Quando a Falta de Diálogo Corrói o Território: Reflexões sobre Desenvolvimento
Territorial a Partir da Experiência de São Cristóvão em Salvador da Bahia
Autoria: Ana Claudia Caldas Mendonça Semedo, Rosana Boullosa
Resumo:
A falta de diálogo entre atores promotores e constituidores de territórios parece colaborar para
a determinação de trajetórias de desenvolvimento responsáveis pelo aumento da
vulnerabilidade social. Entre tantos territórios que vivenciam este drama social, São
Cristóvão, em Salvador da Bahia, apresenta-se como um exemplo capaz de colocar uma nova
luz sobre o problema. Consolidado nos anos setenta como alternativa de moradia para as
classes socialmente mais excluídas em Salvador, São Cristóvão vem sendo palco de diferentes
iniciativas promovidas por atores públicos e privados que buscam melhorar sua precária
qualidade de vida. Não obstante tantos investimentos, este território continua apresentando
índices progressivamente mais expressivos de violência urbana, segregação e pobreza,
colaborando para aumentar o descrédito da população em relação a tais iniciativas, vistas
como excessivamente pontuais e desarticuladas, incapazes de alterar uma realidade social tão
complexa e vulnerável. Um olhar mais acurado sobre tamanha desarticulação revela que esta
falta de diálogo social possui raízes na própria dinâmica de formação deste território cujos
primeiros passos ocorrem nos anos 40 no século XX. Destarte, a partir da compreensão do
conceito de políticas públicas que interpreta o território como o êxito ou resultado de esforços
multiatoriais voltados à preservação de bens públicos, o artigo desenvolve reflexões sobre
quais as estratégias e diretrizes de diálogo social são capazes de articular e potencializar os
esforços de atores públicos e privados, co-autores das políticas sociais locais, no processo de
desenvolvimento do território de São Cristóvão. Por esta razão, objetiva-se ampliar a
discussão sobre os desafios da construção e sustentabilidade de redes voltadas ao
desenvolvimento territorial, busca reconstruir a trajetória de desarticulação social deste
território, interpretando-o como um dos principais entraves para seu desenvolvimento, a luz
de um tripé teórico que articula o conceito de políticas públicas (Boullosa, 2006), com o de
território (Santos, 2006) e policy network (Giuliani, 2002). Como conclusão, emerge a
necessidade de esforços metodológicos em estratégias de diálogo social.
Temática 2: Redes, Arranjos Institucionais e Desenvolvimento Territorial
1. Introdução: diálogo social e desenvolvimento
A dimensão dialógica parece ser cada vez mais importante na determinação das
trajetórias de desenvolvimento territorial. Territórios com carência de arenas capazes de
articular tantos seus atores quanto suas iniciativas, possuem capacidade limitada para reverter
quadros de aumento da vulnerabilidade social. Se os investimentos já não são suficientes,
1
desarticulados estes mesmos investimentos se revelam ainda menos representativos. Grande
parte desta desarticulação reflete, em diversos graus, a própria dinâmica de planejamento das
principais cidades do País. Salvador, capital do Estado da Bahia, não foge à regra, com seu
planejamento elitário e esquecimento voluntário das áreas mais necessitadas,
convencionalmente, vem demonstrando a necessidade da presença do Estado. No atual
contexto de segregação sócio-espacial, um território se destaca pelas constantes aparições nos
noticiários locais dos seus índices de violência, tráfico de drogas, alta reprovação escolar,
baixa qualidade de vida, entre outras expressões da questão social: trata-se de São Cristóvão,
uma dos bairros mais populosos e afastados do centro da cidade, entretanto de ocupação mais
recente. As más notícias que rondam o território de São Cristóvão, cuja noção de
pertencimento supera a dos limites geográficos e administrativos, contrastam sobremaneira
com o bom índice de associacionismo existente no local, assim como da presença de tantas
associações que tomam aquele território como objeto de intervenção, mas não estão sediados
no território. Essas tantas iniciativas, porém, não conversam entre si, não estão articuladas,
nem tampouco discutem uma diretriz de desenvolvimento territorial de acordo com as
demandas sociais locais.
