revista Liberdades.
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| Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais | nº 18 – janeiro/abril de 2015 | ISSN 2175-5280 |
Expediente | Apresentação | Entrevista | Spencer Toth Sydow entrevista Luis Ernesto Chiesa | Artigos | Globalização e o Direito Penal |
Carlo Velho Masi | Voltaire de Lima Moraes | A independência judicial e o inconsciente do julgador: um diálogo (im)possível? | Bruno
Seligman de Menezes | Algumas indagações sobre a desnecessidade da proibição de extraditar em casos de crimes políticos: seria o
terrorismo um crime político? | Gabriela Carolina Gomes Segarra | A perspectiva psicanalítica do crime e da sociedade punitiva |
Carlos Eduardo da Silva Serra | Labelling Approach: o etiquetamento social relacionado à seletividade do sistema penal e ao ciclo da
criminalização | Raíssa Zago Leite da Silva | El discurso de los menores bajo medida judicial | Concepción Nieto Morales | História |
O pensamento de Enrico Ferri e sua herança na aplicação do direito penal no Brasil contemporâneo | Maria Paula Meirelles Thomaz de
Aquino | Resenha de Livro |“Um preço muito alto: a jornada de um neurocientista que desafia nossa visão sobre as drogas”, de Carl
Hart | Roberto Luiz Corcioli Filho
expediente
sumário
apresentação
entrevista
Expediente
Diretoria da Gestão 2015/2016
Diretoria Executiva
Conselho Consultivo
Presidente:
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Carlos Vico Mañas
Ivan Martins Motta
Mariângela Gama de Magalhães Gomes
Marta Saad
Sérgio Mazina Martins
1º Vice-Presidente:
Alberto Silva Franco
2º Vice-Presidente:
Cristiano Avila Maronna
Ouvidor
1º Secretário:
Fábio Tofic Simantob
Yuri Felix
Colégio de Antigos Presidentes e Diretores
2ª Secretária:
Eleonora Rangel Nacif
1ª Tesoureira:
Fernanda Regina Vilares
2ª Tesoureira:
Cecília de Souza Santos
Diretor Nacional das
Coordenadorias Regionais e
Estaduais:
Carlos Isa
história
resenha de
livro
Publicação do
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
e

artigos
Alberto Silva Franco
Alberto Zacharias Toron
Carlos Vico Mañas
Luiz Flávio Gomes
Mariângela Gama de Magalhães Gomes
Marco Antonio R. Nahum
Marta Saad
Maurício Zanoide de Moraes
Roberto Podval
Sérgio Mazina Martins
Sérgio Salomão Shecaira
Coordenação da
Coordenador-Chefe:
Roberto Luiz Corcioli Filho
revista Liberdades.
Coordenadores-Adjuntos:
Alexandre de Sá Domingues, Giancarlo Silkunas Vay, João Paulo
Orsini Martinelli, Maíra Zapater, Maria Gorete Marques de Jesus e
Thiago Pedro Pagliuca Santos.
Conselho Editorial:
Alexandre Morais da Rosa, Alexis Couto de Brito, Amélia Emy
Rebouças Imasaki, Ana Carolina Carlos de Oliveira, Anderson Bezerra
Lopes, André Adriano do Nascimento Silva, André Vaz Porto Silva,
Antonio Baptista Gonçalves, Bruna Angotti, Bruno Salles Pereira
Ribeiro, Camila Garcia, Carlos Henrique da Silva Ayres, Christiany
Pegorari Conte, Cleunice Valentim Bastos Pitombo, Daniel Pacheco
Pontes, Danilo Dias Ticami, Davi Rodney Silva, Décio Franco David,
Eduardo Henrique Balbino Pasqua, Fábio Lobosco, Fábio Suardi D’
Elia, Francisco Pereira de Queiroz, Fernanda Carolina de Araujo Ifanger,
Gabriel de Freitas Queiroz, Gabriela Prioli Della Vedova, Giancarlo
Silkunas Vay, Giovani Agostini Saavedra, Humberto Barrionuevo
Fabretti, Janaina Soares Gallo, João Marcos Buch, João Victor Esteves
Meirelles, Jorge Luiz Souto Maior, José Danilo Tavares Lobato, Leonardo
Smitt de Bem, Luciano Anderson de Souza, Luis Carlos Valois, Marcel
Figueiredo Gonçalves, Marcela Venturini Diorio, Marcelo Feller, Maria
Claudia Girotto do Couto, Matheus Silveira Pupo, Maurício Stegemann
Dieter, Milene Maurício, Rafael Serra Oliveira, Renato Watanabe de
Morais, Rodrigo Dall’Acqua, Ryanna Pala Veras e Yuri Felix.
