS/NA
Alaíde Pereira Japecanga Aredes37
UEMS/NA
INTRODUÇÃO
Este trabalho consistiu em demonstrar que o problema do
preconceito racial é algo muito presente nas escolas, desde
pequenas as crianças aprendem a ser racistas e a escola contribui
de maneira significativa neste cenário. Esta foi uma de nossas
hipóteses iniciais. De fato, encontraram-se nas escolas pesquisadas
vários elementos que nos fazem afirmar que o espaço escolar está
contaminado de preconceitos de todos os tipos, mas de forma mais
acentuada o preconceito em relação às crianças afrodescendentes.
Quando ocorreu a idéia de desenvolver este projeto, a intenção era
36
37
Egressa do curso de Letras da Unidade Universitária de Nova Andradina
Docente da UEMS
314
mostrar esta realidade e a possibilidade de amenizar o problema,
escolas, especificamente nas classes de primeira a quarta séries do
começando pelas séries iniciais.
Ensino Fundamental das escolas de Nova Andradina, para que este
O interesse por este tema, se deu em virtude de que fui
possa ser minimizado a partir da infância. De maneira mais
vítima várias vezes de preconceito e racismo dentro da escola.
específica, esperou-se contribuir para que a escola possa refletir
Muitas vezes senti-me humilhada diante de piadas e da
sobre como está ensinando as crianças afrodescendentes de modo a
marginalização que 38sofria. Lembro-me que desde meus primeiros
fazer valer os direitos e deveres destas dentro das escolas públicas
anos estes fatos já ocorriam comigo, embora, não soubesse ainda
brasileiras, de maneira especial, nas escolas públicas de Nova
defini-los, só sentia que não era algo bom, eu não me sentia bem
Andradina.
dentro da escola. Creio que ainda hoje estas coisas persistem. Esta
Foram feitas entrevistas com professores, por sua vez
pesquisa poderá trazer descobertas que contribui para o combate
envolvidos com as séries iniciais do Ensino fundamental. Tais
ao racismo não só dentro de Instituições como a escola, mas dentro
entrevistas foram gravadas e depois transcritas. Analisaram-se
da própria sociedade. E minha idéia é que tal trabalho seja feito
livros utilizados nestas séries. Em relação às entrevistas,
quando a criança começa a freqüentar este espaço chamado escola.
centraram-se em saber quais são as concepções dos professores
Acreditando ser este um momento de reparação da
a respeito do racismo e do preconceito dentro das salas de aula
histórica em relação opressão à situação política, econômica e
e
social da causa negra, vejo esta pesquisa como algo que poderá
questionário aos professores, a fim de saber se na escola havia
contribuir e muito nesta luta, na qual me sinto engajada.
material que contribuísse para realização de um trabalho
O objetivo principal foi pesquisar o problema do
preconceito racial que se arrasta ao longo dos tempos dentro das
conseqüentemente,
dentro
da
escola.
um
voltado para o combate ao racismo e o que a escola já fazia
neste sentido.
38
Vale enfatizar que com o ensino de 9 (nove) anos, a expressão “série” não
existe mais e sim “anos” do ensino fundamental, por exemplo, 4º ano do
Ensino Fundamental
Apliquei
O racismo na escola: como lidar com ele?
315
Como exemplo deste tipo de trabalho, podemos citar o da
Dados de pesquisas mostram que a maioria dos
professora Simoni Marambaia Lins de Carvalho da escola
professores da rede pública de ensino ignora o problema e não
fundação Bradesco, no Rio de Janeiro, a qual trabalhou
sabe orientar os alunos quando surge um caso de racismo em
máscaras Africanas com turmas da primeira série. Os alunos
sala de aula, ora por omissão, ora por falta de preparo ou até
pesquisaram curiosidades do continente africano até chegar à
uma visão deturpada da questão, acabam reforçando os
arte. Papelão, tinta e cola renderam modelos coloridos e
preconceitos existentes na sociedade.
divertidos.
Outros estudos ainda mostram que a escola é o lugar
Para a compreensão da realidade do negro no Brasil a
onde a criança tem o primeiro choque ao descobrir o
turma conheceu como era o cotidiano das crianças na época da
significado do ser negro na sociedade brasileira.
escravidão analisando imagens. As obras de Jean-Baptiste
O trabalho de educação anti-racista deve começar
Debret (1768-1848) que foram comparadas às fotografias
cedo. Na educação infantil o primeiro desafio é o entendimento
publicadas em jornais atuais dão um panorama critico da
da identidade. A criança negra precisa se ver como negra e
situação do passado e do presente. Chegou-se à conclusão que
aprender a respeitar a imagem que tem de si e ter modelos que
ainda há muito sofrimento e violência contra a criança negra.
confirmem essa expectativa. Por isso deve ser cuidadosa a
Por outro lado, o projeto propiciou às crianças o conhecimento
seleção de livros didáticos e de literatura que tenham famílias
da alegria e da majestade da cultura africana, explica a
negras bem sucedidas, por exemplo, os heróis e heroínas
professora, tudo como deve ser sem constrangimentos nem
negras.
mitos equivocados. (Revista escola. Abril. Com/edições/0177).
Se a linguagem do corpo é especialmente destacada
Ressalta a professora que com este trabalho sua aluna
nas series iniciais, porque não apresentar danças africanas,
Roseane de Souza Queiroz de oito anos, com cabelos lisos e
jogos como capoeira e musicas como samba e maracatu?
claros, pediu que estes fossem trançados e escuros como os da
316
colega de sala de aula, uma garota negra. Esta atitude
projetos educativos adaptar, priorizar e acrescentar conteúdos
surpreende, é muito mais comum a criança afrodescendente
segundo suas realidades particulares, tanto ao que se refere às
desejar se parecer com a maioria dos heróis dos contos de fadas
conjunturas
europeus, com modelos estampados em revistas e com colegas
desenvolvimento dos alunos.
que recebem maior atenção na sala todos brancos e loiros.
sociais
específicas
quanto
ao
nível
de
Esse é um trabalho que embora complexo, pode ser
As duas meninas participam sistematicamente de
prazeroso e motivador na sala de aula, por falar de perto da
discussões e projetos anti-racistas na escola. O desejo de
realidade de vida daqueles que ali ensinam e aprendem, pela
Roseane é um exemplo concreto de que é possível combater na
enriquecedora oportunidade de conhecer a história de dignidade
escola desde as séries iniciais o preconceito e estereótipos.
de conquista e de criação de culturas e povos que constituem o
De acordo com especialistas, uma das saídas para o
Brasil, de tudo que sendo diverso, valoriza a singularidade de
fim das desigualdades educacionais do Brasil é enfrentar as
cada um e de todos nós. (Parâmetros Curriculares Nacionais,
desigualdades raciais que estão presentes no ambiente escolar,
p.5; Pluralidade cultural e orientação sexual)
a começar pelo currículo, a história e a cultura negra têm pouco
Por outro lado, Segundo Menegassi & Souza (2004),
ou nenhum destaque, diferentemente da cultura Européia.
Em
um
país
onde
44%
da
população
são
A sociedade brasileira começa, mesmo que
Afrodescendente, quantas pessoas conhecem a rainha Nzenga,
timidamente, a despertar e a construir uma
líder da libertação do reino Africano, ou Dandara guerreira de
consciência em relação à opressão racial.
Kilombo dos Palmares ao lado de Zumbi?(revista escola. Abril,
Porém, o que ainda é possível perceber é que
2005).
esse despertar necessita avançar muito no
É importante salientar que cabe a equipe técnica, aos
combate a essa discriminação presente na
educadores ao elaborarem seus programas curriculares e
sociedade. O ambiente escolar, uma das
317
instâncias sociais formadoras de ideologia,
incapacidade com uma forte presença de
está repleto de uma cruel realidade em que as
baixa auto-estima. Esse aluno certamente
diferenças
étnico–culturais
são
assimila a desvalorização do negro presente
respeitadas,
difundindo
e
no livro didático, através dos papéis que lhe
não
preconceitos
práticas racistas por todo o país. (p.01)
são atribuídos, como por exemplo, o negro
ser sempre o causador de confusões, ser o
rebelde, ou até mesmo aparecer como a
Os autores acima citados demonstraram que na
maioria dos Livros Didáticos de 5ª a 8ª séries apresenta formas
de discriminação e práticas racistas de maneira explícita em
suas páginas, contribuindo para a manutenção da visão do
preconceito. Essas ações preconceituosas atuam de maneira
agressiva contra os grupos ou indivíduos que as sofrem,
deixando marcas profundas, na maioria das vezes, em cidadãos
criança suja da história; além de toda essa
imagem deturpada, ainda pode-se perceber
que a mulher negra aparece sempre na
cozinha ou como serviçal, nunca como a
patroa, isso apenas para dar idéia do que se
encontra nos livros didáticos atuais (2004, p.
01).
em formação, como crianças e adolescentes no contexto
escolar.
Afirmam eles:
Não podemos ficar calados, diante da omissão de uma
discussão sobre a presença discriminatória ao negro difundida
em sala de aula através do livro didático; afinal, as pessoas
É possível perceber essas marcas por meio de
necessitam ser educadas para respeitar umas as outras com suas
pequenos comentários de alunos negros em
diferenças; é preciso começar a mudar, e nada melhor do que
sala de aula, julgamentos de inferioridade ou
318
iniciar por aquele que exerce papel fundamental de difusor do
influências
conhecimento no cotidiano escolar: o livro didático.
pertencentes ao grupo do qual foram associadas tais
negativas,
baixa
auto-estima
às
pessoas
“características distorcidas”.
De acordo com Silva (1995, p.47),
É visível que o livro didático é transmissor de
imagens, que incutem valores negativos de determinados
O livro didático, de modo geral, omite o
processo histórico–cultural, o cotidiano e as
experiências dos segmentos subalternos da
sociedade, como o índio, o negro, a mulher,
entre outros. Em relação ao segmento negro,
sua quase total ausência nos livros e a sua
rara
presença
concorrem
em
de
forma
grande
estereotipada
parte
para
a
grupos étnicos, segundo as palavras de Freitag (1997 p.85): “a
ausência de temas do aluno carente, do conflito de classes, da
discriminação racial, quanto à presença de estereótipos”
demonstra que é necessária a inclusão de temas referentes ao
preconceito e às diversas formas de injustiça social. Assim, se
pode perceber que a estrutura do livro didático precisa ser
modificada, para melhor atender a prática educacional e
combater qualquer tipo de discriminação.
fragmentação da sua identidade e auto estima
[...]
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000
p.99) abordam a questão da pluralidade cultural, no contexto
escolar, como um desafio, reconhecendo a riqueza dessa
Isto significa que é possível constatar formas de
diversidade etno-cultural, investindo na luta contra todo tipo de
discriminação ao negro, além da presença de estereótipos, que
discriminação, tomando como ponto de partida os direitos
correspondem a uma espécie de rótulo utilizado para qualificar
humanos. Dentro do conteúdo temas Transversais e Ética,
de maneira conveniente grupos étnicos, raciais ou, até mesmo,
propõem uma educação comprometida com a cidadania. Este
sexos diferentes, estimulando preconceitos, produzindo assim
documento foi elaborado como maneira de orientar os
319
professores quando se depararem com problemas nestes
da história, uma massa de ex-escravos foi excluída pela
aspectos dentro de suas salas e serve como base para que
sociedade após a abolição. O estímulo à imigração européia
possam realizar tal trabalho visto que a cidadania é algo que
impediu a democracia aos negros e ainda limitou suas
está ligado ao respeito mútuo e deve fazer parte do convívio
possibilidades de participação no meio social de forma
escolar, apesar das diferenças existentes entre cada pessoa,
igualitária. Não é possível silenciar diante da presença de
assim, “é inevitável que inspirados por preconceitos expressos
estereótipos e discriminações na sociedade e principalmente no
aqui e ali, alguns alunos se mostrem desrespeitosos com
contexto escolar.
colegas diferentes”.
É
importante
observar
a
dimensão
ideológica
O tema Pluralidade Cultural permite, por meio da vida
constituída pela política de “branqueamento” da população
escolar, esclarecer eventuais preconceitos, colaborando para
brasileira. Os reflexos desta política podem ser facilmente
um convívio democrático. De acordo com os PCNs, (BRASIL,
demonstrados através do depoimento de uma aluna negra, em
2000 p.59) ao “repudiar toda discriminação de raça/etnia,
resposta dada à pergunta: “Você gostaria de ser diferente?
classe social, crença e sexo”, é possível ensinar aos alunos o
Hum... eu gostaria de ser branquinha” (“O Silêncio vai
desenvolvimento de atitudes de empatia para com aqueles que
acabar”, revista Nova Escola, 120, 1999, p.15), a questão
sofrem qualquer tipo de preconceito. Nessa perspectiva,
apresenta possibilidades de inferências, tais como: a menina
observa-se que o exercício da cidadania deve considerar o
poderia dizer que gostaria de ser magra ou até mesmo ter olhos
princípio da eqüidade, isto é, a presença das diferenças que
verdes, caso ela não possuísse tais características; contudo,
devem ser levadas em conta para que a igualdade seja
percebe-se que o fato de ser negra é algo que lhe incomoda
verdadeiramente alcançada.
tanto, a ponto de querer ser diferente do que ela realmente é. É
A discriminação sofrida pelos negros produz efeitos
negativos em relação à própria unificação do país. No decorrer
a consolidação da política do branqueamento estampada e
produzida no meio social escolar.
320
O ambiente escolar deveria favorecer a valorização da
Portuguesa e História, aprovados pelo Ministério da Educação
“pluralidade cultural” que nos consiste a convivência com os
e Cultura no ano de 2002, através do Plano Nacional de Livro
diferentes grupos sociais presentes no país. O mito de que o
Didático.
Brasil possui uma democracia racial apenas impede os grupos
étnicos de conquistar o respeito e o espaço necessários na
sociedade.
A presença de estereótipos e de formas de discriminação
pode ser facilmente constatada no contexto escolar através das
referências
deformadas
por
ilustrações
preconceituosas,
No entanto, percebe-se que o livro didático, nas raras
caricaturas do segmento negro repassada aos alunos por meio
ocasiões em que apresenta o negro, o focaliza como um elemento
do livro didático. Também é importante ressaltar o silêncio dos
muitas vezes à margem da sociedade, o fato é que tal
professores diante de tais ações de desrespeito ao negro
procedimento caracteriza a política de branqueamento, isto é,
promovidas pelo livro didático e por toda a sociedade escolar,
demonstra que a educação brasileira parece não ser desenvolvida
como um todo.
para alunos negros, pois os mesmos não conseguem se identificar
diante das características que lhes são atribuídas, já que por vezes
RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO
elas aparecem retorcidas no contexto escolar.
Visando contribuir para a mudança deste fato e ainda
Ao analisar a cartilha de alfabetização39 da primeira
para a formação de uma escola voltada para a diversidade
série do ensino fundamental da escola “Fernando Augusto”40,
cultural pronta a respeitar as diferenças raciais, tomando como
procurando identificar figuras ou falas racistas ou anti-racista,
ponto de partida o livro didático, tendo em vista que o mesmo
exerce forte influência na formação do aluno e do cidadão
brasileiro, este trabalho apresenta análises de alguns livros
didáticos das series iniciais do ensino fundamental de Língua
39
A cartilha adotada para alfabetização titula-se, Todas as
Letras, de Marisley Augusto.
40
A fim de salvaguardar a fonte de informações, optamos por um nome
fictício em relação á escola pesquisada.
321
logo nas paginas 6 e 7 esta traz figuras de crianças dentro de
Nas paginas 62 a 65 o livro traz a história de Ganga
uma determinada escola onde de 27 crianças somente 5 são
Zumba e Zumbi, mas ao entrar nesta sala e abordar o tema do
negras. E nesta escola , as salas pesquisada são compostas de
racismo com as crianças desta série, eles disseram não
crianças, em sua maioria, afrodescendentes. Para mim, isso
conhecer a historia destes heróis negros. Questionei ainda se
demonstra a falta de uma política pública concreta que teça
costumam ler livros que têm personagens negros, eles disseram
olhares para a questão étnica racial quando se trata do livro
que não, ainda perguntei quais os livros foram lidos por eles
didático. Se prõe a combater o racismo, propõe inclusive,
neste ano, alguns responderam: Branca de Neve, O menino
programas de reparação, como por exemplo, políticas
Maluquinho etc
afirmativas, enquanto em nível micro a situação continua
Segundo Kramer, 1995, p.69
caótica. Nota-se que a criança afrodescendente ainda é vista
como minoria no ambiente escolar e o que vemos na realidade.
[...] Defendendo a idéia de que devemos
Ao analisar o livro de história usado nesta escola,
sempre rememorar a história – a de cada um
tendo como referência o da terceira série que tem como titulo,
de nós e de todos-conhecer a história,
“História com reflexão”, da coleção horizontes, percebemos
estudar a história, desatando a linguagem
que a historia do negro é ainda contada a partir da escravidão,
acorrentada por tão diversas mordaças
na pagina 55 a historia do negro começa ser contada com o
ameaças, correntes, grilhões. Destaco ainda,
seguinte titulo; O trabalho escravo no Brasil. [...] Após 1550, os
que os profissionais da educação precisam
escravos negros vieram para o Brasil [...]
discutir
Em nem um momento é enfatizado o fato de o povo
o
racismo
e
seus
próprios
preconceitos, temas que, com freqüência,
negro já ter uma vida antes de serem seqüestrados e trazidos a o
não
Brasil para o trabalho escravo.
legitimamente pedagógica [...]
têm
sido
reconhecido
como
322
rainhas que não sejam brancos?Você não
Solicitou-se
à
secretaria
da
escola
que
me
acha isso um problema? Então imagine o que
informassem a quantidade de alunos que se auto declararam
significa ser despertado para o prazer da
negros ou pardos, eles me orientaram falar com os próprio
leitura sem ver sua raça representada de
professores, ao procurar os professores, resolvemos fazer tal
forma positiva nas paginas dos livros. (Daniel
levantamento em forma de questionário, o qual entreguei às
Aarão, professor de história, UFF).
crianças, (o questionário era somente para que eu estivesse
informada de quantos alunos se declaram negros ou pardos), e
Entrevistou-se a professora E. B.M, a mesma afirmou
para minha surpresa ninguém se declarou negro, mas todos
que na escola onde trabalha todos seus colegas estão
morenos, brancos ou claros. Percebemos aí como o fato de ser
preocupados em como vão trabalhar a lei 10.639, pois não se
negro parece assustador.
encontram capacitados para isto, e ao lhe perguntar se já se
Certamente ninguém ama aquilo que não conhece, ou
que é sempre mostrado como minoria.
deparou com algum caso de racismo dentro de sala de aula a
mesma me disse que nunca, mas que se houvesse pensa que se
sentiria perdida. Diante do exposto pediu para que eu fosse à
[...] em sua sala professor, será território
escola em que trabalha apresentar meu projeto, e falar um
neutro?Por mais que você se preocupe em
pouco da lei 10.639. Marcamos então para que este trabalho
tratar todos da mesma maneira, os negros
fosse realizado por volta do dia 20 de novembro onde
continuam sendo discriminados. Quer ver
comemoraremos o dia da consciência negra.
como? Pense nos livros que a turma lê. Eles
O estudo feito a respeito do racismo nas séries iniciais,
mostram famílias negras de classe média,
deixa explícito que este é um problema ainda persistente dentro
felizes e bem sucedidas?Tem príncipes, reis e
do ambiente escolar e existe também a dificuldade por parte
323
dos professores em saber trabalhá-lo, os resultados do
hoje em dia, as pessoas admitirem o problema e desejarem
questionário que apliquei para alguns professores (vide anexo),
melhorar, foi isso que percebi quando visitei alguns espaços
confirmam esta dificuldade. Embora o assunto esteja sendo
escolares.
bastante abordado em muitas áreas e é algo garantido em lei
Os seres humanos não nascem racistas, se tornam
que se trabalhe esta questão em sala de aula ainda é um
racistas, ou seja, ao que parece, o racismo é algo construído no
processo lento.
seio das famílias, das religiões, dos espaços escolares, enfim,
Alguns dos resultados apontam que o grau de
de alguma forma são valores transmitidos.
dificuldade de se falar sobre racismo em sala de aula é uma
E a escola, sendo um espaço muito importante,
realidade, e suas conseqüências são drásticas, a escola não tem
valorizado pelas famílias e pela sociedade pode e deve
cumprido seu papel que é também de fazer valer o direito e não
contribuir para que tenhamos uma sociedade menos racista,
só os deveres das crianças afrodescendentes no Brasil.
porque não sei se é possível acabar com o racismo, assim como
Percebemos também que muitos afirmam não saber como agir
não é possível todos terem uma mesma religião, ou uma mesma
quando surge um fato de preconceito racial entre as crianças
filosofa de vida, as pessoas são diferentes, o que estamos
dentro da sala de aula, embora existam muitos trabalhos e
fazendo é um pedido para que as coisas sejam compreendidas
livros que orientem o professor neste sentido. Faz se assim a
de maneira científica, não queremos que o negro seja tratado
necessidade de capacitá-los. O levantamento deste assunto nas
como um coitado, onde todos têm que ter dó ou pena dele e o
escolas fez com que dessem mais ênfase a este trabalho, e
“aceite” na sociedade, o que queremos é respeito, espaço para
muitos professores manifestaram a vontade de conhecê-
nossas vozes soarem, espaços na Universidade, nas escolas, no
loprofundamente.
mercado de trabalho, no meio artístico, enfim, ser vistos como
Em relação à capacitação, a maioria dos professores sente
necessidade de fazê-la e está disposta, o que é muito importante
pessoas normais.
324
Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor
básica, por saber que a instituição escolar tem um papel
de sua pele, por sua origem ou religião, para
fundamental no combate ao preconceito e racismo, porque
odiar, as pessoas precisam aprender; e se elas
participa na formulação de atitudes e valores essenciais à formação
podem aprender a odiar, podem ser ensinadas
da cidadania de nossos educando. (CAD.cedes Campinas, vol. 25,
a amar,pois o amor chega mais naturalmente
n67, p. 378.388. set/dez/2005, www.cedes.unicamp.br)
ao coração humano do que o seu oposto”.
(Nelson
Mandela,
Para
além
do
Racismo_abraçando um futuro diferente).
A Profª Drª Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, 59 anos,
representante do conselho nacional da educação, concedeu uma
entrevista muito interessante à folha de São Paulo, a qual está à
disposição
Em relação à escola, a questão racial deve começar fazer
no
site
www.mulheresnegras.org/doc/texto_para_mulheres_negras.rtf.
parte das discussões já a partir da Educação Infantil. As crianças
Considerei a fala da referida professora um importante exemplo
são capazes de expressar suas opiniões sem censura nesta fase da
que poderíamos trazer para este momento.
vida. Nossa busca é por uma educação igualitária e democrática,
A história dos negros foi ensinada para Petronilha por sua
pois dados revelam que as crianças negras apresentam índices de
família, e não na escola onde estudou, em Porto Alegre (RS). Ela
evasão e repetência maiores do que os apresentados por crianças
conta que suas avós, mesmo pertencentes à raça negras chegaram
brancas. A razão disso tudo, é devido os seguintes fatores:
ao nível máximo de escolarização permitido a uma mulher no
Conteúdo eurocentrico do currículo escolar dos livros
início do século passado. Petronilha seguiu pelo mesmo caminho.
didáticos e programas educativos, aliados ao comportamento
Após seu doutorado em ciências humanas pela Universidade
diferenciado do corpo docente diante das crianças negras e
Federal do Rio Grande do Sul, fez pós-doutorado em teoria da
brancas... Consideramos, pois de fundamental importância a
educação na Universidade da África do Sul, em Pretória, onde foi
inclusão do ensino da história da áfrica no currículo da educação
professora visitante. Hoje, ela participa da coordenação do Núcleo
325
de Estudos Afro-Brasileiros da UFSCar (Universidade Federal de
Desde "Casa Grande e Senzala" “de Gilberto
São Carlos).
Freyre, publicado em 1933” essa história foi
Na entrevista a profª disse que não acusa o professor por
não trabalhar o problema do racismo na escola. Afirma ela:
floreada. Nós nos referimos aos africanos que
vieram para o Brasil apenas como escravos. Mas
as pessoas não se escravizaram, elas foram
Há uma ausência quase absoluta de imagens da
escravizadas. Foram trazidas para cá, mas antes
população negra nas escolas. A gente vê figuras
disso tinham uma história. Há uma experiência
e cartazes da classe média, mas não vemos do
interessante, na década de 80 na Bahia, de
pobre, do negro, do gordo. No caso do povo
formação de professores de história [...] [...]
negro, a história no Brasil não é sequer
Segundo ela, o problema é de falta de
devidamente apresentada. As imagens de negros
conhecimento real da história dos negros no
em livros didáticos aparecem quase sempre de
Brasil. Uma história que começa como lembra,
forma negativa. A forma depreciativa com que se
na África, e não na chegada dos escravos em solo
trata a população negra faz com que o estudante
brasileiro. Soluções para esses problemas, diz a
se afaste da escola e não se identifique com ela.
professora, deve ser discutido no CNE, órgão
que tem a função de auxiliar o MEC na execução
A Folha de São Paulo perguntou à Profª Petronilha se o
fato de a história do negro ser de sofrimento, não estaria querendo
e elaboração de normas e políticas públicas para
o ensino.
apresentar outra versão e isso não seria florear um fato histórico?
Petronilha respondeu da seguinte forma:
Como o preconceito racial afeta uma criança?
326
Em primeiro lugar a pergunta nos dá a oportunidade de
E por fim, o conceito de racismo. Muitas pessoas dizem
definir alguns conceitos importantes que geralmente aparecem
que o racismo no Brasil afeta pessoas negras, pobres, indígenas,
quando discutimos sobre relações raciais. São eles: preconceito
gordas etc. Certamente essas pessoas querem dizer que esses
racial, discriminação racial e racismo. Muitas vezes não os
grupos também são discriminados e não que sofrem em
diferenciamos ou não sabemos exatamente o que de fato cada
decorrência do racismo, pois no conceito de racismo está presente
termo quer dizer. Quando falamos de preconceito estamos nos
a idéia de que existem raças superiores e inferiores e que disso
referindo à idéia preconcebida, sem razão objetiva ou refletida.
decorrem a opressão de um grupo racial sobre outro, legitimando
Por exemplo: pensar que as pessoas negras são pouco
as desigualdades sociais, econômicas, escolares etc.
afeitas aos estudos e mais destinadas a trabalhos manuais é uma
Por isso, quando falamos que a pessoa gorda tem
idéia preconceituosa, porque não está de acordo com a realidade e
problemas de aceitação social, não estamos falando do mesmo
atinge a todo um grupo de pessoas. O fato de uma, ou outra pessoa
fenômeno que desumaniza a pessoa negra ou indígena. Um caso se
negra não gostar de estudar não pode ser aplicado a todo o grupo
refere à discriminação e outro as conseqüências do racismo.
racial.
Na cidade de Campo Grande/MS, em 1983 numa escola
Já a discriminação racial é uma atitude ou uma ação que
pública municipal e em 2002 em uma oficina para crianças de 3 a
objetiva diferenciar, distinguir e em geral prejudicar um grupo
14 anos de uma comunidade negra urbana chamada São João
tendo por base idéias preconceituosas. Por exemplo: quando uma
Batista aconteceram os seguintes episódios:
professora não permite que uma menina negra represente uma
princesa em uma peça de teatro argumentando que as princesas são
Posso me sentar ao seu lado? –pergunta à
brancas, ela está discriminando negativamente, porque está
professora, uma linda menina negra de cabelos
praticando uma ação que objetiva prejudicar uma criança devido
trançados e seus sete anos.
ao seu pertencimento racial.
327
-Claro, mas por que quer sentar-se aqui? -
alternativas apresentadas e outras que lembrassem. A maioria
perguntou-lhe intrigada, já que sou a única adulta
repetiu o que foi dito.
na sala de aula da 1ª série e há vários grupos de
Perguntou-se às crianças que desenharam as ações
crianças pela sala.
violentas se de fato essas eram boas alternativas, algumas
- É que você é a única igual a mim -, voltando
resolveram apagar essa alternativa, outras decidiram mantê-la
seus olhos para a sua pele.
dizendo que era a única que resolvia. Terminada essa atividade,
voltaram ao grupo maior para finalizar a oficina. Foi feita uma
Outro episòdio:
avaliação
dos
trabalhos
daquela
tarde,
os
adolescentes,
principalmente, disseram que gostaram do livro porque eles se
Numa determinada escola a professora discutiu
sentiam bonitos como o menino marrom, etc., fizeram muitas
após a leitura do livro O Menino Marrom do
brincadeiras.
Ziraldo, como era a discriminação na escola.
