EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA ÚNICA DA SUBSEÇÃO
JUDICIÁRIA DE ITAITUBA/PA
PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA
“...temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e
temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos
descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as
diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as
desigualdades”1.
Inquérito Civil 1.23.008.000089/2014-98
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL vem, perante a presença de
Vossa Excelência, através do Procurador da República subscrito, no regular
exercício de suas atribuições institucionais, com base nos artigos 129, III da
Constituição Republicana c/c o art. 5º,III a/e da Lei Complementar nº 75/93 e art.
6º, caput da Lei 7.347/85, ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM
PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA em face do
INSTITUTO
NACIONAL DO
SEGURO
SOCIAL
(INSS), Autarquia Federal, pessoa jurídica de direito
público
interno,
CNPJ
16.727.230/0001-97,
com
endereço na Av. VI do Ipasep, s/n, c 9, CEP 68.181-010,
Centro, Itaituba/ PA.
pelas razões de fato e direito a seguir expostas:
1Santos,
Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo
multicultural.Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003: 56.
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DO OBJETO DA AÇÃO
A presente ação tem por finalidade a tutela de direitos individuais
homogêneos
indisponíveis
(de
relevante
interesse
social)
protegendo,
imediatamente, o direito fundamental à previdência social, constante no caput do
art. 6° da CF/88, de comunidades tradicionais e, indiretamente, o patrimônio
cultural brasileiro, uma vez que a Agência da Previdência Social em Itaituba/PA
não aceita os documentos constantes da Ação Civil Pública n. 2006.39.02.0005120 (renumeração 512-39.2006.4.01.3902) como início de prova de atividade rural
para efeitos de aposentadoria especial e demais benefícios previdenciários dos
comunitários do PAE Montanha- Mangabal.
DOS FATOS
Da histórica existência da população extrativista Montanha-Mangabal
O território de Montanha Mangabal se localiza à margem esquerda do Alto
Tapajós, ao sul do Parque Nacional da Amazônia, em uma área de 66.391,5523 hectares entre
o igarapé Montanha ao norte, o igarapé José Rodrigues ao sul, o rio Tapajós a leste e a
rodovia Transamazônica ( BR 230) a oeste.
A ocupação ribeirinha remonta remonta a meados do século XIX. Segundo
estudos técnicos, o grupo se manteve coeso por diferentes momentos históricos, desde o
período da borracha, passando pelo enfrentamento com povos indígenas, a exploração
garimpeira na bacia do Tapajós, a expropriação territorial ocorrida com a criação do Parque
Nacional da Amazônia, até a apropriação ilegal de terras promovida pela empresa Indussolo,
que anunciava ser proprietária de 1.138.000 hectares na região onde se situa o grupo
ribeirinho e ameaçava expulsá-los do local.
Do reconhecimento antropológico e judicial de Montanha-Mangabal como comunidade
tradicional
No ano de 2006, visando a proteção da população de montanha
mangabal, bem como evitar conflito fundiário e tendo por base estudo técnicos 2 , o
2TORRES,
M. & FIGUEIREDO,W. Caracterização da ocupação, por população ribeirinha, da porção da
margem esquerda do Rio Tapajós compreendida entre os igarapés Montanha e José Rodrigues , Alto Tapajós,
Itaituba, Pará. Relatório de levantamento de dados no interesse do PA 1.23.002.000109/2005-90. Santarém,
2006. Anexo à ACP n.2006.39.000512-0, Vara Única da Subseção Judiciária da Justiça Federal em Santarém,
2006.
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MPF ajuizou ação civil pública 2006.39.02.000512-0, tendo logrado êxito no
deferimento liminar da interdição completa da área a qualquer pessoa não
pertencente às famílias de Montanha-Mangabal.
No mesmo ano, o IBAMA realizou consulta pública para debater a
proposta
de
criação
de
uma
Reserva
Extrativista
(RESEX),
aprovada
unanimemente pelos ribeirinhos.
Sucede que a proposta não foi atendida integralmente, contudo o caráter de
comunidade tradicional da população permaneceu incólume, tanto que foi instituído na
localidade um PAE, Projeto de Assentamento Agroextrativista.
Veja-se que não paira qualquer dúvida referente ao modo tradicional de viver
da comunidade Montanha-Mangabal.
Do amparo à previdência social e documentos que configuram inicio de prova da
condição de beneficiário
O legislador constitucional sob uma perspectiva de cunho social e
inspirado no princípio da dignidade da pessoa humana destacou algumas normas
de elevada carga fraternal.
Neste
sentido,
no
capítulo
da
Constituição
Federal
sobre
a
previdência social, previu o amparo especial ao homem do campo. Neste grupo,
inserem-se as comunidades tradicionais, reconhecidos como detentores do direito
à aposentadoria como segurado especial pelo Instituto Nacional do Seguro Social INSS.
Assim, se o constituinte originário protegeu o trabalhador rural e o
infraconstitucional
também
entendeu
que
a
proteção
dos
indígenas
está
assegurada, não se pode excluir de tal proteção as comunidades tradicionais. Daí
por que se proteger as famílias da Montanha-Mangabal no deferimento de
benefícios previdenciários.
Nesta senda, não se pode perder de vista a perspectiva interpretativa
pautada na Convenção 169 da OIT, que assegura a igualdade de tratamento e
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oportunidade aos povos indígenas e tribais, oportunizando a realização de direitos
fundamentais da pessoa humana, sem discriminações desarrazoadas.
