III SEMINÁRIO POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA
AUTOR DO TEXTO: Ana Cláudia Caldas Mendonça Semêdo; Rosana Bulhosa
Quando a falta de diálogo corrói o território: Reflexões sobre desenvolvimento
territorial a partir da experiência de São Cristóvão em Salvador da Bahia
Resumo: A falta de diálogo entre atores promotores e constituidores de territórios
parece colaborar para a determinação de trajetórias de desenvolvimento responsáveis
pelo aumento da vulnerabilidade social. Entre tantos territórios que vivenciam este
drama social, São Cristóvão, em Salvador da Bahia, apresenta-se como um exemplo
capaz de colocar uma nova luz sobre o problema. Consolidado nos anos setenta como
alternativa de moradia para as classes socialmente mais excluídas em Salvador, São
Cristóvão vem sendo palco de diferentes iniciativas promovidas por atores públicos e
privados que buscam melhorar sua precária qualidade de vida. Não obstante tantos
investimentos, este território continua apresentando índices progressivamente mais
expressivos de violência urbana, segregação e pobreza, colaborando para aumentar o
descrédito da população em relação a tais iniciativas, vistas como excessivamente
pontuais e desarticuladas, incapazes de alterar uma realidade social tão complexa e
vulnerável. Um olhar mais acurado sobre tamanha desarticulação revela que esta falta de
diálogo social possui raízes na própria dinâmica de formação deste território, cujos
primeiros passos ocorrem nos anos 40 no século XX. Com o objetivo de ampliar a
discussão sobre os desafios da construção e sustentabilidade de redes voltadas ao
desenvolvimento territorial, este artigo busca reconstruir a trajetória de desarticulação
social deste território, interpretando-o como um dos principais entraves para seu
desenvolvimento, a luz de um tripé teórico que articula o conceito de políticas públicas
(Boullosa, 2006), com o de território (Santos, 2006) e policy network (Giuliani, 2002).
Como conclusão, emerge a necessidade de esforços metodológicos em estratégias de
diálogo social.
Palavras-chave: desenvolvimento territorial; redes territoriais; diálogo social
1. Introdução: Diálogo social e desenvolvimento
A dimensão dialógica parece ser cada vez mais importante na determinação das
trajetórias de desenvolvimento territorial. Territórios com carência de arenas capazes de
articular tantos seus atores quanto suas iniciativas, possuem capacidade limitada para
reverter quadros de aumento da vulnerabilidade social. Se os investimentos já não são
suficientes, desarticulados estes mesmos investimentos se revelam ainda menos
representativos. Grande parte desta desarticulação reflete, em diversos graus, a própria
dinâmica de planejamento das principais cidades do País. Salvador, capital do Estado da
Bahia, não foge à regra, com seu planejamento elitário e esquecimento voluntário das
áreas mais necessitadas, convencionalmente, vem demonstrando a necessidade da
presença do Estado. No atual contexto de segregação sócio-espacial, um território se
destaca pelas constantes aparições nos noticiários locais dos seus índices de violência,
tráfico de drogas, alta reprovação escolar, baixa qualidade de vida, entre outras
expressões da questão social: trata-se de São Cristóvão, uma dos bairros mais populosos
e afastados do centro da cidade, entretanto de ocupação mais recente. As más notícias
que rondam o território de São Cristóvão, cuja noção de pertencimento supera a dos
limites geográficos e administrativos, contrastam sobremaneira com o bom índice de
associacionismo existente no local, assim como da presença de tantas associações que
tomam aquele território como objeto de intervenção, mas não estão sediados no
território. Essas tantas iniciativas, porém, não conversam entre si, não estão articuladas,
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nem tampouco discutem uma diretriz de desenvolvimento territorial de acordo com as
demandas sociais locais.
