Universidade Federal da Bahia
Instituto de Letras
Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística
Curso de Doutorado em Letras
CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E
SOCIEDADE
por
NORMA DA SILVA LOPES
Orientadora: Profa. Dra. Myrian Barbosa da Silva
Salvador
2001
2
Universidade Federal da Bahia
Instituto de Letras
Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística
Curso de Doutorado em Letras
CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E
SOCIEDADE
por
NORMA DA SILVA LOPES
Orientadora: Profa. Dra. Myrian Barbosa da Silva
Co-orientadora: Profa. Dra. Maria Marta Pereira Scherre
Tese de Doutoramento apresentada ao
Programa de Pós-Graduação de Letras e
Linguística do Instituto de Letras da
Um iversidade Federal da Bahia, como
parte dos requisitos para obtenção do
grau de Doutor em Letras.
Salvador
2001
3
A Deus e ao mundo espiritual, que me deram condições para a elaboração
deste trabalho,
Aos meus pais, Jaime e Julita,
pela base,
Aos meus filhos, Alessandra, Maurício e Mariana,
pela paciência de saber esperar.
4
AGRADECIMENTOS
Ao Dr. Alan Norman Baxter, pela orientação deste trabalho durante a
realização da Bolsa Sanduíche, em Macau, pela confiança na minha
produtividade, pela amizade e disponibilidade, de papel decisivo no
percurso de elaboração desta tese.
À Dra. Myrian Barbosa da Silva, pela orientação recebida, imprescindível à
elaboração deste trabalho, além da atenção dispensada durante todo o
curso.
À Dra. Maria Marta Pereira Scherre, pela disponibilidade, pela atenção,
pela orientação e por todo o carinho com que passou a sua experiência
sobre a concordância.
À Dra. Rosa Virgínia Mattos e Silva, pelo encorajamento, desde o início do
curso, tendo servido de ponto de partida para muitas das ações que levaram
à apresentação desta tese.
A Emília Helena Portella Monteiro de Souza, Constância Maria Borges de
Souza e Olímpia Ribeiro de Santana, amigas de muitos anos, pela
companhia e apoio constantes.
A Maria Cristina Burgos de Paula por ter servido de veículo de tantos
ensinamentos.
5
Aos meus pais, Jaime Teixeira Lopes e Julita da Silva Lopes, e aos meus
irmãos Antônio Alberto, Jaime, Maria Ângela, Emanuel Carlos, Marlene,
Carlos Antônio e Marco Antônio, por terem suportado, com paciência, a
minha ausência.
À Universidade do Estado da Bahia pela minha liberação para a realização
da Bolsa Sanduíche e pela compreensão e colaboração durante os anos de
curso.
Ao CNPQ, por ter possibilitado a realização da Bolsa Sanduíche, em
Macau, na China, que foi um marco de grande importância no percurso da
elaboração desta tese.
À Dra Maria Antónia Espadinha, diretora do Departamento de Língua
Portuguesa da Universidade de Macau, pela confiança, apoio e atenção
dispensados durante a minha atividade naquela instituição.
Aos meus alunos, amigos de hoje e de sempre, que vibram com cada uma
das minhas conquistas.
6
SINOPSE
Análise da relação entre estrutura lingüística dos enunciados,
características sociais dos falantes, procedência étnica dos diversos grupos
e a variação da concordância de número entre os elementos flexionáveis do
sintagma nominal em Salvador, Bahia. Estabelecimento da conexão entre a
constituição do povo, a aquisição de língua e a variação da concordância
no português brasileiro.
7
SUMÁRIO
Índice das Tabelas e Quadros
Abreviaturas
Índice dos Gráficos
Introdução
1. A Formação do Português do Brasil
1. 1 Introdução
1. 2 A hipótese da língua crioula
1. 3 Os lingüistas atuais
1. 4 As controvérsias
1. 5 Um pouco sobre a Cidade do Salvador, a região de estudo
1. 5. 1 Contexto sócio-histórico
1. 5. 2 Considerações finais
1. 6 Português europeu e português brasileiro: uma ou duas línguas?
1. 7 Conclusões
2. Pressupostos teórico-metodológicos
2. 1 Fundamentação teórica
8
2. 1. 1 Linhas gerais da sociolingüística variacionista
2. 1. 2 A aquisição
2. 1. 2. 1 A aquisição em condições especiais
de movimentação populacional
2. 1. 3 Competição de gramáticas e mudança lingüística
2. 2 Aspectos Metodológicos
2. 2. 1 Constituição da amostra
2. 2. 2 Realização dos inquéritos PEPP
2. 2. 3 Dados sociais dos informantes
2. 2. 4 Descrição das variáveis independentes
2. 2. 4. 1 Formação de plural
2. 2. 4. 2 Tonicidade
2. 2. 4. 3 Posição linear
2. 2. 4. 4 Categoria morfológica
2. 2. 4. 5 Grau dos substantivos e adjetivos
2. 2. 4. 6 Posição relativa
2. 2. 4. 7 Marcas precedentes
2. 2. 4. 8 Contexto fonológico subseqüente
2. 2. 4. 9 A coexistência com o Tudo
9
2. 2. 4. 10 Escolaridade
2. 2. 4. 11 Gênero
2. 2. 4. 12 Faixa etária
2. 2. 4. 13 Tempo
2. 2. 4. 14 Etnia (a partir dos sobrenomes)
2. 3 Suporte computacional: o Varbrul
3. Análise dos dados: a década atual
3. 1 Variáveis sociais
3. 1. 1 Escolaridade
3. 1. 2 Gênero
3. 1. 3 Faixa etária (Tempo aparente)
3. 1. 4 Tempo (Tempo real)
3. 1. 5 Etnia (a partir dos sobrenomes)
3. 2 Variáveis lingüísticas
3. 2. 1 Saliência fônica
3. 2. 1. 1 Processos de formação de plural
3. 2. 1. 2 Tonicidade e número de sílabas
3. 2. 1. 3 A saliência, análise geral
3. 2. 1. 4 A saliência – Grupos POP e UNI
10
3. 2. 1. 5 Saliência – Grupos de escolaridade
3. 2. 1. 6 Saliência – Grupos de sobrenome
3. 2. 1. 7 A Saliência nos substantivos, adjetivos e
categoria substantivadas
3. 2. 2 Posição linear
3. 2. 3 Classe gramatical
3. 2. 4 Classe gramatical e Posição
3. 2. 5 Classe, Posição linear e Posição relativa
3. 2. 5. 1 Classe, Posição linear e Posição relativa e
concordância – Todos os dados
3. 2. 5. 2 – Classe, posição linear e posição relativa
e concordância nos Grupos POP e UNI
3. 2. 5. 3 Classe, Posição linear e Posição relativa –
Grupos de escolaridade
3. 2. 5. 4 Classe, Posição linear e Posição relativa –
Grupos de sobrenomes
3. 2. 5. 5 - Conclusões
3. 2. 6 Grau
3. 2. 7 Marcas precedentes
3. 2. 7. 1 Marcas precedentes – Todos os elementos
3. 2. 7. 2 Marcas precedentes – Grupos POP e UNI
11
3. 2. 7. 3 Efeito da variável Marcas precedentes na
concordância dos grupos diferentes de escolaridade
3. 2. 7. 4 Efeito da variável Marcas precedentes na
concordância dos grupos diferentes de sobrenome
3. 2. 8 Contexto fonológico subseqüente
3. 2. 8. 1 Contexto fonológico subseqüente –
Análise geral, separando itens de plural regular e
itens terminados em -/s/
3. 2. 8. 2 Contexto fonológico subseqüente aos itens
de plural regular – Grupos POP e UNI
3. 2. 8. 3 Contexto fonológico subseqüente na
concordância e escolaridade. A tabela 63 apresenta
os resultados de análises de cada nível de
escolaridade, feitas separadamente
3. 2. 8. 4 Contexto fonológico posterior – Grupos de
sobrenomes
3. 2. 9 Coexistência com o Tudo
3. 2. 9. 1 A variável coexistência com tudo – Todos
os dados
3. 2. 9. 2 A variável coexistência com tudo –
Grupos de escolaridade
3. 2. 9. 3 Efeito da variável coexistência com tudo
na concordância dos grupos de sobrenome
3. 3 A Concordância Nominal em quatro variedades
12
3. 3. 1 – Comparação entre o efeito da Saliência Fônica na
concordância em Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul
3. 3. 2 - Comparação entre o Efeito da Classe, posição linear e
relativa na concordância em Salvador, no Rio de Janeiro, em
João Pessoa e na Região Sul
3. 3. 3 – Efeito da variável Marcas precedentes sobre a
concordância em Salvador, no Rio de Janeiro, na Paraíba e na
Região Sul
3. 3. 4 – Efeito da variável Contexto fonológico subseqüente
sobre a concordância em Salvador, no Rio de Janeiro, na
Paraíba e na Região Sul
3. 3. 5 Conclusões
4. Conclusões finais
5. Bibliografia
13
ÍNDICE DE TABELAS E QUADROS
Número da Tabela
01
Título da Tabela
Página
Distribuição dos tipos de sobrenomes entre os níveis de
154
escolaridade
02
Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função
162
da Escolaridade
03
Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função
163
do Gênero
04
Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função
165
do Gênero e da Escolaridade
05
Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função
169
da Faixa Etária
06
Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função
171
da Faixa etária e do Gênero
07
Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função
173
da Faixa etária e da Escolaridade
08
Taxas de concordância em função da Faixa etária e do Tempo
179
– Dados do NURC 70 e NURC 90
09
Taxas de concordância em função do Tempo real – Dados dos
180
Universitários
10
Efeito da variável tempo entre os grupos de gêneros
182
14
11
Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função
183
do sobrenome – amostra geral
12
Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função
184
dos Sobrenomes – Apenas os dados dos falantes de
escolaridade Fundamental e Média, sem os dados dos
universitários (apenas o grupo POP)
13
Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função
185
dos Sobrenomes – apenas o grupo da última faixa etária: POP4
14
Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função
187
da Faixa etária – Comparação entre os grupos de sobrenome
15
Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função
191
do Sobrenome e da Escolaridade
16
Dados comparativos entre a fala iletrada e a letrada do Rio de
197
Janeiro e textos medievais portugueses
17
Efeito dos Processos de Formação de Plural sobre a
201
concordância
18
Efeito da tonicidade na concordância
206
19
Efeito da tonicidade na concordância – Sem os Monossílabos
208
de uso átono
20
Processos de formação de plural e Tonicidade
210
21
Efeito da saliência fônica (resultante do cruzamento das
213
variáveis Processos de formação de plural e Tonicidade) na
concordância de número no sintagma nominal
15
22
Efeito da Saliência Fônica sobre a concordância – Comparação
215
entre o Português Popular (POP) e o Universitário (UNI)
23
Efeito da Saliência Fônica na concordância da última faixa
etária dos grupos do Português Popular – POP 4 – e
219
do
Português Universitário – UNI 4
24
Efeito da Saliência fônica nos três níveis de escolaridade
223
25
Efeito da Saliência na concordância – Comparação entre os
226
grupos de sobrenomes
26
Efeito da Saliência na concordância dos grupos de sobrenome
229
de nível de escolaridade Fundamental
27
Efeito da Saliência na concordância dos grupos de sobrenome
230
de nível de escolaridade Médio
28
Efeito da Saliência na concordância – Análise apenas com
235
Substantivos, Adjetivos e Categorias substantivadas – Análise
Geral
29
Efeito da Saliência fônica na concordância nominal das classes
236
dos Substantivos, Adjetivos e Categorias substantivadas –
Comparação
entre
o
Português
Popular
(POP)
e
o
Universitário (UNI)
30
Saliência fônica nos substantivos e adjetivos – Grupos POP e
239
UNI, considerando apenas a última faixa etária (POP 4 e UNI
4)
31
Efeito da Saliência na concordância dos substantivos, adjetivos
e categorias substantivadas – Grupos de sobrenome
241
16
32
Efeito da Posição linear sobre a concordância no sintagma
245
nominal – Todos os dados
33
Efeito da Classe gramatical na concordância
248
34
Classe gramatical e Posição linear – Distribuição das classes
250
nas diversas posições
35
Classe gramatical associada à Posição linear na concordância –
252
Freqüência
36
Efeito da Classe, posição linear e posição relativa – Análise
256
geral
37
Efeito da Classe, posição linear e posição relativa – Todos os
259
dados, observando a adjacência ao núcleo e detalhando a
posição linear dos elementos não nucleares à direita do núcleo
38
Efeito da Classe, posição linear, posição relativa nos grupos
269
POP e UNI
39
Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na
272
concordância dos grupos POP4 e UNI4
40
Efeito da Classe, posição linear, posição relativa na
276
concordância dos grupos com níveis diferentes de escolaridade
41
Classe, posição linear, posição relativa / Comparação entre o
280
efeito da variável entre os grupos de sobrenomes
42
Efeito da variável Grau sobre a concordância – Todos os dados
284
43
Efeito da variável Grau na Concordância (juntando itens de
286
classes diferentes nos graus aumentativo e diminutivo)
17
44
Posição
dos
Substantivos,
Adjetivos
e
Categorias
287
Substantivadas nos graus Normal, Aumentativo e Diminutivo
45
Efeito da variável Grau sobre a concordância, independente da
288
classe gramatical
46
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos
291
elementos em segunda posição
47
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos
294
elementos em 3a, 4a ou quinta posições
48
Efeito das marcas precedentes na concordância dos elementos
297
em 2a posição/ com amalgamação de fatores
49
Efeito das marcas precedentes na concordância / com
298
amalgamação de fatores – 3a, , 4a ou quinta posições
50
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos
299
grupos POP e UNI – 2a posição
51
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos
300
grupos POP e UNI – 3a ou outra posições
52
Efeito das marcas precedentes na concordância dos itens em 2a
302
posição dos grupos POP 4 e UNI 4
53
Efeito das marcas precedentes na concordância dos itens em 3 ª
303
ou outra posições dos grupos POP 4 e UNI 4
54
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens
305
em segunda posição nos grupos de escolaridade diferente
55
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens
306
18
em 3a, 4a ou 5a posições dos grupos de escolaridade diferente
56
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens
307
em segunda posição dos grupos diferentes de sobrenome
57
Efeito da Marcas precedentes sobre a concordância dos itens
308
em 3ª ou outra posições dos grupos de sobrenome diferente
58
Efeito
do
Contexto
fonológico
subseqüente
sobre
a
312
subseqüente
sobre
a
313
concordância – Análise inicial
59
Efeito
do
Contexto
fonológico
concordância – Análise inicial amalgamando Final interno e
Final de sentença
60
Efeito do Contexto subseqüente na concordância, análise
315
inicial, considerando a sonoridade da consoante
61
Efeito do contexto fonológico subseqüente na concordância
318
em Itens de plural regular e Itens em -/s/, considerando a
sonoridade da consoante subseqüente –– Análise geral
62
Efeito do Contexto subseqüente aos itens de plural regular na
321
concordância dos grupos POP e UNI
63
Efeito do Contexto subseqüente na concordância dos itens de
323
plural regular dos grupos de escolaridade diferente
64
Efeito
da
Contexto
fonológico
subseqüente
sobre
a
325
concordância dos itens de plural regular dos grupos de
Sobrenome
65
Efeito da Coexistência com o Tudo no valor de todos, todas, na
concordância entre os outros elementos do sintagma - Análise
335
19
sem os universitários.
66
Efeito da Coexistência com o Tudo, na concordância entre os
337
outros elementos do sintagma, separando-se os níveis
Fundamental e Colegial
67
Efeito da Coexistência com o Tudo na concordância dos
339
grupos de sobrenome no nível Fundamental e o português dos
Tongas
68
Efeito da Coexistência com o Tudo na concordância dos
341
grupos de sobrenome de escolaridade Média
69
Efeito da variável Saliência fônica na concordância em
345
Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul
70
Efeito da Classe e posição na concordância em Salvador e no
349
Rio de Janeiro, considerando a adjacência em elemento à
esquerda do núcleo
71
Efeito da Classe e posição na concordância em Salvador, Rio
352
de Janeiro e Região Sul - Considerando a posição linear (não a
adjacência) nos elementos à esquerda do núcleo
72
Efeito da Classe, posição linear e relativa na concordância em
354
Salvador e em João Pessoa - Considerando a posição do
elemento à esquerda do núcleo (não a adjacência ao núcleo)
73
Efeito da variável Marcas precedentes sobre a concordância de
357
elementos em segunda posição – Comparação entre resultados
do POP/Salvador, do Rio de Janeiro e da Região Sul
74
Efeito da variável Marcas precedentes sobre a concordância de
359
20
elementos em 3a, 4a ou 5a posições em Salvador, no Rio de
Janeiro e na Região Sul
75
Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos
360
elementos de segunda posição em Salvador e em João Pessoa
76
Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos
362
elementos de 3a, 4a ou 5a posições em Salvador e em João
Pessoa
77
Efeito da variável Contexto fonológico subseqüente em
364
Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul
78
Efeito do Contexto subseqüente na concordância em Salvador
366
e em João Pessoa
Número do Quadro
01
Título do Quadro
Página
Distribuição da população de Salvador pela cor em 1808 e 1872
63
(em %)
02
Demonstrativo geral dos inquéritos da amostra atual
118
03
Processos de Formação de plural: fatores
128
04
Tonicidade: fatores
130
05
Posição linear no sintagma: fatores
131
06
Categoria morfológica: fatores
133
07
Posição relativa ao núcleo: fatores
135
21
08
Grau dos substantivos e adjetivos: fatores
136
09
Marcas precedentes: fatores
138
10
Contexto fonológico subseqüente: fatores
139
11
A coexistência com o Tudo: fatores
142
12
Escolaridade: fatores
143
13
Gênero: fatores
143
14
Faixa etária: fatores
143
15
Tempo: fatores
144
16
Tipos de sobrenome: fatores
144
17
Tipos de sobrenomes adotados por escravos alforriados nos 148
séculos XVIII e XIX
22
ABREVIATURAS
A aum
Adjetivo em grau aumentativo
A dim
Adjetivo em grau diminutivo
A normal
Adjetivo em grau normal
Adj
Elemento adjacente ao núcleo.
Adjetivo 1
Adjetivo
assim
considerado
pela
gramática
normativa.
Adjetivo 2
Alguns
elementos
não
nucleares
que
são
considerados indefinidos pela gramática normativa
que
trazem
informação
restritiva,
como
determinados, certos, mesmos.
À dir.
Elemento não nuclear à direita do núcleo
À esq.
Elemento não nuclear à esquerda do núcleo
C sonora
Consoante sonora
C surda
Consoante surda
CV
Consoante/Vogal
D2, D3, D4, D5
Elemento não nuclear à direita do núcleo, na 2a, 3a, 4a
ou 5a posições
D
Duplo
F
Escolaridade Fundamental
H2C21
Essa seqüência identifica o informante: H/M:
23
Homem ou Mulher; 1, 2, 3, 4: Faixas etárias de 15 a
24 anos; 25 a 35 anos; 45 a 55 anos ou acima de 65
anos; F/C/U escolaridade Fundamental, Colegial ou
Média, Universitária ou Superior. Em seguida,
informa-se o número do inquérito.
Irr.
Plural irregular
J. Pessoa
João Pessoa
L1
Primeira língua
L2
Segunda língua
M
Escolaridade Média
Mon. Át.
Monossílabo de uso átono
N0_
Numeral e zero antecedentes
N1, N2, N3, N4, N5 Elemento nuclear em 1a, 2a, 3a, 4a ou 5a posições
NNs(N)_
Numeral de mais de uma palavra, com -/s/ final,
antecedente.
NN(N)_
Numeral de mais de uma palavra, sem -/s/ final,
antecedente.
NS_
Numeral e marca antecedentes.
NURC 70/90
Projeto Norma Urbana Culta (década de 70 ou
década de 90)
0S_
Zero e marca antecedentes.
24
Ox.
Oxítono
Parox.
Paroxítono
P1, P2, P3, P4 ou P5 1a, 2a, 3a, 4a ou 5a posições
PEPP
Programa de Estudo do Português Popular de
Salvador
P. final
Pausa final
P. interna/P. int.
Pausa interna
PLD
Dados lingüísticos primários
POP
Português Popular de Salvador
POP 4
Português Popular de Salvador, acima de 65 anos
P. R.
Peso relativo
Prop.
Proparoxítono
Reg. / R.
Plural regular
R. J.
Rio de Janeiro
S
Escolaridade Superior
S0_
Marca de plural e zero antecedentes
Sign.
Significância
S aum
Substantivo em grau aumentativo
S dim
Substantivo em grau diminutivo
25
SM_
Marca e modificador antecedentes
SN_
Marca e numeral antecedentes
S nor
Substantivo em grau normal
S0M_
Marca, zero e modificador antecedentes
SS_
Duas marcas antecedentes
SSA
Salvador
SSM_
Marcas e modificador antecedentes
Subs.
Substantivo
Ton.
Tônico
UNI
Português universitário de Salvador
UNI 4
Português universitário de Salvador, acima de 65
anos
Vog.
Vogal
26
ÍNDICE DOS GRÁFICOS
Número do Gráfico
Título do Gráfico
Página
01
Distribuição dos sobrenomes no nível Fundamental
154
02
Distribuição dos sobrenomes no nível Médio
155
03
Distribuição dos sobrenomes no nível Superior
155
04
Efeito da Escolaridade na concordância
162
05
Efeito do Gênero na concordância
164
06
Efeito das variáveis Escolaridade e Gênero, associadas, sobre
166
a concordância
07
Efeito da Faixa etária sobre a concordância
170
08
Efeito da Faixa etária e Gênero sobre a concordância
172
09
Efeito da Faixa etária e da Escolaridade sobre a concordância
174
10
Efeito do Tempo aparente e Tempo real na concordância
180
11
Efeito do Tempo real na concordância
181
12
Efeito do Tipo de sobrenome na concordância
183
13
Efeito do Tipo de sobrenome na concordância - POP
184
14
Efeito do Tipo de sobrenome na concordância POP4
186
15
Efeito da Faixa etária e Tipo de sobrenome na concordância
188
27
16
Efeito da variável Sobrenomes na concordância dos níveis
192
Fundamental e Média
17
Taxas de uso da concordância em função dos Processos de
202
formação de plural
18
Taxas de uso da concordância em função da Tonicidade
206
19
Efeito da Saliência fônica na concordância – Análise Geral
214
20
Efeito da Saliência na concordância dos grupos POP e UNI
216
21
Efeito da Saliência na concordância - POP 4 e UNI 4
220
22
Efeito da Saliência na concordância - Grupos de escolaridade
224
23
Efeito da Saliência na concordância - Grupos de sobrenome
227
24
Efeito da Saliência fônica na concordância dos grupos de
230
sobrenome de nível Fundamental
25
Efeito da Saliência fônica na concordância dos grupos de
232
sobrenome de escolaridade Média
26
Efeito da Saliência na concordância dos grupos POP e UNI -
237
apenas substantivos, adjetivos e categorias substantivadas
27
Efeito da Saliência na concordância dos grupos POP4 e UNI4
240
– apenas substantivos, adjetivos e categorias substantivadas
28
Efeito da Saliência na concordância dos substantivos,
242
adjetivos e categorias substantivadas nos grupos de
Sobrenome
29
Efeito da Posição linear na concordância
246
28
30
Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na
257
concordância
31
Efeito da Classe, posição linear e posição relativa, detalhando
261
a adjacência do elemento à esquerda e a posição linear do
elemento à direita
32
Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na
271
concordância dos grupos POP e UNI
33
Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na
274
concordância dos grupos POP4 e UNI4
34
Efeito da Classe, posição linear e posição relativa sobre a
278
concordância nos níveis diferentes de escolaridade
35
Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na
282
concordância dos grupos de sobrenome
36
Efeito do Grau na concordância dos substantivos e adjetivos
285
(1)
37
Efeito do Grau na concordância dos substantivos e adjetivos
286
(2)
38
Efeito do Grau na presença de concordância dos substantivos
288
e adjetivos (3)
39
Efeito das Marcas precedentes na concordância dos
298
elementos em segunda posição
40
Efeito das Marcas precedentes na concordância dos itens em
2a posição nos grupos POP e UNI
300
29
41
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens
301
em 3a, 4a ou 5a posições nos grupos POP e UNI
42
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens
302
em segunda posição dos grupos POP4 e UNI4
43
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens
304
em 3a., 4a ou 5a posições dos grupos POP4 e UNI4
44
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância nos itens
305
em segunda posição dos grupos de escolaridade
45
Efeito das Marcas precedentes na concordância dos itens em
307
segunda posição dos grupos de sobrenome diferente
46
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância nos itens
309
em 3a, 4a ou 5a posições dos grupos de sobrenome
47
Efeito do Contexto subseqüente sobre a concordância
312
Análise inicial
48
Efeito do Contexto subseqüente na concordância - Análise
314
inicial, sem distinguir pausas interna e final
49
Efeito do Contexto subseqüente, análise inicial, considerando
316
a sonoridade da consoante
50
Efeito do Contexto subseqüente na concordância dos itens de
319
plural regular e dos itens terminados em -/s/
51
Efeito do Contexto fonológico subseqüente na concordância
322
dos grupos POP e UNI
52
Efeito do Contexto fonológico subseqüente na concordância
324
30
dos itens de plural regular dos grupos de escolaridade
diferente
53
Efeito do Contexto fonológico subseqüente na concordância
326
dos itens de plural regular dos grupos de sobrenome
54
Efeito da coexistência com o Tudo na concordância
336
55
Efeito da coexistência com o Tudo na concordância da
338
escolaridade Média
56
Efeito da Saliência fônica na concordância em Salvador, no
346
Rio de Janeiro e na Região Sul
57
Efeito da Classe e posição linear e relativa sobre a
348
concordância em Salvador e no Rio de Janeiro
58
Efeito da Classe e posição linear e relativa sobre a
351
concordância em Salvador, Rio de Janeiro e Região Sul
59
Efeito da Classe e posição linear e relativa na concordância,
355
não considerando a adjacência
60
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância em
357
Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul
61
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância em
361
elementos em 2a posição em Salvador e em João Pessoa
62
Efeito das marcas precedentes sobre a concordância em itens
362
em 3a, 4a ou 5a posições em Salvador e em João Pessoa
63
Efeito do Contexto subseqüente na concordância em
Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul
365
31
64
Efeito do Contexto subseqüente sobre a concordância em
Salvador e em João Pessoa
367
32
INTRODUÇÃO
Fala-se muito em variação do português, especialmente na que
caracteriza os falares dessa língua no Brasil e em outros países. Mas o que
identifica a língua utilizada neste país? Que aspectos da língua sofrem
variação e que fatores motivam a escolha das variantes por cada um dos
falantes?
É facilmente percebida a diferença entre os diversos usos que se
fazem da língua, nos centros urbanos e em localidades rurais, e entre as
peculiaridades da língua portuguesa no Brasil e em Portugal. A que se deve
essa variação? À própria língua – elementos estruturais – ou a fatores
externos?
Entre os diversos aspectos da variação no português do Brasil, talvez a
concordância de número – verbal ou nominal – seja um dos que mais
chama a atenção de qualquer observador, mesmo não muito preocupado
com a linguagem, nem profundo conhecedor da norma preconizada pela
escola. A não realização da concordância prevista, sem dúvida, é traço dos
mais estigmatizados, sendo considerado como indicador de falta de
escolarização ou de desprestígio social. Dessa forma, é comum pressupor
que os falantes de nível universitário façam a concordância em qualquer
situação ou contexto. Sem acreditar muito que a escolaridade seja o único
fator responsável por essa variação, esse trabalho se iniciou.
O presente estudo, dentro de uma visão da sociolingüística
variacionista, pretende buscar possíveis relações entre a realização da
concordância dentro do sintagma nominal e fatores lingüísticos e sociais. A
teoria variacionista considera que a variação é inerente a todo processo
33
lingüístico e as mudanças, segundo essa teoria, têm também motivações
sociais. Este trabalho toma como ponto de partida Scherre (1988), que
utilizou o corpus Censo do PEUL, do Rio de Janeiro, e considera outras
pesquisas que propõem, como explicação para o fenômeno da variação da
concordância no Brasil, o processo de aquisição de língua.
Pretende-se, nesta pesquisa,
1) analisar a concordância de número no sintagma nominal
nas falas popular e culta atuais de Salvador, em quatro diferentes
faixas etárias, três graus de escolarização, nos dois gêneros, e em
dois diferentes grupos de etnia, identificando fatores lingüísticos
e sociais que mais condicionam a sua variação;
2) comparar os resultados relativos à escolaridade superior
atual (NURC/SSA/90) com o mesmo fenômeno estudado na
realização culta da década de 70 (NURC/SSA/70), buscando
observar se a variação mostra-se estável ou se há indicação de um
processo de mudança lingüística;
3) analisar a possibilidade de a variação da concordância
em Salvador refletir uma competição entre gramáticas;
4) fazer comparações entre os resultados encontrados na
análise com outras pesquisas sobre a realização da concordância
no sintagma nominal em regiões diferentes do país;
5) refletir, com base na análise dos dados, sobre a
possibilidade de o português de Salvador estar relacionado a um
processo de aquisição de língua diferente de outras regiões.
Este trabalho constitui-se de quatro capítulos, assim distribuídos:
34
O primeiro capítulo trata da formação do português do Brasil e das
diversas abordagens que se vêm dando ao tema. São apresentados dados
relativos à contribuição dos três principais componentes étnicos, o índio,
elemento nativo; o branco, português, o colonizador; e o negro, para cá
transplantado na escravidão, na construção da nacionalidade brasileira e na
formação das particularidades do português nesse novo continente. Além
desse aspecto, é apresentada a hipótese, defendida por muitos lingüistas, de
que no Brasil existiram processos de crioulização. Focaliza-se o debate
existente em torno desse tópico: apresentam-se argumentos em favor da
crioulização e as controvérsias. Faz-se, também, uma rápida abordagem a
respeito da formação da população de Salvador, da sociedade urbana dessa
cidade do período colonial ao período que sucedeu a abolição da escravidão
no Brasil. Finalmente, é também abordada nesse capítulo a possibilidade de
o português do Brasil, com a diferenciação existente, ser reconhecido como
uma língua distinta do português europeu.
O segundo capítulo trata do suporte teórico-metodológico utilizado na
pesquisa. São apresentados os princípios da sociolingüística variacionista,
que toma como pressuposto que a variação é um aspecto inerente a todas as
línguas e que existe uma relação entre a variação e a mudança lingüística.
São tomados, também, como suporte teórico, aspectos relativos à aquisição
de uma língua, ou aquisição de uma gramática, e a competição de
gramáticas, dentro da visão de Lightfoot (1999). Considera-se o tipo de
dados lingüísticos a que a criança tem acesso, na aquisição da linguagem,
como de fundamental importância para o tipo de gramática que será fixada
por ela. Dessa forma, neste trabalho, quando se faz referência à aquisição
com muita variação ou diversidade de dados, é a um contexto em que os
dados apresentados à criança constituem-se de informações lingüísticas de
várias origens, de falantes que aprenderam a língua portuguesa como
35
segunda língua (L2), não como falantes nativos. Esses dados se
caracterizam, pois, por expressarem diferentes direções, orientações ou
parâmetros, à criança.
Ainda o segundo capítulo trata da teoria dos 4M, de Myers-Scotton &
Jake (2000a), que se refere a uma tipologia de morfemas, que este trabalho
considera como de grande interesse para o entendimento do fenômeno da
concordância no sintagma nominal no português. Segundo essa teoria, a
ordem em que os morfemas são adquiridos numa língua está relacionada a
uma tipologia que, assim como explica a aquisição desses elementos, pode
servir para entender o processo da variação dos mesmos. Levando em conta
esse pressuposto, esta pesquisa procura, com o auxílio dessa teoria, buscar
explicação que dê conta do fenômeno da variação da concordância no
sintagma nominal do português. São dadas, ainda, informações sobre a
metodologia utilizada, são descritas as variáveis observadas na presente
pesquisa e são apresentados dados sobre o Programa de Estudos sobre o
Português Popular de Salvador – o PEPP – e o Projeto Norma Urbana Culta
de Salvador – o NURC, que são a fonte de todo o material lingüístico
utilizado.
No terceiro capítulo, apresenta-se o resultado da análise das variáveis
sociais e lingüísticas observadas no corpus, com a amostragem das que são
consideradas como mais relacionadas ao fenômeno em estudo em Salvador.
Nesse mesmo capítulo, analisa-se se o fenômeno da concordância mostrase apenas em variação ou se, ao contrário, há a constatação de que existem
indícios de um processo de mudança. É feita, também, uma comparação
entre os resultados desta pesquisa e outros estudos realizados sobre a
concordância no sintagma nominal em diferentes regiões do Brasil.
36
Finalmente, apresentam-se as conclusões a que se chegou com o
estudo realizado. Nesse momento, conclui-se a respeito das variáveis
lingüísticas que mais estão ligadas à concordância de número no sintagma
nominal e sobre as diferenças entre os resultados de pesquisas que
estudaram o fenômeno da concordância no sintagma nominal em outras
regiões. Diante das diferenças entre as observações nos diversos grupos,
avalia-se a possibilidade de coexistência e competição de gramáticas, de o
fenômeno da concordância estar em processo de mudança lingüística e a
veracidade da hipótese de que as peculiaridades do português do Brasil
tenham alguma relação com a forma de aquisição dessa língua, na sua fase
de constituição.
37
1 - A FORMAÇÃO DO PORTUGUÊS DO BRASIL
1. 1 Introdução
No Brasil, a língua portuguesa chegou desde que Portugal iniciou aqui
o processo de colonização. Como os indígenas eram maioria e, além disso,
possuíam muitos sistemas lingüísticos diferentes, a língua transplantada
não foi utilizada imediatamente pela população nativa. Os jesuítas, sentindo
a necessidade de uma língua de contato, instituíram para essa finalidade
uma das línguas da costa, o tupi, falada pelos guaranis, tupiniquins,
tupinambás, que passou a ser utilizada pelos índios e brancos, na
comunicação. Além dessa língua indígena, considera-se que tenha havido
outras, as línguas travadas, faladas por outros grupos, dentre os quais os
gês, cariris, nuaruaques, panos, guaicurus. A língua geral foi descrita
primeiramente pelo padre José de Anchieta, em 1595, na Arte de gramática
da língua mais usada na costa do Brasil, e foi através dela que se passou a
dar o ensino escolar ministrado pelos religiosos aos nativos.
O tupi foi língua geral no Brasil, “necessária a todos: aos mercadores
nas suas viagens, aos aventureiros em suas expedições, sertão adentro, aos
habitantes das vilas em suas relações com o gentio ...” (Silva Neto,
19761:68) e há registros que indicam que essa língua passou a ser a língua
materna, inclusive, de muitas crianças filhas de portugueses, cuidadas por
mulheres indígenas. Sobre a língua geral, Câmara Jr. (1975:76) diz que:
“... como lìngua de intercurso, despojou-se de seus traços
fonológicos e gramaticais mais típicos para se adaptar à
consciência lingüística dos brancos e o português nela
atuou, assim, impressivamente, como superstrato. É o que
1
A 1a edição da Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil, de Serafim da Silva Neto, é de
1950.
38
explica a sua fácil difusão entre os brancos, de que temos
testemunho em documentos oficiais.”
Assim como os indígenas, os portugueses tiveram também que se
permitir algumas mudanças:
“ ... teriam de renunciar a muitos dos seus hábitos
hereditários, de suas formas de vida e de convívio, de
suas técnicas, de suas aspirações e, o que é mais
significativo, de sua linguagem. E foi, em realidade, o
que ocorreu.” (Holanda, 1978).
Séculos depois, o tupi passou a ser a língua de utilização ampla e o
português, a língua oficial; o governo, então, começou a exigir o português,
buscando refrear o uso da língua geral. Dentro desse ideal é que o ensino
teria que deixar de ser ministrado na língua geral e os portugueses,
principalmente com cargo público, tinham uma nova função: a difusão da
língua portuguesa. É o que se vê nas palavras de Barros, Borges & Meira
(mimeo),
“Pela nova orientação, o Português deveria ser difundido
pelos portugueses com cargo público nos novos
povoados, principalmente os diretores de Índios, que
tinham entre suas funções a criação de escola nas
povoações, com objetivo de ensinar o Português.”
Mesmo tendo havido, durante tanto tempo, uma convivência tão
íntima entre a língua geral - o tupi - e o português, sendo falado por quase
toda a população, não se reconhece que o tupi tenha deixado muitas marcas
39
na língua portuguesa do Brasil2. Apesar disso, sobre a influência da língua
indígena, há posicionamentos diferentes.
Há quem considere a necessidade de pesquisa, acreditando na
possibilidade de outras influências além da contribuição dada ao léxico.
Houaiss (1985) diz ser possível que tenha havido influência no sistema
vocálico e Elia (1979), na pronúncia, na entoação e no sistema de redução
das flexões:
“Até onde, nessa área, terá ou não terá havido influência da
língua geral, das línguas indígenas (e de outras influências, em
áreas outras) na regionalização brasileira? Os sistemas
vocálicos existentes dialetalmente no Brasil são ainda,
genealogicamente ou diacronicamente, enigmas por elucidar,
como o são os fatos tonais mais sentidos (nordestino, baiano,
carioca, paulistano, gaúcho)” Houaiss (1985: 67-8).
O autor citado evidencia uma consciência de que há, ainda, muita
coisa que ser estudada no campo das influências indígenas nos
diversos falares que caracterizam o português brasileiro. Sobre o
assunto, Elia (1979) apresenta uma idéia semelhante, evidenciando a
certeza da necessidade de pesquisa nesse campo:
“A influência do tupi no português do Brasil ainda está por
estudar. Por enquanto temo-nos limitado à difusão dos
empréstimos, nem sempre com a segurança desejável.
Todavia, na pronúncia e entoação brasileiras, mormente de
2
“Na verdade, o tupi missionário só trouxe para o português do Brasil empréstimos lexicais, que
se adaptaram à fonologia e à gramática portuguesa. Nenhum fonema indígena entrou para o
português do Brasil ...” (Câmara Jr., 1975-76).
40
caráter regional (Nordeste, Amazônia), há toda a probabilidade
de presença de um influxo indígena. Do ponto de vista
morfológico, temos a redução de flexões, fenômeno comum
aos falares crioulos.” (Elia, 1979:41).
Mas o português, no Brasil, não manteve contato apenas com a
linguagem dos índios. Foi muito forte o confronto com várias línguas dos
africanos que aqui aportaram com a escravidão, quando o Brasil passou a
receber uma população escrava oriunda de regiões diversas da África. Essa
diversidade lingüística intencional entre os escravos teve o objetivo de
evitar uma possível unidade nos grupos, para manter neles a submissão
(Rodrigues, 1983).
As diferentes ascendências dos africanos que para cá vieram é atestada
por Rodrigues (1988), como se vê no trecho:
“Na Bahia, fortemente se fez sentir a ascendência dos
negros sudaneses, ao passo que em Pernambuco e no Rio
de Janeiro prevaleceram sobretudo os negros austrais do
grupo banto. (...) As nações africanas mais utilizadas no
Rio de Janeiro são: os benguelas, os minas, os ganguelas
ou banguelas, os minas-nejôs, minas-maí, os sás, rebolas,
caçanjes, minas-cavalos, cabindas d‟água doce, cabindas
massudás, congos, moçambiques. Estes compreendem
grande número de nações vendidas no mesmo ponto da
costa Artres.”
Essa diversidade impedia que entre eles pudesse haver comunicação
nas suas línguas maternas e esse fato tem interesse nessa discussão, para
que se avaliem as conseqüências dessa possível ausência de língua comum
na aprendizagem que os africanos tiveram do português.
41
Apesar dessa particularidade da população africana vinda para o
Brasil, havia também entre eles os ladinos, de origem também diversa, mas
já iniciados na língua portuguesa por terem passado por outras colônias
portuguesas. Por vezes, esses eram aproveitados como capatazes das
fazendas, ou em outras funções, servindo de elo de comunicação entre os
portugueses e os outros africanos, no comando desses últimos.
De início, o número de africanos no território brasileiro era menor que
o de portugueses e índios, mas, no século XVIII, com a intensificação do
comércio de escravos, em algumas regiões eles passaram a ser maioria.
Não se tem dados precisos sobre a chegada dessa população nem sobre a
língua que eles usavam aqui, se a língua geral indígena, o português ou
alguma língua geral africana. Sabe-se, no entanto, que, como as chegadas
de escravos eram sucessivas, e eles eram principalmente levados para as
plantações, havia sempre muitos deles se iniciando no português nas
regiões em que eles eram inseridos. É de se imaginar que, como nas
plantações não havia muitos portugueses, o contato que os recémtransplantados tinham com a língua portuguesa trazida pelos colonizadores
era muito pouco, senão com um português transmitido por outros africanos,
aprendido por eles como segunda língua (L2).
Os africanos são considerados por alguns estudiosos da língua como
responsáveis pelas diferenças existentes entre o português do Brasil, hoje, e
o de Portugal. Dentre eles, Mendonça (1936:189) diz que, apesar da
profunda diferença entre o português e as línguas africanas, o negro deixou
no português do Brasil alguns vestígios, por exemplo, na linguagem dos
caipiras, com a ausência da concordância nominal nos sintagmas nominais.
Nessa variedade do português, ele observa que o plural é apenas indicado
pelo artigo, deixando o substantivo invariável: “as casa”, “os caminho”,
42
“aquelas hora”. Ele refere-se também à falta de concordância no adjunto
predicativo: “as criança tavum quetu”, “as criação ficarum pestiadu”.
Da mesma opinião, Andrade (1989: 16), que não é lingüista, mas um
estudioso da influência da África no Brasil, diz:
“Na linguagem, na forma de falar o português do Brasil,
observa-se também uma grande influência da cultura
negra, que se manifesta através da utilização de
diminutivos, da colocação de pronomes e de uma série de
atentados à sintaxe portuguesa ortodoxa.”
A expressão “atentados”, por ele utilizada para se referir ao uso da
língua portuguesa pelos africanos, reflete o estigma de que foi objeto o
falar dos negros no Brasil, principalmente devido ao desprestígio social dos
seus usuários. Apesar disso, não se considera (pelo menos nos estudos até
então realizados – sem levar em conta, nesse momento, a hipótese de Guy
(1981), que será apresentada mais adiante – que houve na língua
portuguesa influência de lìnguas africanas ou indìgenas, mas da “tosca
aprendizagem” (Silva Neto, 1976:96-7) que eles tiveram da língua.
Pelo exposto, tem-se uma idéia de quão particular foi o contexto
histórico cultural e lingüístico dos primeiros séculos vividos nesse país. De
início, o país, com uma imensa variedade de línguas indígenas, enfrenta a
chegada dos portugueses, com uma língua européia, o português. O tupi
assume a posição de língua geral e inicia-se a chegada dos africanos, com
suas muitas línguas, que continua durante séculos seguidos. Ocorre em
seguida a “proibição” do uso do tupi, a lìngua geral, pelo governo
português, até que a língua portuguesa assume o lugar que ocupa hoje entre
os brasileiros.
43
1. 2 A hipótese da língua crioula
Alguns estudiosos do português citam um falar crioulo, ou dialeto
crioulo ou simplesmente crioulo na história do português do Brasil. Entre
os autores, há mais divergências na forma de entenderem o crioulo do que a
respeito das influências dos africanos ou indígenas no português do Brasil.
A existência desse crioulo é a explicação que alguns deles dão para um
português diferenciado no Brasil.
Coelho (1967), Silva Neto (1976), Câmara Jr (1975) e Houaiss (1985)
têm uma visão talvez parecida do crioulo e, para eles, existiu um “falar
crioulizante”, o português simplificado. A referência que esses autores
fazem não é à lìngua crioula, mas a um “dialeto crioulo” ou “crioulizado”
ou um “falar crioulo”, usado para a comunicação, ou uma “tendência
reducionista tipo crioulizante”.
Desde Coelho (1967), em fins do século XIX, colocou-se a variedade
do português do Brasil em meio a diversos falares crioulos do português. A
variação da concordância nominal foi, inclusive, referida por ele para
justificar a aproximação que fez:
“Diversas particularidades caracterìsticas dos dialectos
crioulos repetem-se no Brasil; tal é a tendência para a
supressão das formas do plural, manifestada aqui, que,
quando se seguem artigo e substantivo, adjectivo e
substantivo, etc., que deviam concordar, só um toma o
sinal do plural.” (Coelho, 1967: 43).
Dentro dessa visão, Silva Neto (1976:36) considera que existiam
muitas semelhanças entre o português dos índios e negros, na época da
colonização do Brasil, e diz que a razão da proximidade se identifica no
44
tipo de contato que eles tiveram do português: “aprenderam o português
como lìngua de emergência, obrigados pela necessidade.” Ele observa que
muitos africanos que foram transplantados para o Brasil já trouxeram um
crioulo-português, oriundo das costas da África.3
A conclusão de que houve aqui esse crioulo é pautada, segundo ele
mesmo diz, nas características do próprio português do Brasil e de línguas
crioulas: “... rigorosa observação dos nossos falares rurais, aliada ao estudo
comparado, das adaptações do português feitas na África e na Ásia, levarnos-ia à aceitação de um estado lingüístico paralelo no Brasil-Colônia.”
(Silva Neto, 1976: 48).
O “grau” desse falar crioulizado varia, dependendo do grau de imersão
na cultura européia da região em que o português é falado e do percentual
de brancos em relação aos ìndios, negros e mestiços. A fala dos “matutos
ou caipiras”, segundo o autor, hoje no Brasil, apresenta vestìgios desse
crioulo. Diante das interpenetrações entre as populações rurais e urbanas,
nas cidades, há marcas desse falar nos iletrados ou em pessoas de pouca
escolarização. Como é a escola, na sua opinião, que promove o
“reaportuguesamento”, ele é mais intenso nas cidades. Um dos vestìgios
apontado desse crioulo é o “desaparecimento da flexão numérica por meio
de –/s/: os livro, as mesa” (Silva Neto, 1976:135), um dos contextos
examinados na presente pesquisa.
Sobre esse assunto, e concordando com essa mesma idéia, Houaiss
(1985: 119) acrescenta que a existência de um falar “tipo crioulizante” é
indiscutível:
3
Por crioulo ou semicrioulo ele entende que é “ ... uma adaptação do português no uso de mestiços,
aborígenes e negros. Caracterizava-se, como em geral esse tipo de linguajares, pela extrema simplificação
de formas, e, talvez nos primeiros anos, algum traço lingüístico devido a fenômenos de interferência de
outra lìngua.” (Silva Neto, 1976:48).
45
“O fato de que houve uma tendência reducionista panbrasileira
de
tipo
crioulizante
é
aparentemente
incontestável – tendo havido (e havendo ainda)
contestação quanto às „causas‟ do fenômeno: seria por
causa do substrato e adstrato indígenas, seria por causa do
substrato africano, seria por ambos os casos ou seria por
causa das derivas portuguesas? Ou seria por causa do
concurso dessas e outras causas?”
São algumas das caracterìsticas “pan-brasileiras” do português, que
ele considera de uso quase geral nos iletrados, apresentadas no seu texto,
como indícios desse crioulo: o desaparecimento do r final; a presença de
marca de plural no sintagma uma única vez, eliminando a redundância; a
“instabilização” do -/l/ final; a redução dos ditongos ou e ei, dentre outras.
Ele diz que os crioulos sempre tendem à redução das redundâncias.4
Considerando a existência desse crioulo, Houaiss diz que a língua de
uso comum no Brasil passou depois, apesar da deficiência da educação, por
uma descrioulização, processo de distanciamento do crioulo, de perda
desses traços e aproximação do português:
“ ... vê-se que, a partir do início do século XX, os
registros orais supérstites mostram que a nossa oralidade
– já a meramente profissional, já a (dita) califásica – se
achava muito longe de uma crioulidade. Houvera,
4
“Por seu isolamento e por suas limitações de necessidades fìsicas e mentais, os crioulos tenderam
sempre à eliminação das chamadas redundâncias do sistema linguageiro de origem. Idealmente é como se
examinassem a frase „os meninos precisam ter dois pães‟ e chegassem às seguintes conclusões: „os
meninos‟ é redundante, basta „os menino‟ (pois o plural continua aì marcado mais economicamente); „os
menino precisam‟ é ainda redundante, basta „os menino precisa‟ (pois o plural continua aí marcado mais e
mais economicamente)...” (Houaiss, 1985:116).
46
presumivelmente, mesmo através do mero processo oral,
um tipo de policiamento social que buscava afastar-se da
massa. Essa tendência teria ido em crescendo tal que, da
segunda metade do século XIX em diante, o „ideal‟
linguageiro postulado chegou a ser ostensivamente
lusitanizante ...” (Houaiss, 1985:132).
Essa idéia da descrioulização é a tese defendida pelos crioulistas
atuais e será mais adiante discutida. Nessa situação, no Brasil, busca-se a
língua alvo, o português, com a perda do caráter reducionista crioulizante.
Câmara Jr. (1975:77), mostrando-se de acordo com a existência desse
“falar”, no Brasil, acredita que, de inìcio, deve ter havido interferência dele
no português:
“Os escravos negros adaptaram-se ao português sob a forma
de um falar crioulo. Nos latifúndios, ou fazendas, da época
colonial e do império o contato dos senhores brancos com
seus escravos negros foi intenso e estreito. As crianças eram
confiadas aos cuidados de amas escravas, as chamadas
„mães-pretas‟, e devem ter tomado, de inìcio, sem sentir,
elementos do português crioulo que elas usavam.”
Ao contrário desses autores, vê-se em Révah (1959:273-291)
referência a leis fonéticas naturais para explicar um aspecto da morfologia
do português do Brasil, a perda da concordância verbal e nominal
(considerado pelos defensores de língua crioula como um traço
remanescente dessa língua). Segundo ele, essa ocorrência é registrada
também em Portugal, em Barrancos, e ele utiliza isso como argumento de
que a falta de concordância no Brasil não pode ser entendida como um
47
resquício de existência de qualquer crioulo, de substrato indígena ou
africano.
Sobre a atuação dos aloglotas no português do Brasil, os autores antes
mencionados restringem seu papel a “um efeito de gatilho”, para Mattoso
Câmara Jr., usando expressão de Weinreich; ou fator de “precipitação de
mudanças”, para Serafim da Silva Neto; ou como elemento de “eliminação
das chamadas redundâncias”, para Antônio Houaiss. Nos três casos, o que
ocorreu com o português, no Brasil, já era previsto pelo sistema. O contato
com os aloglotas, segundo esses autores, não trouxe grandes mudanças,
mas a aceleração de um processo.
1. 3 Os lingüistas atuais
Na atualidade, os lingüistas também entendem o crioulo como uma
língua resultante de simplificação e fazem uma distinção entre pidgins5 e
crioulos. Enquanto os pidgins “são sistemas lingüìsticos reduzidos, sem
falantes nativos, usados em contextos funcionalmente restritos de
comunicação interétnica”, o crioulo “é mais complexo, „full fledged‟, e
variedade funcionalmente irrestrita” De Graff (1999b:3)6.
Na visão de Bickerton, segundo De Graff (1999b), enquanto na
pidginização ocorre uma aprendizagem de segunda língua com input
reduzido, na crioulização há uma primeira aprendizagem de língua com
input reduzido. Há autores que não consideram imprescindível a existência
de falantes nativos para a existência do crioulo. Segundo eles, pidgins
podem tornar-se crioulos sem terem passado por nativização, bastando para
isso tornarem-se de uso primário numa comunidade.
5
Assim como em Lucchesi & Baxter (no prelo), o termo pidgin, utilizado neste trabalho, tem o mesmo
valor de interlíngua, referindo-se a uma segunda língua em processo de formação. Diferenças que se
podem identificar dizem respeito a aspectos exteriores ao contexto estrutural.
48
DeGraff (1999b:6) faz uma distinção entre pidgins e crioulos,
envolvendo aspectos históricos, funcionais e lingüísticos:
A distinção entre pidgins e crioulos está na combinação
de critérios históricos, funcionais e lingüísticos, tais
como ausência versus presença de falantes nativos,
aquisição por adultos versus crianças; extensão das
funções
comunicativas,
extensão
do
repertório
lingüístico, complexidade estrutural, consistência de
padrões e compatibilidade com restrições universais
(UG).7
Os estudiosos relacionam o crioulo a um processo de invasão e
escravização, envolvendo uma língua européia, sempre a língua alvo, e
línguas africanas, que se tornam substrato da formada. A língua do
dominador, nessa situação, é considerada alvo porque o objetivo do
escravizado é aproximar-se dela. Para a existência dessa língua, é preciso
que algumas condições sejam satisfeitas, dentre elas, segundo Bickerton
(1988), que o número de não-europeus, em determinado momento, seja
superior ao de europeus, o que ele chama de “evento único”. A extensão de
tempo entre o inìcio do contato entre as lìnguas e o “evento único” define a
maior ou menor “diluição” da lìngua alvo nessas lìnguas. Quanto mais se
retardar o “evento único”, mais traços da lìngua alvo o crioulo terá.
Considera-se a possibilidade de aqui terem existido processos de
crioulização no Brasil porque este país viveu durante muitos séculos a
situação de escravidão, apesar de o “evento único” não ter ocorrido no paìs
6
“According to standard definitions, (early) pidgins (and jargons) are elementary reduced, simplified
systems, without native speakers, and used in functionally restrict contexts of interethnic communication.
(…) [creole] is a more complex, „ full fledge‟ , and functionally unrestricted variety.”
7
“ The distinction between pidgins and creoles has relied on a combination of historical, functional, and
linguistic criteria, such as absence versus presence of native speakers, acquisition by adults versus
49
como um todo, mas em apenas alguns pontos isolados. Sabe-se que, para
que um crioulo se forme, é preciso que não haja um outro sistema
lingüístico em comum e essa parece ter sido a situação vivida no Brasil
(mas não nos centros urbanos) e na maior parte das concentrações de
escravos no mundo, formadas por falantes de diversas origens e utilizando
línguas diferentes. Esses dados é que levam os pesquisadores à suposição
da crioulização prévia no português do Brasil.
É preciso que se observem as teorias existentes sobre a gênese do
crioulo para que se possam interpretar os traços das línguas resultantes de
um processo de crioulização. DeGraff cita três teorias da gênese do crioulo:
a universalista, a substratista e a superstratista. Na primeira dessas teorias,
as gramáticas crioulas tendem a manter especificados valores “defeituosos”
devido a
1) função privilegiada da criança em formação e a
2) natureza restrita, variável, do input do pidgin não ser
regida por regras.
Para os substratistas, crioulos trazem marcas sintáticas e semânticas
dos seus substratos, enquanto aspectos fonológicos do léxico remontam ao
superstrato. Na teoria superstratista, pela ausência de fortes pressões
normativas, e com interferência limitada das línguas nativas dos falantes,
os crioulos seriam versões de seus superstratos, originadas de várias
camadas de aproximações do coloquial (DeGraff, 1999b:7).
Pelo apresentado por DeGraff, a depender da idéia que o pesquisador
faz da gênese do crioulo, ele pode apresentar diferentes explicações para as
características de uma língua crioula: 1) ou aponta para os universais, teoria
children, rang of communicative functions, extent of linguistic repertoire, structural complexity,
consistency with universal (UG) constraints.”
50
defendida por Bickerton, dentre outros, 2) ou se constituem explicações as
marcas do substrato ou 3) do superstrato.
O termo “crioulo”, ou “falar crioulizado”, utilizado nos discursos de
Mattoso Camara, Serafim da Silva Neto e Antonio Houais, parece estar
mais relacionado à teoria superstratista, segundo a qual, diante da ausência
de fortes pressões normativas, os crioulos seriam versões de seus
superstratos, como uma visão deturpada do português, mas sem influência
das línguas utilizadas pelos africanos.
DeGraff (1999b) defende a posição de que não existem traços
lingüisticos determinados que serviriam como critério para um status
crioulo. Essas lìnguas são simplesmente “o produto de certos fatores
externos extraordinários unidos à base lingüística ordinária (interna)
inerente à faculdade humana da linguagem.”8
No Brasil, as zonas rurais, durante a colonização, receberam grande
quantidade de africanos, principalmente para as plantações. Nessas regiões,
pode ter havido concentrações deles, talvez em maioria, com pouco acesso
à língua-alvo, o português, senão através de outros africanos que a
aprenderam como segunda língua.
Ferreira (1994:22) considerou a comunidade de Helvécia, no sul da
Bahia,
como um possível remanescente de um crioulo de substrato
africano. A história da comunidade apresenta um dado curioso. Fazia parte
da Colônia Leopoldina, que perdurou de 1818 até a abolição, um núcleo em
que, em 1858, existiam “40 fazendas, 200 brancos (na maioria alemães,
suíços, alguns franceses e brasileiros) e 2000 negros; os últimos, na maior
parte, já nascidos na futura Helvécia.” Baxter (1998:112) observa que
8
“ … creoles would simply be the product of certain extraordinary external (sociohistorical) factors
coupled with ordinary (internal) linguistic resources inherent to the human faculte de langage.” (p 11)
51
muitos dos escravos que fizeram parte do grupo inicial nasceram na África
e, segundo os descendentes, falavam o gege e o iorubá. Com o declínio da
agricultura, fonte de riqueza da localidade, os europeus abandonaram a
região, lá ficando os negros, com a linguagem remanescente do período
anterior.
Nessa comunidade, Ferreira constatou, em estudo realizado em 1961,
que a língua usada naquela década pelos mais velhos trazia uma série de
marcas que ela separou em dois tipos: as comuns a outras áreas rurais e as
peculiares a Helvécia, não registradas até então na Bahia. Com base no
conhecimento dos dados da história da região, pode-se levantar a hipótese
de ter havido aí aprendizagem de primeira língua (L1) pelos filhos dos
escravos com base em dados lingüísticos primários (PLD) de um português
aprendido como segunda língua (L2) dos pais, oriundos da África.
Observe-se que os europeus a que os negros tinham acesso não tinham, na
maior parte, o português como L1 e ofereciam-lhes um português talvez
deficiente (Baxter, 1998:113).
Baxter (1998: 113) acredita que o contexto de Helvécia indica que
podem ter sido muitos os modelos de dados primários colocados à
disposição dos escravos adultos e dos nascidos na colônia.
“Nas primeiras épocas da Colônia Leopoldina, diversas
variedades de português teriam constituído modelos
estímulos (input) para a aquisição do português como L2
e L1 entre os escravos. Variedades de português L2
teriam sido faladas por muitos dos colonos, e os
brasileiros teriam falado um português L1. Contudo, duas
variedades
de
português
constituído
modelos-estìmulos
afro-brasileiro
significativos
teriam
(…)
52
variedade de português afro-brasileiro falada como L2
(…) variedade do português afro-brasileiro falada como
L1, influenciada pelo português afro-brasileiro L2 e,
também, afastada ou próxima do português L1 falado
pela população livre.”
Dentre os aspectos lingüísticos próprios do falar de Helvécia, Ferreira
(1994) aponta os seguintes:
-
a vogal nasal /õ/ ao invés do ditongo /ãu/ final;
-
a líquida vibrante simples em posição intervocálica;
-
a ausência de artigo ou a ocorrência mais comum de
artigo masculino, pelo de feminino;
-
a existência de indefinido [una], com o [u] nasal ao lado
de [uma] e [ua] sempre com o [u] nasal;
-
a falta de concordância interna de gênero no sintagma
nominal;
-
a utilização da 3a pessoa verbal no lugar da 1a, entre
outros.
Os achados de Ferreira (1994) implementam as discussões sobre a
existência de processos de crioulização na aquisição do português do
Brasil. Alan Baxter e Dante Lucchesi visitaram Helvécia na década de
oitenta e, dentro do projeto Vestígios, do Instituto de Letras da
Universidade Federal da Bahia, buscaram, com os dados do português
atual, traços que estabelecessem alguma relação com a existência de
processos
de
crioulização
no
Brasil,
em
diversos
estágios
de
53
desenvolvimento e revelando os diversos tipos de acesso à língua-alvo
porventura ocorridos no processo de aquisição do português desses grupos.
Baxter e Lucchesi (1999:135), estudando a variação da concordância
sujeito/verbo e a de gênero no sintagma nominal no dialeto de Helvécia,
consideram que as especificidades desse dialeto se justificam por
1) modelos de português L2 falado por escravos africanos,
2) modelos de português L1 falado por escravos nascidos
no Brasil, e influenciados, por sua vez, por
3) modelos de português L2 falado por colonos europeus,
4) português
brasileiro
da
região
em
questão
e,
possivelmente,
5) línguas africanas, conforme o período.
Gregory Guy e John Holm tomam a hipótese da crioulização prévia do
português do Brasil como uma das principais preocupações e, utilizando-se
de referências a traços morfológicos do português do Brasil, defendem a
existência de processos de formação de crioulos ou semicrioulos na
formação do português do Brasil.
Apesar de não encontrar provas históricas da existência do crioulo,
Gregory Guy (1981:5), estudando a variação da língua portuguesa no
Brasil, caracteriza o português das classes mais populares como um
remanescente de processos de crioulização de base lexical portuguesa e
substrato africano. No português atual, esse remanescente apresenta,
segundo o autor, evidências de estar se descrioulizando, com a
incorporação de traços do português standard. Sobre essa variedade do
português, ele diz que
54
“É a linguagem das massas, que são constituìdas
predominantemente por negros e mestiços com pouca
escolarização, que mostra traços que estamos considerando
como caracteristicamente brasileiros e possivelmente de
origem crioula.” 9
Guy, diante do contexto histórico da formação do português no Brasil,
acha totalmente improvável a não existência de processos de crioulização:
“Do ponto de vista histórico-social, nossa pergunta
provavelmente não seria „Foi o Português crioulizado?‟,
mas „Como seria possìvel evitar a crioulização?‟ ” (Guy,
1981:309)10
Segundo ele, o processo de redução da concordância nominal é um
indício de processo de crioulização, e explica o seu posicionamento com
dados de formação de plural em línguas africanas, que marcam o plural
com elementos pré-nominais, o que teria resultado na tendência no
português popular brasileiro de marcar os elementos em primeira posição
do sintagma.
Em parte discordando de Guy, e sendo mais cauteloso que ele, Holm
(1992) defende que há mais evidências para a formação de semicrioulos,
diante do fato de que os africanos não eram maioria durante os primeiros
séculos. A história do Brasil teve, segundo ele, as condições para a
formação de línguas crioulas apenas em algumas zonas rurais,
9
“It is the language of the masses, who are predominantly black or mestiço and who have historically had
very little education and a high rate of iliteracy, that shows the features that we are considering
characteristically Brazilian and possibly of creole origin.” (Guy, 1981:5).
10
“From the social historical standpoint, our question probably would not be „Was Portuguese creolized
in Brazil?‟, but rather „How could it possibly have avoided creolization?” (Guy, 1981:309)
55
principalmente nas plantações e nas minas, em que a proporção de negros
foi desde cedo maior que a de brancos.
Com postura semelhante a Holm, e estudando aspectos do português,
Lucchesi & Baxter (no prelo) consideram que, apesar da inexistência de
“dados sócio-históricos da transmissão lingüística irregular de tipo
pidginizante e/ou crioulizante”, na formação do português brasileiro
ocorreram processos de pidginização e crioulização de tipo leve.
Comparando a aplicação da regra de concordância de gênero em dois
dialetos do português, o de Helvécia e o do Parque Nacional do Xingu 11,
esses lingüistas observam que as duas variedades da língua estão em fase
respectivamente de descrioulização e despidginização, tendo como alvo o
português (a primeira, de substrato africano, já referida, e a segunda, de
substrato indígena).
Baxter e Lucckesi (1997:76) e Baxter (1998:114:28) identificam
traços do português rural brasileiro que consideram como “propensões
morfossintáticas que apontam para um processo de transmissão irregular”,
muitas delas compartilhadas pelas línguas crioulas:
1)
No sintagma nominal,
a)
concordância de número variável
b)
concordância de gênero variável
c)
oração relativa introduzida com o relativo
que multifuncional e com cópia pronominal
11
O português de contato do Alto Xingu, no Estado de Mato Grosso, Brasil Central, funciona como uma
espécie de língua franca numa região em que são faladas pelo menos nove línguas indígenas. Com a
criação do Parque Nacional do Xingu, houve a conseqüente necessidade de comunicação, e o português
passou a cumprir esse papel. Ver estudos de Emmerich (1984).
56
d)
pronomes usados como sujeito e como objeto
e baixa incidência de reflexivos
e)
variação na marcação da referência definida.
2) No sintagma verbal,
a)
redução drástica da morfologia de pessoa e
número e conseqüente presença do sujeito;
b)
variação na morfologia de tempo e modo e
redução de uso do subjuntivo;
c)
preferência pelo futuro perifrástico;
d)
uso reduzido de estrutura passiva; uso de
pronomes sujeitos em função de objeto;
e)
verbo ter indicando posse e existência;
redução do uso de reflexivos e ocorrência de
negação dupla descontínua preverbal.
3) Outros fenômenos relacionados com o sintagma e
com a cláusula:
a)
negação dupla (pré-verbal e final) e apenas
final;
b)
não inversão sujeito-verbo nas interrogativas;
c)
tendência
a
não
utilizar
advérbios
interrogativos no início da sentença;
d)
uso da preposição em com função de lugar e
destino
57
Guy (1981 e 1989)
refere-se a uma base crioula na história do
português brasileiro, ou a um crioulo, e Naro & Scherre (1993, 1999 e
2000), discordando dele, negam a possibilidade da existência dessa língua
crioula na constituição dessa variedade da língua. Baxter (1998) trata de
“processos variáveis de crioulização” ou de “transmissão L2 para L1”, que
poderiam ter ocorrido de forma diferenciada em diversos lugares, com
graus de aproximação diferentes do português de Portugal. A transmissão
irregular, assim, não teria que acontecer da mesma forma, e nem poderia,
diante de cada condição demográfica que particularizou a sócio-história de
cada região. Essa perspectiva, assim, leva em consideração os fatores
particularizantes de cada localidade, em que houve contatos com maior ou
menor grau de aproximação entre o português europeu e as diversas etnias,
levando a processos diferentes, conforme cada caso.
