Proc.º n.º R. Co. 7/2013 STJ-CC
Sumário: Transformação de sociedade anónima em sociedade por quotas
plural. Sócio único. Subscrição de duas quotas. Título. Qualificação minguante
do respetivo pedido de registo.
Recorrente: «R…. & C…., Limitada», representada por Ana ……, notária.
Recorrida: Conservatória do Registo Comercial de …….
Relatório
1 – O presente processo de recurso hierárquico vem interposto contra a decisão
que recaiu sobre o pedido de transformação da sociedade comercial «R…. & C…., S.A.»,
feito via online, e distribuído em sistema round robin à Conservatória do Registo
Comercial de ….. onde foi anotado sob a apresentação n.º ../20121221, na sociedade por
quotas « R…. & C….., Limitada».
2 – O registo foi elaborado como provisório por dúvidas com base nos fundamentos
exarados no despacho de qualificação, exarado a 18 de Fevereiro de 2013, que a seguir
se transcreve:
«Das alterações efetuadas ao contrato de sociedade resulta que a sociedade foi
transformada em unipessoal (um único sócio).
As sociedades podem ser plurais (mais do que um sócio) ou unipessoais. A cada
sócio, inicialmente, só pode caber uma quota (atribuem duas quotas a um só sócio). O
acionista único tinha uma participação no capital, que correspondia à totalidade do
mesmo, na transformação tem de manter a mesma proporção no capital, determinada
pelas regras próprias do contrato de sociedade por quotas.
Um sócio só pode deter duas quotas no resultado de cessão ou aumento de capital.
O registo e o pacto social têm de estar adequados à situação real da sociedade.
Devem adequar o contrato ao seu tipo: sociedade unipessoal por quotas.
Art. 7.º, 130.º e ss., 142.º, 270.º-A e 270.º-C, do CSC e 47.º, 49.º, 59.º, n.º 2, e
55.º, do C. Reg. Comercial».
3 – É contra o aludido despacho que, inconformada, a interessada vem agora
interpor recurso hierárquico (ap…/20130424) aduzindo os fundamentos que aqui damos
por integralmente reproduzidos, sem prejuízo de extrairmos a seguinte síntese:
1
3.1 – Afirma, como questão prévia, que se verifica falta de fundamentação do
despacho de qualificação já que a sua autora se limita apontar a existência de
desadequação ao modelo societário e que tal viola determinados artigos, que enumera,
embora omita os elementos de facto e o direito que lhe corresponde, sendo que a aludida
omissão acarreta, no mínimo, a anulabilidade do ato, como decorre do disposto nos
artigos 124.º, 125.º e 135.º, todos do CPA.
3.2 – E, por outro lado, não só não se aplicam ao caso vertente os artigos 7.º,
130.º e segs., 197.º, 270.º-A a 270.º-C do CSC, nem os artigos 47.º, 49.º, 59.º, n.º 2, e
55.º do CRC, como também o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 142.º está em
contradição com o despacho ora impugnado na medida em que aí se prevê
expressamente que a dissolução das sociedades só ocorre quando, por período superior a
um ano, o número de sócios seja inferior ao mínimo exigido por lei.
3.3 – Acresce, ainda, que o artigo 489.º, n.º 2, alínea c), e n.º 3, do CSC
estabelece que a sociedade dominante não se dissolve, ainda que tenha apenas um
sócio.
Ora, no caso em apreço, a sociedade que foi transformada comportava já uma
relação dominial com a sua adquirente M… Capital SGPS, S.A., pelo que com a
transformação da sociedade anónima em sociedade por quotas essa situação dominial
manteve-se, ficando agora a sociedade dominante detentora da totalidade das quotas,
conforme decorre da ata apresentada para instrução do pedido.
Considerando que os preceitos citados pela recorrida não tem aplicabilidade ao
presente caso, contrariando mesmo as normas que regem a matéria, solicita que seja
dado provimento ao recurso hierárquico, procedendo-se à anulação da decisão prolatada
e à sua substituição por outra que determine a elaboração do registo nos termos
peticionados.
4 – Por entender que a qualificação do registo foi corretamente efetuada, a senhora
conservadora profere despacho de sustentação, que aqui damos, de igual modo, por
reproduzido, sem prejuízo de destacarmos, ainda que sumariamente, os seguintes
argumentos:
4.1 – As sociedades comerciais por quotas podem ser pluripessoais ou unipessoais,
sendo unipessoais quando têm apenas um sócio.
A sociedade em causa foi transformada em sociedade por quotas, com um único
sócio, detentor de todo o capital social, mas não se adequa à lei, nem faz qualquer
sentido, constituir ab initio uma sociedade por quotas plural com apenas um sócio, titular
de duas quotas.
2
Logo, não havendo concordância entre o tipo societário adotado (que pressupõe a
existência de, pelo menos, dois sócios) e a realidade relativa à titularidade do capital
social, com concentração de todo o capital (embora dividido em duas quotas) na
titularidade de um único sócio, impõe-se a adequação do contrato societário ao tipo legal
que lhe corresponde, isto é, sociedade unipessoal por quotas.
