Capítulo
1
Integração entre o
meio ambiente e o
desenvolvimento:
1972–2002
UNEP, Tom Nebbia, Ecuador, Topham PicturePoint
Símbolos
encontro
convenção
acidente
publicação
descoberta
ação legal
evento
internacional
nova direção
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mbora o meio ambiente sempre tenha sido
essencial para a vida, a preocupação com o
equilíbrio entre a vida humana e o meio ambiente só assumiu dimensões internacionais durante a
década de 1950. Nos anos seguintes, peças supostamente desconexas de um quebra-cabeças global
começaram a se encaixar de forma a revelar um mundo
com um futuro incerto.
Livros e artigos inovadores, como “Primavera
Silenciosa”, de Rachel Carson (Silent Spring, Carson,
1962) e The Tragedy of the Commons (“A Tragédia
dos Bens Comuns”), de Garrett Hardin (Hardin, 1968),
quebraram paradigmas, motivando vários países e a
comunidade internacional em geral a agir. Uma série
de catástrofes jogou mais lenha na fogueira ambiental:
descobriu-se que a droga talidomida causa má-formação congênita em recém-nascidos, o navio Torrey
Canyon derramou petróleo ao longo da pitoresca costa
norte da França e cientistas suecos afirmaram que a
morte de peixes e outros organismos em milhares de
lagos da Suécia era resultado do longo alcance de
poluição atmosférica vinda da Europa Ocidental.
No final da década de 1960, as questões
ambientais eram uma preocupação quase que exclusivamente do mundo ocidental. Em países comunistas,
a destruição implacável do meio ambiente em nome da
industrialização continuava de forma incessante. Em
países em desenvolvimento, a preocupação com o meio
ambiente era vista como um luxo do Ocidente. “A pobreza é a pior forma de poluição”, afirmou a primeiraministra da Índia, Indira Ghandi, que desempenhou
um papel essencial no direcionamento da agenda da
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972, às
questões dos países em desenvolvimento (Strong,
1999). “Pensamos que, de todas as coisas do mundo,
A tragédia dos bens comuns
“A tragédia dos bens comuns como fonte de
alimentos pode ser evitada pela propriedade
privada, ou algo que se assemelhe formalmente a
isso. Mas o ar e as águas a nossa volta não podem
ser cercados de forma fácil, e assim, a tragédia do
uso dos bens comuns como fossa sanitária deve ser
evitada por outros meios, por leis coercitivas ou
impostos que façam com que seja menos
dispendioso para o poluidor tratar seus agentes
poluentes do que despejá-los sem tratamento no
meio ambiente.”
Fonte: Hardin, 1968
as pessoas são o que há de mais precioso”, afirmou
Tang Ke, chefe da delegação chinesa na Conferência
de Estocolmo (Clarke e Timberlake, 1982).
No início da década de 1970, a atenção se concentrou no meio ambiente biofísico, em questões como
as relacionadas ao manejo da fauna e da flora silvestres, a conservação do solo, poluição da água, degradação da terra e desertificação – e o homem era considerado a causa principal desses problemas. No Ocidente, havia (e de certa forma ainda há) duas grandes
escolas de pensamento sobre as causas da degradação ambiental: uma culpava a ganância e a busca implacável pelo crescimento econômico; a outra responsabilizava o crescimento populacional. Como observou um comentarista, “a poluição contínua e a falta de
estabilidade da população são as ameaças reais à nossa maneira de viver e à própria vida” (Stanley
Foundation, 1971).
Essa visão foi resumida no estudo mais famoso da época, o modelo computadorizado sobre o futuro global, realizado pelo Clube de Roma, que atraiu a
atenção do mundo. O Clube de Roma era um grupo de
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INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
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INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
cerca de 50 homens (e mulheres) autodenominados “sábios” que se reunia regularmente na tentativa de endireitar o mundo, como fazia o grupo de cientistas do movimento Pugwash em relação à Guerra Fria. Publicado com
o título de “Limites do Crescimento” (The Limits to
Growth, Meadows e Meadows, 1972), o modelo do Clube de Roma analisava cinco variáveis: tecnologia, população, nutrição, recursos naturais e meio ambiente. A principal conclusão do estudo foi a de que, se as tendências
da época continuassem, o sistema global se sobrecarregaria e entraria em colapso até o ano 2000. Para que isso
não ocorresse, tanto o crescimento populacional quanto
o crescimento econômico teriam de parar (Meadows e
Meadows, 1972). Embora o estudo “Limites do Crescimento” tenha sido muito criticado, ele tornou pública
pela primeira vez a noção de limites externos – a idéia de
que o desenvolvimento poderia ser limitado pelo tamanho finito dos recursos terrestres.
A década de 1970: a base do
ambientalismo moderno
Princípios da Declaração de Estocolmo
1. Os direitos humanos devem ser defendidos; o apartheid e o
colonialismo devem ser condenados
2. Os recursos naturais devem ser preservados
3. A capacidade da Terra de produzir recursos renováveis deve ser
mantida
4. A fauna e a flora silvestres devem ser preservadas
5. Os recursos não-renováveis devem ser compartilhados, não
esgotados
6. A poluição não deve exceder a capacidade do meio ambiente de
neutralizá-la
7. A poluição danosa aos oceanos deve ser evitada
8. O desenvolvimento é necessário à melhoria do meio ambiente
9. Os países em desenvolvimento requerem ajuda
10. Os países em desenvolvimento necessitam de preços justos para as
suas exportações, para que realizem a gestão do meio ambiente
11. As políticas ambientais não devem comprometer o
desenvolvimento
12. Os países em desenvolvimento necessitam de recursos para
desenvolver medidas de proteção ambiental
13. É necessário estabelecer um planejamento integrado para o
desenvolvimento
14. Um planejamento racional deve resolver conflitos entre meio
ambiente e desenvolvimento
15. Assentamentos humanos devem ser planejados de forma a
eliminar problemas ambientais
16. Os governos devem planejar suas próprias políticas populacionais
de maneira adequada
17. As instituições nacionais devem planejar o desenvolvimento dos
recursos naturais dos Estados
18. A ciência e a tecnologia devem ser usadas para melhorar o meio
ambiente
19. A educação ambiental é essencial
20. Deve-se promover pesquisas ambientais, principalmente em
países em desenvolvimento
21. Os Estados podem explorar seus recursos como quiserem, desde
que não causem danos a outros
22. Os Estados que sofrerem danos dessa forma devem ser
indenizados
23. Cada país deve estabelecer suas próprias normas
24. Deve haver cooperação em questões internacionais
25. Organizações internacionais devem ajudar a melhorar o meio
ambiente
26. Armas de destruição em massa devem ser eliminadas
Fonte: Clarke e Timberlake, 1982
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Em 1972, o mundo era bem diferente do que é hoje. A
Guerra Fria ainda dividia a maior parte das nações mais
industrializadas, o período de colonização ainda não
havia chegado ao fim e, embora o e-mail acabasse de
ser inventado (Campbell, 1998), mais de duas décadas
se passariam antes que seu uso se tornasse comum. O
computador de uso pessoal ainda não existia, e o aquecimento global acabara de ser mencionado pela primeira vez (SCEP, 1970). Considerava-se que a principal ameaça à camada de ozônio seria proveniente de
uma vasta frota de aviões supersônicos, o que nunca
viria a se materializar. Embora empresas transnacionais
existissem e estivessem se tornando cada vez mais
poderosas, o conceito de globalização surgiria somente
3
INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
vinte anos depois. Na África do Sul, o apartheid ainda vigorava e, na Europa, o Muro de Berlim ainda
estava de pé.
O mundo do início da década de 1970 era, portanto, extremamente polarizado, e de várias maneiras.
Com esse pano de fundo, é surpreendente que a idéia
“Uma das nossas principais responsabilidades nesta Conferência é produzir
uma declaração internacional sobre o meio ambiente humano; um documento
sem uma obrigação legal, mas – esperamos – com autoridade moral, que
inspire nos homens o desejo de viver em harmonia uns com os outros e com
o seu meio ambiente.” — Professor Mostafa K. Tolba, chefe da Delegação do
Egito na Conferência de Estocolmo, diretor- executivo do PNUMA 1975-93
A origem do Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente
A Conferência de Estocolmo recomendou a criação de um pequeno
secretariado dentro da Organização das Nações Unidas como núcleo
para ação e coordenação de questões ambientais dentro do sistema
das Nações Unidas. Esse órgão foi criado ainda no ano de 1972, com o
nome de Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA),
comandado por um diretor-executivo cujas responsabilidades
incluíam:
dar apoio ao Conselho Administrativo do PNUMA;
coordenar programas ambientais dentro do sistema da
Organização das Nações Unidas;
prestar assessoria na formulação e implementação de programas
ambientais;
garantir a cooperação da comunidade científica, assim como de
outras comunidades profissionais de todas as regiões do mundo;
prestar assessoria sobre cooperação internacional na área de
meio ambiente; e
apresentar propostas relativas ao planejamento a médio e longo
prazos para programas das Nações Unidas na área de meio
ambiente.
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A missão do PNUMA hoje é “desempenhar o papel de líder e
incentivar parcerias na proteção do meio ambiente, inspirando,
informando e capacitando os países e as pessoas a melhorarem sua
qualidade de vida sem comprometer a das gerações futuras”.
1 9 7 6
de uma conferência internacional sobre o meio ambiente tenha sido até mesmo cogitada (pela Suécia, em
1968) e, mais ainda, que ela efetivamente tenha sido
realizada (em Estocolmo, em 1972). E é impressionante
que tal conferência tenha dado origem ao que posteriormente ficaria conhecido como o “espírito de compromisso de Estocolmo”, em que representantes de
países desenvolvidos e em desenvolvimento buscaram maneiras de conciliar os pontos de vista extremamente divergentes de cada um. A Conferência foi realizada na Suécia, que havia sofrido sérios danos em
milhares de seus lagos, em conseqüência de chuvas
ácidas resultantes da forte poluição atmosférica na
Europa Ocidental.
A Conferência das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente Humano
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em junho de 1972, foi o evento que transformou o meio ambiente em uma questão
de relevância internacional. A Conferência reuniu tanto países desenvolvidos quanto em desenvolvimento, mas a antiga União Soviética e a maioria de seus
aliados não compareceram.
A Conferência de Estocolmo produziu uma Declaração de 26 princípios e um Plano de Ação com 109
recomendações. Algumas metas específicas foram
estabelecidas: uma moratória de dez anos sobre a caça
comercial a baleias, a prevenção a derramamentos deliberados de petróleo no mar até 1975 e um relatório
sobre o uso da energia até 1975. A Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano e seus princípios constituíram o primeiro conjunto de “soft law“
(leis internacionais sem aplicação prática, apenas intencionais) para questões ambientais internacionais
(Long, 2000). Os princípios encontram-se parafraseados de forma livre no box da página 3.
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INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
A Conferência também instituiu o Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA – ver
box à esquerda) como “a consciência ambiental do
sistema da Organização das Nações Unidas”.
