R. Diogo Jácome 848
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Ano 8 • Nº 8 • Novembro/Dezembro • 2010
o conhecimento liberta e responsabiliza
a p r e s e n t a ç ã o
Comemoramos a 8ª edição da Revista com
especial orgulho, pois a temática que aborda
reflete sobre o cerne da ação pedagógica.
O que é uma escola? Mais uma agência
de socialização das crianças e dos adolescentes,
ao lado da família, dos meios de comunicação
e do círculo de amigos? E seu papel distintivo
se reduz a despejar informações para que
os alunos consigam a certificação burocrática
que lhes abra as portas do vestibular e, depois,
do mercado de trabalho?
Se assim for, a escola desempenharia – na
O entrevistado é um homem-orquestra pela sua
dimensão simbólica – o papel que os supermercados
formação acadêmica e por sua experiência
desempenham na dimensão econômica (prover de
profissional de administrador. Aborda o conceito
alimentos) e que os órgãos públicos desempenham na
de cultura do ponto de vista antropológico
dimensão política (regular a vida coletiva), de forma
(o que instrui nossa Agenda Cultural), insistindo
meramente utilitária.
na necessidade de posicionar-se no mundo,
A Móbile não se propõe a isso. Ela não treina
ou melhor, sobre a cultura como ferramenta
seus alunos para enfrentar exames pontuais, não
que confere aos homens sua própria identidade. Daí
burocratiza o conhecimento como se fosse um
deriva o imperativo de uma educação permanente que
conjunto de “dicas” a memorizar – pois, com o
não é apenas livresca, mas vivencial no sentido de
tempo, tudo isso se esvai –, não pretende “épater
conhecimento dos contextos históricos que iluminam
le bourgeois”, no caso, driblar os examinadores ou
obras e eventos. Danilo diferencia também a cultura,
impressionar os pais. A escola não pode ser o lugar
comumente
do oportunismo acadêmico.
ao definir a primeira como atividade que provoca
Eis por que os alunos da Móbile vêm sendo
reflexão, enquanto a segunda apenas diverte.
preparados para “ler e explicar o mundo”. Não
Isso nos leva diretamente a apreciar as práticas
são papagaios ou autômatos, mas sujeitos
educativas, versáteis e interdisciplinares, que
pensantes, capazes de análise crítica, cidadãos
a Agenda Cultural da Móbile indica. Verificamos,
que sabem se posicionar de forma inteligente
na
e autônoma diante dos eventos. Mesmo que mudem
transversal que permeia a grade curricular
os vestibulares, os exames estaduais ou nacionais, os
(na
alunos estarão sempre preparados, porque “formados”
E mergulhamos num Epílogo bastante revelador
e não apenas “informados”.
do professor de literatura e editor desta revista,
Recomendo neste preciso sentido duas coisas:
Wilton Ormundo, revelando a lógica que está
1) a leitura de uma entrevista instigante, de
por trás de nossa ação pedagógica.
excepcional riqueza conceitual, de Danilo Miranda,
Em sintonia com esses pensamentos, destaco
diretor regional do Sesc; e
na seção “Produções em Foco” a trajetória do
2) o panorama das atividades da Móbile que
enriquecimento dos repertórios dos alunos, desde os
a Agenda Cultural retrata.
anos da Educação Infantil até o Ensino Médio.
prática,
bela
confundida
o
que
expressão
com
é
de
uma
entretenimento,
aprendizagem
Danilo
Miranda).
Vejam os textos que professores escrevem:
crucial da orientação profissional. Mostra como
“Pequeninos e cheios de descobertas...” reflete
minimizar ou, se quiserem, administrar a ansiedade
sobre a percepção do outro, indispensável para o
que se apossa dos alunos que vão sair da Móbile
relacionamento; “Diálogos com leituras extraclasse”
e aventurar-se pelo mundo afora. Ainda na seção
analisa a formação de um leitor competente; “Jovens
“Reflexões”, convido o leitor a apreciar o “registro
cientistas” mostra como desenvolver um aprendiz ativo
eletrônico” da viagem que a professora Glorinha
do conhecimento científico, um sujeito cuja curiosidade
Martini fez ao Centro Europeu de Pesquisas Nucleares
valoriza experiências e vivências empíricas; “Vale do
(CERN). Nossa física foi selecionada, entre 260
Paraíba: cidades realmente mortas?” investiga o
candidatos, para representar o Brasil em um dos
apogeu e posterior declínio das cidades imortalizadas
maiores laboratórios de ciência do mundo.
na literatura de Monteiro Lobato.