Isensee (1964) e Callou (1998), no entanto, ao estudar uma
comunidade isolada de etnia branca da Bahia, o povoado de Mato Grosso,
na Chapada Diamantina, referem-se a aspectos do português dos
informantes pesquisados; os aspectos detectados nessa comunidade branca
são os mesmos considerados por alguns lingüistas como resultantes de
transmissão irregular, como constatação da existência de uma língua
crioula. Dentre eles, o apagamento da marca de plural em elementos do
sintagma nominal:
“-s final normalmente conserva-se. Como marca de
plural, ocorre quando a palavra aparece isolada (...).
Quando a palavra vem precedida de um determinante o
morfema pode aparecer, com grande freqüência, apenas
neste [no determinante] (...) mas pode ocorrer também em
ambos...” Isensee (1964:50)
58
As pesquisas de Isensee e Callou tomaram como material a fala de
uma comunidade de origem portuguesa, sem história de aquisição do
português como segunda língua. Embora sem o objetivo de entrar na
discussão que ora se faz, os estudos acabam por se inserir no debate a
respeito da hipótese de que a origem da variação da concordância pode
estar relacionada a um processo de crioulização, na fase da constituição do
português no Brasil. Os resultados dessas duas pesquisas podem ser
tomados,
pois,
como
contra-argumentos
à
crioulização
prévia,
enfraquecendo a hipótese de que os traços observados sejam motivados
pela existência de uma língua usada pelos escravos africanos .
1. 4 As controvérsias
Indo de encontro ao que os crioulistas apresentam, Naro e Scherre
(1993:437-454), baseando-se em estudos da variação da concordância no
português, dizem não estar de acordo com a hipótese da existência de
processos do tipo crioulizante no português popular do Brasil. Eles não
consideram o papel do português L2 como um processo de crioulização:
assumem a visão de crioulização clássica e, dessa forma, consideram que o
fenômeno da variação da concordância, no Brasil, segue um processo
natural de deriva da língua.
Esses autores dizem não ter fundamento a argumentação de Guy
(1981) e apresentam como contra-argumento, semelhante à posição de
Révah, que a perda da concordância no português brasileiro é a
continuidade de uma tendência já presente na história da língua:
“Admitindo que a mudança lingüìstica que envolve a
concordância
verbo-sujeito
tenha
se
iniciado
na
59
fonologia,
precisamente
através
da
desnasalação,
concluímos que suas origens remontam pelo menos até os
tempos pré-clássicos. (...)
Embora sejam raras as
menções à ausência do –s final no português Europeu,
temos evidências históricas do comportamento variável
do –s, desde o latim antigo até as línguas românicas
ocidentais modernas.” (Naro & Scherre, 1993:442-443).
Naro e Scherre afirmam não desconsiderarem o contexto históricosocial do país, que decerto provocou marcas na língua, principalmente na
riqueza lexical, mas argumentam que houve no português
uma
“confluência de motivos”, que seria como “uma atração de forças de
diversas origens – algumas oriundas da Europa, outras da América, outras,
ainda, da África – que juntas se reforçaram para produzir o português
popular do Brasil” (Naro & Scherre, 1993:437).
Em Naro e Scherre (2000), há a utilização de dados do português
europeu atual e de textos antigos medievais para atestar, também em
Portugal, a existência da variação da concordância sujeito/verbo e a
variação entre os elementos do sintagma nominal, com o objetivo também
de evidenciar que esse fenômeno não tem qualquer relação com a hipótese
da existência de uma crioulização prévia no português brasileiro. A
pesquisa conclui que as diferenças entre o fenômeno europeu e o brasileiro
são uma questão de grau, não de tipo12. Apesar de essa variação ocorrer em
percentuais mínimos, ao se fazer a mesma análise de pesos relativos
aplicados à análise do estudo da variação no português do Brasil, a pesquisa
chega a resultados muito próximos dos resultados brasileiros.
12
The differences between the European and Brazilian phenomena are a matter of degree, not type. The
general diachronic picture is preservation of the hierarchical effect of the conditioning factors,
accompanied by an increase over time in Brazil of the overall average level of the use of the unmarked
variant of the verb in the context of a plural subject. No radical, or even light, restructuring has occurred
60
Tarallo (1996b) também refuta a hipótese da crioulização /
descrioulização. Diante da análise de dados do português brasileiro antigo
(cartas e textos de teatro) e moderno (com os dados do NURC), ele conclui
que não está havendo mudança a caminho do português europeu, como se
pode prever em uma descrioulização:
“Os dados históricos sobre o PB [português brasileiro]
(...) mostraram que a reversão da posição assimétrica de
sujeitos e objetos foi muito lenta; pelo menos um século
foi necessário para que a mudança ocorresse (1975-1892).
Se a crioulização aconteceu no Brasil, teria levado 350
anos para que tivesse ocorrido alguma simetria entre as
posições de sujeito e de objeto ( ... )? E mesmo se isso
acontecera, e a descrioulização tivesse começado
(digamos por volta de 1885), por que o PB teria
começado a mudar na direção oposta ao PE [português
europeu]?” (Tarallo, 1996b:61).
O autor, nesse caso, tomando como base textos escritos antigos,
questiona a hipótese dos crioulistas, pois seus dados mostram que está
havendo o distanciamento, não a aproximação, do português lusitano, que
nessa proposta seria o alvo, como se poderia prever pela hipótese
apresentada.
Observa-se que Tarallo (1996b) demonstra uma “visão monolìtica” de
“um crioulo”, como se o fenômeno tivesse que ocorrer da mesma forma,
com unidade, em todo o território. Para que a sua análise pudesse levar a
resultados concretos a respeito da crioulização, considera-se que seus dados
deveriam ser retirados do uso popular, não de textos escritos antigos. Sabein Brazil since the types of structures used have not changed; the change was basically in the frequency of
use of the available types. (p. 248)
61
se que a modalidade escrita urbana (mesmo de textos de teatro) nunca se
desvinculou totalmente do ideal europeu. Além disso, o NURC, apesar de
ser amostra de oralidade, não é dos melhores exemplos de português usado
pelo povo, que abarque a população das classes mais populares (embora
alguns dos informantes do NURC sejam originários de classes populares, o
universo social do grupo não é o mesmo que caracteriza a massa mais
pobre da população, a que se poderia associar uma história de
crioulização). Seria necessário que se buscasse uso remanescente de
português africanizado ou influenciado pela fala dos negros africanos, ou
indígenas, falar descrioulizante ou não, no uso oral popular no português do
Brasil. A única mudança que poderia ser encontrada era exatamente o lento
distanciamento, na escrita, do padrão europeu, conseqüência da expansão
da fala popular.
Apesar dessa polêmica crescente em torno da possibilidade de uma
base crioula no português brasileiro, Mussa (1991) diz que não há
diferenças formais entre os dois processos, o de crioulização e o da
mudança natural, pois são “em essência os mesmos para qualquer espécie
de relação fonológica entre morfemas que derivam de um mesmo étimo,
seja na ramificação, na crioulização ou no contato” e não caracterizam
qualquer situação histórica exclusiva. (Mussa, 1991:106).
Analisando alguns processos fonológicos que ocorreram no português
do Brasil, Mussa (1991) chega à conclusão de que houve, em todos eles,
principalmente simplificação fonética e fonológica e fuga às formas
socialmente estigmatizadas, ou seja, não consideradas como de prestígio na
sociedade. Para concluir dessa forma, ele analisa alguns traços do
português popular do Brasil, inclusive a variação da concordância no
sintagma nominal, em comparação com os correlatos do português europeu
e os das línguas africanas. Mostra que, quando no português há competição
62
entre formas diferentes das línguas concorrentes, é a forma mais simples (a
ausência da concordância, por exemplo) e/ou a menos estigmatizada que
prevalece.
Segundo o autor, é apenas coincidência o fato de alguns aspectos do
português brasileiro parecerem ter origem no “português africanizado”. A
explicação é que no processo de formação ocorreu a busca do mais simples
e as formas do português usadas pelos negros se caracterizavam por
“ ... formas de superfìcie menos opacas e mais simples.
Não se deve confundir isso com uma teoria substratista,
que explica a presença de um traço x pela incorporação e
assimilação pura e simples de estrangeiros a um grupo
populacional. É, pois, bastante diferente da „influência de
substrato‟ pressupor que as formas de superfìcie
produzidas por africanos entram na dinâmica histórica do
PPB por fazerem parte do corpus de dados à disposição
dos falantes.” (Mussa, 1991:235).
O autor considera, pois, que o português do Brasil não é resultado de
influência de substrato africano. Ele observa que, coincidentemente, as
tendências do português brasileiro caminham em busca do mais simples e o
português africanizado13 se caracterizava exatamente por formas com esse
traço. Dessa forma, apesar de as formas “preferidas” pelo português
brasileiro terem sido formas do hipotético português africanizado, Mussa
não considera que isso tenha sido nada além de uma tendência de escolher,
entre formas concorrentes, as mais simples, quando não estigmatizadas
socialmente.
13
Mussa considera o “português africanizado” um português interferido por muitos traços das lìnguas
africanas. Ele chegou a esse falar hipotético após pesquisas sobre línguas africanas e confronto com
documentos com registros de português usado por escravos.
63
Interpretando as idéias de Mussa (1991): embora ele não afirme que as
línguas substratos usadas pelos africanos tenham deixado marcas no
português, ele considera que ficaram marcas, sim, no português, das
escolhas feitas por esses falantes, dentre as possibilidades que se lhes
apresentavam.
1. 5 Um pouco sobre a Cidade do Salvador, a região de estudo
1. 5. 1 Contexto sócio-histórico
Lobo (2000) registra que os portugueses chegados à Bahia, no século
XIX, eram de diversas regiões de Portugal e tinham, na maioria, ocupações
bem simples. Esses dados levam à suposição de que a língua transplantada
para o Brasil foi a das camadas mais populares e, além disso, com marcas
de muita diversidade diatópica. Lobo (2000) também documenta que a
maioria dos imigrantes portugueses em Salvador, entre 1852 e 1889 tinham
entre 9 e 25 anos (9 a 14 anos – 34,20%; 15 a 25 anos – 42,50%). Essas
informações também mostram que essa população, por ser muito jovem,
chega com muita propensão ainda à incorporação de dados do contexto
lingüístico ao conhecimento que eles traziam da sua língua materna.
A cidade do Salvador, ao lado dos portugueses, contou com os negros,
principalmente, para a formação da sua população. Essa cidade é, hoje,
referida normalmente pelas pessoas como um exemplo de mistura racial no
país. É nela que a mistura de raças torna-se evidente, na diversidade de
traços que compõem o tipo físico variado da população.
Ao lado do maioria mestiça, nesta cidade, o negro permaneceu, o que
não aconteceu com o índio, que, nas palavras de Viana Filho (1988:167),
“foi assimilado, morreu ou desertou para as matas”.
64
Viana Filho (1988:40) afirma que os negros que vieram para a Bahia
procediam, em maioria, de grupos sudaneses e bantos e que, em 1775,
esses negros e seus descendentes constituíam a maioria esmagadora da
população. De um total de 33.686 habitantes, Salvador tinha 10.720
brancos, contra 4.324 pardos (ou mulatos) e 18.338 pretos. Já nessa época,
havia negros ou mestiços livres.
Mattoso (1992:119) refere-se a dois recenseamentos realizados em
Salvador, o de 1808 e o de 1872, para entender a distribuição dos diversos
tipos raciais na população da cidade. A seguir as informações são
reproduzidas em um quadro comparativo:
Quadro 1:
Distribuição da população de Salvador pela cor em 1808 e 1872 (em %)
População livre
Cor
Brancos
População escrava
Índios e
Negros e
caboclos
mulatos
Negros e mulatos
1808
20,4%
1,3%
43%
35,3%
1872
24%
3,6%
60,2%
12,2%
A autora observa que, apesar de, nesse intervalo de quase setenta anos,
ter havido grande imigração portuguesa, os brancos continuam a ser
minoria, não chegando a um terço da população da cidade. Mas o número
de mulatos mostra que a miscigenação, nesse período, atuou, de maneira
que os mulatos praticamente passaram a ser quase a metade da população.
65
Como a mistura racial é quase sempre acompanhada de mistura cultural, a
cidade tornava-se a cada dia mais miscigenada em todos os aspectos.
Mattoso (1992:596-8) caracteriza a sociedade de Salvador, entre os
fins do século XVIII e início do XIX, como dividida em quatro grupos
sociais:
No primeiro grupo, situam-se altos funcionários graduados da
administração real (governador-geral, chanceler, desembargadores, etc.),
oficiais das patentes mais elevadas (coronéis, tenentes-coronéis, etc.), o
clero secular (arcebispo e o alto clero.), os grandes negociantes, os
proprietários de terras, senhores de engenho ou pecuaristas. Esses
formavam a elite da época.
No segundo grupo, funcionários de nível médio (juiz e procurador da
Coroa, escrivães etc.), oficiais de nível médio (capitães, tenentes etc.),
membros do baixo clero (párocos, vigários), representantes das casas
portuguesas, distribuidores de mercadorias importadas, alguns proprietários
rurais, profissionais liberais (médicos, advogados etc.), os que viviam de
rendas, incluindo aí os aposentados e os que viviam de aluguéis (de casas
ou de escravos).
No terceiro grupo, estavam os funcionários de baixo escalão, os
profissionais liberais secundários (barbeiros, sangradores, etc.), os artesãos,
os comerciantes de frutas, verduras, os ambulantes (a maioria era formada
por alforriados), os pescadores, etc.
O quarto grupo era formado pela maioria da população. Era
constituído pelos escravos, vagabundos, mendigos: eram os marginais da
sociedade. Desses, o escravo era o marginal legalizado, pois, apesar de não
66
ter qualquer direito civil, desempenhava um papel importante como força
capital no desenvolvimento econômico.
As famílias não tinham muitos filhos, entre um e quatro filhos, apenas
as mais abastadas tinham um número maior (Mattoso, 1992:148). As
famílias de alforriados tinham uma média de 2,9 e as mulheres solteiras
alforriadas tinham 1,9 filhos.
Aos escravos e aos seus filhos era vedado o acesso à escola. Mattoso
(1992:201) registrou que em Salvador, em 1872, apenas 37% da população
geral era alfabetizada. Os homens, mais que as mulheres (43 e 30%,
respectivamente).
Até o século XIX, havia imprecisão a respeito da área de Salvador,
não se sabendo até onde era a zona urbana e onde iniciava a zona rural.
Localidades habitadas por agricultores dispersos faziam parte da área de
Salvador, a exemplo de sete paróquias de zonas rurais muito próximas da
cidade, cujos habitantes precisavam vir à cidade para registros de
testamentos, certidões, reconhecimentos de filhos, etc. Mas em 1872,
segundo dados de Mattoso (1988:26-8), a zona urbana de Salvador tinha
onze paróquias (ou distritos): Sé, São Pedro, Santana, Conceição da Praia,
Vitória, Passo, Pilar, Santo Antônio Além do Carmo, Brotas, Mares e
Penha.
O escravo e o ex-escravo, no século XIX, em Salvador, estavam em
toda a parte. O número médio de escravos entre as residências de cada
bairro variava. As paróquias em que havia maior concentração de escravos
nas residências eram Sé (16,8 escravos), São Pedro (18,8), Vitória (17,9);
as paróquias de Santana, de Brotas e do Passo se destacaram por terem um
número médio muito baixo de escravos em cada residência: (3,7; 4,7; e 3,5,
67
respectivamente). Entre a população livre, havia mais homens (52,8%) que
mulheres (47,2%).
É interessante observar que os escravos libertos em Salvador, no
século XIX, de 1800 a 1860 (segundo a pesquisa referida em Mattoso
(1988), a partir de testamentos e inventários), eram, em maioria, africanos,
não crioulos (ou seja, não eram negros nascidos no Brasil). Eles já vieram
para o Brasil com uma língua e aprenderam o português como segunda
língua. Era esse português aprendido como segunda língua que era a língua
usada e transmitida para seus descendentes e outros, com os quais
mantinham contato.
Segundo dados realizados nessa mesma pesquisa, entre 1851 e 1860,
51,9% dos escravos existentes já eram nascidos no Brasil, ao lado de 48,1%
escravos africanos, na maioria nagôs (Mattoso, 1988:112). E, diante do
desgaste constante de suas atividades, a sua vida era curta, daí a
necessidade constante de novas levas. Havia, ainda, grande quantidade de
escravos com português L2, convivendo com crianças que aprendiam um
português como primeira língua.
Havia entre os escravos uma preferência de escolha de parceiros da
mesma origem. Raramente havia união entre africanos e crioulos ou
mulatos, mantendo-se, também, muitas vezes, rivalidades antes existentes
entre as nações da África. Assim, o mais comum era haver uniões de
brasileiros com brasileiros e, além disso, quase nunca alforriado com
escrava ou vice-versa. Como o número de alforriadas era maior que o de
alforriados, havia mais dificuldade entre as mulheres alforriadas de
conseguirem um parceiro (Mattoso, 1992:164).
68
Quanto ao número de filhos desses escravos, observando-se as
diversas origens, a autora chegou aos seguintes dados do recenseamento de
1872:
- de mães brasileiras – 56 crianças;
- de mães africanas (de diversas origens) – 167 crianças
(Mattoso, 1988:114).
Esses dados ajudam a entender o contexto lingüístico das crianças
nascidas em Salvador, no referido período. Eles indicam que a maioria das
crianças tinha acesso a um português utilizado por falantes de outra língua.
Esses dados fortalecem a hipótese de que a maioria dos descendentes de
escravos de Salvador pode ter tido como dados primários para a sua
aquisição não o português europeu, mas um outro aprendido com falantes
de português L2, já com interferência.
Em meados dos século XVIII, era o auge da importação de escravos e
já se percebia uma mudança na utilização do trabalho escravo.
“À proporção que a cidade crescia, também crescia a
proporção de escravos. Já não eram apenas empregados
para os serviços domésticos, para o cuidado das roças,
para o transporte das cadeirinhas. Inventara-se para o
negro uma nova modalidade de exploração econômica,
mais imediata, mais direta. Punham-no na rua, „de ganho‟
(…) Havia também os que se obrigavam a uma
contribuição diária ou semanal fixa para o senhor. O que
excedesse seria deles.” (Viana Filho, 1988:174).
Dessa forma, em Salvador, como em outros grandes centros, o negro
era vendido a toda hora, estava à disposição da sociedade, oferecendo, ele
69
próprio, os seus serviços. E assim ele passou a circular mais, se oferecendo
e tendo cada vez mais liberdade na cidade, sempre com o sonho da alforria,
que era preparada a cada dia. É que o escravo tinha possibilidade de
comprar sua alforria com o dinheiro excedente do que ele tinha que
repassar para seu dono (Era costume entre eles guardar, para esse fim, todo
o dinheiro que sobrava). Havia, ainda, escravos artesãos (às vezes de donos
também artesãos) e eram competidores do ofício livre, que, muitas vezes,
era muito rentável, daí o interesse dos donos em investir na preparação do
escravo. (Gorender, 1992).
“A instrução de um artesão levava tempo, porém se
compensava com a valorização do escravo e com os
aluguéis mais altos que seu amo passava a receber.”
(Gorender, 1992:474).
Ter negros passou a ser um negócio cada vez mais vantajoso.
Gorender (1992) mostra que até famílias pobres tinham interesse na
compra de escravo, às vezes apenas um, como um grande investimento.
Quem pudesse ter no ganho alguns negros poderia viver bem. O negro
conquistava, nesse caminho, o progresso, não só através da instrução que
ele passou a conquistar, mas pela alforria a que muitos tiveram acesso.
Nesse processo, também o branco se modificou. Viana Filho diz que
“Rindo do negro, achando-lhe graça nos costumes, nas
superstições, considerando-o um elemento passivo,
distante, inferior, incapaz de transmitir qualquer coisa, o
branco não sentiu que ia sendo contaminado, assimilando
hábitos de que se havia rido, mas que de um momento
70
para outro se estampavam indeléveis no seu „eu‟.”14
(Viana Filho, 1988:177)
Ao lado disso, podem ser observadas as ocupações das mulheres
escravas em Salvador. Segundo Mattoso (1988:26), a mulher escrava é
preferida em Salvador, pela versatilidade de poder passar dos serviços
domésticos para o trabalho “de ganho” sem dificuldade, enquanto os
homens tinham mais dificuldade em adaptar-se a outros serviços menos
grosseiros, caso houvesse necessidade. As negras de ganho eram, de fato,
cozinheiras, costureiras, lavadeiras, ou vendedoras de comidas que elas
próprias preparavam. A maioria, a serviço dos seus donos ou donas.
(Gorender, 1992).
Gorender (1992:479-81) refere-se à prostituição de escravas, a serviço
do dono. Era a instituição do comércio do corpo, com a proteção do
governo, uma vez que as leis não interferiam, como era de se esperar,
dando liberdade à escrava que tivesse que se sujeitar a essa condição.
Na zona rural dos engenhos do Recôncavo baiano, a sociedade era
diferente. Cada engenho constituía uma comunidade rural autônoma,
circunscrita em suas terras, diferente das comunidades de cultura de fumo e
de gêneros de subsistência. O contexto da escravidão, nessas comunidades
do Recôncavo, era marcado pelo grande número de negros, que eram
maioria absoluta, diante dos brancos, e trabalhavam principalmente nas
plantações, em situação bastante diferente da vivida pelos escravos
urbanos. Toda a atividade das plantações era desempenhada pelos escravos,
enquanto “os senhores de engenho amoleciam preguiçosamente” (Viana
Filho, 1988:185). Os homens escravos eram maioria, nos engenhos, numa
proporção de dois homens para uma mulher (Mattoso 1988:26). Como
14
Grifos nossos.
71
eram poucos os brancos, esses escravos não tiveram a mesma possibilidade
que os escravos urbanos tiveram de contato com a língua e com os
costumes europeus. Além disso, entre a população escrava e os donos das
fazendas havia sempre a figura do feitor, que, muitas vezes, não era branco.
Por vezes era um ex-escravo ou um descendente de escravo, ou negro ou
mestiço.
Segundo Ribeiro (1995:220), nessas circunstâncias,
“A primeira tarefa cultural do negro brasileiro foi a de
aprender a falar o português que ouvia nos berros do
capataz. Teve de fazê-lo para comunicar-se com seus
companheiros de desterro, oriundos de diferentes povos.
Fazendo-o, se reumanizou, começando a sair da condição
de bem semovente, mero animal ou força energética para
o trabalho. Conseguindo miraculosamente dominar a
nova língua, não só a refez, emprestando singularidade
ao português do Brasil, mas também possibilitou sua
difusão por todo o território, uma vez que nas outras
áreas se falava principalmente a língua dos índios, o tupiguarani.”15
Muitas vezes dava-se a aproximação entre alguns negros e os
„sobrados‟,
“os
negros
haviam
impregnando-os
enriquecendo-lhes
subido
com as
a
até
marcas
língua,
os
„sobrados‟,
da sua cultura,
dando-lhes
novas
superstições… (…) A fusão se iniciava desde o berço,
15
Grifos nossos.
72
com a mãe preta. E continuava pela vida afora.”
(Gorender, 1992:192-3).
Nas plantações de fumo, contudo, havia uma estrutura social mais
simples que nos engenhos, era pequeno o número de escravos que
trabalhavam em uma plantação e havia uma aproximação maior entre os
senhores e seus escravos (Mattoso, 1992:592-5). Esse é um dado que pode
ajudar a concluir que, nesses contextos, o acesso dos africanos ao português
tivesse sido maior do que em outros tipos de cultura, em que o
distanciamento entre senhores e escravos era maior.
Após a Abolição, ocorreu a ida em massa de grande parte dos
escravos da zona rural principalmente para a zona urbana, em busca de
trabalho. Dessa forma, a cidade do Salvador, como todos os centros
urbanos, passou a conviver com um número muito grande de ex-escravos
da zona rural e, diante da proximidade, possivelmente recebeu os exescravos das fazendas do Recôncavo baiano. Nesse momento, os negros
urbanos e toda a população branca e mestiça passaram a conviver com
aqueles negros que viviam nas fazendas de localidades como Santo Amaro,
Marapé (hoje São Francisco do Conde), Maragogipe, Cachoeira, entre
outras.
Pode-se prever que essa leva nova de negros e mestiços, brasileiros ou
não, oriundos da zona rural, modificasse o quadro da população da cidade
do Salvador. Eles não tinham a “urbanidade” que os outros, não tinham
trabalho nem onde morar. Passaram a viver pelas ruas buscando ocupação
para poderem se manter, iniciando o processo de inchaço da população,
caracterizado por mendicância de boa parte dela, e dando início aos núcleos
populacionais que fizeram a periferia urbana. Ribeiro (1995) faz referência
a esse quadro de pós-abolição e a sua conseqüência para as cidades:
73
“A abolição, dando alguma oportunidade de ir e vir aos
negros, encheu as cidades do Rio e da Bahia de núcleos
chamados africanos, que se desdobraram nas favelas de
agora.” (Ribeiro, 1995:194).
Não é à toa que Ribeiro (1995:222) diz que o “negro urbano” se
formou sobre “precárias bases”, a partir de uma mistura com os negros
rurais que, ao chegar às capitais no pós-abolição,
“…transladado às favelas, tem de aprender os modos de
vida da cidade, onde não pode plantar. Afortunadamente,
encontram negros de antiga extração nelas instalados,
que já haviam construído uma cultura própria, na qual se
expressavam com alto grau de criatividade. Uma cultura
feita de retalhos…”
A chegada de imigrantes europeus para suprir a falta do trabalho
escravo nas fazendas, logo após a abolição, por certo ampliou e diversificou
o
quadro
populacional
do
Brasil. Eles
aprendiam o
português
principalmente dos ex-escravos, ainda nas localidades de trabalho, e
possivelmente tinham acesso ao português dessa população, segundo
Lucchesi (2000a). Apesar de esses imigrantes terem o objetivo inicial de
trabalhar no campo, eles conquistaram, posteriormente, a cidade, como
comerciantes, contribuindo, também, para a variação do português na
população urbana não negra nem mestiça.
Para os negros, a abolição mostrava-se como a liberdade, mas, ao sair
de um mundo de proibições e de limites, ingressaram num outro, em
Salvador. Nesse novo contexto, não é mais a diferença entre escravos e
homens livres. Agora o que vale é a cor da pele. Mattoso (1982:240) diz:
74
“Então negros e mestiços são excluìdos de todos
agrupamentos brancos; e isto ocorre em Salvador, ela
que, ao tempo da escravidão, soubera criar passarelas
entre as duas comunidades. (…) O racismo dissimulado é
presente em toda parte, negado em toda parte, no esforço
por
fazer
esquecido
o
sangue
africano.
O
„embranquecimento‟ é imperativo para qualquer ascensão
social.”
O século XX, no Brasil, traz uma crescente urbanização, provocada
pela industrialização e pelo êxodo rural, conseqüência, principalmente, do
latifúndio e de grandes áreas improdutivas. Nesse processo, levas de
pessoas da zona rural procuram a zona urbana, em busca de emprego e de
melhores condições de vida (Ribeiro, 1995:200-03). Salvador, como todas
as outras capitais, recebe a diversidade de culturas e de dialetos formados
nas diversas regiões do estado.
É preciso, no entanto, que seja tratado um aspecto que parece
importante: no século XX, a população brasileira ficou mais branca,
conforme informações de Ribeiro (1995:230), a partir de dados de
recenseamentos (38% em 1872, 62% em 1950 e 55% em 1990). Como isso
se explica, se não houve grandes levas de europeus que justificassem esse
aumento? O autor mostra que esse aspecto está relacionado à miscigenação
(que muitas vezes obscurece as raças que, ao se envolverem com o branco,
levam a produtos humanos com aparência de branco) e à relação da
avaliação racial influenciada pela situação social das pessoas. As melhores
condições sociais “embranquecem” a população. No Brasil, hoje, a maior
distância social que existe é a que separa ricos e pobres, ao lado de uma
enorme discriminação “que pesa sobre negros, mulatos e ìndios, sobretudo
75
os primeiros” (Ribeiro, 1995: 219). Nesse sentido, há muitos que têm
ancestrais negros e índios na população considerada branca.
1. 5. 2 Considerações finais
Os dados apresentados sobre Salvador envolvem alguns aspectos que
devem ser alvo de atenção:
1.
Salvador foi um grande núcleo urbano de concentração
escrava;
2.
Aqui os escravos e seus descendentes, negros e
mestiços, viveram séculos servindo aos brancos nas suas casas e
nas ruas;
3.
Até fins do século XIX, havia ainda em Salvador negros
oriundos da África que não tinham o português como língua
materna ou já traziam um pidgin ou uma língua crioula de base
portuguesa;
4.
Os escravos brasileiros, nessa época, falavam o
português aprendido como primeira língua através de seus pais
ou
outros
escravos,
brasileiros
e
africanos,
atuando
conjuntamente;
5.
Muitos filhos de escravos tinham pai e mãe africanos,
com português L2, mesmo até fins do século XIX;
6.
O número de africanos e crioulos, juntos, era bem maior
que o número de portugueses;
76
7.
Os escravos e a maioria da população branca e mestiça
eram analfabetos;
8.
As atividades desenvolvidas pelos escravos e mestiços
não exigiam, normalmente, o português padrão;
9.
No
Recôncavo
baiano,
os
escravos
tiveram,
possivelmente, muito pouco acesso ao português europeu, muito
menos que em Salvador;
10.
O português europeu que chegou a Salvador era muito
diversificado, diante das variadas origens e condições sociais
dos falantes, por isso distante do padrão;
11.
Com o fim da escravidão, a população escrava rural
oriunda do Recôncavo misturou-se com a população urbana,
diversificando ainda mais o quadro.
12.
Os imigrantes por certo acabaram por contribuir para a
difusão da linguagem das zonas rurais nas zonas urbanas, nas
diversas classes sociais.
13.
Além disso, observa-se que o português que era
aprendido a cada dia pelos escravos oriundos da África e pelas
crianças dessa cidade que conviviam com esses negros, crianças
brancas (em suas casas, com as escravas), mestiças ou negras de
Salvador, era um português de diversos contornos, em vários
estágios de redução, reflexo de diferentes contatos e tipos de
aprendizagens.
77
Com as informações que se tem da formação da população de
Salvador, é de se esperar que esse povo carregue, de alguma forma, marcas
desse encontro de raças e de culturas.
Esta pesquisa não pretende negar que a variação da concordância
nominal, fenômeno lingüístico aqui observado, já fosse prevista na deriva
da língua, como atestam estudos de Naro e Scherre no português de
Portugal atual e em dados do português arcaico. Pretende-se, contudo,
estudar se, no Brasil, o fenômeno da variação da concordância no Brasil
tem alguma relação com a implantação do português no Brasil, que se deu
de forma muito específica, diante da escravização e do contexto que
caracterizou o contato entre as culturas, no período de colonização.
1. 6 Português europeu e português brasileiro: uma língua ou duas?
No século XIX, no Brasil, com o nacionalismo desencadeado pela
independência, aliado aos ideais do Romantismo, surge uma preocupação
entre escritores e lingüistas em considerar as particularidades da língua
usada no Brasil, de forma a instituir a língua brasileira. Os defensores desse
ideal sentiram a necessidade de reconhecimento de uma língua nacional e
buscaram nela características que a distinguissem de Portugal.
Mendonça (1936) considera principalmente que o português, na fala
dos índios e negros, sofreu radicais mudanças na sua morfologia e
pronúncia que o transformaram numa nova língua. Ele observa que o
português do Brasil, pelas diferenças em relação à língua mãe, não pode ser
chamado de “dialeto brasileiro”, ainda porque apresenta, nas várias regiões
em que é usado, vários dialetos. Segundo ele, em Cabo Verde e em Ceilão,
as alterações produzidas no português pelos negros foram muito fortes,
78
mas, no Brasil, não se pode dizer que as mudanças ocorreram nas mesmas
proporções. Uma análise rápida entre as três línguas revela uma
“diferenciação em escala decrescente, na qual o Brasil ocupa a posição
mais próxima de Portugal”. As mudanças, no entanto, fizeram da lìngua no
Brasil algo diferente, com tendência a ir se separando, segundo ele,
gradativamente, da língua original.
Interessado em estudar a tese da língua brasileira, Tarallo (1996b)
buscou fundamentos lingüísticos para essa idéia que, segundo ele, foi,
emocionalmente apenas, defendida principalmente por ideais do século
passado. Utilizando-se de metodologia sociolingüística e com referencial
teórico da gramática gerativa, com base no estudo de parâmetros, foram
observadas quatro mudanças sintáticas ocorridas no português do Brasil,
em corpus dos séculos XVIII, XIX e XX: a re-organização do sistema
pronominal; mudança nas estratégias de relativização; a re-organização dos
padrões sentenciais básicos; e os padrões sentenciais em perguntas diretas e
indiretas.
O trabalho apresentado dá como evidente a existência de diferenças
suficientes a favor de uma gramática brasileira. Tendo a consciência de que
seria necessário aliar o seu estudo, que foi puramente lingüístico, a um
aprofundamento “à luz de evidências sociais”, Tarallo (1996b:99) afirma
que “Sem vias de dúvidas, entretanto, pode ser afirmado que o cidadão
brasileiro já estava de posse, ao final do século XIX, de sua própria
lìngua/gramática.”
Contrapondo-se à idéia da língua brasileira, Serafim da Silva Neto,
Révah, Joaquim Mattoso Câmara Júnior e Antônio Houaiss defendem que
as diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal não afetam a
unidade da língua. Apesar de todos eles reconhecerem a existência de
79
traços característicos a cada um dos dois usos que se fazem da língua,
identificam uma estrutura comum, inquestionável e indiscutível.
As diferenças entre as duas variedades da língua, na argumentação
feita, são mais no nível da pronúncia e do léxico. As oposições fonológicas,
no entanto, são as mesmas, apresentando o mesmo número de fonemas
vocálicos e consonânticos. Na morfologia, são utilizados os mesmos
recursos, faz-se o plural nos verbos e nos nomes da mesma forma, no
português do Brasil e no de Portugal. Assim como a língua varia, a
depender das regiões, ocorre a variação entre o português europeu e o
americano. Eles usam como argumento o fato de que entre as duas
realidades há mais semelhanças que diferenças e que, mesmo dentro do
Brasil há muitas diferenças no léxico e na pronúncia.
Na verdade todos esses autores defendem que a variação existe mais
na língua oral, idéia inicial de Silva Neto, que assim se posiciona:
“Se assim é na lìngua falada [muita variedade entre as
duas línguas], importa acentuar que na língua escrita os
fatos são muito diferentes. Esta, graças ao seu caráter
conservador e tradicional, e à dependência do ensino
gramatical, está acima de todas as variedades sociais e
regionais, dominando e absorvendo tudo. Ela é uma
seleção, uma escolha para a qual concorrem as pessoas
mais finas e mais cultas da sociedade luso-brasileira. ( ... )
É claro que quanto mais cultos são os indivíduos mais se
acercam de uma língua geral, padrão, quer estejam no
Brasil, em Timor, em Goa, em Angola ou em Portugal.”
(Silva Neto, 1976:21-3).
80
Révah (1959:278-279.), concordando com a proclamada unidade, diz
que o português do Brasil conservou mais a língua adquirida no século XVI
do que no continente europeu, daí algumas divergências entre as duas
realidades atuais da língua. Segundo ele,
“Até que se prove o contrário, nós consideraremos os
falares populares brasileiros como os falares portugueses,
cujo
testemunho
poderá
ser
invocado
para
a
reconstituição do português dos séculos XVI e XVII.”
(Révah, 1959:273-291).16
Na visão de Révah (1959), dessa forma, as diferenças entre as duas
realidades continuam tendências já existentes no português do século XVI
e, por isso, ele considera indevida a relação dessa variedade com a possível
influência de negros ou índios, e, sim, com o próprio português antigo, não
vendo, assim, duas línguas, mas uma só, com variedades que remontam a
fases diferentes da mesma língua. Nesse universo, o português brasileiro
estaria mais próximo que o europeu de um estágio anterior da língua.
Segundo Mattoso Câmara Jr, apesar de que uma lìngua, “segregada
em outro meio, possa determinar ... a formação de uma verdadeira nova
lìngua”, no Brasil, não se fala uma lìngua diferente de Portugal: “Podemos
dizer que a unidade lingüística está, em essência, na identidade das
oposições fundamentais, quer de ordem fonológica, quer de ordem
gramatical.” (Câmara Jr.,1975:80).
Mesmo considerando que as realidades lingüísticas do português
brasileiro e do europeu não se constituem duas línguas diferentes, Câmara
distingue dois blocos dialetais grandes, não contínuos, o europeu, e o
16
“Jusqu‟a preuve du contraire, nous considérerons les parlers populaires brásiliens comme des parlers
portugais dont le témoignage pourra être invoqué pour la reconstituition du portugais des XVIe – XVIIe
siècles.” (Rëvah, 1959:273-291).
81
americano e, em cada um deles, uma extensa continuidade dialetal. Dessa
forma, a distinção entre o português brasileiro e o europeu é bastante forte.
Mattoso Câmara diz que
“A lìngua está de tal modo ligada à sociedade e à cultura,
que a diferenciação cultural e social entre a população
européia e a sua congênere americana, desde a época em
que uma representava a metrópole e a outra a colônia,
determinou uma dicotomia lingüística. Não é uma ficção
falar num português americano, em bloco, em face do
bloco do português europeu.” (Câmara Jr., 1975:81).
Houaiss (1985:17), referindo-se aos que defendem o português
brasileiro como uma língua diferente do português de Portugal, diz:
“A crìtica básica a esse critério de oposição de diferenças
é que se confere às diferenças um peso desproporcional,
se comparado ao peso que deveria dar às igualdades.”
Ele cita, entre outros, elementos estruturais da sintaxe, morfologia,
como se vê na seguinte passagem:
“Entre os elementos de igualdade que podem ser
balanceados está, além dos sintáticos e morfológicos, o
vocabulário – tanto do ponto de vista da estrutura
fonológica significante, quanto da estrutura semântica do
significado. São iguais, por exemplo, as imensas maiorias
dos campos terminológicos, na medicina, no direito, na
economia, nas matemáticas, na física, na química, na
astronomia, na botânica, na zoologia etc, etc.” (Houaiss
1985: 21).
82
Houaiss (1985:17), ao defender a unidade da língua, diz que ela existe
enquanto língua de cultura17, não enquanto língua natural. Nesse sentido,
ele também está de acordo com a existência de uma mesma língua não no
nìvel da lìngua popular, comum, oral, mas no que ele chama “lìngua de
cultura”. Com outras palavras, parece que Houaiss concorda com a
existência de línguas de uso oral, popular, diferentes. Só há uma mesma
língua na escrita, o que considera língua de cultura. A argumentação de
Houaiss (1985) não procede, uma vez que toma como base a escrita da
língua, não o oral, e perde, pois, em valor argumentativo.
Apesar de considerar que as diferenças do português nos dois
continentes situam- se na “norma”, não na lìngua, Cunha (1975:73)
defende programas de governo que, se não impeçam a separação dela em
duas lìnguas, mas pelo menos que tentem “reduzir” ou “adiar” os “efeitos”
do “permanente fator de diferenciação”, “que só aos cegos pode passar
despercebido”.
Marroquim (1996: 10-20) trata o português do Brasil como o “dialeto
brasileiro”,
criticando
a
denominação
“brasileirismos”
para
as
particularidades da língua neste país. Sendo dialeto entendido como uma
forma regional da língua, o Brasil, diante da sua extensão, não tem um
dialeto, mas vários.
Reconhecer a existência desse dialeto, “força viva que surge das
massas populares ao impulso de tendências lógicas e naturais” (Marroquim:
1996::10), é fundamental para que se façam estudos sistemáticos das suas
tendências. Amaral (1976), sendo o pioneiro ao estudar o dialeto caipira,
17
Para Houaiss, lìngua de cultura é “sustentada por um aparato escrito (...) [que] se aprende, do
nascimento até a morte, sempre e necessariamente, por uma poderosa rede escolar especìfica ...”
(Houaiss, 1985:140).
83
“abriu resolutamente o caminho, dando um exemplo que deve ser imitado”
(Marroquim: 1996::10).
Pinheiro Lobato (2001) reconhece o português brasileiro como
possuidor de uma gramática com seus próprios parâmetros, definidos,
principalmente, devido a fatores externos, relacionados ao contato entre as
diversas línguas, na fase de sua constituição. Segundo a autora, a razão
principal das diferenças é que dados resultantes da aquisição como segunda
língua foram utilizados como modelo para aquisição de português como
primeira língua.
“A mudança [do português europeu para o português
brasileiro] foi um processo instantâneo para cada um dos
aprendizes do português como segunda língua (escravos
africanos e falantes não-portugueses das línguas gerais),
o que significa que a mudança na gramática foi abrupta.
O PB [português brasileiro] surgiu aí e essa nova
gramática foi transmitida às gerações seguintes. (...) os
produtos da nova gramática têm surgido lentamente
desde então, no decorrer dos séculos.”
Conforme as palavras de Pinheiro Lobato (2001), o português
brasileiro não se associa diretamente aos africanos ou aos indígenas, mas à
aquisição do português a partir de dados de L2 a que essa população foi
submetida. A autora ressalta que a contribuição da população descendente
dos escravos teve grande participação na formação dessa nova língua
diante da grande massa “aprendiz de origem africana ter adquirido o
português como segunda língua em idade adulta e em condições adversas”.
(Pinheiro Lobato, 2001).
84
Galves (1998:80) considera o português brasileiro e o europeu, numa
perspectiva gerativa, como duas línguas-I diferentes. A língua-I é definida
como um “objeto mental, o saber que as pessoas têm da lìngua”, que
corresponde a uma definição de parâmetros da faculdade da linguagem;
enquanto a língua-E é entendida como “a totalidade dos enunciados que
podem ser produzidos numa comunidade de fala”. Nessa concepção, a
autora Galves (2001:93) afirma que “se “ „Lìngua‟ for definido como
„Lìngua-I‟, o PE [português europeu] e o PB [português brasileiro] são
exemplos de duas lìnguas diferentes”.
1. 7 Conclusões
A formação do português do Brasil, como se explanou nesse capítulo,
ainda é muito discutida. Apesar dos diversos estudos feitos em épocas
diferentes, a polêmica continua. Um dos traços do português brasileiro
tomado com muita freqüência, por muitos dos estudiosos, para a referência
à realidade lingüística brasileira é a variação da concordância no sintagma
nominal, fenômeno raro no português europeu. O atual estudo, dedicandose à observação desse aspecto do português do Brasil, considera não só
inserir-se nessa discussão, como contribuir, com as observações aqui feitas,
para o debate já existente.
85
2. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
2. 1 Fundamentação teórica
2. 1. 1 Linhas gerais da sociolingüística variacionista
Neste capítulo, são feitas considerações sobre a sociolingüística
variacionista, linha teórico-metodológica utilizada neste trabalho, e sobre
aquisição e a mudança lingüística. Em seguida, é feito um detalhamento
das variáveis (dependente e independentes) e são apresentados dados sobre
a utilização do suporte estatístico, o pacote de programas Varbrul.
O objeto de estudo da sociolingüística é a fala viva em seu contexto
real, não a língua apenas idealizada, objeto de outros tipos de estudo. Essa
ciência estuda fatos lingüísticos propriamente ditos em seus contextos e
tem como preocupação explicar a variabilidade lingüística e sua relação
com diversos fatores (lingüísticos e sociais) e a interferência dessa variação
na mudança lingüística. A sociolingüística considera a heterogeneidade não
só comum, mas como uma situação natural ou normal da língua, conforme
se pode conferir em Labov (1983: 259):
“... nos últimos anos, temos chegado a nos dar conta de que
esta é a situação normal: que a heterogeneidade não só é
comum senão que é o resultado de fatores lingüísticos
básicos. O que sustentamos é que a ausência de variação
estilística e de sistemas de comunicação multiestratificados
é que resultaria disfuncional.”
Segundo Labov (1982: 17), a heterogeneidade, objeto do estudo
sociolingüístico, é vista como uma heterogeneidade ordenada. Sendo parte
86
integrante da economia lingüística da comunidade, é necessária para
satisfazer as demandas lingüísticas da vida cotidiana e deve ser entendida
como distinta da variação livre.
A ocorrência de variantes relaciona-se a traços do ambiente interno e a
características externas, do falante e da situação (estilo contextual, status e
mobilidade social, etnicidade, sexo, idade). Segundo (Labov, 1982: 18), os
estudos demonstram como a escolha de variantes identifica o falante, seu
grupo social, sua faixa etária, sexo etc. Labov (1983: 31) afirma que as
pressões sociais operam continuamente sobre a linguagem, não desde um
passado remoto, mas como uma força imanente que atua constantemente no
presente18.
O objeto da descrição lingüística é a gramática da comunidade
discursiva: o sistema de comunicação usado na interação social. Um estudo
sociolingüístico envolve observação de uma comunidade, levantamento de
hipóteses de trabalho, seleção de informantes, coleta, análise e
interpretação de dados. Ao analisar uma amostra de língua coletada em
uma determinada sincronia, com objetivos de observar a variação/mudança
no uso da comunidade, é imprescindível que ela represente a forma comum
como essa língua é usada, o seu registro informal.
Na teoria variacionista, a mudança lingüística não é vista como
exterior ao sistema, mas como integrante do seu caráter heterogêneo. Para
se fazer o estudo da mudança, segundo a teoria variacionista, existe a
necessidade de se considerar essa característica da língua, pois toda
mudança pressupõe variação (Labov, 1982:20). Dessa forma, podem-se
identificar mudanças em progresso, observando-se a concorrência de
variantes velhas e novas, fase da mudança em que poderão ser identificados
18
“... las presiones sociales están operando continuamente sobre el lenguaje, no desde un punto remoto
del pasado, sino como una fuerza social inmanente que actúa en el presente vivido”.
87
contextos favorecedores da nova forma e situações em que a forma velha é
mantida. A observação da variação em uma sincronia pode, pois, apresentar
dados indicadores da mudança.
Na visão de Labov (1994:9), a estabilidade deveria ser a principal
característica das línguas, diante do fato de elas serem usadas como
instrumento de comunicação. As línguas, no entanto, mudam e a mudança
não está associada simplesmente ao desgaste ou erosão devido ao uso.
Uma resposta a que se quer chegar é o que as mudanças buscam. É
comum dizer-se que todas elas levam à simplificação, mas, se isso fosse
verdade, as línguas estariam cada vez mais simples, mas nem todas as
mudanças parecem caminhar nessa direção. Outro aspecto importante a se
observar é a avaliação que os falantes fazem sobre a mudança, pois existe a
pressuposição de que, sendo considerada como positiva ou como negativa,
isso possa interferir no curso de uma mudança.
Os dados dos informantes mais jovens têm propensão de indicar
tendências de mudança nas línguas; a observação dos falantes mais velhos,
por outro lado, podem ser ricos em registros que sirvam para caracterizar a
conservação de traços que caminham para o desuso. Assim, através desse
estudo em que se tem acesso a amostras de fala dos dois grupos, pode-se ter
um indicador de dados do passado e projeções para o futuro daquela língua.
Esse estudo da mudança, com a observação das faixas etárias em uma
sincronia, é o que se denomina estudo em tempo aparente (Labov, 1994:
45-6). Para que se confirmem as inferências de mudança feitas nesse tipo
de estudo, é necessário que se faça o estudo em tempo real, com a
observação de dados de mais de uma sincronia (Labov, 1994:73). Ao se
fazer um estudo em tempo real, pode-se optar pelo panel study, com o
recontato dos mesmos informantes em outro período de tempo, ou pelo
88
trend study, em que se contatam outros informantes com as mesmas
características do primeiro grupo, em outra época. Como o primeiro deles é
viabilizado normalmente com bem mais dificuldade, ele não é feito com
freqüência, pois deve haver uma distância de em média vinte anos entre as
sincronias. Ocorre que, nesse período, muitos informantes morrem ou se
desinteressam de colaborar com a pesquisa feita anos atrás. Ainda há outros
problemas, como mudança de cidade ou de condições, como perda de
lucidez, de dentes, etc. Com o estudo em tempo real, pode-se observar se a
mudança, prevista no estudo em tempo aparente, se confirmou, se continua
o seu percurso, ou se é, ao contrário, a mesma variação atestada
anteriormente, demonstrando, dessa forma, ser uma variação estável.
O estudo através das faixas etárias também leva a elucidação de fatos
da história da língua e pode-se, dessa forma, utilizar dados do presente para
estudar o passado. O uso do presente para explicar o passado depende da
identificação de pontos de contato entre fatos lingüísticos, similaridade ou
divergência entre eles. É dessa forma que estudos da variação, da mudança
e da reconstituição histórica da língua, hoje, fazem parte de uma mesma
área.
O estudo da mudança em progresso em uma sincronia, através de
dados de gerações diferentes, pode demonstrar:
1) uma variação estável, em que co-ocorrem variantes diversas,
sem evidenciar mudança em progresso;
2) uma mudança tomando lugar e conduzindo à diferenciação
estrutural significante em duas ou três gerações.
A variação entre os gêneros também é um dado que pode ajudar no
estudo da mudança. Segundo Labov (1991:211), em situação de variação
89
estável, o gênero masculino normalmente usa uma freqüência mais alta de
formas da linguagem não padrão que o gênero feminino, e as mulheres são
geralmente inovadoras em situação de mudança lingüística (Labov,
1991:215). Mas Labov (1983:374) adverte que será um erro grave construir
um princípio geral segundo o qual são as mulheres que encabeçam sempre
a mudança lingüística. Lopes (2000) estudou a variação/mudança em
tempo aparente e em tempo real da concordância de número no sintagma
nominal, na fala de informantes universitários de Salvador. Nesse trabalho,
apesar de a diferença encontrada entre as duas sincronias (décadas de 70 e
de 90) ser muito pequena, considerou-se a possibilidade de mudança diante
do comportamento dos mais jovens, em comparação com os mais velhos, e
da constatação de que as mulheres se mostraram mais inovadoras que os
homens.
Labov (1983: 374) observa que as mulheres exercem um papel mais
direto na transmissão da língua para as crianças:
“Se é certo que se dá uma influência dos pais na
linguagem inicial dos meninos, a das mulheres é ainda
maior; certamente as mulheres falam aos meninos
pequenos mais que os homens e têm uma influência mais
direta durante os anos em que as crianças estão formando
regras lingüísticas com mais rapidez e eficácia. Parece
provável que o ritmo na progressão e na orientação da
mudança lingüística devem muito à especial sensibilidade
das mulheres diante do conjunto do processo.”
Apesar de Labov (1983:374) referir-se a pesquisas que mostram as
mulheres na frente em mudanças fonéticas do inglês, o autor afirma que o
90
correto não seria generalizar que as mulheres estão sempre encabeçando as
mudanças, mas que
“... a diferenciação sexual da fala desempenha com
freqüência um papel primordial no mecanismo da
evolução lingüìstica”. (Labov, 1983:374).
O nível de escolarização pode ser um dado favorecedor da variação ou
da mudança lingüística. Os estudos já realizados mostram que, em casos de
mudança, os falantes mais escolarizados privilegiam a forma socialmente
mais valorizada e, ao contrário, na fala desses informantes há o
desfavorecimento de formas características da fala popular.
Silva e Paiva (1996) falam de três tendências básicas de efeito da
escolarização em relação à substituição da forma não padrão pela padrão:
“a) Podem ocorrer casos em que os falantes entram na
escola oscilando entre um grande e um pequeno uso da
variante padrão, mas a escola „poda‟ a variante nãopadrão (...); b) em outros casos, em que a maioria dos
falantes entra na escola sem usar a variante padrão, esta é
adquirida durante sua escolarização sem que desapareça,
porém, a variante não-padrão (...); c) finalmente, uma
terceira modalidade ocorre quando os falantes entram na
escola apenas com a variante que se considera nãopadrão, mas, paulatinamente, substituem essa variante
pela considerada padrão.” (Silva e Paiva, 1996:348-9).
O estigma social que as variantes sofrem concorre grandemente para
que o efeito da escolarização seja mais ou menos garantido pela atuação
dessa instituição. Aquelas variantes mais estigmatizadas são priorizadas
91
pelo trabalho dos professores, que têm como papel preservar a forma
padrão e impedir a mudança, ou seja, a generalização da variante
desvalorizada, mas concorrente na língua. Quando a variação/mudança
envolve um traço não estigmatizado, comumente não é alvo da escola e,
assim, não sofre o efeito da pressão escolar.
As mulheres têm se mostrado mais sensíveis à escolarização que os
homens, ou seja, quando mais escolarizadas, elas apresentam mais
fortemente que os homens o efeito regulador que esse processo representa.
Silva e Paiva (1996:349-50) observam que isso se dá pela forma diferente
como os dois grupos se comportam no ambiente escolar: enquanto as
meninas, mais freqüentemente, se interessam em ser as melhores alunas,
isso não se dá com os meninos, que normalmente se interessam mais pela
parte social que a escola traz, o recreio e a camaradagem entre os colegas.
Essas variáveis, como se pode supor, interferem conjuntamente nos
usos lingüísticos, não de forma isolada.
2. 1. 2 A aquisição
A hipótese de que a variação da concordância no sintagma nominal do
português brasileiro tem como explicação o tipo de aquisição da língua
portuguesa pelos negros e pelos índios, no processo de colonização, no
Brasil, faz surgir, nessa tese, a necessidade de se fazer um estudo sobre a
aquisição. Nesta seção, de início, trata-se de aspectos relativos à aquisição
lingüística de uma maneira geral. Em seguida, dar-se-á enfoque à aquisição
com dados provenientes de aquisição como segunda língua, com mais
divergência e variação e, finalmente, serão observados dados de um
92
contexto de aquisição com mais de uma gramática, dentro de uma visão
gerativa.
Lightfoot (1999) defende que gramática é uma entidade individual e
que as pessoas desenvolvem gramáticas, que são representadas nas suas
mentes e que caracterizam seu conhecimento lingüístico19. Dessa forma, as
gramáticas variam de uma pessoa para outra, resultado de diferentes
experiências lingüísticas.
Esse autor mostra que, a despeito de dados tão reduzidos a que a
criança se expõe, o que ele chama a “pobreza de estìmulos” (“the poverty of
the stimulus”), a gramática é fixada (Lightfoot, 1999:63). O mistério se
situa exatamente nesse ponto, pois a criança adquire muito mais do que a
experiência apresenta como input.
“Ninguém nega que a criança deva extrair informação do
seu meio; isso não quer dizer que exista “aprendizagem”
no sentido técnico. Meu ponto é que a aquisição da
linguagem é muito mais que isso. Crianças reagem a
evidências conforme princípios específicos. Não é de
todo claro que papel a indução assume. Ela não capacita
a criança a determinar qual é a sentença bem formada
nem explica como crianças “aprendem” o significado
das mais simples palavras. Crianças não têm evidência
suficiente para induzir o significado de casa, livro, ou
cidade ou de expressões complexas (…)”20 (Lightfoot,
1999:63)
19
“Individuals grow grammars, which are biological entities represented in people‟s brains and which
characterize their linguistic knowledge.” (p. 49)
20
“Nobody denies that the child must extract information from her environment; it is no revelation that
there is “learning” in that technical sense. My point is that is more to acquisition than this. Children react
to evidence in accordance with specific principles. It is not at all clear what role induction plays.
93
Apesar da “pobreza do estìmulo”, a criança adquire a gramática,
devido a certas propriedades do seu equipamento genético que fazem o
desenvolvimento da linguagem. O estímulo do ambiente é apenas um
“engatilhador”, pois muito do que é obtido no processo é determinado por
princípios genéticos, ativados pela experiência. Lightfoot compara a
aquisição da gramática ao crescimento dos pêlos: assim como eles nascem
sob certas condições, como nìvel de luz, ar e proteìna, “assim, também, um
organismo lingüístico regulado biologicamente emerge sob exposição a
uma comunidade discursiva qualquer”21.
Na fase de aquisição da linguagem, as características dos dados a que
a criança tem acesso são de fundamental importância para a definição do
produto final a ser adquirido. A sua competência lingüística, ou seu
“fenótipo”, será, pois, o resultado do processamento dos dados lingüísticos
primários (DLP), ou triggers, acrescido de facilitações, modificações ou
conclusões chegadas a partir de dados da sua faculdade de linguagem, ou
seu “genótipo” (Lightfoot, 1999:66), inerente, pois, a todo indivíduo.
Myers-Scotton & Jake (2000a:1054) relacionam a ordem de aquisição
da linguagem aos diversos tipos de morfemas, encontrados na estrutura da
língua. Os autores apresentam quatro tipos de morfemas:
1) os content morphemes, ou morfemas de conteúdo (os substantivos,
os adjetivos, os verbos são exemplos de content morphemes);
e os system morphemes, ou morfemas sistêmicos, podendo ser de três
tipos:
Induction does not enable a child to determine what a well-formed sentence is; nor does it explain how
children “learn” the meanings of even the simplest words. Children do not have sufficient evidence to
induce the meaning of house, book, or city, or of more complex expressions (…)” (Lightfoot, 1999:63).
21
“( …) just as hair emerges with a certain level of light, air, and protein, so, too, a biologically regulated
language organ emerges under exposure to a random speech community.” (Lightfoot, 1999:74).
94
2) os early system morphemes (em inglês, out e at, em to look out e
to look at);
3) os bridge system morphemes (o morfema de plural –s, em two
tables);
4) os outsider system morphemes (o –s indicador de 3a pessoa em he
works).
Os autores consideram que esse estudo revela a hierarquia em que os
diversos fatos da estrutura lingüística são adquiridos tanto em
aprendizagem de primeira como de segunda língua.
Segundo Myers-Scotton & Jake (2000a:1055), a produção lingüística
inicia-se no nível conceptual (pré-lingüístico), onde são ativados conjuntos
de traços semântico-pragmáticos lingüisticamente específicos. Lemas,
intermediários entre as intenções e a produção de estruturas sintáticas, são
selecionados por esses conjuntos. Os lemas diretamente escolhidos no nível
conceptual são a base para os content morphemes, ou morfemas lexicais.
Além desse tipo de morfemas, os morfemas de conteúdo, definidos no nível
dos lemas, outros são utilizados para concretizar as diversas intenções dos
falantes, pois esses primeiros não são suficientes para fazê-lo: são os
system morphemes, ou morfemas gramaticais. Esses, apesar de não serem
morfemas de conteúdo, podem ser selecionados também no nível dos lemas
ou, como a maior parte deles, no nível gramatical, ou no formulator. Esse
nível é o responsável pela definição das estruturas gramaticais superficiais,
pelas relações puramente sistêmicas ou estruturais.
São dois os aspectos que fazem as diferenças básicas entre os content
e os system morphemes:
95
1) o status com respeito à ativação conceptual (ou a fase em que eles
são selecionados);
2) a forma como os elementos participam na construção dos
constituintes22.
Lemas subjazem os morfemas de conteúdos e são a relação direta
entre intenções dos falantes e unidades lingüísticas. Esses lemas, no léxico
mental, são diretamente eleitos pelos conjuntos de traços pragmáticosemânticos abstratos, salientes no nível conceptual. Outros lemas subjazem
a um tipo de system morphem “indiretamente eleito”, o “early system
morphem”, que contém estrutura conceptual essencial para atender às
intenções do falante.23 Podem-se encontrar exemplos do primeiro tipo,
content morphemes, ou morfemas de conteúdo, em
(1) Stella is interested in horticulture. (Myers Scotton & Jake,
2000a:1058).
Stella, interested, horticulture são content morphemes (morfemas de
conteúdo). São elementos que recebem ou projetam regras temáticas
(argumento ou predicado).
O modelo identifica três tipos de system morphemes: os early system
morphemes (já referidos), os bridge late system morphemes e os outsider
late system morphemes. Os early system morphemes, apesar de serem
ativados no nível dos lemas, juntamente com os morfemas de conteúdo, são
22
“First, morphemes are classified as to their status with respect to conceptual activation. Second, they
are classified according to how their forms participate in building larger constituents.” (Myers-Scotton
and Jake, 2000b:3).
23
“The lemmas underlying content morphemes are the direct link between speakers‟intentions and
linguistic units. These lemmas in the mental lexicon are directly elected by the bundles of abstract
semantic and pragmatic features salient at the conceptual level. These directly-elected lemmas can point
to other lemmas that further realize the bundles of semantic and pragmatic features. These other lemmas
underlie one type of system morpheme, endirectly-elected early sustem morphemes. In combination with
content morphemes, these early system morphemes contain essential conceptual structure for conveying
96
elementos da estrutura funcional, são elementos estruturais, sistêmicos, não
são predicados nem argumentos. Um exemplo desse tipo de morfema é up
e o the em
(2) Bora chewed up Lena‟s toy yesterday.
(3) I found the book that you lost yesterday. (Myers Scotton & Jake,
2000a:1063).
Tanto o the, quanto o up estão cumprindo diretamente as intenções do
falante. A idéia de definitude do book já é determinada no nível das
intenções do falante, assim como o up, que dá uma idéia diferente a chewed
também foi definida no mesmo nível (daí serem early). Apesar disso, esses
morfemas não recebem nem projetam regras temáticas, não são argumentos
nem predicados (daí serem system). Os early system morphemes, então,
são morfemas sistêmicos, estruturais, mas que são definidos mais cedo, na
fase em que são definidos os morfemas de conteúdo, os content
morphemes, para atender a necessidade desses morfemas, no nível das
intenções.
Os content morphemes e os early system morphemes, juntos, enviam
direções para a estruturação das sentenças, no nível gramatical, ou
formulator. Nesse último nível, outros morfemas sistêmicos ou estruturais
também são ativados, os late system morphemes. Os late system
morphemes são definidos apenas no nível funcional ou sistêmico, e são de
dois tipos:
1) bridge late system morphemes, para o que Myers-Scotton & Jake
(2000a:1064) apresentam como exemplos as preposições e outros
elementos que fazem as relações, atendem apenas às exigências
the speaker‟s intentions. Together, content morphemes and indirectly-elected system morphemes send
directions to the formulator to build larger linguistic units.” (Myers Scotton & Jake, 2000b:3)
97
gramaticais. A análise da concordância no sintagma nominal do português
que aqui se faz considera que esse fenômeno estrutural envolve,
principalmente, morfemas do tipo bridge late system, além, também, de
early system morphemes, conforme se discute neste trabalho, na análise dos
dados. São, pois, tratados como early system morphemes os morfemas de
plural nos nomes quando são os primeiros ou os únicos elementos
pluralizáveis
do
sintagma
ou
aqueles
em
elementos
anteriores
imediatamente ao nome. Consideram-se bridge system morphemes todos os
outros morfemas de plural do sintagma, pois eles são pluralizáveis apenas
para cumprir orientação gramatical, a da concordância.
2) outsider late system morphemes, que são caracterizados como os
morfemas que dependem de informação gramatical fora do sintagma em
que eles ocorrem24. Incluem morfemas verbais como os que indicam
pessoa, em Inglês, um elemento de concordância. Em português, a
concordância verbal é expressa, também, com outsider system morphemes.
Eles são considerados como
dependentes de relação fora da projeção
máxima, ou fora do sintagma (daí a denominação outsider), pois, nesse
caso, dependem da relação do verbo com o sujeito.
O modelo dos 4 M, ou quatro tipos de morfemas, pressupõe que, na
aquisição das línguas, primeiramente os content morphemes são
aprendidos. Entre os system morphemes, os early são aprendidos antes dos
late system morphemes, e, desses, os que não dependem de relações fora da
sua projeção máxima são aprendidos antes dos que dependem de orientação
de fora (por exemplo, os morfemas de concordância verbal). Myers-Scotton
24
“They depend on grammatical information OUTSIDE of the immediate maximal projection in which
they occur. This information is only available when the formulator sends directions to the
positional/surface level for how maximal projections are unified in a larger construction.” (Scotton &
Jake, 2000:1064).
98
& Jake (2000b:5) defendem que o status diferente dos diferentes tipos de
morfemas afetam a sua produção:
“Isto é, existe uma relação entre lemas subjacentes
aos content morphemes e a performance. Colocado
de
outra
maneira,
lemas
contêm
todas
as
especificações necessárias para projetar constituintes
maiores
e
construir
projeções.
(…)
content
morphemes são adquiridos mais cedo e perdidos mais
tarde que system morphemes. Similarmente, como
morfemas que são também salientes conceitualmente,
early system morphemes diferem de late system
morphemes.25
Em Myers-Scotton & Jake (2000b:4), os autores chamam à atenção
para o fato de que os mesmos traços não são necessariamente codificados
pelos mesmos tipos de morfemas nas diversas línguas26. Analisando a
forma apresentada por Myers-Scotton & Jake (2000a, e 2000b), o presente
trabalho considera, pois, que a morfologia referente à concordância dentro
do sintagma nominal, no português, estaria ora entre os early system
morphemes, ora estaria se comportando como os late system morphemes.
Nesse entendimento, num sintagma nominal do tipo “os meninos”, em
“Os meninos saìram”, o morfema de plural de “os” é inserido logo, ele
deve ser considerado um early system; o “s” de “meninos” parece não ser
gerado no mesmo momento, pode ser considerado um tipo de late system.