Pode-se dizer que vários dos marcos ambientais
da década de 1970 foram conseqüência direta de Estocolmo. É importante lembrar, no entanto, que a Conferência de Estocolmo foi por si só um reflexo do espírito da época, ou ao menos da visão de muitos no Ocidente. Isso posto, é instrutivo listar algumas das principais mudanças que se seguiram a Estocolmo:
Acordos ambientais multilaterais
•
•
1 9 7 8
A conservação da fauna e da flora silvestres foi uma
área em que governos e outros grupos de interesse
obtiveram sucessos notáveis durante a década de
1970. Isso foi o resultado de uma combinação de
ações legais em âmbito mundial que foram (e ainda
são) aplicadas em âmbito nacional com uma eficácia
variável. A base para alguns desses sucessos foi fundamentada em acordos ambientais multilaterais como
os seguintes:
•
•
•
1971: Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional especialmente como Habitat
de Aves Aquáticas (Ramsar);
1972: Convenção sobre a Proteção do Patrimônio
Mundial Cultural e Natural (Patrimônio Mundial);
1973: Convenção sobre o Comércio Internacional
das Espécies da Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção (CITES); e
1979: Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias de Animais Silvestres (CMS).
A Convenção de Ramsar
A Convenção de Ramsar é anterior à Conferência de
Estocolmo, já que foi aberta a assinaturas em 1971. A
Convenção, que entrou em vigor dois anos após a Convenção em Estocolmo, contava com 130 partes em dezembro de 2001. Ela foi desenvolvida principalmente a
partir de atividades realizadas por ONGs na década de
1960 preocupadas com a proteção dos pássaros e de
seu habitat. Embora o foco inicial da Convenção fosse
a conservação de aves aquáticas e de seus habitats,
hoje ela trata da qualidade da água, da produção de
alimentos, da biodiversidade geral e de todas as zonas
úmidas, incluindo zonas costeiras de água salgada.
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A Conferência expressou o direito das pessoas
de viverem “em um ambiente de qualidade que
permita uma vida com dignidade e bem-estar”. A
partir de então, várias organizações, incluindo a
Organização da Unidade Africana (OUA) e cerca
de 50 governos ao redor do mundo, adotaram instrumentos ou dispositivos constitucionais reconhecendo o meio ambiente como um direito humano fundamental (Chenje, Mohamed-Katerere e
Ncube, 1996).
Muitas legislações nacionais sobre o meio ambiente seguiram-se a Estocolmo. Entre 1971 e 1975,
31 importantes leis ambientais em âmbito nacional foram aprovadas em países da Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), em comparação com somente 4 no
período entre 1956 e 1960, 10 de 1960 a 1965 e 18
entre 1966 e 1970 (Long, 2000).
O meio ambiente passou a existir ou entrou na
lista de prioridades de várias agendas nacionais e
regionais. Por exemplo, antes da Conferência de
Estocolmo, havia apenas 10 ministérios do meio
ambiente no mundo; em 1982, cerca de 110 países
possuíam ministérios ou departamentos responsáveis por essa pasta (Clarke e Timberlake, 1982).
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INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
As partes são obrigadas a listar ao menos uma
zona úmida de importância, estabelecer reservas naturais, ter bom senso na utilização dessas áreas, incentivar o aumento de populações de aves aquáticas
em zonas úmidas apropriadas e fornecer informações
sobre a implementação de políticas relacionadas a essas zonas. Há hoje mais de 1.100 áreas, cobrindo 87,7
milhões de hectares, designadas como sítios Ramsar,
melhorando a conservação da fauna silvestre em diferentes regiões (Ramsar Convention Bureau, 2001).
“Todos os povos têm direito a um meio ambiente geral satisfatório, propício
ao seu desenvolvimento.” — Carta Africana dos Direitos Humanos e dos
Povos, 27 de junho de 1981
A Convenção do Patrimônio Mundial
A Convenção do Patrimônio Mundial, negociada em
1972, é administrada pela Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco). A Convenção contava com 161 Partes em
meados de 2001. Desde 1972, quando as Ilhas
Galápagos foram colocadas sob a égide da Unesco
como uma “universidade natural de espécies únicas”,
até dezembro de 2001, um total de 144 sítios em diferentes regiões haviam sido designados sítios de
patrimônio natural. Outros 23 sítios foram considerados como sendo de importância natural e cultural
(Unesco, 2001). O impacto da Convenção trouxe maior consciência sobre a importância desses sítios tanto para as atuais como para as futuras gerações. No
entanto, o derramamento de petróleo perto das Ilhas
A CITES
Durante a Conferência de Estocolmo, foi relatado que
mais de 150 espécies de aves e animais já haviam sido
exterminadas e que cerca de outras mil espécies se
encontravam ameaçadas de extinção (Comissão para
Estudar a Organização da Paz, 1972). Uma Comissão
da Organização das Nações Unidas recomendou a
imediata identificação de espécies ameaçadas de
extinção, a conclusão de acordos adequados, a criação de instituições que cuidassem da conservação da
fauna e da flora silvestres e a regulamentação do comércio internacional de espécies em perigo de extinção.
A recomendação da Comissão basicamente
endossava uma resolução, de 1963, de membros da
União Internacional para a Conservação da Natureza
(UICN), o que delineou a redação da Convenção CITES. A Convenção, que foi adotada em 1973 e entrou
em vigor dois anos depois, controla e/ou proíbe o
comércio internacional de espécies ameaçadas de
extinção, o que inclui cerca de 5 mil espécies animais e
25 mil espécies de plantas (CITES Secretariat, 2001).
Controvérsias em relação a espécies de maior destaque, como o elefante africano e as baleias, com freqüência desviam a atenção do que foi feito em prol de
outras espécies.
Outras realizações
Em termos de ações tangíveis, a Conferência de Estocolmo parece ter conseguido muito. Embora muitas
das suas 109 recomendações ainda não tenham sido
aplicadas, elas servem – hoje em dia tanto quanto an-
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“As pessoas não se satisfazem mais apenas com declarações. Elas exigem
ações firmes e resultados concretos. Esperam que, ao identificar um
problema, as nações do mundo tenham vitalidade para agir.” —
Primeiro-ministro sueco Olof Palme, cujo país sediou a Conferência de
Estocolmo, 1972
Galápagos no início de 2001, colocando várias espécies e seus habitats em perigo, mostra que os sistemas de
gestão ambiental talvez nunca cheguem a ser infalíveis.
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INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
Imagens Landsat do Rio Saloum, no Senegal, em 5 de novembro de 1972 (superior) e em 31 de
outubro de 1992 mostram quanto da floresta de mangue (áreas em vermelho escuro) desapareceu
em vinte anos, mesmo em uma área protegida.
Fonte: Landsat, 2001
•
O problema básico de hoje em dia não é o de uma
escassez material absoluta, mas sim de má distribuição e uso, do ponto de vista econômico e social.
A tarefa dos estadistas é orientar os países em
direção a um novo sistema mais capaz de satisfazer os limites internos das necessidades humanas
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tes – como metas importantes. De igual importância, no
entanto, foi o sucesso da Conferência na redução da
diferença entre os pontos de vista dos países desenvolvidos e dos em desenvolvimento. Uma primeira tentativa com tal objetivo havia sido feita em uma conferência em Founex, na Suíça, em 1969, e o Relatório de
Founex de junho de 1971 identificou o desenvolvimento e o meio ambiente como “dois lados da mesma moeda” (UNEP, 1981). O Comitê de Redação e Planejamento
para a Conferência de Estocolmo observou, em seu relatório de abril de 1972, que a “proteção ambiental não
pode ser usada como pretexto para que se desacelere o
progresso econômico de países emergentes”.
Outros avanços ocorreram em 1974, quando
foi realizado um simpósio de especialistas presidido
por Barbara Ward em Cocoyoc, no México. Organizado pelo PNUMA e pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD),
o Simpósio identificou os fatores sociais e econômicos que levam à deterioração ambiental (UNEP/
UNCTAD, 1974). A Declaração de Cocoyoc, o relatório formal publicado pelo Simpósio, influiu na mudança de atitude dos principais pensadores ambientais. O
que foi dito em Cocoyoc serviu como o primeiro parágrafo da “Estratégia de Conservação Mundial”,
publicada em 1980 (ver página 10) e foi reafirmado no
GEO-2000, de 1999: “Os impactos destrutivos combinados de uma maioria carente lutando para sobreviver e uma minoria rica consumindo a maior parte dos
recursos terrestres têm comprometido os próprios
meios que permitem a todas as pessoas sobreviver e
prosperar.” (UNEP/UNCTAD, 1974).
Outras afirmações feitas na Declaração de
Cocoyoc demonstram uma consciência sobre a dificuldade de se atender às necessidades humanas de
forma sustentável em um meio ambiente sob pressão:
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INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
A Declaração de Cocoyoc termina assim:
“O caminho à frente não se encontra no
desespero pelo fim dos tempos nem em um
otimismo fácil resultante de sucessivas soluções tecnológicas. Ele se encontra na
avaliação cuidadosa e imparcial dos ‘limites externos’, na busca conjunta por meios de alcançar os ‘limites internos’ dos direitos humanos fundamentais, na construção de estruturas sociais que expressem
esses direitos e no trabalho paciente de
elaborar técnicas e estilos de desenvolvimento que aprimorem e preservem o nosso patrimônio terrestre.”
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Essa visão do caminho a seguir refletiu-se
nas novas imagens detalhadas do planeta que surgiram na década de 1970 como resultado do lançamento do satélite Landsat em julho de 1972 pelos
Estados Unidos. Tais imagens foram sem dúvida
determinantes para a mudança de atitude das pessoas em relação ao estado do meio ambiente mun-
1 9 8 4
A década de 1980: definindo o
desenvolvimento sustentável
Os principais eventos políticos da década de 1980 foram o colapso do Bloco Oriental e o fim de um mundo
bipolarizado, construído sobre o equilíbrio de poderes entre o Ocidente, de um lado, e os países comunistas e seus respectivos aliados em países em desenvolvimento, de outro. As mudanças resultantes de
reformas e da Perestroika no Bloco Soviético seguiram-se a anos de um crescimento econômico aparentemente forte e enormes investimentos militares.
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dial. Infelizmente, as imagens fornecidas pelo
Landsat nos últimos trinta anos também mostram
que a atitude geral ainda não mudou o suficiente
(ver fotos da página 7).
Em termos de mudanças climáticas, a preocupação cada vez maior com o aquecimento global
(em 1896, o cientista sueco Svante Arrhenius havia alertado o mundo sobre o “efeito estufa”) levou à realização da primeira Conferência Mundial
sobre o Clima, em Genebra, em fevereiro de 1979
(Centre for Science and Environment, 1999). Durante a Conferência, chegou-se à conclusão de que
emissões antropogênicas de dióxido de carbono
podem causar efeitos a longo prazo sobre o clima.
O Programa Mundial do Clima (WCP) foi estabelecido no ano seguinte, proporcionando uma estrutura para cooperação internacional em pesquisas
e a base para a identificação de questões climáticas importantes ocorridas nas décadas de 1980 e
1990, como a destruição da camada de ozônio e o
aquecimento global.
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lo sem violar os limites externos dos recursos e do
meio ambiente do planeta.
Os seres humanos têm necessidades básicas: alimentação, abrigo, vestimentas, saúde, educação.
Qualquer processo de crescimento que não leve à
sua realização – ou pior, que a impeça – é uma
paródia da idéia de desenvolvimento.