Importante ressaltar que, embora a Autarquia Previdenciária não
reconheça a legitimidade das comunidades tradicionais para obtenção de benefício
previdenciário, há tal previsão no Decreto n. 6.040/07, regulamentando a Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.
Art. 3°, VIII: garantir no sistema público previdenciário a
adequação às especificidades dos povos e comunidades
tradicionais, no que diz respeito às suas atividades ocupacionais e
religiosas e às doenças decorrentes destas atividades;
A Convenção n. 169, da OIT, que no Brasil tem status de norma
supralegal reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, observa-se que:
Art.2°
1. Os governos terão a responsabilidade de desenvolver, com a
participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática para
proteger seus direitos e garantir respeito à sua integridade.
2.
Essa ação incluirá medidas para:
a) garantir que os membros desses povos se beneficiem, em condições de
igualdade, dos direitos e oportunidades previstos na legislação nacional para
os demais cidadãos;
b) promover a plena realização dos direitos sociais, econômicos e
culturais desses povos, respeitando sua identidade social e cultural, seus
costumes e tradições e suas instituições;
c) ajudar os membros desses povos a eliminar quaisquer disparidades
socioeconômicas entre membros indígenas e demais membros da
comunidade nacional de uma maneira compatível com suas aspirações e
estilos de vida. (grifos nossos)
Ademais, a Lei 8.213/91, ao concretizar o direito constitucional,
apresenta como segurado da Previdência Social, no seu art. 11, o segurado especial, que
define, em seu inciso VII, incluindo o extrativista, da seguinte forma:
(omissis);
VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou
em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em
regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros,
na condição de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou
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meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore
atividade: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; (Incluído pela Lei
nº 11.718, de 2008)
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos
termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de
2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida; (Incluído pela Lei nº
11.718, de 2008)
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão
habitual ou principal meio de vida; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos
de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e
b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar
respectivo. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 1º. Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o
trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao
desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em
condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de
empregados permanentes. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
No mesmo sentido, a INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES Nº
45, de 6 de agosto de 2010, em seu Art. 7, inciso I, alínea 'b', no mesmo caminho, reconhece a
condição de segurado especial ao extrativista vegetal que exerça, de modo sustentável, a
coleta ou extração de recursos naturais renováveis e faça dessa atividade o seu principal meio
de vida. Trata-se, exatamente, da situação dos comunitários de Montanha e Mangabal. Atentese ao texto da IN 45:
Art. 7º É segurado na categoria de segurado especial, conforme o inciso VII
do art. 9º do RPS, a pessoa física residente no imóvel rural ou em
aglomerado urbano ou rural próximo que, individualmente ou em regime de
economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na
condição de:
I - produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou
meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore
atividade:
a) agropecuária em área contínua ou não de até quatro módulos fiscais,
observado o disposto no § 17 deste artigo; e
b) de seringueiro ou extrativista vegetal na coleta e extração, de modo
sustentável, de recursos naturais renováveis, e faça dessas atividades o
principal meio de vida;
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II - pescador artesanal ou a este assemelhado, que faça da pesca profissão
habitual ou principal meio de vida, observado o disposto no inciso IX do § 1º
deste artigo; e
III - cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de dezesseis anos de
idade ou a este equiparado do segurado de que tratam os incisos I e II deste
artigo que, comprovadamente, tenham participação ativa nas atividades
rurais do grupo familiar.
Em relação à comprovação, isto é, do início de prova para atestar a condição
efetiva de segurado especial, vale o destaque dos seguintes dispositivo da mesma IN 45, em
especial o trecho negritado:
Art. 122. Considera-se início de prova material, para fins de comprovação da
atividade rural, entre outros, os seguintes documentos, desde que neles
conste a profissão ou qualquer outro dado que evidencie o exercício da
atividade rurícola e seja contemporâneo ao fato nele declarado, observado o
disposto no art. 132:
I - certidão de casamento civil ou religioso;
II - certidão de nascimento ou de batismo dos filhos;
III - certidão de tutela ou de curatela;
IV - procuração;
V - título de eleitor ou ficha de cadastro eleitoral;
VI - certificado de alistamento ou de quitação com o serviço militar;
VII - comprovante de matrícula ou ficha de inscrição em escola, ata ou
boletim escolar do trabalhador ou dos filhos;
VIII - ficha de associado em cooperativa;
IX - comprovante de participação como beneficiário, em programas
governamentais para a área rural nos estados, no Distrito Federal ou nos
Municípios;
X - comprovante de recebimento de assistência ou de acompanhamento de
empresa de assistência técnica e extensão rural;
XI - escritura pública de imóvel;
XII - recibo de pagamento de contribuição federativa ou confederativa;
XIII - registro em processos administrativos ou judiciais, inclusive inquéritos, como
testemunha, autor ou réu;
XIV - ficha ou registro em livros de casas de saúde, hospitais, postos de
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saúde ou do programa dos agentes comunitários de saúde;
XV - carteira de vacinação;
XVI - título de propriedade de imóvel rural;
XVII - recibo de compra de implementos ou de insumos agrícolas;
XVIII - comprovante de empréstimo bancário para fins de atividade rural;
XIX - ficha de inscrição ou registro sindical ou associativo junto ao sindicato
de trabalhadores rurais, colônia ou associação de pescadores, produtores ou
outras entidades congêneres;
XX - contribuição social ao sindicato de trabalhadores rurais, à colônia ou à
associação de pescadores, produtores rurais ou a outras entidades
congêneres;
XXI - publicação na imprensa ou em informativos de circulação pública;
XXII - registro em livros de entidades religiosas, quando da participação em
batismo, crisma, casamento ou em outros sacramentos;
XXIII - registro em documentos de associações de produtores rurais,
comunitárias, recreativas, desportivas ou religiosas;
XXIV - Declaração Anual de Produtor - DAP, firmada perante o INCRA;
XXV - título de aforamento;
XXVI - declaração de aptidão fornecida pelo Sindicato dos Trabalhadores
Rurais para fins de obtenção de financiamento junto ao PRONAF;
XXVII - cópia de ficha de atendimento médico ou odontológico;
XXVIII - cópia do DIAC/DIAT entregue à Receita Federal; e
XXIX - cópia do Documento de Informação e Atualização Cadastral - DIAC
do ITR e Documento de Informação e Apuração do ITR - DIAT entregue à
Receita Federal.