É certo que uma sociedade por quotas pode manter-se (não constituir-se), durante
um ano, com um único sócio, titular de todas as quotas sociais, devido a vicissitudes
ocorridas na vida das sociedades.
Mas esse não é, seguramente, o caso em apreço, sendo que a invocação do artigo
142.º, n.º 1, alínea a), do CSC, in casu, se deveu a mero lapso na fundamentação
alinhada no despacho de qualificação.
5 – Descrita a factualidade dos autos e as posições em confronto cumpre apreciar
visto que o processo é o próprio, a subscritora da petição de recurso tem legitimidade, o
recurso é tempestivo e inexistem questões prévias ou prejudiciais que obstem ao
conhecimento do mérito.
II – Questão prévia
1 – De tempos a tempos, o Conselho é chamado a revisitar o problema, de grande
relevância prática, da aplicabilidade (ou não) das normas do Código do Procedimento
Administrativo (CPA) à atividade registal.
Deparamo-nos, mais uma vez, com essa situação já que a recorrente invoca que o
despacho ora impugnado foi praticado com ofensa dos princípios e normas jurídicas
consagradas nos artigos 124.º e 125.º do CPA relativas ao dever de fundamentação e
aos requisitos desta, pelo que considera que o mesmo deve ser revogado, uma vez que
aquelas preterições acarretam a anulabilidade do ato, nos termos do artigo 135.º do
CPA.
Cremos, porém, que a recorrente incorre num erro nos pressupostos, visto que as
normas invocadas não se aplicam à atividade registal, como a seguir se procurará
demonstrar.
2 – A doutrina desde há muito firmada pelo Conselho Técnico1 vai no sentido de
que os atos típicos praticados pelos conservadores não revestem a natureza de atos
1
Ao Conselho Técnico do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. «sucedeu» o Conselho Consultivo –
cfr. o disposto nos artigos 4.º, alínea b), e 6.º do Decreto-lei n.º 148/2012, de 7 de julho.
3
administrativos, inserindo-se no âmbito do direito privado, razão pela qual não se
subsumem no conceito de atos administrativos consagrado no artigo 120.º do CPA 2.
É certo que com as alterações introduzidas no Código do Registo Comercial pelo
Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, o disposto no Código do Procedimento
Administrativo passou a aplicar-se, subsidiariamente, aos recursos hierárquicos previstos
nos artigo 101.º e segs. do CRC, por força do prescrito no artigo 109.º-A do CRC (então
aditado).
No entanto, fora da sede recursiva, a referida alteração legislativa em nada
modifica a posição firmada (e sucessivamente reafirmada) pelo Conselho.
2.1 – Como é sabido, o registo comercial destina-se essencialmente a dar
publicidade à situação das entidades mencionadas no artigo 1.º do Código do Registo
Comercial (CRC), tendo em vista a segurança do comércio jurídico.
A atividade administrativa pública de direito privado é definida por Ferreira de
Almeida3, na esteira de Zanobini, como «a zona da atividade administrativa que consiste
na intervenção das autoridades administrativas na formação dos atos jurídicos privados
ou no estabelecimento da sua plena eficácia».
O mesmo autor nota ainda, mais adiante4, que «o ato registal é um ato intermédio
dirigido ao conhecimento do objeto da publicidade registral, que opera a receção desse
objeto de quem o dá a conhecer (sujeito cognoscente) e, após uma certa elaboração,
reprodu-lo para quem o vem conhecer (a pessoa a quem se destina, em última análise, o
conhecimento).
O ato registral é, assim, um juízo e um ato de vontade, isto é, uma apreciação e
uma decisão.
A apreciação no ato registal faz-se não pela comparação de interesses com a lei,
mas diretamente entre o facto a registar e as disposições que regulam a admissibilidade
a registo».
A publicidade registal integra-se na administração pública do direito privado,
revelando-se a dimensão de interesse público, que, sem dúvida, o registo comercial
comporta, como secundária.
2
Para mais desenvolvimentos sobre esta temática remetemos para os pareceres do Conselho proferidos,
designadamente, nos proc.ºs n.ºs R.P.58/93 DSJ-CT, R.P.116/2006 DSJ-CT, R.P.136/2006 DSJ-CT, R. Co.
32/2006 DSJ-CT e R.P. 24/2011SJC-CT, encontrando-se o primeiro publicado na Regesta, 1994, 2.º Trimestre,
págs. 75 e segs., e os restantes em www.irn.mj.pt (Doutrina).
3
4
In Publicidade e Teoria dos Registos, 1966, págs. 191 e 192.
In ob. cit., págs. 195 e segs.
4
Nos termos expostos, e porque o despacho de qualificação, como decorrência do
pedido de registo, participa ainda
do próprio ato de registo,
procedimento registal, donde decorre a inaplicabilidade
enquadra-se no
ao mesmo das normas
consagradas no CPA.
Com efeito, o escopo do sistema registal e a disciplina que rege o procedimento
registal constante do CRC (e também do CRP) são manifestamente incompatíveis com as
regras do procedimento administrativo, antes se lhe aplicando, como direito subsidiário,
o prescrito no Código de Processo Civil.