Dessa forma, a desarticulação entre os atores e suas iniciativas tem colaborado
para que o território de São Cristóvão não consiga tratar os seus problemas. As
experiências de investimentos sociais isolados não possuíram uma visão realística do
território, considerando as percepções imediatistas e ofuscadas pelos interesses
intrínsecos à atividade-fim dos negócios das Empresas que atuaram no local. O
investimento social é uma forma de contribuição à comunidade que gera uma alternativa
de intervenção singular, mas não se aproxima do número de demandas apresentadas
pelo território. Por esta razão, a ausência do diálogo social entre as organizações
ocasiona impotência no trato dos problemas sociais, e proporciona uma limitação de
recursos para o atendimento das múltiplas facetas sociais que atingem a comunidade. O
problema de desarticulação não é, obviamente, exclusivo de São Cristóvão, mas naquele
contexto aparece cercado de peculiaridades, sobretudo pela diversidade de iniciativas
presentes na comunidade. Principalmente, o território se apresenta com ampla
possibilidade de ter sua história reconstruída, a fim de identificar e discutir as causas
dessa falta de diálogo social, traçando possíveis diretrizes para a promoção de uma arena
de conexões entre os atores sociais que se relacionam com àquela realidade. Esta é a
proposta do artigo: discutir o problema da falta de diálogo social a partir do caso do
território de São Cristóvão.
O surgimento do território de São Cristóvão, em Salvador - Bahia, ocorreu no
início da década de 40, impulsionado pela construção da velha pista do Aeroporto de
Salvador e pelas forças armadas norte-americanas, durante a Segunda Guerra Mundial,
no Governo de Otário Mangabeira. A partir disso, a população e o espaço se expandiram
para sub localidades, a saber: Santo Agostinho, Yolanda Pires, Planeta dos Macacos
(subdivide-se em União Paraíso – parte alta -, e Conjunto Habitacional São Cristóvão –
parte baixa), Colina do Rio, Lessa Ribeiro, Parque São Cristóvão, Adutora, Bom Natal,
Bate Coração e Cascalheira. Com este crescimento, São Cristóvão se desenvolveu de
modo intuitivo, irregular e informal, sem planejamento, resultando em uma urbanização
problemática, caracterizada pela ausência de saneamento básico, causadora de
enchentes e alagamentos, formação de grupos de liderança de tráfico por jovens,
expressiva violência (com a formação das regiões de Yolanda Pires, Beira Rio, Nova
Esperança e Planeta dos Macacos). Tudo isto ainda reforçado por uma carência de
atuação efetiva do Estado, evidenciada pela escassa rede pública de atendimento.
Com o tempo, porém, São Cristóvão começou a assistir a formação de diferentes
associações e redes que buscavam minimizar ou tratar os tantos problemas que o
território apresentava. Diferentes organizações foram surgindo ao longo da história
recente do bairro, voltadas a resolver problemas que elas mesmas consideravam de
pública relevância. O Estado também começou a “entrar” no território quase abandonado
de São Cristóvão, promovendo algumas melhorias de urbanização ou realizando alguns
esforços frente à histórica realidade de desarticulação. Hoje, não obstante uma maior
presença do Estado, ainda que tímida, as poucas unidades públicas de atendimento à
população são as escolas públicas estaduais e municipais – algumas delas se destacam
porque estão extremamente engajadas com a realidade comunitária -, um posto de
saúde, e dois Centros de Referencia da Assistência Social (CRAS).
Estabelecidas tais considerações sobre a realidade local, a discussão proposta se
articula a partir de três diferentes contribuições teóricas. De um lado o conceito de
concepção de configuração territorial explorada por Milton Santos (2006): “A
configuração territorial, ou configuração geográfica, tem pois sua existência material
própria, mas sua existência social, isto é sua existência real, somente lhe é dada pelo
fato das relações sociais”. Este conceito indica ainda que as relações sociais locais
compõem a matriz motivadora para o estudo proposto, pois foi a dinâmica interacional
que construiu a realidade posta. Sobretudo, não se tratará somente das relações
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endógenas que se fazem constantes, mas é elementar compreender a relações
constituídas além das fronteiras territoriais, entre as dimensões endógenas e exógenas,
entre os atores que, por uma multiplicidade de fatores, buscaram fincar ações e histórias
com o território de São Cristóvão.