O fato é que, conforme o caput do art. 122 transcrito acima, o rol de
documentos que servem de início de prova material é exemplificativo, de modo que tudo o
que se colaciona (Tese de Mestrado, Cópia de documentos de Ação Civil Pública,
Informação do ICMBio) precisa, por sua riqueza de informações e segurança das fontes, ser
considerado.
Além disso, o Inciso XIII do art. 122 da IN 45 considera como início de prova
o registro em processos administrativos ou judiciais, inclusive inquéritos, como
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testemunha, autor ou réu.
Nesse sentido, a cópia da Inicial da Ação Civil Pública, em anexo, que, como
apontado, apresenta o representante de cada uma das 101 famílias da população tradicional de
Montanha Mangabal, com esta recomendação, em poder do INSS, deve servir de início de
prova material.
Assim, não há falar em ausência de norma que constitua óbice ao
reconhecimento dos direitos previdenciários aos comunitários de Montanha-Mangabal.
Da incongruência do INSS na exigência de documentos incompatíveis com a condição de
população tradicional
Não se pode olvidar que o Supremo Tribunal Federal decidiu pela
necessidade
de
primeiro
se
buscar
o
pleito
previdenciário
na
esfera
administrativa, diretamente nas agências da previdenciária social e somente
depois de negado o benefício, requerer-se o pleito judicial mente. 3
Seguindo esta diretriz, o Parquet Federal no dia 22 de janeiro de
2013, instaurou-se o Inquérito Civil Público- ICP 1.23.002.000063/2013-19
“tendo como objeto apurar o problema relacionado ao indeferimento de pedidos
de aposentadoria rural por comunitários de população tradicional Montanha
Mangabal”.
Nos autos do referido ICP constituiu-se diversos meios de provas,
dentre as quais a expedição de diversos ofícios para o INSS e ainda a
Recomendação/3° Ofício/ PRM/STM n. 2 de 26 de fevereiro de 2013, para
recomendar ao Chefe da Agência da Previdência Social do INSS em Itaituba/PA
que orientasse o setor responsável daquela Agência a considerar os documentos
referentes ao processo judicial n. 2006.39.02.000512-0 como início de prova da
condição de segurado especial. À época, a recomendação do MPF foi atendida, de
modo que aquele ICP perdeu objeto e ato contínuo foi arquivado.
Ocorre que no ano de 2014, diante das constantes notícias de que a
Autarquia Previdenciária vinha estabelecendo como marco inicial o ano de 2006
3
RE 631.240/MG, julgado em 27/08/2014.
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para reconhecimento dos moradores de Montanha Mangabal como população
tradicional, o Ministério Público Federal, instaurou o IC 1.23.008.000089/201498, no bojo do qual expediu-se recomendação para que não se considerasse a data
da decisão judicial proferida no processo judicial n. 2006.39.02.000512-0, como
marco para inicio de prova, contudo, apesar de informar que cumpriria a
recomendação, a Autarquia passou a exigir documentos não compatíveis com
segurado que ostenta a condição de população tradicional, bem como passou a não
reconhecer as declarações emitidas pela associação d os moradores de MontanhaMangabal, indeferindo os pedidos de benefícios previdenciários, em especial o de
aposentadoria, conforme faz prova o documento de fls. 02 /05 e 29/30, em anexo.
Isto posto, outra solução não restou a este Órgão Ministerial a não
ser se socorrer da presente ACP para estancar toda e qualquer dúvida quanto à
aceitação da ação judicial 2006.39.02.000512-0 como início de prova material
para fins previdenciários da comunidade Montanha-Mangabal.
Da interpretação extensiva do art. 106, III, da lei n. 8.213/91 sob pena de violação do
princípio da igualdade material
Sabe-se que na seara da Administração Pública o princípio da legalidade é lido
sob uma perspectiva diferenciada da seara privada, nesta, tudo o que não é proibido por lei é
permitido ao particular; naquela, não. Só está a Administração Pública autorizada a fazer o
que a lei autorizou. Nesta toada, prevê o art. 106, III, da Lei de Planos de Benefícios quais os
meios de provas admitidos à comprovação da atividade rural para fins previdenciários,
havendo destaque para o inciso III:
Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita,
alternativamente, por meio de:
(...)