Essa pode ser a explicação para o morfema de plural –s de meninos ser
25
“That is, there is a relationship between abstract lemmas underlying content morphemes and
performance. Put another way, lemmas contain all the specifications needed to project langer constituents
and build CPs. (…) content are acquired earlier and lost later than system morphemes. Similarly, as
morphemes that are also conceptually-salient, early system morphemes differ from late system
morphemes.”
99
registrado com menos freqüência em processos de variação, e ser fixado
mais tarde em processos de aquisição.
2. 1. 2. 1 A aquisição em condições especiais de movimentação
populacional
Esta seção trata especificamente da aquisição da língua em situações
especiais de contato entre populações, que dão origem a processos de
formação de línguas de início de emergência, tipo pidgin27, e,
posteriormente, crioulos, já referidos no capítulo 1, e também de dialetos
que são modificações da língua de superstrato, que se distanciaram da
língua inicial como resultado de situação semelhante, embora menos
radical, em processo de nativização.
Quando a criança passa por uma exposição a dados de mais de uma
gramática, ou de diversas gramáticas, com inputs mistos, sob condições
especiais de movimentos populacionais, normalmente ela será levada à
formação de uma gramática diferente das gerações anteriores. Nesse caso
poderá haver uma mudança de gramática (Lightfoot, 1999), é o que ocorre
quando línguas crioulas se formam.
Lightfoot (1999) considera que crianças utilizam-se da exposição ao
ambiente lingüístico para, dali, tirar “pistas” para a aquisição de lìngua.
Considerando-se a formação de línguas crioulas, em comparação com a
aquisição de línguas não-crioulas,
a diferença é que na formação de
crioulos ocorre que, a partir da interpretação do que as crianças ouvem, o
mais “empobrecido” possìvel de pistas da lìngua alvo, novas lìnguas
completas podem surgir, e de forma rápida. Essas línguas, ou simplesmente
esses dialetos, são resultantes de aquisição com poucos dados, diante da
26
“It is important to note that the same features are not necessarily encoded by the same type of
morpheme cross-linguistically.”
27
Ou uma interlíngua, como aqui já se observou.
100
situação especial vivida pelas populações. Nesse tipo de aquisição da
linguagem, há precariedade de input e a transmissão da língua muitas vezes
é feita por falantes não-nativos, que não adquiriram a língua como primeira
língua, mas o fizeram já na sua fase adulta. A língua surgida desse processo
caracteriza-se “pela redução gramatical da lìngua considerada alvo e a
manutenção, principalmente, de elementos essenciais necessários ao
preenchimento das funções comunicativas básicas” (Lucchesi, 2000c:99).
Lucchesi apresenta três razões básicas para a redução da estrutura
gramatical relacionadas à formação dos modelos de aquisição da língua
alvo, ou seja, da língua de superstrato, a que as populações tiveram acesso:
“(i) o difìcil acesso dos falantes das outras lìnguas aos
modelos da língua alvo, sobretudo nas situações em que
os falantes dessa língua alvo são numericamente muito
inferiores aos falantes das outras línguas;
“(ii) o fato de os falantes dessas outras lìnguas serem, em
sua maioria, adultos, não havendo, pois, o acesso aos
dispositivos da faculté du language, que atuam
naturalmente no processo de aquisição da língua
materna;
(iii) a ausência de uma ação normatizadora, ou seja, de
uma norma ideal que oriente e restrinja o processo de
aquisição/nativização, já que esse processo tem como
objetivo o de fundamentalmente [ser] a comunicação
emergencial com os falantes da lìngua alvo.” (Lucchesi,
2000c:99).
101
Embora esses processos de aprendizagem de língua tenham ocorrido
em várias partes do mundo, houve, a depender de aspectos sóciodemográficos de cada situação, formações lingüísticas que se distanciavam
da língua-alvo em graus diferentes. A respeito disso, Lucchesi (2000c:104)
afirma que
“A transmissão irregular constitui um contìnuo de nìveis
diferenciados
de
socialização/nativização
de
uma
segunda língua, adquirida massivamente, de forma mais
ou menos imperfeita, em contextos sócio-históricos
especìficos.”
A depender da relação da língua nativizada com a língua-alvo, ela
será, pois, uma língua distinta ou apenas uma variedade da língua-alvo,
com marcas da sua formação, mas que, apesar disso, não se distanciará
tanto da primeira.
As línguas crioulas são caracterizadas por Myers-Scotton (no prelo)
como compostas por um léxico e um conjunto de princípios de boa
formação, que funcionam acoplados, e, juntos, constituem a gramática.
Esse léxico e esse aparato gramatical são dois sistemas diferentes, e a
autora diz que “existem dois sistemas e eles interagem de importantes
maneiras nos nìveis abstratos do processamento e produção”28.
Mufwene (2000) considera que a crioulização é um processo que não
se diferencia do processo de formação regular de língua senão no que diz
respeito a aspectos sociais, não estruturais. Dessa forma, não se justificam
as tentativas de explicar como se formam os crioulos, pois a diferença é
28
There are two systems, and the interact in important ways at abstract levels of processing and
production. (op. cit, p. 2)
102
apenas a velocidade e a extensão das reestruturações que ocorrem nos dois
tipos de produtos formados.
“Desde
que
a
fórmula
de
reestruturação
é
aparentemente a mesma – a velocidade e a extensão
variam de acordo com os diversos fatores ambientais
– parece arbitrário assumir que crioulos vernaculares
desenvolveram-se
por
processos
diferentes
da
mudança lingüìstica normal.” (Mufwene, 2000:69).
Esse autor não considera que a transmissão lingüística insuficiente ou
irregular seja algo específico dos crioulos, pois a aquisição de qualquer
língua é carregada de imperfeições, resultado da heterogeneidade
interindividual e, também, do input (Mufwene, 2000:73). Nos crioulos,
contudo, ocorre uma aprendizagem com mais imperfeição e a
reestruturação é mais rápida e extensiva que em outros tipos de contato de
língua (Mufwene, 2000:69). Processos de reestruturação como a
gramaticalização têm sido utilizados no desenvolvimento de crioulos e de
não crioulos e
“morfemas
ou
construções
que
têm
sido
idiomatizadas para funções gramaticais específicas
iniciam-se de modelos disponìveis (…) na lìngua
base.” (Mufwene, 2000:69).
Embora não se esteja tratando de nenhum crioulo, o
tópico da
aquisição com dados com muita diversidade e divergência tem relevância
diante da história de aprendizagem
de
língua na cidade do Salvador,
cuja população foi formada por três diferentes raças, relacionadas entre si,
durante séculos, por um processo de escravidão. Independente de terem
havido línguas crioulas, em
alguma parte do Brasil, tem-se a certeza
103
de que processos variados de aquisição do português ocorreram no decorrer
da história desse país, envolvendo aquisição de Português L1 com dados
divergentes ou insuficientes oriundos de contatos com falantes que
aprenderam essa língua como L2.
Em aquisição de primeira ou de segunda língua, dessa forma, os
content e os early system (ou morfemas lexicais e morfemas gramaticais
early - introduzidos na fase dos lemas) são aprendidos primeiramente,
seguidos dos bridge late system e, finalmente, dos outsider late system. Em
processos de crioulização, observam-se perdas do tipo de preposições,
conjunções, pronomes, todos morfemas gramaticais ou system morphemes;
mas as maiores perdas se localizam principalmente na morfologia
flexional, que desaparece totalmente ou fica muito comprometida (MyersScotton, no prelo).
Myers-Scotton (no prelo) apresenta cinco hipóteses que, no seu
entender, caracterizam a formação das línguas crioulas e são de
fundamental importância para a compreensão do processo de constituição
dessas línguas. São elas:
1) As variedades de substrato contribuem para a formação do
crioulo, com uma estrutura gramatical “invisìvel”, a Matrix
Language29;
2) Content morphemes do superstrato são mais freqüentes no
crioulo do que content morphemes do substrato30;
29
“The ML [matrix language] is best thought of as the abstract grammatical frame of bilingual CP, not as
a language itself. (…) ML happens to be synonymous with the frame of one of the participating
varieties." Scotton & Jake (no prelo)
30
O inverso disso acontece em Cafundó, uma comunidade negra encontrada no Brasil. Na linguagem
desse grupo, há utilização de muitos morfemas lexicais de línguas africanas e gramática do português, ao
contrário das línguas crioulas conhecidas,
104
3) Content morphemes do superstrato podem ser reconfigurados
como morfemas gramaticais para satisfazer as necessidades da
estrutura abstrata;
4) Early system morphemes do superstrato podem aparecer em
crioulos, com seus content morphemes principais;
5) Late system morphemes do superstrato não são aproveitados
no crioulo, apenas content morphemes
e seus early system
morphemes.
Para a presente discussão, interessam, particularmente, as hipóteses 4
e 5. Segundo essa teoria, os early system morphemes são apenas “satélites”
dos morfemas de conteúdo, só são utilizados quando os de conteúdo a que
eles se associam são acessados, e são ativados, por isso, na sua fase de
produção, conjuntamente com eles. Nos crioulos, apesar de não ser regular
a existência desse tipo de morfema, eles ocorrem em algumas dessas
línguas. Myers-Scotton (no prelo) diz que eles podem surgir na forma de
morfemas aglutinados ao nome, como um morfema pré-nominal, a
exemplo das partículas du, de la francesas, presentes nos crioulos de
Reunião, de Ile de France, do Haiti e no Mauriciano, de base francesa.
“Um conjunto de dados do francês monolìngüe deixa
claro que os nomes do francês não ocorrem
categoricamente com seus artigos definidos ou
partitivos. Essa é a evidência de que os nomes e esses
early system morphemes não compartilham de um
único lema no léxico mental, mas pertencem a
diferentes lemas. Assim, um content morpheme e seu
105
early system morpheme é que são inseridos como um
só em uma estrutura crioula. (…)”31
Crioulistas já observaram que, em crioulos que têm como substrato
línguas bantas [anteriormente citados, de Reunião, de Ile de France, do
Haiti, o Mauriciano] é comum a existência dessas formas aglutinadas, que
Myers-Scotton (no prelo) classifica agora como formadas por early system
morphemes e content morphemes. A semelhança, pois, entre os substratos e
os crioulos resultantes mostra a relação que se sugere existir entre as
gramáticas das duas línguas (o crioulo e o substrato). Myers-Scotton (no
prelo) acrescenta que, nas línguas envolvidas, esses morfemas gramaticais
que se acoplam aos morfemas de conteúdo são early system morphemes,
tanto nas Banto como nos superstratos, daí o aproveitamento de estrutura
semelhante no crioulo criado:
“A conexão entre essas formas (det+nome) em
crioulos e a população Banto de escravos é que as
línguas Banto são caracterizadas por um conjunto de
classes de nomes mais marcados, uma classe de
prefixos que obviamente relembram os determinantes
franceses em sua posição pre-nominal. O modelo 4-M
acrescenta o argumento de que tanto os determinantes
franceses quanto as classes de prefixos de nomes
Banto são early system morphemes.32
31
“Any data set of monolingual French data makes it clear that French nouns do not occur categorically
with either definite articles or partitives. This is evidence that the nouns and these early system
morphemes do not share a single lemma in the mental lexicon, but rather are in separate lemmas. Yet, it is
a content morpheme and its early system morpheme that are inserted as one in a creole frame. (…)”
(p.24)
32
“The connection between these [det+noun] forms in creoles and a Bantu population of slaves is that
Bantu languages are characterized by a set of noun classes, most marked with class prefixes that obviusly
resemble the French determiners in their prenominal position. The 4-M model adds the argument that
both the French determiners and the Bantu noun class prefixes are early system morphemes”. (p. 24-25).
106
Embora essa junção entre um morfema funcional e um morfema de
conteúdo seja a explicação para a manutenção de um morfema gramatical
em um crioulo, Myers-Scotton (no prelo) deixa claro que o fato de ser um
early system morpheme foi a condição ou exigência para que isso
acontecesse. Isso não teria ocorrido entre um late system morpheme e um
content morpheme. Segundo a autora, esse estado de coisas dá base para se
dizer que
“os early system morphemes são conceituamente ligados
a suas cabeças, dependendo desses elementos de sua
projeção máxima para as determinações sobre sua forma
[A definitude é explicitamente marcada e é atribuída
pelo determinante, que também carrega a informação de
plural]. Esta característica distingue early system
morphemes de late system morphemes e pode explicar
porque o falante crioulo percebe as partes da unidade
com suas cabeças” (Myers-Scotton, no prelo)33.
Scherre (1988:366-7), ao estudar a presença de marca de concordância
em elementos antecedentes ou pospostos aos núcleos, considera que existe
uma relação de coesão estrutural mais forte entre o núcleo e os seus
antecedentes, mas não entre o núcleo e os elementos pospostos a ele:
“... os elementos antepostos ao núcleo apresentam entre si
e o núcleo uma relação mais coesa do que a que é
estabelecida entre os elementos pospostos e o núcleo
correspondente. É, portanto, possível postular a existência
de dois graus de coesão dentro do segundo nível (...)
33
“early system morphemes are conceptually-linked to their heads, depending on the heads of their
maximal projection for direcions about their form (e. g., Is definiteness marked overtly? Is is conveyed by
a determiner?). This characteristic distingishes early system morphemes from late system morphemes and
can explain why the creole speaker perceives them as part of a unit with their heads.”(p. 25).
107
somente os constituintes pospostos ao núcleo admitem a
possibilidade de inserção de elementos entre eles e os
seus núcleos correspondentes e, coerentemente, são estes
constituintes os menos marcados.”
Em Detges (2000), são encontrados exemplos de formas com resíduos
dos artigos franceses: zozo, lapli, do francês “les oiseaux”, presentes no
crioulo de Reunião; zozo, zuazo, do francês “les oiseaux”, no crioulo
mauriciano; nãm, do francês “un âme”, no crioulo haitiano. Detges, no
entanto, não considera que tenha havido, simplesmente, uma aglutinação
fonológica de itens morfológicos anteriormente separados ou distintos, mas
a explicação é dada a partir de um princípio de reestruturação, um processo
de reanálise morfológica, que não é, no seu entendimento, um fenômeno do
falante, mas do ouvinte. Ao ouvir as duas formas, o artigo e o nome, o
falante não interpreta a existência dos dois itens e faz a fixação da cadeia
de som ouvida e a transmite, fazendo a sua expansão na língua crioula.
“Eles simplesmente não são identificados como itens
significantes. A transmissão material simultânea e a
função perdida do artigo francês apresenta um
exemplo simples de mecanismo cognitivo que
governou o processo de reestruturação na gênese dos
crioulos franceses.” (Detges, 2000:147-148).34
Segundo a teoria dos 4-M, os late system morphemes não são ativados
no nível das intenções, apenas os content e os early system morphemes o
34
“They were simply not identified as meaning items. The simultaneos material transmission and
functional loss of the French article forms provide a simple example of the cognitive mechanism which
governed the process of restructuring in the genesis of the FrCr‟s [crioulos de base francesa]”.
108
são. Isso se dá pelo fato de os primeiros não “estarem em cena” quando
conjuntos de traços semântico-pragmáticos, que ligam intenções a lemas,
são ativados, senão mais tarde, no nível funcional ou gramatical. Dessa
forma, os late system morphemes não podem ser escolhidos para cumprir
qualquer intenção, nessa fase. Como uma evidência desse fato, da
hierarquia e das implicações dessa diferença entre os morfemas, MyersScotton (2000a) apresenta o morfema existencial there em comparação
com o locativo there. O primeiro é um late system morpheme, ele cumpre
apenas uma função gramatical, não é um morfema de conteúdo, mas o
segundo é um content morpheme. Prova disso constata-se na observação de
que enquanto o existencial não se mantém nos crioulos, por ser um late
system morpheme, o locativo aparece em muitos crioulos do inglês, embora
reconfigurado como um marcador de tempo-modo-aspecto, ou seja,
cumprindo valor de morfemas funcionais “late” (Myers-Scotton, 2000a :
25).
Para a presente discussão, importa a diferença que se pode estabelecer
entre os morfemas de plural que estão envolvidos na concordância dentro
do sintagma nominal. Sendo o português uma língua que exige que a
concordância se faça entre os vários elementos pluralizáveis do sintagma
(no determinante pré-nominal, assim como no francês, referido por MyersScotton (no prelo), e em outros elementos) é de supor que os morfemas de
plural não sejam todos ativados no mesmo nível e, por isso, tenham
implicações na variação do fenômeno nessa língua.
Com o suporte teórico-metodológico de que se dispõe neste trabalho,
tem-se a certeza de que é possível relacionar a variação da concordância
aqui estudada aos dois tipos diferentes de morfema envolvidos no
fenômeno (os early system morphemes e os late system morphemes) e,
ainda, à história de formação do português no Brasil.
109
2. 1. 3 Competição de gramáticas e mudança lingüística
Na visão de Lightfoot (1999), de que falantes têm gramáticas
individuais, a variação é uma indicação de que existem gramáticas em
competição. Assim, traços das duas gramáticas do mesmo falante podem
ocorrer, em contextos complementares, como em uma diglossia
internalizada (Lightfoot, 1999:92).
“Neste caso, a aparente opcionalidade seria uma função
de gramáticas coexistentes. Melhor que, então, admitir
que uma gramática gere opcionalmente as formas a e b,
nós sustentamos que uma pessoa tem acesso a duas
gramáticas, uma das quais gera a, a outra, a forma b; o
falante tem a opção num determinado momento de usar
uma ou outra das gramáticas.”35
Nesse ponto de vista, a aparente variação é uma oscilação entre dois
ou mais pontos fixados. Os falantes que têm mais de uma gramática
refletem que, no processo de aquisição de língua, tiveram acesso a mais de
uma gramática. Línguas não têm variação nem livres alternâncias e, quando
isso acontece, são línguas diacronicamente instáveis e representam uma
transição até que uma das gramáticas cai em desuso.36
O que define se os falantes de uma língua terão ou não mais de uma
gramática são os dados a que eles tiveram acesso na sua aquisição de
língua. Lightfoot (1999:92) diz que essa é uma situação difícil de ser
35
“In that case, apparent optionallity would be a function of coexisting grammars. Rather than allowing
one grammar to generate forms a and b optionanny, we would argue that a person has access to two
grammars, one of which generates form a, the other form b; the speacker has the option at any given time
os using one or other of the grammars.
36
“In general, grammars do not manifest optional, free alternations, and where languages have
alternations, they are diachronicall unstable and represent a transition whereby one of the grammars is
driven into desuse.” (Lightfoot, 1999: 94).
110
detectada pelo lingüista, pois é às vezes difícil saber se se deve ou não
“invocar” a coexistência de gramáticas:
“A dificuldade aqui não é para a criança, mas para o
analista: o analista deve decidir quando a coexistência de
gramáticas deve ser invocada. Apesar disso, não se tem
razão para acreditar que a palavra foi designada de tal
forma como para fazer a investigação mais fácil. Nem a
linguagem.” (Lightfoot, 1999:92).37
Gramáticas em competição podem surgir de contatos entre duas ou
mais comunidades, quando membros dessas comunidades adquirem traços
lingüísticos da(s) outra(s) e as crianças têm acesso a usos de mais de um
grupo, aprendidos através dos mais velhos. Nesse caso a criança terá mais
de um conjunto de parâmetros, iniciando o processo de diglossia
(Lightfoot, 1999: 92). Quando as formas aprendidas nessa situação são
funcionalmente distintas e têm significados diferentes, elas podem
permanecer, mas quando não são funcionalmente distintas, uma delas
desaparece. É o que é conhecido como o Blocking effect, segundo o qual
não há possibilidade de existirem doublets (elementos que têm o mesmo
significado e o mesmo valor funcional). A língua faz desaparecerem os
elementos que estão concorrendo, quando têm o mesmo valor. Kroch
(1994:185) diz que os doublets, para resistirem, precisam ter significados
diferentes, deixando, pois, de competir:
“Doublets crescem através do dialeto e contato
lingüístico e competem no uso até que uma ou outra
forma vence. Devido a suas origens sociolingüísticas,
37
“The difficult here is not for the child but for the analist: the analist must decide when coexisting
grammars must be invoked. However, we have no reason to believe that the world was designed in such a
way as to make its investigation easy. Nor language.”
111
as duas formas aparecem em diferentes registros,
estilos, ou dialetos sociais; mas eles podem coexistir
estavelmente na comunidade de fala se eles se
diferenciam quanto ao significado, deixando, dessa
forma, de ser doublets.”38
Ao considerar que a gramática é uma entidade individual, considera-se
que a mudança lingüística ocorre também a partir desse mesmo plano,
individual. É o conjunto de dados lingüísticos primários que provoca a
mudança. Se, por qualquer motivo, são apresentados dados à criança que
diferem dos dados lingüísticos primários (PLD) a que seus pais tiveram
acesso quando crianças, certamente a gramática dessa criança será diferente
da gramática dos seus pais e ela, por certo, também será uma fonte de onde
essa sua gramática será difundida, pois ela fornecerá outros PLD que
servirão de base para outras crianças e assim a mudança social ocorre, a
partir de um uso individual (cf. Lightfoot, 1999:101).
Lightfoot (1991), apud Lightfoot (1999:105), identifica seis traços da
mudança gramatical:
1)
cada nova propriedade gramatical é manifestada por um
grupo de novos fenômenos;
2)
existe uma reação em cadeia desses novos fenômenos;
assim a nova gramática difere da anterior não em um, mais em
diversos aspectos;
3)
essas mudanças com novas propriedades gramaticais
espalham-se rapidamente e manifestam a curva em S;
38
“Doublets arise through dialect and language contact and compete in usage untilone or the other form
wins out. Due to their sociolinguistic origins, the two forms often appear in different registers, styles, or
social dialects; but they can only coexist stably in the speech community if they differentiate in meaning,
thereby ceasing to be doublets.”
112
4)
a obsolescência dos antigos padrões faz a aceitação das
novas propriedades gramaticais;
5)
uma mudança de significado é uma conseqüência das
novas propriedades gramaticais, pelo mesmo motivo da
obsolescência da estrutura;
6)
novas
propriedades
gramaticais
ocorrem
como
conseqüência de mudanças em dados simples, com “pistas” que
ocorrem unicamente em domínios não encaixados.
Apesar de a mudança iniciar-se sempre no plano da gramática
individual, e, sendo difundida, chegar ao plano coletivo, da mudança social,
as duas mudanças são consideradas diferentes por Lightfoot quanto ao fato
de serem graduais ou abruptas. No plano individual, a mudança ocorre
abruptamente, mas na gramática vista como entidade do grupo ela parece
ser gradual. Quanto a isso, ele diz:
“Eu tenho sustentado que depende da lente que se
usa. Experiência é geralmente fluida. E se alguém
está preocupado exclusivamente com a descrição de
diferenças na experiência, em termos do que se
encontra em textos de diferentes gerações, então
mudança parece ser fluida, gradual, por partes, e
caótica.
Similarmente, se se pensa em termos de
alguma espécie de gramática social em que a
gramática (mítica, eu considero) é uma espécie de
codificação dos textos produzidos por algum grupo
de falantes, então novamente a mudança parece ser
gradual. Também, se alguém pensa em termos de
uma mudança lingüística, considerando a língua
113
como um fenômeno grupal, mudança parece ser
gradual, como água fluindo. Contudo, (…) para um
entendimento coerente da aquisição da linguagem,
nós devemos pensar em termos de gramática abstrata;
mudança decorre, então, de diferentes gramáticas
emergindo em diferentes pessoas. (…) em termos de
gramática
biológica
representada
em
mentes
individuais, então gramáticas diferem uma das outras
abruptamente, em função da variação limitada
permitida pela GU.”39 (Lightfoot, 1999:107)
A proposta da sociolingüística variacionista não nega que a gramática
seja uma entidade individual, e Lightfoot reconhece isso. Nesse caso, a
gramática do falante incorpora conhecimento sobre formas variantes e a
sua probabilidade de ocorrência.
“A gramática de Labov é claramente biológica. A
diferença entre sua gramática e as outras que eu tenho
descrito é que a sua incorpora muito mais
informação. Labov introduz em seu modelo de
conhecimento lingüístico de uma pessoa informação
sobre a variabilidade social.”40 (Lightfoot, 1999:82)
39
“I have argued here that it depends on the lens that one uses. Experience is generally fluid, and if one is
concerned excludively with describing differences in experience, in terms of what one finds in
comparable texts of different generations, then, change appears to be fluid, gradual, piecemeal, and
chaotic. Similarly, if one things in terms of some kind of social grammar, where the “grammar” (mytical,
I believe) is some kind of codification of the texts produced by some group of speakers, then again
change appears to be gradual. Also, if one thinks in terms of a language changing, taking to be a group
phenomenon, change appears to be gradual, like water folwing. However, (…) for a plausible account of
language acquisition, we must think in terms of abstract grammars; change is then a function of different
grammars emerging in different people. (…) in terms of biological grammars represented in individual
mind/brains, then grammars differ from each other abruptly, a function of the limited variation allowed by
UG.”
40
“Labov‟s grammars are clearly biological. The difference between his grammars and the ones I have
described is that his incorporate much more information. Labov builds into his model of a person‟s
linguistic knowledge information about social variability.”
114
Nesta tese, apesar de elaborada sobre bases da sociolingüística
variacionista e de serem tomados como objetivos fundamentais a definição
das variáveis envolvidas no processo da variação da concordância no
sintagma nominal, são, também, utilizados fundamentos da teoria dos 4 M,
de Scotton & Jake (2000a) e de Lightfoot (1999) na interpretação dos
resultados alcançados. É dessa forma que se consegue, neste trabalho, dar
conta do fenômeno estudado. A seguir, serão apresentadas informações
sobre a metodologia da constituição da amostra e da análise estatística dos
dados.
2. 2. Aspectos Metodológicos
2. 2. 1 Constituição da amostra
Numa pesquisa sociolingüística, a seleção dos informantes deve
refletir as hipóteses iniciais e orientar a constituição de uma amostra
representativa das variáveis sociais em estudo. A amostra pode ser
constituída de forma completamente aleatória, pode-se formar as células do
jeito que se preferir, fazendo uma escolha aleatória dos informantes,
correndo-se o risco de formar um grupo de informantes com número
desigual de representantes de cada célula. Pode-se também definir com
antecedência as categorias sociais, os fatores extra-lingüísticos que a
pesquisa observará e o número de indivíduos necessários em cada célula.
Dessa forma, os informantes podem ser, posteriormente, selecionados mais
ou menos ao acaso, até completar o número desejado para a amostra. A
coleta de dados é, hoje, normalmente, feita através de conversas gravadas,
numa situação que Labov (1983: 266) chamou de „o paradoxo do
observador‟41, pois se esperam registros de fala informal, descontraída, mas
41
“Nos encontramos asì com la Paradojo del Observador: el objetivo de la comunicación lingüìstica de la
comunidad há de ser hallar cómo habla la gente cuando no está siendo sistemáticamente observada; y sin
embargo nosotros sólo podemos obtener tales datos mediante la observación sistemática”.
115
o contexto oferecido ao informante é de entrevista, que se constitui numa
situação formal.
Nesta pesquisa, são usados como amostra alguns inquéritos do Projeto
Norma Urbana Culta/70 (NURC/70), com informantes de nível
universitário (Mota & Rollemberg, 1994:11-24), parte do NURC/90 e os
inquéritos do Programa de Estudos sobre o Português Popular de Salvador,
o PEPP (Lopes:2000c). O Projeto NURC/90 é resultado de um trabalho
que, em Salvador, vem propiciando novos contatos com informantes
gravados na década de 70, de forma a dar condições de estudos envolvendo
as duas sincronias. Para compor a nova faixa etária, de 25 a 35 anos, os
mais jovens, para a qual, naturalmente, não se tem falantes já gravados
naquela etapa do Projeto, são contatados outros informantes, obedecendose aos mesmos critérios.
O Projeto NURC foi implantado no Brasil a partir de 1969, com o
objetivo de fazer a descrição “dos padrões reais de uso na comunicação oral
adotados pelo estrato social composto por indivíduos de escolaridade
superior” (Mota & Rollemberg, 1994:11). O Projeto NURC foi realizado
em cinco capitais brasileiras, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e
Porto Alegre, tendo como objetivos principais:
a) fazer um levantamento sistemático da modalidade oral culta;
b) ajustar o ensino escolar da língua a essa modalidade, de forma a
propiciar um trabalho adequado às diferenças culturais e
lingüísticas reais do país.
O PEPP, um projeto interinstitucional de pesquisa, inicialmente
apenas da Universidade do Estado da Bahia, posteriormente também da
Universidade Federal da Bahia, visa a dar condições de análise atualizada e
116
diversificada da fala popular de Salvador. Fazem parte do grupo de
trabalho do PEPP as professoras Norma da Silva Lopes, Constância Maria
Borges de Souza e Emília Helena Portella Monteiro de Souza, sob a
orientação da professora Myrian Barbosa da Silva. A primeira etapa do
trabalho, a da constituição do PEPP, da responsabilidade conjunta de todo o
grupo, teve como objetivo elaborar um corpus de quarenta e oito
inquéritos, com falantes de quatro faixas etárias e dois graus de
escolaridade diferentes (Fundamental e Média). Este grupo também tem
colaborado com o projeto de recontato do projeto NURC/SSA, aqui
referido como NURC/90, fazendo novas entrevistas.
A amostra total observada nesta pesquisa é formada por setenta e
quatro inquéritos, com a seguinte constituição:
1) Década de 70:
Essa parte da amostra envolve apenas os informantes de
escolaridade superior, todos do projeto NURC, num total
de doze informantes;
2) Década de 90, com representantes da fala popular e da fala
culta :
a)
Os representantes da fala popular são todos do
PEPP, em dois níveis de escolaridade, num total de 48
informantes, vinte e quatro de cada nível: Escolaridade
Fundamental, de 1 a 5 anos de escolarização; e
Escolaridade Média, 2º grau completo, 11 anos de
escolarização;
117
b)
Os representantes do nível de Escolaridade
Superior são todos informantes do projeto NURC/90, num
total de 18 informantes.
Os informantes do NURC da década de 70 estão assim distribuídos:
Faixa etária de 25 a 35 anos:
- dois homens
- duas mulheres
Faixa etária de 45 a 55 anos:
- dois homens
- duas mulheres
faixa etária acima de 55 anos:
- dois homens
- duas mulheres
Os informantes do NURC da década de 90 estão com a seguinte
distribuição:
Faixa etária de 25 a 35 anos:
- três homens
- três mulheres
Faixa etária de 45 a 55 anos:
- três homens
118
- três mulheres
faixa etária acima de 55 anos:
- três homens
- três mulheres
Os informantes do PEPP, da década atual, estão distribuídos em
quatro faixas etárias: de 15 a 24 anos, de 25 a 35 anos, de 45 a 55 anos e de
65 anos em diante. Diante da precariedade de tempo na constituição da
amostra, para não haver prejuízo na observação dos fatos a serem
estudados, decidiu-se pela existência de um intervalo de dez anos entre as
três faixas do PEPP, que poderá, com a continuidade do trabalho e a
ampliação das gravações, ser reduzido ou desfeito.
A escolaridade dos informantes dessa amostra variou, pois, entre a
mínima de 1 a 4 anos de permanência na escola, e a escolaridade máxima,
curso superior completo. A seguir, se apresenta um quadro geral dos
informantes da década de 90, com a distribuição dos informantes, por
célula.
119
Quadro 2:
Demonstrativo Geral dos inquéritos da Amostra Atual (década de 90)
IDADE
ESCOLARIZAÇÃO
Fundamental
HOMEM
MULHER
PEPP/42
PEPP/43
PEPP/47
PEPP/44
PEPP/18
PEPP/05
PEPP/48
PEPP/02
PEPP/20
PEPP/12
PEPP/04
PEPP/03
PEPP/40
PEPP/19
PEPP/22
PEPP/45
PEPP/09
PEPP/29
PEPP/13
PEPP/10
PEPP/33
PEPP/23
PEPP/28
PEPP/21
NURC/009N
NURC/014N
NURC/006N
NURC/013N
NURC/010N
NURC/011N
De 15 a 24 anos)
Média
Fundamental
De 25 a 35 anos) Média
Superior
120
FAIXA ETÁRIA ESCOLARIZAÇÃO HOMEM
Fundamental
De 45 a 55 anos)
Média
Superior
Fundamental
De 65 anos em Média
diante
Superior
MULHER
PEPP/30
PEPP/31
PEPP/32
PEPP/36
PEPP/37
PEPP/46
PEPP/26
PEPP/07
PEPP/24
PEPP/08
PEPP/15
PEPP/17
NURC/002R
NURC/011R
NURC/003R
NURC/004R
NURC/015N
NURC/012N
PEPP/34
PEPP/38
PEPP/35
PEPP/39
PEPP/06
PEPP/01
PEPP/14
PEPP/41
PEPP/16
PEPP/27
PEPP/11
PEPP/25
NURC/012R
NURC/005R
NURC/006R
NURC/008R
NURC/007R
NURC013/R
121
2. 2. 2 Realização dos inquéritos PEPP
Local
A escolha do local das gravações das entrevistas procurou atender
sempre as condições de cada situação. Algumas gravações ocorreram na
residência do entrevistado, ou no seu local de trabalho e outras na casa do
inquiridor. Se a casa do entrevistado fosse a opção de local indicada por ele
e permitisse a tranqüilidade da gravação, sem o risco de interferências, esse
seria o espaço escolhido. O mais adequado para o trabalho, no entanto, nem
sempre foi a casa do informante, nem o seu local de trabalho. Cada caso foi
estudado, e se buscou o que se considerou que levava a menos perdas.
Situação
Procurou-se criar, para a recolha do material do PEPP, uma situação
o mais próxima possível da coloquial, embora os informantes soubessem
que iriam ser gravados. Tentou-se fazê-los despreocupar-se com esse
detalhe, dizendo que a gravação só teria unicamente o interesse de registro
das informações para a “pesquisa sobre educação”. O recurso da gravação,
foi dito, se devia à impossibilidade de anotar e participar da conversa, ao
mesmo tempo. A divulgação do objetivo real do trabalho, estudo da fala,
com certeza, comprometeria o tom de informalidade que se queria adotar.
O tema escolhido, A educação do passado em oposição à educação
dos nossos dias, contribuiu bastante para o clima informal das conversas,
pois falar do tempo de criança, de como foi tratado pelos pais, pelos
primeiros professores, mostrou-se um assunto com o poder de quebrar o
formalismo da situação e os indivíduos que, no início da entrevista, se
preocuparam com a linguagem, ao falar desse assunto, deram indícios de
terem esquecido a postura inicial e ficaram mais à vontade. Foi assim que
122
até lágrimas surgiram nos olhos de muitos dos entrevistados quando
lembraram de fatos de sua infância. Apesar de constrangido, muitas vezes,
por ter provocado a situação, o inquiridor se sentiu vitorioso por haver
conseguido que o informante se “desarmasse” totalmente e assim se
obtivesse uma amostra mais próxima do vernáculo.
Assunto / Guia-questionário
Na realização dos inquéritos, alguns procedimentos foram adotados
com a finalidade de levar o informante a se comportar o mais naturalmente
possível. Dessa maneira, procurou-se fazer contatos com o informante
antes do dia da entrevista para que, no dia acertado, no mínimo o segundo
momento, já se tivesse reduzido o grau de formalidade na relação entre o
informante e o documentador responsável pelo trabalho. Como já foi
observado, nenhum dos entrevistados do PEPP sabia que a entrevista teria
o objetivo de estudos lingüísticos, pois todos tinham sido convidados a
participar de uma conversa para dar opiniões sobre educação. Isso não
ocorreu com os informantes da NURC da década de 70 e regravados na
década de 90, pois já sabiam, desde que foram gravados pela primeira vez,
que estavam contribuindo para um estudo de natureza lingüística; no
recontato, sabiam que o trabalho atual tinha o mesmo objetivo do anterior,
cujo tema seria mantido. Assim, os inquéritos do PEPP não tiveram como
tema os mesmos de alguns do NURC, quando envolveram informantes já
gravados na sincronia passada.42. Nos inquéritos do NURC com
informantes de 25 a 35 anos, totalmente “novos” no projeto, o tema foi o
mesmo desenvolvido nos inquéritos do PEPP.
Para garantir que a conversa seguisse o rumo previsto e se conseguisse
atingir os objetivos propostos, foi elaborado um guia-questionário a ser
42
Para o presente trabalho, não se constitui problema, como se verá adiante, a ocorrência de inquéritos do
NURC com tema diferente dos realizados no PEPP.
123
aplicado. Como as pessoas inquiridas tinham idade e escolaridade
diferentes, foram feitas adaptações ao guia-questionário, tentando atender a
essas diferenças. Para os mais jovens, por exemplo, não se procurou
inquirir sobre educação dos filhos, sobre a vida de antigamente. Além
disso, não se procurou entrevistar os pouco escolarizados sobre muitas de
suas vivências na prática escolar, senão quanto às suas vontades,
impedimentos e os poucos contatos com a escola. Não houve, também, um
compromisso de ser exaustivo no cumprimento dos questionamentos do
guia, que funcionou realmente apenas como um auxílio.
Equipamento utilizado
Como as entrevistas tiveram uma duração de trinta a quarenta
minutos, seu registro original foi feito em fitas cassettes BASF Ferro Extra,
de 90 minutos de duração, visando a evitar que se obtivessem originais com
interrupções. Para as gravações, foram utilizados gravadores Lenox Sound
AM/FM Stereo Cassette Recorder, Modelo CT-731, mas as cópias foram
feitas em rádio gravador CCE, com fitas de marcas diversas, de sessenta
minutos.
Transcrição grafemática dos inquéritos
Considerou-se que a coleta de dados deveria se iniciar a partir dos
textos transcritos dos inquéritos, como um momento de preparação da
observação. Esse trabalho, contudo não dispensou a audição posterior dos
mesmos.
Para as transcrições dos inquéritos, tomaram-se como orientação as
normas definidas para os inquéritos do NURC/70, de Salvador, divulgadas
em Mota e Rollemberg (1994: 16-24). Todos os pesquisadores do programa
124
se envolveram nesse processo, transcrevendo os textos, e, como foram
admitidos auxiliares para o trabalho, todas as transcrições passaram por
revisão do grupo responsável. Os inquéritos do Projeto NURC da década
de 70 utilizados nessa amostra já tinham sido transcritos antes do início
dessa pesquisa.
Seleção dos informantes
Adotou-se para a seleção de informantes do PEPP os mesmos critérios
do projeto NURC, a fim de tornar as amostras o mais intercomparáveis
possível. Assim, a primeira exigência foi que eles fossem naturais de
Salvador e, além disso, que tivessem permanecido nesta cidade a maior
parte de suas vidas. Para excluir a interferência de outros dialetos, seus pais
também deveriam ser de Salvador ou que era exigência que tivessem vindo
para esta cidade ainda muito pequenos.
Além das informações referentes a dados de identificação, como
idade, sexo e escolaridade, outras informações foram catalogadas em ficha
para que, posteriormente, se pudesse estabelecer alguma relação entre esses
dados e a fala do informante. Assim, a ficha cadastral registrou do
entrevistado a sua residência, profissão, tipo de diversão, nível de
escolaridade dos amigos mais próximos, viagens, contatos com línguas
estrangeiras, idade de filhos, casamentos anteriores etc.
2. 2. 3 Dados sociais dos informantes da amostra atual
Local de residência
Da amostra PEPP, os informantes com pouca escolarização se situam
mais em regiões periféricas: Tancredo Neves (5 pessoas), Mata Escura,
125
Pernambués (3 pessoas), São Caetano, Itapajipe, Sussuarana (3 pessoas),
Periperi e Simões Filho (cidade vizinha) (2 pessoas). Esses locais se situam
em pontos distantes, tiveram crescimento demográfico bastante rápido nos
últimos anos, muitos surgiram há poucos anos e são habitados
principalmente por uma população de baixa renda. Apenas um informante
mora na Barra, um no Tororó, outro na Vasco da Gama, bairros próximos
ao centro da cidade.
Parte dos que têm segundo grau residem também em bairros mais
distantes do centro, a exemplo de Saboeiro, Plataforma, Paripe,
Mussurunga, Massaranduba e Cabula VI. Mas muitos deles moram em
bairros em que residem também pessoas de classe média; são bairros mais
próximos do centro e, portanto, considerados bons lugares para morar.
Entre eles, o Lanat, Baixa de Quintas, IAPI, e outros que, apesar de
distantes, concentram muitas pessoas de classe média e, também, classe
alta: Caminho das Árvores, Monte Serrat, Boca do Rio, Itapagipe.
A maior parte dos informantes de nível universitário reside na parte
mais valorizada da cidade. São bairros dos mais centrais e tradicionais, a
exemplo de Graça, Barra, Barra Avenida; outros moram em bairros mais
novos, onde se concentra a classe média alta, como Jardim Apipema;
alguns residem em bairros distantes, mas valorizados da cidade, como
Amaralina, Itaigara, Monte Serrat; e outros, moram em bairros como
Brotas e Matatu, tradicionalmente preferidos
pela classe média, pela
tranqüilidade e relativa proximidade do centro.
A amostra, pelo que aqui se apresenta, contempla diversos bairros da
cidade, o que pode resultar numa visão panorâmica do verdadeiro falar de
Salvador.
126
Ocupação
Os informantes têm ocupações diversas. Entre os homens do primeiro
nível de escolarização, 1 a 5 anos de contato com a escola, há dois alfaiates,
um vendedor-representante (ex-gerente de empresa comercial), um
contínuo, um encanador, um inspetor de alunos (de escola de curso médio),
um lavador de carros, um porteiro, um responsável por serviços gerais e um
vendedor de cafezinho. As mulheres com a mesma escolaridade têm as
seguintes ocupações: duas desempregadas, uma ajudante de cozinha, quatro
faxineiras de residências e uma de prédios, uma servente de escola, uma
mãe de santo (dona de terreiro de candomblé) e uma escrevente de cartório
aposentada. A maior parte dessas ocupações não são atividades fixas,
somente sete dos informantes (quatro homens e três mulheres) têm salário
fixo, são empregados ou aposentados.
Com segundo grau completo (escolaridade média) há, entre os
homens, as profissões: instrutor de informática, jogador de futebol, inspetor
de alunos (que atua como auxiliar de disciplina), ex-controlador de vôo
aposentado, motorista, funcionário de escritório de supermercado, porteiro,
estudante e contador autônomo (que faz serviços esporádicos). Entre as
mulheres, há as ocupações: auxiliar de enfermagem, estudante, técnico em
fotografia e locução free-lance, professora primária aposentada, estagiária,
dona-de-casa, ou membro de grupo de 3a idade.
Com nível superior, há, entre os homens, dois professores de
Eletrônica (curso médio), um arquiteto que atua como assistente
administrativo, um engenheiro agrônomo, dois juízes que também são
professores universitários, um veterinário, dois professores universitários;
entre as mulheres há duas professoras de dança, uma delas aposentada, uma
127
professora de história, uma orientadora educacional, uma enfermeira, uma
ceramista, que também é professora, uma orientadora educacional, e duas
professoras universitárias.
Conforme se prevê, parece existir entre os que têm de 1 a 4 anos de
estudo maior dificuldade de conseguir emprego estável. A solução é o
trabalho sem vínculo, que se pode chamar de informal: atividades
realizadas como serviços prestados, a exemplo de faxineiro, alfaiate e
encanador. Com segundo grau, há duas pessoas também sem vínculo, que
fazem prestação de serviços. Com terceiro grau, na amostra estudada, todos
estão trabalhando, desempenhando suas funções em empregos fixos,
mesmo fora da atividade para a qual estudou ou se especializou, a exemplo
do arquiteto (a se graduar dali a alguns meses), que atua como assistente
administrativo de empresa pública43.
Outro aspecto a se observar é que os informantes do sexo masculino
se mostram mais propensos a terem relação mais efetiva com empregos que
o sexo feminino. Com segundo grau, somente três mulheres aparentam ter
estabilidade em emprego: duas são professoras aposentadas e uma é
auxiliar de enfermagem. Enquanto isso, entre os homens com a mesma
escolaridade, há três aposentados, sete com empregos fixos variados, um
jogador e um contador autônomo. Com escolarização menor, os homens e
as mulheres da amostra vivem igualmente, na maioria dos casos, de
serviços esporádicos. Todos os informantes de nível universitário da
amostra têm vínculo empregatício, inclusive com mais de um emprego,
como é o caso se engenheiros e advogados, que também são professores
universitários ao mesmo tempo; além desses, alguns que são professores
43
No caso específico, é preciso esclarecer que esse informante, na ocasião da entrevista, era concluinte do
curso de Arquitetura, único caso dentre todos do NURC cujo curso superior ainda não tinha sido
concluído, o que iria ocorrer depois de poucos meses.
128
atuam no ensino médio e no ensino superior ao mesmo tempo, tendo,
assim, dois empregos.
2. 2. 4 - Descrição das variáveis independentes
A análise dos dados envolve:
1) a definição do fenômeno em estudo (a variável dependente),
nesse caso a concordância no sintagma nominal;
2) a definição das variáveis independentes - grupos de fatores,
que são consideradas como possivelmente relacionadas ao
fenômeno em estudo - e dos fatores de cada uma delas;
3) a codificação – etapa preparatória para utilização do suporte
computacional ;
4) a quantificação e
5) a interpretação dos dados.
As variáveis independentes utilizadas por Scherre (1988), pioneira nos
estudos da variação da concordância nominal no Brasil, nas quais Carvalho
(1997), estudando a fala de João Pessoa, e Fernandes (1996), a fala da
Região Sul, se basearam, foram também tomadas aqui como ponto de
partida para a definição dos grupos de fatores trabalhados. Apesar de
objetivar a intercomparação dos dados, as variáveis do presente trabalho
não foram exatamente as mesmas, devido ao tempo para realização dessa
pesquisa, às condições em que ela se realizou e a outros interesses do
trabalho.
Na presente investigação, define-se, pois, como variável dependente a
presença ou ausência de marca de plural nos elementos do sintagma
129
nominal. Chama-se variável dependente o fenômeno que está sendo
estudado. Considera-se dependente por se ter como pressuposto que a
presença de marca não é aleatória, mas condicionada por (ou dependente
de) outras variáveis, as independentes.
A análise que se faz neste trabalho restringe-se a observar a presença
de marca de concordância em cada elemento do sintagma. A pesquisa, pois,
é apenas “atomìstica”, nas palavras de Scherre (1988), ou “mórfica”, na
classificação de Lucchesi (2000c). A análise “não atomìstica”44, ou seja, do
tipo que observa o todo do sintagma, que foi estudada por Scherre (1988),
no Rio de Janeiro, será alvo de observação em fases posteriores do estudo
do fenômeno da concordância.
Tomou-se como hipótese inicial que a presença de marca pode estar
relacionada a quinze variáveis independentes, apresentadas a seguir.
2. 2. 4. 1 Formação de plural
A variável processos de formação de plural contém inicialmente sete
fatores, que se referem à quantidade de substância fônica na distinção entre
as formas de singular e plural:
Quadro 3:
Processos de formação de plural: fatores
Plural regular
Casa / casas
Singular em –s
País / países
44
Nesse tipo de análise, observa-se a realização da concordância em todos os elementos do sintagma, em
bloco. Considera-se haver a concordância quando em todos os elementos do sintagma, em que se prevê a
concordância, ela se realiza; a ausência de marca de plural em algum dos elementos leva à consideração
de ausência de concordância.
130
Singular em –r
Par / pares
Singular em –l
Possível / possíveis
Singular –ão com plural regular
Mão / mãos
Singular em –ão com plural não Pão / pães
regular
Plural metafônico ou duplo
Ovo / ovos
Os fatores representam um crescente de complexidade que vai do
plural regular, com um acréscimo do –s, até o plural metafônico ou duplo,
com duas marcas. Entre esses extremos, há os singulares –/s/, –/r/, –/l/, -ão
regular e –ão não regular. A expectativa que se tem é que elementos que
fazem o plural com menos substância, com oposição singular / plural
menos saliente, sejam menos marcados (ou devido a ausência de percepção
desses elementos na fase de aquisição de língua ou devido ao fato de a
variação se iniciar por essas formas menos salientes, conforme será visto na
análise dessa variável no próximo capítulo); da mesma forma, espera-se
que a probabilidade de marca cresça proporcionalmente ao aumento da
substância fônica da oposição singular / plural.
Os resultados de Scherre (1988), no Rio de Janeiro, tomando por base
o corpus da fala dos adultos, indicam que são mais marcados os plurais
duplos (maravilhoso / maravilhosos) e menos marcados os regulares
(pequenininha / pequenininhas) e os outros, em escala decrescente de
probabilidade de marca, são: em –/r/, em –/l/, em –/s/ e em –ão.
131
2. 2. 4. 2 Na variável tonicidade, são considerados quatro fatores,
referentes à forma de singular, mostrados no quadro a seguir.
Quadro 4:
Tonicidade: fatores
1) Monossílabos átonos
2) Oxítonos e monossílabos tônicos
AS amigas dela
quatro
IRMÃOS;
primos
MEUS, assim
3) Paroxítonos
4) Proparoxítonos.
MUITOS problemas em relação
as coisas BÁSICAS.
Ao trabalhar essa variável, pressupõe-se que os vocábulos oxítonos e
monossílabos tônicos tenham mais propensão a ter marcas, tendo em vista
que nessas formas a oposição singular/plural recai sobre a sílaba tônica,
sendo, pois, uma oposição mais saliente. Os paroxítonos, nessa lógica,
devem ser mais marcados que os proparoxítonos, pois nestes a oposição se
situa ainda mais distante da sílaba tônica. Dessa forma, espera-se que
palavras como correntões nos sintagmas como “daqueles CORRENTÕES”
(M3U0445) sejam mais marcadas que ano em “uns ANOS” (M2U03) e
ainda mais que doméstico em “os afazeres DOMÉSTICO” (M2U03).
Os resultados de Scherre indicam que, na fala dos adultos, são mais
marcados os oxítonos e monossílabos tônicos (país/países, pé/pés); em
seguida, reduzindo a probabilidade, os proparoxítonos (fábrica / fábricas);
45
De cada sintagma apresentado do corpus, serão informados o gênero do informante (Homem – H – ou
Mulher –M), faixa etária (1, 2, 3, ou 4), a escolaridade (primária –F -, segundo grau, colegial ou
escolaridade Média – C - , universitário –U) e o número do informante.
132
e, por último, os paroxítonos (coisa/coisas) e monossílabos átonos, (o/os),
esses dois últimos trabalhados conjuntamente por ela.
2. 2. 4. 3 Posição linear
A variável posição diz respeito à posição linear do elemento no sintagma.
Na presente análise, esta variável tem cinco fatores, de acordo com a
posição do elemento em observação.
Quadro 5:
Posição linear no sintagma: fatores
Primeira Posição
MUITAS dificuldades
Segunda Posição
Esssas COISAS
Terceira Posição
Uns nove ANOS
Quarta Posição
todos os primos JUNTOS, eh, nesse
fim
Quinta Posição
os meus dois outros PRIMOS, mas eu
nunca
Num SN como “esses argumentos todos” (M2U03), o elemento
“esses” está na primeira posição, e os outros estão, respectivamente, na
segunda e na terceira posição. Em ocorrências com modificadores ou outras
palavras entre os elementos, são consideradas as posições lineares,
contando-se todos os elementos inseridos no SN. Em “as profissões mais
133
almejadas” (M2U03), por exemplo, o elemento “almejadas” ocupa a quarta
e não a terceira posição linear no sintagma.
Scherre (1988) constata que existe uma tendência a marcar mais a
primeira posição no sintagma, mas mostra que a posição em relação ao
núcleo (V. item 2. 3. 5, que fará a explanação dessa variável), não a posição
linear, exerce a maior influência na concordância no sintagma nominal.
Observando apenas a posição linear, é de se esperar que os elementos em
primeira posição tenham a marca, que deve ser dispensada nas demais
posições, já que a informação semanticamente relevante, segundo a teoria
funcionalista, deve ser retida na estrutura superficial. Nesse sentido,
qualquer classe deve ser marcada nessa posição. Na segunda posição, os
substantivos devem ser menos marcados que os adjetivos. Na observação
de Scherre, apesar de a primeira posição ser a mais marcada, as diversas
classes assumem, em cada posição, comportamentos diferentes.
2. 2. 4. 4 Categoria morfológica
Para trabalhar a categoria morfológica, foram definidos onze fatores,
baseando-se, na maior parte deles, nas categorias utilizadas pela gramática
normativa. Na categoria de artigo, foram agrupados os artigos definidos e
os indefinidos; foram também listados dessa forma “um” e “uns” em que
não se conseguiu definir se se tratavam de pronomes indefinidos ou artigos
indefinidos.
134
Quadro 6:
Categoria morfológica: fatores
CLASSES
EXEMPLOS DE SINTAGMAS
Artigo
NOS seus cursos preparatórios
Adjetivo 1
As roupas COLORIDAS
Adjetivo 2
Das PROPRIAS coisas
Numeral
Os PRIMEIROS dia
Possessivo
SUAS médias
Demonstrativo
ESSAS coisas
Indefinido
ALGUMAS palavras
Quantificador
TODAS as vezes
Substantivo
As CRIANÇAS
Categoria Substantivada
Os OUTROS
Pronome pessoal de terceira pessoa
Todos ELES
Foram considerados como Adjetivo 1 todos os tradicionalmente
considerados adjetivos; como Adjetivo 2 foram listadas palavras como
mesmo, próprio, outro, determinado (classificados tradicionalmente de
formas diferentes, ora como indefinidos, ora adjetivos), em sintagmas em
que essas formas acompanham o substantivo.
135
Entre os numerais foram considerados ordinais, multiplicativos e
fracionários, em sintagmas plurais. Nos sintagmas com cardinais, estes,
apesar de serem de interesse da análise para se avaliar o efeito da presença
da concordância, não foram observados diretamente, pela razão de não se
prever para eles variação de número.
Foram classificados como demonstrativos, possessivos e indefinidos
os elementos normalmente considerados dessa forma pela tradição
gramatical. Não se consideraram outras formas de indicar a informação de
posse, além dos possessivos, a exemplo de utilizar expressões como
“deles” ou “delas”. Como quantificador, o que a tradição considera como
indefinidos,
foram
classificadas
as
formas
todos,
o
feminino
correspondente, e variantes, inclusive a forma neutra tudo acompanhando o
núcleo do sintagma.
Como categoria substantivada, foram rotulados os elementos que,
não sendo substantivos nem pronomes, ocuparam a posição de núcleo do
sintagma, na ausência do substantivo.
2. 2. 4. 5 Posição relativa ao núcleo
A variável posição em relação ao núcleo estuda o efeito da posição dos
elementos não nucleares em relação ao elemento nuclear do sintagma: se
anterior ao núcleo (à esquerda), mas não imediatamente; se imediatamente
anterior ao núcleo; se posterior ao núcleo.
136
Quadro 7:
Posição relativa ao núcleo: fatores
Posição
Sintagmas
Anterior, mas não imediatamente
DAS próprias coisas
Imediatamente anterior ao núcleo
ESSAS cores clarinhas
Posição de núcleo
essas VIOLÊNCIA tudo
Posterior ao núcleo
Passeios MARAVILHOSOS
A observação da posição relativa ao núcleo segue a trajetória
percorrida por Scherre (1988). Em seu trabalho, a autora conclui que as
classes antepostas ao núcleo tendem a ser mais marcadas do que as
pospostas a ele. Seu estudo, porém, não distingue as classes imediatamente
anteriores ao núcleo das não imediatamente anteriores ao núcleo, mas
anteriores ao núcleo em primeira posição e anteriores ao núcleo em
segunda posição. A diferença entre as duas análises é que, em primeira
posição são incluídos tanto os itens em adjacência com o núcleo (ex.: OS
meninos), quanto os não adjacentes (ex.: OS melhores alunos). A hipótese
inicial aqui desenvolvida é a de que, além da posição à esquerda da núcleo,
a adjacência ao núcleo seja um dado favorecedor da marcação.
Scherre (1988) estudou essa variável conjuntamente com a variável
posição e com a variável categoria morfológica. Embora nesse trabalho se
inicie observando separadamente essas variáveis, posteriormente adota-se o
mesmo procedimento de Scherre (1988), como será detalhado no capítulo
seguinte.
137
2. 2. 4. 6 Grau dos substantivos e adjetivos.
A variável grau é observada nessa pesquisa, considerando-se,
inicialmente, seis fatores, a seguir apresentados:
Quadro 8:
Grau dos substantivos e adjetivos: fatores
Substantivo grau normal
os VIZINHO, pronto, começa
Adjetivo 1 grau normal
os pés DESCALÇO, e, e, criança
Substantivo grau aumentativo
daqueles FARDÃO assim
Adjetivo 1 grau aumentativo
nos berço GRANDÃO, a gente
Substantivo grau diminutivo
uns GRUPINHOS né, que estão
estudando
Adjetivo grau diminutivo
meninas tudo PEQUENININHA
assim que tem onze
Tendo conhecimento dos resultados a que Scherre (1988) chegou, nos
seus dados, considerando que os graus aumentativo e diminutivo
desfavoreciam a concordância, a hipótese inicial é de que isso também seja
encontrado nos dados de Salvador.
138
2. 2. 4. 7 marcas precedentes
A variável marcas precedentes analisa a relação entre a presença ou
ausência de marca de plural em cada elemento do sintagma e a presença ou
ausência de marca em elementos anteriores a ele, dentro do sintagma. A
idéia é observar se a presença de marcas anteriores inibe ou favorece a
ocorrência de outros elementos marcados. Segundo a teoria funcionalista,
há uma tendência na língua de reter a informação que for relevante e não
reter o que for dispensável. Dessa forma espera-se que a informação
redundante deva ser um traço favorecedor do apagamento da marca ou
inibidor da regra de concordância.
Os fatores dessa variável, como o quadro 9 apresenta, são muitos, em
número de oito, que podem ser agrupados em quatro tipos. Os elementos
podem ser: 1) com antecedente (s) com marca formal ou semântica, 2) com
antecedente (s) sem marca nem numeral, 3) com antecedentes com e sem
marca ao mesmo tempo. No primeiro, se não há antecedente, não se
observa esta variável, é o que foi tratado como o “não se aplica”, que mais
adiante será explicado, quando se fará a explicação da utilização do
programa Varbrul.
No segundo tipo, com antecedente (s) com marca formal ou numeral,
há cinco fatores, variando o elemento em primeira: ou (1) uma marca
formal (-s), ou (2) numeral terminado em s, ou (3) numeral não terminado
em s , ou (4) mais de um elemento anterior marcado formal ou elemento
marcado e numeral, ou (5) com marca (s) e mais modificador.
No terceiro tipo, com antecedente sem marca, há um fator, quando o
elemento está na segunda posição e não há elemento marcado na primeira
posição.
139
No quarto tipo, os fatores prevêem elementos com marca e sem ela ao
mesmo tempo. Estão envolvidos elementos em terceira, quarta ou quinta
posição, sendo dois fatores: (1) quando há presença e ausência de marca,
sem modificador e (2) quando isso ocorre e ainda há algum modificador.
Quadro 9:
Marcas precedentes: fatores
Contextos Precedentes no sintagma
Exemplos
Sem antecedente
Não se aplica
Uma marca formal
Uns ROMBO
Numeral terminado em –s
Dois ANO
Numeral não terminado em –s
Cinco VEZES
Mais de um elemento anterior marcado
Nessas longas FÉRIAS
e/ou numeral sem modificador
Elemento anterior marcado seguido de
Uns três METRO
numeral
Numeral seguido de elemento marcado
Mais
de
um
elemento
marcado
duas linhas IMAGINARIAS
e As profissões mais ALMEJADAS
modificador
Elemento não marcado na 1a posição
Mistura de marca sem modificador
Mistura de marca e modificador
Meu FILHOS
Os outro MENOR
Aquelas sapatona assim NUA
140
Scherre (1988) observa que ausência de marcas no primeiro elemento
leva a marca categórica no segundo, parecendo confirmar a teoria
funcionalista46.
Esses
casos,
contudo,
são
atestados
por
ela
predominantemente em estruturas do tipo “do meus pais”, que são vistos
como casos específicos, pois a presença de marca no possessivo independe
da marca no artigo ou demonstrativo que o antecede. Outro aspecto visto
por Scherre é que duas ou mais marcas precedentes é fator favorecedor e
não o contrário, entrando em desacordo com o previsto pela hipótese
funcionalista. Isso fez com que ela concluísse que, no universo trabalhado,
marcas levam a marcas e zeros a zeros.
2. 2. 4. 8 Contexto fonológico subseqüente
Espera-se que em ambiente posterior vocálico a a forma explícita de
plural ocorra mais freqüência do que com consoante, por propiciar a
formação de uma nova sílaba, com padrão CV.
Os fatores considerados neste trabalho, referentes a essa variável,
são apresentados a seguir.
Quadro 10:
Contexto fonológico subseqüente: fatores
Vogal
NAS igrejas
Pausa interna
nas REUNIÕES, naturalmente
Pausa final
interesses FINANCEIROS?
141
Consoantes:
/b/
AS bandeirantes
/d/
MUITAS dificuldades
/f/
OS filhos
/g/
AQUELES grupos
/ž/
os PRIMEIROS jogos
/k/
ESSAS coisas
/l/
os SEUS lavradores
/m/
PASSEIOS maravilhosos
/n/
UNS nove anos
/p/
OS primeiros dias
/r/
AS roupas coloridas
/s/
NOS seus cursos preparatórios
/t/
ROUPAS todas brancas
/v/
OS velhos
/š/
ROUPAS chiques47
Nos estudos do Rio de Janeiro empreendidos por Scherre (1988),
chegou-se à conclusão de que a pausa é o que mais favorece a
46
Scherre considera, depois, isso como um falso efeito funcionalista (Scherre, 1988)
142
concordância, só em segundo lugar o contexto subseqüente vocálico e, por
último, o menos favorecedor, o contexto consonântico. Nesta pesquisa, fazse a distinção entre pausa interna e pausa final, postura inicialmente tomada
por Scherre (1988), mas depois modificada, passando a considerar apenas
um único fator de pausa, analisando conjuntamente pausa interna e final.
2. 2. 4. 9 A coexistência com o tudo
A forma “Tudo”, quantificador neutro, com esse valor, não foi
considerada neste trabalho, senão o “Tudo” no valor de “Todos” ou
“Todas”, como no exemplo
“aqueles bicho lá TUDO, um bocado de bicho”.
Dessa forma, esse “Tudo” é, nessa pesquisa, interpretado como o
quantificador sem marca, diante de estar presente em contexto previsto para
a forma plural:
“TODOS aqueles bichos lá, um bocado de bicho” ou
Aqueles bichos lá TODOS, um bocado de bicho.
O tudo usado no valor de todos, todas é um traço que, como será visto
mais adiante ao analisarem as variáveis lingüísticas, caracteriza um tipo de
linguagem resultante de transmissão com dados divergentes. Nessa
variável, dessa forma, observa-se se a coexistência com essa forma do
quantificador iniba a presença do morfema de plural em outros elementos
do sintagma nominal.
47
A codificação foi o mais detalhada possível para propiciar, nas diversas análises, condições de variados
agrupamentos entre as consoantes.
143
Quadro 11
A coexistência com o tudo: fatores
Em coexistência com o tudo
AQUELES bicho lá Tudo, um bocado de
bicho
Não coexistente com o tudo
UNS padre, tinha uns padres
Essa variável não foi observada por Scherre (1988), Carvalho (1997)
nem Fernandes (1996). A inclusão da observação desse grupo de fatores
constitui-se, pois, uma novidade no estudo da concordância dentro do
sintagma nominal.
A composição da amostra de informantes desta pesquisa dá condições
de estudo das variáveis sociais abaixo.
2. 2. 4. 10 Escolaridade: São três os níneis de escolaridade observados,
nessa pesquisa, conforme apresentados no quadro a seguir.
Quadro 12:
Escolaridade: fatores
Fundamental
entre 1 e 4 anos de escolarização;
Média, ou segundo grau 1
1 anos de escolarização;
Superior completo
15 ou mais anos de escolarização.
144
2. 2. 4. 11 Gênero. Os informantes estão distribuídos nos dois gêneros.
Quadro 13:
Gênero: fatores
Masculino;
Feminino.
2. 2. 4. 12 Faixa etária:
Quadro 14:
Faixa etária: Fatores
entre 15 a 24 anos;
entre 25 e 35 anos;
entre 45 e 55 anos;
de 65 anos em diante.
2. 2. 4. 13 Tempo
A variável tempo consiste no confronto entre as sincronias década de
70, a partir de Lopes (2000a) e década de 90. O estudo dessa variável
restringe-se a uma parte da amostra, pois ocorrerá através da comparação
entre os registros da fala dos informantes de nível superior dessa amostra, e
doze inquéritos do NURC/70, com gravações feitas na década de setenta.
Aplica-se aqui o “trend study”, tipo de estudo lingüìstico da variação em
145
tempo real, referido por Labov (1994), em que se faz a observação de um
mesmo fenômeno numa comunidade em sincronias diferentes, envolvendo
falantes distintos, mas conversando as mesmas características sociais.
Quadro 15:
Tempo: Fatores
Década de 70
Década de 90
2. 2. 4. 14 Variável etnia
O estudo dessa variável é feito através da observação dos sobrenomes.
Os informantes são classificados em um dos grupos abaixo:
Quadro 16:
Tipos de sobrenome: fatores
1)
Sobrenome religioso;
2)
Sobrenome não religioso.
Essa idéia de relacionar a análise dos dados à origem racial dos
informantes parte da pressuposição de que, caso tenha havido processos de
aquisição diferente do português por parte dos filhos dos africanos aqui no
146
Brasil, as pessoas, hoje, que têm como ancestrais essa população devem, de
alguma forma, fazer uso de uma linguagem que contenha traços, em maior
proporção que outros que não o são, que remontem aquela aquisição.