Do outro lado, o conceito de policy network permite explorar a discussão através
da perspectiva da multifatorialidade. Este conceito possibilita investigar os papéis e a
participação dos múltiplos atores vinculados por algum fator ao território no processo de
construção coletiva de desenvolvimento. Tal desenvolvimento pode se tornar concreto ao
ressignificar o conceito de políticas públicas como oportunidade de transformação
realística.
Por fim, o último conceito deste tripé teórico é o de políticas públicas. A
compreensão de políticas públicas como o êxito de um processo multifatorial, que se
desenvolve no território, e que é a “síntese não planejada do conjunto de ações voltadas
para tratar os problemas considerados de pública relevância em um território”
(BOULLOSA, 2006), permite compreender São Cristóvão, com todos os seus problemas e
potencialidades, como o resultado de um processo histórico de uma multiplicidade de
ações individuais e coletivas. Assume-se este conceito, de fato, como mola propulsora
para a construção deste ensaio, e, ao mesmo tempo, como um ponto de partida para a
discussão de possíveis alternativas de mudança local.
O artigo se estrutura em quatro partes, com o objetivo de ampliar a discussão
sobre as relações entre a falta de diálogo social e a vulnerabilidade de territórios,
tomando como laboratório de análise o caso do território de São Cristóvão. A primeira
parte apresenta e discute o caso de São Cristóvão como uma história de falta de diálogo
social, lançando questionamentos sobre qual concepção de desenvolvimento pode
viabilizar oportunidades concretas para o local. Na segunda parte, propõe-se explorar a
relação entre as políticas públicas e as oportunidades de transformação a partir da
assunção de uma abordagem conceitual dentre as diversidades de definições em torno do
tema. Por fim, na terceira parte são expostas as conclusões assim como algumas
sugestões para diretrizes de pesquisa as quais apontam para a necessidade de um
esforço metodológico propositivo para o fomento de novas experiências de diálogo social
que, a partir do conceito de políticas públicas adotado, potencialize o desenvolvimento
territorial.
2. Quando a falta de diálogo tensiona o território: uma história de insucessos
O território de São Cristóvão vem sendo palco de sucessivas iniciativas públicas e
privadas que buscam, sem sucesso, melhorar as condições de vida da sua população.
Entre as tantas iniciativas privadas, encontram-se tanto propostas de intervenção
provenientes de organizações locais, como associações de bairro, igrejas etc., como
também intervenções promovidas ou fomentadas por organizações que não estão
diretamente localizadas naquele território, como ONGs nacionais etc. Somaram-se muitas
propostas de intervenção provenientes das ações das múltiplas associações constantes
na comunidade, organizações e setores públicos. Todavia, mesmo sem sofrer de uma
carência de intervenções, o território de São Cristóvão não consegue melhorar seus
índices sociais e continua sendo uma referência na mídia local para as questões de
violência, tráfico de drogas, entre outros problemas. Não raro, estes problemas são
parcialmente explicados pela carência infraestrutura.
Interpretar problemas tão complexos como de causa prioritariamente ligada à
carência de infraestrutura pode ser prematuro. São Cristóvão poderia ser melhor
interpretado como um território desestruturado, cuja história recente, e relativamente
jovem, revela uma cadeia de insucessos alcançados por diferentes e múltiplas
intervenções de atores que, na maior parte das vezes, atuavam sozinhos. Esta falência
múltipla e continuada parece, infelizmente, não ter sido objeto de um olhar mais atento,
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que buscasse descobrir as causas de tantos malogros. É importante observar que o
insucesso reside principalmente no conjunto das ações, pois, por óbvio, São Cristóvão
também foi palco de algumas intervenções exitosas. Tais casos, porém, infelizmente,
mostraram-se tão pontuais que pouco alteraram a tendência de degradação e
vulnerabilidade social do território. O crescimento desordenado do território e o
agravamento da questão social são as importantes evidências desta incapacidade das
ações, mesmo quando exitosas de provocarem mudanças positivas e significativas para
as comunidades ali presentes.