III – declaração fundamentada de sindicato que represente o
trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de
pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro
Social – INSS; (grifos nossos)
Contudo, não se pode aceitar que a ré mantenha um entendimento meramente formal do
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diploma legal acima indicado. É preciso que seja feita uma interpretação sistemática das
normas postas no ordenamento jurídico, sob pena de negação de direitos.
Entrementes, cabe a Autarquia ré, observar o contido no Art. 3o do Decreto n.
6.040/2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidade Tradicionais, institui dentre os seus objetivos:
VIII - garantir no sistema público previdenciário a adequação às
especificidades dos povos e comunidades tradicionais, no que diz
respeito às suas atividades ocupacionais e religiosas e às doenças
decorrentes destas atividades.
Se a interpretação sistemática não for observada pelo INSS, com o
consequente indeferimento dos pleitos previdenciários dos moradores da comunidade
Montanha-Mangabal por não apresentação de documentos incompatíveis de apresentação pela
população tradicional que tem modo de viver próprio.
Exatamente por essas particularidades dos povos tradicionais, os direitos
previdenciários devem ser respeitados e tutelados pela legislação brasileira. Interpretar de
modo diverso os dispositivos constitucionais, descaracterizando seu caráter protetivo, seria a
negação de sua identidade cultural e uma subversão do sistema de proteção social
estabelecido no direito brasileiro.
Nesse contexto, o princípio da igualdade perde a noção homogeneizante antes
presente para dar espaço, ao lado da igualdade formal e material, ao reconhecimento do
direito à diferença. Já é clássica, nesse diapasão, a lição de Boaventura Souza Santos, para
quem temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e o direito de ser
diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.
Por essas razões, pretende-se demonstrar que o entendimento do INSS se
mostra incompatível com a Constituição da República e com convenções internacionais
firmadas pelo Brasil, além de contrário à legislação infraconstitucional correspondente, pois
está dissociado da visão multicultural prevista na lei fundamental, por meio da qual o direito
à igualdade não pode ser visto apenas como fonte formal ou material de equiparação de
indivíduos, mas também como diretriz para o reconhecimento da diferença.
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DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL DA PRIMEIRA REGIÃO
O direito brasileiro tem cada vez mais se pautado nos entendimentos
jurisprudenciais como fonte do direito, isso por que, muitas vezes, a problemática
anteriormente enfrentada pelo magistrado resulta numa síntese que serve como parâmetro
para diversos outros casos. Veja-se, por exemplo, o decidido pelo Tribunal Regional Federal
da Primeira Região:
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR
IDADE. TRABALHADORA RURAL. RELATIVIZAÇÃO DO INÍCIO DE
PROVA MATERIAL DOS TRABALHADORES ATENDIDOS PELOS
JUIZADOS ITINERANTES DO AMAZONAS. PRECEDENTE DA TNU.
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) A
TNU, por sua vez, já pacificou o entendimento de que, nas populações
ribeirinhas amazônicas, o início de prova material deve ser flexibilizada,
em face das peculiaridades do trabalhador da floresta, o qual se
encontra muito mais afastado de um centro urbano do que o
trabalhador da roça. Nesse sentido, o Pedilef 2009.32.00.704371-9, DJ 710-2011, relatado pelo Sr. Juiz Jorge Gustavo Costa, e Pedilef
2008.32.00.702625-0, DJ 8-2-2011, relatado pelo Sr. Juiz José Eduardo do
Nascimento. 3. Não se pode ignorar que, em determinadas situações, a prova
documental é quase impossível de ser obtida pelo cidadão humilde e sem
acesso a determinados recursos materiais e humanos. É o caso dos presentes
autos, em que a autora reside no interior do estado do Amazonas e a
possibilidade de materialização de documentos comprovantes da atividade
rural é demasiadamente reduzida. (...)." (PEDILEF 00003365620114013200,
Juiz Federal Glaucio Ferreira Maciel Gonçalves, DOU 15/03/2013.) 8.
Recurso conhecido e provido. Sentença reformada.
Assim, não existe óbice ao INSS em flexibilizar os meios de provas exigidos
das comunidades ribeirinhas, em especial quando se trata de tradicional comunidade como é a
Montanha-Mangabal como forma do Poder Executivo contribuir para a construção de uma
sociedade multicultural e pluriétnica.
Esse paradigma insere os direitos dessas comunidades no campo dos direitos
fundamentais, de modo que a proteção dos diversos grupos que compõem a identidade
nacional visa assegurar-lhes, em último grau, a dignidade humana, tendo em vista o ideal
emancipatório – de autodeterminação - que subjaz a esta nova concepção.
DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DA
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
A Constituição Federal de 1988 previu expressamente como função precípua
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da instituição Ministério Público a instauração de Inquérito Civil Público buscando a defesa
dos direitos e interesses que afetam diretamente a sociedade de forma relevante, sendo-lhe
concedido o exercício de funções compatíveis com o mister que lhe foi dado.
A legitimidade ativa ad causam do Ministério Pública encontra previsão
expressa na inteligência dos artigos 129, III, da Constituição Federal; art. 5º e 6°da Lei
Complementar n. 75 nos respectivos termos:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos
e coletivos.