Precisamos todos redefinir nossos objetivos, ou
novas estratégias de desenvolvimento, ou novos
modos de vida, incluindo um padrão mais modesto de consumo entre os ricos.
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INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
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Em 1990, ao
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pobreza.
Fonte: UNEP, Topham Picturepoint
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A situação era sensivelmente diferente em regiões
em desenvolvimento como a África, a Ásia Ocidental e a América Latina e o Caribe, onde a maioria dos
países registrou um aumento pequeno na renda
(UNCHS, 1996). A região subsaariana retrocedeu ainda mais, com a renda per capita caindo 1,2% ao ano
durante a década de 1980 (UN, 2000), devido a uma
combinação de fatores, incluindo fortes secas e termos comerciais desfavoráveis. Para vários países em
desenvolvimento, a década de 1980 ficou conhecida
1 9 8 6
como a década perdida. A começar pela crise da dívida que atingiu a América Latina em 1982, a situação
ficou especialmente difícil em países onde milhões
de pessoas se deslocaram por conta de guerras. O
número de refugiados passou de cerca de 9 milhões
de pessoas em 1980 para mais de 18 milhões no início
da década de 1990 (UNHCR, 2000).
Lidar com o ciclo da pobreza tornou-se um desafio em particular, uma vez que o crescimento
populacional nos países em desenvolvimento não só
continuou, como um número cada vez maior de pesAd
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A década perdida
1 9 8 7
INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
Carta Mundial da Natureza: princípios gerais
A viabilidade genética da Terra não deve ser comprometida; os
níveis populacionais de todas as formas de vida, silvestres e
domesticadas, devem ser ao menos suficientes para a sua
sobrevivência e, com essa finalidade, os habitats necessários devem
ser protegidos.
Todas as áreas do planeta, tanto terrestres quanto marítimas,
devem estar sujeitas a esses princípios de conservação; uma
proteção especial deve ser dada a áreas singulares, a amostras
representativas de todos os diferentes tipos de ecossistema e ao
habitat de espécies raras e ameaçadas de extinção.
Os ecossistemas e organismos, assim como os recursos terrestres,
marinhos e atmosféricos usados pelo homem, devem ser
manejados de forma a alcançar e manter uma produtividade
sustentável e em condições favoráveis, desde que não
comprometam a integridade dos outros ecossistemas ou espécies
com os quais coexistem.
A natureza deve ser protegida da degradação causada por guerras e
outras atividades hostis.
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Fonte: UN, 1982
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A Estratégia de Conservação Mundial
Os eventos mencionados acima confirmaram que as
questões ambientais são sistêmicas e que lidar com
elas requer estratégias a longo prazo, ações integradas e a participação de todos os países e todos os
membros da sociedade. Essa noção se refletiu na Estratégia de Conservação Mundial (World Conservation Strategy – WCS), um dos documentos mais
importantes que ajudaram a redefinir o ambientalismo
após a Conferência de Estocolmo. Lançada em 1980
pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), a Estratégia reconhece que a abordagem de problemas ambientais requer um esforço a longo prazo e a integração entre objetivos ambientais e
relacionados ao desenvolvimento.
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Medições relativas ao tamanho do buraco na camada
de ozônio realizadas por pesquisadores britânicos e
publicadas pela primeira vez em 1985 (Farnham,
Gardiner e Shanklin, 1985) causaram surpresa tanto
no mundo científico quanto na esfera política. O relatório Global 2000 reconheceu pela primeira vez que a
extinção das espécies ameaçava a biodiversidade como
componente essencial dos ecossistemas terrestres (US
Government, 1980). Como a interdependência entre o
meio ambiente e o desenvolvimento se tornava cada
vez mais óbvia, a Assembléia Geral das Nações Uni-
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Novas questões e novos desastres
das adotou a Carta Mundial da Natureza (World
Charter for Nature), chamando a atenção para o valor
intrínseco das espécies e dos ecossistemas (UN, 1982).
Além das novas descobertas, a década de 1980
também presenciou uma série de eventos catastróficos que marcou de forma permanente tanto o meio
ambiente quanto a compreensão da sua ligação com a
condição humana. Em 1984, um vazamento de gases
letais da fábrica Union Carbide deixou um saldo de 3
mil mortos e 20 mil feridos em Bhopal, na Índia
(Diamond, 1985). No mesmo ano, mais de um milhão
de pessoas morreram de fome na Etiópia. Em 1986, o
mundo presenciou o seu pior desastre nuclear quando um reator da usina nuclear de Chernobyl explodiu
na Ucrânia, república da União Soviética. O derramamento de 50 milhões de litros de petróleo no Canal
Príncipe William, no Alasca, causado pelo petroleiro
Exxon Valdez em março de 1989, mostrou que nenhuma área, por mais remota e “intacta” que seja, está a
salvo do impacto causado pelas atividades humanas.
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soas carentes passou a residir em centros urbanos.
Com o aumento da população urbana, a infra-estrutura física das cidades começou a ficar sobrecarregada e
sem condições de atender à demanda.
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INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
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“A década atual (1980) tem sido marcada por
um retrocesso das preocupações sociais. Cientistas chamam a nossa atenção em relação
a problemas urgentes e complexos que dizem respeito à nossa sobrevivência: o aquecimento global, ameaças à camada de ozônio
da Terra, desertos avançando sobre terras
cultiváveis. preparadas para lidar com eles.
Respondemos exigindo mais detalhes e passando os problemas a instituições mal preparadas para lidar com eles” (WCED, 1987).
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No entanto, passar a mensagem de que o meio ambiente e o desenvolvimento são interdependentes
requeria um processo que tivesse autoridade e credibilidade em ambos os hemisférios, em governos e
no setor empresarial, em organizações internacionais e na sociedade civil. Em 1983, a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CMMAD), também conhecida como a Comissão
Brundtland, foi criada para realizar audiências ao
redor do mundo e produzir um relatório formal com
suas conclusões.
O relatório foi publicado após três anos de
audiências com líderes de governo e o público em
geral no mundo todo sobre questões relacionadas ao
meio ambiente e ao desenvolvimento. Reuniões públicas foram realizadas tanto em regiões desenvolvidas quanto nas em desenvolvimento, e o processo
possibilitou que diferentes grupos expressassem seus
pontos de vista em questões como agricultura, silvicultura, água, energia, transferência de tecnologias e
desenvolvimento sustentável em geral. O relatório final da Comissão, intitulado “Nosso Futuro Comum”
(Our Common Future), definiu o desenvolvimento
sustentável como sendo “o desenvolvimento que
atende às necessidades das gerações presentes sem
comprometer a capacidade de gerações futuras de
suprir suas próprias necessidades”, tornando-se parte do léxico ambiental (CMMAD, 1987).
A Comissão enfatizou problemas ambientais
como o aquecimento global e a destruição da camada
de ozônio, conceitos novos para a época, e expressou
preocupação em relação ao fato da velocidade das mudanças estar excedendo a capacidade das disciplinas
científicas e de nossas habilidades atuais de avaliar e
aconselhar. A Comissão concluiu que os arranjos
institucionais e as estruturas de tomada de decisões
existentes, tanto em âmbito nacional quanto no internacional, simplesmente não comportavam as demandas do desenvolvimento sustentável (WCED, 1987).
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Comissão Mundial sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD)
“Esse é o tipo de desenvolvimento que proporciona melhorias reais na
qualidade da vida humana e ao mesmo tempo conserva a vitalidade e a
diversidade da terra. O objetivo é um desenvolvimento que seja sustentável.
Hoje isso pode parecer visionário, mas é um objetivo alcançável. Para um
número cada vez maior de pessoas, essa também parece ser a única opção
sensata.” — Estratégia de Conservação Mundial – IUCN, UNEP e WWF, 1980
e
A Estratégia sugeriu que os governos das diferentes partes do mundo criassem suas próprias estratégias nacionais de conservação, de acordo com
um dos objetivos da Conferência de Estocolmo, o de
incorporar o meio ambiente ao planejamento do desenvolvimento. Desde 1980, mais de 75 países iniciaram estratégias multissetoriais nos níveis nacional,
estadual e local (Lopez Ornat, 1996). Essas estratégias
são destinadas a tratar de problemas ambientais como
a degradação da terra, a conversão e a perda de habitat,
o desmatamento, a poluição da água e a pobreza.
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INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
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Painel Intergovernamental de Mudanças
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Em 1989, o Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas (IPCC, em inglês) foi criado com três grupos de trabalho concentrados na avaliação científica
das mudanças climáticas, nos impactos ambientais e
socioeconômicos e em estratégias de resposta, antecipando os vários desafios a serem enfrentados pela
humanidade no início da última década do milênio. O
IPCC, criado pelo PNUMA e pela Organização
Meteorológica Mundial (OMM), ajudou a se chegar a
um consenso sobre a ciência, os impactos sociais e as
melhores respostas ao aquecimento global resultante
da ação humana. O IPCC contribuiu muito para a compreensão pública dos perigos do aquecimento global,
de
Envolvendo outros atores
Seguindo-se aos acidentes industriais da década de
1980, a pressão sobre grandes empresas aumentou.
Em 1984, o PNUMA participou da organização da
Conferência Mundial da Indústria sobre a Gestão do
Meio Ambiente (WICEM), e no mesmo ano o setor
químico do Canadá criou o programa Atuação Responsável (Responsible Care), uma das primeiras tentativas de se proporcionar um código de conduta para
uma gestão ambiental saudável no setor empresarial.
Ao final da década, o conceito de ecoeficiência estava sendo introduzido na indústria como uma forma
de, simultaneamente, reduzir o impacto ambiental e
aumentar a rentabilidade. Embora esses interesses em
geral não fossem compartilhados por empresas que
tinham base em países em desenvolvimento, já se debatiam as implicações da migração de indústrias para
“paraísos de poluição” no Hemisfério Sul.
Ficou claro que um número cada vez maior de
atores teria de lidar com as dimensões ambientais de
atividades que anteriormente não eram vistas como tendo implicações ambientais, e houve um crescente interesse acadêmico sobre o assunto. O meio ambiente e o
desenvolvimento tornaram-se matérias legítimas de estudo em disciplinas sociais e naturais já estabelecidas,
e novas disciplinas foram criadas para lidar com questões multidisciplinares. Economia ambiental, engenharia ambiental e outras matérias anteriormente periféri-
cas passaram a ser campos de estudo legítimos e reconhecidos, desenvolvendo suas próprias teorias, mas
também provando sua validade em contextos reais.
O meio ambiente e a sustentabilidade ainda não
figuravam muito nos princípios e especialmente na
prática de assistência bilateral. Um dos primeiros sinais de mudança foi a instituição de um Comitê de
Ajuda ao Desenvolvimento em 1987 pela OCDE, responsável por estabelecer critérios para a integração
do meio ambiente e do desenvolvimento em programas de assistência ao desenvolvimento.
A conclusão do Protocolo de Montreal em 1987
foi considerada como um modelo promissor de cooperação entre os hemisférios norte e sul, os governos
e o setor empresarial, no tratamento de questões
ambientais globais. Lidar com a destruição da camada
de ozônio, no entanto, mostrou ser menos complicado do que lidar com outras questões ambientais que
se apresentariam na década de 1980, mais especificamente as mudanças climáticas.