Inserido numa realidade comum aos bairros da periferia de Salvador, São
Cristóvão também reflete os problemas de uma cidade cujo planejamento urbano sempre
foi elitário e exclusivista. Até os anos oitenta, as favelas da cidade apareciam como áreas
verdes nos mapas oficiais. E após quase vinte anos apoiando-se em um plano diretor
vencido, que já não representava nem mesmo a estrutura física da cidade, Salvador
passou a contar, tardiamente, com um novo plano que continua sem levar em
consideração as demandas sociais de territórios como o de São Cristóvão.
Os problemas que o território em estudo atravessa são tão sérios e reincidentes
que o mesmo passou a ser identificado como sendo um território de “descoesão social”,
que se caracteriza pelo alto número de homicídios e outros delitos violentos. Com esta
alcunha, São Cristovão passou a integrar, desde o ano 2008, o Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), que busca construir uma articulação
entre o âmbito da segurança pública e das políticas sociais, propondo serviços à
sociedade que promovam ações de segurança e cidadania.
Por outro lado, São Cristovão deve ser visto pelo grau de associacionismo
presente naquele espaço. Qualquer interpretação da sua trajetória deve levar em
consideração o caráter plural, estruturalista, multidimensional e extremamente complexo
da realidade social, apesar do seu cenário de alta vulnerabilidade. Ao reconhecer tais
dimensões, evidencia-se a necessidade de buscar as formas de atuação do vários atores
que compartilharam e fizeram parte dos fatos instituídos para uma possível
ressignificação dessas atuações.
Posto que não consta uma articulação entre os atores de múltiplos interesses,
estabelece-se uma complexidade no território que representou a mola propulsora do que
aqui nomeia-se de tensão, instituída por um contexto repleto de negócios variados, com
respectivos objetivos, mas com a mesma intenção de contribuir com a realidade local.
Todavia, sem estabelecer uma forma de conversação que alcance uma integração e
recolocação de papéis para o funcionamento e consolidação das idéias, a história pode
caminhar para o insucesso. Pondera-se a existência de iniciativas, trabalhos e projetos
direcionados para o território, entretanto, sem obter a construção de uma proposta sólida
democrática em que os habitantes locais sejam co-partícipes do processo, as
intervenções podem ser caracterizadas como desvinculadas, isoladas, com entraves e
restrições de recursos para o crescimento territorial.
A necessidade da promoção de espaços ou arenas para que o diálogo social se dê
com mais facilidade pode implicar em uma experiência de planejamentos e intervenções
diferentes do que vinha ocorrendo naquele território marcado pela ausência do diálogo.
Para não incorrer em uma simples, ainda que articulada, identificação e apresentação da
história do território de São Cristóvão como uma história de insucessos, e, portanto, para
adotar uma perspectiva propositiva, é importante trazer para a discussão alguns
conceitos que poderão ajudar a colocar uma nova luz argumentativa sobre o problema.
3. Reestruturando o problema a partir de um conceito de políticas públicas
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O estudo de políticas públicas torna-se uma condição para avançar com uma
proposta de ampliação de alternativas para o território, pois esta representa um
construto em processo que estabelece início e resultado, ao mesmo tempo, de
estratégias e serviços que vislumbram qualidade de vida para os habitantes
comunitários. Trata-se de um sistema de diretrizes que conduzem a mobilidade de uma
sociedade para o alcance de metas, sejam de cunho federal, estadual, municipal, ou
territorial. Sendo assim, o estudo das políticas sociais se insere nesta análise como ponto
de partida e ponto de chegada, pois elas representam a possibilidade concreta de nortear
as intervenções sociais para o atendimento dessa realidade complexa e multidimensional
do território.