Art. 5º. São funções institucionais do Ministério Público da União:
III – a defesa dos seguintes bens e interesses:
(...)
c) o patrimônio cultural brasileiro;
e) os direitos e interesses coletivos, especialmente das comunidades
indígenas, da família, da criança, do adolescente e do idoso;
Art. 6º. Compete ao Ministério Público da União:
XIV – promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções
institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis, especialmente quanto:
d) ao patrimônio cultural brasileiro;
Acresça-se a isso que constitui função institucional do MPU zelar pela
observância dos princípios constitucionais relativos à seguridade social (art. 5º, inciso II,
alínea d, da Lei Complementar nº 75/93).
Diante desse quadro, resta incontroverso o cabimento da presente ação civil
pública, assim como a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para seu ajuizamento.
A propósito, cumpre ressaltar que o direito à obtenção de benefícios previdenciários, por
materializar o direito social à previdência social previsto no art. 6º da Constituição Federal, é
dotado de caráter fundamental, de modo que a indisponibilidade se apresenta como uma
característica que lhe é inerente. Tratando-se de direitos individuais homogêneos de caráter
indisponível1, incumbe ao MPF promover sua concretização.
Ainda que não se analise a questão sob o prisma da indisponibilidade, há de ser
reconhecido o caráter socialmente relevante do interesse em questão, conforme já se
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manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DESTINADA À TUTELA DE DIREITOS DE
NATUREZA PREVIDENCIÁRIA (NO CASO, REVISÃO DE
BENEFÍCIOS). EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE
SOCIAL. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. RECONHECIMENTO. 1. Para fins de tutela jurisdicional
coletiva, os interesses individuais homogêneos classificam-se como
subespécies dos interesses coletivos, previstos no art. 129, inciso III, da
Constituição Federal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Por sua
vez, a Lei Complementar n.º 75/93 (art. 6.º, VII, a) e a Lei n.º 8.625/93
(art. 25, IV, a)legitimam o Ministério Público à propositura de ação civil
pública para a defesa de interesses individuais homogêneos, sociais e
coletivos. Não subsiste, portanto, a alegação de falta de legitimidade do
Parquet para a ação civil pública pertinente à tutela de direitos
individuais homogêneos, ao argumento de que nem a Lei Maior, no
aludido preceito, nem a Lei Complementar 75/93, teriam cogitado dessa
categoria de direitos. 1 À guisa de esclarecimento, é a percepção
patrimonial das parcelas do benefício que é disponível, mas não o direito
fundamental à sua percepção. . 2. A ação civil pública presta-se à tutela
não apenas de direitos individuais homogêneos concernentes às relações
consumeristas, podendo o seu objeto abranger quaisquer outras espécies
de interesses transindividuais 3. Restando caracterizado o relevante
interesse social, os direitos individuais homogêneos podem ser objeto
de tutela pelo Ministério Público mediante a ação civil pública.
Precedentes do Pretório Excelso e da Corte Especial deste Tribunal. 4.
No âmbito do direito previdenciário (um dos seguimentos da seguridade
social), elevado pela Constituição Federal à categoria de direito
fundamental do homem, é indiscutível a presença do relevante interesse
social, viabilizando a legitimidade do Órgão Ministerial para figurar no
polo ativo da ação civil pública, ainda que se trate de direito disponível
(STF, AgRg no RE AgRg/RE 472.489/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. CELSO
DE MELLO, DJe de 29/08/2008). 5. Trata-se, como se vê, de
entendimento firmado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a quem a
Constituição Federal confiou a última palavra em termos de interpretação
de seus dispositivos, entendimento esse aplicado no âmbito daquela
Excelsa Corte também às relações jurídicas estabelecidas entre os
segurados da previdência e o INSS, resultando na declaração de
legitimidade do Parquet para ajuizar ação civil pública em matéria
previdenciária (STF, AgRg no AI 516.419/PR, 2.ª Turma, Rel. Min.
GILMAR MENDES, DJe de 30/11/2010). 6. O reconhecimento da
legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública em
matéria previdenciária mostra-se patente tanto em face do
inquestionável interesse social envolvido no assunto, como, também,
em razão da inegável economia processual, evitando-se a proliferação
de demandas individuais idênticas com resultados divergentes, com o
consequente acúmulo de feitos nas instâncias do Judiciário, o que,
certamente, não contribui para uma prestação jurisdicional eficiente,
célere e uniforme. 7. Após nova reflexão sobre o tema em debate, deve
ser restabelecida a jurisprudência desta Corte, no sentido de se
reconhecer a legitimidade do Ministério Público para figurar no polo
ativo de ação
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civil pública destinada à defesa de direitos de natureza previdenciária. 8.
Recurso especial desprovido.” (STJ, REsp 2009.01.02844-1, Quinta
Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJE 01/02/2011) (grifei)
No que tange à competência do Poder Judiciário Federal para processar e julgar
a presente causa, esta se firma, nos termos do art. 109 da Constituição (incisos I e XI,
respectivamente), por se tratar de demanda em que há no polo passivo da relação processual o
INSS, autarquia federal
Registre-se que o Ministério Público Federal vem construindo um trabalho de
reconhecimento histórico das centenas de famílias que compõem a comunidade de Montanha
Mangabal, havendo em curso ACP que explicita o modo tradicional de viver de cada uma
dessas famílias, não sendo razoável que a Autarquia Federal Previdenciária apresente óbice ao
reconhecimento judicial, bem como do próprio poder executivo federal ao instituir o PAE
MONTANHA-MANGABAL4.