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Assim foi semeado um maior envolvimento com
questões relacionadas ao meio ambiente e ao desenvolvimento. Como sinal do fortalecimento do setor
não-governamental, várias organizações novas foram
formadas. Na Europa, partidos verdes ingressaram na
arena política, e a associação a organizações ambientais
de base cresceu rapidamente.
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12
INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
em especial nos países industrializados. Em vários
países em desenvolvimento, onde os estudos sobre o
clima são raros e praticamente não há especialistas no
tema, as mudanças climáticas não são vistas da mesma
forma. Essa situação levou algumas organizações dessas regiões a protestarem contra “uma enorme
disparidade entre a participação dos hemisférios norte
e sul. ... Países do hemisfério sul não possuem programas nacionais coordenados sobre o clima, contam com
poucos climatologistas, e praticamente não detêm nenhum dado para elaborar projeções climáticas a longo
prazo” (Centre for Science and Environment, 1999).
“Os povos indígenas são a base do que poderia ser chamado de sistema de
segurança ambiental. Para muitos de nós, no entanto, os últimos séculos
significaram uma grande perda de controle sobre nossas terras e águas.
Ainda somos os primeiros a sentir as mudanças no meio ambiente, mas
agora somos os últimos a ser questionados ou consultados sobre o assunto.”
— Louis Bruyère, presidente do Native Council do Canadá, audição pública
da CMMAD, Ottawa, Canadá, Maio de 1986
iniciativa legal que compreende várias questões marítimas, incluindo a proteção ambiental. As suas cláusulas ambientais incluem:
•
Acordos ambientais multilaterais
Alguns dos Acordos Ambientais Multilaterais (Multilateral Environmental Agreements – MEAs) mais
importantes da década de 1980 são os seguintes:
•
•
•
a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito
do Mar (CNUDM), de 1982;
o Protocolo de Montreal sobre Substâncias que
Destroem a Camada de Ozônio, de 1987
(implementando a Convenção de Viena para a
Proteção da Camada de Ozônio, de 1985); e
a Convenção da Basiléia para o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação (Convenção da Basiléia), de 1989.
Direito do Mar
•
•
•
•
a extensão do direito de soberania sobre recursos
marinhos, como peixes, a uma zona econômica
exclusiva (ZEE) de 200 milhas náuticas;
a obrigação de adotar medidas para gerir e conservar os recursos naturais;
o dever de cooperar regional e globalmente em
aspectos como a proteção ambiental e pesquisas
relativas a essa proteção;
o dever de reduzir ao mínimo a poluição marinha,
incluindo aquela gerada em terra; e
restrições a despejo de dejetos no mar por navios.
O Protocolo de Montreal
O Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio implementa a Convenção
de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio. O
Protocolo, que entrou em vigor em 1989 e em dezembro de 2001 já contava com 182 Partes, é um dos exemplos mais bem-sucedidos de cooperação internacional sobre o meio ambiente. O sucesso do Protocolo é
em parte resultado do Fundo Multilateral criado como
um incentivo à participação de países em desenvolvimento (UNEP, 2001a).
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Embora tenha sido assinada em 1982, a CNUDM só
veio a entrar em vigor doze anos depois, o que talvez
seja um indício da complexidade de se negociar um
MEA. A Convenção, que conta com 136 Partes, é uma
13
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INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
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A Convenção resultou das preocupações
em relação ao envio de despejos de países industrializados para regiões em desenvolvimento. Preocupados com tais envios para a África, Estados
Membros da Organização da Unidade Africana
(OUA) responderam com a Convenção Africana
sobre o Banimento da Importação e Controle do
Movimento e Gerenciamento de Resíduos Perigosos Transfronteiriços (Bamako), que entrou em
vigor em abril de 1998.
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reduzir os movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos;
minimizar a criação de tais resíduos; e
proibir seu envio a países que não possuam a
capacidade de eliminar os resíduos perigosos
de forma ecologicamente racional.
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•
•
•
A década de 1990 caracterizou-se pela busca por uma
melhor compreensão sobre o conceito e o significado
do desenvolvimento sustentável, paralelamente às
tendências crescentes em direção à globalização, especialmente no que diz respeito ao comércio e à
tecnologia. A convicção de que havia um número cada
vez maior de problemas ambientais no mundo que exigiam soluções internacionais se tornou mais forte. As
questões ambientais também adquiriam uma dimensão maior no hemisfério sul à medida que as organizações começaram a exigir diagnósticos e soluções para
países em desenvolvimento. O Centro Regional para
o Meio Ambiente foi criado na Hungria em 1990 para
tratar de questões ambientais na Europa Central póssoviética. Houve uma ação significativa por parte da
indústria privada no sentido de se “compatibilizar”
com as questões ambientais. Também houve um crescimento explosivo em relação ao uso da Internet e da
comunicação eletrônica.
A década começou mal para o meio ambiente,
com a perda de milhares de vidas na Guerra do Golfo,
em 1991, e um blecaute parcial em algumas áreas da
região quando milhões de barris de petróleo foram
propositadamente incendiados (Bennett, 1995). Para
a Ásia Ocidental, isso representou uma catástrofe
ambiental de grandes proporções. Avalia-se que a maré
negra causada pelo derramamento de entre 0,5 milhão
e 11 milhões de barris de petróleo bruto matou entre
15 mil e 30 mil aves aquáticas. Além disso, cerca de
20% dos manguezais do Golfo Pérsico foram contaminados, e 50% dos recifes de corais foram afetados
(Island Press, 1999). A atmosfera também não foi pou-
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A Convenção da Basiléia
A Convenção da Basiléia, que entrou em vigor em
1992 e contava com 149 Partes em dezembro de
2001, tem três objetivos principais:
A década de 1990: implementando o
desenvolvimento sustentável
do
As partes do Protocolo de Montreal devem
fornecer para o Secretariado, na forma de relatórios nacionais, dados estatísticos anuais sobre a
produção, importação e exportação das substâncias que destroem a camada de ozônio (SDO) controladas pelo Protocolo. Mais de 85% das partes
entregam relatórios com seus dados. A implementação do Protocolo foi reforçada e ampliada
de forma significativa através dos anos, por meio
das Emendas de Londres (1990), de Copenhague
(1992), de Montreal (1997) e de Beijing (1999)
(UNEP, 2000).
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14
INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
15
Bombeiros tentando
apagar um poço de
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no Kuwait em 1991.
Fonte: UNEP, Abdel
Saurad-Mali, Kuwait,
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na Índia (IFRC, 2000). Segundo informações da Federação
Internacional da Cruz Vermelha e Sociedades do Crescente Vermelho, pesquisa realizada em 1995 em 53 países revelou uma redução de 15% nas despesas com saúde por
pessoa, após ajustes econômicos estruturais.
Em 1997, já no final do século XX, cerca de 800
milhões de pessoas (quase 14% da população mundial) não só passavam fome como não sabiam ler ou
escrever, habilidades essenciais para o desenvolvimento sustentável (Unesco, 1997).
Em termos de gestão governamental, os eventos do final da década de 1980 continuavam a influen-
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pada: cerca de 67 milhões de toneladas de petróleo
foram queimadas, produzindo cerca de 2,1 milhões de
toneladas de fuligem e 2 milhões de toneladas de
dióxido de enxofre (Bennett, 1995).
Em outras regiões, embora o progresso tecnológico
transformasse a sociedade industrializada, poucos países
em desenvolvimento estavam se beneficiando com isso.
O número de mortes causadas por doenças infecciosas
(como Aids, malária, doenças respiratórias e diarréia) foi
160 vezes maior do que o número de pessoas mortas em
conseqüência de desastres naturais em 1999, incluindo
terremotos na Turquia, enchentes na Venezuela e ciclones
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INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
“A solução não pode implicar a interdição ao desenvolvimento daqueles
que mais precisam dela; o fato é que tudo o que contribui para o
subdesenvolvimento e a pobreza é uma violação patente à ecologia.”
— Presidente cubano Fidel Castro, Rio-92, 1992
ciar o desenvolvimento político em todo o mundo.
Nenhuma região ficou imune: as ditaduras e os regimes militares foram derrubados na África e na América Latina, e, em alguns países da Europa, governos de
partido único foram relegados à oposição por um eleitorado ávido por mudanças. As pessoas haviam começado a exercer seu direito de eleger seus líderes e
exigir prestação de contas. Embora radicais, essas
mudanças em relação aos regimes governamentais tiveram pouco impacto imediato sobre o meio ambiente
na maioria dos países. Nos países da antiga União
Soviética, no entanto, a recessão econômica ajudou a
diminuir as emissões poluentes e o consumo de energia. Resta saber se tais efeitos serão permanentes.
No âmbito institucional, as idéias que tomaram
forma no final da década de 1980, como a participação
de múltiplos grupos de interesse e uma maior
responsabilização em relação a questões ambientais e
sociais, ganharam maior dimensão com uma série de
eventos internacionais. O primeiro desses eventos foi
uma conferência ministerial sobre o meio ambiente realizada em Bergen, na Noruega, em maio de 1990, onde
tais idéias foram formalmente apoiadas pela primeira
vez. Essa conferência foi convocada como uma preparação para a Conferência das Nações Unidas para
Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida como Cúpula da Terra, ou Rio-92), realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro, Brasil.
pareceu à Rio-92 – 176 governos (UN, 1993), mais de
100 chefes de Estado, contra apenas dois que compareceram à Conferência de Estocolmo (Haas, Levy e
Parson, 1992), cerca de 10 mil delegados, 1.400 organizações não-governamentais (ONGs) e aproximadamente 9 mil jornalistas (Demkine, 2000). A Rio-92 ainda é a
maior reunião do gênero já realizada. Antes da Cúpula
propriamente dita, as preparações em âmbito nacional, sub-regional, regional e global também envolveram a participação de centenas de milhares de pessoas em todo o mundo, garantindo que suas vozes fossem ouvidas. Organizações regionais e sub-regionais,
como a Associação das Nações do Sudeste Asiático
(ASEAN), a Organização da Unidade Africana, a União
Européia e várias outras, desempenharam um papel
importante tanto antes quanto durante a Rio-92 e continuam a fazê-lo na implementação da Agenda 21, o
plano de ação que resultou da Conferência.
A Rio-92 produziu ao menos sete grandes
resultados:
•
•
•
•
•
•
a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (contendo 27 princípios);
a Agenda 21 – um plano de ação para o meio ambiente e o desenvolvimento no século XXI;
duas grandes convenções internacionais – a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e a Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB);
a Comissão de Desenvolvimento Sustentável
(CDS);
um acordo para negociar uma convenção mundial
sobre a desertificação; e
a declaração de Princípios para o Manejo Sustentável de Florestas.
A Cúpula da Terra, ou RIO-92
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Os Princípios do Rio reafirmaram as questões
que haviam sido formuladas em Estocolmo, vinte anos
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Um número sem precedentes de representantes de
Estado, da sociedade civil e do setor econômico com-
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INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
antes, colocando os seres humanos no centro das
preocupações relacionadas ao desenvolvimento sustentável, ao declarar que os seres humanos “têm o
direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia
com a natureza”.
A Rio-92 proporcionou um fórum para abordar questões relacionadas tanto ao meio ambiente
quanto ao desenvolvimento e para enfatizar os diferentes pontos de vista dos hemisférios norte e sul.