3 – Sobrepassada esta questão, vejamos, no entanto, se o despacho em causa
padece, ainda assim, de alguma nulidade à luz das pertinentes normas do Código de
Processo Civil.
Decorre do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do CPC que a sentença é nula
«quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
A falta de motivação aqui prevista respeita, contudo, à total omissão dos
fundamentos de facto e/ou de direito em que assenta a decisão, sendo que a mera
incompletude ou deficiência da respetiva fundamentação não afeta o valor da mesma5.
Com efeito, o entendimento jurisprudencial, reiteradamente vincado pelo Supremo,
vai no sentido de que só a ausência total de fundamentação integra a nulidade prevista
na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC. A lei só considera como nulidade a falta
absoluta de motivação ou seja a sua ausência completa. A escassez, deficiência ou
mesmo mediocridade da motivação constitui uma espécie diferente que não contende
com o valor legal da decisão6.
3.1 – A propósito da situação contemplada na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do
CPC, autores há que defendem até que a mesma não configura uma verdadeira causa de
nulidade, constituindo, summo rigore, uma situação de mera anulabilidade7.
5
Neste sentido, vejam-se os acórdãos do STJ de 5 de janeiro de 1984, in BMJ n.º 333, pág. 398, e RLJ
n.º 121, pág.305, com anotação de ANTUNES VARELA, de 1 de março de 1990, BMJ n.º 395, pág. 479, entre
muitos outros.
6
Cfr., a este propósito, os acórdãos do STJ de 20 de junho de 2000, e de 19 de março de 2002.
7
Entre esses autores figuram, designadamente, LEBRE DE FREITAS, in Código de Processo Civil Anotado,
2.º volume, 2001, págs. 668 e segs., e LOPES DO REGO, in Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I,
2.ª edição, pág. 558.
5
A invocação da anulabidade do despacho ora impugnado devido a falta de
fundamentação de facto e/ou de direito só teria cabimento se a fundamentação da
decisão fosse de todo inexistente, o que não é, de modo algum, o caso em apreço 8.
3.2 – Pois bem, nestes termos, o despacho de qualificação proferido pela senhora
conservadora não enferma de qualquer nulidade (nem tão pouco de mera anulabilidade)
encontrando-se fundamentado de facto e de direito, pois concretiza com razoável clareza
os obstáculos que inviabilizam a feitura do registo em termos definitivos e indica as
disposições legais que considera aplicáveis.
Na verdade, a doutrina registal entende que não é exigível que o despacho
contenha uma fundamentação exaustiva, bastando alinhar uma motivação sucinta, clara,
precisa e fundamentada de facto e de direito9.
Ora, o modo como a senhora conservadora concretizou no despacho de qualificação
(supra reproduzido) os obstáculos ao registo definitivo preenche notoriamente as
exigências legais.
Assim, por o despacho impugnado se encontrar fundamentado, de facto e de
direito, e tendo o sentido sido perfeitamente intelegível pela recorrente, não pode
acarretar, como consequência, a sua nulidade (ou a mera anulabidade, que seja), nem
mesmo que se considerasse que a fundamentação padecia de alguma escassez ou
deficiência, o que não é, de todo, o caso.
A infirmar a impercetibilidade do despacho impugnado está o facto de ter
possibilitado à recorrente que o impugnasse, direcionando o ataque certeiro ao âmago
das questões nele suscitadas.
III – Fundamentação
1 – Como é sobejamente sabido, uma das manifestações da plasticidade da
instituição societária revela-se na possibilidade de, em momento posterior ao da sua
constituição, se transformar10 noutro dos tipos societários taxativamente enumerados no
8
Vejam-se, sobre o ponto, os acórdãos do STJ de 17 de outubro de 1991 e de 3 de julho de 1973, entre
outros.
9
A fundamentação, como nota MOUTEIRA GUERREIRO, in Noções de Direito Registral (Predial e Comercial),
1993, pág. 153, deve ser sucinta, mas precisa e apoiada na lei.
10
Relativamente à transformação das sociedades, veja-se a distinção traçada por RAUL VENTURA, in
Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades, 1999, págs. 417 e segs., no que concerne à transformação formal
e à transformação extintiva.
6
artigo 1.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (doravante, CSC)
11
, ao abrigo e
nos termos do disposto nos artigos 130.º e segs. do citado Código.
Nestes termos, as sociedades comerciais têm de adotar um dos tipos previstos na
lei, o que vale por dizer que só é possível constituir sociedades em nome coletivo,
sociedades por quotas, sociedades anónimas, sociedades em comandita simples ou
sociedades em comandita por ações.
As sociedades comerciais não podem ser atípicas, isto é, não podem adotar uma
regulamentação incompatível com o tipo legal assinalado nos estatutos, introduzindo,
designadamente, cláusulas que contrariem caraterísticas cogentes e imprescindíveis do
tipo em causa, conjugando notas essenciais de dois ou mais tipos societários.
A taxatividade dos tipos de sociedades consagrada no n.º 2 do artigo 1.º do CSC,
impõe, efetivamente, uma limitação à liberdade contratual, visto que os sujeitos têm de
optar e respeitar um dos tipos previstos na lei.
