A PRÁTICA DA DEFESA COMERCIAL NO MERCOSUL
Caio Assumpção Silva1
Matheus de Barros Santa Lucci e Silva2
Resumo
Esse artigo descreve o uso de medidas de defesa comercial pelos países pertencentes ao
Mercosul, entre os anos de 1999 e 2012. A primeira parte detalha o que são medidas de defesa
comercial, passando por um breve histórico da integração regional no Cone Sul e um resumo
da teoria de Relações Internacionais acerca do tema. Por fim, uma identificação do uso dessas
medidas, com um maior detalhamento das medidas antidumping, instrumento mais utilizado
pelos membros do bloco.
Palavras-chave: Mercosul, Antidumping, Defesa Comercial.
1. Introdução
Ao permitirem a existência de trocas de produtos com os diversos países do mundo, os
governos também expõem as empresa sob sua jurisdição ao risco de competição desleal com
as indústrias estrangeiras. Esse risco é reconhecido pela Organização Mundial do Comércio
(OMC), que, apesar de ter como objetivo a liberalização do comércio mundial, permite
algumas exceções para que práticas desleais deixem de existir.
A OMC também admite que países se organizem em blocos comerciais, sendo que,
desde o final da Segunda Guerra Mundial, esse processo tem se intensificado ao redor do
globo. Há ainda processos de integração mais abrangentes, que ultrapassam questões tarifárias
e permitem não apenas a livre circulação de mercadorias, mas também a livre circulação de
pessoas e de capital. Por sua vez, a implementação de um processo de integração nem sempre
é simples. A cada passo dado rumo à unificação dos países envolvidos, os Estados soberanos
têm de abdicar de autonomia para a condução unilateral de políticas.
Uma possível maneira de contornar os empecilhos trazidos pelo processo de
integração é a utilização de medidas de defesa comercial. Quando utilizadas contra países do
1
Mestrando em Economia pela Universidade de Brasília e Assistente na COGCI/SEAE/MF. Email:
[email protected].
2
Graduando em Ciências Econômicas pelo Insper e intercambista na COCGI/SEAE/MF. Email:
[email protected].
1
próprio bloco, isso extrapola algumas restrições impostas pelo ideal da passagem de uma
estrutura de sociedade dos Estados nacionais à estrutura de bloco econômico.
O objetivo desse artigo é descrever como os países do Mercosul têm utilizado medidas
de defesa comercial. Originalmente, o Mercosul, era formado por Argentina, Brasil, Paraguai
e Uruguai, com a entrada da Venezuela3 como membro pleno do bloco e a suspensão
temporária do Paraguai4). Ainda, dá-se maior atenção às medidas antidumping por ter a maior
quantidade de investigações iniciadas.
O trabalho está dividido em quatro seções além dessa introdução. A Seção 2 trata de
defesa comercial, detalhando o que são medidas antidumping, compensatórias e de
salvaguarda. A Seção 3 fornece um breve resumo da história da integração latino-americana e
uma rápida revisão literária sobre processos de integração de países. Por sua vez, a Seção 4
fornece primeiramente um panorama geral das investigações de competição desleal por parte
dos países do Mercosul e as descreve mais detalhadamente, país a país. Por fim, a Seção 5
conclui o trabalho.
2. Defesa comercial
Krugman e Obstfeld (2012) afirmam que poucos países no mundo têm um regime
comercial que se aproxima da livre-concorrência. Um motivo para tanto é que há
argumentações políticas de que se pode restringir o comércio e, simultaneamente, aumentar o
bem-estar nacional. Parte disso deve-se ao fato que um país pode extrair ganhos da mudança
de termos de troca e outra deriva de uma linha de raciocínio protecionista, que defende que as
empresas nacionais podem ser submetidas a práticas “injustas” de comércio em um ambiente
internacional.
A autoridade de um país que cuida do comércio internacional dispõe de alguns
instrumentos para conduzir políticas comerciais frente ao resto das nações. A mais conhecida
é a imposição de tarifas alfandegárias, podendo ser tanto ad-valorem (quando é incidente
sobre o preço do produto), quanto específica (quando incide sobre a quantidade).
Há também maneiras não tarifárias de impedir ou alterar o fluxo do comércio
internacional. Dentre essas, estão a imposição de cotas para importação, quando o governo
limita a quantidade a ser importada; as regras de origem, quando o produto importado deve
3
4
A Venezuela entrou como membro pleno do Mercosul no final de julho de 2012.
O Paraguai foi suspenso do bloco com o impeachment de Fernando Lugo, em junho de 2012.
2
conter uma porcentagem de conteúdo nacional; exigências sanitárias e fitossanitárias; o
subsídio para exportações, procedimentos burocráticos, entre outras. Tarifas são a maneira
mais antiga que um governo tem de levantar receitas5, e seu uso tem declinado nos últimos
anos com a criação da OMC.
Segundo Berlinski et al. (2006), a imposição de medidas de defesa comercial têm por
objetivo proteger os países de competição desleal como forma de “nivelar o campo de jogo”.
Os autores afirmam ainda que os países se utilizam de medidas comerciais de maneira não
rigorosa, tornando-as potencialmente mais nocivas do que benéficas à competição.
Apesar de as rodadas de negociação da OMC objetivarem a redução de barreiras
comerciais, tanto tarifárias quanto não-tarifárias, permite-se três classes de exceções: medidas
antidumping, medidas compensatórias e medidas de salvaguarda.
De acordo com a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX)6, as medidas de defesa
comercial consistem na aplicação de direitos antidumping e direitos compensatórios,
provisórios ou definitivos, com vistas a neutralizar os efeitos de práticas desleais de comércio
de determinado país ou grupo de países, a saber, dumping e subsídios, respectivamente. As
salvarguadas dizem respeito à aplicação de medidas tarifárias ou restrições quantitativas
frente a um surto de importações de diversas origens, com vistas a coibir prejuízo grave à
indústria nacional.
2.1 Medidas antidumping
Dumping, segundo o “Acordo sobre a Implementação do Artigo VI do Acordo Geral
sobre Tarifas e Comércio de 1994” da OMC é definido como a oferta de um produto em um
terceiro país abaixo de seu valor normal. Segundo esse documento, ainda, uma investigação
antidumping deve ser conduzida para verificar a existência de uma margem de dumping
positiva, a existência de dano (ou de ameaça de dano) à indústria local e o nexo causal entre
ambos.