Diante desta concepção, política pública e diálogo social se tornam dois conceitos
que podem articularem-se para propor diferentes alternativas de desenvolvimento
territorial, pois a primeira se refere à visão necessária que deve ser construída ou
transformada no coletivo para o desenho de ações futuras, enquanto a segunda é a
forma estratégica de como buscar a consolidação de tais ações e possibilitar movimentos
dinâmicos formados por grupos com interesses divergentes ou convergentes no processo
contradito que trata da complexa realidade para a elaboração de um construto social.
A partir desta abordagem, faz-se necessário tecer algumas considerações sobre os
conceitos de políticas públicas para elucidar que concepção e visão conceitual estão em
consonância com as matrizes que fundamentam a base teórica das estratégias e
diretrizes metodológicas de diálogo social. Estes conceitos possuem uma multiplicidade
de significados que perpassam desde as concepções mais tradicionais, que as definem
como construções formais cujos produtos são representados por planos, programas e
projetos, provenientes do Governo ou Instituições Governamentais, até as
contemporâneas que as concebem como construções em constantes processos cujos
autores são múltiplos e o coletivo é atuante e co-partícipe do processo.
No que tange à perspectiva tradicional, a definição abaixo explicita a relação
estreita da política publica com o âmbito governamental: “(...) teorias explicativas sobre
o papel do Estado – (o governo) -, produtor, por excelência de políticas públicas”
(SOUZA, Celina, 2006, p. 22). De acordo com as contribuições de Celina Souza, as
políticas públicas enquanto área de conhecimento surge nos EUA, como parte elementar
da ciência política. Já na Europa, o estudo das políticas públicas estava ligado ao Estado
e aos processos de planejamento e execução de planos institucionalizados. Mesmo sendo
de procedências diferentes, o conceito tradicional era limitado por perceber a atuação
monopolizada por órgãos governamentais. Entre as várias acepções que o termo
engloba, tem-se a convicção que esta não é a abordagem que se identifica com o debate
em desenvolvimento, dada a peculiaridade referente à visão unilateral.
Até mesmo pela evolução do sistema econômico social e as suas múltiplas
facetas, globalização, sociedade da informação, avanço tecnológico, crescimento
populacional, acirramento de fenômenos sociais resultantes da desigualdade de escala
mundial, não há espaço para desconsiderar a amplitude de demandas sociais, e, em
paralelo, a multiplicidade de entidades que se interessam com problemas sociais de
ordem pública.
Por esta razão, intenciona-se investir num debate de política pública que
redimensiona este conceito histórico para incluir nesta análise a multiplicidade de atores
presentes na arena social e a complexidade do mundo social. Sendo assim, apresenta-se
políticas públicas numa concepção de policy inquiry, a partir da seguinte definição:
Abordagem dentro do estudo de políticas públicas (policy studies)
que busca tanto uma reconstrução (descrição) a mais realística e
menos desencantada dos processos quanto transformar tal
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conhecimento produzido em um forte instrumento de intervenção
(BOULLOSA, 2009).
Trata-se de uma forma de conceber política pública como um processo que busca
estabelecer um elo constante com o cotidiano social, lugar de conflitos e contradições
que impõe desafios às análises prontas, constituída num espaço de discussão e ação
cujas propostas possuem caráter processual e provisório.
Alinhada com este significado de policy inquiry, de extrema utilidade para o
desenvolvimento de estratégias e diretrizes metodológicas de diálogo social que se
aproxima das discussões contemporâneas, está o conceito de policy network adotada por
Börzel, que retrata o caráter pluralista do termo:
[…] um conjunto de relações relativamente estáveis, que são
interdependentes e não hierárquicas, ligando entre si uma
variedade de atores que compartilham interesses comuns acerca
de uma política pública e que intercambiam recursos na busca da
consecução desses interesses compartilhados, reconhecendo que a
cooperação é a melhor maneira de se atingir os objetivos comuns
(BÖRZEL, 1997).