Esses acontecimentos nos dão a dimensão de como o
Várias crianças relataram que sofriam com os
preconceito racial está presente na vida escolar e nos permite
xingamentos, o deboche sobre o cabelo etc.
inferir algumas conseqüências negativas para as crianças negras,
praticado pelos seus colegas da escola.
advindas dele. Tais como, rejeição, desvalorização, sentimento de
solidão etc. O preconceito racial interfere drasticamente no
A partir dos relatos a professora perguntou lhes o que
rendimento escolar das crianças negras.
poderiam fazer para eliminar essas situações. Elas indicaram várias
Essas conseqüências serão vivenciadas de diferentes
possibilidades, como por exemplo, contar para a diretora, para a
maneiras. Tudo depende do instrumental que a criança possui para
professora, para a mãe, dar “porrada” e fingir que não ouvia.
enfrentá-las. Se tiver uma família com condições de conversar
Depois que falaram, foi proposto que desenhassem no chão as
sobre isso para ajudá-la a construir sua autoconfiança ela
328
percorrerá esse árido trajeto escolar e sobreviverá aos efeitos de
É muito comum ouvirmos a frase: “mas o próprio negro é
ser discriminada. Ou ainda, se encontrar algum suporte oferecido
racista, ele não se aceita como negro.” O fato de não se aceitar
pela escola para enfrentar a discriminação podemos dizer que não
como negro chamamos de introjeção do preconceito racial, isto é,
sairá ilesa desse processo, mas que pode construir possibilidades
a pessoa negra aceita a idéia de inferioridade atribuída a sua
de reação às situações e com isso permanecer na escola obtendo
condição racial e para livrar-se disso nega-se como negra. E isso
sucesso.
jamais pode ser considerado uma atitude racista. Se assim o fosse,
A idéia de que as crianças precisam ser cuidadas e
estaríamos culpando a vítima pelo crime. Ser racista implica ser o
protegidas deve nos mobilizar a agir sobre essa realidade, não
opressor, ter o poder de subjugar, ter a hegemonia simbólica ou
podemos deixar que busquem sozinhas soluções para problemas
concreta da situação. E é isto quem herda são as pessoas brancas.
tão graves. Essas crianças têm produzido, de maneira solitária,
De acordo com Bento (2002),
inúmeros jeitos de resistências no âmbito escolar que muitas vezes
não são consideradas como resistência e ai vem os rótulos de:
Na verdade, o legado da escravidão para o
crianças agressivas, com baixa capacidade de concentração etc.
branco é um assunto que o país não quer
Hoje, encontramos várias crianças negras em sala de aula
discutir, pois os brancos saíram da escravidão
e estas têm atitudes racistas. Como poderemos trabalhar
com uma herança simbólica e concreta
pedagogicamente com essa questão? Como um educador das séries
extremamente positiva, fruto da apropriação do
iniciais pode abordar o assunto “racismo” em sala de aula, tendo
trabalho de quatro séculos de outro grupo. Há
alunos negros em sala? . Aqui temos um problema conceitual. Não
benefícios concretos e simbólicos em se evitar
é adequado considerar racista a criança negra que rejeita a sua
caracterizar o lugar ocupado pelo branco na
identidade ou manifesta qualquer reação negativa em relação a
história do Brasil. (2002. P. 27).
esse assunto. Ela não pode ser caracterizada como racista.
329
No caso em que estamos discutindo, quem herdou
preconceitos, mas não resolverá todas as dimensões do problema
benefícios das relações raciais estabelecidas no Brasil não foram as
que é social. Ter essa consciência lhe dá tranqüilidade para
crianças negras. Elas são vítimas da opressão racial da sociedade,
enfrentar os muitos desafios que aparecem no trato dessa questão
por isso jamais são racistas. Porém, apesar do equívoco conceitual
na escola.
na pergunta, a questão principal que ela contém precisa ser
Há muitas formas de abordar o tema: palestras, trabalhos
respondida. Ou seja, como um educador deve trabalhar o racismo,
monográficos, teatro, música, poesias, leitura de textos, histórias,
no sentido de combatê-lo em sala de aula, inclusive com crianças
brincadeiras. A escolha da metodologia mais adequada depende
negras presentes?
da idade dos alunos, da série em que se encontra, do tempo que se
Imagino que deva haver uma infinidade de caminhos para
tem, do conteúdo a ser trabalhado. O fundamental é que o
responder a essa questão. Meus estudos, por enquanto, me
professor queira contribuir para a diminuição do preconceito
permitem dizer que abordar o racismo em sala de aula não deve ser
instalado na sociedade brasileira, esse deve ser o principal objetivo
diferente quando se tem ou não crianças negras. A questão
pedagógico.
principal é o professor se preparar para o tema. É necessário
Tenho colhido alguns depoimentos dos pais de
estudar. Tenho dito que os professores estão acostumados à idéia
algumas crianças negras e feito a leitura de textos tirados da
de que, para ensinar matemática, português ou geografia etc. têm
Internet e alguns depoimentos de crianças que sofrem com o
que estudar, mas quando quer abordar temas como racismo, nem
racismo nas escolas que estudam são chocantes e inadmissíveis,
sempre se preocupa em estudá-lo, conta com o que sabe do senso
por exemplo, uma menina negra conta que as crianças a xingam
comum. Isso é um problema, pois assim ele pode incorrer em
de ‘‘preta que não toma banho’’ e acrescenta: ‘‘Só porque eu
graves erros conceituais e metodológicos.
sou preta elas falam que não tomo banho.”Ficam me xingando
Também é necessário compreender que o educador fará
de preta cor de carvão”. “Ela me xingou de preta fedida. Eu
sua parte no processo de desconstrução de conceitos e
contei à professora e ela não fez nada’’. Dois meninos negros
330
eram chamados por uma professora de ‘‘filhotes de São
Na escola de educação infantil, “Maria Clara Feijó”
Benedito’’, porque ela os achava ‘‘o cão em forma de gente’’.
(pólo) à convite de uma professora, fizemos uma fala com o
Como conseqüência, a auto-estima dessas crianças e sua auto-
intuito de esclarecer junto aos professores a importância da lei
representação ficarão seriamente abaladas. A imagem de si
10.639 e de como existem meios para estarem sendo
mesmas será inferiorizada e as crianças brancas que
informados e realizarem o trabalho proposto pela lei, a mesma
presenciaram as cenas provavelmente se sentirão superiores a
afirmou que todos seus colegas se sentem perdidos, não sabem
elas. Estabelece-se, assim, o círculo vicioso do racismo que
como trabalhar o assunto, e que à eles nunca foi ensinado.
estigmatiza uns e gera vantagens e privilégios para outros.
(http://novaescola.abril.com.br/ed/157_nov02/html/plu
ralidade.htm)
Na conversa que tivemos com professores fizemos
um breve relato da trajetória do negro no Brasil desde a
escravidão, levei ao conhecimento deles a situação do povo
Em uma das escolas que se visitou, uma mãe relata
negro no Brasil , mostrando que este se encontra em
que sua filha é constantemente humilhada e chamada de cabelo
desvantagem em vários segmentos da sociedade, enfatizei a
de bombril por alguns colegas de sala, fato esse que faz com
importância das ações afirmativas para mudar este quadro, esta
que a menina não goste de ir à escola e causa transtorno todos
mudança deve partir das séries iniciais, pois a cidadania
os dias aos pais quando chega o horário de ir à aula. Busquei
capenga do adulto negro, tem início com sua exclusão desde a
informação sobre o que foi feito nesta escola para trabalhar
educação infantil.
com estas crianças envolvidas neste episodio e a resposta da
Quando perguntamos aos professores sobre a situação
coordenadora de tal escola é que ela foi à sala de aula e tentou
da biblioteca no que tange a livros que abrangem a questão
explicar para as crianças que racismo dá cadeia, vale lembrar
negra, afirmam que na escola existem muitos livros sobre a
que estamos falando de crianças de uma quarta serie do ensino
questão racial e outros afirmam que não, então fui à escola
fundamental.
solicitei à coordenadora que me emprestasse alguns livros que
331
abordassem o assunto do racimo, a mesma me pediu que
deva ser lei que se trabalhe a cultura afro
entrasse na biblioteca e procurasse, percebi então que realmente
brasileira de forma isolada, não acho legal, os
não existem, só gostaria de entender o porque 50% dos
livros é que deveriam trazer já toda a cultura
professores entrevistados afirmaram o contrario, alguns até se
afro brasileira em suas páginas , e na escola
omitiram e negaram que a escola não se preocupa com este
deveria existir literatura
assunto. Apenas um afirmou participar de capacitação a
personagens negros.
onde houvesse
respeito do racismo. Lembrando que foram quatro professores
entrevistados, nesta escola existem quatro salas do ensino
fundamental uma de cada série, portanto.
Porém, quando indagada sobre alguma capacitação a
respeito da Lei, afirma que não. Em suas palavras: “Embora
Perguntamos à professora N. F. R sobre sua concepção
esta escola já tenha patrocinado, eu não pude participar pois
de racismo, a mesma deu uma definição simples, isto é,
dou aula em outra escola e me atrapalharia pois seria no mesmo
“racismo é um tipo de discriminação que precisa ser
horário.”
combatido”. Afirma que em sua sala existem muitos alunos
Quanto indagada sobre a questão de ter trabalhado
negros e diz que já presenciou casos de preconceito, mas não
neste ano, em algum momento, com seus alunos o tema
com relação a cor. Quando indagada sobre a lei 10.639, diz a
racismo em sala de aula? A resposta foi:
professora:
Não exatamente, mas quando minhas alunas
Penso que seja importante e necessária , mas
negras falam que seus cabelos são feios ou
que deveria ser tratada de forma diferente ,
ruins, procuro dizer à elas que são lindas e
assim como penso sobre cotas e outros meios
que não existe cabelo ruim, percebo que as
de ações afirmativas para negros, pensar que
minhas alunas negras são as andam mais
332
arrumadas e sempre elogio suas tranças,
procuro
frequentemente levantar a auto
Para isso preciso de ajuda, pois
estima delas.
desconheço esse tipo de literatura,
vocês deveriam fazer um projeto de
Indagamos sobre sua opinião ao auto-racismo, por que
isso ocorre? A mesma afirma: “Porque
levar ao conhecimento do professor
isso é o que a
este material, pois não temos nada nas
sociedade impõe, que só cabelos lisos é que são bonitos.”
escolas. Se você tiver alguma coisa que
Refletimos a seguinte questão junto à professora
possa me ajudar, eu necessito deste
entrevistada, ou seja, se ela havia parado para pensar que toda
tipo de colaboração.
essa visão feia que a criança negra tem de si é pela falta de se
identificar com o em que vivem como na escola com figuras de
O desafio está lançado, estamos apenas começando,
pessoas iguais a si que ocupem lugares importantes, por
precisamos também de fôlego, de auxilio de autoridades, de
exemplo, dentro dos contos de fadas as princesas são sempre
compreensão da sociedade, enfim, estamos abraçando esta
brancas, e os negros sempre ocupam os piores lugares.
causa, sei que não será nada fácil, são poucas as Universidades
Disse que concordava comigo. Indaguei: então
que querem enfrentar esta realidade, às vezes por medo, ou por
porque não buscar meios de mudar esta realidade para levantar
preconceito, ou até mesmo por não saber como trabalhar. A
a auto estima destas crianças, através de literaturas que tenham
UEMS está aí, enfrentando o desafio e junto vamos nós.
historias com princesas negras, filmes, ou ate mesmo levar ao
conhecimento delas que a historia da África, suas danças e
costumes, para que conheçam sua própria história? Ela nos
respondeu
Considerações finais
333
Percebo que embora como já ficasse clara de acordo
com as pesquisas, a afirmação de alguns professores que não
Referências Bibliográficas
têm suporte para trabalhar o problema do racismo em sala de
aula, existem sim livro que colaboram e muito para se realizar
BIANCHI.
tal trabalho, não sei se ignoram, ou por “falta de interesse não
Pedagógica, Editora Cortez, São Paulo, 2000.
Ana
Maria,
Plantando
Axé-Uma
proposta
conhecem as diversas publicações”.
Entrevistei o professor R. que dá aulas de matemática
numa terceira série, o mesmo conta ter em uma de suas salas,
CAD. Cedes Campinas, vol.25, n67, p.378.388.set/dez/2005,
(www.cedes.unicamp.br) .
um aluno extremamente e explicitamente racista, o professor
relatou que nunca levou a sério os comentários que o aluno, às
DIAS. Lucimar Rosa. Diversidade Étnico-racial e Educação
vezes fazia a respeito de uma colega negra, pensava que era
Infantil. Três Escolas. Uma questão. Muitas Respostas,
“coisa de criança”, mas ficou assustado no momento que se
Dissertação de Mestrado, UFMS, 1997.
deparou com um desenho na lousa que esta criança fez, de um
monstro, dizendo a todos que era a “negrinha”. Em nossa
KAMEL, Ali, Não Somos Racistas: Uma reação aos que
conversa ele afirmou que não imaginava que uma criança nesta
querem nos transformar numa nação Bicolor, Editora Nova
idade pudesse expressar tanta violência por uma coleginha de
Fronteira, Rio de Janeiro, 2006.
escola, pelo simples fato da sua cor de pele.
Mais uma vez ficou claro que o maior problema que
MENEGASSI, R.J, A representação do negro no livro didático
ainda existe, é falta de consciência por parte dos professores de
brasileiro
que o racismo entre as crianças existe, e necessita de um
36,maio de 2004
trabalho que deve ser feito paulatinamente.
de língua materna.Revista Espaço Acadêmico,n
334
MOURA. Clovis, História do Negro Brasileiro, editora Ática, São
Silva,Ana Célia. A discriminação do negro no livro didático.
Paulo, 1992.
Salvador: CED-Centro Editorial Didático e CEAO-Centro de
MUNANGA, Kabengele, Superando o Racismo na Escola,
estudos Afro –orientais,1995
(organizador), 202 págs., MEC (disponível apenas em bibliotecas)
www.prograd.ufes.br / arquivos_seminários
MUNANGA, Kabengele, Negritude usos e Sentidos, Editora
www.mulheresnegras.org/doc/
Ática, São Paulo , 1998.
texto_para_site_mulheres_negras.rtf,
Parâmetros curriculares nacionais, (Primeira à Quarta série)
WWW.TVEBRASIL.COM.BR/SALTO
Introdução, Pluralidade cultural e orientação sexual. MEC/SEF,
1997.
Revista
http://www2.uol.com.br/simbolo/raca/0299/cult2.htm
escola.abril.com.br
(edições/0177),acessada
dia
http://novaescola.abril.com.br/ed/157_nov02/html/pluralidade.
27/10/2005
htm
ROCHA, Rosa Margarida de Carvalho, Almanaque Pedagógico
http://www.acaoeducativa.org.br:8080/observatorio/internet2/re
Afrobrasileiro, , Ed. Mazza. Acrobat Reader-Racismo
sumo.jsp?id=160)24/07
ROSA,Sonia, O Menino Nito,
Mesa 4
Editora Pallas
– Ilustração Victor Tavares –
335
Sr. Trovões: polifonia e dialogismo em “O menino do dedo
O DISCURSO DOS BONS EXEMPLOS NA LITERATURA
verde”
DE CORDEL: UMA FORMA DE ENTRETENIMENTO,
Mariana Maciel dos Santos Souza (G/UEMS)
INFORMAÇÃO E CORREÇÃO DE COMPORTAMENTO
Reescritura e o Encontro com os Outros: uma análise desse
Raymundo José da SILVA
discurso
UEMS)
Eliza da Silva Martins Peron (PG/UFMS)
RESUMO: Este trabalho pretende mostrar que a Literatura de
Entre a Crítica e o Humor: polifonia, dialogismo e
Cordel entretém, informa e retrata a sociedade sertaneja e,
carnavalização em Charges Jorn
sobretudo, costuma trazer com seu discurso exemplos morais
Hellen Suzana da Cruz Miranda (PG/UFMS)
nos poemas. Deste modo, são enaltecidas a justiça e a coragem
de personagens virtuosas, enquanto a vilania será fatalmente
O Discurso dos Bons Exemplos na Literatura de Cordel: uma
castigada, na Terra ou no Além.
forma
Palavras-chave: cordel, exemplo, discurso.
de
entretenimento,
informação
e
correção
de
comportamento
Raymundo José da Silva (PG/UEMS)
ABSTRACT: This work aims at demonstrating that the Cordel
Literature entertain, inform and reflect the Brazilian Northeast
society, and above all, frequently brings moral examples in its
poems. So, justice, courage of virtuous people are regarded,
while villainy are fatally chastised either in this World or in the
supernatural one .
336
KEYWORDS: cordel, example, discourse
Assim como ocorrera em Portugal muitos séculos
antes, com os jograis do Trovadorismo andando de cidade em
Introdução
cidade, interpretando as cantigas, aqui no Brasil os cantadores
ambulantes do cordel percorriam as fazendas, os arraiais e as
O homem do campo no Brasil sempre gostou de
feiras contando suas estórias. Quando se encontravam,
contar estórias e isso era mesmo uma necessidade, já que no
ocorriam improvisos, repentes e pelejas que serviam para
sertão longínquo não havia acesso aos modernos meios de
incentivar a venda dos livros artesanalmente xilografados.
comunicação, hoje tão naturalmente incorporados à vida
Qualquer fato que mereça grande atenção desse público rural
quotidiana, tais como o rádio, jornal e a televisão. A escassez
desejoso de novidades pode ser tema do cordel. Pode ser um
de notícias fazia com que as pessoas se visitassem e se
cataclismo como terremoto, o incêndio num circo, a morte ou a
reunissem nas varandas das fazendas de gado, na casa grande e
renúncia de um presidente da República. Há até mesmo quem
nas roças para contar ou ouvir estórias reais, deturpadas ou
diga que era tão grande o respeito por essas obras, que, nos
simplesmente imaginárias. Essas estórias possuem uma origem
tempos áureos, o sertanejo só acreditava de fato na notícia,
muito antiga e, segundo alguns autores, derivam-se da longa
depois que a tivesse visto confirmada no folheto. Ao leitor não
tradição ibérica, dos romanceiros, das histórias de Carlos
importava que a notícia fosse fiel ao fato ou completamente
Magno e dos Doze Pares de França. Originaram-se também de
desvirtuada, porque tão ou mais importante que a notícia, eram
contos maravilhosos de “varinha de condão” em que podia
os comentários, as impressões deixadas.
haver poderes mágicos capazes de produzirem encantamentos e
Inspirados, os autores tinham plena consciência de sua
transformações de pessoas e animais. No Brasil, essa literatura
função de poeta e porta-voz de uma comunidade. As estórias
consolidou-se a partir de 1880.
eram abundantes, e não havendo exigência quanto à
veracidade, podiam ser exploradas a partir de uma rica gama de
337
temas, como: a fé, as superstições, as estórias de amor, a honra
e religiosos. Nesse meio, não raro surgem grupos de cantadores
da família, a traição, a ambição, o sucesso, ou a exaltação de
que representam o pensamento popular. Conseguintemente,
personalidades históricas. Nota-se, porém, que grande parte dos
podemos perceber um quadro de pessoas representativas dessa
temas desenvolvidos são dominados por um fundo moral, de
realidade nas figuras de coronéis, sacerdotes, jagunços e
modo que as qualidades positivas tais como a virtude, símbolo
personagens de destaque como: o padre Cícero do Juazeiro,
do bem, devem prevalecer sobre as negativas, símbolos do mal.
Antônio Conselheiro, Antônio Silvino, Lampião e Maria
Observa-se, portanto, que o cordel encontrou no Nordeste um
Bonita. Assim como esses personagens, muitos cantadores
solo fértil e, pelo menos até 1960, prosperou grandemente.
ficaram célebres como os seguintes: Silvano Pirauá de Lima,
Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde e Patativa
1 Fundamentação teórica
do Assaré. Os folhetos de cordel têm recebido ainda outros
nomes, e os leitores que os compravam podiam chamá-los de
Como é sabido, a literatura de cordel é uma poção
rara da cultura brasileira, pois, de alguma forma faz menção
“livrinho de feira”, “estória de meu padrim”, “romance” ou
“ABC”.
aos dados sócio-históricos de nossa sociedade e isso é
A partir dessas informações, conclui-se que as obras
retratado, ficcionalmente, por grandes nomes da literatura
da literatura de cordel oferecem um amplo campo à pesquisa,
popular. Assim, vale destacar a contribuição singular de
seja na semântica, na morfossintaxe ou no estudo do léxico.
Manuel D’Almeida Filho e Leandro Gomes de Barros entre
Consideramos, todavia, que não menos rica que essas linhas de
outros.
abordagem é a filosofia de vida que permeia os vários textos,
A esse respeito, vemos com Meyer (1980) que o
ainda que sejam de temas e de autores diferentes. O sertanejo
Nordeste contém peculiaridades sócioculturais merecedoras de
caracteriza-se por ser místico, crente e conservador, mostrando-
estudo e apreciação, sobretudo no que tange aos valores morais
se, às vezes, como um radical observador dos valores morais.
338
Já se disse também que o poeta de cordel é o legítimo
Independentemente
representante de sua comunidade, o que torna natural a
sintáticos, a literatura de cordel mostra-se riquíssima, já que
presença de tais valores como a fé inabalável, as superstições e
seus autores apresentam-nos um vivo e multicolorido panorama
o sentimento da honra em sua obra. Referimo-nos aqui ao
sócio-político-cultural do Nordeste, onde desfilam o homem
fundo moral, freqüentemente representado por exemplos, que
humilde, o coronel, o doutor, o sacerdote e o bandido.
dos
aspectos
fonético-morfológico-
funciona como fio condutor do pensamento de uma
Muito freqüentemente, quando expomos nosso
comunidade – a sertaneja – e aponta um caminho, mostrando
ponto de vista, temos a nítida impressão de que estamos
que a vilania será fatalmente castigada aqui na terra ou no
sendo originais. Todavia, a esse respeito, eis o que diz
além, visto que somente as qualidades e atitudes virtuosas são
Baccega (1995: 30):
dignas e valem a pena. É como se o poeta nos dissesse: “Os
maus serão castigados”.
Reconhece-se que, durante o século XX, a literatura
de cordel teve os seus tempos áureos de produção e edições,
mas depois o sucesso paulatinamente arrefeceu, sobretudo em
virtude da urbanização do Brasil, o que provocou a natural
mudança de hábitos da gente sertaneja com o fácil acesso aos
meios de comunicação como o rádio, a televisão e o jornal
impresso. Inquestionável, porém, é o interesse que essa
literatura ainda desperta, seja em leitores comuns, seja em
estudiosos da Literatura e da Lingüística, que vêem o cordel
como uma genuína expressão da sociedade rural brasileira.
Ao nascer o homem encontra, portanto, uma
história em processo. É como se tomasse um
trem numa determinada estação. Este trem,
que carrega a cultura, está vindo de muitas e
muitas estações, já transportou milhões e
milhões de pessoas entre as várias estações.
São (e/ou foram) pessoas que realizaram,
juntas, um número incontável de ações, as
quais se manifestaram numa pluralidade de
significações que as palavras registraram em
discursos.
339
ideológicas, o discurso cita outros discursos.
Os mesmos percursos temáticos e figurativos
Como se pode ver, segundo as autoridades das
se repetem.
teorias da análise do discurso, essa originalidade não passa
de ilusão, porque nenhum indivíduo será considerado senhor
absoluto do seu discurso. Mesmo os poetas oriundos de um
povo como o nordestino e criadores de um tipo de literatura
com características tão particulares como a do cordel,
embora não o reconheçam, não possuem o discurso original,
inédito. Entende-se, portanto, que a ideologia referente aos
bons exemplos de honra, virtude e lealdade não estão
circunscritos às vozes dos repentistas da literatura de cordel.
Trata-se de experiências cristalizadas, há muito vividas por
outras comunidades, cujos pensamentos já foram expressos
em outras épocas e noutros lugares. Ilustram bem o que foi
dito essas palavras de Fiorin ( 2003: 41):
Disto resulta, para muitos enunciadores, a viva
sensação de serem os primeiros criadores de certas formações
discursivas, mas, na verdade, estão apenas citando, mediante a
organização de textos
diferentes,
os mesmos discursos
anteriores.
Como dissemos, o poeta do cordel, ao construir sua
obra, apresenta-se como legítimo representante da comunidade
rural nordestina. Filho da terra, crescia imbuído dos princípios
dos nativos que o rodeavam e, no decurso de toda uma vida, ao
menos até meados do século XX,
quase nunca conhecia
lugares e pessoas de costumes muito diferentes dos seus. Tal
característica pode ser observada nos folhetos, mediante alguns
Todos os discursos têm, para usar uma
expressão de Edward Lopes, uma “função
citativa” em relação a outros discursos. Por
isso ele não é único e irrepetível. Na medida
em que é determinado pelas formações
aspectos como os temas que representam de modo natural os
valores e as crenças do povo sertanejo. Isto significa que,
embora seja visto pelos leitores como um artista, e como tal se
considere, o repentista é o próprio sertanejo, o natural porta-voz
dotado de todas as condições para aglutinar, registrar e tornar
340
públicos a psicologia, a história e o pensamento universalmente
sem levar muito em conta a verdade. Por isso, freqüentemente
aceitos pela gente do sertão. Pode-se dizer que se trata de um
surgem títulos exóticos com personagens locais ou de outras
porta-voz naturalmente engajado, mas sem faz-de-conta, ou
origens que prenunciam a fantasia ou o misticismo, como: “A
artificialismo. O poeta, tendo nascido e se criado no sertão,
chegada de Lampião no céu”; “A duquesa de Sodoma”; “As
torna-se engajado porque ele é tão-somente um elemento que
astúcias de Camões”; “Encontro de Lampião com Adão no
expressa de forma natural a própria voz da sua comunidade. A
Paraíso; “A princesa Anabela e a Filha do Lenhador” e outras
linguagem apresenta um léxico simples, da comunidade local,
centenas de títulos semelhantes. Deste modo, a literatura de
que pode trazer as incorreções habituais de concordância e de
cordel perpassa alguns
ortografia, como se nota na capa do folheto de Manoel
caros ao sertanejo: a fé, as superstições, o casamento, a honra
D`Almeida Filho “Os dois amigo leais”. Essas escorregadelas
familiar e a coragem, fazendo com que algumas personagens
gramaticais não diminuem o valor da obra, como se poderia
assumam atitudes idealizadas, heróicas, quase épicas.
aspectos e objetivos de vida muito
supor, uma vez que ratificam e expressam o caráter genuíno do
O mais importante é que o leitor se translada para esse
cordel: uma literatura representativa. Evidentemente que, sendo
mundo imaginário, identifica-se de certo modo com as
arte, as estórias contadas são livres para trazerem episódios
personagens, sobretudo as corajosas e justa extraindo um
fantasiosos ou inverídicos “ocorridos” em lugares distantes
exemplo, uma lição que, por universal, satisfaz os anseios e
com personagens lendárias. São comuns, portanto, informações
adapta-se perfeitamente à mundivivência do homem do campo.
como estas: “Num reino distante.... um príncipe valente”; ou
Para os atos de bondade, recompensas como a promoção social
então “Um dia a bruxa malvada se transformou... ”.
Não
alcançada pelo casamento com a pessoa amada, a herança e a
obstante esse deslocamento no tempo e no espaço, o leitor do
felicidade definitiva após a quebra de um encanto ou feitiço;
folheto ou ABC manifesta
sua aprovação e encantamento
para os atos de maldade, o castigo terreno do vilão pela perda
porque, no mínimo, essas estórias os entretêm e os informam,
dos bens materiais ou do amor, a morte em combate com o
341
herói, ou alguma maldição que o levará a trágico sumiço como
U`a moça muito rica ,
afogamento, o fogo terreno ou o eterno fogo do inferno.
Porém, sendo muito feia,
Não tinha quem a quisesse
Apresentação e análise do corpus 2
Para este trabalho, elegemos o texto A camponesa e o
Nem por uma hora e meia.
Alguém até lhe chamava
príncipe encantado de Manoel D’Almeida Filho, para análise
A rainha da feiúra,
do discurso contido no poema.
Porém ela sendo rica
Sempre fazia uma jura
A camponesa e o príncipe encantado.
Que a riqueza lhe dava
Autor: Manoel D`Almeida Fil
Um pouco de formosura.
(...) Houve em toda Babilônia
Chamava-se Messalina,
Passados misteriosos
Feia, magra e amarela;
Que às vezes assombraram
Tinha ciúme das moças
Os entes mais corajosos
Fosse esta, fosse aquela,
Como também destruíram
Pois todo rapaz bonito
Alguns seres invejosos
Só queria para ela
(...)