Após a Conferência, o desenvolvimento sustentável ganhou vida própria, impondo-se nas deliberações de organismos, desde conselhos municipais a
organizações internacionais. Mais de 150 países criaram instituições nacionais para desenvolver uma
abordagem integrada ao desenvolvimento sustentável – embora em alguns países os conselhos nacionais de desenvolvimento sustentável tivessem uma
natureza mais política do que substancial (Myers e
Brown, 1997). Uma grande variedade de setores da
sociedade civil tem hoje envolvimento com a criação
de agendas e estratégias. Mais de 90% deles foram
criados em decorrência da Rio-92, a maioria em países em desenvolvimento.
A ênfase dada ao desenvolvimento sustentável também teve um impacto considerável tanto em
instrumentos legais quanto nas instituições responsáveis por eles. A CITES, por exemplo, que já se afastava do enfoque clássico de conservação, direcionou
seu enfoque a uma abordagem que equilibra a conservação e o uso sustentável. A aplicação prática do uso
sustentável na CITES provocou um debate substancial e acalorado durante toda a década.
Agenda 21
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A Agenda 21 é um plano de ação parcialmente baseado em uma série de contribuições especializadas de
governos e organismos internacionais, incluindo a pu-
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17
“Independente das resoluções que se tomem ou se deixem de tomar em uma
conferência como essa, nenhuma melhoria ambiental genuína e duradoura
pode acontecer sem um envolvimento local em escala global.” — Presidente
da Islândia, Vigdís Finnbogadóttir, Rio-92, 1992
Agenda 21
A Agenda 21 estabelece uma base sólida para a promoção do
desenvolvimento em termos de progresso social, econômico e
ambiental. A Agenda 21 tem quarenta capítulos, e suas recomendações
estão divididas em quatro áreas principais:
Questões sociais e econômicas como a cooperação internacional
para acelerar o desenvolvimento sustentável, combater a pobreza,
mudar os padrões de consumo, as dinâmicas demográficas e a
sustentabilidade, e proteger e promover a saúde humana.
Conservação e manejo dos recursos visando o desenvolvimento,
como a proteção da atmosfera, o combate ao desmatamento, o
combate à desertificação e à seca, a promoção da agricultura
sustentável e do desenvolvimento rural, a conservação da
diversidade biológica, a proteção dos recursos de água doce e dos
oceanos e o manejo racional de produtos químicos tóxicos e de
resíduos perigosos.
Fortalecimento do papel de grandes grupos, incluindo mulheres,
crianças e jovens, povos indígenas e suas comunidades, ONGs,
iniciativas de autoridades locais em apoio à Agenda 21, trabalhadores e seus sindicatos, comércio e indústria, a comunidade
científica e tecnológica e agricultores.
Meios de implementação do programa, incluindo mecanismos e
recursos financeiros, transferência de tecnologias ambientalmente saudáveis, promoção da educação, conscientização pública e capacitação, arranjos de instituições internacionais,
mecanismos e instrumentos legais internacionais e informações
para o processo de tomada de decisões.
blicação “Cuidando do Planeta Terra: uma estratégia
para o futuro da vida” (Caring for the Earth: a Stratey
for Sustainable Living, IUCN, UNEP e WWF, 1991). A
Agenda 21 é hoje um dos instrumentos sem validade
legal mais importantes e influentes no campo do meio
ambiente, servindo como base de referência para o
manejo ambiental na maior parte das regiões do mundo (ver box acima).
18
INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
O custo de implementação da Agenda 21 em
países em desenvolvimento foi estimado pelo Secretariado da Cúpula da Terra como sendo de aproximadamente US$ 625 bilhões ao ano, com os países em
desenvolvimento cobrindo 80% do custo, ou seja, US$
500 bilhões. Esperava-se que os países desenvolvidos cobrissem os 20% restantes, ou cerca de US$ 125
bilhões por ano, cumprindo com a sua meta antiga de
consagrar 0,7% do seu produto nacional bruto (PNB)
à assistência oficial para o desenvolvimento (ODA).
Embora a Rio-92 se preocupasse com uma abordagem global, um resultado importante da Conferência foi a adoção de vários programas nacionais e regionais da Agenda 21 para o desenvolvimento sustentável. Na região da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), por exemplo, os Estados Membros adotaram a Política e Estratégia para
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da
SADC em 1996. A União Européia adotou o Quinto
Plano de Ação Ambiental “Em Direção à Sustentabilidade” (Towards Sustainability, EU, 1993).
O Fundo Mundial para o Meio Ambiente
O Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF) foi
criado em 1991 como uma parceria experimental entre
o PNUMA, o PNUD e o Banco Mundial para gerar
dividendos ecológicos a partir do desenvolvimento
local e regional, fornecendo subvenções e empréstimos a juros baixos para países em desenvolvimento e
economias em transição. Após a Rio-92, intencionavase que funcionasse como o mecanismo de financiamento da Agenda 21 e que mobilizasse os recursos
necessários. O Fundo ajuda a financiar projetos de
desenvolvimento em âmbito regional, nacional e global que beneficiem o meio ambiente mundial em quatro áreas básicas – mudanças climáticas, biodiversidade, camada de ozônio e águas internacionais – e
também economias e sociedades locais.
Depois do êxito da sua reestruturação em março
de 1994, o número de membros do GEF passou de 34 a
mais de 155 países, cujos representantes se reúnem na
Assembléia de Estados Participantes do GEF, o órgão
de supervisão geral do Fundo, a cada três anos.
O presidente e executivo principal do GEF,
Mohamed T. El-Ashry, reconhece que ainda é cedo
para avaliar o impacto dos mais de 220 projetos financiados pelo Fundo em termos de desenvolvimento
sustentável. A diferença entre as promessas feitas
pelos doadores e suas contribuições efetivas ao GEF
causou uma certa preocupação, especialmente em
países em desenvolvimento. Embora o compromisso
dos países desenvolvidos fosse o de contribuir com
0,7% do seu PNB para a ODA anualmente, esta só
recebeu 0,29% em 1995, o nível mais baixo alcançado
desde 1973 (GEF, 1997).
No entanto, fundações, indivíduos, grandes
empresas e heranças consagradas ao desenvolvimento sustentável deram um novo sentido à palavra “caridade”, contribuindo com um total de US$ 129 bilhões em 1994 (Myers e Brown, 1997). Estima-se que
essa quantia aumentou em 9% em 1995, alcançando
US$ 143,85 bilhões.
Acordos ambientais multilaterais
A Convenção-Quadro das Nações Unidas
sobre Mudança do Clima
A capacidade do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) de fornecer evidências de
que as mudanças climáticas significavam uma ameaça
real incentivou governos, durante a Rio-92, a assinar
a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). A Convenção tornou-se a
peça principal da Rio-92 e entrou em vigor em 1994;
em dezembro de 2001, já contava com 186 Partes. A
origem da Convenção remonta à Segunda Conferência Mundial sobre o Clima (1990), em que a declaração
ministerial foi a forma de se levar adiante a elaboração
de políticas e o estabelecimento de um Sistema Global
de Observação do Clima (GCOS).
O objetivo principal da UNFCCC é estabilizar
as emissões de gases de efeito estufa em um nível
que evite uma interferência antrópica perigosa no
clima global. O princípio de “responsabilidades diferenciadas, embora comuns” da Convenção orientou
a adoção de uma estrutura regulatória. Esse princípio reflete a realidade, ou seja, o fato de que os países industrializados são os maiores emissores de
gases de efeito estufa.
O Protocolo de Quioto, que estabeleceu metas
reais para a redução das emissões, foi aberto a assinaturas em 1997. Em dezembro de 2001, 84 Partes haviam
assinado e 46 haviam ratificado ou aderido ao Protocolo (UNFCCC, 2001). Uma exceção notável foi a posição dos Estados Unidos, que anunciou a sua decisão
de não ratificar o Protocolo no início de 2001.
Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB)
A CDB entrou em vigor em 1993. Foi o primeiro acordo
mundial para a conservação e o uso sustentável da
biodiversidade e serve como base para ações nacio-
INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
nais. A Convenção estabelece três objetivos principais: a conservação da diversidade biológica, o uso
sustentável dos seus componentes e a divisão justa e
eqüitativa dos benefícios provenientes do uso dos
recursos genéticos. Várias questões relativas à
biodiversidade são abordadas, como a preservação
de habitats, os direitos de propriedade intelectual, a
biossegurança e os direitos dos povos indígenas.
A Convenção é um marco importante no direito internacional, respeitada por sua abordagem
abrangente, com base na noção de ecossistemas para
a proteção da biodiversidade. O Tratado foi ampla e
rapidamente aceito – em dezembro de 2001, um total
de 182 governos já havia ratificado o acordo. Um acordo suplementar à Convenção, o Protocolo de
Cartagena sobre Biossegurança, foi adotado em janeiro de 2000 para tratar dos riscos em potencial causados pelo comércio transfronteiriço e pela liberação
acidental de organismos geneticamente modificados.
A adoção do Protocolo de Biossegurança é um sucesso para os países em desenvolvimento que o requisitaram. O Protocolo já havia sido assinado por 103 Partes e ratificado por 9 em dezembro de 2001. A CDB
também influenciou a decretação de uma lei que busca regulamentar os recursos genéticos nas nações
participantes do Pacto Andino – Bolívia, Colômbia,
Equador, Peru e Venezuela. A lei entrou em vigor em
O papel de países em desenvolvimento
nas negociações da CDB
Descontente com a versão inicial do CDB em
novembro de 1991, o Centro Sul, com sede em
Genebra, incitou os países em desenvolvimento a
rejeitar essa versão e insistiu que qualquer
negociação sobre a biodiversidade deve ser
associada a uma negociação sobre biotecnologia e,
de forma mais geral, aos direitos de propriedade
intelectual. Essa tendência de privatização do
conhecimento e dos recursos genéticos representa
uma séria ameaça ao desenvolvimento do
Hemisfério Sul e deve ser combatida.
julho de 1996 (Centre for Science and Environment,
1999). Apesar do sucesso da Convenção, as negociações que precederam a sua adoção foram em geral um
tanto quanto amargas (ver box).
A Convenção das Nações Unidas de
Combate à Desertificação
Embora as negociações só tivessem se completado
em 1994, o processo de elaboração da Convenção
das Nações Unidas de Combate à Desertificação
(CCD) teve início na Rio-92. No entanto, sua história
remonta à década de 1970. A Convenção entrou em
vigor em 1996 e contava com 177 partes em dezembro
de 2001. A CCD foi descrita como uma “enteada da
Rio-92” (Centre for Science and Environment, 1999),
porque não recebeu a mesma atenção que a UNFCCC
e a CDB. As nações industrializadas se opuseram à
CCD porque não se dispunham a aceitar nenhuma
responsabilidade financeira pela interrupção do processo de desertificação, que não é visto como um
problema mundial (Centre for Science and
Environment, 1999). Projeções indicaram que um esforço mundial de vinte anos para combater a
desertificação custaria de US$ 10 bilhões a US$ 22
bilhões por ano, mas os países financiadores contribuíram com uma quantia mísera de US$ 1 bilhão em
1991 para o controle da desertificação no mundo
(Centre for Science and Environment, 1999).