O valor normal é definido como o preço do bem em questão no curso de operações
normais do país exportador. Caso o bem não seja objeto de vendas no país exportador no ciclo
normal de suas operações, ou quando a quantidade transacionada não permite uma
5
Krugman e Obstfeld (2012)
Disponível em http://www.camex.gov.br/conteudo/exibe/area/3/menu/38/Defesa%20Comercial, Acesso em
27/07/2013.
6
3
comparação razoável, o valor normal tem de ser determinado de outra maneira. Nesses casos,
poderiam ser utilizados os preços de exportação de um produto similar7 originárias de um
terceiro país para um quarto país; ou ainda utilizar um produto que, apesar de não apresentar
todas as características do bem sob investigação, fornece uma comparação razoável.
A margem de dumping é definida como a diferença percentual entre o preço de
exportação e o valor normal. Segundo o Acordo Antidumping da OMC, toda investigação
deve ser encerrada caso a margem de dumping seja de minimis, ou seja, de valor igual ou
inferior a 2%. Outro motivo para o encerramento imediato é o da insignificância do volume
importado, quando o volume importado do país acusado da prática de dumping é inferior a
3% das importações totais de produtos similares. Por fim, o último modo de se encerrar uma
investigação antidumping é a comprovação de que não há dano à indústria doméstica, ou que
ele seja insignificante.
Em seu trabalho de 1923, Jacob Viner define dumping como uma mera discriminação de
preços em diferentes países. O autor apresentou três modalidades de dumping: esporádico,
que seria motivado pela venda de um acúmulo imprevisto de estoques; intermitente ou de
curto prazo, motivado pela entrada em um novo mercado, eliminação de concorrentes ou
manutenção de fatia de mercado e o dumping contínuo ou de longo prazo, que ocorreria com
a finalidade de manter a produção em nível elevado ou para obter economias de escala.
A investigação de dano ou potencial de dano à indústria doméstica deve ser pautada na
análise da produção da empresa (como quedas da produtividade, vendas, quantidade
produzida e participação no mercado), na sua lucratividade (analisando os lucros e o retorno
sobre os investimentos), em fatores que afetam os preços internos, a quantidade de estoques,
emprego, salários, e a capacidade da indústria doméstica de realizar investimentos em capital.
Para efeitos do Acordo Antidumping, a indústria doméstica pode sofrer danos materiais caso
haja exportações a preço de dumping.
Porém, o artigo 3º do Acordo Antidumping estabelece que as autoridades devem
controlar suas decisões também por fatores estruturais do mercado em questão. Por exemplo,
a indústria doméstica pode ter uma queda em sua rentabilidade caso haja contrações na
demanda ou mudanças nos padrões de consumo, além do aumento no número de firmas, tanto
nacionais quanto estrangeiras, ou de mudanças tecnológicas, entre outros possíveis motivos.
7
Para efeitos do Acordo Antidumping, um produto similar é um produto com iguais características ao produto
em questão.
4
Isso se deve ao fato de que danos materiais às indústrias domésticas não necessariamente
estão associadas a comércio desleal.
Ao final da investigação, as autoridades do país importador podem ou não estabelecer
direitos antidumping, caso seja comprovada a existência da prática desleal de comércio. Casos
em que, mesmo sendo confirmado o dumping, o dano e o nexo causal, não há aplicação da
medida podem estar relacionados a interesses públicos ou a motivos políticos (como um caso
de dumping entre Uruguai e México onde não houve aplicação de direitos, pois os países
estavam negociando um acordo de preferência comercial). Outra possibilidade de se encerrar
uma investigação é por meio de um acordo voluntário de preços ou quantidades, quando a
empresa exportadora se compromete a aumentar os preços até zerar a margem de dumping ou
restringir suas exportações ao país.
Caso haja a aplicação de direitos, seu tamanho deve ser apenas para compensar a
margem de dumping, evitando que se proteja demasiadamente a indústria local. Esse princípio
é chamado, no Acordo Antidumping, de lesser duty. Ainda, o tempo pelo qual os direitos
podem vigorar deve ser o suficiente para que a indústria doméstica neutralize os danos
causados pelas importações. A regulamentação ainda dá margem à aplicação de medida
provisória até sessenta dias após o início das investigações. Isso pode ocorrer caso já se tenha
determinado constatado, de forma preliminar, a existência de dumping, dano e nexo causal.
2.2 Medidas compensatórias
Outro acordo da rodada do Uruguai considera os subsídios às exportações uma prática
desleal de comércio8. Para a OMC, há um subsídio quando um governo fornece fundos direta
ou indiretamente (por meio de empréstimos ou transferindo bens ou serviços que não sejam os
de infraestrutura) para sustentar o nível de preços em um determinado mercado ou o nível de
receitas da empresa, ou um grupo dessas.
Esses subsídios podem causar efeitos adversos aos interesses dos países-membros da
OMC. O Acordo elenca três: danos às indústrias nacionais, anulação ou redução dos
benefícios de se assinar um acordo de comércio nos moldes dos estabelecidos pela
Organização e prejuízos severos aos interesses nacionais.
8
Acordo sobre subsídios e medidas compensatórias.
5
Esses prejuízos podem se dar pelas seguintes formas:
1. O efeito do subsídio é deslocar ou impedir as importações dos produtos de
outros países-membros no mercado do país onde o subsídio vigora;
2. O efeito do subsídio é impedir as exportações de um produto similar de um
país-membro a um terceiro mercado;
3. O efeito do subsídio é uma queda significativa no preço do bem em questão
em comparação a um produto similar negociado em um terceiro paísmembro ou no próprio mercado nacional, ou um aumento nas vendas
perdidas;
4. O efeito do subsídio é uma tendência de aumento da participação do país
onde há subsídios no mercado do produto em questão.
Uma investigação inicia-se com a petição de uma indústria ou do governo do país onde a
indústria se situa. Essa aplicação deve incluir provas da existência do subsídio, do dano
sofrido e da causalidade entre os dois. Assim que esse for aprovado, abre-se um processo cujo
objetivo inicial é esclarecer a situação entre os países e buscar um acordo consensual. Caso
isso não ocorra durante os trinta primeiros dias, abre-se um painel para analisar a queixa.
Assim como nos casos de antidumping, as investigações podem ser interrompidas caso os
dois países cheguem a um acordo, quando há limitação ou eliminação dos subsídios por parte
do governo acusado ou há uma revisão dos preços por parte do grupo de empresas
exportadoras.