Pelo menos existia
Vamos deixar Messalina
Numa populosa aldeia
Mergulhada na feiúra
342
Para seguir no rumo
Que havia visto a cobra
Duma linda criatura
E conversado com ela,
Moça pobre, porém tinha
A serpente perguntando
Fé, bondade e formosura.
Se queria o amor dela.
Chamava-se Maria,
E dizendo: - Eu não sou cobra,
Uma linda camponesa
Sou um príncipe encantado
Que não possuía nada,
Que por mão de uma fada
Porém a Mãe Natureza
Me vejo tão castigado
Ofertou-lhe uma coroa
Até o dia que seja
Com os dotes da beleza.
Com uma moça casado.
(...)
E no tal príncipe encantado
Porque só quando casar
Alguém falava de sobra
Tomarei a forma humana,
Que aparecia às moças
Receberei a coroa
Transformado numa cobra,
Da mão da fada tirana
Porém ninguém na aldeia
Para governar meu reino
Acreditava na “obra”.
Com a minha soberana.
(...)
Tinha moça que jurava
Porém é que a maioria
Até pela alma dela
Tinha medo da manobra;
343
Havia até quem dissesse:
(…)
A minha pobreza dobra,
Maria olhou para a cobra
Porém o diabo é quem vai
E arrepiou-se de medo,
Se casar com uma cobra.
Porém tinha garantido
(…)
De aceitar o enredo;
Sustentou que não morreria
Até que a camponesa
Sem descobrir o segredo.
Certo dia trabalhando
(...)
Numa roça sertaneja
Quando correu a notícia
Ela viu se aproximando
Que a moça ia casar
Uma enorme serpente
Com uma cobra horrenda,
Que com calma foi falando:
Todo povo foi olhar –
Até Messalina, a feia,
- Maria, venho pedir-te
Também foi testemunhar.
Como um verdadeiro amigo
Pelo amor de Jesus
Quando aproximou-se o dia
Me salva deste perigo
Na hora a cobra chegou,
Porque eu só sou feliz
As testemunhas correram,
Se te casares comigo.
O sacristão desmaiou,
O padre ainda correu
Com medo, porém voltou
344
(...)
Só Maria não moveu-se
E a rica Messalina
Do lugar aonde estava;
Disse: - Chegou minha hora;
Enquanto esperava a cobra,
Com toda essa feiúra
A todo mundo animava,
Vou por este mundo afora
E, não havendo motivos,
Em procura duma cobra
Alguém que “correu”, voltava.
Para me casar agora
(...)
O padre voltou tremendo,
Assim Messalina foi
Começando o himeneu
Com a sua idéia má,
Fez logo a pergunta clássica:
Encontrou uma cascavel
- Sim, a cobra respondeu.
Em um pé de manacá
E a moça, também falando,
Contendo já vinte e cinco
A mesma resposta deu. (...)
Enrugas no maracá.
As moças agora vendo
Quando ela viu a cobra,
Maria rica e feliz
Disse: - Encontrei meu amor!
Com coroa de rainha
Vem logo, querido príncipe,
Nos braços do rei Luiz,
Para sentir meu calor
Por isso todas tiveram
E tirar meu coração
Uma inveja infeliz.
Deste fogo abrasador.
345
(...)
(...)
Ela foi se aproximando;
Messalina disse: - Venha
A cobra se preparou,
Fazer o meu casamento.
Lambeu-se e armou o bote –
Disse o padre: - Deus me livre,
A moça desconfiou,
Pois veneno eu não agüento!
Ficou falando de longe
O sacristão já estava
Porém perto não chegou.
Agarrado com São Bento.
(...)
(...)
Messalina vendo a hora
Nessa hora a cascavel
Pela cobra ser mordida,
Que já estava se assanhando
Arranjou um gancho grande
Deu um bote em Messalina
Em uma vara comprida
E ficou dependurado,
E pôs no pescoço dela
Ela disse: - Foi um beijo
Para agarrá-la em seguida.
Que levei de meu amado.
(...)
(...)
O vigário, quando soube,
Abraçou a cascavel
Desconfiou da manobra
Também tentando morder,
E disse: - Por que as moças
Porém foi ficando cega
Só casam agora com cobra?
E assentando o cabelo...
Isso vai dar em “sujeira”
Em dois minutos estava
Para completar a obra.
Já mais fria do que gelo.
346
(...)
amarela, orgulhosa e rica. Esta última qualidade aparentemente
Assim morreu Messalina,
positiva não a favorece e volta-se contra a própria vilã, se
A feia, rica, orgulhosa;
comparada à pobreza de Maria. Temos, por conseguinte, duas
E Maria foi feliz
personagens carregadas de qualidades opostas que se rivalizam
Porque não era invejosa;
durante o episódio. Entretanto, em vista dos quesitos negativos
Enquanto o orgulho morre,
que o autor empresta a Messalina, com o intuito de ressaltar as
A humildade goza.
diferenças e talvez conquistar a simpatia do leitor, já se sabe
que a antagonista não terá chance de um final feliz. Local do
2.1 Análise do poema
episódio: a histórica, bíblica e lendária Babilônia, cujo cenário
distante não significa empecilho para que o repentista ou o
No poema acima, nota-se o confronto entre o bem e o
leitor aceitem a lógica da estória; pelo contrário, trata-se de
mal. O bem, simbolizado pela angelical camponesa Maria, cujo
elemento auxiliar que impregna o poema de fantasia e lenda,
nome simples e a bondade da heroína, reporta implicitamente à
assim como sucede na maioria dos contos “Era uma vez num
lembrança da mãe de Jesus. Do outro lado, o mal representado
reino distante...” mostrando que determinados
pela moça Messalina, homônima da terceira mulher do
sobretudo humanos, perenes, universais.
valores são
imperador romano Cláudio, mesclando-se, deste modo,
Quanto às personagens, a livre imaginação do poeta ou
mitologia e história e simbolizando a mulher ambiciosa, cruel e
do leitor permite que Maria ou Messalina sejam representadas
promíscua. Parece evidente que o autor do folheto posiciona-se
por qualquer camponesa do Nordeste, ou ao menos aceita-se
ao lado da protagonista quando diz que Maria era linda, pobre e
que algumas Marias e algumas Messalinas hão de existir por
humilde, que tinha fé e bondade, enquanto Messalina é
aqueles sertões. Por outro lado, a presença de um animal
impiedosamente descrita como “a rainha da feiúra”, magra,
bíblico – a cobra – lembra-nos a serpente do Éden e completa a
347
flagrante analogia com o conto de fadas, quando este retrata,
povo mediante uma lição, um exemplo. Ratifica-se, portanto, a
por exemplo, uma ave que era uma linda princesa, ou o sapo
semelhança com os discursos dos contos de fadas, que
que se transforma em garboso príncipe.
invariavelmente apresentam uma sanção positiva ou negativa,
Ocorre, portanto, uma empatia entre os leitores do
folheto e os protagonistas, de modo que, embora de forma
segundo a índole das personagens e os atos praticados. Por isso,
ao final deste folheto, Messalina é castigada.
idealizada, tais personagens satisfazem os sonhos e os
Ainda que não tenha feito diretamente nenhum ato
princípios da gente do sertão. Também verifica-se a marca da
monstruoso, não será perdoada, por ter praticado o pecado da
religiosidade ou misticismo sertanejos pela presença do clero,
inveja e demonstrado uma obsessão mortal pelo casamento.
nas figuras do padre, pela fé do sacristão agarrado à imagem
Com efeito, morre picada por uma cascavel de verdade,
de São Bento (santo protetor contra mordida de cobra) ou pelo
enquanto a bondosa Maria é premiada casando-se com um
próprio encantamento do príncipe. Maria e Messalina se
príncipe, enfim desencantado.Também poder-se-ia juntar aqui
opõem, mas indiretamente, uma vez que, na estória, mal se
um estereótipo: invariavelmente a criatura feia é sempre má, -
conhecem, e a rivalidade acontece à distância, no campo de um
as bruxas são sempre feias - que se trata de memória discursiva,
sentimento sabidamente antiqüísssimo e perverso: a inveja, um
herança dos antigos modelos de estórias de monstros e de
dos sete pecados capitais. Deste modo, o repentista constrói o
príncipes.
cenário ideal com todos os elementos para a composição de sua
Embora
alguns
textos
apresentem
um
cunho
estória. Estória que naturalmente diverte e informa um certo
humorístico, porque a comicidade é inerente ao caráter do
tipo de leitor afastado dos centros urbanos e carente de
nordestino, nas várias estórias repetem-se lições e exemplos
novidades. Pelo menos essa era a realidade até a década de 70.
morais repletos de valores. É o que se pode ver em títulos
Entretanto, pela ênfase que se dá ao desfecho, percebe-se que o
sugestivos como estes: História do Lenhador e o Dedal
poema certamente traz um objetivo maior: ensinar e corrigir o
Misterioso; João Soldado, o valente praça que meteu o diabo
348
num saco; O rapaz que virou bode no Estado do Pará; A moça
que bateu na mãe e virou cachorra; A chegada de Getúlio
Referências Bibliográficas
Vargas no céu e seu julgamento, etc.
BACCEGA, M. A. Palavra e Discurso: História e literatura.
Considerações finais
São Paulo: Editora Ática, 1995.
Conclui-se, por conseguinte, que os livros de cordel,
enquanto funcionam como fonte de divertimento e de
CALMON, Pedro. História do Brasil na poesia do povo. Rio
informação, vão corrigindo e ensinando. E mesmo que as
de Janeiro: Bloch, 1973.
informações nem sempre primem pela veracidade, isso parece
irrelevante para o leitor do folheto, nem diminui o prestígio da
obra. O humor cai bem ao seu gosto, e de certo modo ameniza
a dura impressão da tragédia, como é possível perceber,
FILHO, Manoel D`Almeida . Os dois amigo leais. São Paulo:
Editora Luzeiro Ltda, 2001.
examinando-se os versos do poema com a descrição e a fala de
Messalina: “...a rainha da feiúra” e “Encontrei meu amor”.
_______ A camponesa e o príncipe encantado. São Paulo:
Enfim, para o sertanejo, o mais importante são as lições
Editora Luzeiro Ltda, 2001.
freqüentemente impregnadas do sobrenatural que esses poemas
trazem, estabelecendo modelos de comportamento que parecem
estar sempre a dizer: Os maus serão fatalmente castigados pelos
homens, ou pelo destino, enquanto os justos hão de vencer,
recompensados de uma ou de outra forma.
FIORIN, J.L. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 1997.
349
MAINGUENEAU, D. Pragmática para o discurso literário:
Mesa 5
leitura e crítica. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
Práticas Interacionistas no Ensino de Língua Inglesa
Fernandes Ferreira de Souza (UEMS)
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Produção Textual – uma perspectiva interacionista a partir do
discurso relatado
Geraldo José da Silva (UEMS)
MAXADO, Franklin. O que é literatura de cordel? Rio de
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PELEGRINI, F. A. Literatura de cordel em questão. Rio de
Janeiro: Presença, 1984.
350
PRODUÇÃO TEXTUAL - UMA PERSPECTIVA
INTERACIONISTA A PARTIR DO DISCURSO
RELATADO
Geraldo José da Silva
(UEMS)
RESUMO: Este trabalho objetiva apresentar as características
da produção textual midiática e a utilização do discurso
relatado no periódico O Estado de S.Paulo, verificando a
articulação argumentativa usada pelo locutor na construção do
texto polêmico, numa perspectiva interacionista observando os
aspectos constitutivos da enunciação como autor, portador,
tema e interlocutor.
PALAVRAS-CHAVE: produção textual, interação verbal,
texto social, discurso relatado.
ABSTRACT: This objective work to present the characteristics
of the midiatics literal production and the use of the reported
speech in the periodic O Estado de S.Paulo, being verified the
used argumentative joint for the jounalist in the construction of
351
the controversial text, in a interacionist perspective observing
Frente ao exposto, o artigo objetiva a) analisar a
the constituent aspects of the articulation as author, carrier,
produção do texto escolhido, a fim de verificar a relação autor-
subject and interlocutor.
portador-tema-interlocutor,
KEYWORDS: literal production, verbal interaction, social text,
argumentativa, via discurso relatado com ênfase ao discurso
reported speech.
direto, que os articulistas utilizam para tecer o texto,
b)
observar
a
articulação
vislumbrando a interação com o interlocutor. Após a
Considerações iniciais
fundamentação
teórica,
será
apresentado
o
texto
“Universidade: escola pública terá 50% das vagas”, e
A produção textual deve levar em conta alguns
Demétrio Weber e Leonêncio Nossa, que servirá de base para a
aspectos relevantes como: a escolha de um determinado gênero
análise. A escolha do texto supracitado justifica-se devido a sua
e isso se faz em função de para quê se escreve, para quem se
construção que subsidiará a discussão proposta e, também, pelo
escreve, em que esfera e sobre que suporte deverá circular o
jogo articulatório na elaboração dos enunciados que constituem
texto produzido. Assim, é pertinente observarmos em sua
o discurso relatado posto em cena pelos locutores.
macroestrutura a bipolaridade que o objeto texto encerra, ou
Nosso enfoque analítico considerará a perspectiva
seja, aspectos de conteúdo e de forma em sua materialidade
interacionista no que respeita à produção de textos, tendo como
lingüística. Isto posto, impute-nos saber que a linguagem não
aporte teórico balizador Bakhtin (2004), sem com isso descartar
existe por acaso, mas imbricada numa rede de valores
a contribuição singular de outros estudiosos sobre o processo
discursivos de vários níveis. Dessa forma, todo o universo
enunciativo e a interação verbal que abordam o tema polêmico,
lingüístico constrói-se, existe e funciona num universo social,
como é o caso das cotas nas IES federais.
coletivo, e não pode ser abstraído dessa condição.
Inúmeras discussões têm sido travadas no que se
refere ao sistema de cotas no Brasil e em torno das políticas de
352
ação afirmativa, principalmente nos movimentos sociais:
minorias políticas, em especial de negros e índios. Frente a esse
negros e Ongs. O debate assume proporção volumosa, pois traz
panorama social, a questão das cotas ganha força e os debates
à tona o problema das medidas compensatórias a grupos
ocorrem com maior freqüência no Governo atual, quando
historicamente discriminados e perseguidos, como o caso das
algumas iniciativas começam a ser propostas e efetivadas. A
idenizações recentemente pagas às vítimas do Holocausto,
mídia incumbe-se de relatar os fatos e promover o debate entre
reacendendo uma preocupação cada vez mais presente no
os indivíduos e, com isso, dar a sua contribuição reflexiva à
ocidente: o racismo e os seus feitos nefastos na geopolítica
sociedade ledora. O discurso midiático assume papel de
atual.
retratação da história, como afirma Barbosa (2003: 112):
O tema em questão não é novo, pois nos Estados
“Enunciar que o jornalista exerce uma função significativa na
Unidos, década de 60, se instituíram as chamadas “políticas de
escrita da história de uma nação não é novidade. Os próprios
discriminação positivas” representadas por políticas públicas
jornalistas reivindicam para si essa responsabilidade...”. Há
dirigidas aos segmentos sociais afro-americanos. Naquele país,
que se notar que no discurso midiático, embora se tenha como
as chamadas ações afirmativas foram instituídas na década de
premissa a objetividade e a imparcialidade, sempre ocorre – em
60 pelo Presidente John Kennedy, num momento em que o país
menor ou maior grau – um deslocamento posicional, o que nos
vivenciava o auge de seus conflitos raciais. Determinou-se, na
permite dizer que a objetividade total é uma ilusão.
ocasião, que firmas e universidades deveriam reservar cotas ou
abrir vagas de forma proporcional ao peso dos negros no total
1 Revisão da literatura
da população americana, cuja fatia era 12%.
É sabido que o Estado brasileiro sempre desempenhou
A linguagem é uma atividade humana e passível de
ações que passam longe de uma perspectiva eqüitativa de
adequação no tempo e no espaço, levando-se em conta o seu
justiça social, quando o objeto refere-se aos direitos das
uso em determinada sociedade. Isso implica a noção de
353
competência de produção e compreensão de enunciados e a
Garcez (1998: 47) lembra que, com os estudos de
habilidade do indivíduo na construção de sentenças apropriadas
Austin (1962), Searle (1969), Benveniste (1970) e Ducrot
à situação. Assim, é preciso ter clara a noção de adequação
(1972), a interação verbal e as relações coletivas e sociais,
como: o quê, quando, com quem, onde e de que maneira falar.
constitutivas dos jogos de linguagem passam a ser elementos
Garcez (1998: 47) assevera que “a experiência social,
fundamentais na conjugação e articulação da língua. Nessa
as necessidades e as motivações alimentam a aquisição da
acepção, a língua deixa de ser entendida apenas como um
língua, e a língua promove uma renovação das experiências,
objeto imutável de memória coletiva e passa a ser concebida
das necessidades e motivações num círculo infinito”. Para a
também como uma forma de ação, um modo de vida social, no
autora, “os modelos teóricos de linguagem que ultrapassam a
qual a situação da enunciação e as condições discursivas são
visão idealista vêm abarcar as diversas funções da linguagem
determinantes de sua função e, logo, de seu significado e de sua
para dar conta do caráter social da conduta comunicativa, pois
interpretação. A linguagem não é neutra em se tratando de
compreende-se que a língua é organizada e usada para
enunciação, pois toma sentido em vários níveis e considera o
lamentar, rejeitar, suplicar, advertir, persuadir, comandar, etc.”.
eu, o aqui e o agora na sua efetivação e, além do mais, nela
Vê-se que a mobilidade da linguagem ancora sua
utilidade
e
funcionamento
quando
da
necessidade
pode estar presente uma rede de valores discursivos.
de
Em consonância com a autora, percebemos que dada à
comunicação em situações distintas. Vale lembrar que escrever
multiplicidade de recursos expressivos que a língua encerra,
não tem como objeto único o leitor particular ou real, mas as
nenhum enunciado, isoladamente, é suficiente para termos uma
representações de leitor e de autor com as quais o autor gostaria
interpretação unívoca, ele depende de diversos contratos sociais
de se identificar e, também, um conjunto de representações e de
como: situação, contexto, relação entre interlocutores, leis
idéias mais complexo e difuso com o qual quer contribuir e ao
conversacionais e sistemas de referência para que se constitua
qual pretende pertencer.
como tal.
354
Para Koch (2002: 26), textos são resultados da
atividade verbal de indivíduos atuantes, na qual estes
comunicabilidade se instaure. A esse respeito consideramos o
que Bakhtin assevera:
coordenam suas ações no intuito de alcançar um fim social, de
conformidade com as condições sob as quais a atividade verbal
O pensamento não existe fora de uma
se realiza. Conforme a autora, podemos depreender que a
expressão potencial e conseqüentemente fora
produção textual é uma atividade verbal, consciente, criativa e
da orientação social dessa expressão e o
interacional. Oportuno lembrar que toda interação leva em
próprio pensamento. Assim, a personalidade
conta a negociação de uma definição da própria situação e das
que se exprime, apreendida, por assim dizer,
normas que a governam o que nos leva a entender que as
do interior, revela-se a um produto total da
estratégias interacionais estão para um jogo de linguagem que
inter-relação social. (...) Quando a atividade
diz respeito à produção de sentido na consecução da
mental se realiza sob a forma de uma
macroestrutura textual.
enunciação, a orientação social à qual ela se
Ao nos reportarmos à interação verbal, é válido ter em
submete adquire maior complexidade graças
mente que “toda palavra comporta duas faces e ela é
à exigência de adatapção [sic], adaptação ao
determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como
contexto social imediato do ato de fala, e,
pelo fato de que se dirige para alguém” (BAKHTIN, 2004:
acima de tudo, aos interlocutores concretos
113). Nesse contexto, a palavra deve ser o território comum do
(BAKHTIN, 2004: 117).
locutor e do interlocutor, levando-se em consideração a
situação de uso imediato. Num processo interativo da
Outro fator que merece atenção quando tratamos de
linguagem, o interlocutor determina o dizer do locutor, uma vez
enunciação e de interação verbal é a ideologia, pois sabemos
que o contexto social imediato serve de base para que a
que toda palavra é ideológica e esta é inerente ao locutor que a
355
utiliza para se comunicar e exprimir seus pontos de vista, tanto
momentânea que o autor chama “enunciação”. Adverte o autor
oral quanto escrito, sobre determinada realidade. Isto posto,
que o sentido do enunciado é simplesmente o que a enunciação
destacamos o que Bakhtin (2004: 123) discorre sobre o
obriga: “A enunciação é, pois, ainda, descrita, como uma
discurso escrito: “O discurso escrito é de certa maneira parte
reação motivada pela representação de uma situação, mas o
integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele
fato de se representar esta situação – que é o tema da pergunta
responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas
e da resposta – é dado como produto de uma decisão
e objeções potenciais, procura apoio, etc.”
conversacional” (DUCROT, 1987: 176).
No tocante à enunciação, destacamos o que Ducrot
Ainda no que respeita à discussão sobre enunciação e
(1987) assevera: “enunciação é entendida como ação que
enunciado, Ducrot (1987) traz à tona as funções enunciativo-
consiste em produzir um enunciado, isto é, dar a uma frase uma
discursivas, nas quais apresenta como elementos constitutivos
realização concreta”. Assim, convém mencionar as três
do enunciado as figuras do locutor e do enunciador. O autor
acepções que o autor atribui à enunciação, ou seja, como ele a
entende por locutor
vê: 1ª) designa a atividade psico-fisiológica implicada pela
enunciado, apresentado como seu responsável, ou seja, alguém
produção do enunciado (acrescentando-lhe eventualmente o
a quem se deve imputar a responsabilidade deste enunciado. É
jogo de influências sociais que a condiciona; 2ª) é o produto da
a ele que se refere o pronome EU e as outras marcas de
atividade do sujeito falante, quer dizer, um segmento de
primeira pessoa presentes no discurso. Vale lembrar que esse
discurso, ou, em outros termos, enunciado; 3ª) é o
locutor, ser do discurso, é diferente do sujeito falante, empírico,
acontecimento constituído pelo aparecimento de um enunciado.
real. Vê-se que o locutor fala, relata, ou seja, ele é dado como a
A realização de um enunciado é de fato um acontecimento
fonte do discurso, podendo suas atitudes discursivas serem
histórico: é dado existência a alguma coisa que não existia
atribuídas a enunciadores dos quais se distancia ou se
antes de se falar e que não existirá mais depois. É esta aparição
aproxima, dependendo da cena enunciativa posta em voga. O
um ser que é, no próprio sentido do
356
autor alerta que em uma enunciação atribuída a um locutor,
posições: a primeira, denominada autonímia
pode ocorrer outra enunciação atribuída a outro: é o caso do
simples, consiste em apenas exibir esse
discurso relatado em estilo direto.
fragmento como um objeto estranho, pela
Dada à complexidade enunciativa, está em evidência
utilização de termos metalingüísticos, de
segundo Authier-Revuz (1990: 25) o distanciamento, graus de
diacríticos ou de outros mecanismos que
comprometimento,
deslocamentos
marquem a delimitação do texto e o caráter
enunciativos, polifonia, desdobramentos ou divisão do sujeito
pluriarticulado do discurso. Por outro lado,
enunciador tantas são as noções que – em quadros teóricos
nos
diferentes - dão conta de formas lingüísticas discursivas ou
autonímica, o locutor, ao mesmo tempo em
textuais alterando a imagem de uma mensagem monódica.
que menciona o fragmento, faz uso dele,
Assim, para Authier-Revuz (1990), “a heterogeneidade
integrando-o à cadeia discursiva, num
mostrada inscreve o outro na seqüência do discurso – discurso
continuum estrutura. (BENITES, 2002: 56).
desnivelamentos
ou
chamados
casos
de
conotação
direto, aspas, formas de retoque ou de glosa, discurso indireto
livre, ironia – relativamente ao estatuto das
noções
Parafraseando Benites (2002: 57) vemos que, na
enunciativas”. Segundo a autora, um discurso é heterogêneo
heterogeneidade mostrada, o discurso citado introduz um
porque se constitui sempre de outros discursos. Ainda sobre a
distanciamento muito variável entre o locutor citante e o
heterogeneidade mostrada, merece destacar o que Benites
locutor citado. O sentimento do locutor citante se apóia como
(2002) considera:
um “não estou afirmando nada; estou apenas relatando o que
outro falante disse sobre o assunto”. Esse tipo de abordagem
Ao mostrar o fragmento discursivo inserido
discursiva é muito comum no texto midiático, uma vez que o
no seu, o locutor pode assumir duas
locutor citante utiliza a voz do locutor citado como recurso para
357
expor o fato podendo se aproximar ou não do dito por outrem.
Bakhtin (2004) argumenta que o discurso citado é o
É sabido que no dizer jornalístico há que se buscar a
discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao
objetividade, a imparcialidade e, assim, o locutor citante
mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação
manipula o discurso sempre calcado nesse paradigma de
sobre a enunciação. Menciona, também, que o discurso citado é
escritura midiática.
visto pelo falante como a enunciação de uma outra pessoa,
Para Ducrot (1987: 142), a enunciação – tal como a
apresenta o enunciado – aparece como a realização de diversos
completamente na origem, dotada de uma construção completa,
e situada fora do contexto narrativo. Alerta ainda que:
atos, por exemplo, atos ilocutórios (asseverar, prometer, etc).
Segundo o autor, “na medida em que o enunciado e seu sentido
são veiculados pela enunciação, as propriedades jurídicas,
argumentativas, causais, etc, por eles atribuídas a ela, não
poderiam ser vistas como hipóteses feitas a propósito da
enunciação, mas como a constituindo”. Notamos em Ducrot
(1987) que relatar um discurso em estilo direto seria dizer que
palavras foram utilizadas pelo autor deste discurso. Dessa
forma, o autor prefere caracterizar primeiro a categoria tomada
na sua totalidade e afirma que ela consiste fundamentalmente
em uma apresentação da enunciação como dupla: o próprio
sentido do enunciado atribuiria à enunciação dois locutores
distintos.
Toda transmissão particularmente sob forma
escrita, tem seu fim específico: narrativa,
processos legais, polêmica científica, etc.
Além disso, a transmissão leva em conta
uma terceira pessoa – a pessoa a quem estão
sendo transmitidas às enunciações citadas.
Essa orientação para uma terceira pessoa é
de primordial importância: ela reforça a
influência das forças sociais organizadas
sobre o modo de apreensão do discurso
(BAKHTIN, 2004: 146).
358
Convém lembrar que os atores sociais ajudam a
próprio enunciado. Assim, todo enunciado se elabora em
formar a consciência, construindo e constituindo os fenômenos
função do outro o que nos permite considerar que o interlocutor
sociais coletivamente. Cabe aqui a participação do jornalismo
é constitutivo do próprio ato de produção da linguagem. Logo,
em noticiar os fatos e que deve ser imparcial e objetivo, pois
um enunciado deve ser analisado levando-se em conta sua
essa característica do texto jornalístico deve ser levada a termo
orientação para o outro. Diante disso, vemos que a relação
pelos
da
autor (locutor) e o interlocutor em seus níveis real, virtual no
notícia/reportagem não se reduz a uma mera técnica, a simples
texto em análise sugere uma interação verbal em que se deva
mobilização de regras e normas dos manuais de redação, mas
considerar um grau de criticidade e saberes partilhados em
que é no trabalho da enunciação que os jornalistas produzem
torno do assunto em pauta para que a produção de sentido não
discursos e por meio de múltiplas operações articuladas pelos
seja prejudicada.
articulistas.
Notamos
que
a
construção
processos da própria linguagem, a audiência é construída com
O discurso jornalístico é produzido com base no
certa antecipação. No jornalismo, a linguagem não é apenas um
concurso e do efeito daquilo que lhe ofertam outros códigos,
campo de ação, mas a dimensão constitutiva. É a condição pela
isto é, outras vozes e múltiplas polifonias provenientes de
qual o sujeito constrói um real, um real midiatizado.
outros campos culturais. Cada vez mais o discurso jornalístico
Para Bakhtin (2004), a língua é um produto sócio-
se insinua como uma espécie de saber explicativo dos
histórico e uma forma de interação social realizada por meio de
processos sociais. Dessa forma, o processo de enunciação
enunciações. “a interação verbal constitui, assim, a realidade
jornalística
fundamental da língua” (BAKHTIN, 2004: 123). Em
generalizados e que se encontram estabelecidos em espécie de
consonância com o autor, vemos que o outro está sempre
macrocódigo: a língua, as matrizes culturais, as regras sociais, a
presente nas formulações do autor e tem tanto a função de
ética e as ideologias. Temos também os microcódigos como os
quem recebe como também de quem permite ao locutor o seu
códigos
é
regulamentado
particulares
por
estabelecidos
procedimentos
pelas
empresas
mais
de
359
comunicação, os manuais de redação. Na enunciação
jornalística predomina o valor referencial e, assim, pressupõe a
veracidade dos fatos a que se refere e a autenticidade do seu
UNIVERSIDADE: ESCOLA PÚBLICA TERÁ 50% DAS
VAGAS
relato. O pressuposto dessa veracidade institui um contrato de
autenticidade entre jornalista e a sua audiência.