Dada a mistura que caracterizou a formação do povo brasileiro e as
múltiplas origens raciais dos baianos, tem-se uma grande dificuldade de
identificar a ancestralidade dos informantes, pois o fenótipo48 não é
suficiente para o reconhecimento de descendentes dos negros nem é um
traço revelador de ancestralidade, podendo a aparência branca ocultar a
existência de ancestral negro ou índio.
Dessa forma, entrando em contato com o grupo de genética da
Universidade Federal da Bahia e após o conhecimento do critério usado
em muitas pesquisas da área de saúde para relacionar a raça a algumas
patologias, a seguir detalhado, optou-se por dele fazer uso.
O estudo da origem racial a partir dos sobrenomes
A informação sobre a origem racial das pessoas é um dado necessário
a várias áreas da pesquisa científica. Não só lingüistas interessam-se em
saber que origem étnica tem a população que eles estudam. Profissionais da
área de saúde, por exemplo, procuram estudar a relação existente entre a
freqüência de determinadas patologias e a origem étnica das pessoas
estudadas. Foi assim que se iniciou o estudo do significado dos sobrenomes
no Laboratório de Genética Médica, da Universidade Federal da Bahia,
liderado por Dra. Eliane Azevedo (Azevedo: no prelo).
48
Fenótipo é uma palavra de uso freqüente pelos geneticistas e se refere à parte aparente da composição
genética dos organismos. Assim, em se tratando de aparência racial, o fenótipo é a aparência física da
pessoa.
147
A história do trabalho, em Salvador
Após a implantação do referido laboratório, nos anos setenta, o grupo
responsável passou a fazer um estudo de variações genéticas de enzimas e
proteínas, com anotações de nomes e sobrenomes dos envolvidos, o que fez
iniciar um banco de dados que chegou a 6002 nomes de pessoas. Esse
material foi o ponto de partida para o trabalho que interessa para a presente
pesquisa.
Uma das observações iniciais era a alta freqüência, em Salvador, de
alguns sobrenomes, como Jesus e Conceição, raros em outras populações
portuguesas. Uma hipótese levantada era de que esses e outros sobrenomes
religiosos49 poderiam ter sido adquiridos por descendentes de índios ou de
negros.
Para testar essa hipótese, o grupo procurou analisar a relação entre os
sobrenomes e a informação da classificação étnico-racial de que dispunham
nas fichas (a classificação abrangia cinco possibilidades: branco, mulato
claro, mulato escuro e negro)50. Dessa forma, ao se buscar observar a
distribuição dos sobrenomes religiosos entre os grupos étnico-raciais,
chegou-se aos seguintes números:
Em homens:
Em mulheres:
branco = 12%
branca = 17%
mulato claro = 23%
mulata clara = 31%
mulato médio = 38%
mulata média = 38%
49
“Sobrenomes religiosos encontrados em homens e mulheres: Aflitos, Ajuda, Amor Divino, Amparo,
Anjos, Anunciação, Arcanjo, Assis, Assunção, Batista, Bispo, Boa Morte, Bonfim, Cardeal, Carmo,
Chagas, Conceição, Cruz, Encarnação, Espírito Santo, Evangelista, Hora, Jesus, Luz, Mercês, Natividade,
Nascimento, Paixão, Palma, Passos, Piedade, Prazeres, Purificação, Ramos, Reis, Ressurreição, Rosário,
Sacramento, Santana, Sant‟Anna, Santa Rita, Santiago, Santos, São Pedro, Socorro, Soledade, Trindade,
Virgem, Virgens, Xavier.” (Azevedo: no prelo).
50
A pesquisa não tem a classificação de índio pois não havia, entre as fichas, pessoa com essa aparência
(pelo menos registrado em ficha). (Azevedo: no prelo.)
148
mulato escuro = 46%
negro = 48%
mulata escura = 51%
negra = 55%
Nessa etapa da pesquisa, as mulheres foram analisadas separadamente
dos homens, diante de observação de que, muitas vezes, as mulheres negras
não conservaram os sobrenomes da família, só os homens. Às vezes os
sobrenomes nada tinham a ver nem com o sobrenome do pai nem da mãe.
Mas, dos sobrenomes surgidos nessa situação, Jesus era o preferido.
O grupo passou a estudar a razão da associação entre o aumento da
freqüência de sobrenomes religiosos e a ancestralidade negra, chegando a
alguns dados importantes. Não são encontrados sobrenomes de origem
africana entre os descendentes dos africanos, o que mostra que eles
adotaram sobrenomes de língua portuguesa. Ao observarem cartas de
alforria de ex-escravos, os pesquisadores constataram que a maioria deles
passava à condição de livres sem sobrenomes ou com sobrenomes em
língua portuguesa. Dentre esses últimos,
“Os resultados mostraram que adotar sobrenome
religioso diferente do nome do “senhor”, tanto no século
XVII (39,1%), quanto no século XIX (52,3%), foi a
forma mais freqüente de adoção de sobrenomes pelos
escravos. A adoção de sobrenome idêntico ao “senhor”,
quer religioso ou não, foi preferida por apenas 23,9% dos
alforriados no século XVIII e 21,5% no século XIX. Esse
fato contradiz um dito popular prevalente no Brasil de
que os escravos passaram a usar os sobrenomes dos seus
“senhores”. (Azevedo: no prelo)51
51
A autora adverte: “Todavia, é de fundamental importância relembrar que associações observadas a
nível populacional só têm valor científico para inferências quando se trata de grupo de pessoas e não de
149
O estudo mostrou, ainda, que, mesmo livres, muitos descendentes de
escravos continuaram sem sobrenomes; hoje, no entanto, todos os seus
descendentes já os têm. A tabela a seguir, retirada de Azevedo (1983:105),
apresenta dados interessantes sobre origens dos sobrenomes adotados por
ex-escravos, na Bahia, nos séculos XVIII e XIX:
Quadro 17:
Tipos de sobrenome adotado por escravos alforriados nos séculos XVIII e
XIX
Tipo de Sobrenome adotado e Identidade com o do Número
Freqüência
“Senhor”
Não religioso, igual ao “Senhor”
35
13,46%
Religioso, igual ao “Senhor”
21
8,08%
Não religioso, diferente do “Senhor”
68
26,15%
Religioso, diferente do “Senhor”
136
52,31%
Total
260
100%
A pesquisa defende que, assim como no passado se associava a
ausência de sobrenomes aos negros, hoje a associação se faz entre os
sobrenomes religiosos e os descendentes dessa população ex-escrava.
indivíduos isoladamente. Existem pessoas no Brasil, em Portugal e em outras comunidades portuguesas,
que têm sobrenome religioso e não têm ancestralidade negra. Até que surjam evidências em outras
comunidades afro-portuguesas, a associação entre ancestralidade negra e sobrenomes religiosos é inerente
à população brasileira”. (Azevedo, no prelo).
150
Segundo Azevedo (no prelo) e Azevedo (1983), a freqüência dos três
genes que determinam o grupo sangüíneo, ABO, isto é, o gene A, o gene B
e o gene O, varia de uma população para outra. O gene A é mais freqüente
em brancos (30% em brancos portugueses e 16% em negros africanos), e os
genes B (7% em portugueses e 15% em negros africanos) e O em negros
(63% em brancos portugueses e 69 em negros africanos). Para testar, mais
uma vez, a associação entre a ancestralidade negra e sobrenomes religiosos,
o grupo estudou 3602 amostras de sangue de doadores do sexo masculino.
O que se objetivava mostrar era que, no grupo de brancos com sobrenomes
religiosos, deveria haver mais ancestralidade negra que no grupo de
brancos sem sobrenomes religiosos, conseqüentemente estes deveriam ter
índice maior dos genes B e O, mais freqüente em negros52. Assim, chegouse aos resultados que, na Bahia,
“... doadores brancos com sobrenome de conotação religiosa
têm freqüência de grupo sangüíneo ABO indicativa de
maior mistura negróide que brancos com outros tipos de
sobrenome.” (Azevedo (1983:105).
Os resultados obtidos indicavam o que se previa: o grupo de sobrenomes
religiosos demonstrou ter índices maiores dos genes B e O do que o grupo
sem sobrenomes religiosos (Tavares-Neto & Azevedo, 1978).
52
Os pesquisadores afirmam que os índios têm, todos, o sangue com o gene do tipo O. Quando isso não
se confirma, afirma-se que houve mistura racial.
151
Sobrenomes religiosos e realidade social
Em outra fase da pesquisa, somente crianças brancas e mulatas claras
foram observadas em Aracaju e em Maceió, para relacionar
1) os sobrenomes,
2) o fenótipo, ou seja, a aparência racial, e
3) o tipo de escola que freqüenta.
O grupo partiu do pressuposto, segundo ele evidente, de que só
crianças de boas condições econômicas freqüentam escolas particulares e
pretendeu “desenvolver um ìndice capaz de traduzir em percentagem a
ancestralidade negra do grupo.” Os resultados encontrados foram os
seguintes:
Em Aracaju
Freqüência de sobrenomes religiosos
Índice fenotípico negróide
Em escolas municipais = 54,1%
44%
Em escolas estaduais = 43,3%
27,9%
Em escolas particulares = 28,6%
14,5%
152
Em Maceió
Freqüência de sobrenomes religiosos
Índice fenotípico negróide
Em escolas municipais = 22%
20,5%
Em escolas estaduais = 19,9%
23,1%
Em escolas particulares = 14,5%
7,2%
Azevedo conclui que a pesquisa apenas confirma a impressão que se
tem de que os descendentes de negros estão menos nas escolas particulares
que os que não o são e que as melhores oportunidades, mesmo entre
crianças claras, são dadas àquelas que não são descendentes dos negros.
“Em outras palavras, as crianças claras das escolas
municipais têm mais ancestrais negros que as crianças
claras das escolas particulares. (…) Considerando que as
escolas municipais (que geralmente são as piores) são mais
accessíveis aos menos favorecidos, demonstra-se aqui
também que as crianças claras descendentes de negros têm
oportunidades educacionais inferiores às das demais
crianças claras.” (Azevedo: no prelo).
A pesquisa feita mostra que os resultados de observação tomando
como base que os sobrenomes religiosos são indicadores de ancestralidade
negra têm coerência e credibilizam o critério como uma variável
estatisticamente confiável.
153
Os sobrenomes dos descendentes dos índios
Da mesma maneira que os descendentes dos negros, os descendentes
de índios não conservaram seus sobrenomes. Azevedo e sua equipe
elaboraram a hipótese de que essa população, na sociedade atual, adotou
preferencialmente sobrenomes portugueses com significado de animal ou
de plantas. Para testar essa hipótese, fez-se um estudo envolvendo a
população escolar em dezesseis localidades da Bahia, com metodologia
semelhante ao anteriormente realizado sem envolver o elemento com
aparência de índio, que agora se encontra presente nessas localidades.
Assim, o fenótipo “cara de ìndio” foi acrescentado. Observou-se que, com
crianças com aparência de índio, a freqüência de sobrenomes relacionados
a animal ou planta é maior que com crianças com aparência de branco, de
mulato ou de negro. Azevedo (no prelo) conclui que
“Com esses dados, é possìvel agora relacionar-se as três
raças, que deram origem aos nordestinos, com os três
tipos de sobrenomes: sobrenomes religiosos, ligados à
ancestralidade negra; sobrenomes animal/planta, ligados
à ancestralidade indígena e os outros sobrenomes,
ligados à ancestralidade branca.” (p.76).
Apesar de a pesquisa de sobrenomes, no grupo de Genética da
Universidade Federal da Bahia, dividir os sobrenomes em três grupos
(religiosos, animal/planta e outros), na presente pesquisa far-se-á a
oposição entre sobrenome religioso e sobrenome não religioso. Isso se deve
ao fato de que, na amostra trabalhada, principalmente no grupo que
compreende os níveis de escolaridade fundamental e média, o número de
informantes com sobrenome animal/planta mostrou-se reduzido, não sendo
muito representativo. É provável que esteja refletindo a pouca
154
representatividade do elemento índígena na formação da população da
capital baiana.
As sessenta e seis pessoas cuja fala foi observada tiveram seus
nomes completos analisados53. Essas informações foram codificados como
uma das variáveis, com o objetivo de verificar a que grupo étnico cada
informante pode estar relacionado. Esse material foi submetido à análise do
Varbrul e obtiveram-se os resultados a seguir apresentados.
Todos os informantes se enquadraram em um dos quatro grupos a
seguir, conforme explanado no capítulo 4:
1) Sobrenomes não religiosos:
a)
nomes sem referência especial (considerados como
indicadores de origem portuguesa);
b)
nomes com sobrenome animal/planta (considerados
como possuidores de ancestralidade indígena).
2) Sobrenomes religiosos: nomes com um ou dois sobrenomes
religiosos (considerados como mais relacionados à ancestralidade
negra que o grupo com um sobrenome);
A expectativa era que, caso houvesse alguma relação entre a
concordância na fala de Salvador e a origem étnica negra dos falantes, isso
deveria transparecer nas análises estatísticas feitas para estudar a
interferência das variáveis no fenômeno da concordância. Caso a
concordância no sintagma nominal se relacionasse a processos de aquisição
com dados divergentes ou insuficientes, alguma das variáveis deveria
revelar qualquer resquício, ou algum traço revelador, desse tipo de
aprendizagem. A tabela a seguir mostra a distribuição desses grupos entre
os níveis de escolaridade.
53
Trabalho que contou com a ajuda do Professor Doutor José Tavares Neto, professor da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal da Bahia, um dos pesquisadores que estudou os sobrenomes.
155
Tabela 01:
Distribuição dos Tipos de Sobrenomes entre os Níveis de Escolaridade
Tipos de Sobrenomes
Fundamental
Média
Superior
Total
12
12
11
35
12
4
27
0
3
4
Não religioso
Religioso
11
Sobrenome incompleto
1
Gráfico 57: Efeito da Classe e Posição linear e relativa sobre a
concordância em Salvador e no Rio de Janeiro
1
0,9
0,8
0,7
0,6
SSA
0,5
R. J.
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Esq
não
adj
Esq
adj
Dir2
Dir3
Dir4
Dir5
N1
N2
N3
N4
No nível Fundamental, a distribuição entre os sobrenomes está bem
coerente, é quase o mesmo número de informantes em cada um dos grupos,
possibilitando uma comparação adequada entre os grupos.
156
Gráfico 2: Distribuição dos sobrenomes no nível
Médio
Religioso
Não
religioso
No nível Médio, há o mesmo número nos dois grupos (12
informantes com sobrenome religioso e 12 com sobrenome não religioso).
Gráfico 3: Distribuição dos sobrenomes no nível
superior
Sobrenome
incompleto
Religioso
Não religioso
No nível superior, em contrapartida, há poucos informantes com
sobrenome religioso, apenas 4 de um grupo de 18 pessoas.
A partir da observação da tabela e dos gráficos, vê-se que a
distribuição reflete o pouco acesso dos negros e de seus descendentes
(sobrenome religioso) ao ensino de nível superior. Aos descendentes dessa
157
etnia, em Salvador, é permitido o acesso aos níveis Fundamental e, quando
muito, ao colegial, ou nível Médio. O curso Superior é quase inacessível.
2. 4 - Suporte computacional: o Varbrul
Todo trabalho que utiliza o suporte teórico-metodológico da
sociolíngüística variacionista trabalha com dados quantificados. Para fazer
essa quantificação, passa-se pela fase da codificação – etapa preparatória
para utilização do suporte computacional; pela quantificação propriamente
dita, feita normalmente com auxílio de programas computacionais; e pela
interpretação dos dados.
O suporte estatístico usado para essa pesquisa é o pacote de
programas Varbrul54, de uso específico para o estudo da variação
lingüística. Ele é composto de vários programas (Checktok, Readtok,
Makecell, Ivarb e Tvarb ou Varb2000) que têm funções distintas.
Para iniciar a utilização do Varbrul, faz-se a codificação dos dados e,
havendo erro de codificação, o CHECKTOK, primeiro programa constante
do pacote, faz a revisão do arquivo de dados e localiza erros. Depois os
dados são submetidos ao READTOK, que faz a preparação para eles serem
lidos pelo MAKECELL, que determina os percentuais de ocorrências do
fato em estudo e organiza os dados em células para que se faça a análise
pelo VARB2000 ou IVARB. Na saída de um desses programas, já se
apresentam os resultados da análise estatística, na forma de pesos relativos.
Outros programas também inseridos no pacote Varbrul dão outros suportes,
o TSORT, o TEXTSORT, o CROSSTAB, mas não são de uso obrigatório
na análise, apesar de serem auxiliares da mais alta importância.
54
As orientações básicas para utilização do pacote Varbrul foram obtidas através de: Pintzuk (1989) e
Scherre (1992).
158
A codificação dos dados, etapa necessária para utilização dos
programas, se realiza sobre a análise sucessiva dos dados, de acordo com
os fatores das variáveis independentes que foram estabelecidos, com base
nas hipóteses do trabalho.
Para se fazer a codificação dos dados, utiliza-se uma coluna para cada
variável e, no caso específico da concordância numa perspectiva
atomística, alvo dessa pesquisa, há necessidade de codificar cada sintagma
tantas vezes quantos forem os elementos em que se espera a marca de
plural no sintagma. Dessa forma, procura-se analisar o efeito de cada
variável em cada um desses elementos. No sintagma “nos cursos
preparatórios”, por exemplo, existem três elementos a serem codificados:
nos, cursos e preparatórios:
(SRM/KGI1M3U NOS cursos preparatórios
M3U04
(SRPPPN02M3U nos CURSOS preparatórios
M3U04
(SRPZFAU3M3U nos cursos PREPARATÓRIOS
M3U04
No sintagma, em caixa alta apresenta-se o elemento em análise, a que
a cadeia de sinais do código se refere e, em caixa baixa, as outras palavras
que compõem o sintagma. Pelo exemplo, tem-se a idéia dessa etapa. O
primeiro símbolo da cadeia da codificação refere-se às variantes da variável
dependente: presença (S) ou ausência (0) do morfema de plural. Na
primeira linha, pode-se ler que, no primeiro elemento (NOS), há marca de
plural (S). O plural regular de nos é codificado com (R). Sendo um
monossílabo de uso átono, há essa indicação com (M). Os contextos
anterior e posterior são indicados nas colunas seguintes com (/),
informando que no sintagma não há elemento precedente e (k), informando
que, no contexto fonológico posterior, há um fonema / k /. A forma em
159
observação está imediatamente anterior ao núcleo do sintagma (I), na
primeira posição linear (1), e o falante é uma mulher, (M), da faixa etária 3,
(3), universitária, (U), está inserido no nível 2 (2) do mercado ocupacional,
e é falante do corpus da década de noventa (Z).
Para a quantificação, os programas só lêem as informações constantes
da abertura do parêntese até o primeiro espaço em branco. As informações
restantes são importantes para que o pesquisador possa identificar o dado
dentre todos os outros e utilizá-lo para ilustração ou para outra finalidade.
Na linha dois, já há outras informações, expressas através de outros sinais,
dessa feita sobre CURSOS e, na linha três, sobre o elemento
PREPARATÓRIOS, componentes do mesmo sintagma.
160
3. ANÁLISE DOS DADOS
Fazer análise de dados numa perspectiva sociolingüística é
normalmente entendido como buscar razões, no contexto social, para os
diversos usos lingüísticos. É seguindo essa idéia que este capítulo inicia o
estudo da concordância nominal fazendo o exame minucioso das variáveis
sociais Escolaridade, Gênero e Faixa etária. Juntamente a essas variáveis
sociais, também examina-se uma outra, a origem étnica, com o objetivo de
estabelecer uma possível relação entre a concordância de grupos étnicos
diferentes e a história de aquisição do português dos seus ancestrais. Faz-se
de início a análise do efeito de cada uma dessas variáveis tomadas
isoladamente e, posteriormente, busca-se o efeito cruzado entre elas. Após
a análise das variáveis sociais, são tratadas as variáveis lingüísticas.
3. 1 Variáveis sociais
A escola sempre deu enfoque à concordância. Os compêndios de
gramática dedicam muito espaço a regras e cuidados a serem tomados,
tanto com a concordância nominal quanto a verbal. Os livros didáticos
também refletem o interesse da escola em garantir a “boa concordância”,
quando se trata de cultivar a língua padrão. Esta pesquisa busca, pois,
observar o efeito do número de anos de exposição à escola no fenômeno
em observação.
Outro aspecto que é necessário controlar é a diferença entre os
gêneros. Esta é uma variável que tem muita importância quando se deseja
estabelecer uma relação entre a variação e a mudança lingüística. Há
mudanças que são encabeçadas por mulheres e há mudanças encabeçadas
161
por homens. O prestígio ou desprestígio das formas pode contribuir para
que elas estejam à frente, ou não, no uso das variantes mais novas (Labov,
1991: 211-215).
É possível estudar a mudança com dados de uma única sincronia
quando se controla o efeito da variável Faixa etária. Os falantes mais novos
comumente são mais inovadores e, através dos seus registros, e em
comparação com a realidade lingüística das pessoas mais velhas, pode-se
ter a indicação de possíveis tendências de mudança. Do mesmo jeito,
através da observação das faixas etárias mais avançadas, pode-se ter
conhecimento de variantes mais antigas, inexistentes na fala das pessoas da
faixa etária mais nova, indicando tendência ao desaparecimento na língua.
Diante disso, o estudo das faixas etárias é de grande importância para esta
pesquisa, pois contribui para entender o dinamismo da língua e para
analisar a possibilidade de mudança do fenômeno em observação.
O conhecimento da origem étnica de uma comunidade pode auxiliar
o entendimento da existência de fenômenos lingüísticos varíaveis. Assim,
nessa pesquisa procura-se relacionar essa variável à observação da
concordância no sintagma nominal, com o objetivo de analisar possíveis
diferenças lingüísticas, no que diz respeito ao fenômeno estudado, entre
pessoas de descendência africana e os não descendentes desse grupo étnico.
A caracterização étnica do informante é observada a partir dos sobrenomes,
considerando os de origem religiosa como mais relacionados a origem
africana; os de sobrenome não religioso como não relacionados a essa
origem. Esse aspecto da pesquisa, cuja metodologia utilizada é objeto de
explanação no capítulo 2, na seção 2. 2. 4. 14, constitui-se como a variável
origem étnica.
162
3. 1. 1 A variável escolaridade
A variação da concordância de número no sintagma nominal no
português é um fenômeno que tem sido alvo de estudos em vários trabalhos
de Braga & Scherre (1976), Scherre (1988),
Naro & Scherre (1994),
observando a fala do Rio de Janeiro, Fernandes (1996), observando a fala
da Região Sul, e Carvalho (1997), a de João Pessoa. Ao lado de outras
variáveis, essas pesquisas estabelecem uma relação entre a variação
documentada e a escolaridade.
Na presente pesquisa, o número de anos de estudo constitui um dos
grupos de fatores que realmente mais interfere na concordância no
sintagma nominal, sendo a primeira variável social selecionada. A tabela e
o gráfico a seguir apresentam os resultados encontrados a partir da
observação dos grupos de informantes de três níveis de escolaridade
diferentes: a) nível Fundamental ou primário, 1 a 5 anos de escolarização;
b) nível Médio, 11 anos de escolarização, ou segundo grau completo; c)
nível Superior, ou curso universitário completo. A análise estatística dos
dados forneceu os seguintes resultados apresentados na tabela 2.
Vê-se que existe nos dados, conforme outros estudos atestam, uma
relação proporcional entre o aumento de tempo de exposição à pressão
escolar e a maior probabilidade de se fazer a concordância no sintagma
nominal. O crescente que se constata na probabilidade de concordância
entre os elementos do sintagma à proporção que aumentam os anos de
escolarização é tão forte que pode levar à suposição de que o fenômeno da
concordância ocorre, não por fazer parte do vernáculo dos informantes,
mas apenas como resultado de um esforço institucional da escola,
refletindo uma exigência extra-lingüística da pressão social.
163
Tabela 2:
Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da
Escolaridade
Sign=.000
Fatores
Freqüência
P. R.
Fundamental – 1 a 5 anos
2832/4431
64%
.18
Média - 11 anos
3814/4657
82%
.46
Superior– mínimo de 15 anos
4605/4817
96%
.82
TOTAL
11251/13905 81%
Apesar de até mesmo o não escolarizado fazer alguma
concordância, atestada por Carvalho (1997), por Scherre (1978) e Naro
Gráfico 4: Efeito da Escolaridade na
Concordância
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Fundamental
Média
Superior
164
(1981:81), a sua realização é mínima, como se pode prever, ao observar a
freqüência dos pouco escolarizados da presente amostra. Sabe-se, contudo,
que o quadro brasileiro é bastante complexo.
É comum entre os lingüistas portugueses fazer-se referência à
concordância verbal e nominal como categórica em Portugal, mesmo entre
os pouco escolarizados e até entre os analfabetos. Apesar de Naro e Scherre
(2000) ter desfeito esse mito, o percentual mínimo de variação existente no
português europeu pode ser interpretado como indicando que, nesta
variedade da língua, a concordância não seja resultante de uma força
exterior, mas como fazendo parte do vernáculo de quase a totalidade das
populações das diversas regiões, independente do tempo de exposição à
aprendizagem escolar.
3. 1. 2 A variável gênero
O efeito da variável gênero sobre a presença de marcas de plural
pode ser observado, inicialmente, a partir da tabela e gráfico a seguir.
Tabela 3:
Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função do gênero Sign. =.006
Gênero
Freqüência
Peso Relativo
Masculino
5678/ 7101 80%
.47
Feminino
5573/6804 82%
.53
Total
11251/13905 81%
165
Na análise geral, essa variável foi selecionada e, como se vê, a
diferença entre os pesos relativos é pequena (da ordem de 0,6), mas existe
uma tendência levemente maior entre as mulheres de realizarem mais
formas com o morfema de plural, característico da concordância, do que os
homens.
Gráfico 5: Efeito do gênero na concordância
1
0,8
0,6
0,4
0,2
0
Masculino
Feminino
Mas, para entendimento mais aprofundado dessa variável, a tabela 4
faz uma amostragem da observação da relação do gênero com a
escolaridade.
Ao analisar os resultados apresentados, nota-se que o efeito da
variável Gênero depende da sua relação com a escolaridade, ou seja, a
diferença entre os grupos de gênero, no que diz respeito à concordância, vai
depender do grau de escolaridade das pessoas que os compõem.
166
Tabela 4:
Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função do gênero
e da escolaridade
Gênero
Fundamental
Freqüência
Masculino
1504/2306
P. R.
Média
Freqüência
Universitária
P. R.
Freqüência
P. R.
.20 1771/2281 78%
.38 2403/2514 96%
.81
.17 2043/2376 86%
.58 2202/2303 96%
.81
65%
Feminino
1328/2125
62%
TOTAIS
2832/4431 64%
3814/4657 82%
4605/4817 96%
Entre os informantes de escolaridade Fundamental, quase não há
diferença entre os pesos relativos dos dois grupos de gênero. No grupo de
nível universitário, os dois gêneros têm um fator igual de favorecimento (P.
R. .81). Entre os informantes de escolaridade Média, no entanto, nota-se
que as mulheres têm um peso relativo de concordância bem maior (.58) do
que os homens (.38).
167
Gráfico 6: Efeito das variáveis Escolaridade e
Gênero, associadas, na concordância
1
0,9
0,8
0,7
0,6
Masculino
Feminino
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Fundamental
Média
Superior
Pelo que se apresenta, se a relação entre gênero e concordância
varia a depender dos anos de escolarização, é necessário que se busquem,
no contexto em que vivem homens e mulheres, razões para isso. Será que a
diferença entre a realização lingüística entre os gêneros se relaciona às
diferenças entre as cobranças sociais feitas aos homens e mulheres? Então,
nesse caso, o gênero feminino sofre mais pressão social quando apenas tem
o nível de segundo grau, na busca de empregos, por exemplo, e essa
pressão se atenua no nível superior, daí a preocupação das mulheres
daquele nível com o seu padrão lingüístico? E as de nível Fundamental e
168
Superior sofrem relativamente a mesma pressão que os elementos do
gênero masculino, não demonstrando, por isso, grande diferença?
Quem tem apenas a escolaridade Média, em Salvador, apesar de
teoricamente já poder assumir cargos públicos de nível médio, e inserir-se
em vários campos do mercado, não tem facilidade de conseguir emprego. A
concorrência tem sido grande, na prática, pois essas pessoas não têm
grande especialização e lutam por poder contribuir com sua força de
trabalho, mas esbarram na dura competição; muitas vezes são pessoas de
nível superior que assumem, através de concurso público, cargos previstos
para profissionais de nível médio. Como ilustração, pode-se apresentar aqui
um fato concreto, vivido pela autora deste trabalho que, recentemente, foi
convidada para dar aulas a pessoas aprovadas em concurso público para o
preenchimento de vagas de “agente de polìcia técnica”, função conhecida
popularmente como “rapa” (fiscal de comércio ambulante), em Salvador,
mas acabou trabalhando com um grupo predominantemente de nível
superior, aprovado nas provas. Anteriormente esse cargo era destinado a
pessoas de nível primário e, nessa oportunidade, a prefeitura da cidade
achou por bem definir a exigência de escolaridade de segundo grau, mas
não foi esse o público que teve acesso ao preenchimento das vagas, pelo
menos dessa vez.
O exemplo apresentado tem como objetivo unicamente salientar a
dificuldade que têm as pessoas de nível médio de participarem
da
competição com os oriundos dos bancos das universidades, diante da falta
de emprego em todos os níveis. O esforço na utilização da linguagem
considerada padrão pode ser um reflexo da constante luta em que essas
pessoas vivem. No material ora analisado, são as mulheres do segundo grau
que demonstram ter um uso, no que diz respeito à concordância, que
169
suplanta, quanto à proximidade do padrão, a probabilidade de aplicação da
regra pelos homens.
As mulheres têm um papel importante, segundo Labov (1991:21148), na implementação das mudanças. É o gênero feminino que encabeça as
mudanças “de cima para baixo”, ou seja, as mudanças que envolvem
fenômenos não estigmatizados. Quando a variante é estigmatizada
socialmente, são os homens que encabeçam. No tipo de variação em
estudo, a ausência de marca de concordância no sintagma nominal é traço
estigmatizado, principalmente em alguns tipos de sintagmas e em algumas
situações. Assim, o resultado apresentado não se parece coerente quando se
trata das escolaridades mínima e máxima, ou seja, nível primário e nível
superior. No nível intermediário, o segundo grau, as mulheres são mais
conservadoras, ela fazem mais a concordância de número no sintagma
nominal que os homens, conforme a previsão de Labov, mas nos outros
níveis, isso não ocorre.
Lucchesi (2000) constata que os homens estão à frente na fixação
da regra de concordância de gênero no dialeto descrioulizante de Helvécia
– Ba. A esse fato ele relaciona a exposição maior do homem aos diversos
contextos sociais, viagens, enquanto as mulheres daquela localidade se
mantêm mais dedicadas ao trabalho da educação dos filhos e às tarefas do
lar.
Na presente pesquisa, o comportamento das mulheres do nível
colegial parece refletir o esforço desse grupo, ao lado dos homens, de
encontrarem seu espaço. Se essa busca ocorre em todos os níveis, ela é
muito mais feroz no nível colegial, que é, como se salientou,
particularmente mais competitivo.
170
3. 1. 3 Tempo aparente - Estudo da variação entre as faixas
etárias.
A tabela a seguir apresenta o resultado da análise estatística
referente aos grupos etários estudados na pesquisa.
Tabela 5:
Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da Faixa
Etária Sign.=.000
Faixa etária
Freqüência
Peso Relativo
De 15 a 24 anos
1717/2280 75%
.49
De 25 a 35 anos
3193/3926 81%
.45
De 45 a 55 anos
3100/3896 80%
.46
> 65 anos
3241/3803 85%
.59
TOTAL
11251/13905 81%
Pelo que se pode notar, a faixa etária mais velha é a única
favorecedora do uso da concordância, pois é a que mais tende a marcar
mais os elementos do sintagma nominal com o morfema de plural; a
primeira faixa, os mais jovens, têm um peso relativo de concordância bem
menor que os mais velhos, uma diferença de .12. O quadro parece
caracterizar indício de mudança levando à perda de marcas explícitas.
171
Gráfico 7: Efeito da faixa etária sobre a
concordância
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
15 a 24
25 a 35
45 a 55
> 65
Ao lado da observação das faixas etárias, Naro (1981:86-7) estudou
a orientação cultural, distinguindo informantes como de “orientação
vicária” – os que
têm muitas experiências fora do seu meio, através
principalmente de novelas televisivas – e orientação experencial – os que
não assistem a essas novelas e vivem restritos ao seu próprio meio. O autor
considerou que a orientação tem um efeito muito maior que a idade e,
ainda, que os mais jovens são mais sensíveis a essa variável que os mais
velhos55.
Na presente pesquisa, para entender melhor essa variável, é
necessário fazer a observação separando-se os informantes por gênero e por
escolaridade.
55
“Note that the orientation variable has a much greater effect than the age variable. (...) The orientation
variable, on the hand, reflects a resurgence in the use of this same rule that comes from within the
speaker, depending upon his or her own cultural orientation. (...) I have the impression that the vicarious
orientation is much more prevalent among the young than among the old”. (Naro, 1981:87-8).
172
A tabela a seguir mostra que efeito têm os dois gêneros,
combinados com a faixa etária, sobre a presença de marca de plural nos
sintagmas.
Tabela 6:
Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da Faixa
etária e do gênero Sign.=.006
Homens
Mulheres
Faixa etária
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R.
De 15 a 24 anos
833/1149 72%
.48
884/1131 78%
.51
De 25 a 35 anos
1677/2106 80%
.45
1576/1820 83%
.41
De 45 a 55 anos
1338/1768 76%
.37
1763/2120 83%
.55
De 65 anos em diante
1830/2078 88%
.67
1411/1726 82%
.51
TOTAL
5678/7101 80%
5573/6804 82%
Os resultados da análise parecem indicar que as mulheres mais
jovens tendem a seguir o padrão estabelecido ligeiramente mais que os
homens. Isso talvez possa ser justificado com o período em que há a
relação mais forte com o ingresso no mercado trabalho, ou durante a sua
fase mais produtiva no mercado de trabalho (3a Faixa etária). Essa pressão
parece não mais atingi-las na última faixa etária. As mulheres mais velhas
tiveram possivelmente menos contato com o trabalho e com o mundo
exterior, na época da juventude, e possivelmente menos pressão
173
normatizante, o que talvez justifique a menor realização da concordância.
Com os homens, parece ocorrer outra coisa. Apenas os mais velhos
mostraram-se com mais probabilidade de concordância.
Gráfico 8: Efeito da Faixa etária e gênero sobre a
concordância
1
0,8
0,6
Homens
0,4
Mulheres
0,2
0
15 a 24
25 a 35
45 a 55
> 65
Nas faixas anteriores, existe desfavorecimento, e ele é grande na
faixa 3, quando já existe, talvez, menos preocupação com os estudos e com
o trabalho.
É necessário que se observe também o efeito da variável faixa etária
associada à escolaridade, sobre a concordância.
A seguir, a tabela apresenta o cruzamento entre as variáveis faixa
etária e escolaridade.
174
Tabela 7 :
Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da Faixa
etária e da escolaridade.
Faixa etária
Fundamental
Média
Superior
Sign.=.000
Sign.=.000
Sign.=.000
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R.
15 a 24
602/1037
.09
1115/1243
.59
______
___
anos
58%
90%
25 a 35
665/1022
.18 950/1253 76% .34
1578/1651
.75
anos
65%
45 a 55
738/1209
anos
61%
> 65 anos
827/1163
96%
.14
1026/1241
.54
83%
.35
723/920 79%
2832/4431 64%
.68
92%
.35
71%
TOTAIS
1336/1446
1691/1720
.94
98%
3814/4657 82%
4605/4817 96%
175
Gráfico 9: Efeito da faixa etária e da escolaridade sobre a
concordância
1
0,9
0,8
0,7
0,6
Universitária
0,5
Média
0,4
Fundamental
0,3
0,2
0,1
0
14 a 24
25 a 35
45 a 55
> 65
Nos grupos de escolaridade Fundamental e Superior, percebe-se
uma tendência de aumento do peso relativo das faixas etárias mais jovens,
em direção aos mais velhos. Entre esses, a diferença entre algumas faixas é
muito pequena, mas o quadro sugere mudança muito lenta, levando à perda
de concordância (os mais velhos com mais concordância e os mais novos
com menos). Apesar disso, no grupo de informantes de escolaridade média,
ocorre outro fato: a faixa mais nova tem tendência a mais marcação mas,
nas outras faixas, existe uma oscilação grande, demonstrando que a
proximidade da relação com a escola e, ainda, a exigência da norma padrão
pelo mercado de trabalho levam a primeira faixa a ter uma probabilidade
grande de marcar os elementos do sintagma. A faixa que seguem é, dessa
forma, desfavorecedora. Na terceira faixa, apesar de corresponder a um
período em que as pessoas já não têm grandes perspectivas em relação a
trabalho, nesse nível de escolaridade a aplicação da regra de concordância
176
tem um aumento de probabilidade, mas esse se reduz bastante na última
faixa, período correspondente à aposentadoria.
Comparando os dois primeiros grupos, os de escolaridade
Fundamental e de escolaridade Média, grupos em que estão inseridos os
falantes do português falado pela classe mais popular, nota-se que parece
haver convivência de forças contrárias, aquisição e perda da concordância.
No primeiro grupo, de escolaridade fundamental, constata-se uma perda,
pois os mais velhos demonstram fazer mais a concordância do que os mais
novos. No segundo grupo, os de escolaridade média, segundo grau, ocorre
o contrário, os mais novos fazem mais concordância que os mais velhos, o
que pode caracterizar um quadro de aquisição da regra. Naro & Scherre
(1991: 15) apresentam uma situação em que detectam convivência de
forças contrárias na variação da concordância verbal. Referindo-se à fala
carioca, dizem:
“Acreditamos que os resultados apresentados sugerem
fortemente que é fácil encontrar fluxos e contrafluxos
envolvendo a variação e a mudança na comunidade de
fala carioca. O que está mudando para algumas pessoas
pode estar estável para outras pessoas e o que está
aumentando para alguns pode estar diminuindo para
outros.” (Naro & Scherre, 1991: 15).
Esses dados mostram exatamente a mistura de influências em
diversas direções que compõem o quadro de cidade grande, com
movimentos “above” (“acima da consciência”), caracterizado pela busca do
que é valorizado, a busca pelas melhorias sociais, o distanciamento do que
se considera atrasado; e com o movimento inverso, a mudança “below”
177
(“abaixo da consciência”), a crescente influência da massa desprestigiada,
através do contato, da proximidade física, sobre o que se considera
prestígio (Labov, 1991:213-15). Pode-se considerar que a variável
escolaridade, nesse caso, funciona de forma relativamente semelhante ao
que Naro (1981: 86-8) observou com o estudo da variável orientação
cultural, na fala do Rio de Janeiro.
Ao se observar a freqüência e o peso relativo da concordância no
grupo de escolaridade superior, nota-se que o grupo dos mais velhos é o
que tem maior probabilidade de concordância. Essa última faixa é
compreendida por profissionais de nível superior que estudaram em uma
época em que só os de boa condição econômica poderiam fazê-lo e, ao
observar a influência dessa escolaridade, vê-se que essa situação envolve
um aspecto: esse é um grupo formado por pessoas em que a concordância,
diferentemente dos outros, parece estar no vernáculo.
Estão aí talvez
aqueles descendentes das antigas famílias mais abastadas da cidade, cujos
ancestrais provavelmente tiveram uma história de aquisição da língua
portuguesa através de dados lingüísticos primários mais próximos do
português europeu, bem diferente dos elementos que caracterizam a massa
popular. No geral, entre os universitários, a concordância decresce, diante
do contexto lingüístico atual, ao invés de aumentar, pois os mais novos
tendem a fazer bem menos concordância.
Esse quadro pode ser
interpretado como um indicador de mudança, tendendo a perda de marcas
explícitas de concordância nesses grupos.
O fato que se constata entre os grupos das três faixas etárias do
nível superior está relacionado diretamente a uma mudança no quadro
educacional brasileiro, ocorrida nos últimos 30 ou 40 anos. Com a grande
urbanização que ocorreu nesse período (Segundo Ribeiro (1995:198), no
Brasil, a população urbana, em 1940, era de 12,8 milhões de pessoas, e, em
178
1980, 80,5 milhões), aliada à Reforma do Ensino, com a Lei 5692, a
população teve maior acesso aos bancos escolares. O acesso à universidade
passou a ser possível às pessoas de classe média, apesar de toda a
dificuldade ainda existente. Antes disso, apenas pessoas de grande poder
aquisitivo conseguiam ter curso superior. Dessa forma, o público da
universidade mudou, passou a ter características bastante diferentes do
grupo restrito que freqüentou a universidade na primeira metade do século
ou um pouco mais.
É pelo fato relatado que, aqui, se diz que esse grupo dos mais
velhos (última faixa etária) com nível superior são pessoas com uma
história de vida diferente dos que não estão nessa faixa de idade.
Pelo visto, o quadro de nível superior tem duas situações a serem
tratadas:
1) um grupo específico, composto por pessoas mais velhas, que
parece estar à parte, com uma concordância quase categórica,
caracterizando uma situação social diferente dos demais;
2) um grupo em que a variação da concordância se associa a outro
contexto social, mais representativo da massa popular que chega à
universidade a partir dos anos setenta.
É possível que o quadro aqui descrito possa ser explicado por uma
existência de uma outra gramática, divergente do grupo POP. O grupo mais
velho com escolaridade superior é possuidor de uma gramática em que a
concordância é quase sempre freqüente (freqüência de 98%, peso relativo
de .94). O grupo jovem com escolaridade Fundamental tem uma outra
gramática, em que a concordância existe bem pouco (freqüência de 58% e
peso relativo de .09), e pode-se interpretar, ainda, a hipótese de pessoas que
179
têm as duas gramáticas, são as que estão incluídas nos outros grupos,
intermediários entre os dois extremos. O quadro, por outro lado, pode
indicar que no grupo de mais idade, nível superior, a variação está apenas
se iniciando. A análise das variáveis lingüísticas vai ajudar a refletir se os
grupos têm uma mesma gramática ou se existem gramáticas divergentes
entre eles.
3. 1. 4 Tempo real
Para observar a possibilidade de mudança, numa observação em
tempo real, utiliza-se, nesta pesquisa, resultados de pesquisa anterior,
Lopes (2000), em que se fez análise da variação da concordância em dados
do português universitário recolhidos na década de setenta, integrante do
projeto Norma Urbana Culta de Salvador (NURC/SSA)56. Em Lopes
(2000), observaram-se dados do projeto NURC/70 e do NURC/90,
comparando-se apenas os falantes das faixas etárias de 25 e 35 anos (faixa
etária 1 do NURC) e acima de 55 anos (faixa etária 3 do NURC). Aos
resultados da referida pesquisa se acrescentou mais uma faixa etária, para
possibilitar confronto com os dados da fala atual. A seguir apresentam-se
os resultados desse estudo.
56
Esses resultados foram apresentados em Congresso da ABRALIN, em 1999, no texto da comunicação
intitulada …, e publicado nas atas do Congresso.
180
Tabela 8:
Taxas de concordância em função da faixa etária e do tempo – Dados do
NURC 70 e NURC 90.
Década de 70 –
Sign.=.000
Faixas etárias
25 a 35 anos
Fala Atual - Sign.=.000
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R.
792/829 96%
.38
1578/1651
.47
96%
45 a 55 anos
649/684 95%
.35
1336/1446
.33
92%
> 65 anos
1206/1223 99%
.67
1691/1720
.67
98%
TOTAIS
2647/2736 97%
4605/4817 96%
A comparação entre as taxas de concordância nas duas épocas
mostra muitas semelhanças entre os pesos das diversas faixas etárias. Nas
duas amostras, a observação dos grupos dos mais velhos e dos mais novos
parece indicar perda da concordância. Como isso se repete nas duas épocas,
pode-se estar, contudo, diante de apenas uma variação etária ou geracional,
não uma mudança em progresso.
O gráfico possibilita melhor visualização.
181
Gráfico 10: Efeito do Tempo aparente e
tempo real na concordância
1
0,8
0,6
0,4
0,2
0
70
90
Fe 2
Fe 3
Fe 4
Ao se utilizar análise estatística para avaliar o efeito do tempo real,
chegou-se aos seguintes resultados.
Tabela 9:
Taxas de concordância em função do Tempo real –
Dados dos
Universitários.
Sign.=.012
Freqüência
P. R.
Década de 70
2647/2736 97%
.55
Dados Atuais
4605/4818 96%
.47
Total
7252/7554 96%
Entre as duas épocas, há uma redução, que não é grande, mas o
programa estatístico de regras variáveis, o programa Varbrul, selecionou a
variável tempo, ou seja, considerou que o tempo
tem um efeito
182
estatisticamente significativo sobre o fenômeno da concordância no
sintagma nominal, embora a magnitude da diferença seja pequena (.08).
Diante disso, a hipótese de possibilidade de mudança, surgida da
observação em tempo aparente, através das faixas etárias, tem, agora, ainda
mais fundamento, uma vez que, na comparação entre uma sincronia
anterior e a atual, já houve a redução, que poderá continuar ou não a
acontecer.
Gráfico 11: Efeito do Tempo real na
concordância
1
0,5
0
Década de 70
Dados atuais
Na pesquisa inicial dos dados de 70, Lopes (2000) constatou que o
gênero feminino se mostrava à frente da variação, o que levava à sugestão
de mudança, diante do papel que se considera caber às mulheres, como
encabeçadora de muitas mudanças, principalmente as que não são
estigmatizadas, o que não é o caso. Para observar se se mantém o que foi
observado com os dados da década de 70, a tabela a seguir faz uma
comparação dos resultados da análise estatística da concordância nos dois
gêneros.
183
Tabela 10:
Efeito da variável tempo entre os grupos de gêneros.
Dados 70 – Sign.=.198
Dados Atuais Sign.=.006)
Gêneros
Freqüência
Freqüência
P. R
Masculino
1403/1444 97%
2403/2514 96%
.50
Feminino
1244/1292 96%
2202/2304 96%
.50
TOTAIS
2647/2736 97%
4605/4818 96%
A variável gênero foi excluída na análise separada com os dados da
década de 70, por isso os resultados não podem ser levados em conta para
qualquer conclusão a respeito. Nos dados atuais, os dois gêneros fazem
igualmente a variação, mostrando que, se as mulheres, no nível de
escolaridade superior, iniciaram a variação, os dois gêneros já a têm como
um fenômeno concreto.
3. 1. 5 Os sobrenomes, analisados como variável etnia
Numa primeira análise, buscou-se observar o efeito da variável
sobrenomes envolvendo todos os informantes de todos os três graus de
escolaridade. Os resultados a que se chegou são mostrados a seguir, na
tabela 11.
184
Tabela 11:
Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função do
sobrenome – amostra geral
Tipos
de
sobrenomes
Freqüência
Peso Relativo
Sobrenome não religioso
6256/7422 84%
.53
Sobrenome religioso
4266/5671 75%
.46
Sign=.000
TOTAL
10522/13093 80%
Gráfico 12: Efeito do Tipo de Sobrenome na
concordância
1
0,5
0
Não religioso
Religioso
Nessa primeira análise, constatou-se um quadro de baixa
concordância entre os informantes de sobrenome religioso, o único fator,
nessa variável, desfavorecedor.
Como o nível superior não tem condições de dar muita contribuição
ao estudo da interferência dessa variável, uma vez que a amostra contém
poucos sobrenomes religiosos e há nomes abreviados, não se podendo fazer
185
adequadamente a classificação, esse grupo foi excluído da
análise
seguinte, cujos resultados são apresentados na tabela a seguir.
Tabela 12:
Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função dos
Sobrenomes – Apenas os dados dos falantes de escolaridade Fundamental e
Média, sem os dados dos universitários (apenas o grupo POP).
Tipos de Sobrenomes -
Freqüência
Peso Relativo
Sobrenome não religioso
3083/4071 76% P. R. .55
.55
Sobrenome religioso
3422/4813 71% P. R. .46
.46
Sign=.000
TOTAL
6505/8884 73%
Gráfico 13: Efeito do Tipo de sobrenome
na concordância - POP
1
0,5
0
Não religioso
Religioso
Sem os dados dos falantes do nível superior, a diferença entre os dois
grupos de sobrenomes se ampliou de .07 para .09.
186
Diante de se imaginar que os mais velhos pudessem dar mais
subsídios para a análise que se precisa ter dos dados, por possibilitarem um
contato com uma fala ainda mais antiga, e por isso mais rica em respostas
para as perguntas que se fazem sobre as razões da variação da
concordância, optou-se por observar a última faixa etária do grupo POP.
Este grupo, pois, é formado por falantes de escolaridades Fundamental e
Média, faixa etária de 65 anos em diante. A tabela 13 apresenta os
resultados.
Os dados parecem indicar que, no grupo do português popular, aqui
considerado o formado pelos níveis de escolaridade Fundamental e Média,
existe relação entre a origem étnica, aqui analisada através dos sobrenomes,
e a variação da concordância: as pessoas descendentes dos africanos têm
mais probabilidade de usarem a variante zero de plural.
Tabela 13:
Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função dos
Sobrenomes – apenas o grupo da última faixa etária: POP4.
Tipos
de
sobrenomes
Freqüência
Peso Relativo
Sobrenome não religioso
905/1080 84%
.68
Sobrenome religioso
645//1003 64%
.31
Sig.=.000
TOTAL
1550/2083 74%
187
Gráfico 14: Efeito do Tipo de sobrenome
na concordância POP4
1
0,5
0
Não religioso
Religioso
Mas ela não ocorre da mesma forma em todas as faixas etárias. É
mais forte, com oposição maior entre os fatores, na última faixa etária do
que no grupo como um todo. Apesar de não se ter previsto inicialmente que
essa variável tivesse tão grande relação com o fenômeno em estudo, ela
ficou bem clara no grupo de falantes de maior idade, de 65 anos em diante.
Explorando separadamente os grupos de sobrenome, em todas as
faixas etárias, e analisando a relação entre a faixa etária e a concordância,
chega-se a um resultado interessante. A tabela 14 mostra os resultados
encontrados.
Esses resultados indicam que os dois grupos revelam situações
diferentes, em relação ao fenômeno da concordância. Os informantes de
sobrenome religioso, aqui considerados como de descendência negra, estão
adquirindo a regra de concordância, ao invés da perda: os mais jovens estão
fazendo mais concordância que os mais velhos, o que parece indicar um
processo de mudança em andamento.
188
Tabela 14:
Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da Faixa
etária – Comparação entre os grupos de sobrenome
Não religioso - Sign.=.000
Religioso – Sign.=.000
Faixa etária
Freqüência
P. R.
Freqüência
De 15 a 24
1059/1499 71%
.40
658/781 84%
.67
De 25 a 35
179/382 47%
.17
1436/1893 76%
.56
De 45 a 55
1081/1314 85%
.61
824/1340 61%
.37
> 65 anos
905/1080 84%
.64
645/1003 64%
.42
TOTAL
3224/4275 75%
P. R.
3563/5017 71%
Ao contrário dessa aquisição da concordância, ocorre o inverso no
grupo não religioso: os mais velhos fazem mais concordância e os mais
jovens tendem a fazer menos, o que pode sugerir que o grupo está em
processo de apagamento da regra, ou perda da concordância. Esse quadro
está em consonância com o previsto por Naro (1981:87) e de acordo com
Naro & Scherre (1991:16).
189
Gráfico 15: Efeito da Faixa etária e tipo de
sobrenome na concordância
1
0,8
0,6
0,4
0,2
0
Não religioso
Religioso
15 a 24 25 a 35 45 a 55
> 65
No grupo de sobrenome não religioso, as faixas mais novas são
desfavorecedoras da concordância e, além disso, há uma redução grande da
primeira para a segunda faixa etária, mas, posteriormente, as duas faixas
mais velhas favorecem a presença de marca de plural nos elementos do
sintagma; a terceira, apesar de ser ainda faixa em que os falantes estão
vinculados ao mercado de trabalho, mas perto de aposentarem, há
favorecimento menor da concordância que a quarta, período provavelmente
de mais inatividade em relação ao trabalho produtivo. Dessa forma, nesse
grupo, a concordância parece tender à
redução, com os mais velhos
fazendo mais concordância e os mais novos, menos.
Baxter (2001:3), no estudo da concordância no sintagma nominal
português dos Tongas, identifica a faixa etária dos mais velhos (ou primeira
geração) como a mais desfavorecedora da concordância, diante de terem
sido expostos a dados lingüísticos primários mais deficientes e
incompletos. Há, em seguida, um crescente de favorecimento entre as
faixas mais novas (consideradas segunda e terceira geração). Ele diz:
190
“A geração 1 faz minimamente a marcação de plural, e os
mais velhos deles têm uma baixíssima freqüência de
marca. Parece razoável e indiscutível assumir que esta
situação reflete a natureza dos dados lingüísticos primários
predominantes oferecidos a essa geração (as gerações
iniciais) que aprenderam a língua, em português L2
[segunda aquisição] adquirido por adultos. Esses dados
lingüísticos primários foram insuficientes para o conjunto
da concordância de número como ocorreria no português
europeu. Sucessivas gerações, com exposição a dados
lingüísticos primários de uma natureza diferente, e com um
contato cada vez maior com variedades L1 do português
(…) houve a aquisição da concordância, como uma regra
variável.”57
A referência ao português dos Tongas, numa possível comparação
com o português do grupo de sobrenome religioso, justifica-se diante de
esse grupo ter como ancestral a população escrava e, ainda, da
possibilidade da aquisição do português com muita variação nos dados
primários a que os falantes tiveram acesso. Dessa forma, as primeiras
gerações, diante dessa situação, têm propensão a demonstrarem mais
relação estreita com essa história de aprendizagem. As gerações
posteriores, com o contato com as diversas utilizações da linguagem e,
ainda, com o convívio escolar com o padrão, tendem a incorporar, cada vez
mais, traços da língua comum, perdendo vestígios da língua inicial.
57
“Generation 1 is minimally disposed towards plural marking, and the oldest of the speakers within this
group display an exceedingly low frequency of marking. It seems reasonable and uncontroversial to
assume that this situation reflects the nature of predominant PLD available to this generation (and prior
generations) of language learners, in the L2 Portuguese acquired by adults. This PLD was insuficient to
set number Agr as it would occur in European Portuguese. Sucessive generations, with exposure to PLD
of a different nature, and with a growth in contact with L1 varities of Portuguese (…) display acquisition
of Agr, as a variable rule.”
191
Ainda em Baxter (2001), é feito um estudo da interferência da
origem dos pais dos falantes da última geração, os mais novos (entre 20 e
40 anos), na aplicação da regra de concordância. Foram consideradas duas
possibilidades: se os pais são da África (então com um português L2) ou se
são de Monte Café (nesse caso com um português L1). Baxter (2001:3)
observou um desfavorecimento na concordância dos que têm pais da África
(peso relativo de concordância de .36) e um favorecimento dos que têm
pais nascidos em Monte Café (peso relativo de concordância de .63).
Esse dado pode ser aproveitado para analisar aspectos do contexto de
Salvador, na população escrava e ex-escrava, no século passado. Conforme
informaçãoes apresentadas no capítulo 1, mesmo entre meados e fins do
século XIX, ainda havia muitos escravos africanos, convivendo com
escravos e libertos crioulos. Nessa cidade, eram encontradas crianças que
eram filhos ainda desses africanos e filhos de escravos crioulos (ou
brasileiros) que aprendiam, a todo o momento, o português dos pais e dos
outros adultos (aprendido como L1 ou L2). Em regiões rurais esse quadro
certamente ocorria, e havia, com certeza, menos acesso que na cidade ao
português europeu. Esses dados podem levar a supor que, em Salvador, a
diversidade existente, mesmo no grupo de sobrenome religioso, pode
indicar também relação com esse aspecto: os dados lingüísticos da primeira
geração dos africanos aqui chegados e de outras podem ter sido dados
provenientes de uma L1 ou de uma L2.
Em seguida, faz-se o cruzamento entre a variável sobrenomes e a
escolaridade, confrontando grupo de sobrenome religioso com grupo de
sobrenome não religioso.
192
Tabela 15:
Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função do
Sobrenome e da Escolaridade
Fundamental –
Média – Sign.=000
Sign.=000
Tipos de Sobrenome
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R.
Sobrenome não religioso
1281/1981 65%
.34
1802/2090 86%
.75
Sobrenome religioso
1410/2246 63%
.32
2012/2576 78%
.57
Totais
2691/4227 64%
3814/4657 82%
A tabela apresentada mostra que, no nível primário, existe uma
grande aproximação, tanto de freqüência quanto de peso relativo, entre o
grupo de sobrenome religioso e o grupo de sobrenome não religioso.
Com o grupo de escolaridade colegial, contudo, a diferença entre os
dois grupos é bem forte. Esse resultado demonstra que, neste grupo, já
tendo, com a escola, a experiência e o contato mais acirrado com o padrão,
podem ser percebidas as diferenças entre os dois grupos, o que tem
sobrenome
religioso,
ou
ancestralidade
negra,
fazendo
menos
concordância, e o grupo com outros sobrenomes, ou não ancestralidade
negra, fazendo bem mais concordância, demonstrando ser mais sensível ao
efeito da escolarização que o grupo de sobrenome religioso.
193
Efeito da variável Sobrenomes na concordância
dos níveis Fundamental e Média
1
0,9
0,8
0,7
0,6
Não religioso
Religioso
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Fundamental
Média
As análises feitas com os grupos de sobrenome mostraram uma
relação de sobrenome não religioso e mais concordância e sobrenome
religioso menos concordância. Como, através do estudo dos sobrenomes,
estuda-se a variável etnia, este trabalho vê uma relação entre ancestralidade
negra e menor realização de concordância no sintagma nominal. Além
disso, como, nesse grupo, constata-se maior realização de sintagmas com
marcas de plural nas faixas etárias mais novas e menor realização de
marcas nas faixas mais velhas, considera-se que esse grupo demonstra
aquisição da regra de concordância, não perda. Fenômeno contrário é
percebido no grupo de sobrenome não religioso, através da observação no
tempo aparente, pois nesse grupo o peso relativo da concordância sobe à
proporção que os falantes têm mais idade, revelando que o grupo tende a
reduzir a realização da concordância.
194
3. 2 Variáveis Lingüísticas
Através da análise das variáveis sociais, pode-se entender a relação
entre a variação da concordância no sintagma nominal e os diversos grupos
estudados nessa pesquisa e, ainda, estabelecer hipóteses sobre a formação
do português brasileiro e fazer prognósticos sobre
a possibilidade de
mudança do fenômeno estudado. É necessário que, em seguida, se busque
relação entre a variação referida e a estrutura lingüística. São focalizados, a
partir de então, as variáveis lingüísticas que se tomam como possíveis
grupos de fatores a interferir na variação da concordância no sintagma
nominal, conforme detalhado no capítulo 2.
3. 2. 1 Saliência Fônica
A saliência fônica foi introduzida nos estudos do português por
Naro & Lemle (1976), inicialmente na concordância verbal, e
posteriormente incorporada aos estudos concordância verbal e nominal de
Braga & Scherre (1976), de Braga (1977), de Scherre (1978, de Naro
(1981), assim como de Guy (1981) e de Scherre (1988). Segundo Naro e
Lemle (1976), a quantidade de material existente na oposição entre singular
e plural interfere na possibilidade de se fazer a concordância. Dessa forma,
os itens em que a oposição é mais saliente (mais material fônico perceptível
na oposição singular/plural) devem ser os mais marcados com o morfema
de plural. Scherre (1988:64), apoiando-se em Naro & Lemle (1976) e Naro
(1981), diz que “esse princìpio consiste em estabelecer que as formas mais
salientes, e por isso mais perceptíveis, são mais prováveis de serem
marcadas do que as menos salientes.”
195
“A mudança então fixa-se no ponto zero de diferenciação
entre o sistemas velho e novo, e espalha-se para outros
pontos com mínima diferenciação de superfície. Esta visão
do processo reforça e confirma a idéia geral da mudança
sintática como um fenômeno de superfìcie (...)”58 (Naro,
1981:96-7).
Guy (1981:296), ao estudar a saliência fônica na concordância na fala
carioca, estabeleceu uma relação entre a quantidade de material fônico e a
percepção do ouvinte, no momento da aquisição da regra (numa situação de
suposta descrioulização), daí considerar os mais facilmente percebidos, ou
mais salientes, como os inicialmente aprendidos ou incorporados. As
formas em que a oposição singular/plural é mais saliente são, por isso, mais
marcadas com o morfema.
“Um padrão de variação de concordância dependente da
saliência da oposição singular-plural é exatamente o que
se esperaria encontrar em uma população descrioulizante,
que tem mudado de um suposto padrão proto-crioulo de
não concordância em direção ao padrão standard de
concordância categórica.” 59
Essa variável, pois, possibilita identificar o fenômeno da perda e o
da aquisição: segundo Naro (1981) é a partir dos itens com concordância
menos saliente que a variação se inicia; e segundo Guy (1981) é a partir
dos itens com concordância mais saliente que se dá a percepção, na fase de
aquisição.
58
The change thus sets in at the zero point of surface differentiation between the old and the new
systems, and spreads to other points along the path of least surface differentiation. This view of the
process reinforces and confirms the general idea of syntactic change as a surface phenomenon (...)”.
59
“A varying rate of agreement dependent upon the salience of the singular-plural opposition is exactly
what we would expect yo find in a decreolizing population qhich has moved par-way from the
196
A saliência fônica tem sido, pois, considerada como importante
para o estudo da variação e da mudança que envolve a concordância, assim
como de outros aspectos da língua e, ao mesmo tempo, para o estudo da
aquisição que se faz desses fenômenos. Nesse caso, são duas situações
contrárias que interessam a essa pesquisa, a da perda e a da aquisição da
concordância, que podem ser constatadas através da mesma variável.
A variável ora estudada tem um papel importante no estudo da
aquisição de língua com muita variação. Como em situações desse tipo são
as informações mais salientes as que são percebidas em primeiro lugar, a
língua resultante desse tipo de observação deve trazer mais marcas da
aprendizagem dos elementos mais salientes e a ausência dos menos
salientes. Na área de estudos sobre a aquisição de primeira língua (L1) e de
segunda língua (L2), também o que é mais irregular e mais freqüente
muitas vezes é o que se aprende primeiro. A freqüência dessas formas é,
pois, também um fator significante para a aprendizagem: a irregularidade,
associada à freqüência, é um forte condicionador para que a aprendizagem
seja mais rápida. Nesses contextos, há, por outro lado, regularizações de
formas ou irregulares ou complexas. No campo das formas e conjugações
verbais, por exemplo, surgem formas como ponhar e, também, ocorre a
preferência pelo uso de formas neutras, como tudo, ao invés das formas
variáveis todos, todas.
Naro (1981:96-7) mostra que o papel da saliência na mudança
envolve dois aspectos:
a) a atuação, que indica o ponto onde se inicia o processo de
mudança; e a
(presumed) proto-creole pattern of no-agreement, toward the standard pattern of categorical agreement.”
(Guy, 1981:296).
197
b) difusão ou espalhamento da mudança para outros contextos.
Com respeito ao português brasileiro, observando a fala carioca, Naro
(1981:96) diz que a perda da concordância se inicia em contextos em que a
oposição singular/plural é quase imperceptível (come/comem). Com o
“colapso” da concordância nesse contexto, há a difusão desse processo em
outros contextos, obedecendo ao mesmo princípio da saliência, em outras
dimensões60. O autor refere-se à possibilidade de, numa comunidade
lingüística, se detectarem diferentes estágios da mudança nos grupos de
falantes, até que possíveis restrições lingüísticas sejam neutralizadas61.
Naro & Scherre (2000), ao comparar o português do Brasil e o de
Portugal, apresentam um estudo da saliência fônica na concordância
sujeito/verbo nas falas letrada e iletrada do Rio de Janeiro, evidenciando
menos concordância nas formas menos salientes e o mesmo ocorre,
segundo a pesquisa, em textos portugueses medievais. O quadro a seguir
transcreve os resultados de Naro & Scherre (2000:244):
60
“Two aspects of the over-all process of linguistic change may be distinguished for analytical purposes:
(a) actution, i. e. the beginning point, or first context, of a change; and (b) diffusion, i. e. the susequent
spread of the change to other environments. In the loss of verbal concord, I have argued above that the
linguistic actuating force was a low-level phonetic rule of desnasalization of final vowels. For the verbs of
Morfological Class 1a, this rule, operating upon a plural form such as comem [mómin], proces a form that
coincides exactly with the singular. Thus, for speakers having this rule, the singular/plural opposition
collapses on the surface in a certain part of the language. The diffusion of the non-agreeing system
thoughout the language then proceeds, in accord with the principle of saliency, along several distinct
dimensions – extending itself most strongly in those contexts where it envolves the smallest (i. e. least
noticeable) change in surface form.” (Naro, 1981:96).
61
“Since salience is a general property of the linguistic system, one would not normally expect groups of
speakers at differents stages of evolution to exhibit confliting orderings of variable constraints in the
198
Tabela 16:
Dados comparativos entre a fala iletrada e a letrada do Rio de Janeiro e
textos medievais portugueses.