Se, ao final do processo investigativo e de consulta aos países acusados de subsidiar as
exportações, forem determinados a existência e o valor dos subsídios, o dano à indústria
doméstica e a causalidade entre ambos, pode-se aplicar uma medida compensatória de acordo
com as especificações do Acordo; como sua duração, que deve permitir a empresa se
recuperar dos danos causados pelo comércio desleal.
2.3 Medidas de salvaguarda
Segundo o Acordo de Salvaguardas da Rodada Uruguai da OMC, um país-membro
pode aplicar uma medida de salvaguarda a um produto se for determinado que as importações
desse aumentaram (em termos absolutos ou relativamente à produção doméstica) a ponto de
ameaçar a indústria doméstica. Diferentemente das medidas antidumping e das medidas
6
compensatórias, esse tipo de direito aplica-se contra todas as origens das importações e não
envolve práticas desleais de comércio.
A aplicação desse tipo de medida deve durar tempo suficiente para prevenir que a
indústria doméstica sofra danos causados pela desestruturação. A priori, a duração padrão não
deve exceder quatro anos; porém, dependendo do estado da indústria ao final desse período,
pode-se prolongar esse período por até oito anos.
3. Integração na América Latina
3.1 Um breve histórico
Na década de 1960, surgiu, sob a tutela da Comissão Econômica para a América
Latina (Cepal), a primeira tentativa de integração na América Latina: a Associação Latino
Americana de Livre Comércio (Alalc). O Tratado de Montevidéu, que instituiu a Alalc, previa
um prazo de doze anos para o aperfeiçoamento da zona de livre-comércio, sob os princípios
da nação mais favorecida e do tratamento regional.
Barral e Bohrer (2010) afirmam que o pouco sucesso da Alalc é atribuído a sua rigidez
no processo de elaboração das Listas Comum e Nacionais, e ambição do projeto frente à
possibilidade de desenvolvimento dos países. Porém, um ponto levantado por Prazeres
(2006), é de que o tratado não considerava as diferenças regionais, não só em relação à
estrutura econômica, como também em relação às aspirações em torno da integração. Já
Menezes (2006) cita como fator limitante do sucesso do Tratado de Montevidéu a tentativa de
agregar economias muito grandes com economias pequenas.
Para contornar esses problemas, substituiu-se a Alalc pela Associação LatinoAmericana de Integração – Aladi. O novo tratado de Montevidéu, assinado no início da
década de 1980, manteve os objetivos anteriores, a integração regional; mas alterou os meios
pelos quais essa deveria ser alcançada. Primeiramente, extinguiu-se o prazo de doze anos,
passando a integração a ser um “objetivo de longo prazo” a ser atingido “de forma gradual e
progressiva” 9. Foi eliminado também o sistema de listas, sendo adotados Acordos de Alcance
Parcial (celebrados por apenas alguns dos países-membros) e Acordos de Alcance Regional
(dos quais todos os países da Aladi participavam). Dessa forma, haveria a possibilidade de
integração em blocos menores, como o Mercosul, no lugar de morosas negociações para
9
Tratado de Montevidéu, artigo 1º
7
concessões globais de preferência determinada pela clausula de nação mais favorecida. Outro
avanço10 da Aladi vis-à-vis a Alalc é a possibilidade de definir as preferências tarifárias em
termos percentuais, fomentando mais credibilidade ao bloco.
Como resultado da nova possibilidade de acordos parciais, em 1986 foi lançado o
Programa de Integração e Cooperação Econômica entre a Argentina e o Brasil (PICE) no
evento da assinatura da Ata de Integração Brasileiro-Argentina. O PICE almejava integrar as
duas economias em um mercado comum11 de maneira gradual e flexível, permitindo que as
empresas se adaptassem às novas regras e também à nova estrutura competitiva. Essas
negociações foram acompanhadas pelo Uruguai, convidado a participar do processo de
integração dos países da região. Segundo Vidigal (2007), esse processo integracionista
caracterizou uma reconfiguração geopolítica sul-americana onde a dimensão econômica
estava em um lugar especial. Por fim, estava lançado o processo do qual surgiria o Mercosul
cinco anos mais tarde. Ressalta-se que o ponto de mudança do tratamento do tema integração
regional que anteriormente era impulsionado por aspectos de rivalidade e de diferenciação
atingiu um novo ponto com a conformação de interesses com o principal vizinho, a Argentina
principalmente no aspecto econômico. De acordo com Alcides Costa Vaz (2002) no período
da presidência de Sarney (1985 - 1990) e Alfonsín (de 1983 a 1989) houve um período de
convergência política entre Brasil e Argentina, no que tange principalmente a busca da
democracia, tendo em vista que ambos os países faziam uma transição para a democracia após
um longo período de governos ditatoriais e o desafio de adaptar a política externa.
Bernal Meza (1999) relata que o contexto internacional da época se identificava pelo
momento final da Guerra Fria, pela globalização financeira, por um acelerado processo de
globalização e pela regionalização da economia política mundial. Nesse sentido, Alcides
Costa Vaz (2002) ressalta que Argentina e Brasil se esforçaram para se adaptar às condições
internacionais e estabelecer políticas externas próprias.
3.2 Mercosul e a integração regional
Segundo Bernal Meza (2002), o regionalismo é um processo composto por forças que
trazem para o centro e que tendem a integrar em uma mesma região países próximos e
economicamente complementares, principalmente no que diz respeito à acumulação de
recursos e ao aumento das dimensões do Mercado. Nesse sentido, cabe destacar que a
10
11
Prazeres (2006)
Vidigal (2007)
8
América Latina é composta por Estados não homogêneos, com diferentes capacidades e os
Estados que a constituem se relacionam de forma não regular.
Nesse sentido, Accioly (2004) relaciona, no contexto de estados nacionais, uma
sociedade com uma estrutura horizontal onde os estados soberanos são igualmente poderosos.
Por sua vez, uma comunidade internacional limita a soberania de cada Estado. Para a autora,
surge desse partilhamento a possibilidade de integração.
Ao se tratar de estados nacionais, há um continuum transitório entre uma estrutura de
sociedade e uma de comunidade. Rumo à estrutura de comunidade, à luz do que já foi
discutido, deve haver uma crescente abdicação da soberania dos Estados. De uma estrutura
societária, algumas etapas rumo à comunização descritas pela literatura são: zona de livrecomércio, união aduaneira, mercado comum e, por último, a união econômica e monetária.
Dentro dessa escala, o primeiro grau compreende uma zona de livre-comércio.