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livro
Expediente.........................................................................................................................2
e
Apresentação....................................................................................................................5
Entrevista
Spencer Toth Sydow entrevista Luis Ernesto Chiesa..............................................................................7
Artigos
Globalização e o Direito Penal...............................................................................................................16
Carlo Velho Masi e Voltaire de Lima Moraes
A independência judicial e o inconsciente do julgador: um diálogo (im)possível?.........................44
Bruno Seligman de Menezes
Algumas indagações sobre a desnecessidade da proibição de extraditar
em casos de crimes políticos: seria o terrorismo um crime político?..................................................59
Gabriela Carolina Gomes Segarra
A perspectiva psicanalítica do crime e da sociedade punitiva.........................................................79
Carlos Eduardo da Silva Serra
Labelling Approach: o etiquetamento social relacionado à seletividade do
sistema penal e ao ciclo da criminalização.........................................................................................101
Raíssa Zago Leite da Silva
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resenha de
livro
El discurso de los menores bajo medida judicial.................................................................................110
Concepción Nieto Morales
História
O pensamento de Enrico Ferri e sua herança na aplicação do direito penal
no Brasil contemporâneo.......................................................................................................................127
Maria Paula Meirelles Thomaz de Aquino
Resenha de Livro
“Um preço muito alto: a jornada de um neurocientista que desafia nossa
visão sobre as drogas”, de Carl Hart.....................................................................................................152
Roberto Luiz Corcioli Filho
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Apresentação
Inicia-se 2015. No ano que passou as edições da Revista Liberdades trouxeram textos que sempre nos provocaram
a reflexão. A primeira edição do novo ano, creio, conseguirá manter a linha.
Iniciamos com uma entrevista repleta de pontos polêmicos. Concedida pelo professor da Universidade de Nova
Iorque, Luis Ernesto Chiesa, a Spencer Toth Sydow, o entrevistado revela a importância de seus mestres George Fletcher
e Francisco Muñoz Conde, em uma formação em Direito Penal que reúne as visões continental e anglo-saxã sobre a
matéria. Fornece detalhes da analogia em Direito Penal possível no direito americano e expõe sua polêmica posição
determinista do agir humano.
Entre os artigos, Carlo Velho Masi e Voltaire de Lima Moraes retomam a Globalização, criminalidade internacional
e política criminal. Após uma abordagem histórica e teórica da globalização e duvidar de sua linearidade, preocupam-se
com seus efeitos sobre a produção em matéria penal.
Nesta edição, duas expedições sobre uma ciência sempre presente e pouco penetrada pelos operadores do Direito.
No primeiro artigo, Bruno Seligman de Menezes adentra no diversificado e fascinante mundo da psicologia para, à
luz do pensamento Freudiano, investigar a imparcialidade judicial.
Carlos Eduardo da Silva Serra, analisando correntes psicológicas diversas, investiga suas influências nas teorias
criminológicas sobre o delito e a culpa.
Gabriela Carolina Gomes Segarra discute o instituto da extradição e a diferenciação entre crimes comuns e crimes
políticos. Em especial a discussão gira em torno da dificuldade de conceituação do “político” que qualifica o delito e da
evidente preocupação com a classificação do terrorismo naquela categoria.
De forma direta e didática, Raíssa Zago Leite da Silva apresenta o labelling Approach, em um texto que tem como
maior mérito a fluidez e brevidade das ideias em, após descrever a teoria, relacioná-la com a seletividade do sistema penal
e suas consequências mais evidentes.
A perene preocupação com a formação socioeducativa dos adolescentes submetidos a medidas judiciais é explanada
por Concepción Nieto Morales. Em seu texto, investiga as causas da criminalidade juvenil espanhola analisando aspectos
como família, escola, amigos e drogas, e as confronta com a legislação da Espanha sobre a matéria.
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Um preço muito alto é um livro de memórias escrito por Carl Hart. Roberto Luiz Corcioli Filho nos apresenta uma
resenha das memórias de um professor que ultrapassam a narrativa de fatos vividos e invadem um contexto de crítica
social sobre o tratamento das drogas e sua política proibicionista.