Mesmo no caso das sociedades unipessoais (por quotas ou anónimas), em que não
se pode falar em liberdade contratual (já que a sua fonte é um negócio jurídico
unilateral) não deixa de se impor a mesma obrigatoriedade no que concerne aos tipos
previstos na lei12.
Esta taxatividade (ou tipicidade) encontra a sua justificação última em razões de
segurança jurídica, isto porque o público em geral e os credores sociais em especial,
mesmo que desconheçam os estatutos da sociedade, podem confiar que as sociedades
de certo tipo têm de obedecer a determinado quadro regulativo predeterminado, sabem,
em suma, com o que podem contar em face do tipo legal publicitado nas tábuas13.
A caraterização dos tipos societários faz-se através de determinadas notas
descritivas e diferenciadoras, sendo que o traço distintivo entre uma sociedade por
quotas plural e uma sociedade por quotas unipessoal (que, segundo a nomenclatura
consagrada no referido n.º 2 do artigo 1.º, até pertencem ao mesmo tipo societário,
sublinhe-se) reside, precisamente, no número dos seus sócios.
11
A propósito do princípio da tipicidade societária veja-se COUTINHO DE ABREU, in Curso de Direito
Comercial, Volume II, 2003, págs. 51 e segs., bem como PEDRO MAIA, in Estudos de Direito das Sociedades,
2007, págs. 7 e segs.
12
De resto, como salienta PEDRO MAIA, in ob. cit., pág. 9, em relação às sociedades unipessoais sempre
valeria o princípio (geral) de tipicidade ou numerus clausus de tais negócios, previsto no artigo 457.º do Código
Civil.
13
Veja-se, novamente, COUTINHO DE ABREU, in ob. cit., pág. 75.
7
A sociedade comercial por quotas constituída por um único sujeito (pessoa singular
ou pessoa coletiva) é uma sociedade por quotas unipessoal, enquanto que se for
constituída por mais do que um sócio há de forçosamente corresponder a uma
sociedade por quotas pluripessoal.
1.1 – O Decreto-Lei n.º 257/96, de 31 de dezembro, em rigor, não introduziu um
novo tipo social, pois que se mantêm inalteráveis os que já apareciam taxativamente
elencados no n.º 2 do artigo 1.º do CSC. Contudo, veio admitir a possibilidade de, dentro
do tipo sociedades por quotas, se constituírem sociedades unipessoais por quotas, com
um único sócio, pessoa singular ou coletiva (artigo 270.º-A, n.º 1, do CSC), o que até
este momento não podia acontecer por falta de previsão legal.
Não foi criado um regime específico e próprio da sociedade unipessoal 14, que passa
a reger-se segundo o regime da sociedade por quotas plural, salvo no que respeita à
pluralidade de sócios.
Assim, o tipo «sociedade por quotas» distendeu-se abarcando agora sociedades por
quotas plurais e sociedade por quotas unipessoais, consoante sejam constituídas por dois
sócios, ou mais, ou apenas por um sócio – cfr. o artigo 7.º, n.º 2, do CSC15.
Em suma, é o número de sócios (e inerentes quotas) que diferencia entre si estas
sociedades comerciais por quotas.
2 – O quadro normativo alusivo às caraterísticas e contrato das sociedades
comerciais por quotas pluripessoal encontra-se fixado nos artigos 197.º e segs. do CSC.
Da sua análise decorre como requisitos indispensáveis para a sua constituição a
existência de uma pluralidade de sócios e de quotas, sendo que o capital, que é
livremente fixado pelos sócios, corresponde à soma das quotas subscritas pelos sócios –
cfr. o disposto nos artigos 7.º, n.º 2, 197.º, e 219.º, n.º 1, do CSC.
Do exposto resulta claramente que a sociedade comercial por quotas plural há de
ter, pelo menos, dois sócios e igual número de quotas sociais.
14
O legislador, segundo salienta RICARDO COSTA no tema «Algumas considerações a propósito do regime
jurídico da sociedade por quotas unipessoal», in Estudos Dedicados ao Prof. Mário Júlio de Almeida Costa, págs.
1238, ignorando a notável dimensão do fenómeno da unipessoalidade, não aproveitou a ocasião para inserir um
regime jurídico especial e completo da constituição, formação e atividade funcional da sociedade unipessoal, em
particular no que tange às relações com terceiros que com ela entabulam relações jurídicas.
15
Existem, naturalmente, exceções à regra plasmada na referida norma. Tanto pode ser exigido um
número superior a dois (artigos 273.º, n.º 1, e 479.º, do CSC), como dispensar-se aquele mínimo de dois, que
é precisamente o que acontece no caso das sociedades unipessoais (por quotas – artigos 270.º-A do CSC, ou
anónimas – artigo 488.º, n.º 1, do CSC).
8
2.1 – A sociedade comercial por quotas que, na sua constituição ab initio ou na
transformação de outro tipo, apenas tenha um sócio há de forçosamente adotar o tipo de
sociedade unipessoal por quotas consagrado nos artigos 270.º-A e segs. do CSC16.