Segundo Accioly (2004), esse tipo de acordo diz respeito à extinção de tarifas entre os países
integrantes. Nesse caso, cada país ainda pode ter suas próprias políticas tarifárias externas,
podendo cobrar diferentes tarifas sobre produtos importados das diversas origens. Há ainda de
se perceber que, dentro de uma zona de livre-comércio, deve existir um sistema para
discernimento de origens dos produtos. Isso advém do fato de os países integrantes poderem
internar produtos a custos diferentes em decorrência dos diferentes regimes tributários. No
caso do Mercosul, a discriminação de origem dá-se por vias da mensuração do valor agregado
em um estágio da produção do item em questão.
Rumo ao status de comunidade, o próximo passo na escala é o da união aduaneira.
Esse acordo uniformiza, além das tarifas internas, também as tarifas praticadas em relação às
importações de países fora do bloco por meio de uma lista. Em termos de integração, os
países-membro do tratado permitem a livre circulação não só de suas próprias mercadorias,
como também a das importadas. A lista de tarifas externas comuns (TEC) aprovada para o
Mercosul tem média de 12%, variando de zero a 35% e com alíquotas crescentes ao longo das
cadeias produtivas12 na direção dos bens finais.
Conforme discutido anteriormente, o Mercosul é uma tentativa de criação de um
mercado comum na região da América Latina. Em seu atual estágio, porém, ainda não detém
todas as características de uma união aduaneira.
12
Kume e Piani (2005).
9
Kume e Piani (2005) atribuem isso à existência de uma lista de exceções à Tarifa
Externa Comum, que possibilita os países-membro conduzirem movimentos unilaterais de
aumentos de tarifas para países extra-Mercosul. Essa lista permite que um país possa cobrar
uma tarifa diferente da TEC, caso haja argumentos macroeconômicos que sustentem essa
mudança. Portanto, ainda que seja evidente o esforço rumo à integração regional, os paísesmembro ainda requerem certo espaço para levar a cabo suas próprias políticas comerciais,
decorrente das diferenças estruturais de cada economia.
O próximo passo na escala da integração é o do mercado comum. Nesses acordos,
permite-se a livre circulação não só de mercadorias (independentemente de suas origens), mas
também de pessoas, serviços e capitais. Isso significa que em mercados comuns, um cidadão
de um país-membro pode não apenas mover-se livremente entre os Estados participantes, mas
também residir lá e exercer suas atividades econômicas13. Por sua vez, a mobilidade de capital
significa que não há empecilhos para comprar terras, investir em bens de capital e estruturas
físicas, transferir lucros, e assim por diante, sem que haja qualquer discriminação por origem
ou tributações diferenciadas.
O último passo na escala da integração regional, derivado dos processes anteriores de
integração, é a união econômica e monetária. Essa faz com que haja apenas uma moeda
circulando e, consequentemente, todos os países estejam sujeitos às mesmas políticas
monetárias. Portanto, requere-se a convergência econômica dos países-membro de modo a
torná-los menos heterogêneos nesse sentido e assim evitar que os objetivos das políticas
monetárias privilegiem alguns países em detrimento dos outros. Além do poder de controlar
uma faceta das finanças do país, os Estados participantes do tratado também perdem um
“símbolo do poder exclusivo do Estado soberano” 14, que é a sua moeda.
4. Resumo dos casos de defesa comercial no Mercosul
Nessa seção, serão apresentados resumos casos de uso de medidas de defesa comercial
por parte dos países integrantes do Mercosul. O objetivo é fornecer um panorama geral do que
aconteceu entre os anos de 1999 e 2012, com foco nos casos de antidumping.
13
Pode haver algumas exceções. No caso europeu, há restrições a jogadores de futebol (que não podem disputar
campeonatos mundiais por países que não sejam o de sua nacionalidade) e atividades que requerem bacharelados
muito regionalizados (como o bacharelado em Direito, por exemplo).
14
Cunha (1996)
10
A Tabela 1 descreve as investigações de defesa comercial iniciadas pelos países do
Mercosul no período de 1999 a 201215. Percebe-se que tanto o Brasil quanto a Argentina têm
a China como a maior origem investigada. Ainda, a abertura de investigações de países do
Mercosul contra países do próprio bloco evidencia fricções no processo de integração desses
Estados.
Tabela 1 – Investigações de defesa comercial entre 1999 e 2012 pelos membros do
Mercosul
País Exportador e País
Importador
Argentina
Brasil
China
EUA
França
Alemanha
Índia
México
Paraguai
Rússia
África do Sul
Coreia do Sul
Taiwan
Tailândia
Uruguai
Outros
Soma
Investigações de
salvaguarda
Total de investigações
Argentina
AD
0
33
62
8
0
4
10
3
1
2
7
12
7
5
2
52
208
CS
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
Brasil
AD
10
0
55
26
4
5
12
6
0
4
3
15
12
8
1
64
225
CS
0
0
0
0
0
0
4
0
0
0
0
0
0
1
0
2
7
Paraguai
Uruguai
Mercosul
AD
1
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
2
AD
2
0
1
0
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
2
6
AD
13
34
118
34
4
9
22
10
1
6
10
27
19
13
3
118
441
CS
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
CS
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
CS
0
0
0
0
0
0
4
0
0
0
0
0
0
1
0
2
7
5
3
0
0
8
213
235
2
6
456
Fonte: Bown (2012). Elaboração: COGCI/SEAE/MF
É notória a quantidade de investigações argentinas contra as exportações brasileiras,
totalizando 33 investigações antidumping, 15,86% do total, no período. Ao longo dos mesmos
anos, o Brasil abriu 10 investigações desse tipo contra a Argentina, 4,44% do total. O Uruguai
abriu duas investigações antidumping contra a Argentina (contra óleos comestíveis), e foram
15
A contagem é feita pela relação produto-país, ou seja, uma investigação de um produto que possa ser
classificado em mais de um item da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) contra três países resulta em três
casos iniciados segundo a Tabela 1. Além disso, não foram consideradas as revisões de medidas aplicadas.
11
abertas três contra o país (duas por parte da Argentina, e uma do Brasil). O Paraguai abriu
apenas duas investigações antidumping no período, uma contra o Brasil e outra contra a
Argentina.
A Tabela 2 fornece um panorama das investigações antidumping iniciadas por cada
país do Mercosul no período de análise, separadas conforme a Classificação Nacional de
Atividades Econômicas (CNAE), versão 2.0, dos produtos objeto das investigações. Com
base nela, percebe-se que, tanto no Brasil quanto na Argentina, há mais investigações
antidumping iniciadas contra produtos enquadrados no código 20 (que compreende produtos
químicos), que em qualquer outro.
