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Sonia Gomes PEREIRA
Quanto à sua atuação artística, sabemos um pouco mais. O conjunto de imagens
da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, que alguns autores
atribuíam erradamente a João Joaquim Alão, devem, na verdade, ser atribuído a
seu filho, Joaquim Alão. Faziam parte da Procissão das Cinzas, extinta em 1862, e
foram depois recolhidas ao Museu Sacro da Ordem, contíguo à igreja. Nesse ponto,
a informação de Mário Barata é bastante precisa:
“[...] Esse Museu Sacro [...] objetos, peças e imagens que faziam parte da tradicional
‘procissão das cinzas’, [...]. Ela deixou de sair às ruas em 1862 e várias das imagens de
roca conservadas, bem como ao menos 9 dos 10 andores são obras respectivamente do
escultor Joaquim Alves de Souza Alão e do entalhador Antônio de Pádua e Castro, feitas
na década de 40 do século passado [...]. Na primeira sala figuram ‘guião da procissão’,
de damasco de seda roxa com as iniciais da Ordem em prata dourada; pálio de filó roxo,
sanefas, laços dos andores, de veludo, sacolas para os ciriais; mantos de imagens de S. Luís,
Rei da França, e de Sta. Isabel, Rainha de Portugal; suportes de lanterna; varas do pálio
de talha dourada. No salão dos andores acham-se os que transportavam a Impressão das
Chagas (o mais pesado, conduzindo a imagem do Sr. Crucificado, existente, e uma de S.
Francisco de Assis, colocada noutro recinto) e respectivamente as imagens da Imaculada
Conceição, Sto. Antonio de Notto, Sta. Rosa de Viterbo, S. Roque, S. Guálter bispo, S. Luís
e Sta. Isabel, já referidas, e conjuntamente S. Lúcio e Sta. Bona (os bem casados)”47.
Mas o autor é bastante crítico na apreciação estética desse conjunto de obras:
“O estilo dos altares da Penitência [devidos Manoel de Brito e Francisco Xavier de Brito]
contrasta com o das peças da extinta Procissão das Cinzas, existentes no Museu de Arte Sacra
da igreja, as quais documentam a generalização do estilo neoclássico, também importando, no
Rio de Janeiro dos meados do século XIX, com sua rigidez e intencional frieza. Andores, laternas
e outros elementos desse novo gosto, conservados no Museu, causam, por isso, menor impacto
que a obra de talha feita cerca de um século antes, na própria igreja. As imagens de roca são em
geral dominadas pelo naturalismo estilístico disseminado no oitocentos, malgrado o dramatismo
que se acusa em uma ou outra delas”48.
No entanto, pelo menos na imagem do Cristo da Procissão das Cinzas (Fig. 5),
o que vemos é a longa duração do estilo barroco e das tipologias devocionais do
universo português colonial.
Acreditamos que a análise dessas três gerações de escultores da família Alão seja
exemplar do campo artístico brasileiro do século XIX. Ao contrário do que foi desenhado
por uma historiografia recente, tradição e modernidade, naquele momento, não formavam
necessariamente blocos estanques e em permanente conflito. Foram obrigadas a conviver
dentro da Academia, das igrejas, das escolas e das residências, num sistema conciliador,
em que os conflitos – mais intensos ou mais fracos – são, na maioria das vezes, muito mais
fomentados pelas disputas por um ainda exíguo território profissional para os artistas.
47 BARATA, Mario. Igreja da Ordem Terceira da Penitência do Rio de Janeiro. Fotos de Marcel Grutheret. Rio de Janeiro:
Agir, 1975, p.53.
op. cit., p. 70.
48 BARATA,
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