Da sua firma deve, além do mais, constar a expressão «sociedade unipessoal» ou a
palavra «unipessoal» antes da palavra «Limitada» ou da sua abreviatura «Lda.», em
conformidade com o disposto no artigo 270.º-B do Código das Sociedades Comerciais.
2.2 – E mais, na constituição da sociedade por quotas – seja plural seja unipessoal
– a cada sócio apenas pode ficar a pertencer uma única quota, que corresponde à
totalidade da sua entrada, por força do disposto no n.º 1 do artigo 219.º do CSC,
aplicável também às sociedades por quotas unipessoais ex vi do disposto no artigo
270.º-G do CSC.
De igual modo, também a regra da unicidade da quota se aplica no caso de se
tratar de transformação de sociedade doutro tipo em sociedade por quotas17, devendo a
deliberação que aprova o contrato pelo qual a sociedade passará a reger-se observar
rigorosamente o tipo legal que lhe corresponder, sob pena de nulidade daquela por
desrespeito a preceitos inderrogáveis.
3 – Em abono da sua pretensão a recorrente invoca ainda a alínea a) do n.º 1 do
artigo 142.º do CSC que prevê que a dissolução das sociedades só ocorre quando, por
um período superior a um ano, o número de sócios seja inferior ao mínimo exigido por
lei.
Cremos, porém, que também aqui não lhe assiste razão, como bem se
compreenderá perante a simples constatação da inserção sistemática da norma em causa
(Capítulo XII – Dissolução da sociedade).
A referida alínea a) do n.º 1 do artigo 142.º abrange duas situações distintas que
conduzem à dissolução da sociedade: a redução do número de sócios a um só
(unipessoalidade superveniente) e a redução dos sócios a um número inferior ao exigido
pelo seu tipo legal18.
16
Veja-se, adrede, de RICARDO COSTA, «Algumas considerações a propósito do regime jurídico da
sociedade por quotas unipessoal», in ob. cit., págs. 1227 e segs.
17
Como expressamente refere RAUL VENTURA, in ob. cit., pág. 513, é aplicável à transformação da
sociedade doutro tipo em sociedade por quotas a regra consagrada no n.º 1 do artigo 219.º do CSC.
18
Relativamente à causa de dissolução da sociedade fundada na redução do número de sócios abaixo do
número permitido por lei, veja-se RAUL VENTURA, in Dissolução e Liquidação de Sociedades, 1987, págs. 97 e
segs., e PUPO CORREIA, in Direito Comercial, 2007, pág. 293.
9
A inobservância do número legal mínimo dos sócios por prazo superior a um ano
conduz à dissolução da sociedade (constituída nos termos legais, mas que por
vicissitudes normais da vida societária ficou reduzida a um número de sócios inferior ao
legalmente permitido – alteração superveniente), mas a permissão legal de manter,
transitoriamente, determinada situação irregular não legitima a constituição de sociedade
alguma em desconformidade com a lei aplicável.
Do que se trata na dissolução é de um processo desconstitutivo da instituição
societária – é precisamente um fenómeno inverso ao da constituição da sociedade,
ambos com regras próprias.
A lei quis, contudo, conceder ao sócio (ou sócios) remanescente um período
razoável
para
a
reconstituição
da
sociedade,
livrando-se
da
vulnerabilidade
da
dissolução.
Todavia, a aludida norma não tem aplicabilidade aos casos de constituição de
sociedades comerciais ainda que resultantes de transformação.
4 – Em face desta breve exegese já se depreende que as dúvidas aduzidas no
despacho de qualificação, e mantidas no de sustentação, no que concerne à
unipessoalidade da sociedade em causa, respetiva quota e firma adotada, revestiriam
total pertinência não fosse o caso de o pedido de registo não ter sido instruído com o
documento que titula o facto, isto é, com a ata que acolhe a deliberação tomada na
assembleia geral ocorrida em 20 de Novembro de 2012, apresentada nos serviços
juntamente com a petição de recurso hierárquico.
Ora, como é sabido, em sede impugnatória apenas podem ser tidos em
consideração os documentos que serviram de base à qualificação do ato de registo
impugnado.
Debrucemo-nos, então, sobre os reais motivos impeditivos da procedência do
presente recurso que não podem deixar de ser apreciados nesta sede já que se prendem,
em primeira linha, com a falta de título e, depois, com os vícios da deliberação, que a
afetam de nulidade, atenta a sua gravidade, tendo estes sido implicitamente aflorados no
despacho de qualificação ao exigir-se «a adequação do contrato ao seu tipo societário»19.
19
Mas ainda que se considerasse que a questão da validade da deliberação não tinha sido considerada
pela entidade a quo, sempre a matéria demandava apreciação em sede hierárquica, tanto mais que sobrava a
incontornável questão do título.
Com efeito, o princípio segundo o qual a apreciação do mérito do recurso se deverá conter nos limites
das questões suscitadas no despacho impugnado cederá sempre que a omissão de pronúncia possa conduzir à
elaboração de um registo nulo, como aconteceria no caso vertente – cfr., entre muitos outros, os pareceres
10
Vejamo-los, pois.