No campo das resenhas e ensaios, destaco “Noel,
Outros textos merecedores de leitura são:
o Poeta da Vila”, do professor João Jonas Sobral,
“Alunos descobrem a arte do plantio” e
que, além de comemorar os 100 anos do nascimento
“Água: uso consciente – uso inteligente!”.
de Noel, presta uma precisa e tocante homenagem
São materiais que nos ajudam a ver que a educação não
a um extraordinário compositor, cuja poesia não só
pode ser deixada ao acaso. Educação não se improvisa.
revolucionou o samba, mas conferiu plena cidadania
Ela exige um planejamento cuidadoso ao longo dos
à vida cotidiana.
anos, que articule de forma consistente habilidades
Por fim, vale a pena ler a última seção da revista,
e conteúdos, competências e atitudes.
referente aos “Futuros Profissionais”. São textos
A Móbile se posiciona com clareza: dando as
escritos por dois ex-alunos do Ensino Médio, que
costas ao senso comum, quer alunos que saibam os
constituem um atestado brilhante de como uma
porquês. Isso significa alunos capazes de assimilar as
formação, que integra ciências naturais e ciências
razões que fundamentam os saberes e as regras de
humanas, torna os alunos mestres-artesãos, cultores
convivência social.
das palavras e do rigor científico.
Nesta discussão referente à ação pedagógica,
há um fecho de ouro: não deixem de ler
Tenham um excelente proveito!
“O que você vai escolher ser quando crescer?”,
do
professor
Blaidi
Sant’Anna,
diretor
do
Ensino Médio. Sua temática versa sobre a questão
MARIA HELENA BRESSER
Diretora Geral
í n d i c e
10
Entrevista
Danilo Miranda, diretor regional do SESC.
25
Especial
Arte na escola. Invenção e tradução de realidades.
41
Expressões & Impressões
Juventude no tablado. Alunos do 9º ano apresentaram a peça Errância, em Artes Cênicas.
49
Produções em foco
Pequeninos e cheios de descobertas...
Alunos descobrem a arte do plantio.
Água: uso consciente – uso inteligente!
A aprendizagem da língua inglesa em um projeto de imersão: Período Estendido.
A poesia lida e tecida por gente pequena.
Gaudí e os mosaicos.
Diálogos com leituras extraclasse.
O uso de gráficos e tabelas para a construção de argumentos.
Andy Warhol: Mr. America – Um olhar crítico para a Pop Art nas aulas de Inglês.
Vale do Paraíba: cidades realmente mortas?
Jovens Cientistas.
Um mundo repleto de formas.
117
Reflexões
Glorinha no LHC.
O que você vai escolher ser quando crescer?
Recriando o recreio.
145
Resenhas e ensaios
Noel, o Poeta da Vila.
O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish).
163
Perfil
Tobias Wolff – um mestre das narrativas curtas contemporâneas.
171
Futuros Profissionais
Perguntas nem tão fáceis.
MÓBILE
REVISTA DA MÓBILE
Direção Geral
Maria Helena Bresser
Editor
Wilton de Souza Ormundo
Direção Pedagógica
Textos
Cleuza Vilas Boas Bourgogne
Wilton de Souza Ormundo
Educação Infantil
Helena Samara
Ensino Fundamental
Cleuza Vilas Boas Bourgogne
Ensino Médio
Blaidi Sant'Anna
Colaboradores
EDUCADORES
Alexandre Fiori
Ana Christina Calderelli Nebó
Andrea Gonçalves de Oliveira Assumpção
Antônio de Freitas da Corte
Blaidi Sant’Anna
Carla Capato
Carla Pinto Retamales
Carolina Maia Lacombe
Cláudia Colla de Amorim
Denérida Brás Martins Tsutsui
Fernanda Campanhã Rodolfo
Flávia Bicudo Duran
Glorinha Martini
Hugo Carneiro Reis
João Carlos M. T. M. Neto
João Jonas Sobral
Juliana S. Doumen
Maria Cecília M. Suguiyama
Maria Cristina Portugal Godinho
Maria Helena Camarero
Maria Isabel Vieira de Camargo
Patrícia Bacchi
Paula A. Tonglet
Paulo Rogério Rodrigues
Robervânia de Araújo
Rogério Viana Gusmão
Silvia Helena de Camargo Madeira
Tatiana Almendra Garcia Pereira
Tatiana Nahas
Teresa Chaves
Wanessa Kelli e Silva Salvatore
Projeto gráfico e editoração
Fernando Alexandrino
Maialu Burger Ferlauto
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Arquivo Móbile
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Maialu Burger Ferlauto
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Gráfica Editora Aquarela
ALUNOS
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Gustavo Vencigueri Azeredo
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Julia Daudén
Juliana Chan Tcheou
Juliana Gomes
Letícia Toldi
Lia Volpi
Marcela Sauda
Marcelo Agápito
Mahya Baldacci
Nickolas Krokon