Porcentual anunciado ontem por Lula para as federais
inclui cotas para negros e índios.
2. Apresentação do corpus
BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
anunciou ontem,
O presente texto se constitui de uma reportagem
veiculada no jornal O Estado de S.Paulo, Cad. Educação de
14/05/2004, p. A11, sob o título de “Universidade: escola
pública terá 50% das vagas”, de Demétrio Weber e Leonêncio
Nossa, cuja tessitura é notadamente construída de discurso
indireto e discurso direto. Por esta dinâmica textual envolver
um locutor citante que articula a voz do locutor citado, tem-se
uma amostra muito produtiva de heterogeneidade mostrada –
via discurso relatado - desenvolvida pelos articulistas
responsáveis pelos enunciados que apresentam o embate das
vozes dos locutores que se manifestam nas cenas enunciativas
do todo textual.
durante a reunião do
Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), que o governo
enviará ao Congresso projeto de lei para garantir a reserva de
metade das vagas das universidades federais a alunos que
concluírem o ensino médio em escolas públicas. Lula
argumentou que a proposta vai promover a igualdade racial e
privilegiar parcelas da população discriminadas, como negros e
índios. Para o presidente, com isso serão abertas 60 mil vagas
por ano para esses alunos.
Lula também anunciou que vai enviar ao Legislativo
outro projeto, este para criar o Programa Universidade para
Todos, que abrirá vagas em instituições privadas de ensino
superior a alunos de baixa renda e professores da educação
básica da rede pública, além do Projeto Soldado Cidadão, que
360
terá como objetivo empregar 30 mil jovens de baixa renda nas
federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Wrana Panizzi. Na
Forças Armadas.
UFRGS, o número de estudantes oriundos do ensino médio
O ministro da Educação, Tarso Genro, disse que a
público caiu de 50% para 40% em menos de dez anos.
proposta para as federais “muda radicalmente” o modelo de
Negros e índios – Tarso explicou que o projeto está
ensino superior no País. “O governo não teme o debate.
pronto para ser enviado ao Congresso. Pela proposta do
Quando não há reação de privilegiados e poderosos é porque
governo, o sistema reserva ainda para negros e índios uma
não há política afirmativa”, disse.
parcela dos 50% das vagas destinadas a alunos de escolas
A notícia pegou de surpresa reitores das universidades
públicas. “Pela primeira vez na história do País, o processo de
federais. Anteontem, os 47 dirigentes das instituições haviam
ensino se envolta para a parcela da população de renda mais
se reunido com o ministro e nenhuma palavra foi dita a respeito
baixa”, afirmou. O presidente da União Nacional dos
do projeto. “50% de reserva de vagas é uma tragédia aqui”,
Estudantes, Gustavo Petta, elogiou a proposta do governo. “A
disse o reitor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),
UNE sempre defendeu essa medida”, disse.
Ulysses Fagundes Neto. A instituição tem cerca de 300 vagas a
Para a presidente da Associação dos Dirigentes das
cada vestibular e já aprovou um projeto de cotas para negros e
Universidades Federais (Andifes), Ana Lúcia Gazzola, o
estudantes de escolas públicas, mas com porcentual de 10%.
aumento das vagas em cursos noturnos já funcionaria como um
Vários reitores ouvidos pelo Estado destacaram que a
bom instrumento de inclusão. Na federal de Minas, que ela
expansão no número de vagas e o investimento no ensino
dirige, 59% dos alunos do noturno vêm de escolas públicas e
médio público seriam medidas mais eficazes para a
38% são negros e pardos. No diurno, os números são de 36% e
democratização do ensino superior. “É preciso valorizar a
30%, respectivamente. A Andifes entregou no ano passado um
escola pública e as próprias universidades podem contribuir
projeto ao MEC pedindo a criação de 25 mil novas vagas em
com isso qualificando professores”, completou a reitora da
cursos noturnos.
361
Para Tarso, o projeto valoriza a escola pública e
global de discurso direto e discurso indireto. Interessa-nos aqui
protege as camadas populares. “A proposta está de acordo com
realçar a força discursiva tecida pelos articulistas numa
as políticas afirmativas”, disse. “É um processo de valorização
perspectiva de cumprir o papel da mídia frente a um debate de
da escola pública e de um espaço onde está a ampla maioria
proporção social em que formações discursivas distintas vão se
dos estudantes de média-baixa, baixa e baixíssima renda. E
configurando ao longo do texto. Pretendemos também verificar
acho que não há nenhum prejuízo para ninguém, porque fica
a relação autor-portador-tema tendo como fim o interlocutor
um enorme número de vagas disponíveis para a disputa
numa perspectiva interacionista. Destacamos o tecer textual, ou
universal”, disse.
seja, o jogo articulatório que os articulistas utilizam de forma a
Tarso afirmou que o vestibular vai continuar sendo o
manter a interação com o leitor. Os articulistas, ao compor o
mesmo. “Não tem nenhuma relação entre o nível da
texto midiático em tela, utilizam de discurso direto e, também,
universidade e este projeto.” Ele disse que a classe média-alta e
de discurso indireto na apresentação dos argumentos que
os ricos do País não somam mais de 3% a 4% da população.
representam pontos de vista divergentes em torno do tema em
(Colaborou Renata Cafardo)
debate.
(Texto de Demétrio Weber e Leonêncio Nossa extraído do
Além desse recurso estilístico, a ocorrência de aspas
Jornal O Estado de S.Paulo - Cad. Educação, em 14/05/04, p.
está evidente no içamento das falas dos locutores que defendem
A11).
seus pontos de vista, ora relacionados à posição governo, ora
relacionados à posição das IES federais no que respeita à
3 Análise e discussão do texto
reserva de vagas nas universidades públicas federais. Os
articulistas
manipulam
as
informações
com
certo
O texto em questão constitui-se marcadamente por
distanciamento, pois é sabido que é típico do discurso midiático
heterogeneidade mostrada, mesclando-se em sua estrutura
tal característica, embora nem sempre essa isenção seja
362
completa, mas há um esforço por parte dos articulistas e para
Em se tratando da constituição dos enunciados dos
isso lançam mão do discurso direto e do aspeamento como
parágrafos supracitados, vemos que os articulistas constroem-
forma de registro das opiniões das vozes manifestadas no texto,
nos com a predominância do discurso indireto, isto porque tem-
sem que se comprometam com o dito de outrem. O corpus em
se a intenção de chamar atenção do leitor para o embate que
sua macroestrutura se apresenta como um jogo argumentativo
será travado discursivamente no decorrer do texto. Dessa
em que formações discursivas se posicionam a respeito de um
forma, dois verbos são criteriosamente usados: anunciar que
tema instigador que é a reserva de vagas nas universidades
assume valor declarativo-descritivo no primeiro período do
públicas federais a alunos que concluírem o ensino médio nas
primeiro parágrafo. Esta mesma forma verbal é retomada no
escolas públicas.
início do segundo parágrafo com valoração semântica
Os parágrafos 1 e 2 se mostram como introdutórios e
reforçativa e é modalizada pelo intensificador “também”.
situam o leitor na discussão que será discorrida. Assim temos
Ainda no que respeita à utilização dos verbos,
um relato da atitude do governo federal que propõe o envio do
destacamos o verbo avaliativo argumentar que desencadeia e
projeto de lei para garantir a reserva de vagas nas universidades
marca ‘precocemente’ o ponto de vista governamental que será
públicas federais a alunos que concluírem o ensino médio nas
abordado até o final do primeiro parágrafo.
escolas públicas. Além disso, é anunciado também a criação do
Verificamos que nos parágrafos 3 e 4 os articulistas
Programa Universidade para Todos. Nestes parágrafos, fica
colocam em cena todo um torneio discursivo-opinativo
posto que o Governo quer promover a igualdade racial e
referente ao tema em questão, ora citando a voz da situação
implementar as ações afirmativas em prol das classes menos
governo (Lula, Tarso e UNE) que suscita e demonstra uma
favorecidas incluindo negros e índios, possibilitando-lhes o
posição favorável à reserva de vagas nas IES federais; ora a
acesso à universidade pública federal.
voz dos reitores das
IES federais, nitidamente contrária à
proposta do governo. Vale lembrar que, estrategicamente, os
363
articulistas tecem o texto mostrando pontos de vista favoráveis
locutor (articulistas) ao relatar a posição de Tarso, por meio de
às reservas de vagas (posição governo) nos parágrafos 1, 2, 3,
uma narratividade linear, expande o lead contido nos
6, 8 e 9 e, também, pontos de vista contrários à reservas de
parágrafos 1 e 2 do texto. Além disso, traz a voz de Tarso
vagas nos parágrafos 4 e 5. Essa articulação provoca um efeito
aspeada, via discurso direto, como elemento enfático ao
de sentido que prende atenção do leitor, pois, por meio de um
discurso governamental em torno de uma causa social.
jogo de idéias opostas sobre um
determinado tema, os
Ressaltamos a incidência de verbo dicendi dizer no
articulistas mantêm a progressão textual. Notamos que ao
terceiro parágrafo, ocasião em que serve de base para o
relatar essas posições e vozes entre aspas, as usam como
discurso citante: “[...] Tarso Genro, disse que a proposta para
recurso enfático ao dito por outrem, embora sejam os
as federais ‘muda radicalmente’ o modelo de ensino superior
responsáveis pela materialização dos enunciados.
no país” e, também, para o discurso citado: “O governo não
Ainda tratando da macroestrutura textual, percebemos
teme o debate. Quando não há reação de privilegiados e
na fala de Tarso, ao longo do texto, uma recorrência temática já
poderosos é porque não há política afirmativa”, disse.
apresentada pelos articulistas de forma indireta nos parágrafos
Notamos que, num mesmo enunciado, o verbo dicendi
1 e 2 no uso de sintagmas nominais como: a proposta, o
desempenha função expressiva formal e sígnica: num primeiro
projeto. Essa organização textual nos permite perceber a
momento, por meio do discurso indireto e, num segundo
manutenção temática que se confirma nos enunciados: “[...]
momento, no discurso direto. Outra ocorrência desse verbo é
Tarso Genro, disse que a proposta para as federais ‘muda
grafada no oitavo parágrafo para citar duas falas de Tarso em
radicalmente’ o modelo de ensino superior no país”; “[...]
estilo direto: “A proposta está de acordo com as políticas
Tarso explicou que o projeto está pronto para ser enviado ao
afirmativas”, disse. “É um processo de valorização da escola
Congresso” e “Para Tarso, o projeto valoriza a escola pública
pública e de um espaço onde está a ampla maioria dos
e protege as camadas populares”. Isto posto, vemos que o
estudantes de média-baixa, baixa e baixíssima renda. E acho
364
que não há nenhum prejuízo para ninguém, porque fica um
dos
enorme número de vagas disponíveis para a disputa universal”,
constituída em torno do texto.
disse. Essas falas revelam o empenho do ministro em defender
a proposta do governo.
enunciados materializados em toda
a
enunciação
Valendo-se do aspeamento os articulistas mostram o
discurso citado em estilo direto tanto de Tarso como das IES
Podemos notar, ao longo do texto, o uso dos verbos
federais. É notória a predominância da ocorrência das falas de
dicendi dizer e afirmar , mesmo sendo considerados neutros,
Tarso no texto nos parágrafos 3 “O governo não teme o debate.
não garantem totalmente a isenção ou o distanciamento do
Quando não há reação de privilegiados e poderosos é porque
locutor citante da fala/voz do locutor citado. Nota-se que a
não há política afirmativa”, disse; 6 “Pela primeira vez na
manifestação do locutor citado vem sempre entre aspas,
história do País,
seguida da flexão do verbo dicendi que rege a citação. Isto nos
parcela da população de renda mais baixa”, afirmou ; 8 “A
leva a crer que os articulistas manipulam bem o discurso do
proposta está de acordo com as políticas afirmativas”, disse.
outro a seu favor o que confirma a premissa de que “não sou eu
“É um processo de valorização da escola pública e de um
que estou dizendo, mas sim o outro quem o diz”.
Essa
espaço onde está a ampla maioria dos estudantes de média-
modalização imprime um certo grau de verossimilhança ao
baixa, baixa e baixíssima renda. E acho que não há nenhum
texto, partindo do ponto de vista do locutor citante, uma vez
prejuízo para ninguém, porque fica um enorme número de
que, essa característica é própria do discurso midiático. Veja-se
vagas disponíveis para a disputa universal”, disse; e 9 Tarso
que as formas verbais dizer e afirmar cumprem a função
afirmou que o vestibular vai continuar sendo o mesmo. “Não
conativa por buscar a adesão do leitor à informação. Outro
tem nenhuma relação entre o nível da universidade e este
recurso marcante na tessitura do texto em análise é o uso do
projeto.” em detrimento das falas das IES federais. Isto nos
aspaeamento utilizado para içar o discurso direto que denota
permite inferir que o discurso do governo deva prevalecer em
um distanciamento por parte do locutor citante na construção
relação ao discurso contrário que é representado, nesse evento
o processo de ensino se envolta para a
365
textual discursivo, pela fala das IES federais, constantes nos
nos parágrafos 6 e 8 na anunciação da voz do Ministro “A
parágrafos 4 “50% de reserva de vagas é uma tragédia aqui”,
proposta está de acordo com as políticas afirmativas”, “ É um
disse o reitor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),
processo de valorização da escola pública e de um espaço
Ulysses Fagundes Neto e 5 “É preciso valorizar a escola
onde está a ampla maioria dos estudantes de média-baixa,
pública e as próprias universidades podem contribuir com isso
baixa e baixíssima renda. E acho que não há nenhum prejuízo
qualificando professores”, completou a reitora da federal do
para ninguém, porque fica um enorme número de vagas
Rio Grande do Sul (UFRGS), Wrana Panizzi.
Assim, o
disponíveis para a disputa universal” e ratificadas pela voz da
discurso direto usado pelos articulistas serve como estratégia
UNE “A UNE sempre defendeu essa medida”; do outro lado, é
discursiva ao relatar o fato que envolve uma ampla discussão
possível perceber a posição contrária das IES federais no que
sobre um tema de abrangência nacional. Os articulistas
concerne à idéia apresentada por parte do governo nos
promovem o debate entre as Formações Discursivas que se
parágrafos 4, 5 e 7. Isto é perceptível, principalmente, no
constituem no texto e se isentam, uma vez que a imparcialidade
enunciado “É preciso valorizar a escola pública e as próprias
por parte da mídia deve ser levada a termo, e, dessa forma,
universidades
lançam mão do aspeamento como recurso lingüístico e como
professores”.
podem
contribuir
com
isso
qualificando
âncora discursiva que lhes garanta um certo distanciamento
Há que se registrar ainda no parágrafo 5 o locutor
frente aos fatos relatados e também para enfatizar as vozes dos
citante (os articulistas) manipulando e interpretando a voz do
locutores citados com sua força persuasiva em defesa de seus
outro (reitores) por meio do discurso indireto: “Vários reitores
pontos de vista.
ouvidos pelo Estado destacaram que a expansão no número de
Veja-se que, ao longo do texto, vão se configurando
vagas e o investimento no ensino médio público seriam
posições ideológicas distintas: de um lado, temos a governista
medidas mais eficazes para a democratização do ensino
anunciada nos parágrafos 1, 2 e 3 e, em seguida, corroboradas
superior”. Em seguida, concluem o parágrafo com o discurso
366
citado “É preciso valorizar a escola pública e as próprias
conclusivo da reportagem, sendo que esta é finalizada por mais
universidades
qualificando
um discurso citante “Ele disse que a classe média-alta e os
professores”. O uso das duas modalidades de discurso nesse
ricos do País não somam mais de 3% a 4% da população”.
parágrafo nos possibilita observar a seguridade da tessitura que
Diante do exposto pelos articulistas é nos possível ver que estes
os articulistas utilizam para mencionarem o ponto de vista
apresentam o texto midiático de tema conflitivo, mostrando as
desfavorável ao que está posto pelo governo. Essa abordagem
posições dos locutores citados usando de recursos lingüísticos
se mostra como elemento discursivo que provoca a
como é o caso mais evidente o discurso direto e do aspeamento.
continuidade do embate argumentativo sobre o tema em pauta.
Dessa forma, procuram se isentar e se distanciarem dos pontos
Vale
nesse contexto
de vista postos em cena. Vê-se que a imparcialidade a que o
especificamente, faz um jogo articulatório, trazendo à baila
jornal se propõe nem sempre é garantida tanto em discurso
uma questão que implica muita reflexão de toda a comunidade
relatado de forma direta como o de forma indireta, uma vez que
acadêmica e, também, por parte do governo no que concerne à
sendo o locutor responsável pelo enunciado pode ou não
resolução do problema.
assimilar a voz de um ou de outro locutor.
lembrar
podem
que o
contribuir
com
isso
texto midiático,
Ao concluir o texto, os articulistas usam o verbo
dicendi afirmar para relatar um discurso citante “Tarso afirmou
que o vestibular vai continuar sendo o mesmo” e, ainda
incidindo sob a regência desse mesmo verbo apresentam o
discurso citado “Não tem nenhuma relação entre o nível da
universidade e este projeto”. (fica implícita a forma elíptica do
verbo afirmou). Verificamos que a articulação discursiva é
hábil por parte dos articulistas ao construírem o enunciado
No que se refere ao discurso indireto Bakhtin (2004:
160) assevera que a enunciação de outrem pode ser apreendida
como uma tomada de posição com conteúdo semântico preciso
por parte do falante, e nesse caso, através da construção
indireta, transpõe-se de maneira analítica sua composição
objetiva exata (o que disse o falante). Ainda sobre o discurso
indireto Benites (2002: 60) menciona que no discurso indireto,
o locutor citante, como um tradutor que faz uso de suas
367
próprias palavras para transmitir idéias de outro, passa a
filiarem a esta ou àquela formação ideológica. Isto lhes é
impressão de ser um simples porta-voz a serviço da transmissão
garantido por meio dos recursos argumentativos e lingüísticos
neutra de sentido de uma mensagem anterior. Essa impressão,
utilizados na confecção do texto jornalístico. Além disso, a
no entanto, é também falsa, na medida em que o locutor
composição textual é estrategicamente elaborada de forma a
seleciona do discurso do outro o trecho que lhe interessa,
assegurar a progressão textual e a manutenção temática.
submete-o a um filtro próprio e adapta-o a seus objetivos.
Notamos que a organização textual é alicerçada num jogo
Diante disto, consideramos Benites (2002: 61) quando
articulatório em que parágrafos são constituídos de modo que
assevera que o uso de aspeamento nunca é neutro, pois este
apresentem pontos de vista de locutores distintos, ou seja,
implica uma tomada estratégica de posição face ao discurso
posições ideológicas divergentes acerca da proposta do governo
relatado, resultante na aprovação do dito, na sua ridicularização
no que se refere à reserva de vagas nas IES federais.
ou na sua negação; revela intenções variadas do locutor que
Percebemos que essa estratégia desempenha função
cita, quer no sentido de resguardar-se, protegendo-se de
conativa em relação ao interlocutor que se sente ‘convidado’ a
polêmicas porque “foi o outro quem o disse”, quer no sentido
interagir com o locutor, com o tema e com o portador na
inverso
do
condição de leitor, respeitando o seu centro de interesse
pronunciamento alheio numa seqüência textual-argumentativa
temático e analítico. Dessa forma, o autor (locutores) interage
que lhe é sutil ou declaradamente divergente ou convergente.
com o interlocutor real tido como o leitor primeiro do jornal,
de
expor-se
a
elas,
pelo
enquadramento
O texto midiático em questão trata de um tema
com o interlocutor virtual de acordo com o centro de interesse,
polêmico, cotas nas IES federais, e isto suscita uma leitura
nesse caso, grupos representativos das minorias discriminadas,
crítica e mobiliza o leitor frente a uma discussão apresentada
Ongs, movimentos sociais como o negro, com a academia,
pelos locutores. Notamos que os locutores, ao tecerem seu
representação
texto, se resguardaram o direito de exporem o assunto sem se
acadêmicos (UNE) e com o interlocutor superior que é a
do
governo
(MEC),
representação
dos
368
ideologia marcada pela posição governo (políticas de ação
e interlocutor levando-se em conta as condições de produção e
afirmativas/sistemas de cotas) e pela posição das IES federais
interesse temático. No caso do texto, objeto dessa análise, o
(contrária à posição governista). Esse jogo de opiniões relatado
tema polêmico assume uma dimensão fértil para que a
pelos articulistas promove, ao nosso ver, uma interação verbal
interação verbal se efetive.
entre locutor e interlocutor, principalmente nos níveis real e
A forma de apresentação do embate entre as vozes
virtual, pois o que está em pauta constitui, por si só, um tema
dos locutores postas em cena, através de parágrafos
conflitivo.
constituídos por contraste, chama atenção do alocutário
Vale ressaltar que, sendo o portador (O Estado de
imprimindo um maior grau de adesão ao que está sendo
S.Paulo) um jornal de projeção nacional com sua significativa
reportado e isso configura-se
capacidade de captação da notícia e alto nível de circulação,
estrategicamente produzida pelos articulistas.
em forma de interação
este desempenha sua função de disseminar as informações
sobre vários aspectos da vida nacional. Tido como um dos vinte
Considerações finais
melhores jornais do mundo, sua credibilidade se firma dada à
qualidade formal e conteudística no Brasil. Seu público ledor
constitui-se em sua maioria de pessoas de classe média acima
com um nível apurado de formação intelectual, acadêmica,
empresários, etc., uma vez que os informes veiculados por esse
meio de comunicação supõe um leitor competente e agudez
crítica. Assim, ao considerar a palavra como um território
comum
do
locutor
e
do
interlocutor,
percebemos
a
possibilidade da interação verbal entre portador, autor (locutor)
Considerando que o discurso midiático requer perícia
articulatória no dizer jornalístico, cuja função primeira é relatar
os fatos com a maior imparcialidade possível verificamos, no
corpus analisado, que os articulistas souberam usar dos
recursos textuais para tal modalidade, destacando-se o uso do
discurso direto e do aspeamento como forma de isenção e
distanciamento do dito por outrem. A questão abordada na
reportagem envolve duas posições ideológicas distintas: por um
369
lado, a posição governo em defesa da reserva de vagas nas IES
que “a expansão no número de vagas e o investimento no
federais para aluno que concluírem o ensino médio em escolas
ensino médio público seriam medidas mais eficazes para a
públicas, com o envio de projeto de lei ao Congresso, numa
democratização do ensino superior”.
tentativa de promover a igualdade racial e privilegiar parcelas
A análise do texto midiático, objeto deste artigo,
da população discriminada, como negros e índios; por outro
possibilitou-nos ver que, por meio de um jogo articulatório, os
lado, há o repúdio à proposta do governo por parte dos reitores
articulistas apresentaram um tema polêmico, registrando
das IES federais, que defendem a idéia de que é preciso
posições ideológicas distintas sobre o assunto e utilizando dos
valorizar a escola pública e as próprias universidades podem
recursos
contribuir qualificando os professores, além disso, expandir o
demonstrar que é possível a interação verbal nessa modalidade
número de vagas e o investimento no ensino médio seriam
de texto, principalmente pela forma de composição da
medidas mais eficazes para a democratização do ensino
reportagem na qual expõem as vozes citante e citada
superior.
engendrando o todo textual da enunciação. Diante do exposto,
argumentativos
e
lingüísticos,
conseguiram
Como em todo discurso há algumas contradições e
fica-nos evidente que a interação verbal entre locutor e
reações, percebemos que embora haja uma tentativa de
interlocutor nos seus níveis real, virtual e superior é plausível
linearidade nas posições ideológicas, a posição dos reitores das
nesse tipo de texto.
IES federais deixa claro que a arena de conflitos no trato da
coisa pública é inevitável. O jogo de forças fica nítido quando
Referências bibliográficas
ao institucionalizar o sistema de cotas nas universidades, abrese precedente de exclusão, pois ao reservar vagas para uns,
exclui-se outros. Dessa forma, a polêmica continua e se
representa na voz dos reitores das IES federais ao mencionarem
AUTHIER-REVUZ, J. Heterogeneidade(s) enunciativa(s).
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370
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Ideologia e a Morte da Luta de Classe: para onde vamos?
GARCEZ, L. H. C. A escrita e o outro: os modos de
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Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
371
IDEOLOGIA E A MORTE DA LUTA DE CLASSE: PARA
ONDE VAMOS?
Alaíde pereira Japecanga Aredes41
UEMS/NA
Escrever sobre ideologia e suas relações com a luta de
classes não é uma tarefa nada fácil, mas necessária para o
contexto em que estamos vivendo principalmente diante de
demagogos que dizem falar e agir em nome da democracia,
mas suas ações são voltadas para por em prática a pedagogia do
medo (Spinoza). No interior das Universidades públicas esta é
uma prática muito comum, de maneira especial quando se fala
em orçamento. Todos arregalam os olhos e ficam desesperados
quando alguém quer mais explicações sobre o dinheiro que
deveria ser gasto e não foi.
41
Doutora em Educação pela Unesp – Marília e docente da UEMS –
Unidade Universitária de Nova Andradina
372
Nas mangas tais pessoas têm de se lançar de um
discurso ideológico e perseguir àqueles que de certa maneira
aparência das coisas como se esta fosse a essência das próprias
coisas.
questiona posturas consideradas inadequadas. Pois bem, como
isso acontece? Por que isso acontece? Por que algumas pessoas
preferem administrar sem que possam ser questionadas? E
realmente não são? Para tentar responder estas questões,
considero importante relembrarmos o que Marx entende sobre
ideologia. Fazendo isso relembrarei também a concepção
marxista de homem, de sociedade, de mundo etc, algo
esquecido pelos intelectuais no contexto atual, afinal a luta de
classes está ai, nunca deixou de existir.
Marx afirma que a consciência humana é sempre
social e histórica, isto é, determinada pelas condições concretas
de nossa existência. Isso não significa, porém, que nossas
idéias representem a realidade tal como esta é em si mesmo. Se
assim fosse, seria incompreensível que os seres humanos,
conhecendo as causas da exploração, da dominação, da miséria
e da injustiça nada fizessem conta elas. Nossas idéias,
historicamente determinadas, têm a peculiaridade de nascer a
partir de nossa experiência social direta. A marca da
experiência social é oferecer-se como uma explicação da
Não só isso. As aparências – ou o aparecer social à
consciência – são aparências justamente porque nos oferecem o
mundo de cabeça para baixo: o que é causa parece ser efeito, o
que é efeito parece ser causa. Isso não se dá apenas no plano da
consciência individual, mas, sobretudo no da consciência
social, isto é, no conjunto de idéias e explicações que uma
sociedade oferece sobre si mesma.
Feuerbach estudara esse fenômeno na religião,
designando-o com o conceito de alienação. Marx interessa-se
por esse fenômeno porque o percebeu em outras esferas da vida
social, por exemplo, na política, que leva os sujeitos sociais a
aceitarem a dominação estatal porque não reconhecem quem
são os verdadeiros criadores do Estado.
Ele o observou também na esfera da economia: no
capitalismo, os trabalhadores produzem todos os objetos
existentes no mercado, todas as mercadorias; após havê-las
produzido, as entregam aos proprietários dos meios de
373
produção, mediante um salário; quando vão ao mercado não
conseguem comprar essas mercadorias.
A
ideologia
é
um
fenômeno
histórico-social
decorrente do modo de produção econômico. À medida que,
numa formação social, uma forma determinada da divisão
Olham os preços, contam o dinheiro e voltam par casa
de mãos vazias, como se o preço das mercadorias existisse por
si mesmo e como se elas estivessem à venda porque surgiram
do nada e alguém as decidiu vender. Em outras palavras, os
social se estabiliza, se fixa e se repete, cada indivíduo passa a
ter uma atividade determinada e exclusiva, que lhe é atribuída
pelo conjunto das relações sociais, pelo estágio das forças
produtivas e pela forma da propriedade.
trabalhadores não só não se reconhecem como autores ou
produtores das mercadorias, mas ainda acreditam que elas
Cada um, por causa da fixidez e da repetição de seu
valem o preço que custam e que não podem tê-las porque
lugar e de sua atividade, tende a considerá-los naturais (por
valem mais do que eles. Alienaram dos objetos seu próprio
exemplo, quando alguém julga que faz o que faz porque tem
trabalho e não se reconhecem como produtores da riqueza e das
talento ou vocação natural para isso; quando alguém julga que,
coisas.
por natureza, os negros foram feitos para serem escravos;
quando alguém julga que, por natureza, as mulheres foram
A inversão entre causa e efeito, princípio e
feitas para a maternidade e o trabalho doméstico).
conseqüência, condição e condicionado leva à produção de
imagens e idéias que pretendem representar a realidade. As
A naturalização surge sob a forma de idéias que
imagens formam um imaginário social invertido – um conjunto
afirmam que as coisas são como são porque é natural que assim
de representações sobre os seres humanos e suas relações,
sejam. As relações sociais passam, portanto, a ser vistas como
sobre as coisas, sobre o bem e o mal, o justo e o injusto, os
naturais, existentes em si e por si, e não como resultados da
bons e os maus costumes, etc. Tomadas como idéias, essas
ação humana. A naturalização é a maneira pela qual as idéias
imagens ou esse imaginário social constituem a ideologia.
produzem alienação social, isto é, a sociedade surge como uma
374
força natural estranha e poderosa, que faz com que tudo seja
Passam a acreditar na independência entre a
necessariamente como é. Senhores por natureza, escravos por
consciência e o mundo material, entre o pensamento e as coisas
natureza, cidadãos por natureza, proprietários por natureza,
produzidas socialmente. Conferem autonomia à consciência e
assalariados por natureza etc..