5 – Em 20 de novembro de 2012 a M…. Capital, SGPS, S.A., acionista única da
sociedade «R… & C…, S.A.», representada pelos seus administradores, deliberou
transformar esta sociedade anónima (unipessoal) em sociedade comercial por quotas
(plural), e aprovar o balanço intercalar da situação patrimonial da empresa bem como o
projeto do novo pacto social, ficando o capital social representado por duas quotas,
ambas na titularidade da referida acionista, em função do valor total das ações que
possuía na sociedade a transformar e que correspondia ao total do seu capital social.
Posteriormente, em 30 de novembro do ano referido, os administradores da
sociedade «R…. & C…, S.A., alegadamente para dar execução à deliberação supra,
outorgaram a escritura pública de transformação de sociedade, na qual procedem à
declaração prevista no n.º 1 do artigo 140.º-A do CSC (sem que, no entanto, se
encontrem preenchidos os requisitos legais pertinentes) e à reposição do conteúdo do
contrato de sociedade aprovado em assembleia no documento complementar elaborado
nos termos do n.º 2 do artigo 64.º do Código do Notariado.
Decorre do aludido documento que a sociedade adota a denominação «R… & C….,
Limitada» e que o capital está dividido em duas quotas, pertencentes à sócia única «M…
Capital SGPS, S.A.», nos precisos termos da ata que consigna a deliberação de
transformação em causa (artigo 53.º, n.º 1, do CSC).
5.1 – Antes de mais cumpre salientar que com a reforma introduzida pelo Decretolei n.º 76-A/2006, de 29 de março, no Código das Sociedades Comerciais, o artigo 135.º
do CSC, cuja epígrafe respeitava à «escritura pública de transformação», foi revogado20
em consonância com o intuito proclamado pelo legislador de proceder à simplificação e
eliminação de atos notariais.
Assim, perante a eliminação da obrigatoriedade de consignar em escritura pública a
deliberação de transformação, depreende-se já que a escritura é agora dispensável (não
proibida, claro), mas as funções de fiscalização da regularidade da transformação devem,
proferidos nos proc.º n.ºs R.P.2/96DST-CT e 83/98 DST-CT, in BRN n.ºs 5/96, pág. 5, e 2/99, pág. 12,
respetivamente.
20
Na vigência do direito pregresso, a deliberação de transformação, tomada pelos sócios, não era,
portanto, o ato de transformação; depois de deliberada pelos sócios, a transformação tinha necessariamente de
ser consignada em escritura pública.
O relacionamento das deliberações dos sócios e a subsequente escritura pública encontra-se tratado por
RAUL VENTURA, in Fusão, Cisão e Transformação, pág. 506, e Alterações do Contrato de Sociedade, 1986, págs.
56 e segs., bem como por LOBO XAVIER, in RLJ, Ano 117, n.ºs 3725 a 3727, págs. 255 e segs.
11
de qualquer modo e no momento próprio, ser declaradas por escrito nos termos e para
os efeitos previstos no artigo 140.º-A do CSC21.
Na verdade, atualmente, é a ata que consigna a deliberação de transformação da
sociedade que titula o facto, e verificando-se que esta não instruiu o pedido de registo
em causa, o mesmo deverá ser recusado nos termos do prescrito na alínea b) do n.º 1
do artigo 48.º do CRC.
5.2 – Por outro lado, tendo em consideração o que acima deixámos dito no que
concerne à natureza das normas relativas à fixação do número de sócios, às quotas e à
firma social, e o que sobre o ponto consta da aludida escritura, parece que a apreciação
da questão respeitante à validade, ou não, da deliberação (que pode ocorrer, nos termos
gerais, segundo uma de duas espécies, a nulidade ou a anulabilidade) não deve aqui ser
descurada.
5.3 – O regime da invalidade das deliberações assenta na distinção entre vícios
ocorridos no processo deliberativo (vícios de procedimento) e vícios de conteúdo da
deliberação (vícios de conteúdo).
Dentre os vícios de conteúdo da deliberação, únicos que aqui revestem pertinência,
cumpre ainda distinguir entre os que violam uma regra do contrato ou de uma norma
legal dispositiva dos que atingem a violação de uma norma legal imperativa.
No primeiro caso, estaremos perante uma anulabilidade enquanto que no segundo
a consequência será bem mais gravosa já que lhe corresponde a nulidade da
deliberação22.
O critério que usualmente é apontado pela doutrina para aferir da aplicabilidade da
sanção de nulidade assenta na incompatibilidade do conteúdo deliberativo com normas
de cariz imperativo, sendo que nesta matéria, como é sabido, domina também o princípio
da tipicidade.
Atentemos, pois, no disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 56.º do CSC, segundo
a qual são nulas, inter alia, as deliberações dos sócios cujo conteúdo, direta ou
21
A propósito da introdução deste novo preceito pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, vejam-se os
comentários de FRANCISCO MENDES CORREIA, in Código das Sociedades Comerciais Anotado, coordenado por
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, 2009, págs. 457 e 458, bem como o disposto nos artigos 131.º, n.º 1, alínea c) e
n.ºs 2 e 3, 137.º, n.º 1, bem como a Deliberação do Conselho tomada no proc.º n.º R.Co.9/2010 SJC-CT,
disponível em www.irn.mj.pt.