Categoria
R. J. (fala de pessoas R. J. (fala de pessoas Textos
semi-escolarizadas
– com 1 a 11 anos de medievais
antigo Mobral)
escolaridade)
portugueses
- saliente
27% P. R. .22
62% P. R. .32
P. R. .33
+ saliente
74% P. R. .78
85% P. R. .71
P. R. .75
(Comparação feita por Naro e Scherre, 2000:244)
Os autores confrontam os resultados, dizendo que
“(…) mostram que em textos portugueses antigos,
assim como no português brasileiro moderno, a
marcação de plural era menos usada com formas
verbais menos salientes. Apesar de as freqüências
serem muito diferentes nos três casos, os pesos
relativos são essencialmente iguais e mostram que os
fatores que controlavam a variação são os mesmos,
tanto no português medieval como no português
moderno.” (Naro & Scherre, 2000:245)62
Scherre (1988), analisando a variação da concordância no sintagma
nominal da fala não universitária do Rio de Janeiro, tomou como uma das
hierarchized dimensions, although such constraints can be neutralized under certain circumstances (Naro,
1981:96).
“The results (…) demonstrate that in ancient Portuguese texts, just as in modern spoken Brasilan
Portuguese, plural marking was used less frequently with low saliency verb forms. Even though the
frequencies may vary widely in the three cases, the relative weights are essentially equal, and show that
the factors that controlled the variation were the same in medieval Portugal as they are today in modern
Brazil.”
199
variáveis lingüísticas a saliência fônica, estudada em três dimensões:
processos de formação de plural, tonicidade e número de sílabas da forma
singular da palavra. Como o número de silabas se mostrou irrelevante,
apenas processos e tonicidade foram detalhadamente analisados. A
pesquisadora constata mais variação nas formas em que há menos material
fônico na oposição singular e plural:
“(…) podemos verificar que os falantes adultos, com
referência a Processos, evidenciam mais marcas de
concordância nos itens lexicais que apresentam mais
diferença material fônica entre as suas respectivas
formas singulares e plurais. Os plurais duplos
favorecem-nas com 0,86 e os regulares inibem-nas
com 0,24. São exatamente estes casos que possuem,
respectivamente, maior e menor diferença material
fônica na relação singular/plural. (Scherre, 1988:7980).
Estudando o “português xinguano”, Emmerich (1984) utiliza-se do
princípio da saliência para observar e explicar a ordem em que são
adquiridos morfemas flexionais do verbo português. Ela mostra que
“Ela
[a
saliência]
atua
sobretudo
no
nìvel
morfofonológico, embora se manifeste também no
nível sintático. Assim, como formas estruturalmente
mais salientes tendem a ser incorporadas primeiro
pelo falante xinguano (…)
Também Lucchesi (2000) relaciona a aquisição ao grau de saliência
das formas ao estudar a concordância de gênero na fala da comunidade de
Helvécia. Ele conclui que
200
“Os constituintes cuja forma de feminino é formada
alterando-se o radical da palavra são aqueles que
apresentam os maiores índices de marcação do gênero
entre os constituintes flexionáveis do SN. Isso
demonstra que os falantes
de Helvécia – Ba, no
processo de mudança no sentido de fixação de uso da
regra de concordância de gênero, se mostram mais
sensíveis às formas femininas mais morfologicamente
salientes. (Lucchesi, 2000:274).
Independentemente de se identificar perda ou aquisição do fenômeno
em observação, o estudo da relação entre a saliência fônica e a realização
da concordância no sintagma nominal tem, pois, como hipótese que os
falantes realizam mais concordância em formas cuja saliência da oposição
singular/plural se faz com mais material fônico.
Dentre os grupos de fatores, dois deles, trabalhados nesta pesquisa,
contribuem para o que Scherre (1988) considera saliência fônica:
1) processos de formação de plural e
2) tonicidade dos elementos do sintagma.
Conforme já referido, Scherre (1988), apesar de ter observado
também o número de sílabas, conclui que essa variável não tem efeito sobre
o fenômeno observado:
“As diferenças entre as probabilidades associadas ao
número de sílabas são irrelevantes, ou seja, os valores
para os três fatores [monossílabo, dissílabo e mais de
três] são praticamente iguais 0,50, o que mostra a
201
neutralidade desta variável sobre a concordância
nominal.” (Scherre, 1988:81).
3. 2. 1. 1 Processos de formação de plural
Na presente pesquisa, foram consideradas sete possibilidades de
formação de plural:
a) plural duplo, com metafonia e acréscimo do -/s/ (ovo / ovos);
b) plural de palavras de singular terminado em -/l/ (papel / papéis).
c) plural de palavras de singular terminado em -/r/ (mar / mares);
d) plural de palavras de singular terminado em -/ão/ irregular, com
mudança do ditongo final e acréscimo do -/s/ (coração /
corações);
e) plural de palavras de singular terminado em -/s/ (vez / vezes);
f) plural de palavras de singular terminado em -/ão/ regular, com
acréscimo apenas do -/s/ (mão / mãos);
g) plural regular, com acréscimo apenas do morfema –/s/ de plural
à forma de singular (menino / meninos);
202
Dessa forma, esta pesquisa inicia-se com a expectativa de que os
plurais duplos, ou metafônicos, e os plurais de palavras com singular
terminado em -/l/ e em -/r/ devem ser aqueles em que se deve detectar mais
marca de plural. Os itens que fazem plural com menos acréscimos à forma
de singular, que são os regulares, devem tender a ser menos marcados.
A seguir, apresentam-se os resultados obtidos na análise dessa
variável.
Tabela 17:
Efeito dos Processos de Formação de Plural sobre a concordância
Sign.=.000
Fatores
Freqüência
Peso
Relativo
Duplo, com metafonia (ovo / ovos)
61/69 88%
.84
Em /l/ (papel / papéis)
209/238 88%
.63
Em /r/ (mar / mares)
302/336 90%
.58
Em /ão/ c/ plural irreg (coração / corações)
166/191 87%
.54
Plural Reg (menino / meninos)
10091/12479 81%
.50
Em /s/ (vez / vezes)
376/499 75%
.39
Em /ão/ c/ plural reg (mão / mãos)
47/95 49%
.21
TOTAL
1251/13907 81%
203
Taxas de uso da concordância em função dos
Processos de formação de plural
1
0,8
0,6
0,4
0,2
0
D
/l/
/r/
Reg
ão irr
/s/
ão reg
Nessa primeira análise, são os plurais metafônicos, como se previa,
diante do fato de terem duas marcas, uma interna e outra no final da
palavra, os que se mostram como maiores favorecedores da concordância
(PR .84), seguidos dos plurais em -/l/ (PR .63), dos terminados em -/r/ (PR
.58). Mostram-se no ponto neutro (PR .50) os regulares e próximos a ele,
apresentando também efeito intermediário, os em -/ão/ irregular (PR .54); e
desfavorecedores os em -/s/ (PR .39) e os em -/ão regular (PR .21). Pelo
que se apresenta, os resultados mostram-se de acordo com a expectativa
inicial: os plurais metafônicos, ou plurais duplos, são as formas que têm a
maior probabilidade de serem marcados com o plural e as com menor
probabilidade são as que têm o singular -/ão/ e fazem o plural regular.
Esses resultados confirmam as expectativas de que há uma relação entre
mais saliência e mais concordância.
204
Nos dados analisados, mostraram-se desfavorecedores os plurais em
formas cujo singular é terminado em -/s/ e em –ão que fazem o plural de
forma regular, só com acréscimo de -s (ãos). No caso das formas
terminadas em -/s/, era esperado, diante da saliência da oposição
singular/plural,
que
elas
tivessem
uma
probabilidade
maior
de
concordância. Uma possibilidade a considerar é que a redução de
concordância nessas formas se dá pela interpretação analógica de que o -/s/
final já dá a indicação de plural e, aí, o acréscimo do morfema não
acontece.
A analogia é muito comum em contextos de aprendizagem com
dados divergentes ou insuficientes, embora não ocorra apenas nesses
contextos. Lucchesi (2000:237), estudando a concordância do gênero,
observou também o fenômeno da analogia e esse autor fez uma relação
com a transmissão irregular, mostrando que é comum, nesse tipo de
situação, o falante fazer interpretações resultantes analógicas:
“Em um processo de transmissão irregular do
português, a analogia atuaria no sentido de generalizar
a interpretação de que as palavras terminadas em –a
seriam quanto ao gênero femininas e as terminadas em
–o ou em –ão seriam quanto ao gênero masculinas,
com as seguintes motivações: (i) a homonímia entre o
que se definiu modernamente como a vogal temática –
a, em por exemplo cama, vaca, etc, e o morfema de
gênero –a, em por exemplo menina
(feminino de
menino); (ii) a predominância de nomes femininos na
classe dos nomes em –a e de nomes masculinos na
classe dos nomes de tema em –o.” (Lucchesi,
2000:237).
205
No caso das formas em ão que fazem o plural regular, considerandose que elas são, em maioria, oxítonas, como se poderá constatar mais
adiante, a explicação poderia ser outra. Scherre (1988:123) observa que os
itens em –ão tendem a fazer menos concordância possivelmente pela
concordância flutuante desses formas. Elas podem fazer o plural em
-
ões, -ães ou -ãos. Na incerteza do tipo de plural, o falante mantém a forma
de singular. Scherre (1988:124) dá como possibilidade também a tendência
de interpretar como de plural regular formas que fazem o plural
tradicionalmente em –ões e, com isso, se dá a redução da concordância,
num “processo de regularização dessas formas”. Essa sugestão de Scherre
(1988:124) é paralela ao apresentado por Naro (1981:75, nota 8), sobre a
concordância de plural em formas como veio/vieram. Mas o estudo da
tonicidade, que será feito mais adiante, será de utilidade para entender
melhor a variável saliência fônica.
3. 2. 1. 2 Tonicidade / número de sílabas
A tonicidade é um outro aspecto que é necessário ser observado ao
estudar a saliência fônica, uma vez que é um dos componentes para a maior
oposição fônica entre as formas. Apesar de ser esse um dado estudado em
análises da variação de muitos fenômenos lingüísticos, constatando que a
perda começa em formas em que a oposição é feita com menos saliência
quanto à tonicidade, segundo estudos já realizados, também a aquisição
inicia-se por formas mais salientes quanto à oposição entre sílabas átonas
ou tônicas. A tonicidade é aqui observada em quatro fatores, considerandose a forma de singular dos itens:
1) Monossílabos de uso átono:
OS tecidos sintéticos, eu já me referi… H4U009R
UNS esculacho porque ela disse pra mim… M1F44
206
2)Oxítonos e Monossílabos de uso tônico:
…dos TROPICAIS ingleses, das casemiras… H4U009R
…algumas MULHERES, então ele usa… H4U009R
3) Paroxítonos
…aqueles OUTRO fechado chamavam gaiola… M4C41
…várias MOÇAS, e A... L... M4C41
4) e Proparoxítonos
…esses ÚLTIMOS dias! M4C41
…aquelas MÚSICA de crente… M3F36
A expectativa é de que os itens oxítonos e monossílabos de uso tônico
devem ser mais alvo da concordância, diante de a oposição se fazer em
uma sílaba já saliente, devido à tonicidade. As outras formas, em que essas
sílabas são átonas, cujos morfemas de plural são quase imperceptíveis
diante da tonicidade, espera-se menos concordância.
Com efeito, na análise geral, o fator Oxítonos e monossílabos de uso
tônico foi o que obteve o maior peso relativo (P.R .72), seguido do fator
Monossílabos de uso átono (P.R .65) e, finalmente, os Proparoxítonos e os
Paroxítonos (com P.R .41 e P.R .37, respectivamente). Esse resultado
confirma a previsão, pois a acentuação é um traço que concorre muito para
a saliência fônica. A oposição entre o singular e o plural nessas formas
recai exatamente sobre a sílaba mais saliente na forma de singular.
207
Tabela 18:
Efeito da tonicidade na concordância Sign.=.000
Fatores
P. R.
Peso
Relativo
Oxítonos e Monossílabos de uso
1806/2120 85%
.72
Monossílabos de uso átono
3751/3771 99%
.65
Proparoxítonos
184/246 75%
.41
Paroxítonos
5511/7769 71%
.37
tônico
TOTAL
11252/13906 81%
Gráfico 18: Taxas de uso da concordância
em função da tonicidade
1
0,5
0
Ox M Mon át Prop Parox
tôn
Esse dado, somado à observação de mais concordância nas formas
com maior oposição fônica relacionada aos diversos processos de formação
de plural, reflete, ao mesmo tempo:
208
1) uma perda da concordância, inicialmente nas formas menos
salientes;
2) um processo de aquisição do fenômeno, ou de parte dele, resultante
de percepção parcial, em que formas com plural mais saliente
foram as primeiras a serem percebidas (ou as únicas a serem
percebidas) e a serem alvo da concordância.
Os monossílabos de uso átono do corpus fazem o plural de forma
regular, daí se pode considerar estranho que eles tenham um peso relativo
tão alto de concordância. Deve-se observar, contudo, que essas formas, na
sua realização, podem ser comparadas, pelo contexto em que aparecem,
como elementos proclíticos dos substantivos por eles determinados, o que
pode condicionar a sua preservação, não a tonicidade. Pode-se conferir a
importância dessa condição até na interpretação que falantes em processo
de aquisição fazem dos itens artigos. O plural dos artigos é, as vezes tão
freqüente e tão firme na percepção que se faz deles, na fase de aquisição,
que são comuns realizações como “zóio”, “uma amoto”, entre crianças em
fase de aquisição ou falantes com história de aprendizagem a partir de
poucos dados, ou dados divergentes ou inconsistentes. Essas palavras
proclíticas são interpretadas como sílabas iniciais das palavras seguintes,
nas quais a definitude e a informação de plural ficam perdidas, mas fica a
conservação do /s/ como partícula proclítica. Esse fato pode ser comparado
a casos semelhantes ocorridos em crioulos de base francesa, referidos na
seção 2. 1. 1. É o processo de gramaticalização através da reanálise que
ocorre. Essa situação dos monossílabos de uso átono, todos artigos, como
se verá adiante, será alvo de discussão, ao se trabalharem as variáveis
posição linear e posição relativa, em seções posteriores.
209
Scherre (1988), diante do mascaramento que considerou acontecer
com os Monossílabos de uso átono, e de esse grupo ser composto
unicamente por elementos que têm uma posição única (artigos, que são
sempre usados no mesmo contexto, na maioria em primeira posição),
preferiu agrupar essas formas com os paroxítonos. Em seguida, faz-se uma
análise da tonicidade sem os Monossílabos de uso átono para ter condições
de avaliar se esse fator tem ou não interferido a análise. A tabela a seguir
apresenta os resultados dessa análise.
Tabela 19:
Efeito da tonicidade na concordância – Sem os Monossílabos de uso átono
Fatores
Freqüência
P. R.
Oxítonos e Monossílabos de uso tônico
1806/2120 85%
.76
Proparoxítonos
184/246 75%
.47
Paroxítonos
5510/7769 71%
.42
TOTAL
7500/10135 74%
Os pesos relativos dos fatores da análise sem os monossílabos de uso
átono, como se poderia prever, são diferentes. Mas a diferença entre os
pesos relativos dos Paroxítonos e dos Proparoxítonos é quase a mesma (.05
na análise sem os monossílabos de uso átono e .04 na análise com os
monossílabos de uso átono); entre os Proparoxítonos e Oxítonos e
monossílabos de uso tônico é praticamente a mesma nas duas análises (.29
na análise sem os monossílabos de uso átono e .31 com essas formas). A
210
análise mostra que a presença dos Monossílabos de uso átono não prejudica
a análise, uma vez que as tendências constatadas na análise com esses itens
se mantêm quando eles são retirados.
Os paroxítonos e os proparoxítonos, em cujas sílabas átonas finais
ocorre a oposição, têm pesos relativos baixos de concordância, como era de
se esperar. A ausência de acentuação nessas sílabas enfraquece a oposição
entre o singular e o plural dessas palavras e a ausência de marca de plural
em palavras desse tipo é bem menos perceptível que em uma palavra
oxítona ou em um monossílabo de uso tônico.
Faz-se, em seguida, um cruzamento entre as duas variáveis
responsáveis pela saliência fônica, processos de formação de plural e
tonicidade e número de sílabas para que seja possível observar se há dados
em todos os sub-grupos que são criados. A tabela 20 mostra, no entanto,
que em muitos grupos não há dados.
A tabela apresentada mostra que, dentre os proparoxítonos e
monossílabos de uso átono, só há itens regulares e os itens que terminam
em ão irregular, assim como os terminados em -/s/ são todos oxítonos.
Nota-se que as freqüências de concordância dos oxítonos e palavras com
outras tonicidades variam a depender do processo de formação de plural.
Os oxítonos e monossílabos de uso tônico que são regulares, e os que
terminam em /r/ ou em /l/ e –ão irregular têm maior freqüência de
concordância. Os proparoxítonos, todos regulares, se situam um pouco
acima dos paroxítonos.
211
Tabela 20:
Processos de Formação de plural e tonicidade
Processos
Oxít e mon. Monossílabos
Proparoxítonos Paroxítonos
de uso tônico de uso átono
Duplo
13/13 100%
0
0
48/56 86%
Em -/l/
190/215 88%
0
0
19/23 83%
Em -/r/
296/327 91%
0
0
5/8 63%
Regular
719/782 92%
3751/3771
184/246 75%
5439/7682
99%
71%
Em ão irreg
166/191 87%
0
0
0
Em -/s/
375/498 75%
0
0
0
Em ão reg.
47/94 50%
0
0
0/1 0%
Apesar de a análise estatística indicar os oxítonos e monossílabos de
uso tônico como os mais marcados, só há possibilidade de usar a tonicidade
como variável de comparação, entre os diversos processos, como se vê,
entre os regulares (pois só eles têm palavras com os três tipos de
tonicidade) e parcialmente entre os terminados -/r/, em -/l/ e os de plural
duplo, pois não há, entre eles, formas Proparoxítonas ou Monossílabos de
uso tônico. Nas formas terminadas em -/l/, a diferença entre os Oxítonos ou
monossílabos de uso tônico e os Paroxítonos ou não é tão forte quanto entre
as formas de plural regular ou o número de itens não é grande. Nas formas
terminadas em -/r/, a diferença entre os Oxítonos ou monossílabos de uso
212
tônico e os Paroxítonos não pode ser feita com muita segurança, diante de o
número de paroxítonos ser pequeno (oito casos apenas). Scherre, ao cruzar
essas duas variáveis, Processos e Tonicidade, só considerou os itens de
plural regular.
Diante dessa constatação de que basicamente entre os itens regulares
se faz a oposição entre os fatores relativos à tonicidade, essas duas
variáveis, processos e tonicidade, foram transformadas em uma única
também no presente trabalho, seguindo Scherre (1988)63, variável que
doravante será tratada como saliência fônica, cruzando a tonicidade apenas
entre os itens que fazem o plural através do referido processo. Dessa forma,
os itens de plural regular foram agrupados em
1) Regular monossílabo de uso tônico ou oxítono;
2) regular paroxítono ou
3) regular proparoxítono;
Enquanto isso, os outros processos de formação de plural foram
considerados, sem levar em conta a tonicidade:
1) itens de plural metafônico ou duplo,
2) itens de terminação em -/r/,
3) em -/s/,
4) em -/l/,
5) em –ão irregular,
63
Apesar de nessa variável ter-se seguido a orientação de Scherre (1988), foram mantidos separadamente
itens em -ão irregular e -ão regular. Isso deveu-se à observação dos resultados das primeiras análises,
quando os itens demonstraram ter restrições diferentes de concordância, como será observado.
213
6) em –ão regular.
Todas as análises seguintes, assim, já consideram, conjuntamente, os
processos de formação de plural e a tonicidade, juntos, como a variável
saliência. O fator Monossílabos de uso átono, que poderia ser observado
como mais um dos tipos de plural regular, não será envolvido nessa
variável nas análises posteriores, por ter-se assumido como hipótese que a
variação desses itens não está associada à variável Saliência. Os
monossílabos de uso átono serão alvo de observação mais acurada ao
tratar-se da variável Classe, posição linear e posição relativa.
3. 2. 1. 3 A saliência, análise geral – A tabela 21 apresenta a análise
da saliência fônica, de início com a totalidade dos informantes e,
posteriormente, será observado o efeito dessa variável em alguns grupos.
Têm maior peso relativo, na análise geral, os fatores relativos a graus
maiores de saliência. Nessa análise, observando-se conjuntamente
processos e tonicidade como uma única variável, há uma mudança no que
se percebia quanto ao destaque dos itens de plural metafônico, ou duplo,
pois têm maior peso relativo de concordância os itens em -/l/, seguidos dos
em -/r/ e dos de de plural duplo, havendo entre eles muita proximidade.
Seguindo, vêm, em ordem decrescente, os oxítonos regulares, os itens em ão irregular, e os itens em -/s/. Os itens em –ão regular, os regulares
paroxítonos e os proparoxítonos são desfavorecedores. Os itens em -/s/,
nessa análise, tiveram um peso relativo bem maior do que quando foram
considerados apenas os processos de formação de plural. Dessa forma, a
interpretação dada a esses itens anteriormente não procede, nessa análise
geral.
214
Tabela 21:
Efeito da saliência fônica (resultante do cruzamento das Variáveis
Processos de Formação de Plural e Tonicidade) na concordância de número
no sintagma nominal
Fatores
Regular Oxítono
Sign.= .000
ex.: minhas IRMÃ pra praia 719/781 92%
P. R.
.78
H2F22
Regular Paroxítono ex.: algumas COISA ruim
5438/7681 71%
.42
R Proparoxítono ex.: as MAQUINAS
184/246 75%
.46
Plural Duplo ex.: muitos JOGOS eletrônico
61/69 88%
.80
Em /r/ ex.: os PROFESSORES
301/335 90%
.82
Em /l/ Ex.: dez REAIS era o quê?
209/238 88%
.84
Em ão irregular ex.: esses GARRAFÃO
166/191 87%
.76
Em /s/ ex.: duas VEZES, começa
375/498 75%
.69
Em ão regular ex.: meus outros IRMÃO
47/95 49%
.46
TOTAL
7500/10134 74%
215
Gráfico 19: Efeito da Saliência fônica na concordância - Análise Geral
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
R Ox
R par
R pro
D
/l/
/r/
ão irr
/s/
ão reg
Dessa forma, a variável saliência mostra-se como um grupo de fatores
com grande influência sobre a concordância: os itens mais salientes, quanto
a processos (itens em -/l/, -/r/, duplo, ão irregular, -/s/,) ou quanto a
processos e tonicidade (regulares oxítonos) têm realmente maior peso na
probabilidade de marca que os menos salientes (ão regular, os regulares
proparoxítonos e os regulares paroxítonos).
Naro (1981:96-7) diz que, entre os diversos grupos de uma
comunidade discursiva, encontram-se diferentes estágios da mudança de
uma língua. Acreditando nisso, dar-se-á início à observação do efeito da
saliência na concordância nominal nos diversos grupos de falantes
envolvidos na pesquisa. De início serão observados dois grupos de falantes:
o português popular (POP - escolaridades fundamental e colegial juntas) e
o português universitário (UNI).
216
3. 2. 1. 4 Saliência fônica – Grupos POP e UNI
A tabela a seguir apresenta os resultados de duas análises feitas
separadamente com cada um dos grupos, o POP e o UNI.
Tabela 22:
Efeito da Saliência Fônica sobre a concordância – Comparação entre o
Português Popular (POP) e o Universitário (UNI).
Fatores
POP Sign.=.000
P. R.
UNI Sign.=.000
P. R.
R Oxítono
483/542 89%
.79
236/239 98%
.75
R Paroxítono
2960/5016 59%
.41
2478/2665 93%
.43
R Proparoxítono
62/114 54%
.46
122/132 92%
.48
Duplo
31/38 82%
.83
30/31 97%
.65
Em /l/
121/150 81%
.84
88/88 100%
Em /r/
161/192 84%
.83
140/143 98%
.81
ão irregular
71/95 75%
.76
95/96 99%
.87
Em /s/
275/394 70%
.70
100/104 96%
.71
ão regular
38/85 45%
.47
9/10 90%
.52
TOTAIS
4202/6626 63%
3210/3420 94%
217
Gráfico 20: Efeito da Saliência na concordância dos grupos
POP e UNI
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
POP
0,4
UNI
0,3
0,2
0,1
0
R ox R par R pro
D
/l/
/r/
ão irr
/s/
ão
reg
Comparando os dois grupos, nota-se que há um reflexo semelhante do
efeito da saliência fônica na concordância. No grupo POP, no entanto, há
uma distância maior entre os mais e os menos salientes. Formas em –ão
irregular, -/l/, que têm plural com saliência relativamente grande, tendem a
ser mais marcadas no grupo universitário64. Os plurais duplos, que têm o
maior grau de saliência, têm o maior peso de concordância no grupo não
universitário; os em /r/, em /s/ e os oxítonos regulares, todos com grande
saliência, têm peso semelhante nos dois grupos. Apesar de a variável
saliência fônica interferir nos dois grupos, no primeiro, no português
popular,
64
chama a atenção os pesos diferentes dos plurais duplos,
Os em /l/ não variaram no grupo UNI, daí a não indicação do peso relativo.
218
considerado como o fator de maior grau de saliência. Essa tendência de a
concordância se dar mais em itens desse tipo pode indicar duas coisas:
1) que pode ter havido, na transmissão geracional do português desse
primeiro grupo, uma história de aquisição talvez mais radical de
dados mais variáveis, daí, ainda hoje, haver reflexo na
concordância no grupo POP. No outro grupo (UNI), esse processo
pode não ter sido tão forte quanto no POP;
2) que no grupo POP há mais variação da concordância nas formas
com oposição singular/plural menos saliente, num processo de
perda da concordância. Assim, o processo de variação tem se dado
inicialmente nas formas de menor saliência e tem tido maior
incidência de concordância nas formas em que a oposição é mais
perceptível ou mais saliente. (Naro, 1981:96-7).
Diante dos resultados, com a indicação de uma diferença de
comportamento entre o português popular e o universitário, em seguida,
para melhor entender o processo nos dois grupos, haverá a comparação
entre os mesmos grupos, mas envolvendo apenas os falantes mais velhos,
faixa etária acima de 65 anos. Os universitários mais velhos, como se
constatou na análise das variáveis sociais, fizeram supor a existência de
restrições diferentes na concordância nominal. Dessa forma, a análise que
se segue procura comparar os dois grupos:
a) dos falantes universitários da última faixa (UNI - 4) e
b) dos falantes de escolaridade fundamental e escolaridade média,
representantes do português popular, também da última faixa
(POP– 4).
219
A análise procura identificar se, nas últimas faixas etárias dos dois
grupos ora trabalhados, pode haver uma indicação mais precisa a respeito
da relação entre a saliência e a concordância. Além disso, diante da
suposição de aquisição mais variável no grupo POP, os falantes mais
velhos desse grupo podem apresentar mais indícios desse tipo de aquisição,
uma história de mais divergência de dados primários, relacionada a uma
história de aquisição com mais diversidade que os informantes mais jovens.
Essas análises têm como hipótese que, assim como na junção de todos os
falantes a saliência fônica se mostrou como uma variável importante,
principalmente no grupo dos informantes mais velhos do POP, os
resultados poderão servir como indicação mais clara e precisa do
fenômeno, de forma a acentuar ou reduzir as tendências já percebidas. Os
resultados do grupo UNI 4 e do POP 4, porém, não podem ser
integralmente comparados, na forma de confronto entre pesos relativos,
uma vez que o grupo UNI faz concordância categórica em quase todos os
fatores. Nesse grupo, a concordância no sintagma nominal é quase
categórica, só havendo variação entre os itens paroxítonos e proparoxítonos
de plural regular. A tabela 23 apresenta os resultados da análise do efeito
da Saliência da concordância nos dois grupos.
A concordância dos dois grupos demonstra relacionar-se à saliência
fônica. No grupo POP 4, os itens paroxítonos de plural regular e os itens
em –ão regular estão bem próximos, como se, nesse caso, a regularidade do
plural fosse o dado definidor dos grupos, não se considerando o fato de
itens em –ão regular serem, principalmente oxítonos. No grupo UNI 4, a
concordância é categórica nos fatores de maior grau de saliência, só
existindo variação quando os fatores estão relacionados aos menores graus
de saliência.
220
Tabela 23:
Efeito da Saliência Fônica na concordância da última faixa etária dos
grupos do Português Popular – POP 4 – e do Português Universitário –
UNI 4.
Fatores
POP-4
P. R.
UNI-4 Sign.=.005
P. R.
Sign.=.000
R Oxítono
108/119 91%
.85
52/52 100%
R Paroxítono
729/1195 61%
.40
970/997 97%
.49
R Proparoxítono
15/28 54%
.48
61/62 98%
.65
Duplo
6/6 100%
Em /l/
34/38 89%
.86
41/41 100%
Em /r/
28/29 97%
.97
55/55 100%
Em ão irregular
17/20 85%
.84
32/32 100%
Em /s/
63/88 72%
.65
22/22 100%
Em ão regular
8/16 50%
.39
1/1 100%
Totais
14/14 100%
11002/1533 65%
1595/1624 98% (fatores em
que há na variação)
221
Gráfico 21: Efeito da saliência na concordância POP 4 e UNI 4
1
0,8
0,6
POP 4
0,4
UNI 4
0,2
0
R R R D
ox par pro
/l/
/r/ ão /s/ ão
irr
reg
Bayley (1994:167) diz que a análise de regras variáveis envolve
pressupostos teóricos sobre a relação entre a competência gramatical e a
natureza das comunidades discursivas. Entre esses pressupostos, ele diz que
“1. Falares dos indivìduos podem diferir na sua
freqüência de uso da regra variável, isto é, na sua
probabilidade de input para a regra.
“2. Indivìduos devem ser parecidos ou idênticos no
que diz respeito aos valores dos fatores assinalados
para a restrição lingüística da regra. (Esta afirmação
geralmente referida diz respeito unicamente às
pessoas que pertencem à mesma comunidade
discursiva.)” 65
65
“Individuals speakers may differ in their basic rate of use of a variable rule, that is, in their input
probability for the rule. Individuals should be similar or identical in the factor values assigned to
222
Partindo desses dois princípios, pode-se pressupor que diferentes
efeitos dos fatores indicariam diferentes gramáticas, e, nesse caso, o falante
que não faz parte de uma determinada comunidade discursiva teria outra
gramática. Considerando as afirmações de Bayley, os dados, agora
mostrados, indicam que o português do grupo universitário, última faixa
etária, não se trata de gramática diferente, pois a variável saliência fônica
restringe da mesma forma a concordância de número no sintagma nominal:
no UNI 4, assim como no POP 4, quanto menos saliência, menos
concordância. No grupo UNI 4, nos casos de mais saliência, houve
concordância categórica, e é nisso que reside a diferença dos dois grupos.
Considerando que a saliência é um dado importante na variação, assim
como na aquisição de determinados fenômenos da linguagem (e a
concordância é um deles), através dessa variável pode-se refletir a respeito
do grupo universitário, última faixa etária. Se mais concordância em
situação de dados com oposição mais saliente indica aquisição com mais
diversidade, os dados mostram que os dois grupos poderiam ser
considerados como tendo a mesma história. O grupo UNI 4, no entanto,
não tem indicação de que isso pudesse ter ocorrido, uma vez que os
informantes desse grupo, conforme hipótese apresentada na seção que trata
de variáveis sociais, são, na maioria, descendentes da faixa mais abastada
da cidade, logo sem relação com ancestralidade escrava. Outra hipótese que
se pode levantar é que se detecta com esse quadro, não o fim de uma
mudança, caminhando numa direção de concordância categórica, mas o
início de uma outra que tende para uma direção de perda das marcas. Nesse
segundo caso, as faixas etárias mais novas podem dar uma indicação mais
precisa do quadro e a seção 3. 1 desta pesquisa confirma isso. No grupo de
nível universitário, última faixa etária, constata-se que a variação está se
linguistic constraints on the rule. (The assumption is usually qualified to apply just to people who belong
to the same speech community)”.
223
iniciando entre os itens paroxítonos e proparoxítonos de plural regular, que
são
situações
que
envolvem
oposição
menos
saliente
entre
o
singular/plural, condizente com o quadro de actuation previsto por Naro
(1981:96). Nas faixas etárias mais novas do mesmo grupo, a variação já se
espalha - difusion - para outros contextos mais salientes, como apresentado
na tabela 23, quando foi feita a comparação entre os grupos POP e UNI,
incluindo todas as faixas etárias.
É necessário que se avalie, em seguida, o efeito da atividade escolar.
O estudo que se segue procura pesquisar, então, a relação entre a
concordância e a Saliência fônica, considerando os diferentes grupos de
escolaridade, observados em três análises independentes.
3. 2. 1. 5 Saliência fônica – Grupos de escolaridade
A análise que nesse momento será apresentada busca observar se
entre os grupos de escolaridade há diferenças no que diz respeito ao efeito
da Saliência fônica na concordância. Nessa fase, estão incluídos os
informantes de todas
universitários,
já
as idades, conjuntamente. Os dados dos
observados
anteriormente,
são
mais
uma
vez
apresentados, na tabela 24.
Entre os três grupos, percebe-se o mesmo efeito da variável, mas em
alguns fatores a probabilidade não é muito semelhante (oxítonos regulares,
em ão, metafônicos ou duplos, em -/r/, e os itens em -/s/). A oposição entre
mais saliência e mais concordância e menos saliência menos concordância,
no entanto, ocorre nos três grupos, apesar de a freqüência de concordância
ser sempre proporcional ao nível de escolaridade: mais escolaridade, mais
concordância.
224
Tabela 24:
Efeito da saliência fônica nos três níveis de escolaridade
Fundamental
P.R
Sign.=.000
R Oxítono
220/262 84%
Colegial
P.R.
Sign.=.000
.76
263/280
Universitário
P.R.
Sig.=.000
.80
236/239 99%
.75
.40
2478/2665
.43
94%
R Paroxítono
1152/2485
.42
46%
1808/2531
71%
93%
Proparoxítono
18/53 34%
.44
44/61 72%
.47
122/132 92%
.48
Duplo
12/18 67%
.78
19/20 95%
.88
30/31 97%
.65
Em /l/
51/77 66%
.80
70/73 96%
.96
88/88 100%
Em /r/
39/60 65%
.81
122/132
.86
140/143 98%
.81
92%
Em ão irr
Em /s/
30/47 64%
.75
41/48 85%
.77
95/96 99%
.87
118/191 62%
.76
157/203
62
100/104 96%
.71
.36
9/10 90%
.52
77%
Em ão regular
TOTAIS
18/53 34%
.49
1658/3246 51%
20/32 63%
2544/3380 75%
3210/3420 94%
225
Gráfico 22: Efeito da saliência na concordância - Grupos de
escolaridade
1
0,9
0,8
0,7
0,6
Fundamental
0,5
Média
Superior
0,4
0,3
0,2
0,1
0
R ox R par R pro
D
/l/
/r/
ão irr
/s/
ão reg
Percebe-se, mesmo assim, no nível superior peso relativo mais baixo
em um fator em que era de se esperar ser mais marcado, ou mais alvo de
concordância: os plurais duplos (peso .65 no nível superior, ao lado de .78
no fundamental e .88 no médio). Além disso, chama a atenção o peso dos
itens em –ão com plural regular que, no nível superior, cresce em
probabilidade de concordância. Esse fato pode ser associado à força da
estigmatização: os itens em –ão parecem sofrer uma carga maior de
observação social, resultando em maior uso da marca de plural entre os
falantes de nível superior.
Para entender ainda mais como a saliência opera em todos os grupos,
procura-se, em seguida, observar o efeito dessa variável na concordância
226
dos grupos de sobrenome, buscando encontrar, na variável etnia, se há
alguma relação diferente entre os grupos.
Apesar de ser utilizado o critério de análise da etnia a partir dos
sobrenomes, tem-se a consciência de que essa é apenas uma tentativa de
poder trazer à baila, nesta tese, uma variável nova, aproveitando a
experiência do grupo de estudos de genética. Sabe-se, contudo, que,
embora esse critério possa servir como parâmetro, tem valor apenas como
um dado a mais, relevante apenas no âmbito da estatística.
3. 2. 1. 6 A saliência fônica e os grupos de sobrenome
Diante do que se observou na seção 3. 1. 4, e ainda da existência de
estudos que defendem uma relação entre tipo de aquisição e saliência
fônica, a expectativa é de que o grupo com os sobrenomes religiosos,
representativo da etnia negra, pudesse revelar marcas de exposição da
população dos negros a dados mais variáveis na aquisição do português
como L2, na sua história de inserção na sociedade brasileira. Dessa forma,
espera-se que o grupo de sobrenome religioso possa mostrar a variação da
concordância mais diretamente relacionada à saliência que os outros
grupos. A tabela a seguir permite comparar resultados da análise dos dados
dos informantes de dois grupos:
1) sobrenome religioso (indicador de ancestralidade negra), nesse
caso agrupando os que têm um ou dois sobrenomes religiosos e
2) sobrenome não religioso, ou seja, sobrenome animal/planta ou
outros sobrenomes (indicadores de ancestralidade não negra).
Os informantes de nível universitário foram excluídos da amostra,
como foi explanado no item 3. 1, por isso ela só envolve o português
popular. Isso se justifica, como já explicado antes, no fato de existirem
227
poucas pessoas com sobrenome religioso entre os informantes da amostra
UNI.
Tabela 25:
Efeito da Saliência na Concordância – Comparação entre os grupos de
sobrenomes
Não religioso
P. R.
Sign.=000
R oxítono
Religioso
P. R.
Sign.=.000)
201/223 90%
.77
272/306 89%
.80
1428/2247 64%
.42
1470/2656 55%
.41
R prop
33/62 53%
.33
29/51 57%
.54
Duplo
8/12 67%
.70
23/26 88%
.87
Em /l/
52/66 79%
.85
68/82 83%
.86
Em /r/
94/108 87%
.88
63/78 81%
.82
ão irreg
35/45 78%
.78
31/43 72%
.73
Em /s/
120/165 73%
.69
144/218 66%
.67
Ão reg
13/37 35%
.25
25/45 56%
.57
R paroxítono
TOTAIS
1984/2965 67%
2125/3505 61%
Ao comparar o efeito da saliência na concordância dos dois grupos,
nota-se que o resultado que reflete mais a expectativa quanto aos itens de
228
plural duplo são os referentes ao grupo de sobrenome religioso. O fator
relativo aos itens de plural duplo, no grupo com sobrenome não religioso,
tem um
peso relativo mais baixo, comparando com o de sobrenome
religioso, com uma diferença entre os pesos relativos, nos grupos, de .18,
diante do que era de se esperar em relação à escala de saliência.
Gráfico 23: Efeito da saliência na concordância Grupos de sobrenome
1
0,8
0,6
Não Religioso
0,4
Religioso
0,2
/
re
g
/s
ão
irr
/r/
ão
/l /
D
pa
r
pr
o
R
R
R
ox
0
Observa-se que os dois grupos têm peso relativamente aproximado de
concordância em itens terminados em /l/, /r/ -ão irregular e -/s/, com alto
grau de saliência na oposição singular/plural. Chama a atenção a diferença
entre os pesos relativos dos itens em –ão regular: apesar de no grupo
religioso esse fator ter um peso de
.57, no grupo de sobrenome não
religioso tem um peso de .25, numa diferença de .32. As palavras em –ão
regular, como já foi observado, quanto à tonicidade são, em maioria,
oxítonas, mas fazem o plural regular. Obedecendo ao princípio da
saliência, deveria ser esperada, nessas formas, mais marca, mas isso tende a
229
ocorrer apenas no grupo de sobrenome religioso. A saliência, então, de
fato, parece interferir mais na concordância das formas em –ão regular
principalmente no grupo de sobrenome religioso, não no outro.
Em seguida faz-se uma análise do efeito da saliência na concordância
dos grupos de sobrenome de cada nível de escolaridade. Dessa forma,
espera-se encontrar resultados em que se terá a certeza de que não há
interferência entre as duas variáveis, sobrenome e escolaridade. As tabelas
26 e 27 apresentam os resultados alcançados, de início, no estudo do nível
Fundamental e, em seguida, é feita a mesma observação no nível Médio.
No nível Fundamental, observam-se principalmente diferenças
detectadas nos mesmos fatores que opuseram os dois grupos na análise
geral entre os grupos de sobrenome:
os plurais Duplos e os itens
terminados em –ão regular. No nível Fundamental, porém, tornam-se mais
distantes os resultados referentes aos plurais duplos (.46 de diferença entre
os grupos), pois eles são apenas favorecedores no grupo de sobrenome
religioso.
No grupo de escolaridade média, o fator referente aos plurais duplos
tem concordância categórica no grupo de sobrenome Não religioso, e, no
grupo de sobrenome religioso, um peso relativo de .91, sendo, dessa forma,
o fator favorecedor nos dois grupos. Mantém-se, mesmo no nível de
escolaridade Média, a mesma diferença no peso relativo aos itens em –ão
final nos dois grupos: o de sobrenome religioso tem um peso próximo ao
ponto neutro .48, enquanto o grupo não religioso apresenta grande
desfavorecimento desse fator na concordância - .27.
230
Tabela 26:
Efeito da Saliência na concordância dos grupos de sobrenome de nível de
escolaridade Fundamental
Fatores
Não religioso Sign.=.000
Freqüência
P. R.
Religioso Sign.=.000
Freqüência
P.
R.
R Oxítono
73/90 81%
.67
137/159 86%
.80
R Paroxítono
526/1095 48%
.42
564/1277 44%
.42
Proparoxítono
11/33 33%
.40
7/19 37%
.44
Duplo
2/6 33%
.40
10/12 83%
.86
Em /l/
25/38 66%
.88
25/37 68%
.83
Em /r/
20/33 61%
.83
15/21 71%
.86
Em ão irrr
13/22 59%
.76
12/18 67%
.72
Em /s/
56/85 66%
.84
51/95 54%
.69
Ão regular
4/22 18%
.29
14/28 50%
.50
TOTAIS
730/1424 51%
835/1666 50%
231
Gráfico 24: Efeito da Saliência fônica na concordância
dos grupos de sobrenome de nível Fundamental
1
0,9
0,8
0,7
0,6
Não religioso
0,5
Religioso
0,4
0,3
0,2
0,1
0
R ox
R
par
Pro
D
/l/
/r/
ão irr
/s/
ão
reg
Em seguida, a mesma análise no nível Médio.
Tabela 27:
Efeito da Saliência na concordância dos grupos de sobrenome de nível de
escolaridade Médio.
Fatores
Não religioso Sign.=.000
Religioso Sign.=.000
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R.
R Oxítono
128/133 96%
.79
135/147 92%
.79
R Paroxítono
902/1152 78%
.38
906/1379 66%
.40
Proparoxítono
22/29 76%
.30
22/32 69%
.60
232
Cont...
Fatores
Não religioso Sign.=.000
Freqüência
Religioso Sign.=.000
P. R.
Freqüência
P. R.
13/14 93%
.91
Duplo
6/6 100%
Em /l/
27/28 96%
.94
43/45 96%
.96
Em /r/
74/75 99%
.96
48/57 84%
.81
Em ão irrr
22/23 96%
.97
19/25 76%
.69
Em /s/
64/80 80%
.55
93/123 76%
.65
Ão regular
22/23 96%
.27
11/17 65%
.48
TOTAIS
1248/1535 81%
1290/1839 70%
Entre os grupos de sobrenome, portanto, é bem diferente o efeito da
variável Saliência principalmente em dois fatores: os itens de plural duplo e
os de singular –ão com plural regular. No grupo de sobrenome não
religioso, o fenômeno da concordância no sintagma nominal tende a uma
redução da concordância, como se observou na seção 3. 1. 5 deste trabalho,
demonstrando um quadro de perda, não de aquisição.
Dessa forma, os resultados da análise do grupo de escolaridade Média
mostram os duplos como os de concordância categórica, outros fatores
referentes a alto grau de saliência com grande probabilidade de marca, por
serem esses os itens com concordância mais saliente e, em casos de perda
de concordância, são esses os morfemas que mais dificilmente se perdem
na língua.
233
Gráfico 25: Efeito da Saliência fônica na concordância dos
grupos de sobrenome de escolaridade Média
1
0,9
0,8
0,7
0,6
Não religioso
Religioso
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
R ox R par
Pro
D
/l/
/r/
ão irr
/s/
ão reg
Com esses resultados,
1) o sobrenome religioso pode significar uma relação mais direta com
um passado de aquisição do português com dados mais variáveis,
dos quais só o que era mais saliente era percebido; e
2) o sobrenome não religioso pode significar uma relação com uma
variação mais sensível ao efeito da saliência fônica, em que os
itens com concordância menos perceptível são desobrigados de
participarem do processo, ou, pelo menos, a ausência de
concordância nesses é quase imperceptível e, por isso, o seu efeito
social pode ser pequeno ou quase inexistente.
234
A lógica, parece, diante do conhecimento que se tem da formação da
população de Salvador, é relacionar o grupo de sobrenome religioso à
história de aquisição de língua com mais diversidade de dados e o
sobrenome religioso à crescente variação, refletindo o efeito da Saliência.
Para corroborar com essa idéia, deve-se associar a esse dado a análise feita
com as faixas etárias diferentes, no estudo das variáveis sociais, que
indicou que no grupo de sobrenome religioso, diferentemente do grupo de
sobrenome não religioso, há uma tendência de aumento da concordância,
com a população mais jovem apresentando maior probabilidade de marcar
o plural nos itens do sintagma nominal; e na população mais velha há
menor probabilidade de serem inseridas essas marcas. Os resultados, então,
confirmam a expectativa inicial da relação entre a saliência e o tipo de
aquisição de língua do referido grupo.
Com a finalidade de fazer um estudo mais apurado da variável
Saliência fônica, em seguida serão observados exclusivamente os
substantivos e adjetivos, seguindo Scherre (1988), pois imagina-se que
essas classes, pelo número de itens no material levantado, e por terem
dados exemplificativos de quase todos os fatores, podem dar condições de
uma análise com menos interferência.
3. 2. 1. 7 A Saliência nos substantivos, adjetivos e categoria
substantivadas.
Seguindo a mesma metodologia utilizada por Scherre (1988), essa
próxima análise só inclui na amostra as classes dos substantivos, adjetivos
e categorias substantivadas, sendo retirados todos os itens de outras classes
gramaticais. Na primeira análise, são observados de uma só vez todos os
informantes do corpus, em seguida, fazem-se análises com os grupos; de
235
início, são comparados os resultados referentes ao português popular e ao
português universitário, analisados separadamente. Essa etapa tem como
objetivo verificar se, nesses grupos, apenas com substantivos, adjetivos e
categorias substantivadas, se mantém o que foi observado nas análises
anteriores. Posteriormente, faz-se a análise desses mesmos grupos apenas
na última faixa etária, por considerar que esse grupo, por ser constituído de
pessoas mais velhas, tenha mais condições de, caso tenha havido alguma
relação com aquisição com diversidade de dados e muita variação, ainda
ser possível existirem marcas mais evidentes desse tipo de aquisição. A
tabela 28 apresenta os resultados.
Nessa análise apenas com substantivos, adjetivos e categorias
substantivadas, os resultados não são muito diferentes da análise geral.
Enquanto muitos dos fatores se mantiveram com o mesmo peso relativo de
concordância nas duas análises, foram levemente aumentados os valores
referentes aos oxítonos com plural regular e aos plurais duplos (diferença
de .03 e .02, respectivamente, em relação à análise com todas as classes).
Os fatores referentes a plurais duplos e em -/r/ têm o mesmo peso e,
ainda, esses dois fatores estão muitíssimo próximos do fator referente a
itens com plural em -/l/, com uma diferença de .02, indicando, os três, o
mesmo condicionamento. Na análise com todas as categorias, feita
anteriormente, os plurais duplos tinham um peso levemente menor (.02 de
diferença entre duplo e -/r/ e a mesma diferença entre -/r/ e /l/, esse último
com o mesmo peso nas duas análises).
236
Tabela 28:
Efeito da Saliência na Concordância – Análise apenas com Substantivos,
Adjetivos e Categorias substantivadas – Análise Geral
Fatores
Sign.=.000
Freqüência
P. R.
Regular Oxítono
309/359 86%
.81
Regular Paroxítono
3863/6021 64%
.41
R Proparoxítono
181/243 74%
.45
Plural Duplo
61/69 88%
.82
Em /l/
209/238 88%
.84
Em /r/
301/335 90%
.82
Em ão irregular
166/191 87%
.77
Em /s/
374/497 75%
.69
Em ão regular
47/95 49%
.46
TOTAL
5511/8048 68%
Dessa forma, pode-se afirmar que, pelo que até então se percebe, é
indiferente se todas as categorias gramaticais são observadas de uma só
vez, ou apenas os substantivos, adjetivos ou categorias substantivadas, o
efeito da variável Saliência fônica mostrou-se relativamente o mesmo. Em
237
seguida, faz-se a mesma observação da Saliência fônica apenas com as
classes ora observadas, fazendo um confronto entre os grupos POP e UNI.
Tabela 29:
Efeito da Saliência fônica na concordância nominal das classes dos
Substantivos, Adjetivos e Categorias substantivadas – Comparação entre o
Português Popular (POP) e o Universitário (UNI).
Fatores
POP Sign.=.000
P. R.
UNI Sign.=.000
R Oxítono
200/247 81%
.81
109/112 97%
.74
R Paroxítono
1901/3877 49%
.41
1962/2144 92%
.43
Proparoxítono
62/114 54%
.44
119/129 92%
.46
Duplo
31/38 82%
.84
30/31 97%
.64
Em /l/
120/149 81%
.83
88/88 100%
Em /r/
161/192 84%
.82
140/143 98%
.80
Em ão irr
71/95 75%
.76
95/96 99%
.87
Em /s/
274/393 70%
.69
100/104 96%
.69
Ão regular
38/85 45%
.46
9/10 90%
.46
TOTAIS
2858/5190 55%
P. R.
2565/2770 93%
Assim como na primeira análise, com todos as categorias gramaticais,
nessa comparação entre os grupos POP e UNI continua a se perceber que
238
nos dois grupos a Saliência fônica tem efeito semelhante na concordância.
Mas no Português Popular é maior o peso relativo dos fatores referentes à
saliência dos oxítonos e dos plurais duplos no grupo POP do que no grupo
dos universitários e o fator que se refere às formas em -/l/, com grande
probabilidade de marca no POP, teve a concordância categórica no segundo
grupo. Há, contudo, alguns dados comuns aos dois grupos: os pesos
relativos às formas em ão, e em -/s/, nos dois grupos, são os mesmos.
Gráfico 26: Efeito da saliência na concordância dos grupos POP e
UNI - apenas substantivos, adjetivos e categorias substantivadas
1
0,9
0,8
0,7
0,6
POP
0,5
UNI
0,4
0,3
0,2
0,1
0
R ox R par R pro
D
/l/
/r/
ão irr
/s/
ão reg
239
No grupo UNI, tanto na presente análise, como na feita anteriormente
com todas as classes, chama a atenção a redução do peso relativo dos
plurais duplos, o que se constitui no diferencial entre os dois grupos. Em
outras análises, há fatores que estão sempre próximos aos duplos: os em -/l/
e os em -/r/. Isso, no entanto, não acontece nas análises do grupo UNI (com
todas as classes ou apenas com os substantivos, adjetivos e categorias
substantivadas).
Em seguida, na tabela 30, apresenta-se apenas a análise do efeito da
variável na última faixa etária desses dois grupos.
No grupo dos falantes mais velhos do POP, nessa nova análise
percebe-se que alguns fatores da variável estudada têm peso relativo
aumentado. São os oxítonos regulares, os de final em /r/, em /l/, e ão
irregular, todos com mais saliência. Além desses, os plurais metafônicos
têm concordância categórica nessa faixa etária mas, ao lado disso, os
plurais em -/s/ sofrem uma pequena redução.
No grupo universitário, observa-se que a significância é muito alta e
que, nessa faixa de idade, apenas a oposição entre os itens regulares foi
analisada, já que os outros processos tiveram concordância categórica,
todos com grande saliência. Ao analisar os itens que fazem o plural regular,
nota-se que o grupo UNI-4 faz concordância quase que categórica, só
havendo variação entre os itens paroxítonos e proparoxítonos de plural
regular. Observa-se, dessa forma, que nos fatores que se referem aos
maiores graus de saliência, no UNI 4, não há variação. Isso revela que as
restrições sejam as mesmas nos dois grupos, relação semelhante em acordo
com o que se espera do efeito da saliência. Apesar de se ter criado a
hipótese de que existem gramáticas diferentes nos dois grupos, isso não se
confirma nessa análise: a saliência fônica, que produz um efeito importante
240
no grupo do português popular, tem o mesmo efeito no grupo universitário
de faixa etária mais avançada.
Tabela 30:
Saliência fônica nos substantivos e adjetivos – Grupos POP e UNI,
considerando apenas a última faixa etária (POP 4 e UNI 4).
Fatores
POP-4 Sign.=.000
UNI-4 Sign.=.220
P. R.
R Oxítono
49/55 89%
.88
23/23 100%
R Paroxítono
494/939 53%
.41
787/813 97%
.49
Proparoxítono
15/28 54%
.49
60/61 98%
.65
Duplo
6/6 100%
Em L
34/38 89%
.87
41/41 100%
Em R
28/29 97%
.96
55/55 100%
Em ão irr
17/20 85%
.80
32/32 100%
Em S
63/88 72%
.63
22/22 100%
ão regular
8/16 50%
.38
1/1 100%
TOTAIS
708/1213 58%
14/14 100%
868/896 97%
Esta pesquisa descarta, pois, a existência de que haja duas gramáticas
diferentes entre os grupos e que haja um quadro de competição de
gramáticas, atuando no contexto social como um todo de Salvador.
241
Efeito da saliência na concordância - Apenas substantivos, adjetivos e
categorias substantivadas - Grupos POP 4 e UNI 4.
1
0,9
0,8
0,7
0,6
POP 4
0,5
UNI 4
0,4
0,3
0,2
0,1
0
R ox
R par
R pro
D
/l/
/r/
ão irr
/s/
ão reg
Constata que no grupo do Português Popular e no Português
Universitário a concordância é variável em itens que fazem o plural com
menos material fônico.
1) Há pessoas de um grupo, o POP 4, com ampla variação governada,
pelo que até então se observou, pela saliência fônica;
2) há outras, do grupo, o UNI 4, em que quase não há variação da
concordância e, quando ela ocorre, parece ser governada pelo
mesmo princípio.
O quadro indica que o grupo UNI 4 apenas inicia o processo de
variação da concordância no sintagma nominal, processo que já caracteriza
o POP 4.
242
Em seguida, analisa-se a saliência apenas nos substantivos, categorias
substantivadas e adjetivos, separando-se os grupos de sobrenome. A tabela
a seguir apresenta os resultados.
Tabela 31:
Efeito da Saliência na concordância dos substantivos, adjetivos e categorias
substantivadas – Grupos de Sobrenome (Sign.=.000)
Fatores
Não religioso
R Oxítono
87/104 84%
R Paroxítono
Religioso
P. R.
.80
109/136 80%
.84
966/1763 55%
.42
902/2034 44
.41
Proparoxítono
33/62 53%
.35
29/51 57%
.51
Duplo
8/12 67%
.68
23/26 88%
.89
Em L
52/66 79%
.88
67/81 83%
.86
Em R
94/108 87%
.86
63/78 81%
.81
Em ão irrr
35/45 78%
.81
31/43 72%
.74
Em S
120/165 74%
.70
143/217 66%
.67
ão regular
13/37 35%
.25
25/45 56%
.60
TOTAIS
1408/2362 60%
P. R.
1393/2712 51%
Considerando-se apenas substantivos, categorias substantivadas e
adjetivos, o quadro de oposição entre os dois grupos se mantém. Os plurais
duplos e os itens em ão permanecem com maior peso no grupo de
243
sobrenome religioso, com maior diferença, em comparação com o de
sobrenome não religioso nessa análise apenas com as classes referidas. No
grupo de sobrenome não religioso, apesar de o fator referente aos plurais
duplos ser favorecedor, o seu favorecimento é bem menor que os itens em
-/l/ e os em -/r/, uma diferença de .20 e .18 entre os duplos e,
respectivamente, em -/l/ e em -/r/.
Gráfico 28: Efeito da saliência na concordância dos substantivos,
adjetivos e categorias substantivadas nos grupos de Sobrenome
1
0,9
0,8
0,7
0,6
Não Religioso
0,5
Religioso
0,4
0,3
0,2
0,1
0
R ox
R par R pro
D
/l/
/r/
ão irr
/s/
ão reg
Os fatores que aproximam os dois grupos são os referentes aos itens
em /l/, em /r/ e em /s/. Os paroxítonos, que sempre se mostraram
desfavorecedores, no grupo de sobrenome não religioso mostram-se no
ponto neutro, na frente dos proparoxítonos, levemente diferente das outras
análises feitas com os outros grupos da amostra.
244
Mais uma vez se encontram evidências de que o grupo de sobrenome
religioso realmente apresenta mais indícios de que é possível que a
aprendizagem de língua desse grupo tenha tido como dados primários mais
diversidade de dados, com informações lingüísticas de várias origens pois,
na concordância no sintagma nominal desse grupo, os itens em que a
oposição singular/ plural é mais saliente (com destaque os duplos e os em –
ão regular) têm mais probabilidade de concordância do que no outro grupo,
o de sobrenome não religioso, estudado nessa pesquisa.
3. 2. 2 Posição Linear
Os sintagmas da amostra foram analisados observando-se a relação
entre a posição linear de cada elemento e a sua probabilidade de ter marca
de plural. A expectativa era de que os itens em primeira posição fossem
mais alvo de concordância, diante da informação nova de plural que eles
trazem no sintagma. Em outras posições, tem-se a previsão de que a marca
pode ser dispensada. Essa expectativa está de acordo com o princípio
funcionalista, de que as informações relevantes tendem a ser conservadas e
de que as outras têm uma tendência a serem dispensadas.
Foram codificadas cinco posições, apresentadas e exemplificadas a
seguir. Os itens em letras maiúsculas são os que estão em observação.
1a Posição
“ESSAS coisa; eu faço pra mim” M3C17
2ª Posição:
“as FACILIDADE melhores do que aquela” H4C11
3ª Posição:
245
“aquelas camisa BRANCA, com letreiro aqui” M1F05
4ª Posição:
“os outros meninos MAIORES, também” H2C13
5ª ou outra Posição:
“os meus dois outros PRIMOS, mas eu nunca” M1C12
Na análise geral, a primeira posição foi a mais marcada,
confirmando as expectativas. Essa posição mostrou-se como a posição
linear mais favorecedora, contra as outras, desfavorecedoras. Após a
redução drástica da primeira para a segunda posição, existe uma tendência
de aumento do favorecimento, até a 5a. posição. A tabela 32 mostra os
resultados.
O resultado confirma quase que totalmente os achados de outros
pesquisadores quanto ao mesmo fenômeno em outras regiões do Brasil, a
exemplo de Guy (1981: 17966). Scherre (1981), Scherre (1988), Fernandes
(1996) e Carvalho (1997), além de terem constatado que a primeira posição
linear é a favorecedora, relacionaram essa variável a outras, a classe
gramatical do elemento, à posição em relação ao núcleo e às marcas
precedentes no sintagma. Guy (1981) relacionou diretamente a posição
linear à classe gramatical, chegando a considerar a primeira posição como a
posição do determinante, a segunda, ele associou ao substantivo e a
terceira, à classe do adjetivo.
66
Guy (1981), estudando a fala carioca, chegou aos pesos relativos .94, .47, .41, .10 para a 1 a, 2a, 3a, e 4a
ou 5a posições, respectivamente.
246
Tabela 32:
Efeito da posição linear no sintagma sobre a concordância no sintagma
nominal – Todos os dados
Significância: .000
Posições
Freqüência
P. R.
1a. Posição
5840/5885 99%
.85
2a Posição
4552/6636 69%
.22
3a. Posição
662/1070 62%
.21
4a. Posição
146/246 59%
.17
5a. Posição
51/68 75%
.31
TOTAL
11251/13905 81%
A associação feita não procede, nos dados ora analisados, como
será visto na análise que será feita em seguida. Dessa forma, antes de outras
considerações, passar-se-á agora à análise das variáveis classe gramatical,
para, posteriormente associar essa variável com a posição linear.
247
Gráfico 29: Efeito da posição linear na
concordância
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
P1
P2
P3
P4
P5
3. 2. 3 Classe gramatical
Ao estudar a relação entre classe e concordância, tem-se a idéia de
que as classes que são utilizadas como núcleos de sintagma conservariam
mais as marcas de concordância que as outras. Mas a análise mostra que
não é esse o princípio que rege o fenômeno, pelo menos no material
analisado e nas análises feitas também por outros lingüistas (Scherre, 1988;
Fernandes, 1996 ; Carvalho, 1997).
Observando a relação entre classe gramatical e a concordância no
sintagma nominal, os adjetivos 267 e os artigos são os fatores com maior
67
Ver seção 2. 3. 4, sobre Classes gramaticais. O adjetivo 2 corresponde a alguns itens considerados
pronomes indefinidos pela tradição gramatical, mas considerados neste trabalho e em Scherre (1988),
pela sua especificidade, como adjetivos 2, a exemplo de PRÓPRIAS em Das PROPRIAS coisas.
248
peso
relativo
na
análise
estatística
realizada
(PR
.80
e
.73,
respectivamente). Em seguida, situam-se os possessivos (PR .67), os
numerais (PR .66), os indefinidos (PR .58), os pronomes pessoais do caso
reto (PR .56). Os menores pesos relativos foram os dos substantivos,
quantificadores e categorias substantivadas (PR .35. .24 e .25,
respectivamente). Os demonstrativos e os relativos não exibiram variação
no material trabalhado. Uma análise geral da concordância nas diversas
classes é apresentada na tabela 33.
O fato de os artigos serem tão marcados, é fácil de se observar, está
diretamente relacionado à sua posição no sintagma, normalmente na
primeira posição. Mas nem só os determinantes estão em primeira posição,
como Scherre (1981) bem observou no Rio de Janeiro, discordando da
generalização radical feita por Guy, anteriormente referida, de que a
primeira posição era a posição dos determinantes:
“Considerando, agora, todos os dados que envolvem
alguns
„determinantes‟
(artigos,
demonstrativos,
indefinidos) e os substantivos e os adjetivos
acompanhados por esses determinantes, é possível,
não
apenas
reafirmarmos
o
comportamento
diferenciado das classes em relação à posição como,
também, evidenciarmos que o paralelo entre Classe e
Posição não se pode estabelecer, nem em termos
percentuais...” (Scherre: 1981: 157).
249
Tabela 33:
Efeito da Classe Gramatical na Concordância
Significância: .000
Classes gramaticais
Artigos ex.:
Freqüência
P. R.
AS
3896/3917 99%
.76
as
4506/6692 67%
.34
622/836 74%
.33
502/520 97%
.74
161/228 71%
.26
162/291 56%
.26
219/226 97%
.81
coisas certas e erradas ne
Substantivos
ex.:
MARINETES, horríveis, sempre
superlotadas, inseguras
Adjetivos 168 ex: aqueles peixezinho
PEQUENININHO nas jaulas
Possessivos
ex.:
MEUS irmão mais velho
Quantificador ex.: pelas praia
TODA ali
Categorias substantivadas ex.: os
MESMOS usados, agora tinha
H4C11
Adjetivos 2 ex.: DETERMINADAS
assistências de casa
68
M2U014/N
Ver seção 2. 3. 4. Adjetivos 1 é o rótulo aqui dado a classe gramatical dos adjetivos, de acordo com a
tradição gramatical.
250
Classes gramaticais
Indefinidos ex.:
MUITOS
Freqüência
P. R.
513/519 99%
.60
colegas assim que acha assim M1C02
Demonstrativos ex.:
626/626 100%
AQUELAS sandalinha que tem
tamanco H1C04
Relativos ex.: CUJOS donos
2/2 100%
provaram
Numerais ordinais ex.:
13/15 87%
.52
29/32 91%
.80
nos PRIMEIROS meses ficou lá em
casa M4C41
Pronomes pessoais caso reto ex.:
todas ELAS, com a diretora H2F09
TOTAL
11251/13906 81%
3. 2. 4 Classe gramatical e Posição
É necessário observar que itens se situam, no corpus, nas diversas
posições e, assim, avaliar se cabe a generalização feita por Guy (1981). A
tabela a seguir possibilita visualizar os números de dados de cada categoria
gramatical, nas diversas posições.
251
Tabela 34:
Classe gramatical e Posição linear – Distribuição das classes nas diversas
posições
Classes
P1
P2
P3
P4
P5
Total
Artigo
3791
118
8
0
0
3917
Substantivo
267
5691
587
131
15
6691
Adjetivo 1
62
281
351
96
48
838
Possessivo
324
185
10
0
0
519
Quantificador
146
10
54
14
4
228
Categoria substantivada
9
227
51
3
1
291
Adjetivo 2
143
82
0
1
0
226
Indefinido
506
6
7
0
0
519
Numeral
2
12
1
0
0
15
Pronome caso reto
18
14
0
0
0
32
Relativo
2
0
0
0
0
2
Demonstrativo
589
10
1
0
0
614
TOTAIS
5885
6636
1070
246
68
13905
252
Pelo que se observa na tabela apresentada, os artigos são
localizados, na sua maioria, mais de 95%, na primeira posição e os nomes
estão em mais de 85% na segunda posição. Mas a maioria dos adjetivos do
tipo 1 está fora da terceira posição: só 41% deles está nessa posição
(ocupada principalmente por substantivos) e quase 34% ocupa a segunda
posição. A quarta posição é ocupada principalmente por substantivos,
perfazendo 56,5% dos que estão nessa posição e 26,4% dos que estão na
quinta ou outra posição. Dessa forma, os dados estudados também
derrubam a hipótese apresentada por Guy (1981), que defende a relação
direta entre classe e posição.