Dessa forma, a desarticulação entre os atores e suas inciativas tem colaborado para que
o território de São Cristóvão não consiga tratar os seus problemas. As experiências de
investimentos sociais isolados não possuíram uma visão realística do território, considerando
as percepções imediatistas e ofuscadas pelos interesses intrínsecos à atividade-fim dos
negócios das Empresas que atuaram no local. O investimento social é uma forma de
contribuição à comunidade que gera uma alternativa de intervenção singular, mas não se
aproxima do número de demandas apresentadas pelo território. Por esta razão, a ausência do
diálogo social entre as organizações ocasiona impotência no trato dos problemas sociais, e
proporciona uma limitação de recursos para o atendimento das múltiplas facetas sociais que
atingem a comunidade. O problema de desarticulação não é, obviamente, exclusivo de São
Cristóvão, mas naquele contexto aparece cercado de peculiaridades, sobretudo pela
diversidade de iniciativas presentes na comunidade. Principalmente, o território se apresenta
com ampla possibilidade de ter sua história reconstruída, a fim de identificar e discutir as
causas dessa falta de diálogo social, traçando possíveis diretrizes para a promoção de uma
arena de conexões entre os atores sociais que se relacionam com àquela realidade. Esta é a
proposta do artigo: discutir o problema da falta de diálogo social a partir do caso do território
de São Cristóvão.
O surgimento do território de São Cristóvão, em Salvador - Bahia, ocorreu no início da
década de 40, impulsionado pela construção da velha pista do Aeroporto de Salvador e pelas
forças armadas norte-americanas, durante a Segunda Guerra Mundial, no Governo de Otário
Mangabeira. A princípio, a ocupação foi feita por trabalhadores da obra que buscavam abrigo
perto do local de trabalho (a área se localiza a três km do Aeroporto), mas logo foi ampliada
para a população que vivia na fronteira norte de Salvador, também carente de uma alternativa
adequada para sua moradia. Nesta mesma região, antes chamada de Cascalheira, havia uma
fazenda chamada Cachoeira, latifundiário de propriedade de Pedro Cachoeira, da qual foram
divididas as terras onde se desenvolveu o bairro. A partir disso, a população e o espaço se
expandiram para sub-localidades, a saber: Santo Agostinho, Yolanda Pires, Planeta dos
Macacos (subdivide-se em União Paraíso – parte alta -, e Conjunto Habitacional São
Cristóvão – parte baixa), Colina do Rio, Lessa Ribeiro, Parque São Cristóvão, Adutora, Bom
Natal, Bate Coração e Cascalheira. Com este crescimento, São Cristóvão desenvolveu-se de
modo intuitivo, irregular e informal, sem planejamento, resultando em uma urbanização
problemática, caracterizada pela ausência de saneamento básico, causadora de enchentes e
alagamentos, formação de grupos de liderança de tráfico por jovens, expressiva violência
(com a formação das regiões de Yolanda Pires, Beira Rio, Nova Esperança e Planeta dos
2
Macacos). Tudo isto ainda reforçado por uma carência de atuação efetiva do Estado,
evidenciada pela escassa rede pública de atendimento¹.
Com o tempo, porém, São Cristóvão começou a assistir a formação de diferentes
associações e redes que buscavam minimizar ou tratar os tantos problemas que o território
apresentava. Diferentes organizações foram surgindo ao longo da história recente do bairro,
voltadas a resolver problemas que elas mesmas consideravam de pública relevância. O Estado
também começou a “entrar” no território quase abandonado de São Cristóvão, promovendo
algumas melhorias de urbanização ou realizando esforços pontuais. Hoje, não obstante uma
maior presença do Estado, ainda que tímida, as poucas unidades públicas de atendimento à
população são as escolas públicas estaduais e municipais – algumas delas se destacam porque
estão extremamente engajadas com a realidade comunitária -, um posto de saúde, e dois
Centros de Referencia da Assistência Social (CRAS)².
São Cristóvão foi, aos poucos, sendo palco de diferentes manifestações de atores que
buscavam de alguma forma melhorar a qualidade de vida da sua população, caracterizada pela
alta vulnerabilidade social. Todavia, estas iniciativas sempre apareceram de modo isolado,
pontual. Recentemente, o Centro de Referência da Assistência Social estabeleceu parceria
com uma empresa automobilística para a implantação de um INFOCENTRO nas mediações
da própria unidade do CRAS, o que permitiu o atendimento de alguns jovens comunitários.
A discussão proposta se articula a partir de três diferentes contribuições teóricas. De
um lado o conceito de concepção de configuração territorial explorada por Milton Santos
(2006): “A configuração territorial, ou configuração geográfica, tem pois sua existência
material própria, mas sua existência social, isto é sua existência real, somente lhe é dada pelo
fato das relações sociais”. Este conceito indica que as relações sociais locais compõem a
matriz motivadora para o estudo proposto, pois foi a dinâmica interacional que construiu a
realidade posta. Sobretudo, não se tratará somente das relações endógenas que se fazem
constantes, mas é elementar compreender a relações estabelecidas além das fronteiras
territoriais, entre as dimensões endógenas e exógenas, entre os atores que, por uma
multiplicidade de fatores, buscaram fincar ações e histórias com o território de São Cristóvão.