Na seção de história, Enrico Ferri, notório pensador positivista, é retratado por Maria Paula Meirelles Thomaz de
Aquino de forma cuidadosa e responsável. No texto, a autora consegue um retrato fiel e bem elaborado sobre as ideias
de Ferri, os institutos que auxiliou a criar e como tais contribuições afetaram e ainda afetam sistemas penais pelo mundo,
inclusive no Brasil. O Texto tem ainda outro mérito: foi produzido no seio do grupo de estudos avançados do instituto.
A primeira edição do ano marca também a passagem do cetro. Nas próximas edições, a revista contará com nova
coordenação, algo sempre necessário e salutar para sua sobrevivência. Certamente, a qualidade será superada e toda a
sorte é desejada ao trabalho que se inicia.
Boa leitura e um bom ano.
Alexis Couto de Brito
Coordenador-chefe da Revista Liberdades (gestão 2013-2014).
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Um preço muito alto: a jornada de um neurocientista que
desafia nossa visão sobre as drogas, de Carl Hart
Roberto Luiz Corcioli Filho
Graduado em Direito pela USP.
Conselheiro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).
Juiz de Direito em São Paulo.
Resumo: A presente resenha procura destacar alguns pontos tratados pelo livro Um preço muito alto, de Carl Hart, misto de
interessantes memórias com crítica sociológica e farmacológica a respeito do fenômeno do consumo de drogas e as políticas
voltadas à sua repressão. Seu autor cresceu em um ambiente marcado pela conhecida segregação racial americana e vivenciou a
escalada repressiva ao consumo de crack, tendo galgado o posto de professor titular dos departamentos de Psicologia e Psiquiatria da
Universidade Columbia, com um já destaque internacional no estudo dos efeitos de diversas drogas. Sua visão crítica a respeito da
política proibicionista, com suas práticas racistas e discriminatórias, pontuada com dados de interessantes pesquisas farmacológicas
e sociológicas a respeito do fenômeno, dá um brilho especial ao corajoso livro de memórias desse jovem intelectual americano.
Palavras-chave: Um preço muito alto; Carl Hart; Drogas; Proibicionismo; Criminologia; Racismo.
“Os intelectuais... que tiveram a coragem de expressar sua discordância muitas vezes pagaram um preço muito
alto.” A frase é de Tahar Bem Jelloun e foi uma das epígrafes escolhidas por Carl Hart, professor dos departamentos
de Psicologia e Psiquiatria na Universidade Columbia, para abrir o seu livro Um preço muito alto: a jornada de um
neurocientista que desafia nossa visão sobre as drogas (Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Zahar, 2014).
Trata-se de uma combinação de relato autobiográfico com a apresentação e discussão de pesquisas científicas e sua
relação – ou deliberada não relação – com as políticas públicas no campo das drogas ilícitas.
Carl Hart nasceu e foi criado em um bairro marginalizado de Miami, tendo assistido e vivenciado ele próprio as mais
variadas situações relacionadas à política proibicionista de drogas, difundidas pelos Estados Unidos ao resto do mundo
durante as últimas décadas.
Inegavelmente fascinante em razão do relato de uma trajetória incomum de um jovem negro marginalizado que
vem a se tornar um dos mais prestigiados estudiosos sobre o tema das drogas, o livro contém uma prévia advertência,
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com a qual o autor afirma reconhecer que “é fácil formular ideias inexatas quando se recorre apenas a casos de caráter
pessoal” (p. 9), de modo que deixa claro que procurou fundamentar suas análises e conclusões com o devido conhecimento
científico relativo ao tema – do que é prova o conjunto de notas ao final do volume.
Se é verdade que a imensa maioria dos leitores dessas Liberdades já está convencida da absoluta irracionalidade da
atual política mundial de drogas, ainda assim parece ser importante a divulgação, entre nós, de livros como o que aqui
se apresenta, e não apenas para que tenhamos cada vez mais subsídios a nos indicar o acerto da crítica que buscamos
construir, mas também para que possamos ter em mãos mais um excelente material de divulgação do tipo de conhecimento
que cultuamos, qual seja, aquele baseado em evidências científicas, e ainda assim desenvolvido de maneira perfeitamente
acessível e até atrativa para a parcela de público leiga que, no geral, é, por assim dizer, mais suscetível aos alarmismos e
a visões de pânico social que são ainda hoje disseminadas pela mídia (pelos políticos, autoridades policiais e judiciárias,
ou mesmo por diversos “especialistas”) no que diz respeito às drogas ilícitas.