22
Sobre esta temática, veja-se PEDRO MAIA, in Estudos de Direito das Sociedades, 5.ª edição, págs. 186
e segs.
12
indiretamente, seja ofensivo de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem
sequer por vontade unânime dos sócios23.
Verifica-se, assim, que para a violação de norma imperativa acarretar a nulidade,
deve situar-se no conteúdo, em si, da deliberação, pois a violação de uma norma
imperativa no simples processo formativo, fora dos casos especialmente contemplados
nas alíneas a) e b) do artigo 56.º, envolverá apenas, em regra, a anulabilidade 24.
5.4 – Em face do exposto já se infere que não pode ser deliberada a aprovação do
contrato social com violação de preceitos, de cariz imperativo, que estatuem que a
sociedade comercial por quotas (pluripessoal) tem de ter um mínimo de dois sócios e que
cada um deles apenas pode ser titular de uma única quota social – cfr. o que dispõem os
artigos 7.º, n.º 2, 197.º, n.º 1, e 219.º, n.º 1, todos do CSC.
5.5 – Do mesmo modo, inaproveitável se mostraria também a deliberação em
apreço para a obtenção do registo de uma sociedade unipessoal por quotas, já que
atenta contra o prescrito nos artigos 219.º, n.º 1, e 270.º-B, do CSC, devido à existência
de duas quotas social e ao facto de a firma não consignar a menção da unipessoalidade.
Tendo em conta os citados preceitos legais e a sua inderrogabilidade, a interessada
poderá, querendo, tomar validamente nova deliberação respeitante ao contrato pelo qual
a sociedade se regerá – alínea c) do n.º 1 do artigo 134.º do CSC –, mas com
observância de todas as prescrições legais imperativas.
6 – De harmonia com o entendimento expresso por Raul Ventura 25, na
transformação formal, a nulidade ou a anulabilidade devem impedir a inscrição no
registo, não chegando, deste modo, a surgir problemas consequenciais dessa invalidade,
pois, assim, a transformação não foi eficaz nem perante terceiros nem, sequer, entre os
próprios sócios.
Se eventualmente, apesar dos vícios existentes, for efetuado o registo, e vindo
posteriormente a ser declarado nulo ou anulado o ato de transformação, a sociedade
retoma o seu tipo primitivo, no qual, aliás, nunca deixou de estar inserida. Os atos
entretanto praticados incompatíveis com o verdadeiro tipo social serão igualmente nulos.
23
O preceito que possa ser afastado por vontade dos sócios é, naturalmente, supletivo – vd. MENEZES
CORDEIRO, in Código das Sociedades Comerciais Anotado, págs. 220 e segs.
24
Cfr., sobre esta questão, PINTO FURTADO, in Deliberações dos Sócios, 1993, págs. 340 e segs., bem
como o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2 de dezembro de 1992.
25
In Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades, págs. 470 e segs.
13
Ainda segundo o ilustre Autor, sendo aprovada a deliberação atinente à
transformação da sociedade, mas não sendo aprovado o contrato não se vê qualquer
inconveniente em manter as deliberações validamente tomadas e completar a fase do
processo em nova assembleia.
De igual modo, com base nesta doutrina, também não será demasiado temerário
afirmar-se que a deliberação que aprove o contrato com violação de normas legais de
cariz imperativo, indiscutivelmente nula, poderá ser substituída por outra validamente
tomada em nova assembleia26, aceitando-se o aproveitamento das deliberações tomadas
validamente no que concerne à aprovação do balanço e à aprovação da transformação,
nos termos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 134.º do CSC.
É que a lei autonomiza claramente as deliberações, pois, sob a epígrafe «Conteúdo
das Deliberações»,
o
referido artigo 134.º prescreve que devem
ser tomadas
separadamente as deliberações respeitantes à aprovação do balanço ou da situação
patrimonial, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 132.º, à aprovação da transformação e
à aprovação do contrato social27.
A ordem das deliberações não é arbitrária28, pois obedecem a uma sequência
lógica: primeiro, a aprovação do balanço, depois a aprovação da transformação e, por
fim, a aprovação do novo contrato social. Recusada que seja a aprovação de alguma
destas matérias não se deverá passar à discussão e votação da subsequente, ficando o
processo de transformação prejudicado, não obstante possa vir a ser novamente
desencadeado e com sucesso.
Mais melindrosa é, porém, a questão de saber das consequências derivadas da falta
de aprovação da terceira proposta, ou da nulidade da mesma como aconteceu no caso
configurado nos autos.
Poderão as propostas anteriores, desprovidas de qualquer vício, ser, in casu,
aproveitadas?
26
Para mais desenvolvimentos sobre o ponto, veja-se LOBO XAVIER, in Anulação de deliberação social e
deliberações conexas, 1998, Reimpressão, págs. 179 e segs.
27
Relativamente a esta questão, veja-se, novamente, RAUL VENTURA, in ob. cit., págs. 501 e segs.