Do outro lado, o conceito de policy network permite explorar a discussão através da
perspectiva da multiatorialidade. Este conceito possibilita investigar os papéis e a participação
dos múltiplos atores vinculados por algum fator ao território no processo de construção
coletiva de desenvolvimento. Tal desenvolvimento pode se tornar concreto ao ressignificar o
conceito de políticas públicas como oportunidade de transformação realística.
Por fim, o último conceito deste tripé teórico é o de políticas públicas. A compreensão
de políticas públicas como o êxito de um processo multiatorial, que se desenvolve no
território, e que é a síntese não planejada do conjunto de ações voltadas para tratar os
problemas considerados de pública relevância em um território (BOULLOSA, 2006), permite
compreender São Cristóvão, com todos os seus problemas e potencialidades, como o
resultado de um processo histórico de uma multiplicidade de ações individuais e coletivas.
Assume-se este conceito, de fato, como mola propulsora para a construção deste ensaio, e, ao
mesmo tempo, como um ponto de partida para a discussão de possíveis alternativas de
mudança local.
O artigo se estrutura em quatro partes com o objetivo de ampliar a discussão sobre as
relações entre a falta de diálogo social e a vulnerabilidade de territórios, tomando como
laboratório de análise o caso do território de São Cristóvão. A primeira parte apresenta e
discute o caso de São Cristóvão como uma história de falta de diálogo social, lançando
questionamentos sobre qual concepção de desenvolvimento pode viabilizar oportunidades
concretas para o local. Na segunda parte, propõe-se explorar a relação entre as políticas
públicas e as oportunidades de transformação a partir da assunção de uma abordagem
conceitual dentre as diversidades de definições em torno do tema. Por fim, na terceira parte,
3
são expostas as conclusões e sugestões para diretrizes de pesquisa que apontam para a
necessidade de um esforço metodológico propositivo concernente ao fomento de novas
experiências de diálogo social que, a partir do conceito de políticas públicas adotado,
potencialize o desenvolvimento territorial.
2. Quando a falta de diálogo tensiona o território: uma história de insucessos
O território de São Cristóvão é alvo de sucessivas iniciativas públicas e privadas que
buscam, sem sucesso, melhorar as condições de vida da sua população. Entre as iniciativas
privadas, encontram-se propostas de intervenção provenientes de organizações locais,- como
associações de bairro, igrejas, etc -, e intervenções promovidas ou fomentadas por
organizações que não estão diretamente localizadas naquele território, à exemplo de ONG’s
nacionais. Somaram-se muitas propostas decorrentes das ações das múltiplas associações
constantes na comunidade, organizações e setores públicos. Todavia, mesmo diante deste
cenário propositivo, o território não consegue melhorar seus índices sociais e continua sendo
uma referência na mídia local para as questões de violência, tráfico de drogas, entre outros
problemas. Não raro, estes problemas são explicados, parcialmente, pela carência de infraestrutura.
Interpretar problemas tão complexos a partir de fatores prioritários ligados à carência
de infra-estrutura pode ser prematuro. São Cristóvão poderia ser melhor interpretado como
um território desestruturado cuja história recente, e relativamente jovem, revela uma cadeia de
insucessos alcançados por diferentes e múltiplas intervenções de atores que, na maior parte
das vezes, atuavam sozinhos. Esta falência múltipla e continuada parece, infelizmente, não ter
sido objeto de um olhar mais atento que buscasse descobrir as causas de tantos insucessos. É
importante observar que o insucesso é proveniente, principalmente, do conjunto das ações,
pois, por óbvio, São Cristóvão também foi palco de algumas intervenções exitosas. Tais
casos, porém, se mostraram tão pontuais que pouco alteraram a tendência de degradação e
vulnerabilidade social do território. O crescimento desordenado do território e o agravamento
da questão social são as importantes evidências desta incapacidade das ações, mesmo quando
exitosas de provocarem mudanças positivas e significativas para as comunidades ali
presentes.