Pode-se afirmar, portanto, que, há interesse inequívoco a ser defendido por
este órgão Ministerial Federal, devendo a ação tramitar na Justiça Federal, uma vez que
proposta em face de Autarquia Federal, nos termos do disposto no art. 109, I, da
Constituição Federal5.
DO DANO MORAL COLETIVO
Demonstradas as ilegalidades e inconstitucionalidades contidas na postura da
autarquia previdenciária, a qual tem deixado de observar as peculiaridades socioculturais do
povo tradicional para indeferir os benefícios previdenciários, mostra-se patente a existência
de ato ilícito capaz de gerar lesão não patrimonial a toda a comunidade, de modo a ensejar a
responsabilidade civil do Estado, sob a forma de dano moral coletivo.
A compreensão da ideia de “dano moral coletivo” pressupõe que o abalo não
esteja relacionado especificamente aos membros de uma determinada coletividade. Em outras
palavras, não se exige que haja perturbação física ou psíquica de algum integrante do grupo, e
sim que haja uma ofensa a um interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo
4http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/10/31/ribeirinhos-tem-conquista-historica-em-area-de-
barragens-do-tapajos/ acesso em 08.04.2015
109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou
empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de
falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. (grifo nosso)
5Art.
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coletivamente considerado, a um sentimento geral daquele grupo determinado ou
indeterminado de pessoas.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem evoluído
para admitir a sua ocorrência, conforme se depreende dos seguintes precedentes:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EMPRESA
DETELEFONIA – PLANO DE ADESÃO - LIG MIX - OMISSÃO DE
INFORMAÇÕES RELEVANTES AOS CONSUMIDORES – DANO
MORAL COLETIVO - RECONHECIMENTO - ARTIGO 6º, VI, DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - PRECEDENTE DA
TERCEIRA TURMA DESTA CORTE - OFENSA AOS DIREITOS
ECONÔMICOS E MORAIS DOS CONSUMIDORES CONFIGURADA DETERMINAÇÃO DE CUMPRIMENTO DO JULGADO NO TOCANTE
AOS DANOS MATERIAIS E MORAIS INDIVIDUAISMEDIANTE
REPOSIÇÃO DIRETA NAS CONTAS TELEFÔNICAS FUTURAS DESNECESSÁRIOS PROCESSOS JUDICIAIS DE EXECUÇÃO
INDIVIDUAL - CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS DIFUSOS,
IGUALMENTE CONFIGURADOS, MEDIANTE DEPÓSITO NO FUNDO
STADUAL ADEQUADO. 1.- A indenização por danos morais aos
consumidores, tanto de ordem individual quanto coletiva e difusa, tem seu
fundamento no artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor. 2.á realmente firmado que, não é qualquer atentado aos interesses dos
consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato
transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da
tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros
sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem
extrapatrimonial coletiva. Ocorrência, na espécie. (REsp 1221756/RJ, Rel.
Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em
02/02/2012, DJe 10/02/2012). 3.- No presente caso, contudo restou
exaustivamente comprovado nos autos que a condenação à composição dos
danos morais teve relevância social, de modo que, o julgamento repara a
lesão causada pela conduta abusiva da ora Recorrente, ao oferecer plano de
telefonia sem, entretanto, alertar os consumidores acerca das limitações ao
uso na referida adesão. O Tribunal de origem bem delineou o abalo à
integridade psico-física da coletividade na medida em que foram lesados
valores fundamentais compartilhados pela sociedade. 4.- Configurada
ofensa à dignidade dos consumidores e aos interesses econômicos diante
da inexistência de informação acerca do plano com redução de custo da
assinatura básica, ao lado da condenação por danos materiais de rigor
moral ou levados a condenação à indenização por danos morais coletivos
e difusos. 5.- Determinação de cumprimento da sentença da ação civil
pública, no tocante à lesão aos participantes do "LIG-MIX", pelo período de
duração dos acréscimos indevidos: a) por danos materiais, individuais por
intermédio da devolução dos valores efetivamente cobrados em telefonemas
interurbanos e a telefones celulares; b) por danos morais, individuais
mediante o desconto de 5% em cada conta, já abatido o valor da devolução
dos participantes de aludido plano, por período igual ao da duração da
cobrança indevida em cada caso; c) por dano moral difuso mediante
prestação ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados do Estado de Santa
Catarina; d) realização de levantamento técnico dos consumidores e valores e
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à operacionalização dos descontos de ambas as naturezas; e) informação dos
descontos, a título de indenização por danos materiais e morais, nas contas
telefônicas. 6.- Recurso Especial improvido, com determinação (n. 5 supra).”
(STJ, REsp 1291213/SC, Terceira Turma, Rel. Min. Sindei Beneti, DJE
25/09/2012, p. 118) (grifei)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL COLETIVA.
INTERRUPÇÃO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA.
OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.
LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NEXO DE
CAUSALIDADE. SÚMULA 7/STJ. DANO MORAL COLETIVO.DEVER
DE INDENIZAR. 1. Cuida-se de Recursos Especiais que debatem, no
essencial, a legitimação para agir do Ministério Público na hipótese de
interesse individual homogêneo e a caracterização de danos patrimoniais e
morais coletivos, decorrentes de frequentes interrupções no fornecimento de
energia no Município de Senador Firmino, culminando com a falta de
eletricidade nos dias 31 de maio, 1º e 2 de junho de 2002. Esse evento
causou, entre outros prejuízos materiais e morais, perecimento de gêneros
alimentícios nos estabelecimentos comerciais e nas residências; danificação
de equipamentos elétricos; suspensão do atendimento no hospital municipal;
cancelamento de festa junina; risco de fuga dos presos da cadeia local; e
sentimento de impotência diante de fornecedor que presta com exclusividade
serviço considerado essencial. 2. A solução integral da controvérsia, com
fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 3. O
Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar em defesa dos direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores. Precedentes
do STJ. 4. A apuração da responsabilidade da empresa foi definida com base
na prova dos autos. Incide, in casu, o óbice da Súmula 7/STJ. 5. O dano
moral coletivo atinge interesse não patrimonial de classe específica ou
não de pessoas, uma afronta ao sentimento geral dos titulares da relação
jurídica-base. 6. O acórdão estabeleceu, à luz da prova dos autos, que a
interrupção no fornecimento de energia elétrica, em virtude da precária
qualidade da prestação do serviço, tem o condão de afetar o patrimônio
moral da comunidade. Fixado o cabimento do dano moral coletivo, a revisão
da prova da sua efetivação no caso concreto e da quantificação esbarra na
Súmula 7/STJ. 7. O cotejo do conteúdo do acórdão com as disposições do
CDC remete à sistemática padrão de condenação genérica e liquidação dos
danos de todos os munícipes que se habilitarem para tanto, sem limitação
àqueles que apresentaram elementos de prova nesta demanda (Boletim de
Ocorrência). Não há, pois, omissão a sanar. 8. Recursos Especiais não
providos.” (STJ, REsp 1197654/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Herman
Benjamin, DJe 08/03/2012) (grifei)
No caso em exame, o ato ilícito da autarquia previdenciária consiste na
flagrante desconsideração das tradições, costumes e modos de vida do povo tradicional sem
qualquer reconhecimento do direito à diferença, gerando neste povo um sentimento geral de
desrespeito a suas peculiaridades socioculturais.
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Como dito acima, a configuração do dano moral coletivo, no caso em exame,
independe de prova de dor ou sentimento psíquico de uma ou algumas dos membros da
comunidade, pois decorre objetivamente do ato administrativo homogeneizante da autarquia,
segundo o qual aqueles modos de vida são tidos simplesmente como “não considerados” ou
“inválidos”. Trata-se, pois, de dano moral in re ipsa.
No que concerne à quantificação, em que pese o caráter não patrimonial da
reparação, entende-se que a fixação do valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) se
mostra razoável a fazer valer o caráter compensatório da indenização, sem deixar de observar
o seu viés pedagógico e desestimulador de novas práticas similares pelo INSS.
DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA
Inicialmente, cumpre lembrar o conteúdo da Súmula 729 do STF, que veda a
concessão de antecipação de tutela em alguns casos, mas exclui as causas de natureza
previdenciária: “A DECISÃO NA AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE NÃO
SE APLICA À ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM CAUSA DE NATUREZA
PREVIDENCIÁRIA”. Isso ocorre para que não se esvazie o princípio da inafastabilidade da
jurisdição em matéria de direitos fundamentais.
Em outra banda, a concessão de antecipação de tutela, no bojo da ACP, tem
respaldo no art. 12, caput, da Lei n.7.347/85, que informa que “poderá o juiz conceder
mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”, e além disso,
deve-se observar os pressupostos contidos no Código de Processo Civil.
Nos termos do art. 273 do CPC, presentes a prova inequívoca e a
verossimilhança da alegação, a prestação jurisdicional será adiantada sempre que haja
fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Veja-se a lição do Ministro Teori
Albino Zavascki (Antecipação da Tutela, São Paulo: Saraiva, 1997, pp. 75-76):
Atento, certamente, à gravidade do ato que opera restrição a direitos
fundamentais, estabeleceu o legislador, como pressupostos genéricos,
indispensáveis a qualquer das espécies de antecipação da tutela, que haja (a)
prova inequívoca e (b) verossimilhança da alegação. O fumus boni iuris
deverá estar, portanto, especialmente qualificado: exige-se que os fatos,
examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos
certos. Em outras palavras: diferentemente do que ocorre no processo
cautelar (onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade
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quanto aos fatos alegados), a antecipação da tutela de mérito supõe
verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa)
certeza quanto à verdade dos fatos. Sob esse aspecto, não há como deixar de
identificar os pressupostos da antecipação da tutela de mérito, do art. 273,
com os da liminar em mandado de segurança: nos dois casos, além da
relevância dos fundamentos (de direito), supõe-se provada nos autos a
matéria fática. (...) Assim, o que a lei exige não é, certamente, prova de
verdade absoluta, que sempre será relativa, mesmo quando concluída a
instrução, mas uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição
sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de
verdade.
O juízo de verossimilhança reside em um preliminar juízo de probabilidade,
resultante da ponderação dos motivos que lhe são favoráveis e dos que lhe são desfavoráveis.
Se os motivos favoráveis são superiores aos desfavoráveis, o juízo de probabilidade aumenta,
cumprindo anotar que, em sede de ação civil pública, a antecipação de tutela ganha relevância
ainda maior, já que com ela quer-se operar interesses difusos, coletivos e coletivos lato sensu,
bens cuja titularidade não é particularizada em determinados indivíduos, como no caso
vertente. Aqui está a se defender o direito coletivo à diversidade cultural, protegendo
comunidades tradicionais e lhes garantindo uma vida digna.