28
Embora haja quem defenda que o desrespeito pela ordem da tríplice deliberação de transformação
gera apenas a anulabilidade da mesma, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 24 de Abril de 1995, in
BMJ n.º 446, págs. 304 a 319 (concretamente a pág. 316), considerou que a norma relativa à ordem das
deliberações é uma norma de conteúdo da deliberação, gerando a violação da ordem estabelecida no artigo
134.º do CSC, a nulidade da deliberação.
14
Acompanhamos o pensamento de Raul Ventura, que considera que aprovada que
seja a transformação, não se vê, em tese, inconveniente em manter as deliberações
validamente tomadas e completar essa fase do processo em nova assembleia.
É que não obstante a deliberação completa e perfeita de transformação da
sociedade verse autonomamente sobre os três objetos, que formam, em conjunto, o
conteúdo necessário e indisponível da deliberação de transformação, cada uma das
deliberações pode estar inquinada de vício próprio, suscetível de provocar a sua nulidade
ou anulabilidade e tal vício não afetar as demais29.
Todavia, não será assim se a deliberação viciada for logo a respeitante à aprovação
do balanço, o que determinará a insubsistência das demais que foram tomadas com base
no pressuposto de que a primeira era válida.
7 – Consequentemente, sendo nula, nos termos supra equacionados, a deliberação
relativa à aprovação do contrato da sociedade comercial, ainda que o título tivesse sido
tempestivamente apresentado, o registo peticionado seria, de qualquer modo, recusado
mas, neste caso, ao abrigo do que se encontra estabelecido na alínea d) do n.º 1 do
artigo 48.º do Código do Registo Comercial30.
8 – Assim, em face do que precede, a posição deste Conselho vai condensada nas
seguintes
Conclusões
I
–
As
sociedades
comerciais
constituídas
segundo
um
dos
tipos
enumerados no n.º 2 do artigo 1.º do Código das Sociedades Comerciais podem,
posteriormente, adotar outro dos tipos aí consignados, em face do que
preceitua o artigo 130.º do citado Código.
II – A transformação de uma sociedade anónima numa sociedade
comercial por quotas plural deve, naturalmente, observar o disposto para o
novo tipo societário, em especial, os artigos 7.º, n.º 2, e 197.º e seguintes do
29
Neste sentido se pronuncia FRANCISCO MENDES CORREIA, in Código das Sociedades Comerciais Anotado,
págs. 448 e 449.
30
No parecer do Conselho proferido no proc.º n.º 24/92 R.P.4, disponível em www.dgrn.mj.pt,
considerou-se que a nulidade da deliberação determina a recusa do correspondente registo.
15
Código das Sociedades Comerciais, devendo, por isso, ser constituída por dois
sócios, no mínimo, detentores de uma quota social cada um.
III – Se ao invés a unipessoalidade for mantida, da transformação da
sociedade
anónima
(unipessoal)
apenas
pode
resultar
uma
sociedade
unipessoal por quotas, devendo, em conformidade, constar do respetivo
contrato a existência de um único sócio e de uma única participação,
correspondente à totalidade do capital social, por força do prescrito nos artigos
270.º-A e 219.º, n.º 1, este aplicável subsidiariamente ex vi do disposto no
artigo 270.º-G, todos do Código das Sociedades Comerciais.
IV – No caso configurado na conclusão anterior, da composição da firma
deve também constar, obrigatoriamente, a expressão «sociedade unipessoal»
ou a palavra «unipessoal» antes da palavra «Limitada» ou da sua abreviatura
«Lda.», em cumprimento do disposto no artigo 270.º-B do Código das
Sociedades Comerciais.
V – Até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março,
que
procedeu
à
revogação
do
artigo
135.º
do
Código
das
Sociedades
Comerciais, inter alia, a deliberação de transformação de sociedade devia ser
consignada em escritura pública, mas, após a referida alteração legislativa, a
deliberação de transformação passou a ser o próprio ato de transformação
enquanto facto sujeito a registo comercial.
VI – Nos termos da conclusão anterior, a ata que contenha a deliberação
de transformação, validamente tomada, é título bastante para o correspondente
registo, sendo que a falta da sua apresentação conduz à recusa do registo nos
termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 48.º Código do Registo
Comercial.
VII – As deliberações sociais tomadas contra disposições legais de caráter
imperativo são nulas, por força do prescrito na alínea d) do n.º 1 do artigo 56.º
do Código das Sociedades Comerciais.
VIII – Consequentemente, sendo, nos indicados termos, nula a deliberação
no que concerne à aprovação do contrato pelo qual se passará a reger a
sociedade, o registo peticionado deve também ser recusado em harmonia com o
16
estabelecido na alínea d) do n.º 1 do artigo 48.º do Código do Registo
Comercial.
Em conformidade com todo o exposto, entendemos que o presente recurso
hierárquico não merece provimento.
Parecer aprovado em sessão do Conselho Consultivo de 25 de julho de 2013.
Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, relatora, Luís Manuel Nunes Martins, Carlos
Manuel Santana Vidigal, Ana Viriato Sommer Ribeiro, Maria Madalena Rodrigues Teixeira.
Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente em 02.08.2013.
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Pº R. Co. 7/2013 STJ-CC - Instituto dos Registos e Notariado