Embora a CCD receba um apoio financeiro
modesto em comparação à UNFCCC e à CDB, a convenção se distingue por dois motivos:
•
Durante as negociações, o Sul:
enfatizou a soberania nacional sobre os
recursos naturais;
pediu que a transferência de tecnologia aos
países em desenvolvimento fosse feita de forma
preferencial;
exerceu pressão para que a CDB tivesse
supremacia sobre outras instituições, como a
Organização Mundial da Propriedade Intelectual
(OMPI) e o Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio (GATT); e
pediu o desenvolvimento de um protocolo sobre
biossegurança.
Fonte: Centre for Science and Environment, 1999
•
Endossa e utiliza uma abordagem “de baixo para
cima” (bottom-up) em relação à cooperação mundial para o meio ambiente. Pelos termos da CCD,
as atividades relacionadas ao controle e à
mitigação da desertificação e de seus efeitos devem estar sintonizadas com as necessidades e a
participação de usuários locais das terras e de
organizações não-governamentais.
A Convenção possui anexos regionais detalhados, por vezes mais que o próprio corpo da Convenção. Esses anexos abordam as particularidades do problema da desertificação em regiões específicas como a África, a América Latina e o
Caribe e o Norte do Mediterrâneo (Raustiala, 2001).
O compromisso mais importante e central da
CCD é a obrigação de desenvolver “programas de ação
nacional” em conjunto com grupos de interesse locais. Esses programas delineiam as tarefas que as par-
19
20
INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
Mandato da Comissão de Desenvolvimento Sustentável
A CDS foi instaurada em dezembro de 1992 sob os auspícios do
Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. Composta por 53
membros eleitos com mandato de três anos, a Comissão se reúne
anualmente durante o período de duas a três semanas. A primeira
reunião realizou-se em junho de 1993. De forma geral, o papel da
Comissão é o de:
examinar o progresso alcançado em âmbito internacional,
regional e nacional na implementação de recomendações e
compromissos contidos nos documentos finais da UNCED
Agenda 21, Declaração do Rio Sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento e Declaração de Princípios sobre o Uso das
Florestas;
elaborar diretrizes e opções para atividades futuras como uma
continuação à UNCED e para alcançar o desenvolvimento
sustentável; e
promover o diálogo e formar parcerias para o desenvolvimento
sustentável com os governos, a comunidade internacional e os
principais grupos identificados na Agenda 21 como os atoreschave fora de administrações centrais que desempenham um
papel essencial na transição para o desenvolvimento sustentável.
Fonte: UN, 2001
“Aqui nos Estados Unidos, precisamos melhorar. Com 4% da população
mundial, produzimos 20% dos gases de efeito estufa do planeta. Então,
precisamos melhorar. E melhoraremos.” — Bill Clinton, presidente dos
Estados Unidos, Rio + 5, 1997
“É uma questão muito preocupante para a Índia que, cinco anos após a Rio92, haja um esforço visível para erodir a estrutura de parceria construída no
Rio – mais especificamente o princípio de responsabilidades diferenciadas,
embora comuns – com a demonstração de esforços voltados para aplicar
obrigações e responsabilidades iguais a atores desiguais.” — Professor Saifuddin
Soz, ministro indiano do Meio Ambiente e Florestas, Rio + 5, 1997
ticas econômicas, sociais e ambientais – uma exigência do desenvolvimento sustentável já expressa pela
Comissão Brundtland – continua a se colocar como
um desafio para instituições em todos os níveis.
Rio + 5
Cinco anos após a Rio-92, a comunidade internacional convocou uma nova cúpula chamada Rio + 5 para
rever os compromissos empreendidos no Rio de Janeiro em 1992. Durante o encontro, realizado em Nova
York, houve uma preocupação em relação à lenta
implementação da Agenda 21. A conclusão geral foi a
de que, embora um certo progresso houvesse sido
feito em relação ao desenvolvimento sustentável, várias das metas da Agenda 21 ainda estão longe de se
concretizar (UN, 1997).
Outras conferências internacionais
importantes
Os princípios do desenvolvimento sustentável foram
reafirmados ao longo da década de 1990 em várias
conferências internacionais, como por exemplo:
•
•
•
tes devem empreender na implementação da CCD. Por
exemplo, as partes devem fazer da prevenção à
desertificação uma prioridade em políticas nacionais e
devem promover a conscientização sobre esse problema entre seus cidadãos.
•
•
•
A Comissão de Desenvolvimento
Sustentável (CDS)
•
O estabelecimento da CDS em dezembro de 1992 foi
uma conseqüência direta da Rio-92. Embora a meta de
desenvolvimento sustentável tivesse sido
estabelecida na década de 1980, foi somente durante a
Rio-92 que um órgão internacional foi criado com o
mandato de supervisionar e ajudar a comunidade internacional a atingir essa meta (ver box). Apesar de
um grande passo, a Comissão foi criticada como sendo uma resposta fraca a problemas de capacidade
institucional, além de deparar-se com a apatia de ministros de Estado (Long, 2000). A integração de polí-
1993: Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada em Viena;
1994: Conferência Internacional sobre População
e Desenvolvimento, Cairo;
1994: Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, Bridgetown, Barbados;
1995: Cúpula Mundial para o Desenvolvimento
Social, Copenhague;
1995: Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, Beijing;
1996: Conferência Mundial das Nações Unidas
sobre os Assentamentos Humanos (HABITAT II),
realizada em Istambul; e
1996: Cúpula Mundial da Alimentação, Roma.
A participação de grupos de interesse no
desenvolvimento sustentável
Essa atividade internacional refletiu-se amplamente em
tentativas por parte do setor privado de melhorar o
seu desempenho ambiental. Tal ação foi motivada pela
criação do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD), em 1995, que
muito incentivou a indústria a examinar formas de
melhorar a rentabilidade diminuindo o desperdício de
recursos e de energia e reduzindo emissões. O WBCSD
INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
hoje conta com centenas de membros, dos quais vários conseguiram alcançar uma economia notável tanto
para si quanto para o meio ambiente (Rabobank
International, 1998). Em 1996, a Organização Internacional para Padronização criou um novo padrão voluntário para sistemas de manejo ambiental na indústria, a ISO 14.000 (International Organization for
Standardization, 2001).
Ao final da década, grandes empresas transnacionais haviam melhorado muito a sua imagem
ambiental; na realidade, o seu desempenho ambiental
foi em geral melhor do que o de várias empresas de
pequeno e médio portes (Kuhndt e Van der Lugt, 2000).
A elaboração de relatórios ambientais por parte de
grandes empresas também se tornou uma iniciativa
comum durante a década de 1990, e a iniciativa Global
Reporting Initiative – GRI foi criada para estabelecer
uma base comum para os relatórios voluntários sobre
o desempenho ambiental, econômico e social de uma
organização (GRI, 2001). O GRI busca elevar o nível
dos relatórios sobre o desenvolvimento sustentável
realizados por empresas ao mesmo patamar de
credibilidade, comparabilidade e consistência dos seus
relatórios financeiros.
A sociedade civil também teve um envolvimento ativo, principalmente em sua tentativa de criar
a Carta da Terra, que expressa os “princípios éticos
fundamentais para um modo de vida sustentável”.
Centenas de grupos e milhares de pessoas se envolveram na criação da Carta; embora a intenção inicial
fosse a de adotá-la durante a Rio-92, a Carta foi refinada em um processo liderado pelo Conselho da Terra e
pela Cruz Verde Internacional. A Carta está disponível
em 18 línguas no site da Internet do Secretariado (Earth
Charter, 2001).
Contudo, a sociedade civil não se limitou a campanhas como a da Carta da Terra, mas também organizou grandes manifestações em várias partes do mundo, muitas das quais contra a ameaça presumida da
globalização. Tais iniciativas são por si só um reflexo
do processo de globalização e do atual poder extraordinário da Internet, que passou por um crescimento
explosivo. Se em 1993 a World Wide Web (WWW) contava com apenas 50 páginas, ao final da década elas já
haviam se transformado em 50 milhões (UN, 2000),
mudando radicalmente a maneira pela qual várias pessoas vivem e trabalham – principalmente nos países
ricos e industrializados. Apesar do “custo baixo dos
elétrons”, ao final da década de 1990, 88% dos usuários da Internet viviam em nações industrializadas, que
conjuntamente representavam apenas 17% da população mundial (UNDP, 1999). Esta foi uma constatação
21
um tanto soturna do final da década de 1990: em ao
menos um ponto significativo, os pontos de vista e as
preocupações da maioria carente – apesar de toda a
retórica da década – ainda eram deixados de lado nas
discussões mundiais.
Tratado de Proibição Completa de Testes
Nucleares (CTBT)
A adoção, em 1996, do Tratado de Proibição Completa
de Testes Nucleares (CTBT) pela Assembléia Geral
das Nações Unidas em Nova York representou um
marco importante em termos de cooperação internacional com conseqüências para o meio ambiente. O
CTBT, que proíbe todos os testes nucleares em qualquer meio ambiente, foi aberto para assinaturas em
Nova York no dia 24 de setembro de 1996, quando foi
assinado por 71 Estados, incluindo as 5 potências
nucleares. Em agosto de 2001, 161 Estados haviam
assinado e 79 haviam ratificado o Tratado. Um plano
minucioso de verificação mundial está sendo desenvolvido pela Comissão Preparatória do CTBT para
quando o Tratado entrar em vigor, o que deve acontecer oitenta dias depois da sua ratificação pelos 44 Estados listados em seu Anexo 2, dos quais 31 já o haviam feito até agosto de 2001 (CTBTO, 2001).
“Os cinco anos passados desde a Rio-92 deixaram patente que as
transformações na estrutura política e econômica global não foram
acompanhadas pelos progressos necessários na luta contra a pobreza e
contra o uso predatório dos recursos naturais.” — Fernando Henrique
Cardoso, presidente do Brasil, cujo país sediou a Rio-92, Rio + 5, 1997
2000 e além: reexaminando a agenda
Apesar de vários contratempos, os últimos trinta anos
forneceram uma base sólida sobre a qual o desenvolvimento sustentável poderá ser implementado nas
próximas décadas. O clima predominante em círculos
ambientais é de um otimismo cauteloso em relação ao
progresso futuro em geral, embora haja muitos fatores
influentes desconhecidos, como as mudanças climáticas, que é o mais importante deles.
A renovação da conscientização e do
interesse ambiental
Em 2002, a conscientização e o interesse ambiental
foram estimulados pelas preparações para a Cúpula
Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável. Uma
série de outros fatores interessantes também pode ter
22
INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
impactos duradouros. Um deles é a maior disposição
por parte de grupos distintos de trabalhar em conjunto em prol de uma causa comum. O secretário-geral
das Nações Unidas, Kofi Annan, apoiou o estabelecimento do Pacto Global (ver box abaixo), que visa estabelecer uma sinergia entre o setor privado e três organismos das Nações Unidas – o PNUMA, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Escritório do
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (UN, 1999). Pela primeira vez, os princípios que tratam da proteção dos direitos humanos, de
leis de trabalho justas e da responsabilidade ambiental
serão abordados por esses organismos em um único
acordo internacional.