Inserido numa realidade comum aos bairros da periferia de Salvador, São Cristóvão
também reflete os problemas de uma cidade cujo planejamento urbano sempre foi elitário e
exclusivista. Até os anos oitenta, as favelas da cidade apareciam como áreas verdes nos mapas
oficiais. E após quase vinte anos apoiando-se em um plano diretor vencido, que já não
representava nem mesmo a estrutura física da cidade, Salvador passou a contar, tardiamente,
com um novo plano que continua sem levar em consideração as demandas sociais de
territórios como o de São Cristóvão. De fato, lá parece tudo faltar: saneamento, falta de
escolas em número proporcional à quantidade de habitantes, falta de unidades de postos de
saúde proporcionais às demandas geradas, falta de estrutura de incentivo ao lazer e à leitura.
Os problemas que o território em estudo atravessa são tão sérios e reincidentes que o
mesmo passou a ser identificado como sendo um território de “descoesão social”, que se
caracteriza pelo alto número de homicídios e outros delitos violentos. Com esta alcunha, São
Cristovão passou a integrar, desde o ano 2008, o Programa Nacional de Segurança Pública
com Cidadania (PRONASCI), que busca construir uma articulação entre o âmbito da
segurança pública e das políticas sociais, propondo serviços à sociedade que promovam ações
de segurança e cidadania:
O Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania é uma iniciativa
pioneira que reúne ações de prevenção, controle e repressão da violência com
4
atuação focada nas raízes sócio-culturais do crime. Articula programas de segurança
pública com políticas sociais já desenvolvidas pelo governo federal, sem abrir mão
das estratégias de controle e repressão qualificada à criminalidade. As ações
desenvolvidas pelo Pronasci seguirão ainda as diretrizes estabelecidas pelo Sistema
Único de Segurança Pública, cujo eixo central é a articulação entre União, estados e
municípios para o combate ao crime. (...) Além dos profissionais do sistema de
segurança pública, o Pronasci tem como público-alvo jovens de 15 a 24 anos que
estão à beira da criminalidade ou já em conflito com a lei. O objetivo é a inclusão e
acompanhamento do jovem em um percurso social e formativo que lhe permita o
resgate da cidadania.3
O PRONASCI foi desenhado para se constituir como uma arena de atores sociais de
suposto potencial para a realidade de São Cristóvão, considerando a oficialidade e a relação
formal já estabelecida entre setores públicos para atendimento das demandas locais. Mas, não
obstante tantos esforços, parece que, frente a um história de problemas sociais constantes no
território, há muitas lacunas a serem preenchidas de forma a proporcionar mudanças locais
expressivas para àquela extensa área territorial.
Por outro lado, São Cristovão deve ser visto pelo grau de associacionismo presente
naquele espaço. Qualquer interpretação da sua trajetória deve levar em consideração o caráter
plural, estruturalista, multidimensional e extremamente complexo da realidade social, mesmo
em territorios de alta vulnerabilidade. Ao reconhecer tais dimensões, evidencia-se a
necessidade de buscar as formas de atuação do vários atores que compartilharam e fizeram
parte dos fatos instituídos para uma possível ressignificação dessas atuações. Destes pontos de
vista, observa-se que parte das iniciativas, que aconteceram ali naquele território, não levaram
em consideração o tecido social e organizacional presentes.
Posto que não consta uma articulação entre os atores de múltiplos interesses,
estabelece-se uma complexidade no território que representou a mola propulsora do que aqui
nomeia-se de tensão, instituída por um contexto repleto de negócios variados, com respectivos
objetivos, mas com a mesma intenção de contribuir com a realidade local. Todavia, sem
estabelecer uma forma de conversação que alcance uma integração e recolocação de papéis
para o funcionamento e consolidação das idéias, a história pode caminhar para o insucesso.
Pondera-se a existência de iniciativas, trabalhos e projetos direcionados para o território,
entretanto, sem obter a construção de uma proposta sólida democrática em que os habitantes
locais sejam co-partícipes do processo, as intervenções podem ser caracterizadas como
desvinculadas, isoladas, com entraves e restrições de recursos para o crescimento territorial.
A necessidade da promoção de espaços ou arenas para que o diálogo social se dê com
mais facilidade pode implicar em uma experiência de planejamentos e intervenções diferentes
do que vinha ocorrendo naquele território marcado pela ausência do diálogo. Para não
incorrer em uma simples, ainda que articulada, identificação e apresentação da história do
território de São Cristóvão como uma história de insucessos, e, portanto, para adotar uma
perspectiva propositiva, é importante trazer para a discussão alguns conceitos que poderão
ajudar a colocar uma nova luz argumentativa sobre o problema.