Assim, esta trajetória de concepções de policies proporciona uma possibilidade de
ressignificar a situação e problemas expostos em São Cristóvão na medida em que pode
proporcionar uma reinterpretação da história de insucessos do território causada pela
inexistência de diálogo social. Estas abordagens de como conceber política pública
apontam sobre diretrizes para se pensar estratégias e caminhos de articulação entre coatores de política social.
4. Como reverter a direção de trajetória de desenvolvimento?
É importante perceber que mesmo de forma desarticulada, o território de São
Cristóvão cresceu e se estabeleceu, instituindo sua dinâmica, seus serviços, seu mercado
de valor, sua própria estrutura e a sua identidade. Em face de tantas dificuldades de
crescimento, sua história mostra que a dinâmica e a atuação da política social voltada
para a comunidade sustentou o movimento e a realidade hoje apresentada. Isto mostra
que esta discutida desarticulação entre atores externos e internos também é uma forma
de articulação que estrutura o território, todavia, caminha “na contramão do
desenvolvimento”.
Por isso, cabe a tantos atores que fazem parte desta arena de complexas
realidades e de redes desconexas repensar como criar possibilidades de algum
desenvolvimento. Ao mencionar o termo “algum desenvolvimento” é porque importa
elucidar que concepção de desenvolvimento pode proporcionar mudanças concretas para
o local, de forma que seus habitantes vivenciem-nas no próprio cotidiano.
Contudo, desenvolvimento e território são categorias que, concatenadas,
representam um dos assuntos mais explorados neste tempo social, e são de relevante
análise para se discutir mudanças concretas para a comunidade. Posto isto, eis que se
torna primordial discorrer sobre estes dois conceitos.
O termo território possui uma multiplicidade de conceitos que abrange desde uma
concepção naturalista histórica, no que concerne à análise física do território segundo os
geógrafos, a um significado interacional e híbrido de Haesbaert que analisa as discussões
de territórios-rede, multiterritorialidade e múltiplas escalas. Entre a concepção
naturalista e a de territórios-rede, Rogério Haesbaert Costa constrói uma linha de
conceitos e reelabora as diversas vertentes que permeiam as discussões sobre termo: a
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perspectiva materialista, idealista e a integradora que assume a peculiaridade híbrida do
termo.
A partir desta concepção, é que território se apropria de um conteúdo híbrido que
pode articular significados múltiplos, desde o viés materialista político-tradicional,
econômico, natural e idealista-simbólico. Neste sentido, Haesbaert adverte que não se
trata de um conceito que totaliza todas essas dimensões supracitadas, mas as integra,
por conexão, na busca por uma compreensão das vertentes que influenciam o
entendimento de território.
Frente a essa característica de uma pluralidade de simbologias que envolvem a
compreensão de território, a definição que responde a proposta apresentada neste ensaio
e sobre a qual esta reflexão buscará um encadeamento lógico é a noção de territóriosrede.
Inseridos neste contexto, surgem os territórios-rede que constroem referenciais
simbólicos a partir desta nova dinâmica cuja supra-estrutura emana de uma realidade
marcada fortemente pelos recursos cibernéticos. Neste sentido, multiterritorialidade,
territórios-rede e reterritorialização são concepções presentes na realidade
contemporânea que subjazem novas e múltiplas dimensões e que constituem categorias
fundamentais para a compreensão das discussões a serem ora elaboradas.
É com esta dimensão de território que se propõe agregar a noção de
desenvolvimento territorial, compreendido aqui como a possibilidade de mudança
concreta das condições reais dos habitantes que vivenciam as expressões da questão
social exploradas no início deste artigo.
Destarte, o desenvolvimento territorial para se tornar possível, há de ser
percebido como processo de construção coletiva, democrático e realístico cujas bases
fundamentais estão no cotidiano comunitário, espaço de conflitos e desentendimentos
dos seus atores, mas também de possibilidades, alternativas e criatividade.