A depender da posição, os itens da mesma classe têm freqüência
diferente de concordância, e isso foi observado nos dados, como se vê na
tabela 35.
A análise mostra a 1a posição sempre como a mais favorecedora,
para itens de qualquer classe. Os artigos diferem das demais classes por
terem freqüência que não decresce na segunda posição, comparando-se
com os substantivos (96%, 66%, 63%), adjetivos (97%, 85%, 66%),
quantificadores (99%, 10%, 30%), ou possessivos (99%, 95%, 40%,
respectivamente 1a., 2a. e 3a. posições).
Diante das outras classes, é de estranhar que os possessivos sejam alvo
tão freqüente de marca de plural em segunda posição, já que essa é uma
posição que, como se viu, desfavorece a marca de plural em itens de outra
classe.
253
Tabela 35:
Classe Gramatical associada à Posição linear na concordância - Freqüência
Classe / Posição
Freqüência
Artigo em 1a posição 99% ex.:
AS
3770/3791 99%
Artigo em 2a. posição ex.: todos OS lugares,
118/118 100%
primeiras palavra que falou M3F46
roubava
Substantivo em 1a posição ex.: PRIMOS
257/268 96%
meus, assim eu M1C02
Substantivo em 2a posição
ex.: algumas
3782/5691 66%
PARTES assim de minha infância M1C02
Substantivo
3a
em
posição
ex.:
367/587 63%
Substantivo em 4a posição ex.: dos meus
85/131 65%
todos os DIA, mas ela sai M1C02
catorze ANO de idade H2C13
Substantivo em 5a posição ex.: os meus dois
15/15 100%
outros PRIMOS, mas eu nunca M1C12
Adjetivo em 1a posição ex.: ALTOS papo.
60/62 97%
H1F42
Adjetivo
em 2a
DOBRADOS,
H4U009R
o
posição
tal
ex.:
punho
punhos
americano
239/281 85%
254
Classe / Posição
Freqüência
Adjetivo em 3a posição ex.: aquelas
ferpazinhas
PEQUENAS,
então
231/349 66%
aquilo
H4U009R
Adjetivo em 4a posição ex.: todas as boca
57/96 59%
QUENTE que eu entro H3F30
Adjetivo em 5a posição ex.: as idéias dela
35/38 73%
toda FORMADA, porque ela nasceu M3F46
Quantificador
em
1a
posição
ex.:
144/146 99%
TODOS os beneficio, mas para outros não
H2C33
Quantificador em 2a posição ex.: eles TODO
1/10 10%
no Pelourinho H3F32
Quantificador
em
3a
posição
ex.:
16/54 30%
os outros TODOS têm suas qualidade
M3C17
Quantificador em 4a. posição ex.: aqueles
0/14 0%
bicho la TUDO, um bocado de bicho H3F30
Possessivo
em
1a
posição
ex.:
MEUS avós, assim porque era a família
M1C02
322/324 99%
255
Classe / Posição
Possessivo
em
Freqüência
2a
posição
ex.:
175/185 95%
colegas MINHA mesmo que acontece isso
M1C02
Possessivo
em
3a
posição
ex.:
4/10 40%
vários colega MEU lá que fez H1C04
Observação: Nessa tabela foram incluídas apenas classes com um número
grande de dados e em mais posições.
Foram analisados os contextos desses possessivos em 2a e em 3a
posições e constatou-se que eles, em relação ao núcleo do sintagma, se
situavam ou antes ou após o núcleo, com a distribuição que se segue:
1) Em segunda posição posterior ao núcleo, são sete possessivos,
sendo cinco marcados e dois não marcados, 71,43% de concordância, a
exemplo de
“colegas MINHAS pegaram” M3C08
“colegas MINHA mesmo que acontece isso” M1C02
2) Em segunda posição anterior ao núcleo, são 178 possessivos, sendo
8 sem concordância, perfazendo 96% de concordância, a exemplo de
“os MEUS dois outros primos, mas eu nunca” M1C12
“as MINHA neta mesmo (inint) M4F38” H4C14
3) Em terceira posição, anterior ao núcleo, foram duas ocorrências,
todas as duas com concordância, 100% de concordância, a exemplo de
“as duas MINHAS filha, todas duas” M3F31
256
4) Em terceira posição, posterior ao núcleo, foram encontrados sete
casos, dois com concordância e cinco sem concordância, 28,57% de
concordância, a exemplo de
“muitas colega MINHAS com mochila” M1C02
“varios colega MEU” lá que fez H1C04
Os dados indicam que, independente da posição linear do
possessivo, a concordância é feita principalmente quando o possessivo é
anterior ao núcleo e menos quando está depois dele. Diante das evidências
de que a posição em relação ao núcleo tem um efeito importante sobre a
presença da marca de plural nos possessivos, surge a necessidade de que se
observe se, entre todos os outros elementos não nucleares, essa posição
relativa tem o mesmo efeito, à semelhança do que foi observado por
Scherre (1988), para a fala carioca; por Fernandes (1996), para a fala do
Sul; por Carvalho (1997), para a fala de João Pessoa.
3. 2. 5 Classe, Posição linear e Posição relativa
O próximo passo nessa análise é observar se, entre os elementos
não nucleares do sintagma (incluindo artigos, demonstrativos, adjetivos 1,
adjetivos 2, numerais, possessivos, indefinidos, quantificadores) se constata
o mesmo que se observou entre os possessivos: posição à direita do núcleo
(ou posterior a ele) como menos favorecedora da marca e à esquerda dele
como a posição que mais favorece a sua presença.
257
Tabela 36:
Efeito da Classe, posição linear e posição relativa – Análise geral
Fatores
Freqüência
Elementos não nucleares à esquerda do núcleo ex.:
6001/6052
todas ESSAS pessoas do grupo de pagode M1C03
99%
P. R.
Elementos não nucleares à direita do núcleo ex.: 541/826 65%
.89
.13
aquelas fardas ANTIGAS, eu acho que hoje em dia
M1C12
Elementos nucleares em 1a posição
ex.: 285/297 96%
.55
COLEGAS minha mesmo que acontece isso M1C02
Elementos nucleares em 2a posição
ex.: várias
ESCOLA, mas não tenho muita lembrança assim não
3928/5944
.16
65%
M1C02
Elementos nucleares em 3a posição
ex.: umas 397/641 62%
.15
três SEMANAS, um mês mais ou menos M1C03
Elementos nucleares em 4a posição
ex.: as 83/129 64%
.19
suas respectivas ALTITUDES, e tome o rumo H4C14
Elementos nucleares em 5a posição
TOTAL
16/16 100%
11235/13889 81%
258
Gráfico 30: Efeito da classe, posição linear e posição relativa na
concordância
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
à esq
à dir
N1
N2
N3
N4
Em relação aos itens em posição de núcleo, foram incluídos nesse
grupo substantivos e outros elementos em função de núcleo do sintagma.
Nessa situação, esses elementos foram observados quanto a sua posição
linear, uma vez que, nas análises anteriores, essa variável mostrou-se
relevante (Ver tabela Classe gramatical e posição II).
Os elementos não nucleares, quando em posição anterior ao núcleo,
são muito marcados, quase que categoricamente (99%, com peso relativo
de .81). Quando eles estão à direita, ou seja, após o núcleo, a possibilidade
de virem marcados é muito pequena (66%, com peso relativo de .22).A
posição linear, nessa análise, foi levada em consideração apenas para os
núcleos e se vê o desfavorecimento crescente da 1a. para as posições
segunda e terceira e um ligeiro crescimento para a quarta. Na quinta
posição a concordância nos núcleos apresentou-se como categórica, no
sentido de presença de marca, o que mostra mais uma vez que a posição
linear não tem a influência que se supunha ter.
259
3. 2. 5. 1 Classe, Posição linear e Posição relativa e concordância –
Todos os dados
Para melhor entender essa variável, a análise volta-se, em seguida,
para observar os elementos não nucleares à esquerda quanto à contigüidade
desses elementos em relação ao núcleo. Dessa forma, separam-se
elementos à esquerda do núcleo em sintagmas como
“ESSAS coisa toda” M2C21
em que o elementos ESSAS está junto ao núcleo, de elementos de
sintagmas como
“TODOS os problema, Deus” H2F40
em que o elemento TODOS está à esquerda do núcleo, mas não junto a ele.
Procura-se, então, verificar a interferência dessas diferentes situações na
concordância. Ao mesmo tempo, passa-se a observar a relação entre a
concordância e a posição linear nos elementos não nucleares posteriores ao
núcleo. Os resultados são apresentados na tabela 37.
A análise revela que
1)
a posição à esquerda do núcleo, adjacente a ele, como em
“as MESMAS chance porque tem” M2C21
é que favorece bem mais a presença de marca do que a posição à esquerda,
não adjacente ao núcleo, como em
“DO outros dias, nós” H1C20
2)
além de a posição posterior ao núcleo ser um fator altamente
desfavorecedor da marca de plural, a posição linear ainda pode contribuir
260
mais para esse desfavorecimento: a segunda, a terceira e a quarta posições
lineares são as mais desfavorecedoras em elementos posteriores ao núcleo;
e, na quinta, há uma pequena elevação do peso relativo de concordância
nesses elementos.
Tabela 37:
Efeito da Classe, posição linear e posição relativa – Todos os dados,
observando a adjacência ao núcleo e detalhando a posição linear dos
elementos não nucleares à direita do núcleo.
(Significância=.000)
Classe/Posição
Freqüência
P. R
À esquerda, mas não adjacente ao núcleo ex.: “UMAS
605/624 97%
.67
5396/5428
.91
três semanas, um mês mais ou menos” M1C03
À esquerda, adjacente ao núcleo ex.: “AS manga ela
tinha dado”
À direita ao núcleo em segunda posição ex: “castigos
99%
206/259 80%
.16
244/407 60%
.09
57/109 52%
.06
34/51 67%
.09
HORRÍVEIS, de se, de se ajoelhar”
À direita ao núcleo em terceira posição ex.: “os
problemas ATUAIS que existem”
À direita ao núcleo em quarta posição ex.: “aquelas
sapatona assim NUA viradas pra mim”
À direita ao núcleo em quinta posição ex.: “aquelas
sapatona assim nua VIRADAS pra mim”
261
Classe/Posição (cont.)
Freqüência
P. R
Núcleo, 1a. posição ex.: “COLÉGIOS estaduais que
285/297 96%
.52
3929/5944
.16
ganham”
Núcleo, 2a. posição ex.: “muitas CENAS pesadas”
66%
Núcleo, 3a. posição ex.: “todos os PRIMOS juntos, eh,
397/641 62%
.11
83/129 64%
.15
nesse fim”
Núcleo, 4a. posição
ex.: “dos meus catorze ANO de
idade”
Núcleo, 5a. posição ex.: “as mesmas quer dizer assim
16/16 100%
PESSOAS que são”
TOTAL
11251/13906 81%
Quanto aos elementos anteriores aos núcleos, observa-se que, em
alguns sintagmas, o elemento em posição anterior não adjacente ao núcleo
não é marcado. O contexto em que os dados não apresentam concordância
é semelhante, com elementos em segunda posição, sempre marcados,
antecedidos por elementos não marcados em primeira posição. Scherre
(1988) foi a primeira a constatar o fenômeno aqui observado. A sua análise
registra que os possessivos preenchem sempre a segunda posição nesses
sintagmas. Ela não faz referência à adjacência ao núcleo, mas estabelece
uma oposição entre não nucleares à esquerda do núcleo na primeira e na
segunda posição.
262
Gráfico 31: Efeito da Classe, posição linear e
posição relativa, detalhando a adjacência do
elemento à esquerda e a posição linear do elemento
à direita
1
0,8
0,6
0,4
N4
N3
N2
N1
dir5
dir4
dir3
dir2
E adj
0
E não adj
0,2
Para possibilitar melhor entendimento, são identificados os
sintagmas em que, na presente pesquisa, se encontram esses elementos sem
concordância à esquerda não adjacente ao núcleo. São os seguintes:
“A minhas correspondência, como eu” H4F06
“DO outros dias, nos” H1C20
“A minhas filha, ele traz”
M2C23
“NO meus estudos, quando eu vim” H2F40
“NO meus olhos, para depois eu lançar” H2F40
“O meus filhos eu vou querer” M1C12
263
“NA minhas costa, aì ela aì "Mas meu pai..." H3C15
“A minhas coisinha que eu gostava” M3C17
“A minhas irmãs ninguém teve isso” M3C17
“DA minhas filhas, a única coisa” M3C17
“TODO meus irmão sempre teve muita liberdade” H4F34
“O meus peitinho estavam durinho” M1F45
“MUITO ras eh rapazes que procura logo” H1F47
“fazer TUDO aquelas coisas de errado de novo” H3F32
“A minhas duvida, como é” M2U014/N
“DA minhas filha, não e?” M1F43
“NA minhas coisa, não gosto” M1F43
“NA minhas coisa, que não sei o que” M1F43
“A minhas filhas também eu criei assim” M4F39
Não se pode deixar de observar que foi em situação de mais
distância do elemento nuclear que esses elementos anteriores a ele
deixaram de ser marcados. Em grande parte desses sintagmas, da mesma
forma observada por Scherre (1988), neste estudo percebe-se que, na
posição à esquerda em adjacência ao núcleo havia possessivos (em quinze
dos dezenove casos). Observa-se que esses elementos não marcados não se
encontram ligados linearmente ao núcleo, em adjacência a ele. Pode haver
associação entre ausência de marca e a estrutura (a presença de possessivo
subseqüente), mas não parece ser apenas esse o elemento favorecedor – a
264
estrutura – e, sim, que, além da posição à esquerda do núcleo, a de
adjacência a ele é um importante condicionador para a realização da
concordância; em itens à esquerda do núcleo mas não adjacentes a ele há
maior probabilidade de ausência de concordância.
Dessa forma, os dados analisados coincidem com os resultados de
Lucchesi (2000), em relação à concordância de gênero. No referido
trabalho, Lucchesi vê uma relação entre mais proximidade do núcleo, à
esquerda dele, e mais concordância de gênero. Parece ocorrer a mesma
força, em relação à concordância nominal no sintagma: não é só o fato de
estar à esquerda do núcleo que importa, mas também estar contíguo, ou
adjacente, a ele.
A análise da tabela dá a certeza de que a posição em relação ao
núcleo é uma variável bastante forte para a concordância. A partir da
análise mostrada, fica evidenciado que, associada à posição à esquerda,
tem-se que considerar o aspecto da adjacência ao núcleo, por isso essa
tabela é mais completa que a anterior, porque apresenta a diferença entre
essas duas possibilidades de situação dos elementos à esquerda.
É
intrigante observar que a grande maioria desses itens sem marca sejam
sucedidos por possessivos, mas isso parece ocorrer por serem os
possessivos muito presentes em estruturas com mais de um elemento
anterior ao núcleo
De acordo com a teoria dos 4 M, de Myers-Scotton & Jake (2000),
há morfemas funcionais, os early system morphems que se formam no
mesmo nível dos lemas, juntamente com os morfemas de conteúdo, os
content morphemes, dando a eles dados do tipo de definitude, por exemplo,
que cumprem função importante no atendimento às intenções do falante. A
observação da forma como a concordância no sintagma nominal se realiza
265
indica que a marca de plural do elemento imediatamente anterior ao núcleo
é um early system morpheme, ou seja, é gerado juntamente com os content
morphemes, daí a sua probabilidade maior de concordância que as outras
marcas de plural, que são introduzidas posteriormente, puramente para
atender a necessidades gramaticais. Nesse caso, as outras marcas atendem
apenas à estrutura sintática, diferentemente daquela imediatamente anterior
ao núcleo, em adjacência a ele: esta é uma exigência da necessidade
intencional, foi gerada no mesmo nível das intenções.
Nos sintagmas com possessivo ou outra classe na segunda posição
antes do núcleo, listados anteriormente, a informação de definitude é
expressa pelo possessivo. Em o meus filhos por exemplo, é o meus que
apresenta, juntamente com a informação de definitude (o dado a respeito de
quais filhos se trata, e se refere à idéia de que não é um filho apenas). Não é
necessário que a definitude seja expressa também pelo artigo, pois não é
necessário gerar duas vezes a mesma informação (isso é confirmado pela
freqüência grande de não utilização de artigos antes de possessivo), por
isso mantém-se aquela mais próxima do nome (já que os dois elementos – o
elemento anterior ao nome, indicando definitude e número, e o nome - são
gerados conjuntamente, no nível dos lemas) (Myers-Scotton & Jake, 2000:
1063). Essa explicação parece servir para quase todos os casos
apresentados, não só com os possessivos mas também com outros (em do
outros dias…) e em aquelas (em tudo aquelas coisas) na 2a. posição e
ausência de marca na 1a. Apenas o sintagma muito ras eh rapazes que
procura … em que fica clara a mudança de plano do falante: de inìcio quis
realizar muito rapaz que procura… mas definiu-se depois para o plural. O
sintagma, pois, foi modificado no seu percurso.
A teoria dos 4 M, de Myers-Scotton & Jake (2000), indica que a
ordem em que os morfemas são gerados é a mesma que ocorre na
266
aprendizagem de língua, tanto na primeira aquisição, como na segunda.
Dessa forma, assim como se considerou aqui os morfemas anteriores ao
núcleo, mais diretamente ligados a ele, como early system, ou seja,
morfemas introduzidos no mesmo nível dos lemas, para atender às
necessidades do falante, são esses os mesmos tipos de morfema que são
primeiramente aprendidos. Os outros, considerados late system morphemes,
por serem acessados posteriormente, no processo de produção, para atender
apenas a aspectos gramaticais, são os que são alvo mais freqüentemente da
variação e a análise estatística que aqui se faz vem confirmar isso.
Baxter (2001), estudando a concordância no sintagma nominal do
português em três gerações dos Tongas69, registra também probabilidade de
concordância diferente entre as duas posições dos elementos à esquerda do
núcleo: adjacente e não adjacente. Na primeira geração de falantes
(formada logo após o contato entre a língua africana e o português, e a
formação da interlíngua), não há itens na posição à esquerda não adjacente,
apenas a adjacente, com um peso relativo de concordância de .95. A
semana geração já realiza sintagmas maiores e já ocorre a posição à
esquerda não adjacente e já existe a oposição entre as duas: não adjacente,
peso de .80 e adjacente, .92. Na terceira geração, a posição à esquerda não
adjacente tem um peso relativo de .75 e a adjacente, de .84. Considerando
todos os informantes conjuntamente, sem separar por idade, Baxter (2001)
registrou uma diferença de peso relativo de .16 entre os dois fatores: não
adjacente, peso de .74 e adjacente, peso de .9. Os resultados de Baxter
(2001) mostram um quadro que fortalece ainda mais um favorecimento da
situação de adjacência ao núcleo, maior que a situação de não adjacência,
semelhante ao que esta pesquisa observa na fala de Salvador.
69
267
São seis sintagmas com elementos à esquerda em não contigüidade
com o núcleo que não têm marca de plural:
TUDO issos padre.
faze TODA essa coesas...
TUDO os coisa ta tracado
nonde que vo tira dinheiro pa dare istudo TUDO isso tres.
ESSE trinta dia como e que
O meu estudos mas tendo em conta
Dos sintagmas, em apenas um deles há possessivo em segunda
posição. Como se pode notar, há três demonstrativos, um artigo, um
numeral e um possessivo. Assim, nos Tongas essa situação não é específica
de possessivo, como também acredita-se não ser no material estudado nesta
pesquisa.
Baxter (2001) apresenta a posição à esquerda em contigüidade com
o núcleo como a primeira posição a ser marcada nos Tongas com um peso
relativo de .95, mesmo na fala dos informantes da última faixa etária, que
têm, no geral, uma taxa de concordância de 25% e um peso relativo de
concordância de .11. Dessa forma, na aquisição da língua, o informante
inicia a marcação de plural por essa posição, e esses estudos reforçam o
que aqui se defende: o morfema de plural do elemento à esquerda em
contigüidade com o núcleo é um early system morpheme, ele é, por isso
adquirido priomeiro; os outros já são late system morphemes, daí esses
serem alvo de aprendizagem posterior, eles constituem um aparato
puramente gramatical de concordância, conforme a aplicação que esta
pesquisa faz da teoria de Myers-Scotton & Jake (2000).
268
Na fala do português dos Tongas, segundo Baxter (2001), apesar
de, na última faixa etária, quase não haver presença de marca de
concordância em núcleos nominais e em elementos à direita dele, constatase a freqüente presença de marcas de plural em elementos pré-nominais
ligados diretamente ao núcleo. São sintagmas registrados nessa fala os
casos a seguir:
“ISSOS coesa”
“MUITOS criança aqui di muçambique”
“NAS costa. E panhare”
“NAS costa. Quere dizere”
“AS vêz quando que”
“AS vêz, brango sabia”
“OS fujido e coria pruque”
“OS bandido ININT, qui faze”
“ISSAS coesa.”
“ESSAS coesa.”
“ESSAS coesa. Novela”
“MEUS filho, eu”
“BOAS coesa aqui eu nõ sei
“ESSAS moça.”
“andare c'OS boi no mato”
269
“Tudo ISSOS coesa que ta vere aqui”
“tudo ISSOS coesa pra ficá bõ.”
“tudo ISSOS coesa que veio agora tudo”
“Tudo OS coesa ta traçado.”
Os últimos exemplos registram elementos não nucleares à esquerda
do núcleo, imediatamente anteriores e não imediatamente anteriores, e os
elementos imediatamente anteriores com a marca de plural. Não foram, nos
dados dessa faixa etária (última faixa etária), encontrados registros de
núcleo nominal em primeira posição. Eles sempre estão precedidos ou por
numerais
ou
elementos
não
nucleares
(determinantes,
adjetivos,
possessivos). Mas em faixas de informantes mais novos já há concordância
em núcleos nominais, o que demonstra que a inserção da marca de plural
nos núcleos é posterior à inserção nos elementos pré-nominais (ou seja,
elementos não nucleares à esquerda do núcleo, em adjacência a ele).
3. 2. 5. 2 – Classe, posição linear e posição relativa e concordância
nos Grupos POP e UNI
Em seguida, observar-se-á o efeito dessa nova variável, em que se
fez o agrupamento das variáveis classe, posição linear e relativa, separando
os grupos representativos do português popular e do português
universitário. A expectativa é que essa variável possa contribuir com mais
informações a respeito dos dois grupos. No grupo POP, pode haver uma
restrição a essa variável diferente da que se possa constatar no grupo UNI.
A tabela a seguir faz uma amostragem dos resultados.
270
Tabela 38:
Efeito da Classe, posição linear, posição relativa nos grupos POP e UNI
Classe Posição
Elementos
não
nucleares
à
esquerda não adjacente
Elementos
não
nucleares
POP (Sign.=.000)
UNI (Sign.=.000)
Freqüência P. R.
Freqüência
P. R
.65
183/184 99%
.76
. 92
1901/1909
.80
422/440
96%
à 3495/3519
esquerda adjacente
Elementos não nucleares à direita
do núcleo / segunda posição
99%
70/111 63
99%
.16
%
Elementos não nucleares à direita 87/232 37%
.08
159/175 91%
.16
P. R.
Elementos não nucleares à direita 11/60 18%
.03
do núcleo / quarta posição
do núcleo / quinta posição
.21
P. R.
do núcleo / terceira posição
Elementos não nucleares à direita
136/148 92%
46/49 94% P.
.27
R.
9/21 43%
.09
25/30 83% P.
R.
.12
271
POP (Sign.=.000)
UNI (Sign.=.000)
Freqüência P. R
Freqüência
P. R
.59
162/166 98%
.43
.15
1782/1922
.28
Classe Posição
Elementos nucleares em 1a posição
123/131
94 %
Elementos nucleares em 2a posição
2146/4022
53%
Elementos nucleares em 3a posição
214/437
93%
.10
183/204 90%
.14
.16
24/26 92%
.14
49%
Elementos nucleares em 4a posição 59/103 57%
Elementos nucleares em 5a posição
TOTAIS
12/12 100%
4/4
6646/9088 73%
4605/4817 96%
Ao comparar os resultados dos dois grupos, nota-se que existe
muita semelhança na relação entre os fatores: elementos não nucleares à
esquerda fazem mais concordância; à direita, menos concordância; e,
quanto ao núcleo, há uma redução crescente da marcação de concordância
da 1ª até a 3ª posição; na 4ª, constata-se leve aumento, e, na 5ª , efeito
categórico. Mas observa-se também que, no POP, há uma oposição maior
do que no UNI entre as posições à esquerda e entre as posições lineares dos
elementos à direita do núcleo e, também, entre as posições lineares dos
elementos nucleares.
272
Gráfico 32: Efeito da Classe, posição linear e posição
relativa na concordância dos grupos POP e UNI
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
POP
0,4
UNI
0,3
0,2
N4
N3
N2
N1
dir5
dir4
dir3
dir2
E adj
0
E não adj
0,1
A primeira posição no núcleo é um elemento mais favorecedor no
POP, do que na fala universitária.
Para melhor entendimento do efeito dessa variável, faz-se, em
seguida, observação nos grupos de maior idade, POP 4 e UNI 4, com a
expectativa de que os registros dos informantes mais velhos possam
oferecer mais oposições entre eles.
273
Tabela 39:
Efeito da Classe, posição linear, posição relativa na concordância dos
grupos POP4 e UNI4
Classe, posição linear e posição
relativa
POP 4
Freqüência
UNI 4
P. R.
Freqüência
P.
R.
Elementos
não
nucleares
à
82/85 96%
.71
60/60 100%
.93
653/655
esquerda, não adjacentes ao
núcleo
Elementos
não
nucleares
à 769/774 99%
esquerda, adjacentes ao núcleo
Elementos
não
nucleares
.72
99%
à
21/31 68%
.18
82/83 99%
.61
26/59 44%
.06
71/74 96%
.25
à
1/6 17%
.01
19/19 100%
à
2/4 50%
.02
10/11 91%
direita do núcleo – segunda
posição
Elementos
não
nucleares
à
direita do núcleo – terceira
posição
Elementos
não
nucleares
direita do núcleo quarta posição
Elementos
não
direita
núcleo
posição
do
nucleares
–
quinta
.13
274
Classe, posição linear e posição
relativa
Elementos
POP 4
UNI 4
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R
nucleares
em
1a
33/35 94%
.63
88/90 98%
.47
nucleares
em
2a
540/96156%
.16
621/638
.33
nucleares
em
3a
43/86 50%
.05
71/74 96%
.22
nucleares
em
4a
25/34 74%
.17
15/15 100%
posição
Elementos
posição
Elementos
posição
Elementos
posição
TOTAIS
1542/2075 74%
1595/1635 98%
A comparação deixa claro que os dois grupos sofrem efeito em
graus diferentes, com relação a influência desta variável. Não fazendo a
distinção da concordância entre os elementos adjacentes e não adjacentes à
esquerda do núcleo, o grupo UNI 4 apresenta um quadro em que as
diferenças não são tão marcantes.
Os elementos não nucleares à direita do núcleo constituem-se como
sempre os desfavorecedores da concordância, em qualquer posição, nos
dois grupos, com exceção da 4ª posição linear nos universitários, por se
mostrar com concordância categórica.
275
Gráfico 33: Efeito da Classe, posição linear e posição relativa
na concordância dos grupos POP4 e UNI4
1
0,9
0,8
0,7
0,6
POP4
UNI4
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
E não E adj dir2
adj
dir3
dir4
dir5
N1
N2
N3
N4
Poder-se-ia pensar se, na 5ª posição, não seria engano da análise a
ausência de concordância em um único dado,
“aquelas mangas franzidas assim bem FOFONA” M4U008R
perfazendo dez com concordância, de um total de onze. Se fosse marcado,
poderia se detectar um favorecimento que estaria localizado nessas
posições (4ª e 5ª). Mas a análise não confirma isso, deixando mais uma vez
evidente que os itens à direita do núcleo têm mesmo uma forte tendência a
serem menos alvo de concordância.
Enquanto os falantes do português popular, nessa última faixa,
deixam bem salientes as oposições entre os fatores da variável,
276
privilegiando a primeira posição dos elementos nucleares, isso não ocorre
no grupo dos universitários mais velhos, e, além disso, a concordância
apresenta-se como categórica nesses elementos a partir da quarta posição.
Da primeira à terceira posição dos elementos nucleares, no entanto, nos
grupos há um decréscimo semelhante. Para esses falantes, pois, com
exceção da oposição entre os elementos anteriores ao núcleo como mais
marcados que posteriores a ele, e um leve decréscimo entre algumas
posições lineares (decréscimo quebrado pela concordância categórica na
quarta posição dos elementos à direita do núcleo), as diferenças não são tão
radicais como no primeiro. Somando-se os resultados da análise dessa
variável aos resultados a que se chegou na análise da saliência, mais uma
vez surgem evidências de que esses dois
grupos têm histórias de
aprendizagem do português com graus diversos de divergência de dados no
português de Salvador. A existência dessa maior variação no grupo POP e
menor no grupo UNI pode ser um reflexo da diversidade da população de
Salvador e das diferentes histórias de aquisição de língua a que os falantes
tiveram acesso, como dados primários, na constituição do português da
Bahia, como um todo, além dos diferentes efeitos da ação da escola nos
dois grupos, como se verá a seguir.
3. 2. 5. 3 Classe, Posição linear e Posição relativa – Grupos de
escolaridade
A análise que é feita em seguida diz respeito às escolaridades. O
objetivo é saber o efeito da variável em estudo em cada um dos grupos.
Para isso, serão retomados os dados dos universitários, já anteriormente
apresentados.
277
Tabela 40:
Efeito da Classe, posição linear, posição relativa na concordância dos
grupos com níveis diferentes de escolaridade
Classe,
Fundamental
Posição linear
e
Posição
relativa
À
Média Sign=.000
UNI Sign=.000
Sign=.000
Freqüência
esquerda, 197/208 95%
P.R.
Freqüência
P.R
Freqüência
P. R
.66
225/232 97%
.62
183/184 99%
.76
.93
1809/1816
.93
1901/1909
.80
não adjacente
ao núcleo
À
esquerda,
adjacente ao
1686/1703
99%
99%
99%
núcleo
À direita do
núcleo,
12/35 34%
.11
58/76 76%
.16
136/148 92%
.21
19/114 17%
.06
66/118 56%
.10
159/175 91%
.16
1/30 3%
.01
10/30 33%
.03
46/49 94%
.27
2ª
posição
À direita do
núcleo,
3ª
posição
À direita do
núcleo
posição
4ª
278
Classe,
Fundamental
Posição linear
e
Posição
relativa
À direita do
núcleo,
Média Sign=.000
UNI Sign=.000
Sign=.000
Freqüência
P.R.
Freqüência
P.R
Freqüência
P. R
1/9 11%
.02
8/12 67%
.13
25/30 83%
.12
39/42 93%
.64
84/89 94%
.46
162/166 98%
.43
789/2019
.16
1357/2003
.13
1782/1922
.28
5ª
posição
Núcleo em 1a
posição
Núcleo em 2a
posição
Núcleo em 3a
39%
68%
93%
61/211 29%
.07
153/226 68%
.15
183/204 90%
.14
21/54 39%
.09
38/49 78%
.30
24/26 92%
.14
posição
Núcleo em 4a
posição
TOTAIS
2826/4425 64%
3808/4651 82%
4605/4817 96%
279
Gráfico 34: Efeito da Classe, posição linear e posição
relativa sobre a concordância nos níveis diferentes de
escolaridade
1
0,9
0,8
0,7
0,6
Fundamental
0,5
Média
Superior
0,4
0,3
0,2
0,1
0
E E adj dir2 dir3 dir4 dir5
não
adj
N1
N2
N3
O efeito da variável é semelhante
N4
em todos os níveis de
escolaridade, embora entre os universitários a oposição entre os dois fatores
que envolvem itens à esquerda do núcleo (posição anterior a ele), ou seja,
em posição adjacente ao núcleo ou intermediado por algum elemento, tem
uma diferença de peso relativo muito pequena (diferença de .04). Além
disso, embora à direita do núcleo haja uma redução grande no peso relativo
em relação à esquerda, como seria o esperado, o desfavorecimento não é
tão grande nesse nível de escolaridade como nos níveis primário e
secundário, e a redução proporcional à distância é pequena entre as posição
lineares. Outro aspecto a observar é, nos níveis Médio e Superior, o peso
relativo pequeno dos nomes em primeira posição e a elevação da 4 ª posição
desses itens no nível médio, maior que nos outros grupos de escolaridade.
280
O que os dados apresentam é que o grau de escolaridade tem uma
interferência, como se esperava, na concordância. A variável Classe,
posição linear e posição relativa interfere nos três níveis, mas ela tem um
efeito mais radical quando a escolaridade não é suficiente para aplacar ou
reduzir a sua interferência. No colegial, já há uma interferência da escola,
mas ela é mais radical no nível universitário. A escola é uma instituição
formal de ensino, onde o padrão é apresentado a cada instante. Quanto mais
exposição à orientação escolar se fizer e quando mais cedo isso ocorre, as
marcas da interferência dessa variável são reduzidas. Os resultados
diferentes dos grupos de falantes do Colegial e do Universitário são
exemplos da existência da força da variável, mas, também, do efeito do
trabalho escolar. São, pois, duas forças a exercer pressão sobre a
concordância, uma externa e outra interna.
3. 2. 5. 4 Classe, Posição linear e Posição relativa – Grupos de
sobrenomes
Nessa seção, observa-se o efeito da variável ora estudada entre os dois
grupos de sobrenome. A expectativa é a de que o grupo de sobrenome
religioso apresente, através da observação do efeito da variável na
concordância do grupo, nos seus resultados, alguma marca de sua história
de aquisição do português. A tabela 41 mostra os resultados da análise.
Os resultados mostram que nos dois grupos de sobrenome se mantém
relativamente a mesma oposição entre posição à esquerda, mais
favorecedora, e à direita do núcleo, fator desfavorecedor.
Nos dois grupos, se observa o mesmo quadro nos núcleos: um
decréscimo de favorecimento
a partir da segunda posição. Quanto à
281
posição dos elementos à direita do núcleo, nos dois grupos, percebe-se que
há um grande desfavorecimento.
Tabela 41:
Classe, posição linear, posição relativa / Comparação entre o efeito da
variável entre os grupos de sobrenomes
Fatores
À
esquerda
Não religioso
Religioso
(Significância=.000)
(Significância=.000)
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R.
170/177 96%
.62
245/255 96%
.69
1576/1587 99%
.93
1838/1849 99%
.94
41/55 75%
.20
29/53 55%
.11
49/104 47%
.08
36/124 29%
.08
4/22 18%
.02
7/34 21%
.04
7/9 78%
.19
2/12 17%
.02
não adjacente
À
esquerda
adjacente
À direita, 2ª
posição
À direita, 3ª
posição
À direita, 4ª
posição
À direita, 5ª
posição
282
Não religioso
Religioso
(Significância=.000)
(Significância=.000)
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R.
1ª
61/63 97%
.63
59/65 91%
.51
2a
1043/1829 57%
.15
1056/2104 50%
.13
3a
101/173 58%
.10
111/256 43%
.11
4a
28/48 56% P. R.
.17
32/54 59%
.15
Fatores
Núcleo,
posição
Núcleo,
posição
Núcleo,
posição
Núcleo,
posição
TOTAIS
.17
3079/4067 76%
3415/4806 71%
Os resultados alcançados na observação dessa variável, como foram
muito semelhantes nesses dois grupos, não acrescentam informações a
respeito da hipótese de história diferente de aquisição de português entre
os grupos de sobrenome. Apesar disso, relacionando os achados com o que
foi observado no português dos Tongas, tem-se a indicação de que o
processo da incorporação da morfologia de plural segue uma ordem que se
inicia no elemento à esquerda adjacente ao núcleo. E, uma vez adquirido
esse morfema, pode-se iniciar o processo da concordância.
283
Gráfico 35: Efeito da Classe, posição linear e posição
relativa na concordância dos grupos de sobrenome
1
0,9
0,8
0,7
0,6
Não Religioso
0,5
Religioso
0,4
0,3
0,2
0,1
0
E
E dir2 dir3 dir4 dir5 N1
não adj
adj
N2
N3
N4
A concordância, então, deverá se processar prioritariamente em
elementos não nucleares à esquerda do núcleo não adjacentes ao núcleo,
posteriormente se espalhará para os núcleos e, em seguida, os elementos à
direita dele. Na posição à esquerda adjacente ao núcleo, pois, o morfema
não é de concordância, nas outras posições, sim.
3. 2. 5. 5 - Conclusões
Esta pesquisa, seguindo os passos de Scherre (1988), constatou que
elementos não nucleares à esquerda do núcleo são mais marcados que à
direita dele, e, ainda, acrescentou aos achados de Scherre (1988) que a
adjacência ao núcleo, dos elementos à esquerda dele, é um forte
condicionador de mais marcas. Segundo a teoria dos 4 M, a definitude é um
284
early system morpheme. Na língua portuguesa, a informação de definitude,
que é dada pelo artigo e pelos determinantes, é acompanhada da
informação de plural, que, nesse contexto, é muito mais freqüente que nos
elementos nucleares dos sintagmas. Ele é, nessa situação, assim como a
definitude, aqui entendida como um morfema sistêmico ou funcional, que
cumpre intenções do falante (early system morpheme). O morfema de
plural, é, em outros contextos, no nome em 2a, 3a, 4a ou 5a posição e em
elementos não nucleares, um morfema puramente gramatical (late system
morpheme), sendo gerado mais tarde (na fase do formulator), quando se
definem as implicações puramente funcionais ou gramaticais. A
informação de plural dada pelo early system morpheme não é morfema de
concordância, o são os outros, que têm intenção puramente
de fazer
concordar os elementos do sintagma. Esses (os late) segundo a teoria, são
os últimos a serem aprendidos e são os primeiros a sofrerem variação. É
por essa razão que se constatou mais variação entre alguns desses
morfemas e menos entre outros.
A variação da concordância entre os elementos do sintagma, como
já se observou, pode ser explicada pela teoria dos 4 M (Scotton e Jake:
2000). Os tipos de morfema diferem, segundo essa teoria, principalmente,
no fato de serem ou morfemas de conteúdo ou morfemas funcionais e,
dentre esses, alguns são gerados mais cedo, juntamente com os morfemas
de conteúdo, os early system morphemes e outros, mais tarde, com
intenções puramente gramaticais, os late system morphemes. A
concordância dentro do SN, segundo o ponto de vista defendido nesse
trabalho, envolve dois desses tipos de morfema, early e late system
morphemes.
285
3. 2. 6 A variável Grau
Ao estudar as classes gramaticais, controlou-se a oposição entre
substantivos ou adjetivos em grau normal e substantivos ou adjetivos em
graus aumentativo ou diminutivo. Como os graus aumentativo e diminutivo
são muito associados a momentos de informalidade, Scherre (1988)
considerou esse dado como mais um indicador de grau de formalismo do
contexto. No atual trabalho, o grau é observado apenas como tal, sem, com
isso, fazer qualquer generalização sobre o formalidade. A tabela a seguir
apresenta os resultados iniciais da observação dessa variável.
Tabela 42:
Efeito da variável Grau sobre a concordância – Todos os dados
Fatores
Sign.=.000
Substantivo grau normal ex.: as MENINAS
Substantivo
grau
aumentativo
ex.:
daqueles
Freqüência
P. R.
4464/6593 68%
.50
5/9 56%
.09
37/89 42%
.24
617/825 75%
.51
FARDÃO
Substantivo
grau
diminutivo
ex.:
umas
PORRADINHA
Adjetivo grau normal ex.: lembranças BOAS
Adjetivo grau aumentativo
ex.: nos berço
0/2 0%
GRANDÃO
Adjetivo grau diminutivo ex.: as pedrinha assim
5/11 45%
.24
MIUDINHA
TOTAL
5128/7527 68%
286
Gráfico 36: Efeito do grau na concordância dos
substantivos e adjetivos (1)
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
S nor
S aum
S dim
A nor
A aum
A dim
O número de casos de aumentativos e diminutivos é muito pequeno
para que se pudesse chegar a conclusões a respeito da sua relação com a
variação da concordância. Apesar disso, a observação que se faz aqui é de
que os substantivos e os adjetivos no grau normal têm peso relativo de
concordância mais elevado (P. R. 50 e P. R. 51, respectivamente) que os
substantivos e adjetivos no grau aumentativo ou no diminutivo. Deve-se
observar que essas classes no grau aumentativo têm probabilidades
semelhantes de terem marca (P. R. 09, para nomes e adjetivos com
freqüência de 0%); o mesmo ocorre com as mesmas no grau diminutivo (P.
R. .24 para substantivos e adjetivos no grau diminutivo). Diante da pequena
quantidade de dados e da proximidade dos pesos relativos entre as classes
287
estudadas nos dois graus, analisou-se em seguida o efeito desses graus sem
separar as duas classes. O resultado dessa análise apresenta-se a seguir.
Tabela 43:
Efeito da Variável Grau na Concordância (juntando itens de classes
diferentes nos graus aumentativo e diminutivo)
Sign.=.000
Fatores
Freqüência
P. R.
Substantivo grau normal
4464/6593 68%
.51
Adjetivo grau normal
617/825 75%
.52
Grau Aumentativo (Subs e
5/11 45%
.06
42/100 42%
.23
Adj)
Grau Diminutivo (Subs e Adj)
TOTAL
5120/7529 68%
Gráfico 37: Efeito do Grau na concordância dos substantivos
e adjetivos (2)
1
0,8
0,6
0,4
0,2
0
S normal
A normal
Aumentativo
Diminutivo
288
Esses resultados indicam desfavorecimento dos graus aumentativo e
diminutivo, sendo maior o do grau aumentativo, menor do diminutivo e
neutralidade em relação às duas classes em grau normal. Os substantivos e
adjetivos nos graus aumentativo e diminutivo estão, no entanto, em
posições que desfavorecem a marca, como se pode constatar no quadro a
seguir:
Tabela 44:
Posição dos Substantivos, Adjetivos e Categorias Substantivadas nos graus
Normal, Aumentativo e Diminutivo.
Fatores
1ª P
2ª P
3ª P
4ª P
5ª P
Substantivo
0
5/9
0
0
0
33/81 41%
2/6 33%
0
0
1/3 33%
0
aumentativo
Substantivo diminutivo 2/2 100%
Adjetivo aumentativo
Adjetivo diminutivo
0/2 0%
0%
2/2 100%
2/6 33%
Pode parecer que a posição desses substantivos e adjetivos nos
graus aumentativo e diminutivo, não o grau, é o responsável pela ausência
de marca. Os substantivos na 2a e 3a. posições têm freqüência de
concordância relativamente baixa (66% e 63%, respectivamente) e os
adjetivos no grau aumentativo ou diminutivo também estão em situação
desfavorecedora: todos eles estão em posição posterior ao núcleo, situação
altamente relacionada à não realização da concordância.
A análise, no entanto, selecionou a variável grau, juntamente com
todas as outras estudadas, na análise de todos os dados, inclusive
juntamente com a posição relativa. Para melhor entender a influência dessa
variável, na análise seguinte faz-se uma oposição entre grau normal, sem se
289
considerar os substantivos e adjetivos, e grau aumentativo e grau
diminutivo. A tabela a seguir mostra os resultados.
Tabela 45:
Efeito da variável Grau sobre a concordância, independente da classe
gramatical
Fatores
Freqüência
P. R.
Grau Normal
5081/7418 68%
.51
Grau Aumentativo
5/11 45%
.06
Grau Diminutivo
42/100 42%
.23
TOTAL
5128/7529 68%
Gráfico 38: Efeito do grau na presença de
concordância dos substantivos e adjetivos
(3)
1
0,8
0,6
0,4
0,2
0
Grau normal Grau aum
Grau dim
A análise deixa indícios de que os graus diminutivo e aumentativo
desfavorecem a concordância, e o grau normal dos adjetivos e substantivos
constitui-se um fator neutro em relação a favorecimento da presença do
morfema de plural. Como o número de dados dos graus diminutivo e
290
aumentativo é muito pequeno, não se pode apresentar conclusões sobre o
efeito dessa variável sobre a concordância no sintagma nominal. Na análise
estatística através do Varbrul em rodadas com grupos menores (apenas
escolaridade Fundamental, apenas sobrenome, POP, UNI etc), essa variável
não foi selecionada, diante do número de dados e, por essa razão, neste
trabalho essa variável não se apresenta com o estudo detalhado nos
referidos grupos, como se faz com as outras variáveis.
3. 2. 7 Marcas precedentes
A variável marcas precedentes foi observada por muitos lingüistas
que estudaram a concordância dentro do sintagma nominal no português e
no espanhol, associando-a à variável posição linear. Nesta pesquisa, para
estudar a concordância no sintagma nominal, analisa-se, dentro de cada
sintagma, o contexto antecedente a cada um dos seus elementos. Os
elementos em primeira posição não foram observados na análise, pela razão
óbvia de, pelo fato de serem primeira posição, não terem elemento
antecedente dentro do sintagma. Os elementos em 2a posição foram
observados em alguns contextos específicos:
1) com antecedente com marca formal;
2) com antecedente sem marca formal;
3) com antecedente numeral terminado em /s/;
4) com antecedente numeral não terminado em /s/.
Em sintagmas com elementos em terceira, quarta ou quinta posição,
a análise procurou, entre outros aspectos, observar
1) se mais ou menos marcas de concordância interferem na maior ou
menor realização subseqüente de concordância. Poplack (1990),
analisando o espanhol, e Scherre (1988), o português, concluíram
que, nos sintagmas de três elementos ou mais, a existência de
marcas precedentes de plural favorece a ocorrência de mais
291
marcas em elementos subseqüentes do sintagma. Tendo
conhecimento dos resultados a que se chegou nessas pesquisas,
busca-se neste material verificar a existência do fenômeno
anteriormente detectado;
2) que elementos precedentes podem interferir e, assim, observou-se
o efeito da presença do modificador no sintagma. O modificador
é aqui entendido como elementos não flexionáveis que
intermediam elementos do sintagma, a exemplo dos elementos
em itálico em
“os mais VELHOS, a caçula” M3C08
“livros totalmente DIFERENTES, uma coisa” M3C08
“professores bem mais, mais PACIENTES”
M3C08
“filmes muito VIOLENTOS” M2C10
Nos sintagmas apresentados, os elementos mais, totalmente, bem
mais, mais e muito são, na análise, exemplos de modificadores que, apesar
de estarem dentro do sintagma, não estão envolvidos no processo de
concordância nominal, daí considerar-se, inicialmente, que é possível que a
existência e intermediação desses modificadores acabem inibindo a
realização da concordância nos elementos a eles subseqüentes.
A tabela 46 apresenta os primeiros resultados, envolvendo todos os
sintagmas.
Pelo que se observa na tabela, em segunda posição, os itens mais
marcados são os que têm zero na primeira (100%) e os que têm marca na
primeira posição têm mais tendência a inibir a regra de concordância.
Dessa forma, esse dado parece confirmar a hipótese funcionalista de que só
o dado relevante é mantido, sendo descartado o redundante ou o
desnecessário. A presença de marca de concordância no elemento em
segunda posição, em sintagmas com zero em primeira posição, recupera e
garante a informação de pluralidade. Sintagmas com numerais em primeira
292
posição foram observados separando-se numerais terminados em /s/ e não
terminados em /s/, com a intenção de observar se esse dado interfere na
realização da concordância.
Tabela 46:
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos elementos em
segunda posição Sign.=.000
Marcas precedentes
Marca na primeira ex.: locais PRÓXIMOS
Ausência de marca na primeira ex.: grande
Freqüência
3780/5421 70%
P. R.
.48
43/43 100%
CONDIÇÕES
Numeral terminado em /s/ na primeira ex.: dois
385/591 65%
.53
350/591 59%
.56
ANOS de idade
Numeral não terminado em /s/ na primeira ex.: sete
FILHOS
Considerou-se, como se vê na tabela, a possibilidade de o -/s/ poder
interferir na maior presença de concordância diante de se ter como hipótese
a possibilidade de interpretação pelo falante desse -/s/ como morfema de
plural e, diante disso, esse elemento ser favorecedor ou desfavorecedor da
concordância.
Os elementos precedidos por numerais com final /s/ não
demonstraram, contudo, favorecer a marca, como se poderia imaginar, pois
o final das formas de numeral não se mostrou com qualquer importância no
favorecimento ou inibição da regra de concordância (P. R. .53 e P. R. .55,
com numerais terminados em /s/ e não terminados em /s/, respectivamente).
A diferença entre os pesos relativos referentes aos contextos antecedentes
293
de numeral é muito pequena, mas os numerais, no entanto, mostraram-se
com uma influência maior que itens marcados em 1a posição: enquanto o
elemento precedente marcado tem um peso de .48, o numeral tem .53 ou
.55, a depender do final em /s/. Esse dado pode indicar que a saliência
semântica do numeral é um dado mais favorecedor do que a marca formal
na primeira posição: o elemento com informação contável, numérica,
condiciona o falante a fazer mais a concordância. Apesar de tão redundante
quanto nos sintagmas em que existe uma marca na primeira posição, com o
numeral em primeira posição (terminado ou não em /s/), o elemento tende a
ser mais alvo de concordância em segunda posição.
Nos sintagmas analisados, os numerais ocorreram em mais cinco
outros contextos: SN_, NS_, NNs(N)_, NN(N)_, N0_. No último, não
houve variação, contexto retirado da análise estatística do efeito das
variáveis por não haver, em todos os casos, marca. A seguir se apresentam
exemplos desses contextos.
SN_ - “uns dois BOLSINHO do lado
H1C20
NS_ “cinco navios DIFERENTES, hum. H4U006R
NNs(N)_ - “setenta e duas mil TONELADAS, tem tres” H4U006R
NN(N)_ - “trinta e cinco ANOS, meus...” M2U05
N0_ - “duas blusa LIMPA ai, tu vai pra escola” M4F38
Nos dois primeiros contextos apresentados, os sintagmas se
caracterizam-se por terem não apenas numerais antecedendo o núcleo, mas
também outros elementos marcados formalmente. Em um deles, o elemento
marcado inicia o sintagma e, no outro, o elemento marcado se situa
imediatamente anterior ao núcleo. O efeito desses contextos sobre a
presença de marca não parece ser exatamente o mesmo, apesar de serem
próximos os pesos relativos: (.53 e .48, respectivamente); esses pesos não
permitem
que
eles
sejam considerados
como
favorecedores ou inibidores da marcação do plural.
fatores
realmente
294
Nos dois sintagmas a seguir, há numerais de mais de uma palavra
anteriores ao núcleo do sintagma, a exemplo de
“três mil QUILÔMETROS na Rússia” H4U006R
“vinte e um DIAS folgando” M1C03
Esses contextos diferem quanto à presença ou ausência de /s/ final
em algum dos numerais que antecedem a terceira ou quarta posições.
Imaginou-se que o final /s/ dos numerais poderia favorecer mais marca,
diante da constatação de que mais marcas antecedentes levam a mais
marcas subseqüentes. Essa hipótese não se confirmou nos sintagmas de
dois ou três ou mais elementos: os pesos relativos dos dois grupos têm
pouca diferença de peso relativo, indicando que quando os numerais
terminam em /s/, o peso relativo de marca não é muito diferente de quando
os numerais não terminam em /s/. Apesar de se perceber, entre os dois
contextos com numerais antecedentes (com ou sem terminação -/s/), haver
diferença maior nos pesos relativos de concordância em itens em terceira
ou outra posição, testes estatísticos feitos indicaram que não havia
necessidade de separar esses dois contextos como fatores diferentes. Foi
essa a conclusão, também, a que chegou Scherre (1988:176). Dessa forma,
passa-se, neste trabalho, a observar o efeito do contexto antecedente com
numeral na presença da concordância sem mais considerar a terminação, se
com ou sem /s/ final.
Os elementos em 3a posição precedidos de dois ou mais elementos
com marca têm mais probabilidade de concordância (peso de .61), e esse é
um contexto que favorece a presença da marca de plural. Pelo que se
apresenta, o peso relativo da presença de marca se reduz bastante quando,
em sintagmas de três ou mais elementos, há ausência de marcas em
elementos precedentes.
295
Tabela 47:
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos elementos em 3 a,
4a ou quinta posições Sign.=.000
Marcas precedentes
Freqüência
P. R
Duas marcas precedentes SS_ ex.: aquelas saias 502/693 72% .61
PLISSADAS
Um elemento sem marca e um com marca nas posições
7/20 35%
.49
8/110 7%
.06
28/40 70%
.65
52/79 66%
.58
antecedentes 0S_ ex.: a minhas CORRESPONDENCIA
Um elemento com marca e outro sem marca nas posições
antecedentes S0_ ex.: as sacola PRONTA
Numerais de mais de uma palavra com S final em
posição antecedente
NNs(N)_ ex.: cinqüenta e duas
FITAS
Numerais de mais de uma palavra sem S final em
posição antecedente NN(N)_ ex.: vinte e cinco ANOS
Numeral e ausência de marca nas primeiras posições
0/2 0%
(N0__) ex.: dois irmão HOMEM
Marca e modificador antecedentes SM_ ex.: livros
49/80 61%
.64
Marca e numeral nas posições antecedentes SN_ 84/156 54%
.53
totalmente DIFERENTES
ex.: umas três MELHORES escolas
Numeral e elemento com marca
nas posições
20/34 59%
..47
Mais de um elemento com marca e modificador 79/117 68%
.64
antecedentes NS_ ex.: três vezes DIFERENTES
antecedentes SSM.: as pessoas mais VELHAS
Um elemento com marca, outro sem marca e um
modificador nas posições antecedentes S0M_ ex.: as mão
assim CHEIA de calo
2/20 10%
.16
296
Com elementos cujo contexto anterior é um elemento marcado e
um sem a marca no sintagma, a exemplo de
“aquelas camisa BRANCA, com letreiro aqui” M1F05,
a possibilidade de “branca” vir com marca de plural é muito pequena (P. R
.06). Quando o ZERO não antecede imediatamente o elemento em terceira
posição (contexto anterior 0S_), o peso relativo aumenta, mesmo existindo
ZERO anterior (PR .49). São exemplos desse contexto:
“a minhas COISINHA” M3C17
“a minhas IRMÃS” M3C17
“na minhas COSTA” H3C15
“do outros DIAS H1C20
“tudo aquelas COISAS H3F32
O modificador, apesar de ser um elemento sem marca de plural, foi
considerado como constituinte de um outro contexto, diferentemente dos
considerados não marcados, por não existir, como já se observou, a
possibilidade de qualquer modificação na sua forma para adequar-se ao
contexto.
Nos sintagmas com modificadores, apresentados a seguir (os
modificadores estão em itálico),
“as cores mais VIVAS, mais berrantes.” M3U04
“trens tão CONFORTAVEIS quanto os” H4U006R
os elementos VIVAS e CONFORTÁVEIS se situam nos contextos SSM_
e SM_, ou seja, inicialmente há um ou mais elementos com morfema de
concordância, seguido(s) de modificador. Os dois contextos favorecem a
presença da marca (.64). Esse dado indica que o modificador não inibe a
aplicação da concordância, ao contrário de um elemento sem marca
antecedente do elemento no sintagma.
Nos casos apresentados, o terceiro elemento do sintagma tem como
antecedentes um zero seguido de marca. Pela análise estatística feita com
297
os dados de que se dispõe, o zero em elementos na posição em destaque e
contexto apresentados (terceira posição) é menos provável do que no
contexto S0_. Esses dados confirmam a hipótese de Poplack (19...) e
Scherre (1988) de que marcas conduzem a marcas e zeros a zeros.
3. 2. 7. 1 Marcas precedentes – Todos os elementos
Diante da amalgação de vários dos fatores feita por Scherre (1988),
no estudo dessa variável, e também da semelhança de resultados entre
alguns deles, decidiu-se, após teste de significância estatística, reduzir essa
variável aos sete fatores a seguir:
1) elementos em segunda posição:
a) ausência de marca na primeira,
b) presença de marca na primeira,
c) numeral na primeira (sem considerar a terminação);
2) elementos em terceira ou outra posição:
a) mais de uma marca,
b) mistura de marca com marca antecedente, incluindo as
seguintes possibilidades de contextos antecedentes (nesses
contextos não há ausência de marca antecedendo
diretamente o elemento em análise):
- zero e marca;
- marca e modificador ;
- numeral e marca;
- marca e numeral;
- mais de uma marca e modificador.
c) mistura de marcas com zero antecedente, incluindo as
seguintes possibilidades de contextos antecedentes (nesses
298
contextos
não
há
elemento
marcado
antecedendo
diretamente o elemento em análise):
- marca e zero;
- zero e modificador;
- numeral e zero;
d) numeral de mais de uma palavra antecedente.
O resultado dessa amalgamação apresenta-se nas duas tabelas e
gráficos a seguir.
Tabela 48:
Efeito das marcas precedentes na concordância dos elementos em 2 a
posição/ com amalgamação de fatores Sign.=.000
Marcas precedentes
Freqüência
P. R.
Presença na primeira
3780/5421 70%
.48
Ausência na primeira
43/43 100%
Numeral na primeira
735/1182 62%
.56
Os elementos em segunda posição são alvo de concordância
categórica, como os resultados da análise evidenciam, quando são
precedidos por elemento sem marca. Quando há marca no primeiro
elemento, contudo, o peso relativo de concordância é muito próximo do
ponto neutro, .48, não indicando favorecimento ou desfavorecimento. Os
numerais antecedentes, ao lado disso, indicam pequeno favorecimento.
Dessa forma, entre numerais ou marca antecedentes a elementos em
segunda posição, é o numeral o elemento mais favorecedor da
concordância.
299
Gráfico 39: Efeito das marcas precedentes
na concordância dos elementos em
segunda posição
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Marca na 1a
Numeral na primeira
Em seguida, a análise dos elementos em terceira posição.
Tabela 49:
Efeito das marcas precedentes na concordância / com amalgamação de
fatores – 3a, , 4a ou quinta posições. Sign.=.000
Marcas precedentes
Freqüência
P. R.
Mais de uma marca antecedente SS_
502/693 72%
.63
Mistura de marcas com marca antecedente
239/407 59%
.58
Mistura de marcas com zero antecedente
10/131 8%
.08
Numeral de mais de uma palavra
80/119 67%
.65
300
Nessa nova análise, com a amalgamação de várias marcas aos
elementos em 3a, , 4a ou quinta posições, não se perdem as oposições já
observadas:
1) numerais favorecem mais a concordância quando esses
numerais são formados por mais de uma palavra,
2) marcas motivam mais marcas e
3) zeros imediatamente antecedentes favorecem a mais zeros.
3. 2. 7. 2 Marcas precedentes – Grupos POP e UNI
Em seguida, para entender melhor o efeito da variável Marcas
precedentes sobre a concordância, apresentam-se os resultados da análise
separando os grupos do português popular (POP) e do português
universitário (UNI).
Os resultados indicam que os numerais que antecedem elementos em
segunda posição levam a favorecimento de concordância apenas no grupo
POP, não no grupo UNI.
Tabela 50:
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos grupos POP e UNI
– 2a posição
Marcas precedentes
POP Sign.=.000
UNI Sign.=.000
Freqüência
P. R
Freqüência
P. R
marca
1925/3435 56%
.48
1855/1986 93%
.49
Ausência de marca
34/34 100%
Numeral
530/952 56%
9/9 100%
.57
205/230 89%
.42
301
Gráfico 40: Efeito das marcas precedentes
na concordância dos itens em 2a posição
nos grupos POP e UNI
1
0,9
0,8
0,7
0,6
Marca na 1a
Numeral na 1a
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
POP
UNI
Entre os universitários, os numerais em primeira posição levam a mais
desfavorecimento que marcas nessa posição a elementos em segunda
posição.
Tabela 51:
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos grupos POP e UNI
– 3a ou outra posições
Marcas precedentes
POP Sign.=.000
UNI Sign.=.000
Duas marcas
208/372 56%
.62
294/321 92%
.61
Mistura com marca
120/276 43%
.56
119/131 91%
.56
Mistura com zero
5/120 4%
.07
5/11 45%
.07
.59
21/22 95%
.78
Numeral de mais de uma 59/97 61%
palavra
302
Gráfico 41: Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos
itens em 3a, 4a ou 5a posições nos grupos POP e UNI
1
0,9
0,8
0,7
0,6
POP
0,5
UNI
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Mais marcas
Mistura com marca
Mistura com Zero
Numeral
A análise do efeito das Marcas precedentes dos elementos em 3 ª ou
outra posição dos grupos POP e UNI indica muita semelhança quanto ao
maior favorecimento da concordância em situação de mais marcas
antecedentes e menos favorecimento em situação de mais zeros
antecedentes. Apesar de no grupo UNI o numeral antecedente não
favorecer mais concordância para os itens em segunda posição, nos itens
em terceira ou outra posição ele mostra mais favorecimento no UNI do que
no grupo POP
Em seguida, observa-se como a variável marcas precedentes atua na
concordância dos falantes mais velhos desses dois grupos. As duas tabelas
a seguir apresentam os resultados.
Tabela 52:
Efeito das marcas precedentes na concordância dos itens em 2a posição dos
grupos POP 4 e UNI 4
303
Marcas precedentes
POP 4 Sign.=.000
UNI 4 Sign.=.040
Freqüência
Freqüência
P. R.
P.
R.
Marca
443/763 58%
.45
689/704 98%
.48
163/279 58%
.53
71/74 96%
.34
Ausência
Numeral
Gráfico 42: Efeito das Marcas precedentes sobre
a concordância dos itens em segunda posição
dos grupos POP4 e UNI4
1
0,9
0,8
0,7
0,6
Marca
Numeral
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
POP4
UNI4
O efeito da variável nos dois grupos parece ser o inverso: no grupo
POP4, é o numeral na primeira posição o fator favorecedor da
concordância em segunda posição, sendo a marca nessa posição um
304
desfavorecimento. No UNI4, ao contrário, o fator que inibe a concordância
é o numeral na primeira posição.
Apesar de os elementos em terceira terem favorecimento decrescente
de concordância entre os fatores correspondentes a mais marcas, até o
contexto
menos
favorecedor
com
menos
zeros,
as
grandezas
correspondentes ao grau de favorecimento é bem diferente entre os grupos:
enquanto “duas marcas de plural antecedente” e “mistura de marcas com
marca antecedente” favorecem a mais marcas no grupo POP4, com um
peso de .82 e .75, respectivamente, no POP4, no grupo UNI4 os pesos
desses fatores são de .70 e .51, respectivamente. As diferenças são de
grandezas, mas há identidade quanto à curva de
favorecimento ou
desfavorecimento.
Tabela 53:
Efeito das marcas precedentes na concordância dos itens em 3 ª ou outra
posições dos grupos POP 4 e UNI 4
Marcas precedentes
POP 4 Sign.=.000
UNI 4 Sign.=.040
Freqüência
P.R
Freqüência
P.R
Duas marcas precedentes
44/67 66%
.82
118/121 98%
.70
Mistura com marca
30/62 48%
.75
54/57 95%
.51
Mistura com zero
2/28 7%
.07
2/3 67%
.07
.75
14/14 100%
Numeral de mais de uma 29/37 78%
palavra
Os dois grupos coincidem totalmente quanto ao efeito de
desfavorecimento da “mistura de marcas com zero imediatamente anterior”
aos elementos nessas posições, pois esse fator é altamente inibidor nos dois
grupos. O efeito do “numeral” antecedente a elementos nessas posições é
305
muito forte tanto no POP4 (.75) como no UNI4, e nesse grupo com
concordância categórica.
Gráfico 43: Efeito das Marcas precedentes sobre
a concordância dos itens em 3a., 4a ou 5a
posições dos grupos POP4 e UNI4
1
0,9
0,8
0,7
0,6
POP4
0,5
UNI4
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Mais marcas Mistura com Mistura com
marca
Zero
Numeral
3. 2. 7. 3 Efeito da variável Marcas precedentes na concordância
dos grupos diferentes de escolaridade
Como a escolaridade exerce uma pressão grande sobre a
concordância, em seguida observa-se se o maior número de anos de
escolarização indica alguma mudança no efeito dessa variável. Assim,
fazem-se, em seguida, separadamente, análises nos três grupos de
escolaridade.
A tabela a seguir apresenta os resultados.
306
Tabela 54:
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens em segunda
posição nos grupos de escolaridade diferente
Marcas
Fundamental
precedentes
Sign.=.000
Freqüência
Marca
Média Sign.=.000
Sign.=.000
P. R.
669/1643 41% .48
Ausência
20/20 100%
Numeral
225/513 44%
Superior
.58
Freqüência
1256/1792
P. R. Freqüência
.48
1855/1986
70%
93%
14/14 100%
9/9 100%
305/439 69%
.60
205/230
89%
Gráfico 44: Efeito das Marcas precedentes sobre
a concordância nos itens em segunda posição
dos grupos de escolaridade
1
0,9
0,8
0,7
0,6
Marca
0,5
Numeral
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Fundamental
Média
Superior
P. R.
.49
.42
307
Tabela 55:
Efeito da Marcas precedentes sobre a concordância dos itens em 3 ª ou outra
posições dos grupos de escolaridade diferente
Marcas precedentes
Duas marcas precedentes
Fundamental
Média
Superior
Sign.=.000
Sign.=.000
Sign.=.000
48/143
.67 160/22 .52 294/321 .61
34%
Mistura com marca
40/147
9 70%
.65 80/129 .48 119/131 .56
27%
Mistura com zero
Numeral de mais de uma palavra
62%
1/87 1% .05
21/48
92%
.68
44%
4/33
91%
.07
5/11
12%
45%
38/49 .48
21/22
78%
95%
.07
.78
A análise através dos percentuais deixa claro que o efeito da
escolaridade é forte, os falantes de escolaridade primária têm um índice de
39% de concordância, os de 2o grau, 69% e os de escolaridade superior, um
índice de 92%. Constata-se, no entanto, a semelhança do efeito de alguns
dos fatores da variável marcas precedentes nas três faixas de escolaridade,
resumindo-se da seguinte forma:
1. os elementos em segunda posição são categoricamente marcados
quando são precedidos de elemento sem marca;
2. existe uma tendência de marcar mais em terceira ou outra posição
quando elementos do contexto diretamente antecedente não têm Zero;
308
3. existe uma tendência de marcar radicalmente menos em terceira ou
outra posição quando contextos diretamente antecedentes não são
marcados nem mediados por elemento marcado.