Rafael Coiro
Rafael D'Avila Gama
Rafael Falek Rejtman
Thamires Haick Martins da Silveira
Ulysses Baes dos Santos
Victor Kouak Buchaim
Victor Notari Cury
Vitor Alonso Fontelles
Preparação de textos
Juliana Massoni Pereira
Revisão
Ricardo Paulo Novais
ABCDE
FGHIJ
KLMN
OPQRS
TUV
Danilo Miranda
E
J
N
S
V
e n t r e v i s t a
Danilo dos Santos Miranda
é sociólogo, diretor regional do Sesc no estado de São Paulo há 26 anos e
um dos gestores culturais mais respeitados do país. Ele nos recebeu em sua
sala – em meio a quadros, livros, esculturas –, na sede administrativa do
Sesc, no bairro do Belenzinho. Tão logo chegamos, Danilo já nos explicou
que é estratégica a instalação da maior unidade do Sesc na zona leste de
São Paulo: “Esta é a maior região da cidade e precisa de centros de esportes
e de cultura à altura.” O sociólogo fluminense ingressou no Sesc em 1968
e nunca mais saiu dessa instituição. Responsável por projetos de peso na
área cultural, Danilo já foi seminarista, estudou Ciências Sociais, Filosofia,
Administração, Finanças e viajou para África, Ásia, Europa e América a fim
de estabelecer relações do Sesc com artistas estrangeiros de peso.
Para Danilo, cultura e educação são indissociáveis. Na entrevista
a seguir, ele nos fala sobre arte, entretenimento, cultura, formação escolar,
Antunes Filho, seu papel como presidente do comissariado brasileiro do
Ano da França no Brasil, em 2009, entre outros assuntos de relevância.
primordial para o ser humano. Desenvolver a
cultura significa educar-se, conhecer a si mesmo,
conhecer o mundo. Deslocar o conceito de cultura
para o campo do simbólico e das artes é apenas
uma parte, talvez a mais sofisticada, aquela
que diz respeito à capacidade do ser humano de
imaginar, sonhar, inventar, fantasiar, o que também
é muito importante. A cultura, todavia, não pode
Revista da Móbile – Na conferência intitulada
se prender somente às artes, aos espetáculos e
“Literatura e Direitos Humanos”, proferida
às manifestações do simbólico, porque ela está
pelo professor e crítico literário Antonio
ligada à vida do ser humano de modo geral.
Candido, ele defende que a literatura é um
A literatura, citada por Antonio Candido, é uma
direito humano e que, por isso, essa arte
das manifestações culturais mais significativas
deve ocupar o mesmo espaço de “artigos
porque traz tudo aquilo que o pensamento
de primeira necessidade”, como a saúde, a
humano já engendrou. Tenho convicção de que
alfabetização, a alimentação etc. De maneira
se nós tivéssemos na escola, de modo geral, uma
análoga, em relação à arte em geral, o
promoção efetiva da leitura, do interesse cultural,
senhor já afirmou que “a cultura é a única
do interesse pelas artes, o país seria outro.
saída efetiva que temos para educar o povo”.
Por que a cultura é encarada como “única
saída”? O que há nela que a faz ocupar
espaço tão privilegiado?
Danilo Miranda – A cultura é o campo de
interesse do ser humano que envolve suas relações
consigo mesmo, com o seu entorno e com o outro.
Essas três dimensões são amplas e dizem respeito
a tudo o que o ser humano produz, do momento
em que descobre, nos primórdios, que uma pedra
pode ser utilizada para quebrar um coco até a
sofisticação das viagens interplanetárias – tudo
isso é cultura. A cultura, no sentido amplo dessa
palavra, antropológico, se preferir, abrange uma
área vasta, por isso é um campo de interesse
15
DM – A cultura na escola não deve se restringir
apenas a eventos especiais. Ela deve ser um
elemento que perpassa todo o currículo dos alunos,
de maneira transversal. Os eventos culturais
fazem sentido e têm função educativa efetiva
somente quando deixam raízes e são resultados
de processos. A questão “ensinar”/“vivenciar”
16
RM – Em entrevista concedida a Gabriela
está diretamente ligada ao momento em que
Longman (Revista Cult, maio de 2010), o
vivemos: uma época marcada pelo bombardeio de
senhor afirmou que “cultura é educação
estímulos, informações, mídias que são colocadas
permanente”. O senhor também afirmou
à nossa disposição. A escola tem a função de
que, no Sesc, quando se fala em educação,
organizar o conhecimento e de selecionar toda
substitui-se a palavra “ensinar” por
essa informação de modo que a experiência
“vivenciar”.
