ASPÉCTOS POLÊMICOS DA APOSENTADORIA ESPECIAL COM CONVERSÃO
DO TEMPO COMUM EM ESPECIAL
por Diego Henrique Schuster, advogados da
Lourenço e Souza Advogados Associados
A possibilidade de conversão do tempo de serviço comum em especial
encontra amparo no art. 64 do Decreto 357, de 07 de dezembro de 1991, o qual
previu a possibilidade do tempo de serviço exercido alternadamente em atividade
comum e atividade profissional sob condições especiais seja considerado prejudicial
à saúde ou à integridade física, somando-o, após a respectiva conversão, ao tempo
especial, para fins de aposentadoria especial.
No seu parágrafo único, o artigo em foco estabelece uma pedra de tropeço,
isto é, ele estabelece como condição para a concessão da aposentadoria especial,
com a conversão do tempo comum em especial, a necessidade do segurado
comprovar o exercício de atividade em condições especiais, por no mínimo, 36
(trinta e seis) meses, vale dizer, 03 (três) anos.
Este tempo não precisa ser
contínuo.
O fator de conversão vai depender do tempo de exposição exigido para
atividade (15, 20 ou 25 anos) e o sexo do segurado. Vale transcrever a tabela de
conversão, para efeito de concessão de qualquer benefício:
Note-se que a regra fala em “qualquer benefício”, bem como a tabela ilustra
atividades com 30 e 35 anos, o que sugere a possibilidade da conversão para fins
de aposentadoria por tempo de contribuição, também. No entanto, não restam
dúvidas de que a conversão prevista neste artigo não é aplicável a outros benefícios,
já que dentro da subseção que regula a aposentadoria especial.
Em 21 de julho de 1992, foi editado o Decreto 611, com redação idêntica à do
Decreto 357/91, ratificando, portanto, a possibilidade de conversão do tempo comum
em especial.
Acontece que a Lei 9.032, de 8 de abril de 1995, extinguiu com a
possibilidade de conversão do tempo comum em especial. Com efeito, a partir da Lei
9.032/1995 não é mais possível converter-se tempo comum em especial, conforme
entendimento consolidado pela jurisprudência:
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. CONVERSÃO DO TEMPO
COMUM EM ESPECIAL. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA
ESPECIAL. TUTELA ESPECÍFICA.
1. Constando dos autos a prova necessária a demonstrar o exercício de
atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na
data da prestação do trabalho, deve ser reconhecido o respectivo tempo de
serviço.
2. A conversão do tempo de serviço comum em especial é possível
até a edição da lei nº 9032/95.
3. Demonstrado o tempo de serviço especial por 15, 20 ou 25 anos,
conforme a atividade exercida pelo segurado e a carência, é devida à parte
autora a aposentadoria especial, nos termos da Lei nº 8.213/91.
4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere
à obrigação de implementar e/ou restabelecer o benefício, por se tratar de
decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as
atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461
do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine
intervallo).1
Superada a evolução legislativa da conversão do tempo comum em especial,
passa-se, sem rodeios, para uma análise das questões mais polêmicas acerca do
tema, a começar pela possibilidade do tempo de serviço rural ser objeto de
conversão. Quem dá a melhor reposta é o próprio INSS, no art. 270 da Instrução
Normativa INSS/PREV n. 45/2010, in verbis:
Art. 270. Serão considerados, para fins de alternância entre períodos
comum e especial, o tempo de serviço militar, mandato eletivo, aprendizado
profissional, tempo de atividade rural, contribuinte em dobro ou facultativo,
período de CTC do serviço público e benefício por incapacidade
previdenciário (intercalado).2
1
2
TRF da 4ª Região, Proc.: 55038233-95.2011.404.7000/PR, 6ª Turma, Rel.: Des. Fed. JOÃO
BATISTA PINTO SILVEIRA, J. em 14/03/2012 D.E. 15/03/2012
Já na Instrução Normativa INSS/PREV n. 20/2007 era feita tal conceituação: “Art. 175. Serão
considerados, para fins de alternância entre períodos comum e especial, o tempo de serviço militar,
mandato eletivo, aprendizado profissional, tempo de atividade rural, contribuinte em dobro ou
facultativo, período de CTC do serviço público e benefício por incapacidade previdenciário
(intercalado)”.
Portanto, considera-se tempo de atividade comum o tempo de serviço militar,
mandato eletivo, aprendizado profissional, tempo de atividade rural, contribuinte em
dobro ou facultativo, período de CTC do serviço público e benefício por incapacidade
previdenciário (intercalado).
Desse modo, não há como restringir a conversão do tempo de serviço rural
sob o pretexto de inexistir efetiva contribuição à Previdência Social. Isso porque a lei
não faz qualquer distinção entre atividade comum e atividade rural, mas somente
entre atividade comum e especial.
Ademais, os princípios da uniformidade e equivalência dos benefícios e
serviços às populações urbanas e rurais e da isonomia, per si só, fundamentam tal
interpretação da regra. Trata-se, portando, de uma resposta adequada à
Constituição Federal (entendida, à evidência, no seu todo principiológico).
Não obstante a jurisprudência estar a favor do segurado - destinatário da Lei
de Benefícios -, o entendimento do STJ3, no sentido de que as regras de conversão
são orientas pela lei vigente ao tempo que preenchidas as exigências para a
concessão da aposentadoria, ameaça a tranquilidade dos advogados.
Por que somente as regras de conversão de tempo devem ser observadas
por ocasião do requerimento ou quando preenchidos os requisitos para a concessão
do benefício?
Tomamos como exemplo a conversão do tempo especial em comum, o STJ
reconheceu o direito do segurado à conversão quando ao tempo da prestação de
3
Vale transcrever a ementa da decisão: RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC
NÃO CONFIGURADA. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008.
RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL E
COMUM. CONVERSÃO. POSSIBILIDADE. ART. 9º, § 4º, DA LEI 5.890/1973, INTRODUZIDO
PELA LEI 6.887/1980. CRITÉRIO. LEI APLICÁVEL. LEGISLAÇÃO VIGENTE QUANDO
PREENCHIDOS OS REQUISITOS DA APOSENTADORIA. 1. Trata-se de Recurso Especial
interposto pela autarquia previdenciária com intuito de desconsiderar, para fins de conversão entre
tempo especial e comum, o período trabalhado antes da Lei 6.887/1980, que introduziu o citado
instituto da conversão no cômputo do tempo de serviço. 2. Como pressupostos para a solução da
matéria de fundo, destaca-se que o STJ sedimentou o entendimento de que, em regra; a) a
configuração do tempo especial é de acordo com a lei vigente no momento do labor, e b) a lei em
vigor quando preenchidas as exigências da aposentadoria é a que define o fator de conversão entre
as espécies de tempo de serviço. Nesse sentido: REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi,
Terceira Seção, DJe 5.4.2011, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC. 3. A lei vigente por ocasião
da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum,
independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço. Na mesma linha: REsp
1.151.652/MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 9.11.2009; REsp 270.551/SP, Rel.
Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 18.03.2002; Resp 28.876/SP, Rel. Ministro Assis Toledo,
Quinta Turma, DJ 11.09.1995; AgRg nos EDcl no Ag 1.354.799/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de
Assis Moura, Sexta Turma, DJe 5.10.2011. (Grifo nosso).
serviço inexistia regra expressa autorizando a conversão, uma vez que hoje é
possível a conversão a qualquer tempo.
Mas sejamos justos, existe boa vontade por parte do STJ no sentido de dar
uma solução definitiva a essa questão. No entanto, essa não é, nem de longe, uma
resposta constitucionalmente adequada.
Pois bem. Concordar com tal entendimento é admitir que se a proibição de
conversão de tempo especial em comum depois de 15.12.1998 tivesse triunfado,
não seria mais possível a conversão de qualquer período ao segurado que
preencheu os requisitos depois dessa data. Não é?
O que se pretende é chamar a atenção para o direito adquirido, pois se as
regras de conversão forem orientadas pela lei vigente ao tempo que preenchidas as
exigências para a concessão da aposentadoria, o segurado não estará protegido
das alterações legislativas.
Não há nada que impeça novas investidas do legislador, o que, como na
maioria das vezes, é chancelado pelo Poder Judiciário - sem colocar nenhuma
interrogação constitucional ou ética.4
Assim, no caso de eventual extinção da conversão do tempo especial em
comum, como ficaria a situação do segurado diante do entendimento do STJ, teria
ele direito a converter o tempo especial anterior à restrição? E no caso do segurado
que deseja apenas averbar o tempo especial, com a expedição de Certidão de
Tempo de Servido, da qual conste o tempo ficto, ou seja, sem ainda ter preenchido
os requisitos da aposentadoria?
O entendimento do STJ simplesmente contraria a lógica do princípio “tempus
regit actum”, o qual estabelece que a caracterização e a comprovação do tempo de
atividade sob condições especiais obedecerão ao disposto na legislação em vigor na
época do exercício o trabalho.5
4
Um dos maiores absurdos da história do direito previdenciário foi o entendimento de que o art. 70 do
RPS (redação original) pudesse tornar ilícita a conversão do tempo de atividade especial em comum
depois de 28.05.1998. A partir da redação frouxa do artigo em foco, inúmeros julgadores
extinguiram a possibilidade de conversão, sob a alegação de revogação tácita do § 5º do art. 57 da
Lei Benefícios, demonstrando a irracionalidade do sistema positivista, capaz de aplicar às cegas
normas inconstitucionais e até ditatoriais.
5
Na vigência do Decreto 53.831/64 é considerado especial o trabalho exercido com exposição a
ruído superior a 80 dB.
Admitir tal entendimento significa dizer que não posso contar, para o futuro,
com a conversão do tempo especial em comum de períodos de trabalho insalubre.
Assim como a caracterização e a comprovação do tempo de atividade, deve
ser observada a regra de conversão (e seu respectivo fator) vigente à época do
exercício do labor, entendimento que encontra fundamento nos princípios “tempus
regit actum”, igualdade e legalidade.
Correndo o risco de simplificar por demais a questão, mas o que justifica a
possibilidade de conversão do tempo especial em comum antes da Lei 6.887/1980,
tema da decisão do STJ, é, simplesmente, o fato do Decreto 4.827/03, que alterou o
art. 70 do Decreto 3.048/99,6 dispor que as regras de conversão de tempo especial
em comum se aplicam ao trabalho prestado em qualquer período. Tal entendimento
foi reafirmado pela TNU (2003.61.84.080298-7).
Conclui-se, portanto, que a conversão de tempo especial em comum de
qualquer período é viável por força do art. 70, § 2º, do Decreto 3.048/99, enquanto
que a conversão do tempo comum em especial é possível até a edição da lei nº
9032/95 por força do art. 64 do Decreto 357/91, em homenagem aos princípios do
“tempus regit actum”, da igualdade, da legalidade e da proibição do retrocesso
social.
Essa é, portanto, a vontade da lei. Muito mais fácil do que entender a intenção
do legislador quando instituiu a possibilidade do segurado que tivesse trabalhado em
atividade comum convertê-la em especial para poder obter o benefício da
aposentadoria especial!
6
Art. 70. (...).
§ 2o As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em
tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período. (Grifo nosso).
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