às idéias e, finalmente, julgam que as idéias não só explicam a
realidade, mas produzem o real. Surge a ideologia como crença
A divisão social do trabalho, iniciada na família,
prossegue na sociedade e, à medida que esta se torna mais
na autonomia das idéias e na capacidade de as idéias criarem a
realidade.
complexa, leva a uma divisão ente dois tipos fundamentais de
trabalho: o trabalho material de produção de coisas e o trabalho
Ora, o grupo dos que pensam – sacerdotes,
intelectual de produção de idéias. No início, essa segunda
professores, artistas, filósofos, cientistas – não nasceu do nada.
forma e trabalho social é privilégio dos sacerdotes; depois,
Nasceu não só da divisão social do trabalho, mas também de
torna-se função de professores e escritores, artistas e cientistas,
uma divisão no interior da classe dos proprietários ou classe
pensadores e filósofos.
dominante de uma sociedade.
Os que produzem idéias separam-se dos que produzem
Como conseqüência, o grupo pensante (os intelectuais)
coisas, formando um grupo à parte. Pouco a pouco, à medida
pensa com as idéias dos dominantes; julga, porém, que tais
que vão ficando cada vez mais distantes e separados dos
idéias são verdadeiras em si mesmas e transformam idéias de
trabalhadores materiais, os que pensam começam a acreditar
uma classe social determinada em idéias universais e
que a consciência e o pensamento estão, em si e por si mesmos,
necessárias, válidas para a sociedade inteira.
separados das coisas materiais, existindo em si e por si
mesmos.
Como o grupo pensante domina a consciência social,
tem o poder de transmitir as idéias dominantes para toda a
375
sociedade, através da religião, das artes, da escola, da ciência,
humanos, da sociedade e do poder político encontra a causa
da filosofia, dos costumes, das leis e do direito, moldando a
fora e antes dos próprios humanos e de sua ação, localizando a
consciência de todas as classes sociais e uniformizando o
causa originária nas divindades. A ideologia propriamente dita
pensamento de todas as classes.
surge quando, no lugar das divindades, encontramos as idéias:
o Homem, a Pátria, a Família, a Escola, o Progresso, a Ciência,
Os ideólogos são membros da classe dominante e das
o Estado, o Bem e o Justo.
classes aliadas a ela, que, como intelectuais, sistematizam as
imagens e as idéias sociais da classe dominante em
Com isso, podemos dizer que a ideologia é um
representações coletivas, gerais e universais. Essas imagens e
fenômeno moderno, substituindo o papel que, antes dela,
idéias não exprimem a realidade social, mas representam a
tinham os mitos e as teologias. Com a ideologia, a explicação
aparência social do ponto de vista dos dominantes. São
sobre a origem dos homens, da sociedade e da política
consideradas realidades autônomas que produzem a realidade
encontra-se nas ações humanas, entendidas como manifestação
material ou social. São imagens e idéias postas como universais
da consciência ou das idéias.
abstratos, uma vez que, concretamente, não corresponde à
Assim, por exemplo, julgar que o Estado se origina
realidade social, dividida em classes sociais antagônicas.
Assim, por exemplo, existem na sociedade, concretamente,
capitalistas e trabalhadores, mas na ideologia aparece
abstratamente o Homem.
das idéias de estado de natureza, direito natural, contrato social
e
direito
civil
é
supor
que
a
consciência
humana,
independentemente das condições históricas materiais, pensou
nessas idéias, julgou-as corretas e passou a agir por elas,
A ideologia torna-se propriamente ideologia quando
não aparece sob a forma do mito, da religião e da teologia.
Com efeito, nestes, a explicação sobre a origem dos seres
criando a realidade designada e representada por elas.
376
Que faz a ideologia? Oferece a uma sociedade dividida
em classes sociais antagônicas, e que vivem na forma da luta de
entre poder econômico e poder político, pode ser respondida
agora: em virtude da ideologia.
classes, uma imagem que permite a unificação e a identificação
Para finalizar, deixo uma mensagem a todos,
social – uma língua, uma religião, uma raça, uma nação, uma
pátria, um Estado, uma humanidade, mesmos costumes.
observemos bem os fatos que ocorrem ao nosso redor,
principalmente no que tange à infiltração de políticas do Banco
Assim, a função primordial da ideologia é ocultar a
Mundial para as Universidades Públicas Brasileiras. A
origem da sociedade (relação de produção como relações entre
ideologia que está por traz pode por fim aos nossos sonhos.
meios de produção e forças produtivas sob a divisão social do
Reflitamos.
trabalho), dissimular a presença da luta de classes (domínio e
exploração dos não-proprietários pelos proprietários privados
dos meios de produção), negar as desigualdades sociais (são
imaginadas como se fossem conseqüência de talentos
Referências Bibliográficas
diferentes, da preguiça ou da disciplina laboriosa) e oferecer a
imagem ilusória da comunidade (o Estado) originada do
contrato social entre homens livres e iguais. A ideologia é a
lógica da dominação social e política.
Porque nascemos e somos criados com essas idéias e
nesse imaginário social, não percebemos a verdadeira natureza
FEUERBACH,
A
essência
do
Cristianismo.
Campinas: Papirus, 1988.
Karl Marx e Friedrich Engels Ideologia Alemã. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2007.
de classe do Estado. A resposta à Segunda pergunta de Marx,
qual seja, por que a sociedade não percebe o vínculo interno
Ludwig.
Mesa 6
377
A Questão da Identidade em Dorian Gray
Estrangeirismos: invasão ou enriquecimento lingüístico?
Mara Regina Pacheco (PG-UEMS)
Thiago Teodoro Rupere (G-UEMS)
Fernandes Ferreira (UEMS)
Mesa 8
A Questão Étnica na Obra “Viva O Povo Brasileiro” de João
Dos Diáris Íntimos Tradicionais ao Blogs Virtuais
Ubaldo Ribeiro
Luciane Silva Castro(G-UEMS)
Rosana Pereira de Souza (G-UEMS)
A Construção Colaborartiva do Plano Municipal de Edcuação
Memória coletiva e Construção de Identidade: aproximações e
de Nova Andradina-MS
Considerações
Ana Claudia Duarte Mendes (UEMS)
O Texto Escrito e a Imagem: na Obra Marcelo Marmelo
Martelo e o Outras Histórias
A Memória Coletiva Presente em “Minha cidade Era Assim”
Nilza Pires dos Santos Silva (PIBIC/UEMS)
de Emmanuel Marinho
Kátia Silene Rodrigues (PG-UEMS)
Falando Através da Escrita: uma característica da linguagem
dos Webchats
Mesa 7
Juliana Ceobaniuc da Silva Michelini (UEMS)
Aspecto do Português em Macau: uma questão de dialeto
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
Geraldo José da Silva (UEMS)
Maria Conceição Alves de Lima (UEMS)
Raymundo José da Silva (UEMS)
15:00hs. Às 17:00hs. Comunicação Individual e Coordenadas
378
Mara Regina Pacheco (G/UEMS)
Mesa 9 Comunicação Coordenada
Estudos do Léxico Regional
O DISCURSO DA TRÍADE: PODER, SEXO, DINHEIRO EM ARTHUR
AZEVEDO
O Léxico na Música Regional de Mato Grosso do Sul
Mara Regina Pacheco
Coordenadora: Marineide Cassuci Tavares (PIF)
(UEMS)
Vocabulário de Fronteira: a influência cultural do Paraguai
Andréia dos Santos Fernandes (FPI)
Nábia Massaroto da Silva (FIP)
RESUMO: A tríade, poder, sexo e dinheiro, é responsável pela
tensão na construção do discurso da obra A Capital Federal, de
Arthur de Azevedo. Esse tripé é explorado de forma cômica,
Uma Visão da Linguagem da Religião e da Crença
Cíntia Arce (G/FIP)
irônica, e até mesmo sarcástica, numa visão crítica da
sociedade fin de secle da capital do Brasil. Analisaremos como
o escritor articula os aspectos fundadores da AD ao produzir as
Mesa 10
Os Quadros Sociais da memória: a poesia de Flora Egídio
Thomé e Raquel Naveira
Ana Cláudia Duarte Mendes (UEMS)
O Discurso da Tríade: poder, sexo, dinheiro em Arthur de
Azevedo
personagens, suas características, intenções e objetivos por
meio das vozes que proferem no seu discurso.
PALAVRAS CHAVE: discurso – poder/sexo/dinheiro literatura
ABSTRACT: The tripod, power, sex and money, it is
responsable by the tension of speech construction in the work A
Capital Federal, by Arthur Azevedo. This speech is explored of
379
a comic, ironic, and sarcastic way, in a critical point of view of
dos cidadãos do Rio de Janeiro do final do século XIX, com
the “fin de secle” Brazilian capital society. We will analise
humor e sarcasmo. É ponto marcante na obra o desenrolar de
how the writer articulates the bases aspects of Speech Analise
inúmeros discursos, sendo sempre de duas frentes antagônicas:
to produce the characters, their characteristics, intentions and
seja de classe, rica/pobre; de etnia, branco/negro; cultural,
objectives by the voices the speech emits.
culto/caipira; e assim por diante, mas onde sempre a classe de
KEY WORDS: speech – power/sex/money - literature
dominantes valorizando o estrangeiro, e dos dominados,
nativos do Brasil que sublimam alguma ascensão social.
A obra de Arthur Azevedo, A Capital Federal, foi
Para tratar do aspecto discursivo tomaremos como
escrita sob uma visão crítica da sociedade da capital brasileira
referência Pêcheux (Apud, Orlandi, 1999), que é o estudioso
do final do século XIX, onde o tripé poder/sexo/dinheiro
maior a AD francesa. Para ele, a análise do discurso reside em
serviram de base para a construção do discurso da produção
três regiões do conhecimento científico: o materialismo
literária em análise.
histórico, suas formações sociais, suas transformações e
A obra em questão encena assuntos cotidianos da vida
ideologias; a lingüística, e seus mecanismos sintáticos e de
carioca, observando hábitos da capital federal como os
enunciação; e a teoria do discurso, com sua determinação
namoros, as infidelidades conjugais, as relações de família e
histórica dos processos semânticos. Ao aprofundar o estudo
amizade, as cerimônias festivas e etc. A comédia se fixa em
sobre análise do discurso em Pêcheux percebemos que analisar
aspectos da vida da sociedade e da evolução da capital
a língua é diferente de dizer analisar o discurso, uma vez que a
brasileira, apresentando uma visão crítica do crescimento
materialidade lingüística é a palavra vestida de sentido.
urbano
personagens
Pêcheux (Idem) foi buscar no psicanalista Lacan a explicação
estigmatizados. Apoiando-se em esteriótipos de alguns
para a ilusão que temos de que nós é que construímos nosso
seguimentos sociais, o autor exibe um panorama geral do perfil
próprio discurso. Segundo ele, o sujeito do discurso pensa que
e
suas
contradições
através
de
380
sabe o que está dizendo, mas, esse determinado discurso é
interpretação dos sujeitos falantes, e a produção de sentidos que
sempre a junção de discursos anteriores já pré-estabelecidos, já
dela advêm como parte do ser social que é, materializando sua
ditos, uma vês que somos um ser fragmentado que carrega
ideologia pela linguagem em forma de discurso. Há de se
dentro de si o consciente e o inconsciente ao mesmo tempo e
considerar que os sentidos das palavras não são fixos e que
que invariavelmente há sempre atrás deste discurso uma
possuem sim uma pluralidade de entendimentos o que colabora
historicidade, uma ideologia pré-concebida. Ao pensar o
e muito para que a obra em estudo consiga ter seu tom jocoso,
discurso em Bakhtin (Apud Fernandes, 2007) há de se
sarrista e divertido. Em observação a esta idéia podemos citar
considerar um sujeito sempre social com base em duas
Pêcheux (1997, p. 190) que diz: “ O sentido de uma palavra, de
concepções: na dialogia, que trata do sujeito social com o
uma expressão, de uma proposição, etc., não existe ‘em si
outro; e na alteridade, que trata da relação com o enunciado.
mesmo’ (...) mas, ao contrário, é determinado pelas posições
Para o estudioso, o fluxo de linguagem se dá em resposta a um
ideológicas colocadas em jogo no processo histórico-social no
outro discurso já posto, onde a palavra do outro é sempre
qual as palavras, expressões e proposições são produzidas”.
constituída do sujeito social que é, das suas diferentes vozes e
Arthur Azevedo utiliza desse jogo dos sentidos para provocar
constituição. Segundo o russo, enunciado e enunciação se
riso na crítica à sociedade da capital brasileira.
completam, de forma tal que é impossível formar textos que se
Fernandes (2007, p.45) diz que assim como a
desvincule o sujeito, ou seja, sem interferência do local
identidade, o sujeito não é fixo, e está sim em um processo de
pertencente ao sujeito. Orlandi (1999, p. 15) pensa no discurso
eterna construção e mutação onde: o sujeito se constitui por
como ação social, onde: “a palavra discurso, etimologicamente,
difusas
tem em si a idéia de curso, de percurso, de correr por, de
heterogeneidade e conflitos; que a polifonia constitutiva do
movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso
discurso do sujeito vem de vozes oriundas de diferentes
observa-se o homem”. Ou seja, analisar o discurso implica em
espaços sociais; e que há uma heterogeneidade nas formas de
vozes
sociais,
sendo
marcado
por
intensa
381
presença das diversas vozes constitutivas do discurso do
história, a superfície lingüística, o meio social, tudo isso
sujeito.
somado faz parte da significação.
Foucault (2000) também colabora para o entendimento
A Capital Federal escrita em 1897 tem uma forma de
da análise do discurso quando diz que o discurso é dominado
discurso associada ao fruto do pensamento social e político da
pelo interdiscurso, ou seja, é tecido de discursos outros
época da história dessa comunidade em particular, ou seja,
(dialogismos). Afirma que o discurso é heterogêneo, é
registra um padrão de humor nacional com uma valiosa
perpassado por outros discursos, por discursos de outros. Cita
descrição dos costumes de um período decisivo na formação da
que existe uma memória discursiva onde circulam formulações
sociedade urbana brasileira. A mulata faceira e sensual, o
anteriores já enunciadas, já ditas, e que a formação discursiva é
caipira ingênuo, a cortesã estrangeira esperta, o corrupto e
um conjunto de inúmeros enunciados, conceitos e escolhas
ainda outros que até hoje encontram espaço no cenário
temáticas que descrevem sistemas de dispersões na busca de
nacional. A descrição cenográfica da obra dá-se em lugares que
verificar como o discurso se organiza, o que significa, sua
representavam a capital federal, como por exemplo, o Grande
ordem, suas relações, funcionamento, transformações e outros.
Hotel, o Largo de São Francisco, o Belódromo, a Rua do
Para Pêcheux (Apud Orlandi, 1999) o discurso é um
Ouvidor e outros, onde transcorrem questões cotidianas como
efeito de sentido entre interlocutores. Para Orlandi (1999) o
vícios dos mais variados tipos, de jogos (cartas, roleta, corrida
discurso é uma prática: “Discurso pode ser visto como a
de cavalos), corrupções e amores imorais. Para Giacon (2002.
instanciação do modo de se produzir linguagem que é social”.
p. 104) “toda escritura nacional é um discurso.” Sendo assim, A
Ela acrescenta que não há como conceber o discurso como
Capital Federal é a tradução do discurso da vida carioca do
meio de divulgação de informação, mas sim do efeito de
final do século XIX. Para a estudiosa, ao escrever, o escritor
sentido entre interlocutores. Segundo ela, os interlocutores, sua
utiliza-se de diferentes artifícios discursivos para significar a
identidade nacional, ou seja, o autor monta um discurso usando
382
elementos da história e culturais com uma pitada de sarcasmo e
significação do que se quer dizer através do não-dito, há um
ironia para fazer uma crítica à sociedade da época. Azevedo
sentido no silêncio.
para dar sustentação a esse discurso, usa como pilares três itens
de interesse público comum: o poder, o sexo e o dinheiro, e
O sentido não pára, ele muda de caminho. O
suas múltiplas implicações.
silêncio é assim a “respiração” (o fôlego) da
Essa maneira de escrever comicamente e com ironia os
significação; um lugar de recuo necessário
acontecimentos de sua época, culmina com o pensar de Orlandi
para que se possa significar, para que o
(1988, p. 48) sobre as relações e inter-relações de sentido
sentido faça sentido. Reduto do possível, do
dentro de um discurso. Segundo ele, a significação não se
múltiplo, o silêncio abre espaço para o que
desenvolve sobre uma linha reta, calculável, segmentável. Os
não é “um”, para o que permite o movimento
sentidos são dispersos, se desenvolvem em todas as direções e
do sujeito. O real da linguagem – o discreto, o
se fazem por diferentes matérias. Arthur Azevedo usa desse
um – encontra sua contraparte no silêncio.
subterfúgio ao escrever: faz uso da dualidade, da ambigüidade,
(Orlandi, p. 13)
da alteridade, da multiplicidade, da complexidade. O autor se
utiliza ainda de um recurso descrito por Orlandi (1988, p. 87)
O funcionamento do silêncio atesta o
como: a “retórica da resistência”, ou ainda “retórica da
movimento do discurso que se faz na
opressão”. A censura policia, proíbe, e o efeito do sentido dado,
contradição entre o “um” e o “múltiplo”, o
o sentido que se pretende, se compreende através da
mesmo e o diferente, entre paráfrase e
necessidade da ideologia que constitui os sentidos e sujeitos
polissemia. Esse movimento, por sua vez,
envolvidos. No implícito, no silêncio, se encontra a real
mostra o movimento contraditório, tanto do
sujeito quanto do sentido, fazendo-se no
383
entremeio entre ilusão de um sentido só e o
administração e população em toda a história da humanidade, e
equívoco de todos os sentidos. (Idem, p. 17).
isto não foge a regra na obra de Azevedo. O segundo, a questão
do sexo, que de acordo com Foucault, se superpõe ao primeiro:
Em A Capital Federal podemos detectar “silêncio
múltiplos”: o silêncio das emoções, o da contemplação, o da
É o dispositivo da sexualidade: como o de
introspecção, o da revolta, o da resistência, o da disciplina, o do
aliança, este se articula aos parceiros
exercício do poder, o da derrota da vontade e etc. Aqui
sexuais... O dispositivo de aliança se
estabelece-se a tríade sexo, poder e dinheiro, três forças
estrutura em torno de um sistema de regras
poderosas de embate eterno que Azevedo usa para dar tensão e
que define o permitido e o proibido, o
fluência cômica e crítica ao seu discurso. Foucault (1997, p.
prescrito e o ilícito; o dispositivo de aliança
16) no livro História da sexualidade, sustenta a idéia de um
conta, entre os seus objetivos principais, o de
tripé assim posto: poder-saber-prazer, o que vem de encontro
reproduzir a trama de relações e manter a lei
com a idéia que este trabalho apresenta. Segundo ele, esses três
que as rege; o dispositivo da sexualidade
pontos determinam o funcionamento das (inter)relações
engendra, uma extensão permanente dos
humanas, ou seja, a maneira do poder penetrar e controlar o
domínios das formas de controle. (Foucault,
prazer cotidiano (os efeitos entre o biológico e o econômico),
p. 101)
ou seja, a maneira como poder e desejo se articulam. Para o
estudioso, existe um primeiro ponto, considerado ‘denso’ nas
Foucault (idem, p.101) deixa claro que no caso da
relações de poder, como por exemplo, entre homens e mulheres
aliança, o que é pertinente é o vínculo entre os parceiros com
(Lola X Eusébio; Figueiredo X Benvinda), jovens e velhos,
status definido. Já para a sexualidade, o importante são as
pais e filhos (D. Fortunata X Juquinha), educadores e alunos,
sensações do corpo, a qualidade dos prazeres, a natureza das
384
impressões. Todos esses aspectos fazem parte da narrativa da
última vez
obra em estudo. Michel Foucault acrescenta ainda:
tinha ainda falhado; mas como
que lhe falei, não
não o vejo há muitos dias, receio
Enfim, se o dispositivo de aliança se articula
que a sorte afinal se cansasse.
fortemente com a ecomonia devido ao papel
FIGUEIREDO – Então o seu
que o poder desempenha na transmissão ou
amor regula-se pelos caprichos da
na circulação das riquezas, o dispositivo de
bola da roleta?
sexualidade se liga à economia através de
LOLA – É como se diz. Ah! Eu
articulações numerosas e sutis, sendo o
cá sou franca!
corpo a principal – corpo que produz e
FIGUEIREDO
consome. (Foucault p. 101)
(Azevedo, 2002, p. 75)
–
Vê-se.
O jogo do amor, sexo e poder fica bem claro em
E ainda, essa mesma tríade, a relação de Eusébio e
personagens como Lola e sua relação com Gouveia, uma vez
Lola: ela vê no fazendeiro uma forma de ascensão social pelos
que ela só diz amá-lo porque ele tem sorte no jogo como
bens que ela supõe que ele possui e usa do seu poder sexual e
podemos ver no trecho abaixo:
esperteza para seduzi-lo, ou seja, troca sua sexualidade por
relações econômicas.
FIGUEIREDO – Continua a amálo?
LOLA (Só.) – Os homens não
LOLA – Sim, continuo, porque a
compreendem que o seu único
primeira dúzia pelo menos até a
atrativo é o dinheiro!... Oh!
385
Também a mim, quando eu ficar
de maneira a tirar proveito fazendo rir e criticando
velha ninguém vai me querer! Os
sarcasticamente.
homens têm o dinheiro, nós temos
Ou ainda a negra Benvinda, que leva na sua voz, um
a beleza; sem aquele e sem esta,
discurso próprio da identidade nacional negra, mestiça, de
nem eles nem nós valemos coisa
elementos pertencentes à cultura afro-brasileira e dominada, e
nenhuma. (Idem, p. 90)
que, ao abandonar seus patrões por Figueiredo, muda de nome
(Fredegonda) e de discurso, passando a exibir na sua forma de
Há de se fazer ainda uma ressalva em relação ao
falar sua nova condição de vida. Figueiredo, um homem
discurso de Eusébio onde Azevedo embute no personagem a
especialista em lançar mulatas, personagem que tem no seu
voz do silenciado em contrapartida ao discurso de Lola. Numa
discurso todo um conhecimento acumulado num mundo de
sociedade onde supõe-se da voz masculina ser a dominadora
subversão de resgatar mulatas para o meio da prostituição
em relação à feminina, fazer o jogo oposto implica um
elegante, com seu discurso lobista promete casamento a
estranhamento, que na obra é ponto ironia, uma vez que Lola é
Benvinda, fala sedutoramente da vida como uma dama,
portadora do discurso dominante sobre o caipira. Essa inversão
promete-lhe casa, roupas bonitas e ensinamentos de bons
de valores de “quem domina quem” é vestida em Lola numa
modos de comportamento em sociedade. Ela também se vende,
caracterização de uma sociedade dita moderna como apregoa
se vence pela ascensão, pelo poder de ser alguém socialmente.
Hall (2000, p. 17) “as sociedades da modernidade tardia são
Ao mudar suas vestimentas, adquire novas atitudes, nova
caracterizadas pela ´diferença`, são atravessadas por diferentes
postura (de mulher europeizada)
divisões e antagonismos sociais que produzem uma variedade
(afrancesado), porém essa transformação leva as gafes que
de diferentes ´posições do sujeito`”. Arthur Azevedo usa
produzem efeito cômico. O próprio nome da negra em si que de
inteligentemente desses conhecimentos e os aplica em sua obra
Benvinda passa a ser Fredegonda, e toda essa transformação é
e maneira de falar
386
apresentada à sociedade formalmente no baile à fantasia
oferecido por Lola por ocasião do seu aniversário, com toda a
Que
beleza!
pompa no Grande Hotel, como aparece na página 104.
Meus senhores aqui está
(Entra Figueiredo, vestido de
Radamés,
trazendo
pela
mão
A
trigueira
Benvinda, vestida de Aída.)
FIGUEIREDO -
Mais faceira
Eis Aída
De
São João do Sabará!
Conduzida
Pela
mão de Radamés
Diz
tolices.
Vem
chimbante,
Parvoíces,
Se
Coruscante,
abra a boca pra falar;
Da
cabeça até os pés!...
Se
se cala
Que
lindeza!
Se
não fala,
387
TODOS (Inclinando-se.) – Dona
Pode as pedras encantam!
Fredegonda!
Eu a
lanço
FIGUEIREDO
(Baixo
a
Benvinda.) – Cumprimenta.
Sem
descanso!
BENVINDA – Ó revoa!
FIGUEIREDO (Baixo.) – Não!
Na
pontíssima estará
Au revoir é quando a gente vai
embora e não quando chega.
A
trigueira
BENVINDA – Entonces...
FIGUEIREDO (Baixo.) – Cala-te!
Mais faceira
Não
De São João do Sabará!
Convidado pela gentilíssima Lola
digas
nada!...
(Alto)
–
para comparecer a esse forrobodó
FIGUEIREDO – Minhas senhoras
elegante,
e meus senhores, apresento a
magnífico ensejo, que se me
Vossas Excelências e Senhorias,
oferecia, de iniciar a formosa
dona Fredegonda, que – depois,
Fredegonda
nos
bem entendido, das damas que se
mistérios
da
acham aqui presentes – é a estrela
fluminense! Espero que Vossas
mais cintilante do demi-monde
Excelências e Senhorias queiram
carioca!
recebê-la
não
quis
com
perder
o
insondáveis
galanteria
benevolência,
388
dando o necessário desconto às
só é possível, já que o sujeito e o sentido se constituem
clássicas emoções da estréia, e ao
mutuamente, pela sua inscrição no jogo das múltiplas
fato de ser dona Fredegonda uma
formações discursivas”.
simples
roceira,
quase
tão
A promessa de fazer parte do mundo dos dominadores
selvagem como a princesa etíope
seduz Benvinda, uma vez que todo dominado almeja mudar de
que o seu vestuário representa.
lado. Esse sonho evidencia como vê Giacon (2002, p. 115) “ a
(pág. 104)
posição de inferioridade do negro brasileiro em relação aos
outros povos”. A personagem Fredegonda tenta usar do recurso
Pêcheux (Apud Orlandi, 1988, p. 178) fala que “a
descrito por Bernd (1999, p. 17) “proposta de base
identidade do sujeito é imediatamente afetada enquanto sujeito
antropofágica: devorar o outro, apropriar-se dos elementos da
do discurso pois, sabe-se, a identidade resulta de processos de
cultura do outro”, tornando-se assim, dama reconhecida da
identificação segundo os quais o sujeito deve-se inscrever em
sociedade ao tentar engolir a cultura francesa na tentativa de
uma (e não outra) formação discursiva para que suas palavras
apagar aquela que lhe é nata. Porém ao mudar de lado,
tenham sentido. Ao mudar de formação discursiva, as palavras
passando de mucama roceira para madama que fala francês, ela
mudam de sentido.” E isso é o que acontece com as
não se encontra, e cerca-se de ridículos entraves, e desanimada,
personagens Benvinda/Fredegonda e até mesmo na mudança de
sente que perde sua identidade e decide voltar ao seu estado
discurso de Lola quando está na presença de Eusébio. Para
anterior de dominada abrindo mão da pretendida ascensão que
Pêcheux (idem, p. 20) “O discurso é feito de sentido entre
antes almejara. Colabora com essa idéia o pensamento de
locutores. Compreender o que é efeito de sentidos é
Orlandi (1988, p. 180) quando fala do efeito da relação da
compreender que o sentido não está (alocado) em lugar nenhum
análise de discurso estabelece com o texto para dele extrair um
mas, se produz nas relações: dos sujeitos, dos sentidos, e isso
sentido, mas sim para problematizar essa relação, ou seja,
389
tornar visível sua historicidade e observar a relação de sentidos
verter para apagar a lembrança do
que se estabelece. A ironia presente nos trechos de
meu amor desgraçado! (Abraça
apresentação de Fredegonda, instaura-se em diversos trechos da
Eusébio escondendo o rosto nos
obra tornando-os os mais cômicos assim como as entradas
ombros dele, e soluça.) Sou muito
triunfais e glamurosas de Lola. É cômica a situação de sedução
infeliz!
de Lola sobre Eusébio no primeiro encontro quando ele pede a
EUSÉBIO (Depois de uma pausa,
ela que deixe Gouveia livre para a sua filha, e Lola já sabendo
em que faz muitas caretas.) –
da bancarrota do moço, reverte a situação de maneira favorável
Então, madama?... Sossegue... A
para o seu lado, na caça de um novo mantenedor.
madama
não
perde
nada...(À
parte.) – Que cangote cheiroso!