Já sabemos que a chamada guerra às drogas é algo absolutamente pernicioso, inócua para enfrentar os reais
problemas ocasionados pelo uso abusivo de entorpecentes, ao mesmo tempo em que é, sem dúvida, perversamente danosa
especialmente àquela parcela da população já tão afetada por outras questões ligadas à marginalização. Isso sem sequer
aprofundar o debate acerca da autodeterminação do indivíduo.
O debate, inegavelmente, tem avançado. Bastante revelador que, no próprio berço da referida política proibicionista,
venham surgindo novas abordagens e disseminando-se questionamentos que eram inimagináveis tempos atrás. Certamente
vêm indicar uma possível futura guinada no tratamento legal mundialmente dado a certas drogas.
E o livro em questão vem cumprir muito adequadamente o papel de procurar fazer chegar ao público em geral
(infelizmente bastante limitado em nosso país em razão do baixíssimo hábito de leitura de nossa população, é verdade)
uma visão crítica que por ele pode vir a ser mais bem digerível do que aquelas já volumosas produções de viés mais
acadêmico disponíveis acerca do tema. Afinal, não é sempre que se pode encontrar um livro carregado, por assim dizer,
de uma abordagem tida por heterodoxa no meio social a respeito das drogas (e o mesmo valeria para qualquer outro tema)
em prateleiras de destaque de grandes redes de livrarias.
Um dos mais importantes jornais escritos do país, em recente editorial (A Justiça e o porte de drogas. O Estado de
S. Paulo, Opinião, 18 de julho de 2014), festejou uma decisão tomada pelo STJ no sentido de não se aplicar o princípio
da insignificância para o caso de porte de pequena quantidade de droga destinada para uso próprio. Os editorialistas
asseveraram, na linha da decisão comentada, que o porte e o consumo de drogas não seriam criminalizados apenas pelos
danos que causariam à saúde dos “dependentes. Acima de tudo, são proibidas por causa dos problemas que os viciados
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acarretam para a sociedade, uma vez que o consumo é a etapa final de uma extensa cadeia de atos criminosos, envolvendo
prostituição, homicídios, roubos e tráfico de armas” (grifamos).
Em primeiro lugar, o que leva tão importante veículo de mídia a generalizar, logo de cara, todo uso como um vício?
Carl Hart nos lembra que diversas pesquisas científicas (cujas fontes são devidamente reveladas) têm demonstrado
que o vício acomete apenas entre 10 e 25% dos que têm contato até mesmo com as drogas mais demonizadas na sociedade
atual, como o crack, por exemplo (p. 23).
Ora, mas se dados científicos (já amplamente divulgados) como tais forem usados pela mídia, como sustentar um
discurso de pânico social? E, afinal, por que se optar por tal discurso, mesmo contra a racionalidade científica, lembrando
que “fatores simples como bebida e drogas poucas vezes contam a história toda” (p. 22)?
Vincular as drogas (e seus usuários – notadamente se forem provenientes de classes sociais subalternas, se forem
negros) a “uma extensa cadeia de atos criminosos, envolvendo prostituição, homicídios, roubos e tráfico de armas” (algo
que é ainda afirmado por muitos sem que sequer surja uma face corada pelo despudor de se sustentar a mais elementar
ilogicidade, posto que se atribuem ao consumo de drogas os efeitos que decorrem, justamente, do proibicionismo que
vigora em relação a algumas delas) pode ser bastante conveniente para respaldar determinado perfil de Estado (autoritário,
truculento e excludente)...
O autor nos lembra que “o problema é que, ao estudar coisas como o vício, focalizamos os comportamentos
patológicos e ignoramos o que acontece nas condições comuns e normais. O uso de drogas, na maioria dos casos, não
leva ao vício” (p. 87). E mais. Ao revisitar seus anos de adolescência, ficava claro para o autor “que o crime nem sempre,
ou nem mesmo com frequência, era motivado por drogas, e muitas vezes não se relacionava a elas” (p. 112) – afirmação
de caráter pessoal devidamente embasada, de outro lado, cientificamente, com a apresentação das respectivas estatísticas
criminais dos EUA (p. 113-114).
Usar as evidências científicas e um discurso racional em prol das liberdades públicas e de uma abordagem mais
humana para questões igualmente humanas pode, evidentemente, não interessar para todos. Aí, conforme ilustra o editorial
supracitado, aqueles que o fazem são acusados de nada contribuir “para coibir os crescentes malefícios das drogas
nas escolas e nos lares”. Pagam um preço muito alto por, em tempos de espetáculos midiáticos e de debates políticos
condicionados por estratégias de marketing, procurarem analisar as coisas com olhar crítico, sob um viés racional e
pautado em evidências científicas, não temendo revelar o equívoco e até mesmo a sordidez de determinadas opções
políticas.