3. Reestruturando o problema a partir de um conceito de políticas públicas
O estudo de políticas públicas torna-se uma condição para avançar com uma proposta
de ampliação de alternativas para o território, pois esta representa um construto em processo
que estabelece início e resultado, ao mesmo tempo, de estratégias e serviços que vislumbram
qualidade de vida para os habitantes comunitários. Trata-se de um sistema de diretrizes que
conduzem a mobilidade de uma sociedade para o alcance de metas, sejam de cunho federal,
estadual, municipal, ou territorial. Sendo assim, o estudo das políticas sociais se insere nesta
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análise como ponto de partida, pois elas representam a possibilidade concreta de nortear as
intervenções sociais para o atendimento dessa realidade complexa e multidimensional do
território.
Diante desta concepção, política pública e diálogo social se tornam dois conceitos que
podem ser articulados para propor diferentes alternativas de desenvolvimetno territorial, pois
a primeira se refere à visão necessária que deve ser construída ou transformada no coletivo
para o desenho de ações futuras, enquanto a segunda é a forma estratégica de como buscar a
consolidação de tais ações e possibilitar movimentos dinâmicos formados por grupos com
interesses divergentes ou convergentes no processo contradito que trata da complexa realidade
para a elaboração de um construto social.
A partir desta abordagem, faz-se necessário tecer algumas considerações sobre os
conceitos de políticas públicas para elucidar que concepção e visão conceitual está em
consonância com as matrizes que fundamentam a base teórica das estratégias e diretrizes
metodológicas de diálogo social. Estes conceitos possuem uma multiplicidade de significados
que perpassam desde as concepções mais tradicionais,- que as definem como construções
formais cujos produtos são representados por planos, programas e projetos, provenientes do
Governo ou Instituições Governamentais - até as contemporâneas que as concebem como
construções em constantes processos cujos autores são múltiplos e o coletivo é atuante e copartícipe do processo.
No que tange à perspectiva tradicional, a definição abaixo explicita a relação estreita
da política publica com o âmbito governamental: “(...) teorias explicativas sobre o papel do
Estado – (o governo) -, produtor, por excelência de políticas públicas” (SOUZA, Celina,
2006, p 22). De acordo com as contribuições de Celina Souza, as políticas públicas enquanto
área de conhecimento surge nos EUA, como parte elementar da ciência política. Já na Europa,
o estudo das políticas públicas estava ligado ao Estado e aos processos de planejamento e
execução de planos institucionalizados. Mesmo sendo de procedências diferentes, o conceito
tradicional era limitado por perceber a atuação monopolizada por órgãos governamentais.
Entre as várias acepções que o termo engloba, tem-se a convicção que esta não é a abordagem
que se identifica com o debate em desenvolvimento, dada a peculiaridade referente à visão
unilateral.
Até mesmo pela evolução do sistema econômico social e as suas múltiplas facetas,
globalização, sociedade da informação, avanço tecnológico, crescimento populacional,
acirramento de fenômenos sociais resultantes da desigualdade de escala mundial, não há
espaço para desconsiderar a amplitude de demandas sociais, e, em paralelo, a multiplicidade
de entidades que se interessam com problemas sociais de ordem pública.
Por esta razão, intenciona-se investir num debate de política pública que redimensiona
este conceito histórico para incluir nesta análise a multiplicidade de atores presentes na arena
social e a complexidade do mundo social. Sendo assim, apresenta-se políticas públicas numa
concepção de policy inquiry, a partir da seguinte definição:
Abordagem dentro do estudo de políticas públicas (policy studies) que busca tanto
uma reconstrução (descrição) o mais realística e menos desencantada dos processos
quanto transformar tal conhecimento produzido em um forte instrumento de
intervenção (BOULLOSA, 2009).
Trata-se de uma forma de conceber política pública como um processo que busca
estabelecer um elo constante com o cotidiano social, lugar de conflitos e contradições que
impõe desafios às análises prontas, constituída num espaço de discussão e ação cujas
propostas possuem caráter processual e provisório. Assim, a perspectiva fundamentada em
policy inquiry desenvolvida por Rosana Boullosa, traz matrizes teórico-metodológicas que
tecem as políticas como “conhecimento em uso, políticas como interações, políticas como
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processo e políticas como ‘latas de lixo’”4. São formas de perceber as características e
fundamentos que estão inseridos nesta concepção de política pública, como: a aplicabilidade
do que se concebe como política para a realidade em estudo, a capacidade de constituir
interações com atores potenciais, a percepção de que os processos de construção de políticas
podem adquirir caminhos não-lineares e a política concebida segundo interesses particulares
se sobrepondo ao coletivo.