3. 2. 7. 4 Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos
grupos diferentes de sobrenome
A análise que se segue procura observar, nos grupos de sobrenomes
diferentes, como atua a variável Marcas.
Tabela 56:
Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens em segunda
posição dos grupos diferentes de sobrenome
Marcas
Não religioso Sign.=.000
Religioso Sign.=.000
precedentes
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R.
Marca
924/1562 59%
.48
957/1789 53%
.48
Ausência
100%
Numeral
248/418 59%
100%
.55
276/521 53%
.62
Gráfico 45: Efeito das Marcas precedentes na
concordância dos itens em segunda posição dos
grupos de sobrenome diferente
1
0,8
Marca
Numeral
0,6
0,4
0,2
0
Não Religioso
Religioso
Os resultados indicam efeito semelhante das marcas precedentes sobre
a concordância dos itens em segunda posição, nos dois grupos. O
309
favorecimento do numeral, no entanto, é um pouco mais evidente no grupo
de sobrenome religioso.
Tabela 57:
Efeito da Marcas precedentes sobre a concordância dos itens em 3 ª ou outra
posições dos grupos de sobrenome diferente
Marcas precedentes
Duas marcas precedentes
SS_
Não religioso
Religioso
Sign.=.000
Sign.=.000
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R.
111/154
.75
97/212 46%
.50
.55
63/161 39%
.54
2/52 4%
.04
3/65 5%
.09
27/47 57%
.53
31/48 65%
.73
72%
Mistura de marcas com
marca antecedente
Mistura de marcas com
55/108
51%
zero antecedente
Numeral de mais de uma
palavra
A concordância nos elementos em 3a, 4a ou 5a posições, nos dois
grupos, não sofre o efeito da variável Marcas precedentes da mesma forma:
enquanto mais marcas favorecem mais concordância no grupo de
sobrenome religioso, isso não pode ser dito com respeito ao grupo de
sobrenome religioso, pois esse fator não favorece, nesse grupo a
concordância (.50, indicando neutralidade – não há favorecimento nem
desfavorecimento da concordância. Quanto ao contexto antecedente de
numeral, o seu favorecimento só é evidenciado no grupo de sobrenome
religioso, não no de sobrenome não religioso.
310
Gráfico 46: Efeito das Marcas precedentes sobre
a concordância nos itens em 3a, 4a ou 5a
posições dos grupos de sobrenome
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Não religioso
Religioso
Duas
marcas
Mistura
com
Marca
Mistura Numeral
com Zero de mais
de uma
palavra
No grupo de sobrenome religioso, então, o efeito da variável marcas
precedentes mostra-se com algumas características comuns a todos os
grupos, mas com algumas peculiaridades, conforme se apresentam a seguir:
1) elementos em segunda, terceira ou outra posição antecedidos por
numerais (com ou sem /s/) são, sempre, mais marcados do que quando
são antecedidos por elemento (s) marcado (s);
2) elementos em terceira ou outra posição antecedidos por numerais são os
que têm o maior peso relativo de concordância, demonstrando ser muito
forte o efeito da saliência semântica do numeral;
3) os contextos de mais marca formal (duas ou mais marcas antecedentes)
não são grandes favorecedores de marcas, tendo pesos que não refletem
favorecimento nem desfavorecimento da concordância.
Para o grupo de sobrenome religioso, parece existir uma relação
entre a saliência semântica dos numerais, maior do que a saliência do
morfema do elemento marcado em primeira posição (cujo valor de plural
311
apresenta-se apenas formalmente) que promove mais realização da
concordância. Tanto em sintagmas com morfema de plural como com
numerais em primeira posição, a concordância não é uma informação
relevante, no entanto os numerais exercem, nesse caso, um efeito muito
mais decisivo na concordância do grupo em questão.
Observa-se que o efeito dos numerais na concordância, que ocorre
no grupo de sobrenome religioso, não tem exatamente a mesma explicação
do efeito que se constata no grupo de sobrenome não religioso. Os fatos
indicam que
para o grupo de sobrenome não religioso parece que o
contexto antecedente de numeral pode ser considerado análogo ao contexto
de mais de uma marca precedente (é possível comparar os pesos relativos:
.53 com antecedente numeral de mais de uma palavra e .55 contexto de
mistura de marcas com marca antecedente).
O contexto de mais de uma marca só é favorecedor para o grupo de
sobrenome não religioso. No grupo de sobrenome religioso, a presença de
outros morfemas de plural antecedentes não favorece a concordância
(nenhum dos contextos de mais marca é favorecedor para esse grupo).
Apenas o numeral de mais de uma palavra constitui-se favorecimento nesse
grupo de sobrenome religioso, o que parece ter relação com a saliência
semântica do numeral, mais explícita quanto à idéia de plural que a
presença do -/s/, morfema de plural. Parece que esse quadro do efeito dessa
variável no grupo
de sobrenome religioso pode ser explicado
conjuntamente: há mais concordância com antecedente numeral nos itens
em terceira, quarta ou quinta posição e menos probabilidade de ela ocorrer
em itens com antecedentes com mais de uma marca ou com mistura de
marcas pela mesma razão – mais saliência semântica dos numerais e menos
saliência semântica dos itens marcados.
312
3. 2. 8 Contexto fonológico subseqüente
No presente estudo, observa-se o contexto fonológico subseqüente a
cada elemento do sintagma e a sua interferência na concordância nominal.
A hipótese inicial é de que deveriam ser mais favorecedores os contextos
subseqüentes vocálicos, diante da tendência da busca do padrão silábico
CV, comum a muitas línguas. Inicialmente, são quatro fatores observados:
1) Consoante - dez FITAS por ano H4F06
2) Vogal - três VEZES e eu ia H4F06
3) Pausa interna - outros SETORES, tudo que… M3C07
4) Pausa Final de sentença - muitos SONHOS. M3C07
Considera-se pausa interna uma distância de realização fônica que
impeça a interferência entre os sons, entre o elemento em análise e o
subseqüente, na elocução feita; a pausa final, no entanto, é mais longa,
caracterizando um fim de sentença, ou de período.
Não são considerados os seguintes contextos subseqüentes aos
elementos em análise: /s/, /z/, /š/, /ž/, cujos dados são desprezados, diante
da dificuldade de detectar a real presença ou ausência da marca de plural no
elemento anterior. Os resultados da análise inicial são apresentados em
seguida, na tabela 58.
313
Tabela 58:
Efeito do Contexto fonológico subseqüente sobre a concordância – Análise
inicial
Contexto posterior (Significância= .000)
P. R.
Consoante
6985/8170 85%
.48
Vogal
2219/2669 83%
.54
Pausa interna
1604/2443 66%
.51
418/580
.62
Pausa final
TOTAL
72%
11226/13862 81%
Gráfico 47: Efeito do Contexto subseqüente sobre a
concordância Análise inicial
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Consoante
Vogal
P interna
P final
Como se vê, a posição de final de sentença mostra-se como o contexto
mais favorecedor de todos (P. R. .62) e as posições anterior a vogal (P. R.
54) e antes de pausa interna (P. R. .51) têm um peso relativo que indica que
314
esses fatores não interferem na concordância; quando o contexto seguinte é
consoante, não há favorecimento nem desfavorecimento da concordância, o
peso relativo indica proximidade do ponto neutro (P. R. 48). A diferença
entre os pesos dos três últimos fatores referidos (contexto fonológico
subseqüente vocálico, consonantal ou pausa interna) é tão pequena que
poderia sugerir uma oposição entre dois pólos: final de sentença e não final
de sentença.
Apesar de Scherre (1988) ter feito a amalgamação entre pausa
interna e pausa final, nesta pesquisa os dois fatores não se mostraram com
peso aproximado, não apresentando, pois, motivo de isso ser feito. Mesmo
tendo consciência de que a situação, nos dados, não indicava necessidade
de juntar esses fatores, decidiu-se por fazê-lo apenas como teste, para
verificar as conseqüências disso. A tabela a seguir apresenta os resultados.
Tabela 59:
Efeito do Contexto fonológico subseqüente sobre a concordância – Análise
inicial amalgamando Final interno e Final de sentença
Contexto posterior
Freqüência Sign.= .000
P. R.
Consoante
6985/8170 85%
.48
Vogal
2019/2669 83%
.54
Pausa
2022/3023 67%
.53
TOTAL
11226/13862 85%
315
Gráfico 48: Efeito do Contexto subseqüente na concordância
Análise inicial, sem distinguir pausas interna e final
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Consoante
Com
essa
Vogal
amalgamação,
desfaz-se
Pausa
a
oposição,
que
era
relativamente grande, entre a pausa final, que agora passou a ter um peso
relativo bem menor, reduzindo bastante a diferença entre os fatores,
chegando o peso relativo desse fator a ser menor que o da vogal. A
amalgamação feita é, assim, de certa forma, prejudicial à análise. Dessa
maneira, esses resultados mostram a necessidade de manter a oposição
entre esses dois fatores, pausa interna e pausa final, no presente trabalho.
Em seguida procura-se observar o efeito da variável contexto
fonológico subseqüente, considerando também o traço sonoridade entre as
316
consoantes. A tabela a seguir mostra que as consoantes sonoras são mais
desfavorecedoras da concordância do que as surdas.
Tabela 60:
Efeito do Contexto subseqüente na concordância, análise inicial,
considerando a sonoridade da consoante.
Contexto subseqüente
Sign.= .000
Freqüência
P. R.
C Surda
3788/4218 89%
.52
C Sonora
3247/3952 82%
.44
Vogal
2219/2669 83%
.54
P Interna
1604/2443 66%
.50
P Final
418/580 72%
.62
TOTAL
11226/13862 81%
317
Gráfico 49: Efeito do Contexto subseqüente, análise inicial,
considerando a sonoridade da consoante
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
C Surda
C Sonora
Vog
P interna
P final
Com essa análise, fica evidente que, entre as consoantes, o contexto
subseqüente menos favorecedor da concordância é o de consoante sonora e,
em seguida, no ponto neutro, estão os contextos de pausa interna e o de
consoante surda. Mas de todos os contextos o que se mostra mais
favorecedor continua sendo o final de sentença, com um peso de .62.
318
3. 2. 8. 1 Contexto fonológico subseqüente – Análise geral,
separando itens de plural regular e itens terminados em -/s/
Motivada por Scherre (1988), esta pesquisa observa o efeito da
variável Contexto fonológico subseqüente, estudando os itens de plural
regular e os itens terminados em /s/, em análises independentes. Foram
considerados apenas esses tipos de formação de plural e não os outros tipos
de formação (duplo, em -/l/, em -/r/, em –ão regular ou -ão irregular (Ver
seção 2. 3. 1 e seção 3. 2. 1. 1) por tomar esses elementos como itens em
que o contexto subseqüente tem mais possibilidade de interferir na
concordância: os de plural regular, pois, com o acréscimo do -/s/, se o
contexto subseqüente é vocálico, há condições para a formação de nova
sílaba; se é consonântico, não há formação de nova sílaba e, assim, a
variação da concordância pode ser inibida; a concordância nos itens de
final em -/s/, também, pode ser favorecida ou inibida pelo contexto, uma
vez que, sendo vocálico ou consonântico, dentre outras possibilidades, o
efeito fonológico do -/s/ final é diferente e pode provocar surgimento
também de outra sílaba. Em todas as análises estatísticas apenas com itens
em /s/, a significância da variável é muito alta, evidenciando que a análise
não tem o mesmo nível de confiabilidade que nas demais análises feitas,
além de a variável ser excluída, o que pode ter ocorrido devido ao número
pequeno de dados em cada uma das rodadas. Diante disso, faz-se na atual
pesquisa apenas a análise geral dos dados de itens em -/s/, deixando-se de
fazer o confronto entre os grupos observados no estudo das outras
variáveis. Os resultados da análise geral são apresentados na tabela 61,
referentes a itens de plural regular e os resultados dos itens em -/s/.
319
Tabela 61:
Efeito do contexto fonológico subseqüente na concordância em Itens de
plural regular e Itens em -/s/, considerando a sonoridade da consoante
subseqüente –– Análise geral
Itens com plural regular Itens terminados em
(Significância=.000)
Contexto subseqüente
/s/
(Significância=.032)
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R
.53
71/99 72%
.44
as 3038/3693 82%
.44
72/93 77%
.50
casos 1969/2341 84%
.53
141/199 71%
.46
seus 1362/2156 63%
.50
64/77 83%
.57
.61
24/27 92%
.79
Consoante surda ex.: muitos 3552/3980 89%
ANOS Que ele sonhou
Consoante
sonora
ex.:
MENINAS Gostavam
Vogal
ex.:
muitos
DESAGRADÁVEIS
Aconteceram
Pausa
interna
ex.:
BRINQUEDOS,
tem
seu
espaço
Pausa
final
ex.:
boas 358/509
70%
LEMBRANÇAS.
TOTAL
10279/12679 81%
538/685 79%
0
C Surda
C Sonora
Vog
P int
P final
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
Itens em -/s/
Itens de plural regular
0,6
0,7
0,8
0,9
1
Efeito do Contexto subseqüente aos itens de plural regular e itens em -/s/ sobre a concordância
320
A análise deixa claro que, em itens de plural regular, o traço surdo
na consoante do contexto seguinte ao elemento é bem menos
desfavorecedor da presença de marca de plural (P. R. 52) que o traço
sonoro (P. R. .44). Considerando esse traço na consoante, a escala de
favorecimento dá-se partindo da pausa final, reduzindo o favorecimento em
direção às consoantes sonoras, contexto subseqüente mais desfavorecedor
da marca de plural, passando pelas vogais, consoantes surdas e pausa
interna, como fatores neutros, pois não inibem nem favorecem a
concordância.
Observando-se apenas os itens terminados em /s/, o efeito da
variável é diferente. Apesar de a pausa final ser o contexto mais
favorecedor da concordância dos itens em -/s/, como ocorre com os itens de
plural regular, esse favorecimento é bem maior do que com os de plural
regular. Além disso, observa-se desfavorecimento no contexto posterior
com vogal, fator que não desfavorece (mas também não favorece) no grupo
Gráfico 50: Efeito do Contexto subseqüente na
concordância dos itens de plural regular e dos itens
terminados em -/s/
1
0,9
0,8
0,7
0,6
Itens de plural
regular
0,5
Itens em -/s/
0,4
0,3
0,2
0,1
0
C Surda
C Sonora
Vog
P int
P final
321
dos itens de plural regular.
Outra diferença é que a consoante surda, que não é grande inibidora
no grupo de dados com o plural regular, passa a desfavorecer quando o
grupo fica restrito a itens terminados em /s/.
A explicação que Scherre (1988) dá para o desfavorecimento do
contexto subseqüente vocálico, para esses itens, é através do fenômeno da
haplologia, em que o falante tende a fazer desaparecer sons repetidos. Em
um sintagma como umas vezes ele vem [vezezele], para evitar a repetição
do /ze/, o falante deixa de fazer a concordância: algumas vez ele vem. Essa
explicação parece coerente para se entender a ausência de concordância
nesses contextos. A análise ora feita mostra que o contexto fonológico
posterior vocálico é desfavorecedor da marca de plural nesses itens, o que
não deixa dúvida de que a explicação de Scherre está de acordo com a
realidade dos fatos.
Como no estudo das outras variáveis, faz-se, em seguida, uma
observação do efeito da variável ora em estudo, Contexto fonológico
subseqüente, entre os diversos grupos: POP, UNI, níveis de escolaridade e
tipos de sobrenome. Como já se observou, o estudo não envolve a
comparação do efeito da variável com os itens em -/s/, porque a variável
não é selecionada, ao observar apenas os dados em -/s/ de cada grupo.
3. 2. 8. 2 Contexto fonológico subseqüente aos itens de plural
regular – Grupos POP e UNI
O passo seguinte na análise é observar como essa variável atua nos
dois grandes grupos aqui trabalhados, o português popular e o português
universitário. Para chegar à comparação entre os grupos, foram feitas
322
análises diferentes, com cada um deles, e o resultado observa-se na tabela
62.
A análise revela que há exatamente o mesmo efeito da variável sobre a
concordância nos dois grupos: é o fator referente ao contexto subseqüente
com consoante sonora é o que mais inibe a concordância e a pausa final é o
que mais a favorece.
Tabela 62:
Efeito do Contexto subseqüente aos itens de plural regular na concordância
dos grupos POP e UNI
Contexto posterior
POP Sign.= .000
UNI Sign.=.000
Freqüência
P. R.
Freqüência
P.R.
C. surda
2198/2596 85%
.53
1354/1384 98%
.56
C. sonora
1888/2489 76%
.44
1150/1204 96%
.42
Vogal
1098/1439 76%
.52
871/902 97%
.52
Pausa interna
666/1405 49%
.51
676/751 90%
.47
Pausa final
188/329 57%
.61
170/180 94%
.61
TOTAL
6058/8258 73%
4221/4421 95%
Os contextos de vogal e de pausa interna estão bem próximo ao ponto
neutro e o contexto de consoante surda apresenta um pequeno
favorecimento (.56). Através do estudo do efeito dessa variável na
concordância, e a constatação de que o efeito é o mesmo nos dois grupos,
323
então tem-se a indicação de que a interferência do Contexto subseqüente
na concordância é um fenômeno realmente estrutural, que independe do
grupo observado e da sua freqüência de realização de concordância.
Gráfico 51: Efeito do Contexto fonológico subseqüente na
concordância dos grupos POP e UNI
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
C Surda
POP
UNI
C Sonora
Vog
P interna
P final
Mas é importante que se observem os outros grupos dessa análise para
que essa hipótese possa ser comprovada.
324
3. 2. 8. 3 Contexto fonológico subseqüente na concordância e
escolaridade. A tabela 63 apresenta os resultados de análises de cada nível
de escolaridade, feitas separadamente.
Tabela 63:
Efeito do Contexto subseqüente na concordância dos itens de plural regular
dos grupos de escolaridade diferente
Contextos
Fundamental P.R.
Sig=.000
C Surda
Média
P.R.
Sig=.000
979/1245 79% .50
1219/1351
843/1208 70% .44
1045/1281
.54
461/664 69%
.56
637/775
1354/1384
.56
98%
.44
82%
Vogal
P.R.
Sig.=.000
90%
C Sonora
Superior
1150/1204
.42
96%
.49
871/902 97% .52
.52
676/751 90% .47
.66
170/180 94% .61
81%
P. interna 247/739 33%
.52
439/666
66%
P. final
79/189 42%
.63
109/140
78%
Total
2609/4045 64%
3449/4213 82%
4221/4421 95%
325
Gráfico 52: Efeito do Contexto subseqüente na concordância
dos itens de plural regular dos grupos de escolaridade
diferente
1
0,9
0,8
0,7
0,6
Fundamental
0,5
Média
Superior
0,4
0,3
0,2
0,1
0
C Surda
C Sonora
Vog
P interna
P final
3. 2. 8. 4 Contexto fonológico posterior – Grupos de sobrenomes
Para concluir o estudo da variável Contexto subseqüente, resta
observar o seu efeito nos grupos diferentes de sobrenome. A tabela 64
apresenta os resultados da análise.
A análise dos dois grupos de sobrenome não revela nenhuma
diferença quanto ao efeito da variável na concordância: mantém-se o
contexto de Final de sentença como o mais favorecedor da concordância e
o contexto subseqüente de consoante sonora como o mais inibidor da
presença de marca.
326
Tabela 64:
Efeito da Contexto fonológico subseqüente sobre a concordância dos itens
de plural regular dos grupos de Sobrenome
Não Religioso Sign.=.000
Religioso Sign.=.000
Contexto
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R.
C. surda
1006/1152 87%
.54
1141/1382 83%
.52
C. sonora
861/1108 78%
.43
996/1333 75%
.45
Vogal
490/619 79%
.52
579/789 74%
.52
P. interna
343/635 54%
.51
338/747 45%
.51
P. final
108/180 60%
.57
76/142 54%
.61
Total
2808/3694 76%
3417/4798 71%
Dessa forma, a variável Contexto subseqüente não atua de forma
diferente nos dois grupos e o que foi revelado no grupo de escolaridade
Fundamental, quanto a uma tendência de busca do padrão CV, isso não se
apresenta em qualquer dos dois grupos de sobrenome.
327
Gráfico 53: Efeito do Contexto fonológico subseqüente na
concordância dos itens de plural regular dos grupos de
sobrenome
1
0,9
0,8
0,7
0,6
Não Religioso
0,5
Religioso
0,4
0,3
0,2
0,1
0
C Surda
C Sonora
Vog
P interna
P final
O estudo feito sobre o efeito da variável Contexto subseqüente
sobre a concordância mostra que existe uma relação entre o tipo de
contexto subseqüente aos itens do sintagma e a probabilidade de ser feita a
concordância entre os elementos do sintagma. Os itens de plural regular são
mais alvo de concordância quando estão em final de sentença e menos
quando são seguidos por consoante sonora.
328
3. 2. 9 A variável coexistência com tudo70
Nesta pesquisa, observa-se o efeito da coexistência do quantificador
tudo, forma neutra do quantificador todo, TUDO, usado no valor de todos,
todas, na concordância dentro do sintagma nominal. No corpus, são
identificados casos, como os apresentados a seguir:
“fazer TUDO aquelas coisas de errado de novo” H3F32
“os policiais TUDO em fileira” H2F40
“dos meus tio morava TUDO junto” M1C02
“os alunos saìram TUDO pra ver” M1F05
“as bonecas eram TUDO lá guardada no armário” M1C12
“meninas TUDO pequeninha assim que tem onze” M1C12
“as criança estão TUDO em casa” M1C12
“as menina TUDO chutando, pegando” H3C15
“os menino ficavam TUDO doido” M3C17
“os pezinho dele TUDO furado, aì quando” M3C17
“os colegas TUDO ficavam juntos” H2F09
“as pessoas saìam TUDO correndo” M2F29
“eles hoje estão TUDO perdido, porque lá” H4F35
70
O Tudo, utilizado no valor de todos, todas, foi observado por Pinto (1996), não com o intuito de estudo
da concordância, mas sim de análise da utilização da forma substantiva neutra, tudo, registrada na fala
carioca com valor de adjetivo. O objetivo do trabalho é 1) determinar os fatores que determinam o uso da
forma substantiva em contextos em que se prevê a forma adjetiva; 2) comprovar se há ou não
estigmatização no uso; 3) analisar se o fenômeno evidencia um processo de mudança. (Pinto, 1996:8).
Esse uso da forma tudo com valor adjetivo, em sintagmas em se espera o todos ou todas é exatamente o
329
“os neto TUDO, mas não estou” H4F34
“quatro moram TUDO no Beiru” H4F34
“pegou nós TUDO e pro juizado” M1F45
O tudo no valor de todos, todas é também encontrado em dialetos
que são resultado de processos de aquisição com grande divergência de
dados. Na fala dos Tongas71, comunidade de ex-escravos, em São Tomé, na
África, por exemplo, encontram-se sintagmas com o tudo no mesmo valor:
“os avó TUDO veio de Angola”
“os coisa TUDO”
“TUDO os coisa tá traçado”
“os criança TUDO…”
“os médico TUDO foi embora”
“TUDO os home foi embora”
Nos exemplos “tudo os coisa tá traçado” e “tudo os home foi
embora”, nota-se que o tudo está à esquerda do núcleo e, mesmo assim,
aparece a forma neutra ao invés da forma flexionada. Nos outros exemplos,
sem levar em conta a variação da concordância de gênero que os sintagmas
exibem, o uso de tudo, situação interpretada como ausência de
concordância do quantificador todo, a forma aparece à direita do núcleo,
posição inibidora da presença de marca na amostra estudada nesta pesquisa
na seção 3. 2. 4. No corpus observado neste trabalho, o tudo ocorre de
tudo observado no presente trabalho, considerado, não como a forma neutra tudo, e, sim, como a forma
pluralizável (já que a forma é usada no valor de todos ou todas, com ausência de marca).
71
A comparação foi feita graças ao professor Alan Baxter, que gentilmente cedeu as fitas com as
entrevistas gravadas.
330
forma semelhante e fica evidente que o uso é perfeitamente comparável
àquele dos Tongas72.
No português descrioulizado de Macau também se atestou esse uso
do TUDO, a exemplo de
“pa veng visitar nóx TUDO domingo.” (ao invés de “nós todos”)
“Mana, ávó, pai, irmang - qui justo morê - mãe, tudo bêbê.” (ao
invés de “todos bebem”)
“Madrinha leva iô, pocósa esti genti di Figueiredo tudo é parenti
longe dela.” (no lugar de “todos são parentes”)
“Ieu sabe vossa pai, mae tudo gosta bêbê, você nãong bebe?”73 (no
lugar de “todos bebem”)
Coelho (1967:62-5) também registra o tudo em texto escrito no
dialeto macaísta, em cartas pessoais de 1865 a 1869:
“Já intra anno novo; mutu bom anno, filicidade, vida, saúde para vós,
vosso marido e tudo criança criança.” (1865) (ao invés de todas as
crianças)
“Como vôs lôgo querê sabe tudo novidade de Macáo, porisso que eu
já pedi com tudo sium sium, parecero de jogo, pra trazê tudo
novidade de fóra pra eu pôde escrevê pra vôs.” (1869) (no lugar de
72
“Tudo seems to function as a redundant reinforcer of plurality. Plural marking is inserted with the aid of
this semantic trigger, in obvious contexts (cf. the role of numerals). While this role is relatively minor in the
general data, it has implications for the nature of earlier L2 Tonga Portuguese. Thus, an additional dimension
to tudo is that it mainly occurs in post nominal position, although prenominal position is also found.. In
European Portuguese, inflecting todo may appear in both these positions. This suggests that the L2
Portuguese that provided PLD for F3, gave preference to the post-nominal position, but, as the suffixal
inflectional morphology of E.P. todo was not transparent to L1 speakers of Umbundo, with its prefixal
system, the bare form tudo was incorporated and principally in a post-nominal position coincidental with the
unmarked Mbundo quantifier position.” (Baxter, 2001:17).
73
Dados retirados de transcrições de material coletado em Macau, China, cedido por Alan Baxter e Mário
Nunes. Os informantes pesquisados são todos da última faixa etária, com mais de setenta anos.
331
toda a novidade; todos os senhores, ou todos os homens; todas as
novidades ou toda a novidade).
“Aquelle tolo de Boletim parte que dá peza sua viuva, vae dá pra
tudo sua amigo amigo.” (1869) (ao invés de todos seus amigos).
Os usos registrados do tudo, apesar de aparentemente não terem
relação com nomes plurais, nota-se que alguns dos substantivos indicam
claramente pluralidade, expressa pela sua duplicação: criança, criança;
sium, sium; amigo, amigo, comum a diversos crioulos.
No dialeto de Helvécia, na Bahia, Baxter, Lucchesi & Guimarães
(1997:30) documentam o uso do TUDO, ao invés do quantificador
flexionado:
“Foi vendeno TUDO essas madeira” (ao invés de “TODAS essas
madeiras”.)
“três mãe de filho e ôtas tudo soltêra” (ao invés de “outras TODAS
solteiras”.)
Os autores observam que o quantificador TODOS, apesar de, no
português, ser comumente utilizado em posição anterior ao núcleo, como
“Todas as pessoas convidadas”, nesse dialeto o uso mais freqüente é como
elemento posnominal, na sua forma neutra TUDO (“As meninas tudo
foram embora”), e dizem que esse uso sugere
“... a existência anterior de um sistema que usou uma
forma invariável única do quantificador todo, neste
caso derivado da forma neutra tudo, como é o caso
em crioulos de Cabo Verde e São Tomé, com base
no
português.
Na
mesma
situação
como
o
332
quantificador poderia aparecer, antes ou após o
nome.”74
Careno (1997: 82, 88) também registra o TUDO com o mesmo valor
(de todos, todas) em comunidades negras do Vale do Ribeira:
“TUDU mi respeit‟I::: TUDU elis… segui [seja] … segui netu…
segui bisnetu respeitu qu‟elis tem pur mim” (ao invés de “todos
eles”)
“eu digu tão ficandu Loco… purque tão vendendu TUDAS terra qui
têm…”75 (ao invés de “vendendo todas as terras”)
No primeiro caso, o TUDO refere-se a pessoas e não coisa, e tem o
valor de todos eles, e, no TUDU elis, a concordância que se prevê no
sintagma não é realizada (“todos eles”). O tudas, presente no exemplo que
segue, mostra que essa forma, nesse dialeto, é, talvez, um elemento
intermediário entre o TUDO e as formas variadas do quantificador, o todos
e o todas. Existe, também, a possibilidade de que a realização tenha sido
TUDO as terra, com o TUDO e não “tudas”.
Mattos e Silva (1988) registra o TUDO no português Kamayurá76:
“Saiu do mar TUDO os olho vermelho” (ao invés de “os olhos todos
vermelhos”).
“Aì cheguemo lá, aì Kalapalo vê nós TUDO” (ao invés de “nós
todos”).
74
“… the former existence of a system which used a single invariable form of the quantifier todo „all‟, in
this case deriving from the neutral form tudo, as is the case in the Portuguese-based creoles of Cape
Verde and São Tomé. Such a quantifier could appear both before and after the noun.” (p.30)
75
Foram conservadas as grafias utilizadas por Careno (1997)
76
O português Kamayurá refere-se à língua utilizada pelos índios bilíngües Kamayurá, tribo do Parque
Nacional do Xingu, no Estado do Mato Grosso.
333
“Aquele que foi junto nós, TUDO choraro, choraro” (no lugar de
“todos choraram”).
Nos dois primeiros casos, a concordância dentro do sintagma deixou
de ser realizada (“os olhos todos vermelhos”, “nós todos”); no exemplo
seguinte, o TUDO é utilizado no valor de todos, sendo o núcleo do
sintagma, com antecedente humano. Mattos e Silva (1988:104), ao tratar as
“simplificações” dos quantificadores TUDO e NADA, registradas nos
Kamayurá, diz que esses casos
“sugerem a confirmação
da hipótese de que
documentamos estágio da aprendizagem do português
por uma comunidade de origem lingüística distinta.
(…) No corpus de controle podemos observar, em
certos contextos, uma redução maior, em favor de
tudo.”
A autora, com referência a esses casos de TUDO, diz que
“… o quantificador TUDO, nesse dialeto, [tem um]
contexto mais amplo, isto é, ocorre sem as restrições
de traços semânticos e sintáticos que selecionam, pelo
menos nos dialetos urbanos, as formas tudo, todos,
toda. Nesses dialetos tudo tem um referente não
animado e preenche a posição de núcleo do sintagma
nominal; neste, (…) funciona na posição de núcleo do
sintagma nominal ou com determinante.” (op.cit.
p.104).
334
Como conclusão sobre essa realização e, também, sobre outros
aspectos lingüísticos, Mattos e Silva (1988:110) faz uma relação entre esses
fenômenos, o processo de aquisição e à sua fase de desenvolvimento:
“Do que foi dito sobre os quantificadores e os dêiticos
se pode admitir que o processo de aquisição desses
elementos não parece se desenvolver num mesmo
“ritmo de aprendizagem”, enquanto as regras de
seleção dos indicadores dêiticos de lugar e tempo em
relação ao momento da enunciação já aparecem bem
dominadas
pelos
informantes,
as
de
alguns
quantificadores indefinidos [incluindo, nesse caso, o
TUDO], do artigo e dos demonstrativos apresentam-se
simplificadas e oscilantes.”
Também foram encontrados registros do TUDO com as mesmas
características em Emmerich (1984), também da língua de contato do Alto
Xingu, dos quais foram transcritos alguns exemplos:
“Aì Cláudio vem aì, entrô ali no Tu(a)tuari, veio espiá TUDU esses
mato aì.” (Emmerich ,1984:256)
“Aì nóis descemu. Aì nóis viu, lá no Awara‟ì, né. Aì nóis descemu
TUDO lá.” (Emmerich, 1984:261)
Nos sintagmas apresentados, “TUDU esses mato aì” e “nóis…
TUDO”, encontra-se a mesma estrutura, em que o TUDO substitui a forma
pluralizada
correspondente
TODOS,
cumprindo
a
previsão
de
concordância. Mas há casos registrados também em Emmerich (1984) do
TUDO no valor de todo mundo e todos, nesse caso desvinculado de
335
concordância, referindo-se indiferentemente a humanos e não-humanos, a
exemplos de:
“Aì Orlando tava assim barbudo. Leonardo, Cláudio, TUDO isso,
todo mundo tava barbudo, né.” (Emmerich, 1984:248)
“Aì todo mundo foi lá. Só quem num foi o Waurá e… e… Matipú,
né. Matipú tava longe ainda. Agora não, agora TUDO tá aqui perto.
Agora Kalapalo perto, Matipú, Waurá, TUDO aqui perto. Só ficô lá
Kamaturá e Awetì.” (Emmerich, 1984:253).
Pinto (1996) também registra o tudo na fala carioca:
“as meninasTUDO queimadinhas” (p. 28);
“com aqueles vestido TUDO aberto” (p. 32).
A análise feita por Mattos e Silva (1988) e os casos encontrados em
Emmerich (1984) e Careno (1997), registrando o TUDO no dialeto
pidginizante do Xingu, e no português do Vale do Ribeira dão a esta
pesquisa mais segurança ao fazer a relação entre a existência dessa forma,
na fala de Salvador, e as características da sua história de contato e
aquisição de língua, de alguma forma comparável com a que, ainda hoje,
ocorre no Xingu e em outras comunidades negras. Os exemplos registrados
por Pinto (1996) chamam a atenção de que, assim como foram registrados
casos como esse no Brasil e no Rio de Janeiro, a pesquisa ora feita precisa
continuar a ser realizada em outras regiões do Brasil.
3. 2. 9. 1 A variável coexistência com tudo – Todos os dados
Em toda a amostra da presente pesquisa, o tudo nesse valor só ocorre
em registros do português popular, não há qualquer caso no português
universitário. Nos sintagmas encontrados, ao substituir todos ou todas, a
336
concordância prevista para o quantificador nesse caso não é realizada. A
hipótese que se levanta é a de que, em sintagmas com o tudo usado nesse
valor, a concordância entre os outros elementos do sintagma é também
inibida. Dessa forma, além de se quantificar os casos sem concordância
desse quantificador, o envolvimento do tudo foi observado como uma
variável ao analisar os outros elementos do sintagma. Foram codificados
dados com tudo com esse valor no sintagma e os resultados dessa
observação, envolvendo apenas os não universitários, são apresentados na
tabela 65.
A análise estatística indica que a presença do quantificador na sua
forma neutra, tudo, realmente inibe a concordância em outros elementos do
sintagma. Enquanto sintagmas sem a forma tudo estão no ponto neutro,
peso relativo .50, com esse elemento o peso relativo de concordância
reduz-se para .31.
Tabela 65:
Efeito da Coexistência com o TUDO na concordância entre os outros
elementos do sintagma - Análise sem os universitários. Sign.=.000
Fatores
Freqüência
P. R.
Sintagma com tudo
48/78 62%
.31
Sintagma sem tudo
6598/8969 74%
.50
TOTAL
6646/9088 81%
337
Gráfico 54: Efeito da coexistência com
o TUDO na concordância
1
0,8
0,6
0,4
0,2
0
Com Tudo
Sem Tudo
Assim, é evidente que, em sintagmas com o tudo no valor aqui
analisado, a probabilidade de concordância reduz-se. Para entender em que
tipo de grupo essa forma ocorre mais e como dá-se a inibição da
concordância, em seguida estuda-se a variável entre os dois níveis de
escolaridade envolvidos.
3. 2. 9. 2 A variável coexistência com tudo – Grupos de escolaridade
Para melhor entender o efeito da variável, em seguida faz-se uma
observação separando-se os grupos Fundamental e Colegial, os únicos a
338
apresentarem, no corpus, dados com a forma observada. A tabela a seguir
apresenta os resultados.
Tabela 66:
Efeito da Coexistência com o TUDO, na concordância entre os outros
elementos do sintagma, separando-se os níveis Fundamental e Colegial
Envolvimento com o
Fundamental
Média
SIGNIFICANCE= .457
SIGNIFICANCE= .018
tudo
Freqüência
Freqüência
P. R.
Sintagma com tudo
39/62 63%
9/16 56%
.10
Sintagma sem tudo
2793/4333 64%
3805/4636 82%
.50
TOTAL
2532/4431 64%
3814/4652 82%
No nível Fundamental, essa variável não é selecionada pelo
programa de regras variáveis, indicando não interferência da coexistência
com o tudo na concordância desse grupo. Esses resultados mostram que, a
despeito da forma tudo ocorrer principalmente entre os informantes do
nível Fundamental (de 78 sintagmas coexistentes com a forma, 62 estão
nesse nível de escolaridade), o efeito dessa forma sobre a concordância não
está diretamente associado à pouca escolaridade, uma vez que a sua
presença afeta mais a concordância nos elementos do sintagma quando os
falantes têm mais escolaridade do que com menos.
339
Gráfico 55: Efeito da coexistência com o Tudo na
concordância da escolaridade Média
1
0,8
0,6
0,4
0,2
0
Sem Tudo
Com Tudo
No grupo de escolaridade Média, a concordância em elementos do
sintagma tem peso relativo bem pequeno (P. R. .10), apesar de a forma não
ser freqüente na fala do grupo, o que deixa claro que o efeito do uso dessa
forma na concordância, pois, não parece estar na falta de acesso à escola.
Esses resultados podem indicar que a escolarização traz como
conseqüência a redução da utilização dessa forma, mas que, quando ela
resiste (nesse caso, na escolaridade Média), tem um efeito inibidor grande
na concordância entre os outros elementos do sintagma.
3. 2. 9. 3 Efeito da variável coexistência com tudo na concordância
dos grupos de sobrenome
Com o objetivo de buscar respostas para a diferença entre os dois
grupos, na análise que se segue procura-se examinar a variável estudada entre
340
os sobrenomes de escolaridade Fundamental, e faz-se uma comparação com
Baxter (2001), que faz análise do efeito dessa variável nos Tongas. A análise
referente à variedade de português foi comparada aos resultados do nível
Fundamental e não ao do nível de escolaridade Média diante da pouca
escolarização a que os Tongas tiveram acesso. A tabela 67 mostra os
resultados com a freqüência da concordância em cada um dos fatores
referentes aos três grupos. Não se apresentam os pesos relativos devido ao fato
de a variável não ter sido selecionada em nenhum dos grupos.
As freqüências indicam que, nos grupos de sobrenome Religioso e nos
Tongas, existe muita proximidade entre os resultados dos fatores em cada
grupo. Dessa forma, pode-se considerar que com o tudo ou sem ele a
freqüência de concordância nesses grupos é a mesma, ou quase a mesma. No
grupo Não religioso, há uma diferença entre os fatores: apesar de a forma ser
pouco freqüente em relação ao grupo Religioso, há menos concordância
(53%) em sintagmas com tudo que em sintagmas sem a forma (65%).
Tabela 67:
Efeito da Coexistência com o TUDO na concordância dos grupos de
sobrenome no nível Fundamental e o português dos Tongas.
Não religioso
Religioso
Tongas
Freqüência
Freqüência
Freqüência
Com tudo
9/17 53%
27/41 66%
26/47 55%
Sem tudo
1272/1952 65%
1383/2183 63%
1809/3266 55%
Totais
1281/1969 65%
410/2224 63%
1835/3313 55%
Fatores
341
Os resultados parecem indicar que a forma não inibe a concordância em
grupos que a utilizam com mais freqüência, mas apenas em grupos em que ela
é menos freqüente.
Assim como se detectou na observação do grupo de escolaridade
Fundamental, já discutido anteriormente, nos Tongas a coexistência com o
TUDO não se constitui desfavorecimento (Baxter, 2001). Comparando os dois
grupos de sobrenome, nota-se que o grupo de sobrenome não religioso tem a
sua taxa de concordância reduzida em elementos do sintagma em coexistência
com o tudo, o que, no entanto, não ocorre no grupo de sobrenome religioso. O
número de casos desse quantificador, apesar disso, é bem maior no grupo de
sobrenome religioso, indicando que a freqüência de uso do tudo está associada
ao sobrenome religioso, embora entre esses informantes a forma não iniba a
concordância.
No grupo de sobrenome não religioso de escolaridade Média, não foi
encontrado qualquer caso do tudo estudado, conforme se pode observar na
tabela a seguir. Esse dado mais uma vez indica que o tudo está associado
muito diretamente ao grupo de sobrenome religioso em Salvador e ao tipo de
dados a que os negros tiveram acesso nessa cidade.
A análise, cujos resultados são mostrados na tabela 68, indica que no
grupo de sobrenome religioso não só a freqüência de concordância é menor
que a do grupo geral dessa escolaridade (79% - religioso de escolaridade
Média; e 86% - na totalidade da escolaridade Média), como o tudo, nesse
grupo, tem um efeito inibidor muito forte (56% de concordância e P. R. .10).
342
Tabela 68:
Efeito da Coexistência com o TUDO na concordância dos grupos de
sobrenome de escolaridade Média
Relação com o
tudo
Não religioso
Freqüência
Religioso Sign.=.000
Frequência
P. R.
Com tudo
Não há casos de tudo
9/16 56%
.10
Sem tudo
1802/2090 86%
2003/2546 79%
.50
TOTAIS
1802/2090 86%
2012/2562 79%
Deve-se considerar que o pequeno número de casos de elementos em
coexistência com a forma
pode ter, de alguma forma, interferido
nos
resultados da análise. Pode-se, no entanto, interpretá-los da seguinte forma:
apesar da atividade institucional da escola, a experiência e o contato acirrado
com o padrão, são percebidas as diferenças entre os grupos, o que tem
sobrenome religioso, ou ancestralidade negra, sendo alvo ainda da presença do
tudo e da sua ausência inerente de concordância; e o grupo com outros
sobrenomes, ou não ancestralidade negra, não usando o quantificador sem
concordância tudo, ou o fazendo pouco, diante de não ter história dessa forma
na sua aquisição de língua.
Os resultados fazem levantar a hipótese de que o grupo de sobrenome
religioso está mais ligado a uma história de aquisição lingüística com
343
diferentes dados em relação a outros grupos, e que, em alguma fase da sua
história de língua, deve ter havido o uso geral do quantificador sem
concordância, na forma do tudo. Hoje, obedecendo ao processo normal que
governa a variação no sintagma nominal, essa forma ocorre substituindo todos
ou todas, principalmente no grupo de sobrenome religioso, mesmo em região
urbana, como a cidade do Salvador, com uso comparável ao que se encontra
em comunidades como às que esta pesquisa teve acesso, em que houve uma
história de contato de línguas e aprendizagem de português como primeira ou
como segunda língua com muita diversidade e variação nos dados e sem muita
força de controle e padronização.
3. 3 A Concordância Nominal em quatro variedades do português do
Brasil.
Nesta seção é feito um confronto entre os resultados da análise em
Salvador e os resultados das seguintes pesquisas realizadas sobre a
concordância no sintagma nominal em outras variedades do português do
Brasil: Scherre (198877), Fernandes (1996) e Carvalho (1997).
A concordância no sintagma nominal foi estudada por Scherre
(1988), que observou a fala não universitária do Rio de Janeiro; por
Fernandes (1996), que analisou não universitários da Região Sul; e por
Carvalho (1997), a fala universitária e não universitária de João Pessoa.
Como Scherre (1988) e Fernandes (1996) só envolveram dados de não
universitários, os resultados da presente análise utilizados para confronto
77
Apesar de, na comparação feita nesse capítulo, serem utilizadas as discussões e todo o trabalho
produzido em Scherre (1988), os resultados aqui mostrados nesta seção são resultado de atualização, em
análises feitas recentemente, em Scherre (1997), (1998), (2001) e em análises feitas com o único fim de
serem submetidos ao confronto com os resultados do presente trabalho. A atualização se deu porque, na
época da realização da pesquisa foi utilizado um programa computacional que não ponderava os efeitos
pelo número de dados, além de terem sido considerados fatores diferentes. Observando-se a ordenação,
não as grandezas, os resultados apresentados nesta seção são semelhantes aos de 1988.
344
com esses trabalhos, nesse caso, são os do português popular (POP), não os
referentes à amostra geral. Na comparação com Carvalho (1997), são
usados resultados da amostra geral (envolvendo universitários e não
universitários) da análise de Salvador, diante do fato de a observação feita
na Região Sul ter envolvido falantes de três níveis de escolaridade
trabalhados: fundamental, médio e superior.
A seguir, a comparação entre os resultados do efeito de cada
variável na concordância nominal em cada uma das regiões observadas.
3. 3. 1 – Comparação entre o efeito da Saliência Fônica na
concordância em Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul.
Apesar de haver mais semelhanças que diferenças entre as análises do
efeito da Saliência fônica na concordância nominal, realizadas pelos
estudos das diversas regiões, uma oposição entre o presente trabalho e os
demais é o tratamento dado aos monossílabos de uso átono. Enquanto aqui
esses itens são retirados da análise da Saliência Fônica (aspecto tratado na
seção 3. 2. 1), em Scherre (1988), em Fernandes (1996) e em Carvalho
(1997) esses elementos fazem parte da observação e são analisados
conjuntamente com as formas Paroxítonas. Dessa forma, os resultados
buscados para a comparação das quatro análises apenas envolvem
substantivos, adjetivos e categorias substantivadas, para que os
monossílabos de uso átono sejam, automaticamente, descartados. Dessa
forma, estando os monossílabos de uso átono excluídos nas quatro análises,
torna-se possível a comparação entre os seus resultados.
Como o programa utilizado para as análises estatísticas de Scherre
(1988) não possuía os mesmos recursos atualmente utilizados para a análise
da variação, os cálculos estatísticos desse trabalho foram refeitos, com os
recursos dos programas atuais, e para melhor confronto. Os resultados ora
345
apresentados são produto dessa atualização, com o único objetivo de
possibilitar o quadro comparativo.
Outro aspecto a se observar é que o fator correspondente aos itens
terminados em –ão, de plural regular, em Fernandes (1996), foram
considerados conjuntamente com os itens de plural regular. Diante disso,
não se apresentam os resultados desse fator na Região Sul.
Na tabela 69, apresentam-se os resultados da comparação feita entre o
efeito da variável Saliência fônica na fala de Salvador, do Rio de Janeiro e
da Região Sul.
As três variedades se assemelham no que diz respeito ao efeito da
Saliência fônica na concordância, de acordo com as referidas pesquisas. Ao
comparar os três grupos, chama a atenção, na Região Sul, o peso relativo
dos oxítonos (.54), que indica que não há favorecimento nem
desfavorecimento do fator na concordância, diferente do resultado desse
fator nas duas outras regiões (Salvador, P. R. .81, Rio de Janeiro .76 e
Região Sul .54).
Os oxítonos têm maior saliência, dada pela tonicidade, que os
paroxítonos e proparoxítonos. É em palavras com esse tipo de tonicidade
que, realmente, se espera mais concordância, ou pelo fato de a
concordância desaparecer primeiro em formas menos salientes (então as
palavras oxítonas tenderiam a conservar por mais tempo a concordância)
ou, por ter morfologia mais perceptível, ela ser aprendida mais
rapidamente. A observação mostra que, em Salvador e no Rio de Janeiro,
os oxítonos têm um favorecimento muito forte de concordância, pelo
menos no português popular, que é o que está sendo ora levado em conta.
346
Tabela 69:
Efeito da variável Saliência Fônica na concordância em Salvador, no Rio
de Janeiro e na Região Sul
POP (Salvador)
Rio de Janeiro
Região Sul
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R.
Duplo
31/38 82%
.84
62/67 93%
.93
25/35 71%
.81
-/l/
72/149 81%
.83
79/91 87%
.88
57/77 77%
.77
-/r/
161/192 84%
.82
231/260 89%
.87
85/116 73%
.73
ão ir
71/95 75%
.76
171/197 87%
.84
79/103 74%
.74
-/s/
274/393 70%
.69
213/258 83%
.81
52/77 68%
.58
38/85 45%
.46
22/39 56%
.52
R ox
200/247 81%
.81
114/147 78%
R par
1901/3877
.41
2584/5123
-ão r
49%
Prop
62/114 54%
.75 108/192 56%
.54
.42
.46
50%
.44
78/150 52%
1263/2487
51%
.47
93/152 61%
.45
347
Gráfico 56: Efeito da Saliência fônica na concordância em
Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul
1
0,9
0,8
0,7
0,6
SSA
0,5
R. J.
Sul
0,4
0,3
0,2
0,1
0
D
/l/
/r/
ão irr
/s/
ão r
R ox
R par
R pro
Os três grupos apresentam uma relação semelhante na ordem de
favorecimento nos outros fatores. Há, apesar disso, entre as regiões,
diferença de grandezas, nos pesos dos fatores considerados referentes a
graus altos de saliência: o grupo POP de Salvador e o Rio de Janeiro têm
em todos os fatores maior peso relativo de concordância que o grupo
representativo da região Sul.
Salvador e Rio de Janeiro, através dessa variável, demonstram que
se assemelham bastante quanto ao efeito da variável Saliência fônica. A
Região Sul, por outro lado, demonstra responder menos fortemente à
influência dessa variável, pois a diferença entre o peso relativo dos fatores
não é tão grande (pode-se observar, como exemplo disso, a diferença de
peso entre os itens de plural regular com tonicidade diferente).
348
A comparação, nessa variável, com o estudo feito em João Pessoa
não é feita pelo fato de, no referido trabalho, não se fazer uma análise
exclusiva com substantivos, adjetivos e categorias substantivadas. Como
em Carvalho (1997) os paroxítonos e monossílabos de uso átono foram
tratados conjuntamente, os resultados a que se chegou não são comparáveis
com os que são utilizados nesta seção.
3. 3. 2 - Comparação entre o Efeito da Classe, posição linear e
relativa na concordância em Salvador, no Rio de Janeiro, em João Pessoa e
na Região Sul
Os resultados da variável resultante da junção entre classe, posição
linear e posição relativa, aqui trabalhada, serão, em seguida, comparados
com os resultados dos estudos de Scherre (1988) e Fernandes (1996) e,
depois, com Carvalho (1997). A observação da variável classe e posição
linear não tem exatamente os mesmos fatores nas quatro regiões: em
Salvador, os elementos não nucleares são considerados à esquerda do
núcleo ou à direita e os elementos à esquerda não são observados quanto à
posição linear e, sim, quanto à adjacência ao núcleo (seção 3. 3. 4 deste
trabalho); ou seja, na atual pesquisa observa-se se o elemento coloca-se
exatamente adjacente ao núcleo, a exemplo de AS em
“AS roupas coloridas” M3U011/R
ou se ele está à esquerda do núcleo, mas não adjacente, com qualquer
elemento interveniente, como o “AS” em
“AS mais leves possìveis” M3U011/R
Dessa forma, a adjacência ao núcleo é observada nesses elementos à
esquerda, traço não observado nas outras pesquisas, que, além do traço à
esquerda, observam apenas a posição linear desses elementos. Dessa forma,
349
a separação que Scherre (1988), Carvalho (1997) ou Fernandes (1996)
fazem dos elementos à esquerda do núcleo não é a mesma adotada na
pesquisa em Salvador. Apesar disso, no que diz respeito à posição dos
elementos à direita do núcleo e dos elementos nucleares, considera-se que
as comparações são perfeitamente possíveis. As tabelas a seguir
apresentam resultados das análises, de início entre Salvador (grupo POP) e
Rio de Janeiro e, depois, com a Região Sul; em seguida, os resultados de
Salvador (geral) e os de João Pessoa.
Para possibilitar uma comparação entre Salvador e Rio de Janeiro no
efeito da variável com a observação da adjacência, Scherre fez uma
adaptação a sua análise, em caráter extra oficial da sua linha de interesse, e
chegou aos resultados que dão condições de confronto com os dados de
Salvador. Assim, apesar de a adjacência não ter sido observada em Scherre
(1988), a autora, nessa reanálise, chegou aos resultados apresentados a
seguir, conjuntamente com os de Salvador.
Gráfico 57: Efeito da Classe e Posição linear e relativa sobre a
concordância em Salvador e no Rio de Janeiro
1
0,9
0,8
0,7
0,6
SSA
0,5
R. J.
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Esq
não
adj
Esq
adj
Dir2
Dir3
Dir4
Dir5
N1
N2
N3
N4
350
Tabela 70:
Efeito da Classe e Posição na concordância em Salvador e no Rio de
Janeiro, considerando a adjacência em elemento à esquerda do núcleo.
Fatores
Esq não adj
Rio de Janeiro78
POP/Salvador
422/440 96%
.65
667/747 89%
.70
3495/3519 99%
.92
113/116 97%
.92
Dir2
70/111 63%
.16
93/137 68%
.27
Dir3
85/232 37%
.08
121/339 36%
.13
Dir4
11/60 18%
.03
22/65 34%
.20
Dir5
9/21 43%
.09
5/12 42%
.29
Núcleo1
123/131 94%
.59
161/170 95%
.66
Núcleo 2
2146/4022 53%
.15
2777/5130 54%
.21
Núcleo 3
214/437 49%
.10
325/527 62%
.24
Núcleo 4
59/103 57%
.16
4/7 57%
.36
Núcleo 5
100%
Esq adj
100%
A comparação deixa evidente que o efeito da variável na concordância
é muito semelhante nas duas variedades. Os elementos à esquerda do
núcleo se distinguem entre si, nos dois grupos, pelo grau de favorecimento
da concordância. Os adjacentes ao núcleo têm, nos dois grupos, um
351
favorecimento bem maior que os não adjacentes. Isso indica que a
adjacência é um traço que realmente tem efeito evidente na concordância
nas duas variedades.
Percebe-se, apesar disso, que os elementos não nucleares à direita
(Dir2, Dir3, Dir4, Dir5) e os nucleares (N1, N2, N3 e N4, na tabela
apresentada) têm pesos relativos sempre menores em Salvador.
Os fatores mais e os menos favorecedores dos dois grupos, apesar
disso, são os mesmos: o elemento à esquerda adjacente ao núcleo, o
elemento à esquerda não adjacente ao núcleo e o elemento nuclear de 1 a
posição são, em ordem decrescente, os favorecedores da concordância; os
demais a desfavorecem.
A análise a seguir faz, como Scherre (1988), a observação da posição
linear dos elementos à esquerda, ao invés da adjacência, possibilitando
melhor comparação com os dados apresentados em Scherre (1988),
Fernandes (1996) e Carvalho (1997).
Nos três grupos registra-se que, entre as duas posições à esquerda há
uma redução do favorecimento que se inicia da 1a para a 2a posição. A
diferença anteriormente percebida quanto a adjacência desaparece com a
presente análise. As três variedades demonstram que a concordância tem as
mesmas restrições, como ficou evidente na análise anterior. A variedade de
Salvador, apesar disso, mostra-se com pesos menores nos fatores
correspondentes a elementos não nucleares à direita (Dir2, Dir3, Dir4 e
Dir5, na tabela).
78
. Agradeço a professora Maria Marta P. Scherre por ter possibilitado a comparação, refazendo as suas
análises.
352
Gráfico 58: Efeito da Classe e posição linear e relativa
sobre a concordância em Salvador, Rio de Janeiro e
Região Sul
1
0,9
0,8
0,7
0,6
SSA
0,5
R. J.
Sul
0,4
0,3
0,2
0,1
0
E1
E2
Dir2
Dir3
Di4
Dir5
N1
N2
N3
N4
O mesmo ocorre com os elementos nucleares (N1, N2, N3 e N4, na
tabela). Isso coincide com o apresentado na tabela 70 (e o gráfico
correspondente), resultante de análise com a definição diferente de fatores.
353
Tabela 71:
Efeito da Classe e Posição na concordância em Salvador, Rio de Janeiro e
Região Sul - Considerando a posição linear (não a adjacência) nos
elementos à esquerda do núcleo.
POP/Salvador79
Região Sul80
Rio de Janeiro
À esq1
3645/3673 99%
.92
4061/4163 98%
.92
.85
À esq2
262/275 95%
.72
220/233 94%
.82
.72
Dir2
70/111 63%
.16
93/137 68%
.27
75/103 73% .32
Dir3
87/232 37%
.08
121/339 36%
.13
Dir4
11/60 18%
.03
22/65 34%
.20
Dir5
9/21 45%
.09
5/12 42% .29
.29
N1
123/131 94%
.59
161/170 95%
.66
70/146 48% .25
113/120
.67
94%
N2
2146/4022 53%
.15
2777/5130 54%
.21
1320/2554
.23
52%
N3
214/437 49%
.10
325/527 62%
.24
N4
59/103 57%
.16
4/7 57%
.36
79
140/268
.22
52%
Análise especial, com fins de comparação. Nesse caso, foram considerados dois fatores à esquerda da
núcleo, em primeira e em segunda ou outra posição. Dessa forma, há possibilidade de comparar os
resultados com os das outras pesquisas.
354
Ao observar os resultados das três regiões, nota-se que houve um
ganho, na presente pesquisa, em separar elementos à esquerda do núcleo
em adjacência a ele, dos não adjacentes. Esse dado trouxe ao estudo da
concordância uma contribuição a mais, a indicação de que a adjacência é
um importante elemento a ser observado na concordância no sintagma
nominal, nas regiões.
Os morfemas de plural previstos para os elementos à direita do
núcleo e os nucleares, todos morfemas realmente de concordância, late
system morphemes, na teoria de Myers-Scotton & Jake, são os que teriam
mais probabilidade de sofrer variação e, além disso, os que são aprendidos
posteriormente, como aqui já se observou, em situações de aquisição com
mais divergência ou insuficiência nos dados. Os dados do POP/SSA, pois,
apresentam mais indícios de que eles são resultados de uma situação inicial
de aquisição em que foram adquiridos e fixados basicamente early system
morphemes e muitos dos late system morphemes, no caso morfemas de
plural previstos na concordância, deixam de ser realizados.
Em seguida, a comparação com Carvalho (1997), que apresenta os
resultados da fala em João Pessoa. Como a pesquisa envolve a fala
universitária e a não universitária, utilizam-se os resultados da amostra
geral de Salvador, não do POP, para o confronto. Além disso, o estudo
neste momento apresentado de Salvador não considera a adjacência e, sim,
a posição linear dos elementos à esquerda, já que os resultados disponíveis
de João Pessoa apenas observam a posição, assim como Fernandes (1997).
80
Na análise da região Sul, considerou-se a posição linear entre os elementos não nucleares à esquerda do
núcleo, chegando aos seguintes pesos relativos: não nuclear à esquerda, primeira posição, P. R. .85;
segunda posição, .72.
355
Tabela 72:
Efeito da Classe, posição linear e relativa na concordância em Salvador e
em João Pessoa - Considerando a posição do elemento à esquerda do
núcleo (não a adjacência ao núcleo).
Salvador (Geral)
Carvalho (1997)
Freqüência
Frequência
À esq 1ª
5576/5609 99%
.91
À esq 2ª
410/427 96%
.66
0,80
.80
À dir P2
206/259 80%
.14
72/102 71%
.28
À dir P3
244/407 60%
.12
71/199 36%
.18
À dir P4
57/109 52%
.07
19/47 40%
.15
À dir P5
35/52 67%
.11
Núcleo P1
284/296 96%
.53
192/446 43%
.46
Núcleo P2
3918/5933 66%
.17
1515/3840 39%
.17
Núcleo P3
394/638 62%
.12
192/446 43%
.14
Núcleo P4
87/135 64%
.20
.88
356
Gráfico 59: Efeito da Classe e posição linear e relativa na concordância, não considerando a
adjacência
1
0,9
0,8
0,7
0,6
SSA
0,5
J. Pessoa
0,4
0,3
0,2
0,1
0
E1
E2
Dir2
Dir3
Dir4
Dir5
N1
N2
N3
N4
A comparação deixa a certeza de que a posição de elementos não
nucleares à esquerda é sempre favorecedora, nas três regiões do país, e que
esses elementos, quando à direita do núcleo, tendem a inibir a marca de
plural. Não se pode dizer, contudo, embora os dados pareçam revelar a
mesma tendência observada em Salvador, que exista diferença entre os
elementos que estão à esquerda do núcleo, mas não adjacentes a ele, quanto
à probabilidade de serem marcados, e os que estão imediatamente ligados a
ele. Mas os resultados aqui alcançados, juntamente com os referentes ao
Rio de Janeiro, mostrados nesta seção, dão respaldo suficiente para afirmar
que a posição à esquerda adjacente ao núcleo dos elementos não nucleares
é a mais favorecedora da concordância. Os resultados de Baxter (2001),
ainda, ratificam esses achados. Resta buscar comprovação nos dados da
Região Sul e de João Pessoa.
357
3. 3. 3 – Efeito da variável Marcas precedentes sobre a concordância
em Salvador, no Rio de Janeiro, na Paraíba e na Região Sul
Apesar de a variável Marcas precedentes ter sido trabalhada nesta
pesquisa seguindo os mesmos princípios de Scherre (1988), assim como o
fizeram Fernandes (1996) e Carvalho (1997), a pesquisa em Salvador não
optou pelo tratamento dos numerais como um único contexto antecedente.
Um aspecto a ser levantado é que os numerais, em Salvador, foram
considerados como contexto antecedente para elementos em segunda
posição, como
quatro PESSOAS, quer dizer M1C02
e, também, para elementos em terceira ou outra posição, quando os
numerais são formados por mais de uma palavra, a exemplo de
vinte e um DIAS folgando M1C03
Dessa forma, em Salvador observou-se como se comportam esses
elementos
de
segunda
posição,
com
numerais
antecedentes
e,
separadamente, os de terceira ou outra posição (Ver seção 3.2.5 deste
trabalho). Para efeito de confronto, no entanto, aqui apresentam-se
resultados de análise em que os numerais são interpretados como um todo,
assim como o fizeram Scherre (1988), Fernandes (1996) e Carvalho (1997).
Também não se incluíram como objeto de observação, no estudo dessa
variável,
os
sintagmas
encaixados
em
estruturas
preposicionais
antecedentes, trabalhadas em Scherre (1988). As comparações se
processam a seguir, de início entre os resultados do POP/Salvador, os do
Rio de Janeiro e os da Região Sul e, posteriormente, entre os resultados
gerais de Salvador e os de João Pessoa.
358
Tabela 73:
Efeito da variável Marcas Precedentes sobre a concordância de elementos
em segunda posição – Comparação entre resultados do POP/Salvador, do
Rio de Janeiro e da Região Sul
Contextos
precedentes
Marca
Ausência
Numeral
Rio de Janeiro81
Salvador
Região Sul
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R.
Freqüência
P. R.
1925/3435
.49
2200/3968
.49
1020/1970
.46
56%
55%
52%
34/34 100%
106/106 100%
55/55 100%
589/1049 56% .57 885/1527 58% .57 214/377 57%
Gráfico 60: Efeito das Marcas precedentes sobre a
concordância em Salvador, no Rio de Janeiro e na
Região Sul
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Marca
81
Dados dos adultos de Scherre (2001)
SSA
R. J.
Sul
Numeral
.56
359
Os resultados deixam claro que existe o mesmo efeito do contexto
antecedente com marca ou com numeral na concordância em cada uma das
regiões: há mais probabilidade de ocorrerem marcas de plural em
elementos com antecedente numeral do que com elemento marcado com o
morfema de plural como antecedente (o numeral é mais favorecedor que a
marca, o que foi interpretado neste trabalho – assim como em Scherre
(1988) – como efeito da saliência semântica. Ver seção 3. 2. 5). Dessa
forma, aproximando o tipo de análise, como se fez aqui, os resultados
quanto a marcas precedentes aos elementos em 2a posição são similares nas
três pesquisas.
Em seguida, faz-se o mesmo confronto, com os itens em 3a, 4a ou 5a
posições.
Nos três grupos, o efeito é muito semelhante: mais de uma marca é um
fator levemente favorecedor, mais no Rio de Janeiro do que em Salvador e
na Região Sul; mistura de marcas com marca antecedente como elemento
neutro, nem favorecedor nem, tampouco, desfavorecedor; e mistura com
zero antecedente como o fator mais desfavorecedor.
360
Tabela 74:
Efeito da variável Marcas Precedentes sobre a concordância de elementos
em 3a, 4a ou 5a posições em Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul
Contextos
Rio de Janeiro82
Salvador
precedentes
Freqüência
Duas marcas
208/372
P. R. Freqüência P. R. Freqüência P. R.
.62
56%
Mistura
c/ 120/276
marca
43%
Mistura c/ zero
5/120 4%
Região Sul
257/365
.66
70%
.54
208/386
13/200 6%
.61
69%
.47
54%
.07
142/207
61/137
.47
46%
.06
9/76 12%
.10
As duas tabelas a seguir, as de números 75 e 76, buscam estabelecer
um confronto entre o efeito da variável em Salvador (na análise geral,
incluindo os universitários) e João Pessoa.