Produtos químicos
Há trinta anos, vários produtos químicos tóxicos e
persistentes eram considerados não somente como
recursos, mas como poluentes que afetavam a saúde
humana de forma negativa, especialmente quando se
acumulavam no topo da cadeia alimentar ou eram transportados por longas distâncias no mundo. Hoje, no
entanto, os produtos químicos são vistos como sendo ainda mais essenciais para o desenvolvimento e
como um recurso que precisa ser administrado de forma a proteger ou mesmo melhorar a saúde humana e o
meio ambiente. Esse manejo racional dos produtos
químicos se aplica tanto aos produtos antropogênicos
Princípios do Pacto Global
Direitos Humanos
Princípio 1: apoiar e respeitar a proteção dos direitos humanos
internacionais; e
Princípio 2: assegurar que as grandes empresas não sejam
cúmplices de violações aos direitos humanos.
Trabalho
Princípio 3: liberdade de associação e reconhecimento efetivo do
direito de negociação coletiva;
Princípio 4: a eliminação de todas as formas de trabalho forçado e
obrigatório;
Princípio 5: a abolição efetiva do trabalho infantil; e
Princípio 6: a eliminação da discriminação em termos de
emprego e ocupação.
Meio Ambiente
Princípio 7: apoiar uma abordagem preventiva às questões
ambientais;
Princípio 8: tomar iniciativas visando a promoção de uma maior
responsabilidade ambiental; e
Princípio 9: incentivar o desenvolvimento e a disseminação de
tecnologias ambientalmente saudáveis.
Fonte: UN, 1999
Convenção de Estocolmo sobre
Poluentes Orgânicos Persistentes
A Convenção sobre Poluentes Orgânicos
Persistentes cobre uma lista inicial de 12 produtos
químicos:
oito pesticidas aldrin, clordano, dicloro difenil
tricloretano (DDT), dieldrin, endrin,
heptacloro, mirex e toxafeno;
dois produtos químicos industriais bifenilas
policloradas (PCBs) e hexaclorobenzeno (que
também é um pesticida); e
dois subprodutos não-intencionais da
combustão e de processos industriais
(dioxinas e furanos).
Uma isenção relacionada a questões
sanitárias foi concedida até 2025 ao DDT, ainda
necessário a muitos países para o controle do
mosquito transmissor da malária. Os governos
também podem manter equipamentos existentes
que contenham PCBs de maneira que não haja
vazamentos, para que tenham tempo de substituílos. Os PCBs têm sido muito usados em
transformadores elétricos e outros tipos de
equipamento.
A Convenção também designa o Fundo
Mundial para o Meio Ambiente como o seu principal
mecanismo financeiro, de forma provisória, por
meio do qual os países desenvolvidos canalizarão
recursos novos e adicionais para ajudar países com
economias em transição e em desenvolvimento a
implementar suas obrigações. Ela também prevê
um processo de base científica, incorporando o
princípio de precaução, para examinar outros
produtos químicos que possam vir a ser
adicionados à lista anterior pela Conferência das
Partes.
Fonte: UNEP, 2001
quanto aos de origem natural, incluindo aqueles gerados por meio de processos biológicos.
A comunidade internacional recentemente
concluiu uma convenção importante para controlar
o uso de um grupo de componentes orgânicos tóxicos persistentes (ver box acima). Em dezembro de
2000, representantes de 122 governos finalizaram o
texto de um tratado com validade legal visando a
implementação de ações internacionais em relação a
certos poluentes orgânicos persistentes (POPs). A
Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, assinada em maio de 2001 e que
contava com 111 signatários e 2 Partes em dezembro
de 2001, estabelece medidas de controle sobre 12
produtos químicos. As disposições de controle pedem a eliminação da produção e do uso de POPs
produzidos intencionalmente e a eliminação de POPs
produzidos de forma não-intencional, quando for
possível (UNEP, 2001).
INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
Desde a Conferência de Estocolmo, a indústria de produtos químicos cresceu quase nove vezes, e estima-se que tenha um crescimento anual de
cerca de 3% durante as próximas três décadas, com
um aumento considerável no comércio (OECD,
2001). Isso aumentará o risco de exposição de um
número cada vez maior de pessoas e do meio ambiente a novos produtos químicos e o potencial de
emergência de novas doenças de origem química.
As informações sobre o despejo de produtos químicos no meio ambiente são de muito mais
fácil acesso do que antes. Os Estados Unidos saíram à frente nessa área, em especial com a publicação do Inventário de Emissões Tóxicas (Toxics
Release Inventory – TRI, 2001) promulgado por meio
da lei do planejamento de emergência e do direito
ao conhecimento da comunidade (Emergency
Planning and Community Right-to-Know Act –
EPCRA), de 1986. O propósito dessa lei é o de informar as comunidades e os cidadãos sobre os perigos dos produtos químicos em suas regiões. A lei
exige que as empresas informem o estado e o governo local sobre a localização e a quantidade de
produtos químicos armazenados na região. Por meio
da EPCRA, o Congresso americano determinou que
um Inventário de Emissões Tóxicas (TRI) se tornasse público. O TRI fornece informações aos cidadãos sobre produtos químicos com potencial de
risco e os seus usos, para que as comunidades possam exigir maior responsabilização por parte das empresas e para que tomem decisões fundamentadas
sobre como os produtos químicos tóxicos devem
ser manejados.
A Cúpula do Milênio
As questões ambientais se sobressaíram durante a
Cúpula do Milênio das Nações Unidas, realizada pelo
secretário-geral da ONU, Kofi Annan, em Nova York,
no ano 2000 (ver box à direita). Mas se o reconhecimento sobre a importância das questões relativas ao
meio ambiente durante a Cúpula foi encorajador, o
relatório de progresso não teve a mesma sorte. O
secretário-geral foi bem franco em seus comentários
sobre o manejo ambiental, declarando que a comunidade internacional não estava conseguindo assegurar às gerações futuras a liberdade de sobreviver
neste planeta. “Ao contrário”, afirmou, “estamos pilhando o patrimônio futuro de nossos filhos para
pagar pelas práticas ambientalmente insustentáveis
do presente” (UN, 2000).
23
Propostas principais do secretário-geral da ONU
apresentadas na Cúpula do Milênio
A salvo da carência: a Agenda para o Desenvolvimento
Pede-se a chefes de Estado ou de Governo que tomem medidas nas
seguintes esferas:
Pobreza: reduzir à metade a proporção da população mundial
(atualmente 22%) cuja renda seja menor do que o equivalente a
um dólar por dia até 2015.
Água: reduzir à metade a proporção de pessoas que não têm
acesso à água potável (atualmente 20%) até 2015.
Educação: diminuir a disparidade entre gêneros na educação
primária e secundária até 2005; e assegurar que, em 2015, todas
as crianças tenham acesso ao curso completo de educação
primária.
HIV/AIDS: deter e começar a reverter a disseminação do HIV/AIDS
até 2015, mediante:
a adoção de uma meta explícita de redução das taxas de
infecção por HIV em pessoas entre 15 e 24 anos, em 25% nos
países mais afetados antes de 2005 e em 25% no mundo inteiro
antes de 2010;
o estabelecimento de metas preventivas explícitas: até 2005 ao
menos 90% e até 2010 ao menos 95% dos homens e mulheres
jovens devem ter acesso a informações e a serviços de
prevenção ao HIV; e
um pedido a cada país gravemente afetado pela doença para que
estabeleça um plano de ação nacional dentro de um ano a partir
da Cúpula.
Eliminar as favelas: colocar em prática o plano Cidades sem
Favelas lançado pelo Banco Mundial e pelas Nações Unidas para
melhorar a vida de 100 milhões de moradores de favelas até 2020.
Um futuro sustentável: a Agenda para o Meio Ambiente
Pede-se a chefes de Estado ou de Governo que adotem uma nova ética
de conservação e administração, começando pelo seguinte:
Mudanças Climáticas: que adotem e ratifiquem o Protocolo de
Quioto, para que este possa entrar em vigor até 2002, e que
garantam que suas metas sejam alcançadas, como um passo em
direção à redução das emissões de gases de efeito estufa.
Contabilidade Verde: que considerem a incorporação do sistema
de “contabilidade verde” das Nações Unidas às suas contas
nacionais, para que as questões ambientais sejam integradas às
políticas econômicas gerais.
Avaliação de Ecossistemas: que prestem assistência financeira a, e
que se envolvam ativamente na Avaliação de Ecossistemas do
Milênio, um grande esforço de colaboração internacional para
mapear a saúde do planeta.
Rio+10: que preparem as condições para que os líderes
mundiais adotem ações concretas e significativas na conferência
de avaliação dos dez anos decorridos desde a Rio-92, a Cúpula
da Terra de 2002.
Fonte: UN, 2000
24
INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
O clima e o consumo de energia
No início de 2001, o IPCC anunciou que as evidências de mudanças climáticas de origem antrópica estavam aumentando, que o aquecimento global estava
ocorrendo de forma mais rápida e que as conseqüências pareciam mais graves do que havia sido previsto. O Painel, formado por milhares de cientistas do
mundo inteiro, previu que a temperatura média aumentaria de 1,4° C a 5,8°C durante o século XXI. O
IPCC afirma que “há evidências novas e sólidas de
que o aquecimento ocorrido nos últimos cinqüenta
anos seja, em grande parte, decorrente de atividades
humanas. ... Além disso, é muito provável que o aquecimento ocorrido no século XX tenha contribuído
significativamente para o aumento observado no nível do mar, por meio da expansão térmica da água do
mar e de uma perda generalizada de gelo terrestre”
(IPCC, 2001).
As implicações desse aumento rápido da temperatura mundial envolvem amplas áreas de preocupação econômica, social e ambiental e tornam mais
urgente a necessidade de controlar os fatores que
contribuem para o aquecimento global. O primeiro e
mais importante desses fatores é o consumo de energia. Verifica-se uma queda no consumo per capita de
combustíveis fósseis apenas na Europa, e ainda assim de forma muito lenta.
El Niño
Uma atenção cada vez maior está sendo direcionada
ao El Niño, como resultado de um episódio especialmente grave ocorrido entre 1997 e 1998 que acarretou
Níveis do mar durante El Niño, 1997-98
danos no valor de milhões de dólares. O fenômeno
também deu origem a um estudo de grande porte
por parte de várias instituições sobre o que foi
aprendido nessa oportunidade e o que poderá ser
feito para mitigar os efeitos de El Niños futuros (ver
box abaixo).
Melhor prevenir do que remediar:
El Niño, 1997-98
Segundo um novo estudo internacional, milhares
de vidas humanas e dezenas de bilhões de dólares
em prejuízos econômicos serão desperdiçados
pelos países em desenvolvimento a cada dois a
sete anos até que seja feito um investimento na
melhoria do prognóstico e da preparação em
relação ao fenômeno El Niño. O estudo foi
desenvolvido por equipes de pesquisadores
trabalhando em 16 países na América Latina, Ásia
e África. Quatro organismos das Nações Unidas
colaboraram na preparação do estudo o PNUMA, a
Universidade da ONU, a OMM e a Estratégia
Internacional para Redução de Desastres junto
com o Centro Nacional para Pesquisa Atmosférica,
com base nos Estados Unidos.
Previsões mais confiáveis em relação ao
El Niño e uma melhor capacidade dos governos em
reagir de forma rápida a essas previsões são
cruciais. Sem elas, economias, infra-estruturas e
populações vulneráveis em várias partes do
mundo continuarão a sofrer periodicamente com
eventos causados pelo El Niño, como enchentes,
incêndios, secas, ciclones e surtos de doenças
infecciosas.