A verossimilhança da alegação é contundente, diante do material probatório
disponível no IC e da argumentação acima traçada, apta a demonstrar os danos causados ao à
população tradicional de Montanha-Mangabal.
O perigo da demora também desponta com clareza. O indeferimento dos
pedidos de concessão de benefícios previdenciários, enquanto não cessada essa injustiça, traz
sérios transtornos às famílias do PAE Montanha-Mangabal, principalmente por que quem é
busca a autarquia ré geralmente se encontra em estado de necessidade, reclamando proteção
estatal como idosos, crianças, gestantes etc. Assim, a não concessão da liminar pode trazer
sérios danos de ordem moral, de subsistência e de viés econômica aos comunitários, por
consequência, ferindo-lhes direitos fundamentais próprios da pessoa humana.
Assim, em sede de antecipação de tutela, vislumbrados em juízo perfunctório, a
presença simultânea dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, tendo em
vista a urgência no provimento aqui pretendido requer:
a) que o INSS se abstenha de exigir documentos não
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compatíveis
com
comunitários
de
as
atividades
desenvolvidas
Montanha-Mangabal,
a
exemplo
por
de
declaração de sindicato rural e declaração de agentes
comunitários de saúde;
b) que o INSS, obedecendo ao prazo decadencial de revisão
do ato de concessão do benefício previdenciário (art. 347,
Decreto 3.048/99), analise os pleitos indeferidos nos últimos
10 anos,
não tendo como início de prova material de
condição de segurado a data de ajuizamento da ACP 51239.2006.4.01.3902, qual seja 23 de marco de 2006, uma vez
que o provimento judicial pleiteado nos referidos autos é
meramente declaratório da condição de povos tradicionais dos
moradores de Montanha-Mangabal.
DOS REQUERIMENTOS FINAIS
Diante de todo o exposto requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:
a) a confirmação dos provimentos liminares acima explanados,
determinando que;
a.1) que o INSS se abstenha de exigir documentos não
compatíveis
com
comunitários
de
as
atividades
desenvolvidas
Montanha-Mangabal,
a
exemplo
por
de
declaração de sindicato rural e declaração de agentes
comunitários de saúde, sob pena de multa diária de 1.000,00
(um mil reais);
a.2) que o INSS, obedecendo ao prazo decadencial de revisão
do ato de concessão do benefício previdenciário (art. 347,
Decreto 3.048/99), analise os pleitos indeferidos nos últimos
10 anos,
não tendo como início de prova material de
condição de segurado a data de ajuizamento da ACP 51239.2006.4.01.3902, qual seja 23 de marco de 2006, uma vez
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que o provimento judicial pleiteado nos referidos autos é
meramente declaratório da condição de povos tradicionais dos
moradores de Montanha-Mangabal.
b) condenar o INSS a proceder, quando do requerimento da população
tradicional de Montanha-Mangabal, à análise dos pedidos de benefício previdenciários à luz
da Recomendação/3°Ofício/PRM/STM n.2 de 26 de fevereiro de 201 ;
c) a condenação do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS ao
pagamento de dano moral coletivo, no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil
reais);
d) a citação do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, na pessoa do
seu representante judicial, qual seja a Procuradoria Federal, podendo ser citada na sede da
APS Itaituba, para que tome ciência da propositura da ação, apresente contestação a presente
demanda e integre a lide até final procedência, sob pena de revelia e confissão quanto a
matéria de fato;
e) a produção de provas por todos os meios admitidos em direito, em
especial a prova documental.
Trata-se de causa de valor inestimável, cujo valor aqui arbitrado para efeitos
fiscais é o importe de R$ 1.000.00, 00 (hum milhão de reais).
Santarém (PA), 08 de abril de 2015.
JANAINA ANDRADE DE SOUSA
Procuradora da República
Rol de Testemunhas:
1)
Ageu Lobo Pereira, Presidente da Associação Comunitária de Montanha-Mangabal,
com endereço na Vilinha, dentro da Comunidade Montanha-Magabal, Itaituba/PA.Tel (093)
99181-1271;
2)
Maurício Torres, pesquisador do ISA, podendo ser intimado no endereço eletrônico
[email protected]
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Lista de anexos:
1.
Cópia da Inicial da Ação Civil Pública que gerou o processo nº 2006.39.02.000512-0;
2.
Cópia da Decisão que concedeu a antecipação de tutela requerida na Ação Civil Pública, processo nº
2006.39.000512-0;
3.
Cópia dos Embargos de Declaração do MPF à decisão que concedeu a tutela antecipada nos autos da
Ação Civil Pública, processo nº 2006.39.02.000512-0;
4.
Cópia da Decisão que acolheu os Embargos de Declaração do MPF, concedendo a Tutela Antecipada
nos termos pleitados na Ação Civil Pública, processo nº 3. 2006.39.02.000512-0;
5.
Cópia da minuta da INFORMAÇÃO Nº 22/2010 – CGFLOR/DIUSP/ICMBIO;
6.
CD-ROM com Tese de Mestrado do Dr. Maurício Torres, tese apresentada em 2008, “O beirador e o
grilador: ocupação e conflito no oeste do Pará”;
7.
IC 1.23.008.000089/20014-98.
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Memorial de candidatura de Boaventura de Sousa Santos ao