entre
(vivência) seja contemplada. É importante que o
essas duas concepções de educação?
estudante não seja apenas informado. É necessário
O “vivenciar”, referido pelo senhor, coaduna
que ele penetre no universo daqueles que criam.
com a defesa que o professor Jorge Larrosa
Ao ler Machado de Assis – Dom Casmurro,
Bondía, da Universidade de Barcelona,
por exemplo –, o estudante deve entender a
faz da necessidade da “experiência”, no
realidade, o universo de um escritor que viveu no
ensaio “Notas sobre a experiência e o saber
fim do século XIX, num país que estava saindo do
Qual
a
diferença
de experiência”.
Império, da escravatura. Isso é vivenciar uma obra.
Para ler Guimarães Rosa, você precisa penetrar
Instit
uições
como
o SES
C dev
em ter
obriga
ções ed
ucativ
as
de ord
em pú
blica.
na experiência, precisa conhecer o que é o mundo
dos jagunços perdidos naquele interior
mineiro, no grande sertão, e entender
esse universo de uma maneira mais
profunda. Penso também que, brevemente,
surgirão especialistas em ensino que se
preocuparão com a qualidade da informação
que chega aos alunos de hoje.
entretenimento, mas cultura. Uma cultura que
toque, que faça, que chame a atenção, que
ponha no palco Simone de Beauvoir, na voz
de Fernanda Montenegro, falando da condição
feminina a mulheres pobres e ricas. E não se
desperta reflexão dos espectadores sem provocálos a pensar que existe outro mundo, que existe
RM – Para a defesa de uma programação
diversidade. O entretenimento, diferentemente,
televisiva, cinematográfica e teatral de baixa
visa tão somente a agradar uma maioria, buscar
qualidade – referimo-nos às produções que se
o banal, o absolutamente chapado, o claro, o
autointitulam ‘populares’ e de entretenimento
branco, a alegria superficial. Não acho honesto
apenas –, grandes produtores utilizam, muita
mostrar ao público um espetáculo que tenha uma
vez, como argumento, a disponibilização,
banalidade intrínseca e querer vendê-lo como
no mercado, de determinadas telenovelas,
uma ação cultural importante, por meio de um
filmes de ação e comédias porque o grande
financiamento com recursos públicos.
público não entenderia (e consequentemente
não gostaria de) produtos culturais mais
RM – Há, de fato, uma necessária separação
sofisticados e complexos. De que maneira
entre arte “reflexiva” e entretenimento?
o Sesc contraria esse tipo de argumento
Entretenimento pode ser arte? O cineasta
quando apresenta um monólogo sobre
Fernando Meireles, em entrevista à Revista
Simone de Beauvoir, interpretado por
da Móbile, na sétima edição, afirmou que sua
Fernanda Montenegro, ou Quartet, de Müller,
série Som e fúria, que tinha como pano de
dirigido por Bob Wilson?
fundo uma montagem de Macbeth e o universo
DM – A intenção do Sesc não é oferecer produtos
do teatro, não foi vista pela grande massa,
culturais complexos apenas aos espectadores
embora fosse bastante acessível, porque
chamados eruditos, bem-informados, ou àqueles
competiu com programas de baixíssima
economicamente bem aquinhoados. Oferecemos
qualidade, mas de grande apelo popular.
produtos culturais de qualidade a todos.
DM – Existe diferença entre arte e entretenimento.
Acredito que instituições como o SESC devem
Há, evidentemente, uma interpenetração desses
ter obrigações educativas de ordem pública.
dois conceitos porque grande parte do tempo
Buscamos apresentar ao grande público não
disponível do ser humano, quando voltado para
17
uma ação cultural de qualidade, também pode ser
visto como momento de lazer, de entretenimento.
A política do Sesc é buscar produtos de alto
valor cultural, educativo, provocativo, se preferir.
Buscamos inserir em nossa programação teatro,
música, dança, artes visuais que convidem o
espectador a pensar. O (sociólogo e pensador
francês) Edgard Morin defende que cultura que
RM – É a parte da vida dele em que não
não provoca não é cultura, é entretenimento.
cabe modéstia.
DM – Exatamente, no teatro ele deita e rola...