Por outro lado, Argentina e Brasil divergem muito na distribuição das investigações.
Enquanto no Brasil 66,7% das investigações abertas foram contra produtos químicos,
metalúrgico e de borracha e plásticos; as investigações argentinas concentraram-se em
produtos têxteis, químicos, metalúrgicos, e de metal (incluindo maquinário e equipamentos).
No Paraguai, houve uma investigação contra produtos químicos e outra contra produtos de
minerais não-metálicos. Por fim, 66,7% das investigações antidumping uruguaias cobrem
produtos alimentícios e máquinas, aparelhos e materiais elétricos e as outras medidas estão
enquadradas nas divisões 23 e 24 da CNAE 2.0.
Berlinski et al. (2006) afirmam que os produtos químicos constituem uma situação
mais próxima ao dumping estrutural de longo prazo. A razão para isso é que os grandes
produtores mundiais, concentrados nos Estados Unidos e Europa, possuem capacidade
produtiva instalada superior à necessária para atender a suas demandas domésticas. Portanto,
a exportação a preço de dumping é a solução do problema de maximização de lucro dessas
empresas.
O resto dessa seção abordará cada país separadamente, resumindo brevemente sua
legislação sobre defesa comercial e detalhando as investigações iniciadas e medidas tomadas.
12
Tabela 2 - Quantidade de investigações antidumping, por classificação da CNAE 2.0, entre 1999 e 2012
Divisão da
CNAE 2.0
8
10
13
14
15
16
17
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
Denominação da divisão
Extração de minerais não-metálicos
Fabricação de produtos alimentícios
Fabricação de produtos têxteis
Confecção de artigos de vestuário e acessórios
Fabricação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos para
viagem e calçados
Fabricação de produtos de madeira
Fabricação de celulose, papel e produtos de papel
Fabricação de produtos químicos
Fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos
Fabricação de produtos de borracha e material de plástico
Fabricação de produtos de minerais não-metálicos
Metalurgia
Fabricação de produtos de metal, exceto máquinas e equipamentos
Fabricação de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e
ópticos
Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos
Fabricação de máquinas e equipamentos
Fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias
Fabricação de outros equipamentos de transporte exceto veículos
automotores
Fabricação de móveis
Fabricação de produtos diversos
Brasil
Argentina
Paraguai
Uruguai
1
6
14
0
0
3
16
1
0
0
0
0
0
2
0
0
2
1
0
0
1
14
82
3
25
13
43
7
5
11
37
0
13
11
33
17
0
0
1
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
1
1
0
1
5
0
0
2
1
0
18
18
4
0
0
0
2
0
0
1
3
0
0
0
9
1
11
0
0
0
0
Fontes: Bown (2012) e IBGE. Elaboração: COGCI/SEAE/
13
4.1 Argentina
A legislação específica em matéria de dumping, salvaguardas e direitos
compensatórios na Argentina atualmente é constituída pela Lei 24.425 e pelos Decretos
766/94 e 1.326/98. Em relação ao procedimento administrativo geral, a regulação é feita pela
Lei 19.549 e por seu Decreto Regulamentário 1.759/7216.
Em setembro de 1992, pela Lei 24.176, a Argentina aderiu aos códigos multilaterais de
conduta para a aplicação de medidas antidumping e de direitos compensatórios acordados na
Rodada Tóquio da OMC. Dois anos mais tarde, a Lei 24.425 colocou o país a par das
negociações da Rodada Uruguai, ampliando a legislação sobre medidas comerciais. O decreto
766/94, que regulamenta a Lei 24.425 criou a Comisión Nacional de Comercio Exterior
(CNCE), uma divisão encarregada do estudo dos efeitos da competição internacional na
produção argentina. Por fim, o Decreto 1.326 regulamenta o processo pelo qual se peticiona
uma investigação de defesa comercial, como ela deve ser conduzida e os critérios para
determinação de medidas provisórias e definitivas, compromissos de preços, e direitos
antidumping.
No período de análise, foram iniciadas 208 investigações antidumping, 5 investigações
de salvaguarda e nenhuma de medidas compensatórias pela Argentina, conforme Gráfico 1.
Desse conjunto, 100% das investigações de salvaguarda resultaram em aplicação da medida
de defesa comercial, enquanto 71,43% das investigações de dumping tiveram o mesmo
resultado, retirados os casos que ainda estão sendo julgados.
O Gráfico 2 mostra as decisões finais das investigações de dumping no período
considerado. Até o dia 31 de dezembro de 2012, nenhuma das investigações iniciadas naquele
ano havia sido encerrada. Além disso, há uma quantidade significativa de investigações cujas
resoluções estão classificadas como “Outras” no ano de 2009. O motivo para tanto é a retirada
de vários processos investigatórios em decorrência da crise mundial, que levou à contração
das importações das origens investigadas e, ainda que houvesse exportações a preços de
dumping, a pequena quantidade seria insuficiente para causar danos à indústria doméstica17.
No geral, a maioria das investigações iniciadas resultou na aplicação de medidas de defesa
comercial.
16
17
Essa legislação também se aplica caso a Lei 24.425 e os Decretos 766/94 e 1.326/98 estejam incompletos
Resolución 9/2010, Resolución 508/2011, Resolución 136/2011, Resolución 144/2011
14
Gráfico 1 - Número de investigações de defesa comercial iniciadas na Argentina entre
1999 e 2012, separadas por tipo e ano.
40
35
30
25
Investigações de salvaguarda
20
Investigações antidumping
15
10
5
0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Fonte: Bown (2012). Elaboração: COGCI/SEAE/MF
Gráfico 2 - Quantidade de investigações antidumping encerradas pela Argentina, por
decisão final18.
35
30
25
20
Outros
Sem aplicação de direitos
15
Com aplicação de direitos
10
5
0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: Bown (2012). Elaboração: COGCI/SEAE/MF.
18
Importante observar que as informações do resultado das investigações em um determinado ano se referem às
investigações que foram iniciadas naquele ano.
15
A Tabela 3 mostra o comportamento do valor total das importações sujeitas a medidas
antidumping (AD) de 200719 a 2012 e o número de medidas antidumping por produto,
vigentes em cada ano.