Alinhada com este significado de policy inquiry, de extrema utilidade para o
desenvolvimento de estratégias e diretrizes metodológicas de diálogo social que se aproxima
das discussões contemporâneas, é o conceito de policy network adotada por Börzel, que
retrata o caráter pluralista do termo,
[…] um conjunto de relações relativamente estáveis, que são interdependentes e não
hierárquicas, ligando entre si uma variedade de atores que compartilham interesses
comuns acerca de uma política pública e que intercambiam recursos na busca da
consecução desses interesses compartilhados, reconhecendo que a cooperação é a
melhor maneira de se atingir os objetivos comuns (BÖRZEL, 1997).
Assim, esta trajetória de concepções ideológicas traçadas até o momento sobre
políticas públicas proporciona uma possibilidade de ressignificar a situação e problemas
expostos em São Cristóvão na medida em que pode proporcionar uma reinterpretação da
história de insucessos do território causada pela inexistência de diálogo social. Estas
abordagens de como conceber política pública apontam sobre diretrizes para se pensar
estratégias e caminhos de articulação entre co-atores de política social.
Portanto, estas percepções de políticas públicas podem facilitar a forma, o meio para
se traçar alternativas, mas, que abordagem de desenvolvimento pode se tornar concreta para o
território? É sobre este tema que será discutido a seguir.
4. Como reverter a direção de trajetória de desenvolvimento?
É importante perceber que mesmo de forma desarticulada, o território de São
Cristóvão cresceu e se estabeleceu, instituindo sua dinâmica, seus serviços, seu mercado de
valor, sua própria estrutura e a sua identidade. Em face de tantas dificuldades de crescimento,
sua história mostra que a dinâmica e a atuação da política social voltada para a comunidade
sustentou o movimento e a realidade hoje apresentada. Isto mostra que esta discutida
desarticulação entre atores externos e internos também é uma forma de articulação que
estrutura o território, todavia, caminha às avessas do desenvolvimento.
Por isso, cabe aos atores que fazem parte desta arena de complexas realidades e de
redes desconexas repensar como criar possibilidades de algum desenvolvimento. Ao
mencionar o termo algum desenvolvimento, pretende-se destacar a importância de uma
concepção de crescimento capaz de proporcionar mudanças concretas para o local, de forma
que seus habitantes as vivenciem no próprio cotidiano.
Contudo, desenvolvimento e território são categorias que, concatenadas, representam
um dos assuntos mais explorados neste tempo social, e são de relevante análise para se
discutir mudanças concretas para a comunidade. Posto isto, eis que se torna primordial
discorrer sobre estes dois conceitos.
O termo território possui uma multiplicidade de conceitos que abrange desde uma
concepção naturalista histórica, no que concerne à análise física do território segundo os
geógrafos, a um significado interacional e híbrido de Haesbaert que analisa as discussões de
territórios-rede, multiterritorialidade e múltiplas escalas. Entre a concepção naturalista e a de
territórios-rede, Rogério Haesbaert Costa constrói uma linha de conceitos e reelabora as
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diversas vertentes que permeiam as discussões sobre termo: a perspectiva materialista,
idealista e a integradora que assume a peculiaridade híbrida do termo.
Na perspectiva materialista, o conceito de território possui uma herança do marxismo
em que as relações sociais e econômico-produtivas, bem como o aspecto naturalista e político
determinam a compreensão do termo cujas teorias não estão entretidas, mas dispostas
isoladamente. Para a concepção idealista, o território é analisado pela construção simbólica de
um grupo constituída pelo modo de vida, crença, costume, visão de mundo, ética e princípios
de uma sociedade que formam as relações sociais e fundamentam a existência do território.
Neste sentido, há uma crítica ao materialismo que reduz a compreensão do território ao
aspecto funcional e não explora as representações sociais constituídas nas relações sociais que
o identifica e dá existência ao mesmo.
Entretanto, na visão de Haesbaert – convenientemente adequada ao objeto de estudo
deste curso – estes conceitos não devem ser esquecidos ou excluídos para o entendimento de
território, ao contrário, cada um deles deve ser valorizado para uma ressignificação em um
novo conceito que atenda ou mesmo se aproxime das tendências e complexidade da sociedade
pós-moderna.
Por fim, o autor apresenta sobre a perspectiva interacional que propõe um conceito
articulado, associado e interrelacionado de forma que ao analisar o termo território estas
dimensões sejam consideradas contribuições para uma compreensão da pluralidade que se
relaciona ao assunto.
Sobrariam então duas possibilidades: ou admitir vários tipos de territórios que
coexistiriam no mundo contemporâneo, ou trabalhar com a idéia de uma nova forma
de construirmos o território, se não de forma total, pelo menos de forma
articulada/conectada, ou seja, integrada (HAESBAERT, 2007).