18
RM – De que maneira o trabalho do CPT
(Centro de Pesquisas Teatrais, criado em 1982),
RM – Então há vaidade nele, no sentido
dirigido por Antunes Filho, figura que o senhor
artístico?
denomina um “asceta do teatro”, dialoga com
DM – Sim, ele é muito vaidoso em seu teatro.
a proposta do Sesc de oferecer teatro de
Ele é um criador autêntico, um homem que
qualidade a todo e qualquer público?
estabelece um encontro raro entre a realidade e a
DM – Antunes Filho é um asceta do teatro, um
sua forma de fazer arte.
homem que está a serviço permanente da arte.
Felizmente, ele não é o único no Brasil. Zé Celso
RM – As produções do Grupo Macunaíma,
(José Celso Martinez Correia – fundador do Teatro
dirigido por Antunes Filho, e do Centro de
Oficina) também tem essa característica. O teatro
Pesquisas Teatrais têm alcance entre o
é a vida do Antunes. Ele vive de maneira modesta,
espectador médio? As pessoas entendem o
diverte-se de maneira modesta, viaja de maneira
que Antunes propõe?
modesta, ele tem toda a sua vida estruturada de
DM – A arte não precisa, necessariamente,
maneira modesta, mas seu teatro não.
expressar uma mensagem que seja claramente
alcançada por todos os receptores, embora eu
saiba que, do ponto de vista estético, a arte é uma
manifestação humana que só se completa com sua
expressão pública, com a presença de alguém que
a contemple...
RM – Do receptor?
DM – Exatamente. É necessária a existência de
um receptor na arte, mas a mensagem expressa
por ela não precisa ser clara e definida (como
ocorre com os objetos de mero entretenimento).
A arte sempre manifesta uma posição, um
RM – Talvez Antunes Filho questione um
pensamento, e o Antunes faz isso de uma forma
país que condena uma figura que tanto o
absolutamente extraordinária. A arte dele dialoga
enaltece, como é o caso de Policarpo
de maneira fantástica com a realidade que está à
Quaresma, personagem central do romance
nossa volta. Ele busca em sua pesquisa estética
de Lima Barreto.
peças, autores que casem com o momento atual.
DM – É verdade. Antunes também apresenta (ou
Um exemplo disso é a adaptação teatral feita por
reapresenta) ao público do século XXI Lima Barreto,
ele (e em cartaz em 2010 no Sesc) do (romance
autor importante da literatura brasileira, negro, não
pré-modernista) Triste fim de Policarpo Quaresma,
tão distante de Machado de Assis, mas que não teve
de Lima Barreto, obra que discute o ufanismo de
a mesma dimensão, charme e projeção do Bruxo do
uma figura ingênua, visionária, que acredita no
Cosme Velho. Antunes tem essa capacidade de
país de uma forma exagerada, cega, engraçada.
renovação. Desde que ele veio para o Sesc, e já faz
Com essa montagem, Antunes coloca as pessoas
quase trinta anos que isso aconteceu, trouxe para
para pensar, para refletir sobre o que se quer do
nossa instituição a possibilidade de cumprir melhor
Brasil. Ele questiona quais as perspectivas que
seus objetivos porque ele, por meio de sua arte
temos pela frente como nação.
inquietante, propõe, discute, bota o dedo na ferida
das mazelas brasileiras.
É obr
igação
da TV
fazer
a socie
dade r
de for
efletir
ma crí
tica.
19
RM – O que o senhor pensa a respeito dos
mecanismos utilizados hoje para captação
de recursos para a área cultural no Brasil?
Refiro-me à lei Rouanet, ao Proac etc.
DM – A ação cultural de caráter público tem de
20
ser liderada e assumida pelo Estado, mas não
RM – Outro entrevistado da Revista da
controlada e determinada por esse poder. Esse
Móbile, o professor da ECA/USP Arlindo
tipo de ação deve ser coordenado, incentivado e,
Machado, afirmou que o papel da TV não é
muitas vezes, financiado e fomentado pelo poder
o de educar seus telespectadores. O senhor,
público. Por ser de interesse público, é obrigação
ao contrário, defende que as redes de
do Estado preservar, manter, estimular instituições,
televisão e as emissoras de rádio brasileiras,
organizações, pessoas, grupos, todo o tipo de
por serem concessões públicas, devem
agente que tenha por objetivo produzir cultura.
obrigatoriamente assumir uma “perspectiva
Aliás, penso que a coisa toda é mais ampla.
educativa” em suas grades.
Uma escola, por exemplo, precisa ter alguma
DM – Com todo o respeito, eu discordo do Arlindo.
ação pública e não somente ações privadas.