É com este aporte conceitual, composto pelos significados de política, território e
desenvolvimento, discutidos no decorrer do presente artigo, que se propõe um dos
possíveis caminhos capaz de reverter à trajetória de crescimento da vulnerabilidade
social local: o diálogo social entre os atores que estão presentes no cenário do território
de São Cristóvão. Inserido ainda neste aporte conceitual, compreende-se o conceito de
diálogo social como uma abordagem capaz de estabelecer uma arena onde se processam
reflexões, discussões, análises que oportunizam a expressão coletiva e um fluxo nãolinear de idéias e pensamentos provenientes de atores imbricados na prática social de
determinada realidade que tem pretensões de construir caminhos norteadores para uma
mudança social efetiva. É com esta perspectiva que o artigo propõe estratégias
metodológicas que possibilitem uma conversação, um diálogo e discussões dos
interesses, mesmo contraditos, entretanto reunidos pela promoção do desenvolvimento
daquele território.
5. Conclusões e perspectivas de pesquisa
Este artigo buscou ampliar a discussão sobre formação de redes voltadas ao
desenvolvimento territorial, a partir do estudo do caso do território de São Cristóvão, em
Salvador da Bahia. As reflexões apresentadas indicam que um dos caminhos possíveis
caminhos para reverter trajetórias de desenvolvimento responsáveis pelo aumento da
vulnerabilidade social parece ser o do diálogo social. A proposta do conceito de diálogo
social se apóia na compreensão de políticas públicas como o resultado de tudo aquilo que
é feito pelos atores que constituem o território, inclusive, nas diferentes instâncias de
governo. Se políticas públicas é o resultado (Boullosa, 2006), então são as conexões
entre os atores ali presentes que devem ser problematizadas em vistas de melhores e
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mais céleres transformações. E estas conexões são os pontos mais frágeis de uma rede
que já existe, mas pouco articulada de atores, o que justifica a importância e a
necessidade de esforços de projetação de tais articulações. Emerge, então, de modo
bastante explícito, a necessidade de investir alguns esforços na busca por diretrizes
metodológicas que promovam ou facilitem o diálogo social, uma forma muito particular
de concertação social, por considerar o jogo, o pertencimento e a permanência dos
atores de modo mais elástico, menos programático.
Adentrando em um campo mais propositivo, que supera as intenções iniciais deste
artigo, as diretrizes metodológicas de diálogo social poderiam nascer da busca pela
construção de uma rede multifatorial de fácil acesso, aberta a qualquer ator que deseje
participar em prol do desenvolvimento territorial e, sobretudo, da adoção da concepção
pluralista da sociedade e das políticas públicas, sobretudo sociais, em vistas da
democracia. O estudo e a intervenção na realidade social possuem raízes quase míticas e
sabe-se que qualquer projetação sobre a realidade possui os seus limites, dado o caráter
de imprevisibilidade da história, por mais teorias que a literatura ofereça. Nada pode
explicar tudo, assim como nada pode controlar tudo. O mesmo raciocínio se aplica ao
diálogo social e a qualquer tentativo de desenhá-lo rigidamente. Mas, pelo contrário, é
possível discutir e propor diretrizes que possam facilitar o diálogo e promovê-lo sem
determinar o seu fim, suas palavras e dinâmicas de resposta. Uma busca metodológica
de diálogo social amplia as possibilidades de desenvolvimento através da mobilidade
social e da participação efetiva, explora processos de construção coletiva, apoia-se no
caráter substituível das intervenções e pode funcionar como uma verdadeira e
promissora arena discursiva territorial.
Referências
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8
SILVA,
Deonísio
da.
Que
venha
a
Concertação.
Disponível
em
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=409JDB002. Acessado em
26.fev.2010.
SODRÉ, Naira. Correio da Bahia, Salvador, p. 04¸12.Ago.1997
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