Poucos especialistas conseguiram prever
o início do El Niño em meados de 1997, e nenhum
foi capaz de compreender a magnitude do “El Niño
do século” até que o fenômeno já estivesse bem
avançado. Os serviços meteorológicos nacionais e
regionais fizeram previsões
um tanto quanto
generalizadas em relação ao El Niño para que
pudessem ser usadas de forma confiável por
responsáveis pela tomada de decisões em âmbito
regional e nacional. O prejuízo causado pelo El Niño
em 1997-98 incluiu milhares de mortes e danos
causados por graves tempestades, ondas de calor,
incêndios, enchentes, geadas e secas. Estimativas
em relação aos danos causados pelo El Niño no
período variam entre US$ 32 bilhões e US$ 96
bilhões.
Fonte: UNU, 2001
Imagem de satélite
registra o nível do
mar no Pacífico em
10 de novembro de
1997. O fenômeno El
Niño caracteriza-se
pelo aumento do
nível do mar (áreas
em vermelho e branco) no lado sul-americano do Pacífico Sul
e por um nível mais
baixo (áreas em
azul) do outro lado.
Fonte:
Topex/Poseidon, NASA
Progressos científicos
Nos primeiros anos do Terceiro Milênio, os progressos científicos continuam a levantar questões
éticas e ambientais. Uma conquista científica cujo
impacto sobre a humanidade e conseqüentemente
sobre o meio ambiente ainda é desconhecido é o
mapeamento do genoma humano. Os benefícios de
tal mapeamento incluem o conhecimento das cau-
INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
sas subjacentes a milhares de doenças genéticas e a
antecipação da probabilidade de ocorrência dessas
doenças em qualquer indivíduo. As informações genéticas também podem ser usadas para prever uma
vulnerabilidade a diferentes agentes industriais e
ambientais. Embora haja preocupações sobre o mal
uso e a perda de privacidade, muitas das ramificações do mapeamento do genoma humano só serão
reconhecidas quando a ciência e a tecnologia se unirem nas aplicações futuras desse novo instrumento
(Human Genome Project, 1996).
Igualmente controverso é o uso crescente de
organismos geneticamente modificados (OGMs).
Como já foi descrito no GEO-2000 (UNEP,
1999), a rapidez de mutações em micróbios e vírus,
aliada ao crescimento do transporte de animais representa surpresas em potencial neste milênio. A realidade por trás dessa afirmação foi demonstrada pela
descoberta da encefalopatia espongiforme bovina (ou
doença da vaca louca) no Reino Unido e em outras
partes da Europa e, de forma mais dramática, pela
propagação da febre aftosa no Reino Unido.
Os efeitos de um transporte ampliado de gado
e ração através das fronteiras intensificaram a disseminação dessas doenças, levando à matança de várias criações de animais e a uma grande preocupação
em relação à transmissão a partir de, ou para, populações de animais silvestres. Apesar da febre aftosa
ser comum em vários países em desenvolvimento,
são as nações industrializadas que sentem seus efeitos de forma mais pungente. Embora a doença raramente leve à morte, ela é debilitante e reduz a produtividade. Em sistemas agrícolas intensivos de porte
industrial, em que a margem de lucro é baixa por causa da superprodução, não há como se tolerar o impacto econômico de doenças.
Globalização
A globalização foi descrita por alguns como a nova
Revolução Industrial. Há um receio de que ela possa
resultar em uma polarização perigosa entre pessoas
e países que se beneficiam do sistema e aqueles que
são meros recipientes passivos dos seus efeitos.
No seu Relatório de Desenvolvimento Humano de 1999, o PNUD afirma que a quinta parte da
população mundial que vive nos países de renda mais
elevada conta com 86% do PIB mundial, 82% das
exportações mundiais, 68% do investimento direto
estrangeiro e 74% das linhas telefônicas mundiais
(UNDP, 1999). A quinta parte de menor renda, que
vive nos países mais pobres, conta com cerca de 1%
em cada categoria. Na década de 1990, mais de 80%
25
Os custos do aquecimento global
Segundo um relatório feito por Munich Re, membro da iniciativa de
serviços financeiros do PNUMA, as possíveis conseqüências
financeiras das previsões do IPCC são as seguintes:
Prejuízos causados por ciclones tropicais mais freqüentes, perda
de terra em conseqüência de um aumento do nível do mar e danos
aos recursos pesqueiros, à agricultura e ao fornecimento de água
poderiam custar mais de US$ 300 bilhões por ano.
Em termos globais, os maiores prejuízos seriam na área da
energia. A indústria hídrica mundial enfrentará um custo
adicional de US$ 47 bilhões por ano em 2050. A indústria
agrícola e a silvicultura podem perder até US$ 42 bilhões em
todo o mundo em conseqüência de secas, enchentes e
incêndios se os níveis de dióxido de carbono alcançarem o
dobro das suas concentrações pré-industriais.
Programas de defesa contra inundações para proteger
moradias, fábricas e usinas de energia do aumento do nível do
mar e de tempestades repentinas podem custar US$ 1 bilhão
por ano.
A perda de ecossistemas, incluindo manguezais, recifes de
corais e lagunas costeiras podem chegar a mais de US$ 70
bilhões em 2050.
Fonte: Berz, 2001
do investimento direto estrangeiro em países em desenvolvimento e naqueles do Centro e do Leste Europeu foi destinado a apenas 20 países, principalmente à China.
As grandes empresas transnacionais, as organizações de mídia transnacionais, as organizações intergovernamentais e as ONGs foram as principais responsáveis pelo fenômeno da globalização
(Riggs, 2000).
A globalização representa mais do que o fluxo de dinheiro e de mercadorias – é a interdependência crescente das populações do mundo por
meio da “contração do espaço, da contração do tempo e do desaparecimento de fronteiras” (UNDP,
1999). Isso oferece uma grande oportunidade para
o enriquecimento da vida das pessoas e para a criação de uma comunidade global baseada em valores compartilhados. Mas, segundo o relatório do
PNUD, permitiu-se que os mercados dominassem o
processo, e os benefícios e as oportunidades não
foram compartilhados de forma eqüitativa.
As várias manifestações da sociedade civil
em todo o mundo foram uma resposta ao rápido
crescimento da globalização econômica. A manifestação ocorrida em Seattle em novembro de 1999
durante o encontro da Organização Mundial do
Comércio (OMC), em que milhares de pessoas fizeram campanha contra a globalização, foi um evento
de grande repercussão. Maior conscientização pública também foi manifestada durante os encontros
do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internaci-
26
INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
Uma das maiores
represas do mundo: a usina hidrelétrica de Itaipu,
no Brasil. Um novo
relatório questiona
o futuro de tais
projetos
Fonte: Julio
Etchart, Still Pictures
onal na cidade de Praga, em setembro de 2000, e em
outros encontros desde então.
Essas manifestações mostram que cidadãos do
mundo inteiro querem ser ouvidos e exigem a implementação e o cumprimento de padrões ambientais, de
comércio e de trabalho aceitáveis em todo o mundo.
Várias organizações internacionais responsáveis pela
regulamentação da economia global agora têm de adaptar suas políticas de forma a incluir a participação da
sociedade civil em suas atividades. A ironia da globalização e do aumento da conscientização pública é
que o consumo continua a crescer em nações industrializadas e a pobreza continua a piorar em países em
desenvolvimento.
Água
A água desempenhará um papel de destaque na agenda do novo milênio. O Fórum Mundial da Água, realizado em Haia em março de 2000, levou à adoção de
“perspectivas em relação à água” para as diferentes
regiões do mundo, ajudando a definir um plano de
ação referente ao uso da água para o século XXI. Cerca de 6 mil pessoas estiveram presentes no fórum global, mas milhares de outras participaram das preparações regionais. Espera-se que a participação em massa nesses eventos mantenha questões relativas à qua-
lidade e à quantidade da água à frente da agenda
ambiental, para que as perspectivas regionais possam
ser implementadas de forma bem-sucedida.
Nas últimas décadas, as grandes represas surgiram como um dos instrumentos mais significativos
e visíveis para o manejo dos recursos hídricos. Em
novembro de 2000, a Comissão Mundial de Barragens
publicou o seu relatório “Barragens e Desenvolvimento: um Novo Modelo para Tomada de Decisões” (Dams
and Development: A New Framework for DecisionMaking), afirmando que nos últimos cinqüenta anos
as barragens fragmentaram e transformaram os rios
do mundo, deslocando entre 40 milhões e 80 milhões
de pessoas em diferentes partes do mundo (WCD,
2000). O relatório questiona o valor de várias represas
no atendimento das necessidades de água e energia,
em comparação a outras opções. Isso representa uma
mudança significativa de visão em relação ao valor
das represas e pode contribuir para que se adote uma
abordagem diferente para a utilização dos recursos
hídricos no futuro.
Avaliações e um alerta antecipado
A Avaliação de Ecossistemas do Milênio (Millennium
Ecosystem Assessment – MA), lançada no Dia Mundial do Meio Ambiente em 2001, examinará os
INTEGRAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO: 1972-2002
ecossistemas que possibilitam a vida, como as pastagens, as florestas, os rios e lagos, as terras cultiváveis
e os oceanos. Essa iniciativa, prevista em quatro anos
e envolvendo US$ 21 milhões, contará com a participação de 1.500 dos cientistas de maior destaque no
mundo (MA, 2001).
“A Avaliação de Ecossistemas do Milênio
mapeará a saúde do nosso planeta e preencherá dessa forma importantes lacunas no nosso conhecimento para que possamos preservá-la”, afirmou o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, ao anunciar o estudo. “Todos nós temos de compartilhar os frágeis
ecossistemas e os preciosos recursos da Terra, e cada
um de nós tem um papel na sua preservação. Para
que possamos continuar a viver juntos nesse planeta, todos devemos nos responsabilizar por ele.”
O estudo foi lançado para proporcionar aos
responsáveis pela tomada de decisões um conhecimento científico confiável em relação ao impacto
das mudanças nos ecossistemas terrestres sobre
os meios de vida humanos e o meio ambiente. Ele
fornecerá informações mais detalhadas a governos,
ao setor privado e a organizações locais, sobre iniciativas que podem ser tomadas para recuperar a
produtividade dos ecossistemas do mundo.
A Avaliação foi reconhecida por governos
como um mecanismo para atender às necessidades
de avaliação de três tratados internacionais sobre o
meio ambiente: a Convenção das Nações Unidas
sobre Diversidade Biológica, a Convenção de
Ramsar sobre Zonas Úmidas e a Convenção das
Nações Unidas de Combate à Desertificação.
Seguindo adiante, progredindo
Um novo espírito de colaboração e participação é
visível nestes primeiros anos do século XXI, que
alguns associam ao “espírito de compromisso de
Estocolmo”. Com a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável marcada para 2002 em
Joanesburgo, há uma esperança renovada na adoção de ações eficazes e significativas pelos maiores responsáveis pela tomada de decisões em âmbito global. Os próximos quatro capítulos, ao apresentarem avaliações globais e regionais sobre o
meio ambiente, observações sobre mudanças ambientais e vulnerabilidade humana, cenários futuros
e implicações a serem consideradas na elaboração
de políticas, pretendem prestar uma contribuição
substancial a esse debate.
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