A TV, de fato, não tem obrigação de educar no
Os meios de comunicação, porque assinam um
sentido escolar, mas de promover aquilo que
documento de concessão pública, não podem visar
denomino “educação permanente” – processo
somente ao lucro e resultado financeiro, business,
pelo qual o indivíduo, desde o momento em que
o interesse público deve também estar presente.
respira pela primeira vez fora do útero materno,
Numa sociedade complexa como a nossa devem
começa a ter contato com a realidade à sua volta,
existir leis e mecanismos dos mais variados de
começa a ver coisas, distinguir vozes, pessoas, até
incentivo à arte para a população. Certamente, eu
o momento em que se torna autônomo. Com isso,
apoio as mudanças à Lei Rouanet quando ligadas
não defendo que as emissoras transformem-se em
ao aumento da vinculação desse mecanismo de
televisões-escolas permanentes. A TV – por ser
financiamento com o interesse público.
uma concessão pública – tem o dever de trabalhar
com a informação com competência, exatidão;
informação que eduque, no sentido amplo desse
termo. Uma das formas de educar é por meio
do esclarecimento. É obrigação da TV fazer a
sociedade refletir de forma crítica.
RM – Mas não há o risco de se
criarem mecanismos oficiais de
regulação da programação televisiva,
muito próximos daquilo que representou, na história recente, a censura aos
meios de comunicação de massa?
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p
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S
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Estado
DM – Veja bem. Defendo que, por ser uma
concessão pública, a TV não pode restringir seu
papel educacional à veiculação, de madrugada,
de meia dúzia de aulas. Penso que a sociedade
e o próprio mercado devem fazer o papel de
reguladores da programação televisiva. Há
mecanismos e comissões, até mesmo no meio
publicitário, que discutem ética na veiculação de
anúncios. Esses mecanismos de regulação devem
ser de responsabilidade da sociedade e priorizar o
interesse público.
RM – Em 2009, o senhor atuou como presidente
do comissariado brasileiro do Ano da França
no Brasil. Quando se fala em incentivo à
cultura, qual a diferença básica entre a
política cultural brasileira e a adotada pelos
franceses?
DM – Os franceses têm muito mais recursos
públicos destinados à área cultural do que nós. A
cultura na França tem um papel bastante importante
na economia. A França é um país que reúne um
parque cultural fantástico, com seus museus,
edifícios históricos... Há museus mantidos pelo
em toda a
parte e não somente em
Paris ou em Lion. Na França, há uma política
imensa voltada para a cultura de modo geral:
música, teatro, dança, festivais especializados.
Há cultura em cada pedaço da França. Em
Montpellier, por exemplo, há dança; teatro, em
Lion; teatro de rua, em Nice... Há espaço para a
música contemporânea, música antiga, música
nova, música barroca. Os franceses consomem
muito tudo isso. Um dos maiores museus do
mundo está na França e atrai público do mundo
inteiro para ele permanentemente. Isso mostra a
dimensão econômica do turismo cultural. Trata-se
de uma das mais importantes fontes de receita da
França. Não há como comparar, nesse ponto de
vista, a França com o Brasil.
21
RM – O que representou, afinal, o Ano da
França no Brasil, realizado em 2009, se
22
temos realidades tão antagônicas do ponto de
vista cultural?
DM – O Ano da França no Brasil não teve enfoque
cultural apenas. Houve também enfoque econômico,
social, político, diplomático. A França, como o Brasil,
é feita de contradições. Vive, por exemplo, o problema
da intolerância, da dificuldade de convivência com os
povos que vieram depois do refluxo do processo
colonizatório. A França reúne diversidade étnica,
religiosa, política, social e cultural como o Brasil.
Foi importante o evento porque há uma proximidade
grande entre nós e eles. A França é o maior país
latino do Hemisfério Norte e nós somos o maior país
latino do Hemisfério Sul.
RM – O senhor construiu uma carreira
acadêmica bastante diversificada. Já esteve
em um seminário, estudou Filosofia, Ciências
Sociais, depois, em 1968, ingressou no Sesc,
de onde não saiu mais. De que maneira a
escola
contribuiu
para
sua
formação
e carreira?
DM – A escola contribuiu muito. Eu sou proveniente
de uma educação bastante cuidadosa. Estudei num
colégio jesuíta, em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro.