Entre os resultados dos dois estudos, há muita semelhança: contextos
com numerais antecedentes favorecem mais a concordância que os
contextos antecedentes com marca formal de plural. Como no estudo de
João Pessoa faz-se a distinção entre numerais terminados e não terminados
em –/s/, a comparação não pode ser feita com a segurança. Mas pode-se
considerar que nas duas regiões o efeito do numeral tende a se igualar. No
estudo em Salvador, apesar disso, a oposição entre os fatores relativos à
361
terminação do numeral não se mostra significativa, por isso essa
observação é descartada no estudo dos numerais (Ver seção 3. 2. 5).
Com a semelhança das análises, fica evidente o que Scherre (1988)
observou: contexto antecedente com marcas leva a mais marcas
subseqüentes; e, o contrário, contextos com Zero imediatamente
antecedente produzem uma inibição da regra, em todas as regiões. Scherre
(1988) observa que é o efeito do paralelismo sintático, conseqüência talvez
de um mecanismo mental que faz o ser humano ser levado a repetir
estruturas, como levado à imitação do contexto.
Tabela 75:
Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos elementos de
segunda posição em Salvador e em João Pessoa.
Marcas
precedentes
Marca
João Pessoa83
Salvador
Freqüência
3780/5421 70%
P.R
.49
Ausência de marca 43/43 100%
Numeral
82
815/1301 63%
Freqüência
1421/3279 43%
P.R
.48
63/63 100%
.55
em -/s/: 170/417 41%
.51
sem -/s/: 187/456 41%
.62
Dados dos adultos de Scherre (2001)
O estudo de João Pessoa inclui o contexto antecedente com sintagma preposicionado, assim como o do
Rio de Janeiro, contexto não incluído no presente estudo, cujos dados foram desprezados.
83
362
Gráfico 61: Efeito das marcas sobre a concordância em
elementos em 2a posição em Salvador e em João Pessoa
1
0,9
0,8
0,7
0,6
SSA
0,5
J. Pessoa
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Marca
Numeral
N sem -s
Em seguida, faz-se a observação do efeito dessa variável entre os itens
em 3a, 4a ou outra posição.
A tabela 76 evidencia que o efeito da variável é semelhante nas duas
regiões, confirmando a tendência de haver mais concordância em situação
com mais marcas antecedentes e menos concordância em contextos com
mais zeros. Apesar disso, esse favorecimento de marcas em contexto com
mais marcas não se apresenta, em Salvador, com a mesma clareza (em
Salvador o favorecimento é menor) que em João Pessoa e no Rio de
Janeiro, como foi observado em tabela anterior.
363
Tabela 76:
Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos elementos de
3a, 4a ou 5a posições em Salvador e em João Pessoa.
Marcas
João Pessoa84
Salvador
precedentes
Freqüência
P.R
Freqüência
P.R
duas marcas
502/693 72%
.59
176/284 62%
.67
Mistura c/ marca
239/407 59%
.53
94/246 38%
.51
10/131 8%
.06
17/158 11%
.22
Mistura c/ zero
Gráfico 62: Efeito das marcas precedentes sobre a
concordância em itens em 3a, 4a ou 5a posições em
Salvador e em João Pessoa
1
0,9
0,8
0,7
0,6
SSA
0,5
J. Pessoa
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Duas marcas
84
Mist c/ marca
Mist c/ zero
O estudo de João Pessoa inclui o contexto antecedente com sintagma preposicionado, assim como o do
Rio de Janeiro, contexto não incluído no presente estudo, cujos dados foram desprezados.
364
3. 3. 4 – Efeito da variável Contexto fonológico subseqüente sobre a
concordância em Salvador, no Rio de Janeiro, na Paraíba e na Região Sul
A variável Contexto fonológico subseqüente é utilizada no presente
confronto levando em conta apenas os itens de plural regular, pois, neste
trabalho, ao estudar o efeito do Contexto subseqüente, em análises apenas
com os itens em -/s/, essa variável não foi selecionada. Dessa forma, serão
considerados das pesquisas ora utilizadas para confronto apenas os
resultados referentes aos itens de plural regular.
Ao estudar o Contexto subseqüente, Fernandes, na análise da Região
Sul, não faz, como se fez no presente trabalho (Ver seção 3. 2. 6), a
oposição entre o contexto de pausa interna e de pausa final. Entre a
presente pesquisa e as outras pesquisas, também há diferenças quanto à
observação do traço sonoridade da consoante, considerado em Salvador e
no Rio de Janeiro, mas não nas demais análises. A seguir os resultados,
apresentados nas duas tabelas a seguir.
Apesar de as análises serem diferentes, observa-se que os resultados
são muito semelhantes, apresentando uma única diferença: o fator referente
à pausa interna, apenas no Rio de Janeiro, mostra-se como favorecedor,
com um peso muito próximo do peso de pausa final. Mas os resultados
referentes aos outros fatores refletem o mesmo efeito, nas diversas regiões:
a vogal sonora é o contexto subseqüente desfavorecedor da concordância; a
consoante surda, a vogal e a pausa interna (com exceção do Rio de Janeiro)
são contextos em neutralidade, não favorecem nem desfavorecem; a pausa
final é contexto favorecedor da concordância.
365
Tabela 77:
Efeito da variável Contexto fonológico subseqüente em Salvador, no Rio
de Janeiro e na Região Sul
Contextos
Salvador
R. de Janeiro
Freqüência
C Surda
2198/2596
Freqüência
.53
85%
C Sonora
1888/2489
4434/5976
Região Sul85
Freqüência
.48
77%
2474/3346
.44
676/985 69% .42
74%
.52
1569/2185
830/1142
.48
76%
Vogal
P interna
1098/1439
76%
72%
686/1405 49% .51
1006/1692
.51
.51
72%
.59
61%
525/887
P final
85
188/329 57%
.61
104/175 59% .57
.56
59%
Em Fernandes (1996) não se fez a observação da sonoridade da consoante subseqüente e não se fez a
separação entre Pausa interna e Pausa final.
366
Gráfico 63: Efeito do Contexto subseqüente na
concordância em Salvador, no Rio de Janeiro e na
Região Sul
1
0,9
0,8
0,7
0,6
SSA
0,5
R. J.
Sul
0,4
0,3
0,2
0,1
0
C Surda
C Sonora
Vogal
P interna
P final
A seguir, faz-se o confronto entre o efeito da variável em Salvador e
em João Pessoa.
A análise de João Pessoa, que envolveu, conjuntamente, todos os
dados disponíveis, não indica favorecimento do contexto posterior final,
única considerada, em todas as outras regiões, como favorecedora da
concordância. Essa variável não parece contribuir para o entendimento da
variação, pois, em João Pessoa.
367
Tabela 78:
Efeito do Contexto subseqüente na concordância em Salvador e em João
Pessoa
Salvador
João Pessoa
Consoante surda
3738/4218 89%
.52
Consoante sonora
3247/3952 82%
.43
3947/5375 73%
.49
Vogal
2219/2670 83%
.52
829/1187 70%
.52
Pausa interna
1604/2443 66%
.52
406/978 42%
.54
Pausa final
418/580 72%
.62
425/970 44%
.50
Nenhum dos fatores se mostra, na fala de João Pessoa, realmente
favorecedor da concordância, diferente da análise de todos os dados da fala
de Salvador, em que existe uma oposição mais forte entre contexto
posterior de final de sentença, fator favorecedor, consoante surda, vogal e
pausa interna, como indiferentes à realização da concordância e consoante
sonora como contexto posterior desfavorecedor da presença de marca de
plural.
368
Gráfico 64: Efeito do Contexto subseqüente sobre a
concordância em Salvador e em João Pessoa
1
0,9
0,8
0,7
0,6
SSA
0,5
J. Pessoa
0,4
0,3
0,2
0,1
0
C surda
C sonora
Vogal
P interna
P final
3. 3. 5 Conclusões
O confronto feito nessa seção constitui-se evidência de que as
variáveis estudadas têm efeito semelhante nas diversas variedades
observadas do português:
1) São mais alvo de concordância elementos com mais material
fônico na oposição singular/plural;
2) Elementos à esquerda do núcleo recebem mais marca de plural
que elementos nucleares;
3) Elementos à direita do núcleo têm menos probabilidade de
receberem marca de plural;
369
4) Contextos
antecedentes
com
numeral
promovem
mais
concordância subseqüente em segunda posição que contextos
com marca formal antecedente;
5) Elementos em 3a, 4a ou 5a posição tendem a fazerem mais
concordância quando são antecedidos por mais de uma marca do
que quando antecedidos por zero.
6) Elementos são mais alvo de plural quando finalizam a sentença;
7) Elementos com contexto subseqüente com vogal sonora têm
mais probabilidade de não fazerem concordância que contexto
com vogal surda.
Por outro lado, notam-se alguns aspectos, referentes ao confronto
feito, que merecem discussão. Em Salvador, a concordância dos elementos
à direita do núcleo (Dir2, Dir2, Dir3, Dir4 e Dir5, na tabela) e os elementos
nucleares em 2a, 3a, e 4a posições (N2, N3, N4) têm um peso sempre menor
que os pesos referentes aos outros grupos. Esses são elementos em que,
como se discute na seção 3. 2. 5, o morfema de plural é um late system
morpheme, situação em que ele apenas cumpre intenções gramaticais. Em
situação de aquisição com muita variação ou insuficiência de dados, são os
morfemas desse tipo os que não são fixados ou o são posteriormente. Esses
resultados estão em acordo com o contexto existente em Salvador,
discutido na seção 1. 6 deste trabalho.
A comparação feita nesta seção mostra que a variação da
concordância no sintagma nominal, nas diversas regiões, está relacionada a
contextos lingüísticos estruturais. Apesar disso, em cada uma das regiões,
podem ser buscadas outras informações que sirvam de mais dados para o
entendimento do processo da variação da concordância no sintagma
370
nominal. É o que essa pesquisa faz, indo além da busca da relação entre a
variação da concordância e a estrutura lingüística.
371
4. CONCLUSÕES FINAIS
Num mar de debates sobre a razão da existência da variação da
concordância no sintagma nominal no português do Brasil, esta pesquisa
procurou buscar meios de dar a sua contribuição. Entre as duas posições
básicas assumidas pelos lingüistas, este trabalho iniciou-se na procura
apenas de dados que pudessem ajudar a esclarecer a tão conturbada
polêmica, envolvendo a concordância, entre a deriva lingüística e a
crioulização. E o que se fez foi, principalmente, deixar que as evidências
dissessem qualquer coisa, sem posicionamentos iniciais.
A cidade do Salvador, ponto de recolha do material lingüístico
trabalhado, tem uma singularidade quanto à sua formação étnica: é uma
cidade cuja população em maioria é negra, e foi palco, durante a época de
colonização, de um enlace de culturas: foi sede do primeiro governo geral,
no estado da Bahia aportaram os primeiros portugueses, nessa cidade
habitaram grandes figuras da corte portuguesa e ela foi centro de grande
concentração escrava urbana, e era de onde eles eram distribuídos para
outras regiões, chegados através do porto de Salvador. Como as levas de
escravos eram sucessivas durante muito tempo, sempre nela eram
encontrados negros africanos aportados recentemente da África com suas
diferentes línguas de origem. Dessa forma, tomou-se como hipótese a
possibilidade de que, em Salvador, tivesse havido por parte dos africanos
um tipo de aquisição de língua com muita variação e que, mesmo sendo um
contexto urbano, se pudesse, ainda hoje, identificar marcas dessa aquisição
do português nos descendentes da população escrava. Não se buscou
pesquisar a existência de uma língua crioula, pois os dados de um centro
372
urbano – com muitas confluências – não constituem objetos de observação
para se fazer uma avaliação desse tipo.
Os estudos de Scherre e Naro & Scherre já comprovam que a
variação da concordância no sintagma nominal do português não é um
fenômeno idiossincrático ao português do Brasil, nem ao português dos
escravos. Mas esses mesmos pesquisadores reconhecem que, no Brasil, o
contexto de mistura de línguas e culturas possibilitou uma aceleração de
um processo de variação que já era previsto na língua. A variação da
concordância no sintagma nominal foi, talvez, um aspecto central nessa
aceleração.
Esta pesquisa, observando variáveis lingüísticas e sociais, e
identificando, dentre os sessenta e seis informantes da amostra da sincronia
atual, grupos lingüísticos com características específicas, consegue
estabelecer um quadro da variação do fenômeno estudado em Salvador,
como o que se apresenta a seguir.
A variação da concordância no sintagma nominal relaciona-se a,
principalmente, quatro grupos de fatores lingüísticos ou estruturais:
1) a saliência fônica,
2) o contexto antecedente,
3) a classe, associada à posição linear e relativa e
4) o contexto subseqüente ao elemento do sintagma.
A análise que aqui se faz deixa claro que a quantidade de material
fônico na oposição entre a forma de singular e a de plural interferem na
existência de concordância: as oposições mais salientes contribuem para
mais concordância. Esse fato é observado na perda e na aquisição da
373
concordância, uma vez que deixam de ser marcados com o plural (na
perda) primeiramente os menos salientes, como os que fazem o plural
apenas com a inserção do -/s/ (plural regular). Assim também são
adquiridos primeiramente os morfemas de plural mais salientes, como nos
itens de plurais duplos, ou metafônicos, as oxítonas, dentre outras, diante
da facilidade que eles proporcionam ao aprendiz, quanto à possibilidade de
percepção da forma.
A presença de determinados contextos antecedentes a elementos do
sintagma
nominal
também
interfere
na
concordância
em
itens
subseqüentes. Assim, na segunda posição, é mais provável haver marca de
concordância quando não há marca em itens de primeira posição, ou
quando há numerais, do que quando há itens já marcados. Outro dado
também interessante é que, diferentemente do que se poderia imaginar,
zero antecedente a elementos de terceira, quarta ou quinta posição provoca
mais ausência de marca nesses elementos. E marca de plural, em elementos
que estão nessas mesmas posições, leva a mais presença de marca.
Ao se analisarem conjuntamente classe, posição linear e posição
relativa, observa-se que existe uma propensão a serem mais alvo de
marcação de plural os elementos em adjacência ao núcleo à esquerda dele;
em segundo lugar, os elementos não adjacentes também à esquerda do
núcleo têm grande probabilidade de serem marcados; posteriormente são
mais marcados os elementos nucleares em primeira posição. Em posição de
grande desfavorecimento estão os elementos à direita do núcleo e os
elementos nucleares em segunda, terceira ou quarta posição. Os resultados
dessa variável estão em consonância com a interpretação que aqui se fez da
teoria dos 4-M, de Myers-Scotton & Jake (2000), pois são mais marcados
os elementos adjacentes à esquerda do núcleo, considerados early system
morphemes e menos marcados os late system morphemes. Os elementos
374
nucleares em primeira posição são também mais marcados pois, na
ausência dos pré-nucleares, a informação de pluralidade vem expressa nos
nomes. Essa pesquisa conseguiu, assim, estabelecer empiricamente, com
os dados ora trabalhados, essa distinção entre early system e late system
morphemes, que só teoricamente foi apresentada por Myers-Scotton & Jake
(2000).
Os elementos do sintagma que têm um contexto posterior de final de
enunciação têm mais probabilidade de serem marcados com o plural do que
quando são seguidos por consoante, vogal ou uma pausa interna, sendo o
contexto de consoante sonora o mais desfavorecedor da concordância no
sintagma.
A análise das variáveis e os resultados alcançados não deixam
dúvidas de que a variação da concordância no sintagma nominal é um
fenômeno regido por regras estruturais da língua. Ao mesmo tempo, a
pesquisa feita consegue detectar grupos que dão mostras de fazerem variar
diferentemente
a
concordância.
A
seguir,
serão
feitas
algumas
considerações a respeito desses aspectos:
1) A escolaridade é um grupo de fatores importante para o estudo
da variação da concordância no SN, mas não é a única variável
social que interfere na concordância. Em todas as análises, essa é
uma variável que tem uma implicação muito grande sobre o
entendimento da variação. Mas, analisando apenas falantes do
mesmo nível de escolaridade, como os do nível primário, foram
encontradas tendências diferentes entre grupos de sobrenomes e
faixas etárias diferentes, conforme se faz referência mais
adiante.
375
2) Os grupos de escolaridade primária e de escolaridade colegial,
juntos, formam um grupo diferente do grupo de escolaridade
superior. A análise das variáveis sociais revela que, apesar de
nos dois grupos, aqui denominados POP e UNI, perceber-se o
efeito das variáveis estudadas, esse efeito é, em alguns aspectos,
menor no grupo dos universitários. Nesse último grupo, a
saliência fônica e, por exemplo, a presença de numerais em
posição anterior, não interferem com a mesma intensidade na
concordância como ocorre no POP. Além dessas variáveis, no
grupo UNI não se detectou o uso do tudo, objeto de observação
nos grupos não universitários, um dos aspectos que faz mais a
diferenciação entre os dois maiores blocos nos dados estudados.
3) No grupo do português popular, apesar de a variação da
concordância ser regida pelas mesmas variáveis que no
universitário, é mais evidente o efeito das variáveis sobre o
fenômeno no grupo de maior faixa etária, como se os falantes,
por serem mais velhos, estivessem revelando mais proximidade,
talvez, de um tipo de contato com uma linguagem com mais
variação, a que seus antepassados foram expostos, situação em
que os dados mais salientes foram os primeiramente registrados.
4) Apesar de se formular a hipótese de existência de competição de
gramáticas, na variação da concordância, esse fato não se
confirma com a análise dos dados lingüísticos. Embora haja
ampla diferença na freqüência da concordância, nos diversos
grupos, as restrições à utilização do morfema de plural, em
todos os grupos, é basicamente a mesma.
376
5) A observação através das faixas etárias mostra que os mais
velhos tendem a utilizar mais marcas de concordância que os
mais novos, como se a concordância tendesse à redução. A
diferença entre a última faixa e as duas seguintes mostra
redução constante da concordância, voltando a se elevar um
pouco na primeira, diante da relação com a escola.
6) Nos grupos de escolaridade primária e superior, a faixa etária
mais velha realiza mais concordância que as faixas mais novas,
sugerindo perda da regra de concordância. No grupo de
escolaridade de segundo grau a observação entre as faixas
etárias sugere aquisição da regra, com os mais novos realizando
mais concordância que os mais velhos. A tendência de perda
que se percebia, pois, na análise geral, desaparece quando se
analisam grupos diferentes de escolaridade. A concordância,
pois, está envolvida em várias correntes que se cruzam no
universo lingüístico que caracteriza um quadro de cidade
grande, em que se misturam perdas e aquisições dos diversos
tipos, histórias, tendências e objetivos diferentes, como no
quadro referido por Naro (1981) e Naro & Scherre (1991).
7) O gênero feminino, na análise geral, aproxima-se mais do
padrão, no que diz respeito à concordância. Observando-se,
contudo, os três níveis de escolaridade, nota-se que isso ocorre
apenas no nível colegial. No primário, por outro lado, as
mulheres variam mais que os homens, na aplicação da
concordância e, no nível superior, único grupo de escolaridade
em que a variável não é selecionada, os dois gêneros fazem
igualmente a concordância.
377
8) A variável etnia mostra que, independente da escolaridade, o
grupo de sobrenome religioso, ou ancestralidade negra, faz
menos concordância que o grupo de sobrenome não religioso. A
variável etnia, pois, a partir do critério observado nessa
pesquisa, mostra-se com um efeito bastante interessante.
9) A análise das faixas etárias no grupo de sobrenome religioso
revela aumento de concordância nas faixas etárias mais novas,
numa tendência que sugere aquisição da regra. Como o grupo de
sobrenome religioso é considerado como de ancestralidade
negra, é perfeitamente compreensível o fato de esse grupo estar
adquirindo a concordância. O conhecimento das características
da sociedade de Salvador, nos séculos de escravidão e logo após
a abolição, conforme exposição apresentada no capítulo 1, leva
à conclusão de que os descendentes de muitos dos negros
escravos, em Salvador podem refletir um português com mais
diversidade que o restante da população. Muitos dos seus
antepassados não tiveram o português como L1, eram
possuidores de variedades diversas do português, muitas vezes
adquiridas a partir de dados primários apresentados por falantes
que também não tinham o português como L1. A partir do
momento em que o processo de escolarização, os meios de
comunicação e o próprio contato com outros grupos iniciaram a
ampliação da linguagem dessa população em direção ao padrão
de uso em Salvador, a regra de concordância passou a ser,
pouco a pouco, assumida. Dessa forma, apesar de o grupo de
sobrenome religioso fazer menos concordância, ele demonstra
aquisição da concordância e aproximação, pouco a pouco, da
linguagem comum usada pelas pessoas em geral.
378
10) O grupo de sobrenome não religioso, por outro lado, evidencia
uma redução da concordância: os mais novos fazem menos
concordância que os falantes de mais idade.
11) De todos os grupos, a saliência fônica tem um maior efeito mais
evidente na concordância do grupo de sobrenome religioso. Se
esse é um grupo que teve, na sua história de ancestralidade
escrava, a aquisição do português a partir de contatos diversos
com grande variação nos dados primários, seria lógico que essa
variável refletisse esse processo. São os itens mais salientes que,
inicialmente, são alvo da concordância e os menos salientes,
alvo da variação.
12) Análises diferentes sobre a concordância no Brasil (Scherre,
1988; Fernandes, 1996; e Carvalho (1997) estão em acordo
quanto às variáveis que mais se relacionam com a variação do
fenômeno. Isso mostra que a variação da concordância, em
Salvador, não se distancia do que ocorre na língua portuguesa,
como um todo.
13) Apesar de serem constatadas as mesmas restrições lingüísticas
relacionadas com a concordância no sintagma nominal nas
quatro regiões, constata-se que, nos dados de Salvador, os
elementos em que há menos probabilidade de marcas (os que
estão à direita do núcleo e os que são nucleares em 2a, 3a, ou 4a
posições) são aqueles que, neste trabalho, são considerados
como mais dificilmente adquiridos por serem late system
morphemes. Dentre todas as regiões, é nos dados de Salvador
que esses elementos têm menos probabilidade de marca,
indicando que é possível que, nessa região, tenha havido mais
379
variação nos dados que foram utilizados como dados primários
para a aquisição do português.
14) Na variável Marcas Precedentes, chama a atenção o efeito
altamente favorecedor dos numerais na concordância do grupo
de sobrenome religioso. Ao estudar o efeito das Marcas
precedentes com todos os grupos, os numerais em posição
antecedente sempre favorecem mais que em situação com uma
marca formal de plural antecedente. Isso tem explicação no fato
de os numerais terem mais saliência semântica, com informação
de quantidade, do que um morfema –s de plural. Com o grupo
de sobrenome religioso o efeito desse fator sobre a concordância
é mais forte, como se esse dado, juntando-se à Saliência fônica,
fosse mais uma indicação de que os mais salientes são
registrados, não só saliência fônica no elemento alvo da marca,
mas saliência semântica no elemento “ordenador”, digamos
assim, da necessidade de se fazer a concordância.
15) Outro aspecto é que o contexto de mais de uma marca
precedente, no grupo de sobrenome religioso, não é fator de
favorecimento, constituindo-se num diferencial em relação ao
grupo de sobrenome não-religioso. Se o que ocorre nos outros
grupos é evidência de que existe um processamento mental que
conduz à realização de estruturas semelhantes, é necessário que
se observe, em pesquisas futuras, se no grupo de sobrenome
religioso outros tipos de paralelismos ocorrem ou o porquê
dessa particularidade do grupo de ancestralidade negra.
16) No grupo de sobrenome religioso, são mais baixos que no
grupo de sobrenome não religioso os pesos relativos dos fatores
380
relacionados aos morfemas funcionais que são inseridos
posteriormente, os late system morphemes. Isso também mostra
uma relação com aquisição do português em ambiente
lingüístico com muita variação e diversidade nos dados, pois
nessa situação ficam mantidos como morfemas funcionais,
principalmente, os early system morphemes.
17) O quantificador tudo, no lugar de todos, todas, sem
concordância, foi encontrado apenas no português popular, e a
sua presença no sintagma demonstrou, na análise geral, inibir
a concordância de outros elementos coexistentes. O tudo no
valor de todos, todas, no sintagma, é encontrado em dialetos
resultantes de processo de aquisição crioulizante, a exemplo
dos Tongas. Apesar de haver, no corpus, um número pequeno
de dados desse tipo, é no grupo de sobrenome religioso que ele
aparece em maior quantidade.
18) A variável coexistência do tudo no sintagma não é selecionada
no grupo de escolaridade fundamental com sobrenome
religioso, apesar de grande quantidade da forma estar
concentrada nesse grupo, demonstrando que, nesse grupo, a
coexistência do tudo, com sua inerente falta de concordância,
não inibe a concordância.
19) O tudo inibe fortemente a concordância no grupo de
escolaridade média com sobrenome religioso, apesar de serem
poucos os dados com a referida forma. No grupo de
escolaridade média com sobrenome não religioso não há
qualquer dado com o tudo. Isso mais uma vez indica que a
381
forma
associa-se
ao
grupo
de
sobrenome
religioso,
representativo, nesse trabalho, da ancestralidade negra.
Pelo exposto nesta pesquisa, a variação da concordância no sintagma
nominal, no português brasileiro, utilizando os resultados dos diversos
estudos realizados nas diversas regiões aqui referidas, revela ser efeito de
restrições da estrutura lingüística, conforme apresentado por Scherre
(1988). Em todas as regiões, associada a essas restrições lingüísticas, a
variável social relacionada a nível de escolaridade é, conforme se previa,
um grupo de fatores de forte efeito na concordância: quanto mais
escolaridade,
mais
concordância,
demonstrando
que
o
trabalho
instutucional e sistêmático da escola, que busca a manutenção do padrão,
ainda funciona.
Como em Salvador a formação da população constituiu-se de um
confronto de grupos com história de diferentes tipos de aquisição do
português, com mais e menos variação, a variação da concordância nesta
cidade apresentou reflexos desse tipo de aquisição. Apesar de serem
detectadas diferenças com relação às restrições na variação da
concordância no sintagma nominal, entre os diversos grupos não foram
constatadas evidências de que as gramáticas são diferentes. Ao separar
pessoas de diferentes etnias, nota-se, contudo, que enquanto os
descendentes dos escravos cada vez demonstram fazer mais concordância,
em um processo de aquisição da regra, os não descendentes dos escravos,
em processo inverso, tendem a fazer menos concordância.
O presente trabalho, ao estudar a variação da concordância no
sintagma nominal considerando, entre outras, a variável etnia, indica que,
mesmo nas regiões urbanas, podem se encontrar condições de chegar-se à
382
compreensão da contribuição da diversidade étnica nas pecularidades
lingüísticas do português do Brasil.
383
5. BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Guido de. Resgatando a contribuição da sociolingüística
laboviana. D. E. L. T. A., Vol. 5, N. 1, 1989, (71-99).
AMARAL, Amadeu. O dialeto caipira: gramática – vocabulário. São
Paulo: HUCITEC, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976.
ANDRADE, Manuel Correia de. O Brasil e a África. São Paulo: Contexto,
1989.
ANDRADE, Maria José de Souza. A mão de obra escrava em
Salvador:1811 – 1860. São Paulo: Corrupio, CNPQ, 1988.
AZEVEDO, Eliane. The antropological and cultural meaning of family
names in Bahia, Brazil. Current antropology. Vol 21, No. 3, June 1980.
AZEVEDO, Eliane. Análise antropológica e cultural dos nomes de família
na Bahia. Ensaios / Pesquisas No. 8. Salvador: Centro de Estudos AfroOrientais, Maio / 1981.
AZEVEDO, Eliane. Populações da Bahia: genética e história. Universitas,
(29): 3-14, jan./abr. 1982.
AZEVEDO, Eliane. Sobrenomes no Nordeste e suas relações com a
heterogeneidade étnica. Estudos econômicos No. 13 (1): 103-116, jan./abr.
1983.
AZEVEDO, Eliane. Cultural inheritance and the meaning of family names
in Brazil and in Portugal. Quaderni di semantica. Vol VI, No. 1, June 1985.
384
AZEVEDO, Eliane. O significado dos sobrenomes: relatos de pesquisas.
(No prelo).
AZEVEDO, Eliane & FORTUNA, Cristina M. M. The reconstruction of
cultural history and racial mixing from the meaning of family names in
Bahia, Brazil. Quaderni di semantica. Vol IV, No. 1, June 1983.
AZEVEDO, Eliane S., DA COSTA, Theodomario Pinto, SILVA, Maria
Cristina B. O. & RIBEIRO, Lúcia Regina. The use of surnames for
interpreting gene frequency distribution and past racial admixture. Human
biology. Vol. 55, No. 2, p. 235-242. Wayne State University Press, 1983.
AZEVEDO, Eliane S. & FREIRE, Nelly B. V. M. Ciência e Cultura. 36
(5), Maio de 1984.
BARREIROS, Leopoldo Danilo. O dialeto português de Macau. Macau:
Renascimento, 1944.
BARROS, Maria Cândida D. M., BORGES, Luiz C. & MEIRA, Márcio. A
língua geral como identidade construída. Mimeo.
BATALHA, Graciete Nogueira. A língua de Macau: o que foi e o que é.
Macau: Imprensa Nacional de Macau, 1974.
BAXTER, Alan. A contribuição das comunidades afro-brasileiras isoladas
para o debate sobre a crioulização prévia: um exemplo do estado da Bahia.
In.: E. D'Andrade e A. Kihm (orgs.). Actas do colóquio sobre crioulos de
base lexical portuguesa. Lisboa: Colibri, 1992.
BAXTER, Alan & LUCCKESI, Dante. A relevância dos processos de
pidginização e crioulização na formação da língua portuguesa no Brasil.
In.: Estudos lingüísticos e literários. Nº 167, 19, mar 97.
385
BAXTER, Alan N. Creole – like features in the verb sistem of an afrobrasilian variety of portuguese. In SPEARS, Arthur K. & WINFORD,
Donald (ed.). The structure and status of pidgins and creoles. Amsterdam /
Philadelphia: John Benjamims Publishing Company, 1997, p. 265 a 288.
(Creole Language Library, Vol. 19).
BAXTER, Alan N. Morfossintaxe. In. PERL, Matthias. & SCHWEGLER,
Armin. (orgs). América negra: panorámica actual de los estudios
lingüísticos sobre variedades hispanas, portuguesas y criollas. Frankfurt am
Main: Vervuert, 1998, p. 97-134.
BAXTER, Alan N. The development of variable number agreement in a
restrutured African varity of Portuguese. Texto apresentado no Colóquio
sobre Línguas Crioulas. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2001.
BAXTER, Alan N., LUCCHESI, Dante & GUIMARÃES, Maximiliano.
Gender agreement as a “decreolizing” feature of an afro-brazilian dialect.
Journal of pidgin and creole languages. 12:1.1-57, 1997.
BAXTER, Alan & LUCCHESI, Dante. Un paso mas hacia la definicion del
pasado criollo del dialecto afro-brasileño de Helvecia (Bahia). In
ZIMMERMANN, Klauss (ed.). Lenguas criollas de base lexical española
y portuguesa. Madrid: Iberoamericana, 1999. P. 119 1 141.
BAYLEY, Robert. Competing constraints on variation in de speech os
adult chinese learners of english. In BAYLEY, Robert & PRESTON,
Dennis R. (ed.) Second language acquisition and linguistic variation.
Amsterdam / Philadelphia: John Benjamims Publishing Company, 1996.
(Studies in bilinguism (Sibil). Vol 10).
BAYLEY, Robert. Interlanguage variation and quantitative paradigm: past
tense marking in chinese-english. In. TARONE, Elaine, GASS, Susan M.,
386
COHEN, Andrew. (editores). Research methodology in second-language
acquisition. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1994.
BICKERTON, Derek. Dynamics of a creole system. New York / London:
Cambridge University Press, 1975.
BICKERTON, Derek. Creole languages and the bioprogram. Linguistics:
The Cambridge survey. Cambridge: Cambridge University Press, 1988.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. The urbanization of rural dialect
speakers: a sociolinguistic study in Brazil. Cambridge: Cambridge
University Press, 1985.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. To what degree is a speech event
feasible? a study of linguistic resources and communicative stress. D. E. L.
T. A., vol. 7, N. 2, 1991 (435-447).
BOURDIEU, P. L‟économie des échanges linguistiques. Paris: Fayeme,
1982.
BRAGA, Maria Luiza. A concordância de número no sintagma nominal no
triângulo mineiro. Dissertação de mestrado em Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Pontífica Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1977. Mimeo.
BRAGA, Maria Luiza & SCHERRE, Maria Marta Pereira. A concordância
de número no SN na área urbana do Rio de Janeiro. In: ENCONTRO
NACIONAL DE LINGÜÍSTICA, 1º, 1976. Anais... Rio de Janeiro: PUC,
1976. P. 464-77.
BRANDÃO, Sílvia Figueiredo. Em torno de um velho tema: o
cancelamento da marca de número na fala de comunidades rurais
brasileiras. In.: O foco: norma e variação do português. Nº 12. UFRJ /
UNB, 1994.
387
CALLOU, Dinah. Um estudo em tempo real em dialeto brasileiro: questões
morfossintáticas. In: Klaus Zimmermann (eds.). Substandart e mudança no
português do Brasil. Frankfurt am Main: TFM, 1998.
CÂMARA JR. Joaquim Mattoso. Línguas européias de ultramar: o
português do Brasil. In.: ___. Dispersos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. da
Fundação Getúlio Vargas, 1975.
CAMERON, Richard. Ambiguous agreement, functional compensation,
and non-specific tu in the Spanish of San Juan, PR, and Madrid, Spain. In.:
Language variation and change 5. 305-334.
CARENO, Mary Francisco do. Do português falado no Vale do Ribeira:
algumas amostras da concordância nominal. In.: Atas do I Congresso
Internacional da Associação Brasileira de Lingüística. Salvador:
ABRALIN - FINEP - UFBA, 1996.
CARENO, Mary Francisco do. Vale do Ribeira: a voz e a vez das
comunidades negras. São Paulo: Arte e Ciência, 1997.
CARVALHO, Hebe Macedo de. Concordância nominal: uma análise
variacionista. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa: UFPB, João
Pessoa, 1997. Mimeo.
CARDOSO, Suzana Alice Marcelino. Diversidade de normas e transcrição
de textos orais. In.: O foco: norma e variação do português. N. 12,
Dezembro 1994.
CASTILHO, Ataliba T. de. Problemas de descrição da língua falada. In.: D.
E. L. T. A., Vol. 10, N. 1, 1994 (47-71).
CASTRO, Yeda, VOGT, Carlos & FRY, Peter. O afro-negro e a língua do
Brasil. In MOTTA, Roberto (coord). Os afro-brasileiros. Anais do III
388
Congresso Afro-Brasileiro. Recife: Fundação Joaquim Nabuco / Ed.
Massangana, 1985.
CERQUEIRA, Vicente C. Que faz uma criança com a marca de plural? um
estudo da aquisição de concordância nominal no português. In Atas do I
Congresso Internacional da Associação Brasileira de Lingüística.
Salvador: ABRALIN - FINEP - UFBA, 1996.
CHAUDENSON, Robert. Créolisation du français et francisation du créole:
le cas de Saint-Barthélemy et de la Réunion. In. NEUMANNHOLZSCHUH, Ingrid & SCHNEIDER, Edgar W. (eds.) Degrees of
restructuring
in
creole
languages.
Amsterdam/Philadelphia:
John
Benjamims Publishing Company, 2000 (Creole Language Library Volume
22).
COELHO, F. Adolfo. Os dialectos românicos ou neo-latinos na África,
Ásia e América. In. Estudos lingüísticos crioulos. Reedição de artigos
publicados no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa. Lisboa:
Academia Internacional da Cultura Portuguesa, 1967.
CORVALÁN, C. S. Sociolinguística: teoria y análisis. Alhambra, Madrid,
1989. 200p.
CUNHA, Celso. Língua portuguesa e realidade brasileira. Rio de Janeiro,:
Tempo brasileiro, 1975.
DA COSTA, Emília Viotti . Da senzala à colônia. 3 ed. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1989.
DALGADO, Sebastião Rodolfo. Estudos sobre os crioulos indo-europeus.
Lisboa: Comissão para as Comemorações dos descobrimentos portugueses,
1998.
389
DeGRAFF, Michel (ed.). Language creation and language change:
creolization, diachrony and developpement. Cambridge: The MIT Press,
1999a.
DeGRAFF, Michel. Creolization, language change and language
acquisition: a prolegomenon. In DE GRAFF, Michel (ed.). Language
creation
and
language
change:
creolization,
diachrony,
and
developpement. Cambridge: The MIT Press, 1999b.
DeGRAFF, Michel. Morfology in creole genesis: linguistics and ideology.
HALE, Ken. A life in language. Edited by Michael Kenstowicz.
Massachusetts: Massachusetts Institute of Tecnology, 2001a. (Current
studies in linguistics: 36).
DeGRAFF, Michel. On the origins of creoles: a cartesian critique of „neodarwinian linguistics. To appear in Linguistic Tipology 5, 2. Cambridge:
MIT linguistics and Philosophy, 2001b.
DETGES, Ulrich. Two types of restructuring in French creoles: a cognitive
approach to the genesis of tense markers. In. NEUMANN-HOLZSCHUH,
Ingrid & SCHNEIDER, Edgar W. (eds.) Degrees of restructuring in creole
languages.
Amsterdam/Philadelphia:
John
Benjamims
Publishing
Company, 2000 (Creole Language Library, Volume 22).
EMMERICH, Charlotte. A língua de contato no Alto Xingu: origem, forma
e função. Tese de Doutorado em Lingüística e Filologia apresentada à
Faculdade de Letras da UFRJ. Rio de Janeiro: UFRJ, 1º semestre de 1984.
ELIA, Sílvio. A unidade lingüística do Brasil: condicionamentos geoeconômicos. Rio de Janeiro: Padrão, 1979.
390
FERNANDES, Marisa. Concordância nominal na região sul. UFRGS:
Porto Alegre, 1996. Dissertação de Mestrado.
FERREIRA, Carlota. Remanescentes de um falar crioulo. Comunicação
apresentada ao II Congresso da ALFAL, São Paulo, 1969. In FERREIRA
et al. Diversidade do português do Brasil . 2 ed. Salvador: Centro Editorial
e Didático da UFBA, 1994.
GALVES, Charlotte. O enfraquecimento da concordância no português
brasileiro. In Roberts, Ian & Kato, Mary. Português brasileiro: uma
viagem diacrônica. Campinas: Unicamp, 1996.
GALVES, Charlotte. A gramática do português brasileiro. In: Línguas:
instrumentos lingüísticos. São Paulo: Pontes, 1998.
GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1992.
GUY, Gregory R. Linguistic variation in Brazilian Portuguese: aspects of
the phonology, syntax, and language history. Philadelphia: University of
Pennsylvania, 1981. 391 p. mimeo. Ph.D. Dissertation on Linguistics.
GUY, Gregory R. Language and social class. In: F. J. Newmeyer, ed.
Linguistic: The Cambridge Survey. Vol. IV, Language: The Sociocultural
Context, 37-63. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.
GUY, Gregory R. Sobre a natureza e origens do português popular do
Brasil (On the nature and origins of popular Brasilian Portuguese). In.:
Estudios sobre Espanhol de América y Lingüística Afroamericana. Bogotá,
p. 226-44. 1989. (tradução provisória de Maria Marta Pereira Scherre, fev.,
1995).
GUY, Gregory R. Form and function in linguistic variation.. In G. R. Guy
et alii, eds., 221-225, 1996.
391
GUY, Gregory R. The general and the particular: constraints on /s/
deletion in Argentine Spanish. Paper presented at NWAV-25, UNLV.
(1996).
GUY, Gregory R. & Charles Boberg. Inherent variability and the
obligatory contour principle. Language variation and change 9. 1997. p.
149-164.
GUY, Gregory R., Crawford Feagin, Deborah Schiffrin & John Baugh, eds.
Towards a social science of language, vol 1. Variation and change in
language and society. Amsterdam and Philadelphia: John Benjamins, 1996.
GUY, Gregory R., Crawford Feagin, Deborah Schiffrin & John Baugh, eds.
Towards a social science of language, vol 2. Social interaction and
discourse structures. Amsterdam and Philadelphia: John Benjamins, 1997.
GUY, Gregory R., B. Horvath, J. Vonwiller, E. Daisley & I. Rogers. An
intonational change in progress in Australian English. In.: Language and
society 15: 23-51. 1986.
HIBIYA, Junko. Denasalization of the velar nasal in Tokyo Japanese:
observation in real time. In G. R. Guy et alii., eds., 161-172. 1996.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 12a ed. Rio de Janeiro:
Livraria José Olympio Editora, 1978 (Coleção Documentos Brasileiros).
HOLM, John. Popular Brazilian Portuguese: a semi-creole. In E.
D'Andrade e A. Kihm (orgs.). In.: Actas do colóquio sobre crioulos de base
lexical portuguesa. (Lisboa): Colibri, 1992.
HOLM, John. Semi-creolization: problems in the development of theory.
In. NEUMANN-HOLZSCHUH, Ingrid & SCHNEIDER, Edgar W. (eds.)
Degrees of restructuring in creole languages. Amsterdam/Philadelphia:
392
John Benjamims Publishing Company, 2000 (Creole Language Library,
Volume 22).
HOUAISS, Antônio. O português do Brasil. Rio de Janeiro: Unibrade,
1985.
ISENSEE, Dinah Maria Montenegro. O falar de Mato Grosso (Bahia):
fonêmica, aspectos da morfo-sintaxe e do léxico. Dissertação de mestrado.
Brasília: Universidade de Brasília, 1964. Mimeo.
KATO, Mary A. Raízes não finitas na criança e a construção do sujeito.
Cadernos de estudos lingüísticos, 29: 119-136, 1996.
KROCH, Anthony. Toward a theory of social dialect variation. Language
ans society7. 17-36. 1978.
KROCH, Anthony. Reflexes of grammar in patterns of language change. In
Language, variation and change 1. 199-244. 1990.
KROCH, Anthony. Morphosyntactis variation. In BEALS, K. et alii.
Papers from the 30th Regional Meeting of the Chicago Linguistics Society:
parasession on variation and linguistic theory. Chicago: Chicago Linguistic
Society, 1994.
KROCH, Anthony & Taylor, A. The syntax of verb movement in Middle
English: dialect variation and language contact. In van Kemenade and
Vincent (eds.), 1997.
LABOV, William. Building on empirical foundations. Pennsylvania:
University of Pennsylvania, 1982.
LABOV, William. Modelos sociolingüísticos. Tradução de José Miguel
Marinas Herreras. Madrid: Ediciones Cátedra, 1983.
393
LABOV, William.. The intersection of sex and class in the course of
linguistic change. Cambridge University Press, 1991.
LABOV, William. Principles of linguistic change. Cambridge: Blackwell
Publishers, 1994.
LABOV, W. The social stratification of the English in the New York City.
Washington , D. C.: Center of Applied Linguistics, 1996.
LIGHTFOOT, David. The development of language: acquisition, change,
and evolution. Massachusetts: Blackwell Publishers, 1999.
LOBO, Tânia. Variantes nacionais do português: sobre a questão da
definição do português do Brasil. In Revista internacional de língua
portuguesa. 12. Lisboa: Associação das Universidades de Língua
Portuguesa, 1994.
LOBO, Tânia. Imigrantes portugueses na Bahia no século XIX:
manutenção ou reestruturação de gramática? Texto apresentado no
GELNE. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2000 (mimeo).
LOPES, Norma da Silva. A concordância nominal no S. N. em falantes
cultos de Salvador. In Anais. II Congresso Nacional da Abralin. (publicado
em CD-room). Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina,
1999.
LOPES. Norma da Silva. A presença de marca de plural no S. N. na fala
popular de Salvador. In MOURA, Denilda. Os múltiplos usos da língua.
Maceió: Edulal, 1999.
LOPES, Norma da Silva. Concordância no sintagma nominal em Salvador,
Bahia: um estudo em tempo real. Comunicação apresentada no Congresso
394
Internacional 500 Anos da Língua Portuguesa no Brasil. Évora:
Universidade de Évora, 2000a.
LOPES, Norma da Silva. O que Interfere na Variação da Concordância
Nominal em Salvador? Comunicação apresentada no GELNE, 2000b.
LOPES, Norma da Silva. Pepp, o estudo da fala popular de Salvador –
Rede de Pesquisadores em variação lingüística do Nordeste – Salvador,
Bahia. Texto apresentado em Mesa Redonda. Salvador: GELNE, 2000c.
LOPES, Norma da Silva. Variação ou mudança na concordância nominal
em Salvador? Revista Estudos lingüísticos e literários. Salvador: UFBA,
2000d (p. 97 a 102).
LOPES, Norma da Silva. As diferentes raças e a variação da concordância
no sintagma nominal do português do Brasil: a razão das semelhanças
entre esta
variedade e as existentes na África e Ásia. Comunicação
apresentada no Colóquio sobre pidgins e crioulos. Coimbra: Universidade
de Coimbra, 2001.
LUCCHESI, Dante. Reanálise da variação na concordância de gênero em
um dialeto afro-brasileiro. Comunicação apresentada na XVIII Jornada de
Estudos Lingüísticos do GELNE. Salvador: Universidade Federal da Bahia,
2000a.
LUCCHESI, Dante. Sócio-história do contato entre línguas na formação
do português popular do Brasil. Texto apresentado na mesa-redonda Em
Busca do Passado do Português Brasileiro, na XVIII Jornada de Estudos
Lingüísticos do GELNE. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2000b.
LUCCHESI, Dante. A variação na concordância de gênero em uma
comunidade de fala afro-brasileira: novos elementos sobre a formação do
395
português popular do Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras,
2000c. 364 fls. mimeo. Tese de Doutorado em Lingüística.
LUCCHESI, Dante. O conceito de transmissão lingüística irregular e o
processo de formação do português do Brasil. Salvador: Universidade
Federal da Bahia. Mimeo.
LUCCHESI, Dante & BAXTER, Alan. A variação na concordância de
gênero em dialetos despidginizantes e descrioulizantes do português do
Brasil. In Klaus Zimmerman (org.) Actas del Congresso Internacional sore
línguas crioulas de base espanhola e portuguesa. Berlin: Instituto IberoAmericano. (No prelo).
LUCCHESI, Dante & BAXTER, Alan. Processos de crioulização na
história sociolingüística do Brasil. In MOTA, Jacyra, MATTOS E SILVA,
Rosa Virgínia & CARDOSO, Suzana. 500 anos da história lingüística do
Brasil. Salvador: Universidade Federal da Bahia. (No prelo).
MARROQUIM, Mário. A língua do Nordeste: Alagoas e Pernambuco. 3ª
ed. Curitiba: HD Livros Editora, 1996.
MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. Sete estudos sobre o português
Kamayurá (com a colaboração de Myrian Barbosa da Silva, Maria del
Rosário Albán e Pedro Agostinho). Salvador: Centro Editorial e Didático
da UFBa, 1988.
MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. A propósito das origens do português
brasileiro. Texto apresentado no Congresso da ABRALIN, Mesa Redonda
As origens do português brasileiro. Florianópolis: Universidade Federal de
santa Catarina, 1999.
396
MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. 3a. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1982.
MATTOSO, Kátia de Queirós. Família e sociedade na Bahia do século
XIX. São Paulo: Corrupio; Brasília: CNPQ, 1988.
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Bahia, século XIX: uma província no
império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
Mc WHORTER, John H. (ed.). Language change and language contact in
pidgins and creoles. Amsterdam / Philadelphia: John Benjamins
Publishing, 2000. (Creole Language Library, Vol 21.).
Mc WHORTER, John H. Defining “creole” as a sincronic term. In.
NEUMANN-HOLZSCHUH, Ingrid & SCHNEIDER, Edgar W. (eds.)
Degrees of restructuring in creole languages. Amsterdam/Philadelphia:
John Benjamims Publishing Company, 2000 (Creole Language Library
Volume 22).
MEDEIROS, João Bosco. Redação científica: a prática de fichamentos,
resumos, resenhas. São Paulo: Atlas, 1996.
MEGENNEY, William W. A bahian heritage: an ethnolinguistic study of
african influences on bahian portuguese. North Carolina: UNC Department
of Romance Languages, 1978.
MENDONÇA, Renato. O português do Brasil: origens - evolução tendências. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S. A., 1936.
MOLLICA,
Cecília
&
RONCARATI,
Cláudia.
Enfoques
sobre
amostragem em sociolingüística. D. E. L. T. A., vol. 7, N. 2, 1991 (521528).
397
MOLLICA, Maria Cecília (organizadora). Introdução à sociolingüística
variacionista. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1992.
MOLLICA, Maria Cecília. Redes sociais em grandes cidades. O foco:
Norma e variação do português. N. 12, Dezembro 1994.
MOLLICA, Maria Cecília. Por uma sociolingüística aplicada. D. E. L. T.
A., vol. 9, N. 1, 1993 (105-111).
MOTA, Jacyra & ROLLEMBERG, Vera (org.). A língua falada culta na
cidade de Salvador: materiais para seu estudo. Salvador: Instituto de
Letras/UFBa, 1994.
MOUGEON, Raymond & Édouard Beniak, Social class and language
variation in bilingual speech communities. In G. R. Guy et alii, eds, 69100. 1996.
MUFWENE, Salikoko S. Creolization is a social, not a structural, process.
In NEUMANN-HOLZSCHUH, Ingrid & SCHNEIDER, Edgar W. (eds.)
Degrees of restructuring in creole languages. Amsterdam / Philadelphia:
John Benjamims Publishing Company, 2000 (Creole Language Library
Volume 22).
MUSSA, Alberto Baeta Neves. O papel das línguas africanas na história
do português do Brasil. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 1991.
259 fls. mimeo. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.
MYERS-SCOTTON, Carol. Duelling languages: grammatical structure in
codeswitching. New York: Oxford University Press, 1997.
MYERS-SCOTTON, Carol & JAKE, Janice L. Four types of morpheme:
evidence from aphasia, code switchim, and second-language acquisition. In
398
KLEIN, Wolfgang et alii (ed.). Linguistics: an interdisciplinary journal of
the language sciences. Vol 38-6 . 2000a. p. 1053-1100.
MYERS-SCOTTON, Carol & JAKE, Janice L. Testing the 4-M model: an
introduction. In. TRAVIS, C. Linguistics. International journal of
bilingualism. Vol 4, 2000b, p. 1-8.
MYERS-SCOTTON,
Carol.
Implications
of
abstract
grammatical
structure:two targets in creole formation. To appear in The journal of
pidgin and creole languages (no prelo).
NARO, Anthony. Estudos diacrônicos. Tradução de nove artigos por Laís
Campos e Hátia Elisabeth Santos. Petrópolis: Vozes, 1973
NARO, Anthony N. The social and structural dimensions of a syntactic
change. In Language, V. 57, nº 1. Cambridge, Cambridge University Press,
1981.
NARO, Anthony & LEMLE, Miriam. Syntatic diffusion. Ciência e cultura,
29(3): 259-68.
NARO, Anthony N. & SCHERRE, Maria Marta P. Variação e mudança
lingüística: fluxos e contrafluxos na comunidade de fala. Cadernos de
Estudos Lingüísticos (20): 9-16). Campinas: Unicamp, Jan./ Jun. 1991.
NARO, Anthony, J. & SCHERRE, Maria Marta P. Sobre as origens do
português popular do Brasil. DELTA, Vol. 9, Nº Especial, 1993 (437-454).
NARO, Anthony N. & SCHERRE, Maria Marta P. Contact with media and
linguistic variation. In Sociolinguistic variation: data, theory, and analysis.
Select papers from NWAV 23 at Stanford. Edited by Jennifer Arnold,
Renée Blake, Brad Davidson, Scott Schwenter, & Julie Solomon. CSLI
Publications, California, 1994.
399
NARO, Anthony N. & SCHERRE, Maria Marta P. Variable concord in
portuguese: the situation in Brasil and Portugal. In: McWhorter. John. (ed)
Current issues in pidgin and creole linguistics. Amsterdam, Benjamins,
1999.
NARO, Anthony J. e SCHERRE, Maria Marta Pereira. Variable concord in
portugueses: the situation in Brasil and Portugal. In Mc WHORTER, John
(ed.). Language change and language contact in pidgins and creoles.
Amsterdam / Philadelphia: John Benjamins Publishing, 2000, p. 235 a 255.
(Creole Language Library, Vol 21.).
OLIVEIRA e SILVA, Giselle M. de & SCHERRE, Maria M. P. (org.).
Padrões sociolingüísticos: análise de fenômenos variáveis do português
falado na cidade do Rio de Janeiro. Tempo Brasileiro, UFRJ, 1996.
PINHEIRO LOBATO, Lúcia Maria. A concordância nominal no português
do Brasil à luz da teoria de princípios-e-parâmetros e da sociolingüística
variacionista. D. E. L. T. A., Vol 10, N. Especial, 1994 (173-212).
PINHEIRO LOBATO, Lúcia Maria. Sobre as origens do português do
Brasil: proposta de uma nova abordagem. Texto apresentado no Congresso
Nacional da ABRALIN. Fortaleza, 2001. Mimeo.
PINTO, Ivone Isidoro & FIORETT, Maria Thereza G. Workshop para o
pacote varbrul: tutorial para o pacote varbrul. UFRJ, Departamento de
Lingüística e Filologia, 1992.
PINTO, Ivone Isidoro. A variação entre tudo e todo(a)(s) no português
informal carioca. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro,
1996. Tese de Mestrado.
400
PINTZUK, Susan. Programas Varbrul. Tradução de Ivone Isidoro Pinto.
Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1989.
POPLACK, Shana. The notion of the plural in puerto rican spanish:
competing constraints on (s) deletion. In LABOV, W. (edit). Locating
language in time and space.New York: Academic Press, 1980.
RÉVAH, I. S. Comment et jusqu‟à quel point les parlers brésiliens
permettent-ils de reconstituer le système phonétique des parlers portugais
des XVIe – XVIIe siècles? In Actas do III Colóquio Internacional de Estudos
Luso-Brasileiros., I. Lisboa, 1959. (273-291).
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995.
RODRIGUES,
José
Honório.
A
vitória
da
língua
portuguesa.
Humanidades. Volume I, número 4. Universidade de Brasília, Julho /
Setembro 1983.
RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. [Brasília], Ed. Universidade
de Brasília, 1988.
SANKOFF, David. Variable rules. Université de Montreal, October, 1988.
SANKOFF, David. Sociolinguistics and syntatic variation. In Linguistics:
the Cambridge survey. Edited by Frederick J Newmeyer. Volume IV,
Language: the socio-cultural context. Cambridge, Cambridge University
Press.
SARAMAGO, João. A influência da idade e do sexo na variação lexical
interna do dialeto da Ilha do Corvo (Açores). O foco: norma e variação do
português. N. 12, Dezembro 1994.
401
SCHERRE, Maria Marta Pereira. A regra de concordância de número no
sintagma nominal e português. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro:
Pontífica Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1978.
SCHERRE, Maria Marta Pereira. Reanálise da concordância nominal em
português. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1988. 2
vol. Tese de doutorado.
SCHERRE, Maria Marta Pereira. Introdução ao pacote varbrul para
microcomputadores.
Universidade
Federal
do
Rio
de
Janeiro
/
Universidade de Brasília. Rio de Janeiro, 1992. Brasília, 1993.
SCHERRE, Maria Marta Pereira. Aspectos da concordância de número no
português do Brasil. O foco: norma e variação do português. Nº 12. UFRJ /
UNB, 1994a.
SCHERRE, Maria Marta Pereira. Variação lingüística e preconceito
lingüístico. O foco: português nos meios de comunicação. Nº 16. UNB,
1994b.
SCHERRE, Maria Marta Pereira. Regularidades na concordância de
número no português falado em quatro regiões do Brasil. Organizado por
Ana Zilles da Universidade Federal da Rio Grande do Sul (a ser publicado).
SCHERRE, Maria Marta Pereira. Garimpando as origens do português do
Brasil: crioulização ou mudança natural? Mimeo.
SCHERRE, Maria Marta Pereira. Phrase level parallelism effect on noun
phrase number agreement. Texto submetido ao comitê editorial da revista
Language Variation and Change, editada por David Sankoff, William
Labov e Anthony Kroch, em junho de 2000 (artigo aceito para publicação,
em outubro de 2000, reenviado em janeiro de 2001).
402
SCHERRE, Maria Marta Pereira & MACEDO, Alzira V. Tavares.
Variação e mudança: o caso da pronúncia do S pós-vocálico. ABRALIN
(11) 1991.
SCHERRE, Maria Marta Pereira & NARO, Anthony Julius. A
concordância de número no português do Brasil: um caso de variação
inerente. In HORA, Dermeval da (org.). Diversidade lingüística no Brasil.
João Pessoa, Idéia, 1997.
SHERRE, Maria Marta P. & NARO, Anthony N. Marking in discourse:
"Birds of a feather". Language variation and change, 3 (1991), 23-32.
Printed in the U. S. A.
SHERRE, Maria Marta P. & NARO, Anthony N. The serial effect on
internal and external variables. Language variation and change, 4 (1992),
1-13. Printed in the U. S. A.
SCHERRE, Maria Marta P., BARROS, Elizabeth Ferreira, PINTO, Ivone I.
& FIORETT, Maria Thereza G. (organizadoras). Programa varbrul: dicas
para o uso do computador. Versão 2. Rio de Janeiro, UFRJ / PEUL, 1992.
SCHWARTZ, Stuart B. Sugar plantations in the formation of brazilian
society: Bahia, 1550-1835.Cambridge: Cambridge University Press, 1985.
SILVA, Giselle Machline de Oliveira & VOTRE, Sebastião Josué. D.E. L.
T. A. , Vol. 7, N. 1, 1991.
SILVA, Giselle Machline de Oliveira & PAIVA, Maria da Conceição
Auxiliadora de. Visão de conjunto das variáveis sociais. In. SILVA, Giselle
Machline de Oliveira & SCHERRE, Maria Marta Pereira. Padrões
sociolingüísticos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.
403
SILVA, Vera Lúcia Paredes P. Funcionalismo e gramática: o caso dos
pronomes-sujeito. UFRJ. mimeo.
SILVA NETO, Serafim da. História da língua portuguesa. Segunda edição
aumentada. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1970.
SILVA NETO, Serafim da. Introdução ao estudo da língua portuguesa no
Brasil. 3a ed. Rio de Janeiro: Presença, 1976.
SOUZA, Magaly Moraes de. Strogonoff ou estrogonofe? A importância
dos critérios de transcrição e da revisão textual na pesquisa lingüística. In.:
Língua falada e ensino. Anais do I Congresso Nacional sobre Língua
Falada e Ensino. Maceió: Universidade Federal de Alagoas, 1995.
SPEARS, Arthur K. & WINFORD, Donald (ed.). The structure and status
of pidgins and creoles. Amsterdam / Philadelphia: John Benjamims
Publishing Company, 1997. (Creole Language Library, Vol. 19).
TARALLO, Fernando & DUARTE, Maria Eugênia Lamogia. Processos de
mudança lingüística em progresso: a saliência vs. não saliência de
variantes. [UFRJ], mimeo.
TARALLO, Fernando. A estrutura da variação: do falante-ouvinte real ao
falante-ouvinte real. D. E. L. T. A., Vol. 6, N. 2, 1990 (195-222).
TARALLO, Fernando. Turning different at the of the century: 19th century
Brazilian Portuguese. In G. R. Guy et alii, eds., 199-220. 1996a.
TARALLO, Fernando. Diagnosticando uma gramática brasileira: o
português d‟aquém e d‟além-mar ao final do século XIX. In.: ROBERTS,
Ian & KATO, Mary. Português brasileiro: uma viagem diacrônica.
Campinas: Editora da Unicamp, 1996b.
404
TAVARES NETO, José & AZEVEDO, Eliane. Family names and ABO
blood group frequencies in a mixed population of Bahia, Brasil. Human
biology. Vol 50, No. 3, p. 361-367. Wayne State University Press, 1978.
THOMASON, Sarah Grey & KAUFMAN, Terrence. Language contact,
creolization, and genetic linguistics. Los Angeles: University of California
Press, 1988.
TOMÁS, Maria Isabel. A presença africana nos crioulos portugueses do
Oriente: o crioulo de Damão. In E. D' Andrade e A. Kihm (orgs.). Actas do
colóquio sobre crioulos de base lexical portuguesa. (Lisboa): Colibri,
1992.
TOMÁS, Maria Isabel. Os crioulos portugueses do Oriente: uma
bibliografia. Macau: Instituto Cultural de Macau, 1992.
WEI, Longxing. Unequal election of morphemes in adult second language
acquisition. In Applied linguistics. 21/1: 106-140. Oxford University Press,
2000.
WEINREICH,
Uriel,
LABOV,
William
&
HERZOG,
Marvin.
Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança lingüística.
(Tradução de Andréia Café, Gustavo Gama, Odilon Mesquita Filho e
Ricardo Ramos). Salvador: UFBA, mimeo, 1998.
VIANA FILHO, Luís. O negro na Bahia: um ensaio clássico sobre a
escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
ZIMMERMANN, Klauss (ed.). Lenguas criollas de base lexical española
y portuguesa. Madrid: Iberoamericana, 1999.
405
RESUMO
Este trabalho faz uma análise da variação da concordância de número
no sintagma nominal do português brasileiro, utilizando um corpus de
Salvador, Bahia. A pesquisa toma como escopo teórico-metodológico a
sociolingüística variacionista laboviana, que considera que a variação é
inerente ao sistema, cabendo ao sociolingüista identificar as variáveis
sociais e as lingüísticas que estão relacionadas ao fenômeno variável em
observação. Para entender o processo da variação, são também utilizados
pressupostos de outros referenciais teóricos, tomados como auxiliares.
A pesquisa identifica quatro variáveis lingüísticas intimamente
associadas à variação da concordância nos elementos do sintagma nominal:
1) a saliência fônica; 2) a classe gramatical, a posição linear e a relativa,
associadas; 3) as marcas precedentes e 4) o contexto subseqüente. Essas
são as mesmas variáveis lingüísticas que se mostram mais associadas ao
fenômeno em outras regiões do País, evidenciando que as restrições
existentes no processo da variação da concordância no sintagma nominal
no português, como um todo, são as mesmas.
Analisando os diversos grupos sociais que compõem a amostra,
observa-se que três variáveis sociais têm mais relação com a variação da
concordância: 1) a escolaridade, 2) a faixa etária e 3) a etnia, neste trabalho
observada através dos sobrenomes dos informantes. Os resultados indicam
que 1) a presença de concordância é proporcional ao tempo de relação com
a atividade escolar; 2) os mais jovens do grupo de sobrenome religioso,
grupo considerado de ancestralidade escrava, fazem mais concordância que
os mais velhos, indicando tendência de aumento da realização de
concordância; 3) os mais novos do grupo de sobrenome não religioso,
406
grupo considerado de ancestralidade não escrava, tendem a realizar menos
concordância que os mais velhos, indicando uma tendência de redução ou
enfraquecimento da concordância.
A diferença entre os resultados dos grupos de ancestralidade escrava e
não escrava constitui evidência de que o português utilizado por
descendentes da etnia negra, no Brasil, na sua fase inicial, foi caracterizado
por pouca concordância, resultado de exposição a dados lingüísticos
primários mais variados e divergentes, condizente com o contexto social
em que os negros estiveram envolvidos. Enquanto essa população, aos
poucos, aproxima-se do padrão, por situação diversa passam as pessoas
que não tiveram essa mesma história: cada vez mais reduzem a
concordância dentro do sintagma nominal, ampliando o quadro da variação.
O estudo realizado revela, pois, que há forças diferentes em
concorrência no universo lingüístico de Salvador, situação que se relaciona
com o processo histórico em que essa cidade se envolveu na fase da
constituição do seu povo e de sua língua.
407
ABSTRACT
This work undertakes an analysis of variation in number agreement in
the noun phrase of Portuguese, using a data-base of speech from Salvador,
Bahia. The research adopts the perspective of the Variationist
Sociolinguistics method and theory of William Labov, which considers
variation to be inherent to the linguistic system, and sees the task of the
sociolinguist as that of identifying the social variables related to the
variable phenomenon under observation. In order to understand the process
of variation, other complementary theories are also used in an auxiliary
manner.
Four linguistic variables are identified as being closely associated
with variation in agreement in the noun phrase: 1) phonic salience, 2)
grammatical class,
and associated linear and relative position, 3) the
presence of plural markers on preceding items in the noun phrase, and 4)
the following phonic context. These are the same linguistic variables which
have proven to be most significantly associated with the phenomenon in
other regions of the country,
demonstrating that, on the whole, the
restrictions existing in relation to agreement variation in the noun phrase in
Portuguese are the same.
Analysing all the social groups in the sample, three particular social
variables are observed to be more associated with agreement variation: 1)
time in school, 2) age and 3) ethnicity, studied here by means of surnames.
The results show that 1) the presence of agreement is proportional to the
amount of time spent at school; 2) the youngest members of the religious
surnames group, a group considered to have slave ancestors, display more
agreement than the oldest members of this same group, showing a tendency
408
towards an increase in application of the agreement rule; 3) the youngest
members of the non-religious surnames group, a group considered to not be
of slave ancenstry, show an inclination to display less agreement than the
oldest members of this same group, indicating tendency towards reduction
or weakening of the agreement rule.
The difference between the results for the groups with slave ancestry
and those without slave ancestry constitutes evidence that the Portuguese
language used by the descendents of slaves, in early phases of Brazil,
chacteristically displayed little agreement, a result of exposure to variable
and divergent primary linguistic data, a consequence of the social context
of the negro. While, this population is gradually approaching the target
language, the population which did not have this type of history is
undergoing a different process, and is reducing agreement in the noun
phrase, adding to the overall picture of variation.
The study carried out thus reveals that there are different concurrent
forces in the linguistic universe of Salvador, a situation which is linked to
the historical process in which this city was involved during the
constitution of its populace and its language.
Download

CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E