A partir desta concepção, é que a definição de território se apropria de um conteúdo
híbrido que pode articular significados múltiplos, desde o viés materialista políticotradicional, econômico, natural e idealista-simbólico. Neste sentido, Haesbaert adverte que
não se trata de um conceito que totaliza todas essas dimensões supracitadas, mas as integra,
por conexão, na busca por uma compreensão das vertentes que influenciam o entendimento de
território.
Frente a essa característica de uma pluralidade de simbologias que envolvem a
compreensão do termo ora em análise, a definição que responde a proposta apresentada neste
ensaio e sobre a qual esta reflexão buscará um encadeamento lógico é a noção de territóriosrede.
O complexo processo de globalização construiu um sistema de ideologias – sistema
cultural, político, social, econômico-financeiro, informacional – que contribuiu,
incisivamente, para constituição de uma sociedade em plena era da informação. Por
conseqüência, as percepções de espaço e tempo acompanharam uma dinâmica, mobilidade e
trocas instantâneas de informações cuja noção de pertencimento local atravessa fronteiras e
possibilita a existência de uma multiterritorialidade. Inseridos neste contexto, surgem os
territórios-rede que constroem referenciais simbólicos a partir desta nova dinâmica cuja supraestrutura emana de uma realidade marcada fortemente pelos recursos cibernéticos. Neste
sentido, multiterritorialidade, territórios-rede e reterritorialização são concepções presentes na
realidade contemporânea que subjazem novas e múltiplas dimensões e que constituem
categorias fundamentais para a compreensão das discussões a serem ora elaboradas.
É com esta dimensão de território que se propõe agregar a noção de desenvolvimento
territorial, compreendido aqui como a possibilidade de mudança concreta das condições reais
dos habitantes que vivenciam as expressões da questão social exploradas no início deste
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artigo. Abaixo, é retratada a importância da contribuição dada por Milton Santos ao se
abordar a existência das múltiplas dimensões para o desenvolvimento territorial.
(...) confrontamo-nos à consideração de que o desenvolvimento territorial seja,
sobretudo, uma perspectiva local, para a qual contribuem decisivamente as forças
sociais organizadas. Para tanto, o papel da ação do Estado (federal no nosso caso
brasileiro) seria secundário. Entendemos que o papel do Estado para o
desenvolvimento do território, na concepção pioneiramente sustentada por Milton
Santos (A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo,
HUCITEC, 1996) de múltiplas dimensões, é crucial. Sem ele, perde-se, por
exemplo, a condição de afirmar valores essenciais para as sociedades como um todo,
estabelecendo-se um campo aberto para que a lógica direta do mercado de
compensar o esforço individual prevaleça (ALMEIDA, Niemeyer e BONENTE,
Bianca Imbiriba, 2006).
Destarte, o desenvolvimento territorial para se tornar possível, há de ser percebido
como processo de construção coletiva, democrático e realístico cujas bases fundamentais
estão no cotidiano comunitário, espaço de conflitos e desentendimentos dos seus atores, mas
também de possibilidades, alternativas e criatividade.
É com este aporte conceitual, composto pelos significados de política, território e
desenvolvimento, discutidos no decorrer do presente artigo, que se propõe um dos possíveis
caminhos capaz de reverter à trajetória de crescimento da vulnerabilidade social local: o
diálogo social entre os atores que estão presentes no cenário do território de São Cristóvão.
Inserido ainda neste aporte conceitual, compreende-se o conceito de diálogo social como uma
abordagem capaz de estabelecer uma arena onde se processam reflexões, discussões, análises
que oportunizam a expressão coletiva e um fluxo não-linear de idéias e pensamentos
provenientes de atores imbricados na prática social de determinada realidade que tem
pretensões de construir caminhos norteadores para uma mudança social efetiva. É com esta
perspectiva que o artigo propõe reflexões sobre estratégias e diretrizes metodológicas que
possibilitem uma conexão em rede entre tais atores sociais, objetivando um diálogo social
efetivo e discussões dos interesses, mesmo contraditos, entretanto reunidos pela promoção do
desenvolvimento daquele território.