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Opções essas que têm propiciado no Brasil, por exemplo, a explosão de sua população carcerária, ostentando
atualmente o quarto lugar no mundo (com mais de meio milhão de pessoas no sistema carcerário), muito em razão do
recrudescimento na punição de traficantes (com o advento da Lei 11.343/2006), quase que exclusivamente pequenos
varejistas.
Fora os custos de se manter todo o sistema (calculados em R$ 1.300,00 mensais por preso, conforme dado da CPI do
sistema Carcerária, do já distante ano de 2009), a perversidade da chamada guerra às drogas tem tirado a vida de milhares
de jovens – e destruído a de um número muitíssimo maior. Citando um estudo canadense, o autor apresenta um dado
assustador como exemplo dos efeitos deletérios do etiquetamento criminal: adolescentes “que haviam recebido alguma
pena de detenção na adolescência tinham 37 vezes mais probabilidades de ser detidos quando adultos que os outros,
que, com crimes semelhantes, não haviam sido encarcerados na adolescência” (p. 135). E isso também nos serve para
advertir mais uma vez que não são as drogas que levam frequentemente ao crime, mas que, justamente, o processo de
criminalização de jovens marginalizados desde muito cedo (e em boa medida em razão da venda de reduzida quantidade
de drogas) pode ter um peso bastante significativo e determinante de impor novas criminalizações, destruindo quaisquer
possibilidades de empoderamento e emancipação. Afinal, “com ficha criminal e um vazio no currículo, fica ainda mais
difícil achar emprego” (p. 262).
A histórica cruzada contra as drogas nos Estados Unidos (e no resto do mundo, poderíamos dizer) tem escondido,
na verdade, uma posição de hostilidade contra as populações marginalizadas. “As medidas de proibição do uso de drogas
inevitavelmente eram antecedidas de uma cobertura noticiosa histérica, cheia de histórias assustadoras sobre o uso de
drogas entre minorias desprezadas, não raro imigrantes pobres” (p. 235).
E quanto ao consumo verdadeiramente problemático, aquele que acarreta mal ao usuário, se há uma prevalência
maior em populações pobres, tal apenas vem indicar que a grande questão está, antes, na própria marginalização, que não
permite às pessoas terem acesso aos chamados “reforços concorrentes”. “O status socioeconômico alto proporciona mais
acesso a empregos e fontes alternativas de significado, propósito, poder e prazer, além de melhor acesso aos cuidados de
saúde mental” (p. 261).
Segundo o autor, ao longo se seus anos de estudos com usuários frequentes de drogas, ficou cada vez mais claro para
ele “que nossos próprios preconceitos sobre a utilização de drogas e nossas políticas punitivas em relação aos usuários
faziam com que as pessoas que consomem drogas parecessem menos humanas e menos racionais. O comportamento
dos usuários sempre foi explicado em função das drogas, em primeiro lugar, e não considerado à luz de outros fatores
igualmente importantes do mundo social, como as leis relativas à toxicodependência” (p. 250). Com isso, e esquecendose “que a maioria das pessoas que usa qualquer substância ilegal faz isso sem problemas”, “o foco quase exclusivo
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nos efeitos negativos também colaborou para uma situação em que deparamos com a meta indesejável e irrealista de
eliminar certos tipos de consumo a qualquer custo. Com demasiada frequência o preço é pago sobretudo por grupos
marginalizados” (p. 293).
O autor nos lembra que “nunca houve uma sociedade sem drogas, e provavelmente nunca haverá” (p. 205). Mas
também nos aponta ser possível sonhar com mais respeito aos direitos humanos, igualdade, autonomia, liberdade e
dignidade de cada cidadão, e a promoção de políticas públicas verdadeiramente calcadas em conhecimentos científicos
e racionais humanizadores – e não em discursos de pânico social que escondem propósitos inconfessáveis de se impor
maior exclusão àqueles já marginalizados.
Não parece ser otimismo exacerbado asseverar que há uma onda de mudanças a caminho. Certamente alguns anos
ainda serão necessários, mas o pensamento crítico cultivado por alguns está, pouco a pouco, permeando o sedimentado
discurso de senso comum, tão disseminado em matéria de drogas, até mesmo em instâncias de produção e difusão de
conhecimento, para além do universo dos meios de comunicação, da prática judicial e dos programas políticos dos
governos de praticamente todo o mundo.
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