Tabela 3 - Descrição das importações sob medidas AD na Argentina
Ano
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Valor total das
Número de
% em relação
importações sujeitas
medidas AD
ao valor total
a direitos AD (US$
em vigor
das importações
milhões)
30
689,15
1,54%
37
894,06
1,56%
52
940,96
2,43%
63
950,82
1,67%
71
2.225,84
2,99%
75
1.959,88
2,86%
Fonte: Sistema Aliceweb Mercosul. Elaboração: COGCI/SEAE/MF
Observa-se que o número de medidas antidumping em vigor pela Argentina aumentou
de 2007 a 2012, assim como o valor das importações sujeitas a direitos antidumping e sua
participação no valor total das importações em cada ano, alcançando 2,86% do total em 2012.
As Tabelas 4 e 5 descrevem mais detalhadamente os produtos químicos e metalúrgicos
alvos de investigações antidumping pela Argentina, pois foram os produtos mais afetados por
essa medida no período analisado. Como explicitado anteriormente, isso ocorre porque esses
dois grupos de produtos se encaixam na situação definida como dumping estrutural de longo
prazo. Contra o Brasil, foram iniciadas 9 investigações antidumping no período de 1999 a
2012; dessas, 5 são contra produtos metalúrgicos.
Em relação ao tempo de duração das investigações, percebe-se com os dados
fornecidos na Tabela 6, que o tempo médio aumentou entre 1999 a 2011, passando de 322
para 530 dias. A duração média das investigações antidumping abertas que resultaram na
aplicação de direitos manteve-se razoavelmente próxima de 510 dias ao longo do período
analisado.
19
O ano de 2007 foi tomado como base dadas as disponibilidades de dados no sistema AliceWeb Mercosul.
16
Tabela 4 - Descrição detalhada das investigações antidumping iniciadas contra produtos
metalúrgicos na Argentina entre 1999 e 2012
CNAE
2.0
24.2
24.3
Descrição
Brasil
Siderurgia
Produção de tubos de aço, exceto tubos
sem costura
Soma
China
África
Outros
do Sul
5
16
2
1
3
4
0
2
5
5
5
18
Fontes: Bown (2012) e IBGE. Elaboração: COGCI/SEAE/MF
Tabela 5 - Média e desvio padrão da quantidade de dias entre a abertura de uma
investigação e sua resolução final na Argentina (Em dias)
Ano
Duração média das
investigações
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
322,00
301,06
356,58
335,60
431,00
465,83
337,38
379,00
507,00
497,84
493,41
455,15
530,75
Desvio
padrão
Duração média das
investigações com
imposição de direitos AD
82,20
94,40
64,30
74,06
-20
163,73
122,36
179,13
21,41
61,16
92,57
84,83
17,13
480,06
551,00
543,00
385,71
431,00
548,11
448,43
548,33
552,67
525,78
543,41
519,00
549,00
Desvio
padrão
70,05
178,36
12,52
62,74
-14
2,26
223,79
3,61
8,02
51,27
43,48
86,21
2,65
Fonte: Bown (2012). Elaboração: COGCI/SEAE/MF.
4.2 Brasil
A aprovação da Ata Final da Rodada Uruguai dá-se no Brasil pelo Decreto Legislativo
Nº 30, de 1994. Por sua vez, a Lei nº 9.019/95 (modificada posteriormente pelo artigo 53 da
Medida Provisória nº 2.113/01) estrutura a aplicação dos direitos previstos no Acordo
Antidumping e no Acordo de Subsídios e Direitos Compensatórios da OMC. O Decreto nº
4.732/03 estabeleceu a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) que tem, dentre outras
funções, o papel de definir diretrizes de política comercial, fixar direitos antidumping e
20
Há apenas uma investigação aberta nesse ano.
17
Tabela 6 - Descrição detalhada das investigações antidumping iniciadas contra produtos químicos na Argentina entre 1999 e 2012
CNAE 2.0
Descrição
Brasil China EUA
Coreia
Índia
do Sul
Outros
20.1
Fabricação de produtos químicos inorgânicos
0
0
0
0
0
1
20.2
Fabricação de produtos químicos orgânicos
0
3
1
0
1
1
20.3
Fabricação de resinas e elastômeros
1
1
4
3
1
7
20.4
Fabricação de fibras artificiais e sintéticas
1
1
0
1
1
2
20.5
Fabricação de defensivos agrícolas e desinfestantes
domissanitários
1
2
0
0
2
0
20.7
Fabricação de tintas, vernizes, esmaltes, lacas e produtos afins
1
0
0
0
0
0
20.9
Fabricação de produtos e preparados químicos diversos
0
0
1
0
0
0
4
7
6
4
5
11
Soma
Fontes: Bown (2012) e IBGE. Elaboração: COGCI/SEAE/MF
18
compensatórios, provisórios ou definitivos, e salvaguardas; e formular diretrizes básicas da
política tarifária na importação e exportação.
O Decreto nº 30, de 199421, aprova o Acordo Antidumping, o Acordo sobre Subsídios
e Medidas Compensatórias e o Acordo sobre Salvaguardas, sendo os três também
promulgados pelo Decreto Nº 1.355/94. As regulamentações das normas relativas à disciplina
desses procedimentos dão-se pelos Decretos nº 1.602/94, 1.751/95 e 1.488/95 (sendo que esse
último tem alguns dispositivos modificados pelo Decreto nº 1.936/96).
Entre os anos de 1999 e 2012, foram iniciadas 225 investigações antidumping, 7
investigações de medidas compensatórias e 4 investigações de salvaguarda no Brasil. O ano
de 2012 foi o ano com maior número de investigações iniciadas, conforme Gráfico 3. Dessas,
o percentual de investigações antidumping que terminou com a aplicação de direitos foi de
41,52%. Em relação às investigações de medidas compensatórias, esse percentual alcançou
66,7%22; enquanto para investigações de salvaguarda foi de 50%23, conforme Gráfico 4.
Um primeiro olhar sobre o número de investigações iniciadas mostra uma tendência de
crescimento de um ano para outro a partir do ano de 2005, com quedas nos anos de 2009 e
2011. Há, nos anos de 2008, 2010 e 2012, grande participação de casos da China (com 26
investigações), Taiwan (com 9 investigações), Coreia do Sul e Estados Unidos (ambos com 8
investigações) totalizando aproximadamente 50% de todas as investigações abertas nesses
anos. Dentre os três tipos de investigação, 41,38% dos casos iniciados entre 1999 e 201124
tiverem decisões para aplicação da medida, 18,10% tiveram decisões pela não aplicação e
40,52% dos casos foram finalizados ou suspensos.