5. Conclusões e perspectivas de pesquisa
Este artigo buscou ampliar a discussão sobre formação de redes voltadas ao
desenvolvimento territorial, a partir de estudo do caso do território de São Cristóvão, em
Salvador da Bahia. As reflexões apresentadas indicam que um dos caminhos possíveis para
reverter trajetórias responsáveis pelo aumento da vulnerabildiade social parece ser o do
diálogo social. Através do diálogo social é possível construir, e, sobretudo, manter acesa uma
arena reflexiva sobre as alternativas que estão sendo adotadas pelos atores presentes naquele
território, potencializando suas ações e resultados. A proposta do conceito de diálogo social
apoia-se diretamente na compreensão de políticas públicas como o resultado de tudo aquilo
que é feito pelos atores que constituem o território, inclusive as diferentes instâncias de
governo. Ora, se política pública é o resultado (Boullosa, 2006), então são as conexões entre
os atores supramencionados que devem ser problematizadas, tendo em vista a importância de
transformações mais céleres. E estas conexões são os pontos mais frágeis de uma rede que já
existe, mas pouco articulada, o que justifica a importância e a necessidade de esforços de
projetação de tais articulações. Em outras palavras, esforços pela busca de pressupostos
metodológicos que indiquem direções possíveis para a manutenção e uma melhor afinidade
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entre as partes que são, ao final, responsáveis pelo que o território é, e pelo que o território
deseja ser.
A experiência de São Cristóvão mostrou que a natureza pouco orgânica e as limitações
das interações entre os atores, com conexões fragilizadas pelo tempo e pelas diferenças entre
as perspectivas de desenvolvimento buscadas, foram cruciais para a dinâmica e trajetória de
desenvolvimento que, ao invés de reverter o quadro de vulnerabilidade social, ajudam a
consolidá-lo. Uma metodologia de diálogo social que pudesse aproximar todos aqueles atores
em torno de objetivos comuns, poderia ter resultado na articulação de suas iniciativas e,
acredita-se, poderia ter revertido possivelmente a trajetória de exclusão sócio-espacial hoje
vivenciada pelo território de São Cristóvão. Emerge, então, de modo bastante explícito, a
necessidade de investir alguns esforços na busca por diretrizes metodológicas que promovam
ou facilitem o diálogo social, uma forma muito particular de concertação social, por
considerar o jogo, o pertencimento e a permanência dos atores de modo mais elástico, menos
programático.
Adentrando em um campo mais propositivo, que supera as intenções iniciais deste
artigo, as diretrizes metodológicas de diálogo social poderiam nascer da busca pela construção
de uma rede multifatorial de fácil acesso, aberta a qualquer ator que deseje participar em prol
do desenvolvimento territorial e, sobretudo, da adoção da concepção pluralista da sociedade e
das políticas públicas, sobretudo sociais, em vistas da democracia. O estudo e a intervenção
na realidade social possuem raízes quase míticas e sabe-se que qualquer projetação sobre a
realidade possui os seus limites, dado o caráter de imprevisibilidade da história, por mais
teorias que a literatura ofereça. Nada pode explicar tudo, assim como nada pode controlar
tudo. O mesmo raciocínio se aplica ao diálogo social e a qualquer tentativa de desenhá-lo
rigidamente. Mas, pelo contrário, é possível discutir e propor diretrizes que possam facilitar o
diálogo e promovê-lo sem determinar o seu fim, suas palavras e dinâmicas de resposta. Uma
busca metodológica de diálogo social amplia as possibilidades de desenvolvimento através da
mobilidade social e da participação efetiva, explora processos de construção coletiva, apoia-se
no caráter substituível das intervenções, e pode funcionar como uma verdadeira e promissora
arena discursiva territorial.
10
Notas:
¹Trecho pesquisado no Jornal A Tarde, 2006; no Correio da Bahia em 12/08/1997 por Naira Sodré; na Tribuna
da Bahia 20/04/1988, p.04; e no Dossiê de Associações de Moradores.
²O CRAS é uma unidade pública da política de assistência social municipal que compõe o Sistema Único da
Assistência Social e executa programas de proteção social básica às famílias e indivíduos. À exemplo dos
programas, tem-se o PAIF (Programa de Atenção Integral às Famílias) que disponibiliza o acompanhamento
sócio-familiar na comunidade e demais serviços que acionam a rede de proteção contra a negação de direitos
sociais. Recentemente, São Cristóvão ganhou mais uma unidade do CRAS numa sub-região situada no Parque de
São Cristóvão com recursos provenientes do PRONASCI.
3
Texto
retirado
do
endereço
eletrônico
do
Ministério
da
Justiça:
http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ3444D074ITEMID2C7FC5BAF0D5431AA66A136E434AF6BCPTBRIE.h
tm
4
Conceitos retirados de Materiais didáticos da disciplina Políticas Públicas e Sociais da Graduação Tecnológica
em Gestão Pública e Gestão Social, ministrada por Rosana Boullosa.
11
Referências
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13
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Quando a Falta de Diálogo Corrói o Território: Reflexões