LOLA (Entre lágrimas.) – Perder
LOLA (Olhando para ele, sem
o meu adorado Gouveia! Oh! O
tirar a cabeça do seu ombro.) –
senhor pede-me um sacrifício
Não perco nada? Que quer dizer
terrível!
com isso?
(Pausa.)
compreendo...
Mas
é
EUSÉBIO – Quer dize que... sim
mulher
quero dize... Home, madama, tira
perdida e a menina casta e pura;
a cabeça daí, porque assim eu não
entre o vício e a virtude, é o vício
acerto c´as palavras!
que deve ceder... Mas o senhor
LOLA (Sem tirar a cabeça.) –
não imagina como eu amo aquele
Sim, minha porta se fechará ao
moço e quantas lágrimas preciso
Gouveia... Mas onde irei achar
necessário...
Assim
eu
Entre
a
390
consolação?... Onde encontrarei
meu, se estás preso pela tua Lola,
uma alma que me compreenda,
que não te deixará fugir?... Basta
um peito que me abrigue, um
a mim o teu amor e uma
coração que vibre harmonizado
choupana! (Abraça-o) Dá-me um
com o meu?
beijo! Dá-mo como um presente
EUSÉBIO – Nós podemos entra
do céu! (Eusébio limpa a boca
num ajuste.
com o braço e beija-a) Ah! (Lola
LOLA (Afastando-se dele num
fecha os olhos e fica como num
ímpeto.) - Um ajuste?! O senhor
êxtase.)
quer talvez me propor dinheiro!...
EUSÉBIO (À parte.) Seu Eusébio
Oh! Por amor dessa inocente
tá perdido! (Dá-lhe outro beijo.)
menina, que é sua filha, não
( p. 94)
insulte os meus sentimentos, não
ofenda o que eu tenho de mais
Como no trecho apresentado acima, Lola usa de
sagrado!......
diferentes artimanhas para conseguir o que quer. Diz sonhar
LOLA (Com veemência.) – Desde
com jóias, colares, coisas caríssimas com o intuito de possui-
que transpuseste aquela porta,
las. Assim ela fez com Eusébio: “ – ...A propósito de sonho...
senti que uma força misteriosa e
foste tu ver na vitrine do Luís de Rezende o tal broche com que
magnética me impelia para os teus
eu sonhei?” (Azevedo, p. 122), assim faz com Dunquinha (um
braços! Ora, o Gouveia! Que me
rapazote que por ela se apaixona): “Eu tinha levado à Lola
importa a mim o Gouveia, se és
391
umas pérolas com que ela sonhou... Vocês não imaginam como
LOLA – Sim, não digo que não...
aquela rapariga sonha com coisas caras!” (Idem, p. 161).
é uma boa gulodice... mas não é
O trecho da obra onde aparece o personagem
isso...
Dunquinha é carregado de características peculiares: de ironia,
DUNQUINHA – Então que é?
quando nos versos ele a proclama santa das santas (pág. 132), e
LOLA – Faça favor de me dizer
Lola satiriza: “ Santa? Eu!... Isto que é liberdade poética!” (p.
para que inventaram os ourives.
133). O moço vai visitá-la com flores e versos para ela escritos.
DUNQUINHA
Lola dá um jeito de tirar proveito da situação com sua
percebo... Eu devia trazer-lhe uma
esperteza, como podemos verificar a seguir:
jóia!
–
Ah!
Já
LOLA – Naturalmente. As jóias
LOLA - O senhor trouxe-me
são o “Sésamo, abre-te” destas
flores... trouxe-me versos... não
cavernas de amor. ( pág. 134)
me trouxe mais nada?
DUNQUINHA – Eu?
Ou ainda na página 134 quando Dunquinha diz: “Eu
LOLA – Sim... Os versos são
quis trazer-lhe uma jóia; mas receei que a senhora se
bonitos... as flores são cheirosas...
ofendesse...”, e instantaneamente ela retruca: “Que me
mas há outras coisas de que as
ofendesse?... Oh! Santa ingenuidade!... E não me apareça aqui
mulheres gostam mais.
sem uma jóia”, ela finaliza. Quanto aos versos que ele tão
DUNQUINHA – Uma caixa de
apaixonadamente dedica à sua musa, Lola pragueja: “Confesso
marrons glacês?
que as jóias exercem sobre mim um fascínio maior que a
literatura; não sou mulher a quem se ofereçam versos...Vejo
392
que o senhor não é da opinião de Bocage...”, e continua ainda
na página 135, com Dunquinha retrucando: “Oh! Não me fale
Tem
a manola!
em Bocage!”. E ela finaliza o discurso dizendo: “ Que mania
essa de não nos tomarem como somos realmente! Guarde os
Não
é chalaça!
seus versos para as donzelinhas sentimentais, e ande, vá buscar
o ´Sésamo, abre-te.` e volte amanhã.”
Não
é parola!
No parágrafo acima vemos claramente como Lola brinca
com o sentimentalismo dos versos de Dunquinha. Ela deixa
Não
se agita
claro o que quer dele (jóias=bens materiais) e ainda por cima
insinua que preferiria que os versos dele fossem mais parecidos
Como rebola!
com o de Bocage, e não cheios de puritanismo como os dele. O
jovem deixa transparecer que os comentários da amada é uma
Isto
os excita!
ofensa a seus versos, ainda assim promete pedir dinheiro à mãe
e voltar com um jóia para Lola. O que deixa claro a relação de
Isto
os consola!
total submissão de Duquinha em relação a Lola.
Importante ressaltar ainda na obra A Capital Federal, a
O
olhar brejeiro
questão do erotismo, que aparece em trechos representados por
Lola onde ela erótica e ensinuantemente canta:
De
uma espanhola
Do
mais matreiro
Vejam que graça
393
inferior. Apesar de todos os três terem mudado de lado,
Transtorna a bola,
acabaram voltando para o seio amoroso do campo, da roça,
E
sem pandeiro,
ou não.
Nem
castanhola!
retornaram as suas reais origens, ainda que por escolha própria
(p. 110)
Sintetizando, o jogo poder- sexo- dinheiro, na obra
acontece de forma cíclica, é uma briga de submissão X
submisso, (uma guerra de poderes). Isso leva a pensar a
Ou ainda na cena da página 116, de Lola com Eusébio
sexualidade como algo racionalizado, que nada mais é do que o
onde ele diz estar com seus hormônios em ebulição: “Oh! Sou
sexo erótico, e este usa de suas artimanhas e estratégias para
uma fogueira aqui dentro! Mas é tão bão!... E também na
conseguir em troca algum tipo de barganha. O único amor
página 130, com o personagem Duquinha quando ele diz:
sentimental do livro é o de Quinota por Gouveia, seu único
“...Não pude resistir! A Lola é tão bonita... outro dia me lançou
desejo é estar ao lado do seu amor, ter um casamento feliz e
uns olhares tão provocadores, que tenho sonhado todas as
estar junto da sua família, o que ela considera ser a pedra
noites com ela.” Outro ponto bastante erótico é a festa de Lola
angular da sociedade. Junta-se ainda a esta personagem, não
no Grande Hotel que não deixa de ser um espetáculo com apelo
corrompida pela sociedade, a personagem de D. Fortunata, que
erótico.
apresenta na sua passagem pelo texto ser vítima dos altos e
Em suma, os personagens de Eusébio, Gouveia e
baixos do poder: quando é mulher do fazendeiro Eusébio
Benvinda são os grandes corrompidos pela erronia idéia de que
hospeda-se no Grande Hotel, tem empregados, e, uma vez que
pertencer à sociedade urbana era o melhor negócio,
o marido a abandona por Lola, Fortunata se vê morando numa
acompanhar a evolução da capital federal era estar em alta,
espelunca, sem apoio financeiro do seu ex, sem qualquer
almejavam ascensão social uma vez que se sentiam em posição
suporte material. Porém, quando Eusébio retorna e pede para
394
ser recebido, ela não o rejeita, aceita-o de volta, não com a
enunciações o sentido ideológico que o autor quer dar para que
intenção de recuperar o bem material, mas, por querer ver a
se produza o efeito que intenciona. As personagens em análise
família unida novamente. A matriarca acredita na família e
já posta, são dotadas de polifonia e heterogeneidade tal para
passa essa concepção de vida para a filha que também busca
fazer o que se propôs: uma crítica escraxada à sociedade do fim
para si o mesmo. Gouveia e Benvinda também chegam juntos e
do século da Capital Federal do Brasil.
são acolhidos da mesma forma, dizendo que eles foram
infectados pelo “micróbio da pândega”, expressão usada na
BIBLIOGRAFIA
época para definir a susceptibilidade das pessoas aos amores
imorais e ao jogo, o que tinha por conseqüência a
AZEVEDO, Arthur. A Capital Federal. São Paulo: Martin
desestruturação da família. E tudo volta a recuperar o equilíbrio
Claret, 2002.
natural de antes.
Percebemos então que o discurso dentro de uma obra
se instaura, modifica e adequa de acordo com a personagem de
BERND, Zilá; LOPES, Cícero Galeno. Identidades Estéticas
e Compósitas. Porto Alegre: PPG-Letras UFRGS, 1999.
modo a atender às suas necessidades e exigências, ou seja, cada
discurso é construído para um fim determinado e específico
FERNANDES, Cleudemar Alves. Análise do Discurso:
para vir de encontro ao propósito ao qual se quer chegar. O
Reflexões Introdutórias. São Carlos: Editora Claraluz, 2007.
discurso usado por Azevedo em A Capital Federal atende a
diferentes tipos de classe econômicas, pobre/rico; a diferentes
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo:
etnias,
Layola, 2000.
branco/negro;
diferentes
forças
de
poder,
dominador/dominado. Há na escrita de Azevedo um sujeito
discursivo pra cada personagem que coloca nas suas
395
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saber. 2.a edição. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1997.
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O Teatro Inserido como Apoio Pedagógico no Ensino
PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso – uma crítica à
Fundamental
informação do óbvio. Campinas: EDUNICAMP, 1997.
Vilma Marques Dutra da Cruz Natal (UEMS)
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
Ex-Ribeirinho: discurso e identidade
Neuraci Vasconcelos Reginaldo (PG/UFMS)
Mesa 12
396
A Análise do Discurso nas Produções de Texto. O Caso da E.
O discurso de resistência nas crônicas do Acre
M. Efantina de quadro
Marília Lima Pimentel (PG/UNESP)
Alaíde Pereira Japecanga Aredes (UEMS)
Michelli Fernanda de Souza Dan (G/UEMS)
Mesa 14
Letícia de Fátima Dias Wedekin de Oliveira (G/UEMS)
Diversidade de Gêneros Textuais como Incentivar à Leitura
Mauro Eduardo de Souza (G/UEMS)
Beatriz Aparecida Alencar
Uma Reflexão sobre Formação de Professores
Diversidade de Gêneros Textuais como Incentivo à Leitura
Rita de Cássia Marcon (G/UEMS)
Luana Cândida de Carvalho (G/UEMS)
Estela Natalina Mantovani Bertoletti (G/UEMS)
Mesa 13 Coordenada
Silvane Aparecida de Freitas Martins (UEMS)
Análise do Discurso: múltiplos objetivos
O Mau Uso da Língua Portuguesa
Os Múltiplos Objetos da Análise do Discurso: da ordem fixa do
Juliana Marques de Matos Amorim (G/UEMS)
arquivo à oscilação do ordinário
Coordenadora: Mara Rúbia de Souza Rodrigues Morais
Aurelinho e Dicionário Ilustrado Ilustrado de Português: uma
(PG/UNESP)
análise lexicográfica
Sandra Cristina Miotto de Gouvêa (PG/UFMS)
Mulher e política: limites de discursos, de poder
Fernanda Fernandes Pimenta de Almeida Lima (PG/UNESP)
A Linguagem Escrita: considerações sobre a produção textual
do ensino fundamental
397
Anaísa Nantes de Araújo (G- UEMS)
Elza Sabino da Silva Bueno (UEMS)
VOZES NEGRAS NO BRASIL: UMA ANÁLISE DO
DISCURSO UBALDIANO EM VIVA O POVO
BRASILEIRO
Vozes Negras no Brasil: uma análise do discurso ubaldiano em
Eliane Maria de Oliveira Giacon
“Viva o Povo Brasileiro”
(UNESP-SJRPR/UEMS)
Eliane Maria de Oliveira Giacon (UNESP-SJRPR/UEMS
INTRODUÇÃO
Numa estante ou até mesmo amontoados em caixas
nos cantos de um cômodo, os livros despertam a nossa
curiosidade pelo o que pode haver dentro do deles. Isso talvez
se explique pelo fato de que eles foram tidos durante muitos
anos como sendo uma “forma oculta” de discurso (PÊCHEUX,
2002, p. 55), guardadora de segredos, entre vivos, os mortos e
os deuses, favorecendo assim uma relação misteriosa entre o
conteúdo e o efeito de sentido (PÊCHEUX, 1997, p. 164) dos
mesmos e a forma como eles foram escritos. Assim os livros se
ultrapassam
o
poder
(FOUCAULT,
1997)
simbólico,
inscrevendo-se em unidades “individuais” e dramáticas do
passado com um discurso histórico ”que se produz em
398
condições determinadas e projeta-se no futuro [...] porque cria
segundo Pêcheux (1997, p. 162) “é o lugar de constituição do
tradição,
acontecimentos.”
sentido”, que utiliza uma língua que “se apresenta [...] como a
(ORLANDI, 1990, p. 35), e se intensifica no efeito de sentido,
base comum de processos discursivos diferenciados, que estão
que se reflete na produção de uma diversidade de
compreendidos nela, nos quais (grifo nosso) os aspectos
textos(ORLANDI, 1990), os quais ao longo do tempo são
ideológicos simulam processos científicos” (Idem, p. 91), que
carregados de significados que “cada leitor confere de acordo
se incorporam ao discurso histórico, no qual e do qual ele está
com certa leitura” (MANGUEL, 1997, p. 236), que podem
inserido.
passado
e
influencia
novos
também variar de acordo com o corpus teórico tomado, a fim
Para Orlandi (1990, p. 37) “o discurso histórico
de delimitar alguns fatores relativos ao texto como o da época
estabiliza a memória [...] e a reduz” a medida em que ela se
histórica e da concepção filosófica discursiva do autor
torna uma instância propiciadora do interdiscurso, que se
(Foucault, 1997), os temas recorrentes; o que faz
ser um
configura como ”um lugar importante para organizar as
evento histórico-literário; a relação dele com as correntes
diferentes vozes” (PÊCHEUX, 1997, p. 166), que se
filosóficas discursivas do seu tempo e com a lingüística
manifestam pelas “diferentes classes [...] envolvidas numa luta
(SAUSSURE, 2004, p. 13). Um texto, enquanto unidade do
propriamente simbólica para imporem a definição do mundo
discurso, cumpre de acordo com a abordagem articulada de sua
social (BOURDIEU, 2002, p. 11 ), que segundo Possenti(
leitura um papel, que extrapola o limite de seu tempo ao tornar-
2002, p. 41) se operacionaliza “através de uma história,
se não mais um meio de conhecimento do enunciado que
concebida como [...] uma luta que se dá tanto em torno de bens
segundo Foucault (2002, p. 99) é “uma função que cruza no
materiais quanto em torno de bens simbólicos”, os quais
domínio da estrutura de unidades possíveis fazendo com que
permeiam tanto a História de um povo, quanto a sua Literatura,
apareçam conteúdos concretos no tempo e espaço”, mas uma
“na construção” de um discurso, cujo efeito de sentido seja
enunciação capaz de constituir uma formação discursiva, que
capaz de abarcar um conjunto de enunciados”que derivam de
399
uma mesma formação discursiva” (RODRIGUES, 2004, p 96),
analista de discurso consegue (grifo nosso) mostrar os
sendo pois constituído “nas relações que [...] palavras,
mecanismos dos processos de significação que presidem a
expressões ou preposições mantêm com outras palavras e
textualização da discursividade” (Idem). Os mecanismos em
expressões de mesma formação discursiva. (PÊCHEUX 1997,
questão dependem da “escolha” da obra, que possa servir de
p.161)
artefato literário discursivo no intuito de descobrir como e em
Logo o discurso seja ele histórico ou literário é
quais circunstâncias históricas e literárias, ela foi produzida e
segundo Orlandi (1999, p. 15) a palavra em movimento [..] e
qual a ideologia que perpassa tanto a sua produção quanto o
tem em si a idéia de percurso [...] , prática de linguagem; com o
sentido das vozes dos discursos que perpassam a enunciação.
estudo do discurso observa-se o homem falando” e ao mesmo
Ao
depararmos
com
essa
singularidade
de
inserindo-se num contexto maior que o faz passar de não-
trabalharmos com uma obra literária via Análise do Discurso
sujeito a sujeito, num processo no qual a formação discursiva
surge a possibilidade de construirmos um projeto de pesquisa
se torna um local de constituição de sentido, que por sua vez
com discurso de Viva o povo brasileiro (1984) de João Ubaldo
representa um complexo ideológico, no qual sujeito, história e
Ribeiro”, cujo efeito ideológico de sua publicação, “coincide
linguagem interpretam e re(interpretam),cujo sentido só é
com o período da abertura política, pois (grifo nosso) a
percebido pela análise do discurso, que media a língua e o
proposta de releitura da história brasileira que a obra encerra só
discurso com o objetivo de “descrever o funcionamento do
poderia ser encenada em uma atmosfera livre de quaisquer
texto. Em outras palavras, a AD tem (grifo nosso) a finalidade
cerceamentos”(BERND, 2003, p. 81)42 cujas 673 páginas
de explicitar como um texto produz sentido” (ORLANDI, 200l,
compõem a epopéia do povo brasileiro, que dá voz a fala do
p. 23). Assim sendo uma obra literária, no sentido de Foucault,
povo em contraponto com a voz da elite num processo que
garante produção de sentido como um objeto de análise tanto
do tempo do “narrador” como do texto narrado quando “o
42
A opção por esta autora é devido ao fato dela trabalhar com a obra de
João Ubaldo Ribeiro. O mesmo e aplica para Utëza.
400
segundo Schüller (1989, p. 33) “distribuem em duas vozes: a
determinar e sintonizar o negro na (re) leitura da História do
voz dos dominadores e a voz dos dominados. As vozes
Brasil.
conjugam-se como máscaras [...] hostilizando-se sem que uma
silencie a outras.” numa alteridade discursiva na qual segundo
1. JOÃO UBALDO E VIVA O POVO BRASILEIRO
Bernd; Utéza (2001, p. 142) a maior dom do autor “é o de
escrever na tensão dos contrários [...] inscrevendo nesse espaço
A obra Viva o povo brasileiro, como um conjunto de
intervalar elementos de desestabilização da estruturas político-
discursos agrupados pelo autor, que se caracteriza por uma
sociais brasileira”, a fim de construir após a queda da ditadura
certa unidade, fundada numa espécie de discurso humanistico
militar brasileira um caminho que pudesse “recuperar”,
centrado no homem de todas com uma fundamentação sócio-
demonstrar e “abrir”um espaço para discursos sobre a questão
política, que entrelaça os textos nos quais há uma imensa
do negro no Brasil - na História e na Literatura -; a Literatura
polifonia (BAKHTIN, 2002) que propicia a convivência de
engajada; a obra como agenciadora de discursos e o
gírias, de termos de outras línguas, de palavras originadas nos
comportamento literário do autor como “um princípio de certa
diversos extratos da cultura brasileira, de outras criadas pelo
unidade de escrita [...], que é configurado (grifo nosso) numa
autor, enfim várias manifestações lingüísticas discursivas, que
espécie de foco de expressão” (FOUCAULT, 1997, p. 53), que
fazem de João Ubaldo Ribeiro não apenas um contador de
no caso de João Ubaldo é um sujeito, numa posição histórica
causos, mas um articulador da linguagem, cujos textos são
dos primeiros anos pós-ditadura de 64, que de acordo com a
compostos de um mosaico discursivo, no qual “o não-sujeito é
sua geração está imbuído de “aguda consciência crítica” da
interpelado
realidade nacional, propondo-se a agrupar discursos díspares,
(PÊCHEUX
com um efeito de sentido de protesto, que pretende transformar,
antropológica do negro no Brasil, o pensamento filosófico
–
constituído
1997,
p.155),
em
é
sujeito
pela
resgatado
ideologia”
numa
visão
discursivo brasileiro sobre a negritude, a forma como o negro
401
aparece na História e na Literatura Brasileira e por fim como
fatos sobrepostos dos quatro séculos de História do Brasil, indo
um romance de forma “engajada” pode trabalhar questões
desde a colonização século XVI até o século XX, no período
relativas a re(leitura) da História Oficial tomando por base a
Médici, uma das fases mais violentas da Ditadura Militar de 64.
oralidade e a luta de classes na composição de quatro séculos
Após esse pequeno intervalo, voltemos às questões
de Brasil.
pertinentes aos discursos que se processam no interior e no
Conheçamos um pouco mais do romance Viva o povo
exterior da obra. No exterior há dois pontos a serem discutidos:
brasileiro (1984), antes de tratarmos da relação da obra com a
o primeiro quanto à posição da obra quanto à Literatura
História da Literatura; a História Oficial do Brasil; a ralação
engajada do seu tempo e a segunda quanto à posição do escritor
dela com a antropologia e com o pensamento filosófico
em relação a Ciências Políticas. Segundo Silverman (2000, p.
brasileiro; dela com engajamento sócio-político do seu tempo e
18) “no início dos anos 80, todos os seguimentos do Brasil
por fim um pouco de João Ubaldo e sua formação política.
estavam
Comecemos fazendo um inventário do livro, que está dividido
apreensão”que culmina numa produção literária com um
em 20 capítulos e cada capítulo é dividido em três ou quatro
“contínuo refinamento do projeto romanesco”(Idem, p. 33), que
partes menores A narrativa estrutura-se em torno de dois eixos:
culmina em diferentes manifestações literária, que retratam um
a história dos descendentes de Amleto Ferreira, que traça a
Brasil sob muitas facetas tais como O dia de Ângelo (1987) de
trajetória da classe dominante e a história dos descendentes do
Frei Beto, que se aprofunda no valor histórico da narrativa
caboclo Capiroba e Dadinha que contam a história da classe
catalogando a tortura da Ditadura de 64 e A ordem do dia
dominada. Em vários momentos as histórias dos dois núcleos
(1983) de Márcio Souza, que relata o início da década de 80,
se cruzam na narrativa, considerada como um conjunto de
criticando ao Governo Militar da época. E meio a uma
discursos “organizados” pelo autor, cuja organização temporal
Literatura de Protesto e Engajada, o autor João Ubaldo Ribeiro
não ocorre de forma cronológica, pois um capítulo pode conter
escreve Viva o povo brasileiro (1984), um romance histórico
unidos
num
estado
de
bloqueio
pessoal
e
402
contemporâneo, cujo enunciado-título, de acordo com Pêcheux,
igreja católica) e o barão (representando o senhor de escravos),
trabalha com “os conflitos pessoais em torno de classe e raça
no qual o cônego diz que os negros são “a raça mais atrasada
refletindo (grifo nosso) uma questão coletiva mais profunda: a
sobre a face da terra, os descendentes degenerados das
disparidade entre o fato e a falácia, entre a realidade histórica e
linhagens camíticas” (RIBEIRO, 1984, p.119), justificando a
a oficial. “ (SILVERMAN, 2000, p. 244) . Se por um lado as
escravidão devido ao fato que essa linhagem descendente de
duas primeiras obras irão compor um painel metafórico do
Noé seria a mais atrasada e portanto, no Brasil só servia de base
período de 64 até os primeiros anos da década de 80 do século
genética para a criação do mestiço. O autor destaca, nessa
20, o livro de João Ubaldo saí do círculo do “vou contar um
passagem,
segredo para desabafar” e trabalha com uma análise mais
(PÊCHEUX, 1997), o “vazio” retórico que caracteriza o
crítica dos diferentes discursos, que compõem a mentalidade
discurso das classes dominantes impregnado de um discurso do
social e política do brasileiro, na tentativa de fazer um resgate
cientificista, que marcou o século 19 e que serviu, com suas
via negritude das vozes discursivas negras, que ficaram
teorias racistas, de justificativa à manutenção da escravidão”
politicamente interditadas (ORLANDI, 1999, p. 63) durante
(BERND; UTÉZA, 2001, p. 91) e seu desdobramento, que
quatro séculos da História e da Literatura Brasileira.
apaga a presença do negro na Literatura como é possível
“através
de
um
hábil
jogo
interdiscursivo
Os discursos que se processam no interior da obra
observar tomando como contraponto a obra Os Sertões (1902)
atêm-se a questões antropológicas, filosóficas e literárias para
de Euclides da Cunha e uma passagem de Viva o povo
justificar pela elite dominante a escravidão, enquanto há outros
brasileiro (1984).
que evidenciam o apagamento do negro na Literatura e na
Se por um lado, Euclides da Cunha (BERND, 2003, p.
História do Brasil. Para exemplificar tomemos um diálogo da
560) “estabelece um contraste entre o rude sertanejo, o
obra Viva o povo brasileiro entre Amleto (representante da
degenerado mulato e o fraco negro”; João Ubaldo Ribeiro não
burguesia do início do século 19), o cônego (representando a
só integra o mulato e o negro à Guerra de Canudos como
403
também os considera como fortes, e comandantes da resistência
cidade, estudantes e a ação popular dão novo impulso à política
ao poder. Nisso é possível observar com Foucault (1997, p. 41)
brasileira. Observa-se que os anos mais terríveis da Ditadura de
que “para resistir, é preciso que a resistência seja como o poder
64 ocorrem entre 1968 e 1978, após esse período marcado por
[...] que venha de baixo e se distribua estrategicamente”, na
torturas
intenção minar os alicerces do poder, que estão distribuídos na
sindicalistas, políticos, camponeses e estudantes, há o que
obra Viva o povo brasileiro em discurso econômico, discurso
poderíamos chamar de um período de “novos ares”, mas
antropológico, discurso histórico, discurso literário, discurso
repletos de desconfiança e de suspeitas sobre o que poderia vir
político e discurso retórico. Sendo, pois, essas formas de poder
a acontecer, o que influencia muito o discurso da intelectual
dessacralizados com discursos que se contrapõem e se
brasileiro, que acostumado com a metáfora para falar sobre o
sobrepõem num emaranhado discursivo de baixo - das
Brasil, se vê diante de um contexto histórico, no qual ele
entrelinhas do texto - para cima na estrutura da obra –, a fim de
precisa agir, a fim de obter uma organização discursiva sobre
construir um discurso heterogêneo de identidade nacional,
seu país. Para tanto os fatos históricos relativos à política, à
fomentado pelo contexto histórico dos primeiros anos da
economia,aos movimentos populares, aos partidos políticos, às
década de 80 do século 20.
práticas do governo militar, à luta pelos direitos humanos e
dos
militares
e
movimentos
de
levantes
de
redemocratização do Brasil influenciam diretamente na sua
2.
(1984)
ISTMO
ENTRE
DITADURA
E
(
RE)
DEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL
produção literária dos escritores, entre eles João Ubaldo
Ribeiro.
A forma encontrada, nesse projeto, para delimitar os
O ano de 1984, data da publicação de Viva o povo
fatos do período que vai de 1978 e 1985 foi utilizar as balizas
brasileiro, marca o final simbólico de um processo político,
temporais dos anos, seguidos dos fatos, a fim de situar
que inicia em 1978, quando trabalhadores do campo e da
historicamente o leitor:
404
como o PTB e o PDT são reativados pelos trabalhadores.
1978 – A LSN ( Lei de Segurança Nacional)
sofre a primeira alteração desde o AI 5 de
1968, que consiste na supressão da pena de
Alguns conservadores da ARENA e do MDB criaram o PP.