A Tabela 7 mostra que a parcela das importações sujeitas a medidas antidumping
aumentou de 2007 a 2012. Pode-se notar que tanto o número de medidas antidumping em
vigor quanto o percentual de importações sujeitas à imposição de direitos de defesa comercial
aumentaram.
21
Durante a produção deste artigo, foi aprovado o Decreto nº 8.058, de 26 de julho de 2013, que regulamenta os
procedimentos administrativos relativos à investigação e à aplicação de medidas antidumping. Este Decreto entra
em vigor em 1º de outubro de 2013.
22
Com exceção da investigação contra as NCMs 5509.32.00, 5509.61.00, 5509.62.00 e 5509.69.00, cujo
resultado ainda não foi definido e das investigações contra fios de viscose, cuja queixa foi retirada.
23
Com exceção da investigação contra a NCM 2204.21.00, cuja queixa foi retirada.
24
A data foi alterada, pois não haviam sido divulgadas a maioria das decisões referentes às investigações
iniciadas no ano de 2012.
19
Como observado na Tabela 2, os produtos mais afetados por medidas antidumping no
período analisado foram os químicos e metalúrgicos. 60% dessas investigações foram abertas
contra a Argentina, com aplicação de 10 medidas antidumping no período de 1999 a 2012. As
Tabelas 8 e 9 mostram de maneira mais desagregada o uso dessas medidas contra esses
produtos.
Gráfico 3 - Quantidade de investigações de defesa comercial iniciadas no Brasil entre
1999 e 2012, por tipo de medida comercial.
60
50
40
Investigações de subsídios
30
Investigações de salvaguarda
20
Investigações antidumping
10
0
Fonte: Bown (2012). Elaboração: COGCI/SEAE/MF
Gráfico 4 - Quantidade de investigações antidumping iniciadas no Brasil entre 1999 e
2012, por decisão final.
40
35
30
25
Outros
20
Sem aplicação de direitos
15
Com aplicação de direitos
10
5
0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: Bown (2012). Elaboração: COGCI/SEAE/MF.
20
Tabela 7 - Total das importações sujeitas a medidas antidumping e percentual
correspondente ao total das importações brasileiras.
Ano
Número de
medidas AD em
vigor
2007
2008
2009
2010
2011
2012
39
44
45
45
50
53
Valor total das
importações sujeitas a
direitos AD (US$
milhões)
610,33
1276,15
1366,77
2923,4
4358,13
4278,09
% em relação ao
valor total das
importações
0,51%
0,74%
1,07%
1,62%
1,93%
1,92%
Fonte: Sistema Aliceweb e Bown (2012). Elaboração: COGCI/SEAE/MF
Tabela 8 - Descrição detalhada das medidas antidumping iniciadas contra produtos
químicos pelo Brasil, entre 1999 e 2012
CNAE 2.0
20.1
20.2
20.3
20.4
20.5
20.6
20.9
Descrição
EUA
Fabricação de produtos químicos
inorgânicos
Fabricação de produtos químicos
orgânicos
Fabricação de resinas e elastômeros
Fabricação de fibras artificiais e
sintéticas
Fabricação de defensivos agrícolas
e desinfestantes domissanitários
Fabricação de sabões, detergentes,
produtos de limpeza, cosméticos,
produtos de perfumaria e de higiene
pessoal
Fabricação de produtos e
preparados químicos diversos
Soma
China
Coreia
Argentina Outros
do Sul
0
2
0
1
4
11
2
0
1
10
7
2
6
4
16
0
2
2
0
6
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
2
1
0
0
2
20
10
8
6
38
Fontes: Bown (2012) e IBGE. Elaboração: COGCI/SEAE/MF
21
Tabela 9 - Descrição detalhada das medidas antidumping iniciadas contra produtos
metalúrgicos pelo Brasil, entre 1999 e 2012.
CNAE
2.0
24.2
24.3
24.4
Descrição
Coreia
Taiwan Russia
do Sul
6
5
3
2
China
Siderurgia
Produção de tubos de aço,
exceto tubos sem costura
Metalurgia dos metais
não ferrosos
Soma
Outros
17
2
1
3
0
0
3
0
0
1
0
11
6
6
3
17
Fontes: Bown (2012) e IBGE. Elaboração: COGCI/SEAE/MF.
Em relação ao tempo de duração das investigações, percebe-se com os dados
fornecidos na Tabela 10 que o tempo médio de todas as investigações encerradas diminuiu
entre 1999 e 2011, passando de 382 para 325 dias. A dispersão manteve-se razoavelmente
constante, com exceção do ano de 2004, quando o desvio padrão chegou a 159 dias. Em
relação às investigações cujo resultado é a aplicação de direitos, a média passou de 480 para
549 dias, enquanto o desvio padrão varia muito conforme o número de casos iniciados.
Tabela 10 - Média e desvio padrão da quantidade de dias entre a abertura de uma
investigação e sua resolução final no Brasil.
Ano
Duração média
das investigações
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
382,6
283,13
273,59
333,75
308,25
269,25
196,67
314,17
248,38
306,96
318,11
321,61
325,20
Desvio padrão
44,98
85,71
85,14
66,34
82,93
159,35
95,03
56,69
68,33
42,19
60,31
68,36
70,69
Duração média
das investigações
com imposição de
direitos AD
514,22
539,50
506,20
479,00
466,00
547,33
-25
423,00
344,92
434,29
474,50
476,56
431,50
Desvio padrão
76,19
9,19
47,09
107,39
112,58
1,15
-18
83,36
100,01
68,07
58,01
67,81
156,27
Fonte: Bown (2012). Elaboração: COGCI/SEAE/MF.
25
Não houve, em 2005, nenhuma investigação aberta que foi encerrada com a aplicação de direitos antidumping
22
4.3 Paraguai
A legislação sobre medidas comerciais no Paraguai inicia-se em 1994 com a Lei nº
444/94. Essa incorporou as resoluções da Rodada Uruguai da OMC às leis do país,
fornecendo diretrizes aos processos investigatórios de antidumping, salvaguardas e de
medidas compensatórias.
Outro marco relevante na legislação paraguaia é o Decreto nº 15.286/96, que
estabelece aos Ministérios da Indústria e do Comércio e o Ministério da Fazenda os
responsáveis pela aplicação de medidos provisórios e definitivos dos três tipos de processo.