Fui interno, por isso houve dedicação total de minha
parte aos estudos. Eu participava do coral, tinha aula
de música, praticava esportes. Depois, além de todas
as disciplinas obrigatórias, participava de atividades
práticas como cuidar de um canteiro, de uma horta,
atividades ligadas aos trabalhos manuais. Família
inteiro de Beethoven e depois discutia, debatia,
para mim era somente nas férias. Estudei num
entendia o que era uma sinfonia. Também ouvia
colégio interno, orientado para a perspectiva de
com interesse a música popular brasileira.
uma formação integral. Tínhamos aula de latim e
Os grêmios estudantis trouxeram um viés político
de grego. Sei que isso é antigo e ultrapassado, mas
para minha formação. Os anos 1960 trouxeram
havia em minha escola a publicação de quadros de
para minha vida a Estética, São Tomás de Aquino,
excelência toda semana; todo mês eram divulgadas
Aristóteles. Estudei ainda finanças, marketing
as notas dos melhores alunos. Sou fruto disso.
e outras ferramentas importantes para minha
Depois, quando decidi que seria jesuíta, estudei
função atual.
Filosofia e Letras de maneira profunda. Tenho,
portanto, uma formação humanista muito forte: Artes,
RM – O senhor parece ter unido de maneira
Filosofia, Ciências Sociais. Em 1968, entrei no Sesc e
bastante eficaz formação acadêmica e
mergulhei no campo específico da Administração.
autodidatismo.
Inicialmente, eu atuava na área de Recursos
DM – Minhas leituras independentes, meus anos
Humanos e treinamento. Mais tarde, ingressei em
universitários, agregados à militância estudantil, ao
Administração, na Fundação Getúlio Vargas, e fui
cinema e às artes em geral fundamentaram minha
para a Suíça fazer um curso complementar, de pós-
formação. O (sociólogo da USP) Florestan Fernandes
graduação nessa área. Minha formação acadêmica é
afirmava, a propósito das possibilidades de formação
sólida no campo das artes e das humanidades, latim,
em sua época de estudante, e que identifico como
grego, idiomas, literatura comparada. Além disso
similar durante meus anos iniciais, que a situação
tudo, eu assistia a muitos filmes. Sou da época do
cultural brasileira predispunha a uma espécie de
cineclube, início dos anos 1960.
autodidatismo aqueles que quisessem conhecer e
aprender mais, principalmente por essa dificuldade
RM – Época de um “cinema-arte”, preocupado
que existia naquela época de acesso aos conteúdos.
com as questões sociais.
Quando havia curiosidade intelectual, fazia-se um
DM – Mergulhei no Cinema Novo brasileiro, na
grande esforço para comprar ou obter livros e
Nouvelle Vague francesa, no Realismo italiano...
revistas significativas com amigos, conhecidos ou
O cinema foi muito importante para a minha
nas bibliotecas, que eram bem poucas.
formação intelectual. Além disso, aos domingos,
no fim da tarde, eu assistia espontaneamente a
concertos nas salas de cinema. Ouvia um concerto
23
e s p e c i a l
Arte na escola:
invenção e tradução
de realidades
Móbile investe em agenda cultural rica e diversificada como parte de suas ações pedagógicas.
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
Mais do que apresentar o sujeito como um ser cindido, marcado pelos
paradoxos “ser ‘todo mundo’ e ao mesmo tempo ‘ninguém’”, “desejar
ser ‘multidão’ e também ‘solidão’”, “‘pesar, ponderar’, mas ‘delirar’”,
o poema “Traduzir-se”, de Ferreira Gullar, sugere que a existência
humana é caracterizada pelo desejo da plenitude, pelo “to be and
not to be”, pelo conflito. O homem, segundo nosso maior poeta
vivo, busca a solidez (“almoça e janta”), mas também deseja
o imponderável, a surpresa, aquilo que não se pode prever,
controlar, o “de repente”. A convivência desse lado humano
“vertigem” (pulsional) só encontra possibilidade de tradução
pela “linguagem”, pela arte.
Mas por que, afinal, iniciar um texto sobre agenda cultural escolar
citando “Traduzir-se”, do poeta octogenário Ferreira Gullar? Talvez
porque a escola – única instituição organizada de maneira formal
em torno da função de divulgar o conhecimento humano –, ou melhor,
talvez porque a Móbile assuma para si a responsabilidade de dar conta
de um sujeito complexo que necessita aprender sobre as leis naturais que
regem o mundo, o micro e o macro presentes na natureza, a linguagem dos
30
números e das letras (que traduzem a vida), a política e seus meandros,
mas também que é um sujeito que “se espanta”, que é ”fundo sem
fundo”, “solidão”, “delírio”, que é “linguagem”.