O delegado Fleury é apontado como torturador pela
Pesquisa BNM.
morte e prisão perpétua. Isso graças a
1981- Realizou-se a Conclat( Confederação da Classes
pressão de organismos internos e externos
Trabalhadoras), na qual os delegados elegeram os membros da
contra as torturas, que eram praticadas
Pro-CUT.
contra presos políticos.
Explodem três bombas: uma na OAB do Rio de
Janeiro, outra na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e por fim
Impulso das atividades sindicalistas com greves em
São Paulo, Rio, Bahia entre outros estados.
Surge a VAR (Vanguarda Armada Revolucionária de
Palmares) a última organização de esquerda em São Paulo.
É fundado o Comitê Brasileiro pela Anistia.
1979 – Ano da Anistia; o governo militar acaba com o
a Bomba do RioCentro, que explodiu na mão de um militar
Guilherme Pereira do Rosário do serviço secreto do Exército.
1982 - Ocorrem as eleições para prefeito, vereador,
deputado estadual, federal e senador, num clima de abertura,
que consagrou as oposições.
1983 – Criação da CUT.
bipartidarismo, instituído por ele. Assim o partido de esquerda
O governo tenta passa o reajuste salarial em torno de
MDB e dae direita ARENA são extintos surgindo deles os
80% do INPC, o que não passa no Congresso. No final o
seguintes partidos: PMDB, a partir do MDB; o PDS a partir da
governo consegue passar o arrocho salarial, num índice
ARENA, que hoje é o PSDB. Outros partidos novos são
inflacionário alto, pois após o período de “pseu-estabilidade”
criados como é o caso do PT, e outros que estavam desativados
financeira e com a alta do petróleo, o Brasil, que até então
dependia de energia externa se viu num furacão inflacionário.
405
Intensificam a campanha “Diretas Já”.
levou dos porões dos navios negreiros até as favelas brasileiras
1984 – O Ano da “Diretas Já”. Chega ao auge a
no século 20, num espaço histórico marcado por um conflito de
campanha da “Diretas Já” com a votação da emenda de Dante
classes,no qual a elite branca criou segundo Chauí (2000,p. 89)
de Oliveira, que estabelecia a eleição para presidente do Brasil.
“uma sociedade colonial escravista [...] marcada pela estrutura
Surge uma emenda deixando as eleições para 1988. Com isso o
hierárquica do espaço social que determina a forma como a
PDS vota contra e a emenda das “Diretas Já” consegue 298,
sociedade fortemente verticalizada operacionaliza (grifo nosso)
vinte e dois a menos do que ela precisava para passar.
a relação entre superior [...] e inferior ”, em cuja base dessa
1985 - Forma-se a Aliança Democrática, que elege em
pirâmide social estão os negros e mulatos que “não participam
janeiro, com 480 votos do Congresso, o senador Tancredo
de todos os estratos sociais[...] logo não há miscigenação em
Neves. O que virá a seguir somente a História e as historias
todos os estratos sociais” (OLIVEIRA et alli, 1998, p.55)
orais contarão.
ocasionando a seguinte situação:”os brancos estão no topo do
poder
3. NEGRO: UM DISCURSO A SER LIDO E/OU RE( LIDO)
e
do
prestígio,
e
os
pretos
e
pardos
estão
excluídos”(Idem).
A mesma elite branca criou ao longo da História do
Para Wolf (2003, p. 327) “é preciso poder político para
Brasil, o discurso do “mito da democracia racial”, que seduz e
estabelecer, para manter e para [...] determinar as forças do
encanta “os próprios críticos das relações raciais harmônicas
mundo que influenciam os povos” a serem analisados como
brasileiras (Ibidem, p, 57) num processo aniquilação da própria
ocorre com o negro no Brasil, que foram trazidos para o Brasil,
condição de ser negro ou mulato no Brasil, pois esse discurso é
enfrentaram toda sorte de violências desde o fato de serem
mais danoso do que se fosse racista e discriminatório. O
mercadoria, que segundo Pinsky (1994, p. 33) “não terá sido
discurso de ilusão da harmonia entre as raças sem luta por
das menores violências perpetradas contra o negro”, que o
melhores condições sociais e econômicas das classes inferiores
406
- os negros e mulatos - se renova de tempos em tempos com
má-sorte
vozes desde o abolicionista Joaquim Nabuco (2000,p. 81),
bandidagem; e as negras dos prostíbulos e dos becos das
quando diz “a ilegalidade da escravidão é assim insanável,
grandes cidades, sendo elas, as que continuaram a ser
quer que se considere no texto e nas disposições da lei, quer na
“coisas”por mais tempo que os homens. Assim o Brasil entre
força e na competência da mesma lei” até
o presidente
no século 20 e os portadores do Pensamento Filosófico
Fernando Henrique Cardoso (Apud OLIVEIRA, 1997, p.14),
Brasileiro como Silvio Romero (1980, p. 246), utilizam o
que assumiu publicamente que “nós, no Brasil, de fato
pensamento positivista do século 19 para justificar a raça negra,
convivemos com discriminação e preconceito”, o que nos leva
que segundo ele “ a grande singularidade das gentes negras é
a observar, que a condição de ser negro ou afro-brasileiros
não haverem [...] chegado a conhecer a organização patriarcal
passa na atualidade por um processo de revisão, que se
da família [...] o que ver-se-á a conseqüência de tudo isso na
fundamenta num poder político através dos movimentos negros
psicologia geral do brasileiro”. Para ele a escravidão “serviu
que o leva o discurso de “ninguendade” de Darcy Ribeiro
para vincular pretos e brancos” (Idem, p.134) num processo
(2000, p. 131) como forma da comunidade negra se identificar
civilizatório, que corrobora com o discurso do mito da
com o Brasil ao de “alguendade” dessa raça, que se apresenta
democracia racial, ao qual se contrapõe os discursos da História
hoje com discursos eivados de consciência política e cultural.
Oficial, da Literatura, da Política e da Educação.
O processo de libertação do negro não se resolveu
engrossando
Contribuamos
as
para
fileiras
esse
dos
estudo
presídios
com
e
da
algumas
coma “Lei Áurea” (1888), que segundo Valente (187, p. 22)
observações sobre a presença do negro na História do Brasil, na
“fez com que os escravos [...] fossem expulsos das fazendas e
qual há períodos, em que houve o “apagamento”do negro, pois
não tivessem para onde ir [...] o que resultou numa massa de
muitos fatos que se referem a movimentos negros como é o
negros perambulando pelas fazendas” sem ter para onde ir e
caso da Revolta de Palmares (1695) com a figura de Zumbi,que
nem tendo para onde voltar muitos deles se tornaram vítimas da
resistiu por muito tempo no quilombo doe Palmares; A
407
Conjuração Mineira (1798), que teve como líderes o mulato
de quem procura uma civilização muito antiga, tudo isso graças
João de Deus do Nascimento e a negra Domingas Maria
a duas linhas de um discurso de uma Lei Áurea que diz “É
Nascimento; Revolta do Malês (1835) em Savador-BA, na qual
declarada extinta a escravidão no Brasil,/Revogam-se as
os negros foram liderados por Manuel Calafate, um líder
disposições em contrário”,pois pretendia-se acalmar os ânimos
muçulmano contra as tropas imperiais; a Revolta da Chibata
dos políticos da época com o fim da escravidão, contudo o que
(1910) liderada por Antônio Candido, acunhado na MPB como
se observou foi que isso não ocorreu e que os fazendeiros
“o navegante negro”, que se revoltou contra os castigos
escravocratas derrubaram a Monarquia e aderiram ao conceito
aplicados aos marinheiros; a Revolta de Canudos (1897) entre
que excluía o negro com sua língua, sua cultura e suja religião.
outros dados, que não foram registrados pela História Oficial
A República não é escravocrata, mas sim detentora da
sem referendar explicitamente a participação do negro e que só
desigualdade social, que continua até os nossos dias. O
agora após o “Estatuto de Igualdade Racial” ( 2001) e a
resultado desse processo foi que o Brasil precisou de um século
Conferência de Durban – África do Sul”, no mesmo ano, foi
para que a Constituição de 1988 frisasse a pluralidade do povo
possível definir os contornos dos movimentos negros, que a
brasileiro, assumindo em lei, o que desde o final da década de
partir daí a História do Negro, no Brasil, passa a ser pesquisada
70 do século 20, os ativistas do MNU (Movimento Negro
de forma intensifica num trabalho etnográfico e de arquivo, nos
Unificado) já vinham orientando os ativistas na luta pelo
quilombos(história oral) e nos dados históricos(história escrita)
reconhecimento de uma identidade negra. Percebe-se que a
guardados na Biblioteca Nacional e nos arquivos da UFF
liberdade do negro no Brasil, é feita a conta gostas e que cada
(Universidade Federal Fluminense). Além de pesquisas em
vitória deriva de lutas e movimentos, que geralmente
terreiros de Candomblé - Bahia e Maranhão - e nas Irmandades
coincidem com momentos políticos decisivos como a
de Minas Gerais, entre outras fontes. Em termos estamos
proximidade da Proclamação da República (1889) ou com a
procurando uma história até mesmo recente com mecanismos
408
passagem da Ditadura Militar de 64 para a Re(democratização
de Bernardo Guimarães; no caso do discurso do poema O
(1985).
Navio Negreiro (1875) de Castro Alves, o eu-lírico “não entrou
E como o negro é representado na Literatura? Nos
na pele do negro para ser seu porta-voz, mas que apenas tomou
discursos literários desde os poemas de Gregório de Matos
o escravo e a escravidão como temática de eleição” (BERND,
século 17, “a matéria negra [...] surge na literatura brasileira
1988, 57), contudo há do mesmo período “o discurso de Luiz
como no poema Bahia [...] ‘Dou ao demo os insensatos/ Dou
Gama, que pode ser considerado o discurso do negro, por sua
ao demo a gente asnal/ que estima por cabedal/ Pretos, mestiços
completa inserção na causa negra.(Idem). Na obra O Mulato
e mulatos” (PROENÇA FILHO, 2002, p. 01) até Viva o povo
(1881) de Aluísio de Azevedo, os discursos marcam o dilema
brasileiro (1984), no qual “o negro é [...] um elemento ativo no
de um mulato entre querer ser branco e ser rejeitado pelos
discurso de identidade nacional” (GIACON, 2002, p. 96) que
brancos, o restante das obras irão tocar na questão do negro de
segundo Proença Filho (2002, p. 7) a obra se constitui na “luta
forma superficial ou muitas vezes tomando a negra como
permanente pela liberdade” Nesse intervalo há momentos em
exótica e sedutora como é o caso do discurso do poema “Nega
que houve como no caso de José de Alencar (século 19), que
Fulô” (1929) de Jorge de Lima – Modernismo. Um dos nomes
(BERND 2003 p. 51) “a exemplo dos escritores do século
que anterior a Jorge Lima tratará da questão do preconceito
XVIII, não contemplou, no século 19, (grifo nosso) o negro
racial foi Lima Barreto em Clara dos Anjos (1904). Contudo o
nesse plano em que foram minuciosamente retratados o
negro como formador da identidade nacional aparecerá em
sertanejo, o gaúcho, o índio, o bandeirante, além do
duas obras que se contrapõem, pois na primeira Macunaíma
colonizador branco”, a fim de criar um discurso hegemônico da
(1928 ) de Mário de Andrade, o negro Macunaíma torna-se
origem da nacionalidade brasileira como sendo fruto da
branco ao banhar-se numa fonte mágica o que lhe dá um certo
civilização branca com o exotismo indígena. O branqueamento
status, reforçando “o mito da democracia racial”; já em Viva o
do negro ocorre no discurso da obra A Escrava Isaura (1872 )
povo brasileiro (1984), o negro passa por um processo de luta
409
de classes, que forjam seus heróis como Zé Popó e Maria da
os índices de escolaridade dos brancos eram maiores que as
Fé, que se constituem porta-vozes de defesa do povo brasileiro.
médias nacionais, o que demonstra o quanto a população negra
Dessa forma podemos concluir com Zilá Bernd que o discurso
do Brasil está longe de atingir os níveis mínimos de cidadania.
seja da poesia ou da prosa negra “não é o reflexo de uma
Os dados corroboram para referendar uma discussão,
ideologia exterior [...] é o local de geração de ideologia”
que permeia o universo acadêmico sobre a questão das cotas
(Ibidem, 91).
para negros (afro-brasileiros) nas universidades públicas, sendo
Se a presença do negro na História e na Literatura é
que um dos primeiros estados a publicar uma lei foi o Rio de
um discurso em re(estruturação), na Educação, por sua vez, a
Janeiro com o Decreto número 30.766 de 04/03/2002, que
sua situação é uma realidade a ser mudada, porque segundo os
prevê a cota de até 40% de vagas para esta etnia e em Mato
dados do IBGE (Apud OLIVEIRA, 2002, p.4) o número de
Grosso do Sul a UEMS (Universidade Estadual de Mato
negros entre 5 e 14 anos no Ensino Fundamental corresponde a
Grosso do Sul) desde 2004 prevê 20% de suas vagas para afro-
79,6% contra 42% dos brancos. A média de permanência do
brasileiros, num sistema de cotas, que é instituído pela Lei
aluno negro nos bancos escolares é de 4,5 anos contra 6,7 dos
Estadual 2605/06/2003 e regulamentado pela resolução
alunos brancos. Os dados acima observados se completam com
COUNI/UEMS 245 de 17/07/2003. Logo o sistema de cotas,
outros que demonstram que “nos 18 cursos superiores
nos estados, atende a Constituição de 1988, no sentido de
analisados pelo MEC, no exame de 2000, os afro-brasileiros
diminuir
contribuíram com apenas 15% dos formados [...] sendo que
discriminatórios, que essa população vem sofrendo com a
(grifo nosso) 8,2 dos brancos têm Ensino Superior completo
aplicação de ações afirmativas, que segundo Silva (2003, p.2 )
contra 2,0% de negros, muito embora eles constituam 45% da
“Consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas
população brasileira”. (OLIVEIRA, 2002, p. 4) Em todos os
à concretização do princípio constitucional da igualdade
dados analisados nesse projeto, foi possível verificar, que todos
material e à neutralização dos efeitos de discriminação racial,
gradativamente
o
impacto
dos
efeitos
410
de gênero, de idade, de origem nacional e de complexidade
segundo Rajagopalan (2002, p. 77) é “a mais difícil de ser
física”, que só ocorrem por força do poder político, que institui
pensada diferentemente, isto é,como algo em constante
regras, as quais podem dar voz e vez aos negros e afro-
processo de reconstrução”, que necessita que o sujeito pensante
brasileiros. Portanto a luta por um discurso de identidade
tenha conhecimentos de sua existência, a fim de que ele possa
continua.
no decorrer do processo de auto-reconhecimento, conhecer o
mundo real, que está a sua volta.
4. UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE
A partir da forma como o sujeito ideológico se
identifica nos seus discursos, ele aprende a lidar com o mundo
O termo identidade é constituído por discursos “como
real que o circunda, recebendo e doando inferências ideológicas
uma prática social e histórica’(POSSENTI, 2002, p. 43), que se
num espaço osmótico “no qual o indivíduo passa (grifo nosso)
desdobra em diferentes conceituações que dependem “da
a ser visto como mais localizado e definido no interior das
história de construção dos sentidos [...], cuja (grifo nosso)
grandes estruturas e formações sustentadoras da sociedade
organização dos sentidos é trabalho ideológico”(ORLANDI,
moderna” (HALL, 2000, p. 30), nas quais o discurso de
2003, P. 7), que norteia esse projeto com a pretensão de
identidade do sujeito é uma formação discursiva que se
arregimentar os sentidos, que determinam o termo.
constitui via alteridade, pois o sujeito, constrói um discurso de
Segundo
Possenti
(2002,
p.
45)
“há
grupos
identidade, que o faz integrar-se ao grupo ao qual ele pertence
organizados em torno dos sentidos das palavras e que lutam
ou o faz repelir um determinado grupo em relação ao outro.
para que alguns sejam vitoriosos e, outros eliminados”num
Logo a identidade é um termo, que segundo Claude Levi-
processo conflitante, no qual o significação depende do
Strauss (Apud Bernd, 2001, p. ) se apresenta como “um
contexto histórico e social, no qual a palavra esteja inserida.
entidade abstrata, sem existência real, mas indispensável como
Desta forma comecemos com a identidade do indivíduo, que
ponto de referência”, sendo pois um conceito “que não pode
411
afastar-se da alteridade” (Idem), pois ela deve ser reflexiva e
um povo, que em alguns livros como O povo brasileiro de
possuir a dimensão de exterioridade, que segundo Hall (2000,
Darcy Ribeiro e Viva o povo brasileiro organizam diferentes
p.3 0) “é algo formado, ao longo do tempo, através de
discursos sobre a identidade, que no caso do romance
processos inconscientes, e não algo inato, [...] ela está sempre
ubaldiano a identidade do negro brasileiro passa por uma
incompleta, está sempre em processo, sempre sendo formada”
releitura, na qual os afro-brasileiros representam uma
construindo um dispositivo discursivo que representa identifica
consciência coletiva na construção da identidade nacional,
uma comunidade.
sendo eles portadores de um saber que, mesmo tendo sido
Assim o discurso de identidade de individual passa a
reelaborado aqui no novo mundo, é proveniente de um passado
ser coletivo na medida em que o sujeito constrói via
remoto, arcaico, situado na origem da humanidade e
representação lingüística os mecanismos de identificação de um
transportado para Itaparica (cuja etimologia quer dizer, em tupi,
grupo com o uso da história, da filosofia, da religião, das
"cerca de pedra"), que por sua geografia se configurou em um
lendas, do sistema familiar, enfim formas discursivas que agem
receptáculo, que o guardou, revelando-o nos discursos de
como um processo “em permanente movimento de construção/
alguns representantes desse povo como Dadinha, Júlio Dandão,
desconstrução, criando espaços dialógicos [...] concebidos
Cego Faustino e Maria da Fé. Portanto podemos finalizar com
como continuidade, como síntese inacabada” (Bernd, 2001, p.
Bernd (2001, p. 22), que “a identidade nunca é dada, recebida
18) do conceito de identidade que se revela muito útil para a
ou definitivamente atingida”, pois ela é um discurso em
leitura de textos, nos quais ela possa estar associada ao fruto do
movimento a ser mecanismo da AD.
pensamento intelectual e político de cada época da história de
uma comunidade.
Assim obras antropológicas e literárias são discursos
organizados em função de uma representação da identidade de
OBJETIVOS
412
Muitas leituras foram feitas até que um embrião de
Analisar o agencimento dos discursos históricos,
idéias sobre como o autor, o organizador dos discursos, João
científicos, antropológicos, literários e políticos sobre o negro
Ubaldo Ribeiro, por intermédio de seus personagens “vozes
no Brasil do século 18 ao 20 na obra.
anônimas que representam o autor” (FOUCAULT, 2002,p.
118) na obra Viva o povo brasileiro (1984) consegue resgatar o
papel do negro na História, na Literatura, na Antropologia e na
Política do Brasil.
Analisar a contribuição do negro na formação da
identidade nacional no discurso do autor João Ubaldo.
Para que os objetivos supracitados sejam alcançados
há a necessidade de uma metodologia, que atenda às
O objetivo geral desse projeto de pesquisa pretende
perspectivas de um trabalho, cujo suporte teórico aliado ao
analisar os discursos de constituição do negro brasileiro na obra
prático (análises e estudos) possa vir ao encontro de uma
do sujeito João Ubaldo Ribeiro.
produção científica, que pretende contribuir para o estudo da
Objetivos específicos:
Análise do Discurso.
Analisar o discurso de resgate da memória do negro
apagado pela História Oficial do Brasil.
HIPÓTESE
Analisar o apagamento do negro dos setores sociais,
políticos, literários e históricos pelo discurso mítico da
democracia racial brasileira.
A hipótese desse projeto tentará analisar o efeito de
sentido dos discursos “organizados” pelo autor João Ubaldo, na
Observar a constituição político ideológica do sujeito
obra Viva o povo brasileiro, que, no âmbito literário emprestam
João Ubaldo, quando da produção da obra nos anos 80 do
a voz ao negro silenciado pelo discurso da História
século 220.
Oficial.Tentar-se-á, portanto, responder o porquê de, no Brasil,
toda posição-sujeito em defesa do negro vir sempre pelo
empréstimo da voz do outro representado por
intelectuais,
413
literatos, artistas e estudiosos que se “comprometem” com a
Proceder ao recorte de enunciados;
causa social negra.
Agrupá-los em discursos e caracterizando-os de
acordo com as questões levantadas como: a questão do negro
METODOLOGIA
no Brasil, o negro e a literatura, a literatura comprometida, a
representação do negro na literatura, o agenciamento de
A proposta de analisar um discurso possui o princípio
discursos na obra, os reflexos do momento histórico e da
norteador de que “toda descrição abre sobre a interpretação”
posição ideológica do autor no agrupamento dos discursos de
(PÊCHEUX, 2002, p. 54), que se constitui a partir de
Viva o povo brasileiro.
determinados “princípios e procedimentos” (ORLANDI, 1999,
Analisar os discursos quanto à posição ideológica, a
p. 64) metodológicos, que o analista adota, a fim de delimitar
posição dos sujeitos extra e intertexto analisar os aspectos de
determinado corpus
identidade dos sujeitos.
a ser analisado, que nesse projeto
pretendo trabalhar com o tipo rentáve (POSSENTI, 2002, p.
31), que abre perspectiva para uma análise independente do
ANÁLISE DO DISCURSO DAS VOZES: DO TÍTULO A
pesquisador, mas que em de termos é arregimentada por ele de
SEUS DESDOBRAMENTOS
acordo com as opções de discursos a serem analisados.
As etapas que constituirão metodologicamente a
Antes de iniciarmos a análise do discurso do título
análise serão as seguintes, não necessariamente nessa ordem:
“Viva o povo brasileiro”, procuraremos nos ater ao que seria o
Leitura e organização do referencial teórico;
campo do conhecimento da Análise do Discurso, que
Leitura da obra Viva o povo brasileiro (1984) de João
chamaremos de AD, que segundo Foucault (2002, p. 137)
Ubaldo Ribeiro sobre o enfoque da AD;
Recorte do corpus;
“mostra como os diferentes textos remetem-se uns aos outros,
[...] entram em convergência com instituições e práticas, e
414
carregam significações que podem ser comuns a toda uma
eixos: o primeiro quanto ao efeito de sentido das palavras
época”, na qual o texto está inserido. Logo o objetivo da AD é
“viva”e “povo” e o segundo pelo deslocamento do sentido
descrever o funcionamento do texto. Em outras palavras, sua
histórico-político desses termos: “Viva!” – quando do
finalidade é explicar como um texto produz sentido.
nascimento de Daê (Vevé) em 1815; “Viva nós!”- quando da
(ORLANDI, 2001, p. 23).
fundação da Irmandade do Povo Brasileiro em 1827; “- Viva
A AD, nos anos 60 do século 20, torna-se um estudo,
nós! Disse sorrindo Budião. – Viva nós! Respondeu Zé Pinto,
que engloba assuntos de lingüistas, historiadores, filósofos e
muito sério”em 1870”e “Via o povo brasileiro! Viva nós” em
psicólogos, que se constituiu no intervalo entre “a lingüística e
1897.
as outras ciências, [...] na região das questões que dizem
Comecemos pelo que diz o Dicionário Houaiss sobre
respeito à relação da linguagem( objeto lingüístico) com a sua
os dois termos: /viva/ pode assumir o significado de verbo
exterioridade (objeto histórico) (ORLANDI, 1999, p. 27), a fim
como imperativo do viver e como substantivo masculino sendo
de seja apreendida a historicidade pelo discurso histórico que
expressão de felicitação; / povo/, substantivo que evoluiu do
“se produz em condições determinadas, e projeta-se no futuro,
latim populus (multidão), que tomaremos três concepções entre
mas também é histórico porque cria tradição, passado e
as dezesseis, que o mesmo dicionário traz: conjunto de pessoas
influencia novos acontecimentos , atuando (grifo nosso) sobre a
que estão ligadas por origem, religião ou qualquer outro laço;
linguagem e operando no plano da ideologia. (ORLANDI,
conjunto de pessoas que pertencem a classe mais pobre, plebe;
1990, p.35).
conjunto dos cidadãos de um país, excluindo-se os dirigentes e
Entende-se por discurso qualquer enunciado, que por
a elite econômica.
força da ideologia do sujeito possa servir de corpos para um
O enunciado “Viva o povo brasileiro”sem ponto de
exercício analítico, que, no presente projeto, pretende trabalhar
exclamação abre várias possibilidade de sentido que se
o enunciado-título da obra “Viva o povo brasileiro” por dois
“constitui em cada formação discursiva, nas relações que tais
415
palavras [..] mantêm com outras de mesma formação discursiva
partir da posição do sujeito Dadinha, em relação ao
(Pêcheux, 1997, p. 161)constituindo um lugar de sentido, no
posicionamento dos escravos, representa uma presságio de
qual a palavra “viva”significa uma saudação de desejo de
mudanças para aqueles que até então viviam sem a consciência
felicidade ao povo brasileiro, tomado na obra como o povo
de povo.
negro e também como uma ordem de que esse povo, deveria
No segundo discurso “Viva nós!”( Idem, p. 209)
viver por meio de sua história, de sua religião e de sua cultura,
pronunciado pelo sujeito Dandão, um negro malê do Islão
a fim de superar a elite branca. Pela palavra “povo” entende-se
Negro, quando da fundação da Irmandade do Povo Brasileiro,
como
representado
em 1827) vem acompanhado do gesto de “levantar o punho
ideologicamente sob a forma da intersubjetividade” (Idem, p.
fechado e esmurrar o ar à frente do rosto”(Idem), que o autor
129) , que muda de posição de acordo com o sujeito que as
capturou do discurso e de Malcom X
emprega.
Party44, que somente mais um século depois influenciariam os
um
“processo
da
identificação,
Nessa esteira de raciocínio, o autor - sujeito que
organiza
os
discursos,
distribuiu
ao
longo
da
43
e dos Black Panthers
negros dos EUA contra a discriminação racial, que levou
obra
atletas negros em 1968, a fazerem esse mesmo gesto quando o
desdobramentos do título, que acompanham o processo de
Hino Nacional Americano era tocado. Não só o gesto torna-se
identificação ideológica do negro, durante o século 19, em
uma marca de interdiscurso entre os fatos históricos do tempo
relação a releitura de sua história. Para tanto o discurso
do autor e o tempo da obra como também a saudação “Viva
“Viva!”(RIBEIRO, 1984, p. 44) pronunciado por vó Dadinha,
nós”inicia uma processo de egregora de identificação entre os
matriarca e gangana dos negros da Senzala de Pirapuama,
saudando em 1815, o nascimento de Daê (Vevé), cujos olhos
são esverdeados e ela possui uma marca sobre o olho esquerdo
como símbolos de predestinação. O discurso pronunciado a
43
(1925-1965) Líder negro político-religioso( muçulmano), que denunciou
como a polícia e a política dos EUA tratavam os negros do Harlen
44
O PARTIDO DAS PANTERAS NEGRAS – grupo político-social que
visava proteger a comunidade negra da Califórnia ( EUA), após ela ter
sofrido sucessivos abusos da polícia na década de 60 do século 20.
416
membros
daquela
irmandade,
que
assegurou
a
com
continuidade da tradição de um povo.
mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles
que as empregam” (Pêcheux, 1997, p. 160).
No terceiro enunciado discursivo, que ocorre quando
da volta de Budião da Guerra dos Farrapos (1835-1845), que
BIBLIOGRAFIA
encontra Zé Pinto e diz “- Viva nós! Disse sorrindo Budião –
Viva nós! Respondeu Zé Pinto” (Idem p.337). Observa-se com
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Orlandi (1990, p. 37) que “um dos efeitos ideológicos do
Brasiliense, 1988.
discurso [...] é o da unicidade do sujeito com a linguagem”, que
nesse texto produz a ruptura, pois o que deveria ser senha para
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díspares, pois se um “viva” constitui um ordem de vida longa, o
outro representa uma posição de desagrado.
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São Paulo: Moderna, 1987.
Candido Vieitez Guiraldez (UNESP/ MARÍLIA)
[email protected]
WOLF, Eric. Antropologia e Poder. Trad. Pedro Maia Soares.
São Paulo: Editora Unicamp, 2003.
Abstract The paper that is presented says about a reflection
Mesa 15
around Habermas' theory and its
contribution for the
understanding of the work relationships at school. As these
As Relações de Trabalho no Cotidiano Escolar à Luz da Teoria
da Ação Comunicativa de Habermas
Alaíde Pereira Japecanga Aresdes (UEMS)
Candido Vieitez Guiraldez (UNESPE/MARÍLIA)
relationships are constituted in power relationships, the
Habermas' indicatives in relation to the communication take us
to believe that beginning would be linked to the subject of the
democracy in the institutions. The school while institution
needs that beginning while the place that looks for to constitute
relationships based in the democracy.