Cria-se também a Comisión de Defensa Comercial, uma comissão responsável por emitir
recomendações sobre os processos administrativos e sobre a aplicação de medidas.
No período analisado, o Paraguai aprovou apenas duas medidas antidumping. Segundo
Berlinski et al. (2006), a baixa utilização desse tipo de mecanismo de defesa comercial devese ao seguinte conjunto de fatores:
1. Os produtores nacionais não conhecem o sistema de defesa comercial e as
instituições responsáveis pelas investigações;
2. Não há possibilidade de aplicar medidas de salvaguarda contra os países do
Mercosul, de onde provém a maioria das importações paraguaias;
3. Para iniciar as investigações, as empresas têm de fornecer seus dados
contábeis ao governo;
4. As medidas de salvaguarda afetam as importações de todas as origens do
produto em questão; e as medidas compensatórias são respostas a subsídios
por parte de outros governos, devendo, portanto, ser tratado a nível de
governos;
5. Geralmente, os problemas de competição desleal são resolvidos por
mecanismos informais.
O primeiro caso com direitos antidumping aplicados é o da empresa Molino Asunceno
Alberto Heilbrun S.A. contra a Bayer Argentina S.A., resultando na aplicação de tarifas
específicas no valor de 69 centavos de dólar por unidade ao inseticida em aerosol Baygon
Verde Ultra e 43 centavos de dólar para a importação do Baygon Azul Ultra.
23
O segundo caso ocorrem em 2004, entre a Industria Nacional del Cemento e a
brasileira Companhia de Cimento Portland Itaú S.A.. O desfecho foi a aplicação de uma tarifa
específica no valor de 0,066 dólares por quilograma de cimento portland importado.
4.4 Uruguai
Em 13 de dezembro de 1994, o Senado e a Camara de Representantes da República
Oriental do Uruguai decretam a Lei nº 16.671/94, que incorpora à legislação uruguaia os
acordos alcançados na Rodada Uruguai da OMC. Considerando necessário que o país tivesse
um instrumento eficaz para conduzir investigações contra comércio desleal e neutralizar os
efeitos negativos incorridos pela indústria doméstica, o Decreto nº 142/96 delegou a
responsabilidade das investigações e aplicações de medidas antidumping a Dirección
Nacional de Industrias (ligada ao Ministerio de Industria, Energía y Minería) e a Oficina de
Programación y Política Agropecuaria (vinculada ao Ministerio de Ganadería, Agricultura y
Pesca).
Até o final de 2012, não se havia iniciado nenhuma investigação de medidas
compensatórias e de salvaguardas no Uruguai. Berlinski et al. (2006) atribuem isso a dois
motivos principais. Primeiramente, há mais requesitos formais para se iniciar uma
investigação de salvaguardas do que para se iniciar uma investigação antidumping. Em
segundo lugar, questões de interesse público podem terminar investigações de salvaguarda
ainda que todos os requesitos sejam verificados, levando o setor privado a evitar esse tipo de
requisição pelos riscos de prejuízo com os custos da investigação.
Há seis casos de antidumping julgados no Uruguai entre 1999 e 2012. Dois contra
produtos alimentícios, dois contra máquinas, aparelhos e materiais elétricos; um contra
produtos de metalurgia e um contra produtos de minerais não-metálicos. Dentre esses, três
acabaram com aplicação de direitos.
O primeiro caso que resultou na aplicação de medidas antidumping foi contra misturas
de óleos refinados embalados em recipientes com capacidade menor ou igual a cinco litros 26 e
envolveu a Compañia Oleaginosa Uruguaya Sociedad Anónima Industrial y Comercial e a
empresa argentina Aceiteria General Deheza S.A.. O caso resultou na imposição de uma tarifa
específica no valor de 13,6 centavos de dólar por litro de óleo importado.
26
A N.C.M. correspondente é 1517.90.10
24
O segundo caso com imposição de direitos está diretamente ligado ao primeiro. Os
exportadores argentinos passaram a comercializar óleo com o Uruguai sob as classificações
1507.90.11, 1515.29.10 e 1512.19.11. A nova investigação, iniciada em novembro de 2001
também resultou na aplicação de uma tarifa específica, no valor de 26 centavos de dólar por
litro.
O último caso com aplicação de direitos foi peticionado pela James S.A. e teve suas
investigações iniciadas em julho de 2010. Os produtos em questão são aquecedores de água
advindos da China sob a N.C.M. 8516.10.00. O caso acabou com a aplicação de uma tarifa
ad-valorem de 35%.
Os demais casos encerraram sem a aplicação de direitos seja porque o acordo acabou
com um acordo de preços, ou por motivos políticos (a exemplo das negociações com o
México acerca de um tratado de comércio preferencial).
5. Conclusões
As medidas de defesa comercial, por serem instrumentos que prejudicam a
concorrência internacional, podem eventualmente criar atritos entre países envolvidos em um
processo de integração. A exemplo do Mercosul, há 33 investigações da Argentina contra
produtos brasileiros e 2 contra produtos uruguaios, 11 investigações do Brasil contra produtos
argentinos, 2 do Uruguai contra produtos da Argentina e 2 investigações do Paraguai contra
membros do bloco. Como se argumentou, isso afasta o Mercosul em sua forma atual da sua
denominação de “união aduaneira” e, nas palavras de Kume e Piani (2005), o Mercosul é uma
“união aduaneira imperfeita”.
Berlinski et al (2006) já afirmavam ser improvável os países do Mercosul integrarem
suas legislações acerca de defesa comercial, uma vez que, para os autores, essa união deveria
resultar em um aumento nos requisitos para o início de investigações. Por essa ser umas das
poucas manobras unilaterais possíveis dentro do Mercosul, há pouco interesse em prosseguir
nessa linha.
Em suma, no período de 1999 e 2012 os países do Mercosul iniciaram 456
investigações de defesa comercial. Dessas, 96,71% são investigações de dumping. Contra os
membros do próprio bloco, houve no total, 50 investigações iniciadas. Na Argentina e no
Brasil, o percentual do valor das importações atingido por medidas antidumping em 2012 é de
25
2,86% e 1,92%, respectivamente. Em relação aos produtos contra os quais há mais
investigações iniciadas, esses são os produtos metalúrgicos e químicos, correspondendo a
aproximada 45% do total. Nota-se também um aumento no uso de medidas antidumping,
tanto pelo Brasil quanto pela Argentina, no período analisado, com destaque para o ano de
2012, quando houve um recorde no número de investigações iniciadas pelo Brasil.
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