Key Word - work relationships at school, Habermas' theory,
Communicative Action, Democracy.
420
Resumo: O artigo que ora apresentamos é uma reflexão em
definidos. Na verdade, são cumpridores destas sem poder
torno da teoria de Habermas e de sua contribuição para a
formalmente45 questioná-las.
compreensão das relações de trabalho na escola. Como estas
Nesse sentido é indispensável apontar qual tem sido a
relações se constituem em relações de poder, as indicativas de
atuação deste profissional. Vale a pena indagar: quem é o
Habermas em relação à comunicação nos levam a crer que este
diretor hoje na escola? Como foi projetado dentro de um
princípio estaria ligado à questão da democracia nas
sistema que é capitalista? Existe alguma semelhança entre a
Instituições. A escola enquanto Instituição necessita deste
organização do trabalho na escola e a organização do trabalho
princípio enquanto espaço que busca constituir relações
na empresa capitalista? Responder estas questões parecem
baseadas na democracia.
imprescindíveis, à medida que possibilitam a compreensão das
Palavras – chave: Relações de trabalho na escola, A teoria de
relações de trabalho dentro da escola, as quais delimito, a
Habermas, Ação Comunicativa, Democracia.
priori, como relações de poder. Estas, da forma como são
representam um entrave às relações democráticas.
Por outro lado, se a escola deve ser uma organização
Introdução
semelhante à organização capitalista, até que ponto as
As relações de trabalho na escola pública quase
modificações nas relações de trabalho nesta organização tem
sempre se constituem em relações de poder. Fazer esta
sido consideradas dentro da escola? Segundo Antônio Nóvoa
afirmação, ao que parece, coloca em questão a forma como se
(1992), existe um movimento de renovação científica e de
organiza o trabalho nesta instituição. Geralmente predomina na
mudanças de políticas educativas, mas isso tem sido olhado
escola um poder centralizador exercido pelo diretor. Deste
emanam todas as decisões. As regras são consideradas
imutáveis e todos que lá estão têm um papel previamente
45
É possível detectar atualmente no interior das escolas públicas certa "infidelidade
normativa", (Barroso, 1996). Isso significa que existem formas de atuação dos
profissionais que nem sempre obedecem aos órgãos decisórios. Na verdade, a
clandestinidade parece ser um elemento bastante relevante neste contexto.
421
com desconfiança no meio pedagógico, o que provoca zonas de
compreensão das instituições escolares em
resistência. Uma delas tem sido a recusa a importar para o
toda sua complexidade técnica, científica e
campo educativo idéias e ações do mundo empresarial e
humana. (p.16).
econômico. Enfatiza o autor:
É importante esta observação para enfatizar a seguinte
[...]
a
é
idéia: as relações no interior das empresas capitalistas parecem
fundamental para dificultar uma transferência
estar mudando, ao menos teoricamente. Ao que parece há um
acrítica
perspectivas
interesse na participação dos trabalhadores, embora, parcial,
organizacionais para o espaço escolar. As
mas a idéia está sendo enfocada, isso é relevante do ponto de
escolas são instituições de um tipo muito
vista da sociedade capitalista. É importante assinalar que se fala
particular, que não podem ser pensadas como
muito na idéia de estabelecer a comunicação como um caminho
qualquer fábrica ou oficina: a educação não
nas relações de trabalho neste tipo de empresa. No entanto, a
tolera a simplificação do humano(das suas
escola parece ser um mundo à parte de todo o processo.
experiências, relações e valores), que a
Detectam-se problemas que são originados, principalmente, da
cultura da racionalidade empresarial sempre
forma como são encaradas as relações dentro dela. Fala-se com
transporta. E, no entanto, a afirmação da
muita tranqüilidade em escola democrática, que democracia é
especificidade radical da acção educativa não
esta se as pessoas sequer têm o direito a falar? Que dirá
pode justificar um alheamento face aos
organizar alguma coisa, por exemplo, o trabalho? Realmente há
campos de saber e de intervenção. Mais do
que se pensar nas formas de trabalho na escola que nos
que nunca, os processos de mudança e de
remeterá à questão das relações de trabalho, que nem sempre
inovação
presença
e
destas
redutora
educacional
'resistências'
das
passam
pela
422
são encaradas como responsáveis por muitas tentativas que não
estrutura de relação de poder semelhante à do Estado
dão certo nesta instituição.
autoritário? Seriam projetados para tal?
Portanto, para discutir as relações de trabalho na
escola
considero
relevante
traçar
alguns
caminhos.
Esta é a situação que se mostra no nível da escola. É
comum encontrarmos regimentos, planos globais, enfim, as
Primeiramente pretende-se apontar até que ponto estas relações
diretrizes que regem as escolas repletas
são relações de poder com o auxílio dos estudos de Michael
democráticas, e no fluxo de poder das diversas esferas da
Foucaut(1979)
organização
e
Max
Weber(1991).
Baseando-se
nas
pedagógica-administrativa
em
de nuanças
geral,
ações
investigações de Vitor Paro, apontarei uma breve discussão
antidemocráticas, conteúdos sem significado para os alunos, o
sobre a função determinada pelo Estado ao diretor da escola
que reforça uma estrutura repressora.
pública. Em seguida, ousa-se apontar a teoria da ação
comunicativa de Habermas como um dos caminhos para a
Diante deste contexto se faz urgente repensar as
relações de poder na escola na extremidade. Afirma Foucault:
transformação das relações de trabalho na escola. Na realidade,
pretende-se mostrar que a escola pode e deve adotar a
Captar o poder em suas extremidades, em
pedagogia da comunicação. Acredita-se que desta forma muitos
suas últimas ramificações, lá onde ele se torna
trabalhos nesta instituição seguirão com sucesso.
capilar, captar o poder nas suas formas e
instituições
As relações de trabalho na escola são relações de poder?
mais
principalmente
no
regionais
ponto
e
em
locais,
que,
ultrapassando as regras do direito que o
Nos discursos dos educadores está presente o desejo
organizam e delimitam, ele se prolonga,
de uma escola democrática e de qualidade, dir-se-ia que este é
penetra em instituições, corporifica-se em
muito consistente. Mas por que suas ações reforçam uma
técnicas e se mune de instrumentos de
423
intervenção material, eventualmente violento.
homens e mulheres. Mesmo nesta estrutura, o grupo se
(Foucault, 1979, p.182)
organizava através de troca de poderes. Ao nosso ver poderes
necessários até para se ter uma determinada organização.
Compreender as relações de poder na escola é
necessário no sentido de apontar propostas que enfatizem
Imagino que neste tipo de comunidade, o poder existia em prol
de interesses comuns.
relações que possibilitam a participação de todos os atores
Com a sociedade capitalista, dividida em classes, a
(alunos, pais, sindicato, professores, diretores, coordenadores
forma de se utilizar deste poder toma um outro rumo. Ao que
etc). A participação acredita-se, é o que torna uma instituição
parece, este começa a ser utilizado para interesses individuais,
mais democrática. Talvez isso signifique a "distribuição"46 do
não mais em busca de um bem comum, mesmo que
poder. Mas, será que o poder é necessário? É possível a uma
ironicamente usam desta idéia para consolidar tal poder.
instituição numa sociedade, cujo sistema é capitalista,
Percebe-se que o poder está intimamente ligado a economia, ou
sobreviver sem poder?
seja, ele está nas mãos de quem tem o controle do capital e daí
Responder a estas indagações não é fácil. Porém,
emanam outros poderes, tais como: político, social e cultural.
ousa-se apontar algumas idéias que no nosso entendimento
Nota-se que esta forma de organizar a sociedade capitalista,
podem, quem sabe, direcionar caminhos.
reflete na organização escolar, principalmente, no que tange as
Partindo das comunidades primitivas, é possível
identificar como características a coletividade pequena, a
relações, impedindo um trabalho que esteja voltado para um
bem comum, interesses comuns.
propriedade comum e um caráter democrático que se
Para Weber (1979, p. 43), poder "significa a
consolidava através de um conselho formado por adultos
probabilidade de impor a própria vontade, dentro de uma
46
Na realidade, quando falo em distribuição do poder quero referir-me ao fato de
que o poder existente atualmente é totalmente centralizador, portanto, se faz urgente
uma organização escolar que tenha as rédeas da situação. Então, é nesse sentido, que
enfatizo a idéia de distribuição do poder.
relação social, mesmo contra a resistência e qualquer que seja
o fundamento desta probabilidade". Então, nesse sentido, o
424
poder consiste na potencialidade de influir no comportamento
alheio,
ter
poder,
neste
caso,
implica,
mesmo
que
potencialmente, dispor de certa autoridade. Na escola nem
Segundo
Vitor
Paro
(1991),
a
questão
da
administração escolar é algo muito complicado. Em geral,
sempre o diretor está fazendo cumprir ordens delimitadas por
ele mesmo. A autoridade de que este profissional está investido
[...] os trabalhos teóricos sobre administração
para comandar um grupo de subordinados, por exemplo, pode
escolar,
derivar de um poder exterior a ele: dos proprietários da
implícita ou explicitamente, o pressuposto
empresa, na iniciativa privada, ou do próprio Estado, no caso
básico de que, na escola, devem ser aplicados
de uma instituição estatal. Sua autoridade está sendo realizada
os
para impor a vontade de outrem. Na realidade, é o Estado quem
adotados na empresa capitalista. (p.24).
publicados
mesmos
no
princípios
Brasil,
adotam,
administrativos
dita como serão as relações, como deve ser estruturada a
escola, nem sempre o poder que se pratica nela emana-se de
Nesse sentido, a assim chamada Administração Geral
vontade própria. Embora não esteja descartada uma relativa
passa a ter validade universal. Seus métodos e técnicas podem
autonomia no exercício dos profissionais da escola, porém,
ser utilizados em qualquer forma de organização. Dessa forma,
desde que não contrarie a autoridade central. Percebe-se, que
a Administração Escolar é assumida como uma das aplicações
mesmo agindo na clandestinidade, são cumpridas as principais
da Administração Geral.
regras. Podemos verificar esta questão, quando enfoca-se a
Sendo assim,
função que o Estado capitalista-burguês delimita para o diretor
de escola.
[...]
a
administração
especificamente
capitalista, que, mercê dos condicionantes
A função determinada para o diretor de escola
sociais e econômicos de um particular modo
425
de produção, se apresenta, tanto no nível
atividade de seus trabalhadores, deixando de lado, a não ser no
estrutural, quanto no superestrutural, como
discurso,
mediadora da exploração e domínio de uma
produtividade. Com isso, faz teoricamente e não efetivamente
dada classe social sobre as demais, é tida, no
a escola funcionar como uma empresa.
os
conceitos
de
racionalidade,
eficiência
e
âmbito da teoria da administração, quer
'geral', quer escolar, como tendo validade
Embora, no nível do discurso, se pretenda a
eterna e universal. (Paro, 1991, p. 125).
eficiência e racionalidade na obtenção dos
objetivos - constituindo isso, inclusive,
Nesse sentido, a preocupação da Administração
justificativa
para
Escolar passa a ser com os aspectos técnicos e administrativos
administração
tipicamente
em detrimento do pedagógico.
escola -, no nível da ação, acabam por
Por
outro
lado,
eficiência,
racionalidade
a
aplicação
da
capitalista
na
e
prevalecer apenas os mecanismos mais
produtividade são princípios sagrados dentro de uma empresa
propriamente gerenciais, relacionados ao
capitalista. Além de controlar os trabalhadores através dos
controle do trabalhador “. (Paro, 1991, p.
diversos métodos e técnicas, a empresa capitalista estabelece
130)
mecanismos para assegurar e garantir o alcance dos seus
objetivos. Portanto, tais princípios são metas indiscutíveis, pois
Portanto, nas escolas de ensino fundamental e
garantem a acumulação do capital, fim último desse tipo de
médio permanece a dimensão política da administração
empresa. Para Paro (1991), na escola as coisas parecem
capitalista, ou seja, o controle gerencial do trabalho alheio
caminhar de modo diferente. Permanece o controle dos
em detrimento dos aspectos técnicos considerados essenciais
trabalhadores, ou seja, o diretor-gerente procura controlar a
426
dentro dessa administração para o alcance de resultados
especificidade da escola, que é o pedagógico, a realização do
efetivos.
ensino.
O que se verifica nas escolas é um leque de normas e
regulamentos vindos de cima para baixo, desconectados da
realidade e inadequados às soluções dos vários problemas. O
que se percebe é que estes se agravam. Está presente dentro
desta instituição uma irracionalidade com a presença de uma
burocracia velha, ultrapassada, que não permite a participação
de seus atores, emperrando a busca eficiente na realização de
seu fim educativo.
É bem verdade que o diretor-gerente enquanto
controla o trabalho alheio também é o que dá a decisão final.
Aqui há uma grande semelhança ao funcionamento das
empresas capitalistas, ou seja, o sistema hierárquico. E o
diretor, na escola, ocupa o topo da hierarquia. Aproveitandose disso ele é o que decide, é o principal responsável pela
escola. Ao que parece esta responsabilidade torna-o um
profissional distante do aspecto pedagógico. Há então papéis
extremamente diferentes dentro de uma unidade escolar, e
quase sempre tais papéis não estão voltados para a
Esta
adoção
de
mecanismos
gerenciais
da
administração capitalista leva o diretor a assumir posições
contraditórias, pois tem que exercer funções que a princípio
são incompatíveis, isto é, ser educador e fazer cumprir os
objetivos educacionais e, enquanto gerente e responsável
último pela escola, ele precisa fazer cumprir as ordens
emanadas dos órgãos superiores, que muitas vezes atropelam o
alcance dos objetivos educacionais. Estes órgãos bombardeiam
a unidade escolar com normas, pareceres, leis, resoluções,
portarias, etc, que fazem com que o diretor tenha pouco tempo
para se dedicar ao que é essencial na escola: o ensino.
Na verdade, o diretor, segundo Paro (1991), se vê
entre a cruz e a espada. De um lado as reclamações de
professores e alunos que querem medidas que vão ao encontro
de melhores condições de trabalho, promovendo a melhoria do
ensino, de outro os bombardeios sofridos dos órgãos
superiores, que o punirão se ordens forem descumpridas.
Diante dessa impotência do diretor, "com o papel de gerente
que o Estado lhe reserva” fica a seguinte afirmação: há o
427
fortalecimento dos interesses dominantes com relação à
ter relações democráticas na escola, possibilitando, portanto,
educação escolar. Em que sentido? No sentido de não ocorrer
uma gestão autoritária, onde princípios norteadores não
efetivamente e qualitativamente a socialização do saber
condizem com uma escola pública popular. Penso que seria de
elaborado historicamente pela humanidade, requisito para que
extrema relevância a busca por uma gestão diferente, onde o
o indivíduo ingresse na sociedade como sendo capaz de lutar
trabalho seja de fato coletivo e significativo. Dito de outro
por melhores condições de vida, lutar sua cidadania.
modo, a gestão democrática é uma questão vital. E os germes
Para Paro (1991, p. 136), enquanto a empresa
dessa alternativa passam por um projeto político pedagógico
capitalista alcança com sucesso seu fim último, que é a
coletivo exeqüível que conduza com rigor o processo de
produção da mais-valia,
democratização das relações de poder no cotidiano escolar.
Por outro lado, com viabilizar este processo? Penso
[...] a escola com sua ineficiência em cumprir
que uma forma seria fazer da organização escolar um espaço
seus objetivos educacionais, acaba por
onde possa acontecer a ação comunicativa. (Habermas: 1989).
colocar-se também contra os interesses gerais
Acredito que este pode ser um dos caminhos com o intuito de
da sociedade, na medida em que mantém
superar as formas atuais de relações de trabalho na escola.
apenas na aparência sua função específica de
distribuir a todos o saber historicamente
A ação comunicativa na escola: um olhar Habermasiano para as
acumulado.
relações de trabalho.
Percebe-se, que o Estado reservando esta função para
No início deste artigo afirmava-se que as relações de
este profissional, delimita um espaço onde é exercido um
trabalho na escola são relações de poder. Na verdade, nesta
determinado poder. Poder este que prejudica a hipótese de se
organização estão presentes atores que vivem se degladiando.
428
Talvez, a forma como acontecem as relações de trabalho na
percebem a razão de forma bastante pessimista. Para eles a
escola representa um dos maiores entraves ao estabelecimento
presença da razão instrumental explica o avanço de regimes
de consensos, extremamente necessários na realização do
totalitários no século XX e a própria Segunda Guerra mundial.
trabalho coletivo. Em nível micro, percebe-se uma relação
Neste ponto todos concordam, inclusive Habermas. Entretanto,
entre professores e alunos que mais parece um cenário de
não é concebível limitar o poder da razão. Tais teóricos
verdadeiros inimigos. Nota-se, dessa forma, que a escola
supervalorizaram a preocupação com a crítica à razão
tornou-se um local onde poucos se identificam, até parece que
instrumental. Eles restringiram o conceito de razão atribuindo
estão em um barco onde remam, mas para direções totalmente
à racionalização societária a própria racionalização do sistema
opostas.
capitalista, ou seja, confundem a racionalidade do sistema com
Diante deste contexto é que se propõe a teoria da ação
a racionalidade da ação. Habermas acredita no poder da razão
comunicativa de Habermas como uma das alternativas no
que ressalta a comunicação. Esta razão comunicativa é uma
tocante a questão das relações de trabalho na escola. Na
retomada ao projeto e programas originais, ou seja, uma teoria
realidade, Habermas tenta introduzir um novo paradigma, o
social crítica com intenções práticas dentro de uma pesquisa
qual chamamos de razão comunicativa. A razão comunicativa
interdisciplinar que estabeleça uma nova relação entre filosofia
surge contrapondo à razão instrumental.
e as Ciências do Homem. A grande diferença entre Habermas e
Segundo Mühl (1998), Habermas, um dos expoentes
aqueles pensadores era a maneira de entender a razão.
da Escola de Frankfurt, apresenta uma visão otimista em
Habermas enfatiza a necessidade de se ter uma
relação à razão. Para Habermas esta tem um papel
postura otimista em relação à disposição democrática de
emancipador que deve ser retomado. Tal visão se contrapõe à
dialogar e alcançar um consenso como função da racionalidade
visão dos primeiros pensadores da aludida Escola. Entre eles
das ações e não por mecanismos coercitivos. É por isso que
destacam-se, Adorno, Horkheimer e Weber. Estes autores
este autor, sem perder de vista o potencial emancipatório que a
429
razão humana contém, propõe o abandono do paradigma da
consciência, ao qual se pautavam Adorno, Horkheimer e
Como
deixa
claro
Habermas
em
seu
artigo
conhecimento e interesse (1983) apud Aragão (1992, p.13), é
Weber, para lançar um novo paradigma, o da comunicação.
Segundo Pinto (1994:66), [...] o paradigma da
[...] a tendência para a 'comunicabilidade',
consciência é calcado na idéia de um pensador solitário que
para o diálogo e para o consenso, que ele
busca entender o mundo a sua volta [...], o que mostra uma
acredita ser imanente à própria humanidade,
relação de subordinação do objeto em relação ao sujeito,
pois está inscrita na linguagem, (...), é o traço
insustentável na ótica de Habermas. Para ele, as relações devem
distintivo da humanidade, o que lhe dá sua
se dar de forma intersubjetiva, onde a comunicação representa
característica
a busca de um entendimento sobre algo no mundo que os
linguagem está inscrita a inclinação para a
sujeitos do ato da comunicação pretendem validar. A
'comunicabilidade',
racionalidade seria construída a partir dos fundamentos do
entendimento, então pode-se dizer que a
processo de comunicação intersubjetiva, na busca de um
comunicabilidade
entendimento.
distintivo do ser humano.(p.13)
essencial,
para
é
e
na
própria
alcançar
também
um
um
traço
O paradigma da comunicação coloca à tona a relação
que existe entre a razão e as relações que o homem processa
Todo otimismo teórico de Habermas está calcado
com o mundo em que vive. A razão (comunicativa) neste
nesta premissa, no sentido de uma melhoria e transparência das
sentido, é produto das relações que são compartilhadas
formas de relações humanas e sociais. É por isso que ele além
intersubjetivamente com os sujeitos participantes do ato de
de construir uma teoria do agir comunicativo que se baseia em
comunicação.
uma situação ideal de comunicação, procura encontrar na razão
430
os fundamentos daqueles supostos, construindo os conceitos de
Ele é dividido em três componentes tidos como estrutura
"ação comunicativa" e "mundo-da-vida".
simbólica: cultura, sociedade e a pessoa. A cultura seriam os
O conceito de ação comunicativa pressupõem uma
conhecimentos acumulados os quais subsidiam a compreensão
atitude calcada na racionalidade caracterizada pela expressão
do mundo pelos atores. A sociedade sugere ordens que regulam
lingüística, que coloca à crítica as pretensões de validade
as relações no grupo social, legitimando-as. A pessoa se
através da intersubjetividade ao qual se dá. Ao contrário, a ação
compõe pela própria personalidade onde o sujeito age e fala de
instrumental estaria calcada em ações individuais, não-
acordo com sua competência.
comunicativas e dirigidas que caracteriza o isolamento de um
pretensão, ou seja, a subjetividade.
Assim, os dois conceitos ação comunicativa e mundo
da vida possuem uma relação de interdependência. O primeiro
O conceito de ação comunicativa pressupõe a
é o ato pelo qual as estruturas simbólicas do segundo - mundo
intersubjetividade, a saída de uma visão egocêntrica de mundo
da vida - são reproduzidas, garantindo a renovação do saber
e a entrada de uma relação entre sujeito e outro sujeito,
cultural através dos atos comunicativos, o entendimento mútuo,
sugerindo que estes, no ato da comunicação, cheguem a um
a coordenação das ações, a integração social e a formação da
entendimento quanto a pretensão de validade criticáveis.
personalidade individual. (Pinto, 1994:71)
Este
conceito
tem
como
objetivo
alcançar
E a escola como pode ser vista neste contexto?
entendimento. Mas este entendimento deve ser entendimento
Assinala Mühl (1998), que a escola é vista como um espaço
de algo no mundo, fruto do acúmulo de conhecimento ou
onde será desenvolvida a competência comunicativa. Por outro
mesmo do consenso cultural capitalizado que entendemos
lado, é sabido que esta organização não tem trabalhado no
como um pano de fundo desta situação. O mundo da vida é este
sentido de se afirmar como um espaço de ação comunicativa.
pano de fundo no qual se inserem os atores comunicativos e se
Ao contrário, ela tem se resumido ao administrativo, tem
realizam seus proferimentos situados espaço-temporalmente.
propiciado
a
apatia
de
professores
e
alunos,
atores
431
protagonistas neste cenário. Na verdade, é um mundo à parte,
Durante a escrita deste artigo defendeu-se a idéia de
não se identifica muito com as práticas sociais, permanece
que as relações de trabalho na escola básica estão pautadas em
fechada ao diálogo, transmitindo saberes fragmentados. Para
relações de poder, quando deveriam ser pautadas na
Habermas, isto se deve a racionalidade sistêmica assumida
democracia e que Habermas, com sua teoria da ação
pela escola. Esta tem assumido a razão instrumental, a razão
comunicativa poderia contribuir neste cenário. Mesmo no
que tenta controlar os pensamentos alheios, que tenta conduzir
Estado do Mato Grosso do Sul, onde as eleições diretas para
todos que lá estão à uma falsa cidadania.
diretor é algo já efetivado em Lei, não se percebe relações
Para trabalhar dentro dos pressupostos da ação
democráticas entre os atores do espaço escolar. Considera-se,
comunicativa, a ação deve assumir um trabalho que seja
portanto, importante enfatizar que para se ter a democratização
cooperativo e multidisciplinar, além disso, reconstruir a
nas relações de trabalho na escola são necessários a
relação teoria-prática num modelo segundo o qual a reflexão
viabilização
das questões práticas se torne inerente à teoria e vice-versa.
autoritarismo centralizado; 2) a diminuição da divisão de
Penso que se a escola pública adotasse esta pedagogia, poder-
trabalho que reforça as diferenças e o distanciamento em
se-ia ter outras relações de trabalho, relações que estejam
relação, principalmente a comunidade; 3) a eliminação do
voltadas para a construção da competência comunicativa em
binômio dirigente/dirigido; 4) a participação efetiva dos
detrimento da competência instrumental. Dito de outro modo,
diferentes
relações de trabalho que objetivam uma prática significativa
conscientizando a todos de que são atores da história que se faz
para todos.
no dia-a-dia. Nesse sentido, a escola poderá ser vista pelas
de
alguns
segmentos
elementos:
sociais
na
1)
a
tomada
extração
de
do
decisões,
classes trabalhadoras como um espaço vital na luta a favor da
Considerações finais
continuidade da vida. Para tanto, é relevante construir um
espaço onde não se pratica mentiras e omissões. Neste jogo, o
432
importante é esclarecer as possibilidades e limites de uma
responsabilidades para com a organização e o funcionamento
sociedade capitalista. A título de exemplificação, basta
da escola.
observar o corrente discurso em torno da educação para o
trabalho. Que trabalho? Eis uma questão séria e carente de
REFERÊNCIAS
debates na realidade brasileira.
Por outro lado, em busca da efetiva democratização
ARAGÃO, Lúcia Maria de Carvalho Razão comunicativa e
das relações de trabalho na escola é necessário lembrar que esta
teoria social crítica em Jürgen Habermas / Lúcia Maria de
se situa no âmbito de um Estado autoritário, que, no mínimo,
Carvalho Aragão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992
permite a participação controlada. Não devemos esquecer que o
Estado intervém diretamente na escola. A organização do
BARROSO, João. Autonomia e gestão das escolas. Editado
trabalho não é feita pelos trabalhadores do ensino. Este é um
pelo ministério da educação – Lisboa – 1996.
espaço onde a autonomia é definitivamente mal interpretada.
Diante disso é necessário criar um espaço onde seus
COHN, Gabriel. A teoria da ação em Habermas. In: Teorias da
trabalhadores o possuam, cooperativamente, como grupo. Este
ação em debate. São Paulo: Cortez, 1993.
é o caminho da autogestão da escola no Brasil. Acredita-se que
esta se constitui numa tarefa extremamente difícil e
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 7ªed., Rio de
problemática, mas esta instituição terá sentido tanto para
Janeiro, Civilização Brasileira/Graal, 1979.
alunos, como para pais, professores, diretores etc, se estes
experimentarem o autogoverno. Provavelmente ter-se-á uma
HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa:
prática onde todos os atores da unidade escolar estarão aptos a
complementos y estudios previos. Tradução de Manuel
tomarem decisões no local de trabalho e também, todos terão
Jiménez Redondo. Madrid: Ediciones Cátedra, 1989
433
Resende Pinto.
MÜHL, Eldon H. Modernidade, racionalidade e educação: a
reconstrução da teoria crítica por Habermas. In: A educação
Campinas, SP: UNICAMP, 1994 (Tese
Doutorado)
Petrópolis, 1998.
PRESTES, Nadja H. O polêmico debate da educação na
contemporaneidade: A contribuição Habermasiana. In: A educação
danificada: contribuições à teoria crítica da educação. Ed. Vozes –
Petrópolis, 1998.
NETTO, José Paulo. Nótula à teoria da ação comunicativa de
WEBER, Max. Economia e Sociedade. Brasília,
Habermas. In: Teorias da ação em debate. São Paulo: Cortez,
UnB, 1991.
danificada: contribuições à teoria da educação. Ed. Vozes –
1993.
20:30 às 21:30 hs. ENCERRAMENTO
NÓVOA, Antônio. (org). Para uma análise das instituições
escolares. In: As organizações escolares em análise, Lisboa,
Limites e Perspectivas
dom Quixote, 1995 - 2 Ed.
AD: Novos objetos, Novas Práticas Analíticas
PARO, Vitor Henrique. Administração escolar: introdução
Profa.
crítica. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1991, 5º ed.
(UNESP\ARARAQUARA)
PINTO, José Marcelino de Resende.
A AD como Teoria dos Textos
Administração e
liberdade: um estudo do Conselho de Escola à luz da teoria da
ação comunicativa de Jürgen Habermas / José Marcelino de
Dra.
Maria
do
Prof. Dr. Sírio Possenti (UNICAMP)
Rosário
Gregolin
434
i
N.T.: a tradução da citação foi colhida em Hegel, Georg Wilhelm Friedrich
(1990). Fenomenología do espírito. Parte II. Tradução de Paulo Meneses
com a colaboração de José Nogueira Machado, SJ. Petrópolis. Editora
Vozes, p.48 [508].
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