A Móbile atribui à arte a função de lidar com esse homem que
também é caos. Em consonância com o crítico literário Antonio
Candido, que defende que a literatura deve ser vista como um
direito humano porque organiza o caos, a Móbile credita à Arte
o poder de traduzir em linguagem estética as inquietações das
crianças e dos adolescentes que vivem grande parte de sua
existência Entre les Murs da escola. Para isso, organiza uma
agenda cultural bastante diversificada, realiza eventos especiais
como a Mostra de Artes e a Mostra Literária, divulga formalmente
eventos culturais externos por meio de boletins impressos e de
seus portais eletrônicos, além, é claro, de inserir arte nos conteúdos
programáticos das diversas disciplinas que compõem o currículo escolar.
Agenda cultural
Conceber a arte com uma função tão fundamental para a aprendizagem dos
alunos exige o planejamento de uma agenda cultural inserida no cotidiano
escolar de maneira organizada, harmônica e estratégica.
Essa organização prévia da agenda cultural confere à arte um espaço
privilegiado na escola à medida que não a reduz a um saber “acessório”.
Da mesma maneira que os alunos têm horários específicos para participar
de oficinas de Língua e Produção de Texto, de plantões de Matemática,
Geografia, Filosofia, Física etc., de aulas avançadas, eles têm garantido um
tempo para fruir cinema, teatro, além de poder participar de palestras sobre
variados assuntos que contribuem para sua formação intelectual.
A seguir, apresentamos alguns dos projetos que compõem a agenda
cultural da Móbile:
Cinema na Móbile
Esse ciclo especial dedicado à sétima arte existe há sete anos. Nele, os alunos
aprofundam seu olhar sobre cinema por meio da apresentação bimestral, no auditório,
de um filme seguido de debate com um especialista. Privilegia-se, no ciclo, a
discussão das especificidades da linguagem do cinema, como enquadramento,
flashback, ângulos de câmera, cena, ação, tomada, sequência, lógica de
montagem. Dessa forma, os filmes ganham primeiro plano e não são reduzidos,
como comumente ocorre, a meros enredos ilustrativos de assuntos tratados em
sala de aula pelos professores. Cada ciclo é dedicado a um tema.
O Cinema na Móbile de 2010, por exemplo, é dedicado aos grandes diretores
contemporâneos e apresentou aos alunos Woody Allen, Pedro Almodóvar, Ridley
Scott e Quentin Tarantino, por meio, respectivamente, de seus filmes Match
point, Mulheres à beira de um ataque de nervos, Alien – o oitavo passageiro e
Pulp Fiction.
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Para os alunos que querem se aprofundar no estudo dessa arte, a Móbile também oferece o curso
opcional Introdução ao Cinema, que visa à produção de curtas-metragens.
Assista aos três filmes produzidos pelos alunos durante o curso de Introdução ao Cinema,
no primeiro semestre de 2010. Esses curtas estão disponíveis no site Youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=jYi9wf-mdCM http://www.youtube.com/watch?v=esPT35JJnoU
http://www.youtube.com/watch?v=HJPS9VhFAz4
Cinema (fora) da Móbile
O ciclo Cinema na Móbile possibilita o contato dos alunos com as especificidades da arte
cinematográfica; entretanto, nada substitui a exibição de um filme numa sala de cinema “profissional”, com
som de alta qualidade e pipoca (eventualmente). No projeto Cinema (fora) da Móbile, os alunos assistem
a um filme e depois participam de um debate exclusivo com seus criadores.
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Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi, de As melhores coisas do mundo, e Breno Silveira, de Era uma vez, foram
cineastas que apresentaram seus filmes aos alunos da Móbile e depois discutiram seus processos de
produção e criação.
Mostras especiais
Na Móbile, são realizadas duas grandes mostras de trabalho intercaladas – a Mostra de Artes
e a Mostra Literária:
Mostra de Artes – Essa mostra envolve todos os alunos do Ensino Fundamental da Móbile
e resulta de um projeto realizado na disciplina de Educação Artística. A Mostra de Artes visa
à aproximação cada vez maior do aluno de um fazer artístico, de um olhar estético, e à ampliação
do seu repertório cultural.
Na última Mostra preparada pela Móbile, apresentou-se à comunidade a exposição O tempo da terra... os
olhos da arte. Nela, o olhar dos nossos alunos voltou-se para o planeta Terra e focalizou, do ponto de vista
da arte, quatro momentos da história em que o Homem buscou compreender o lugar onde vive.
Essa exposição pode ser visitada virtualmente no endereço
http://www.escolamobile.com.br/o-tempo-da-terra-os-olhos-da-arte/
Mostra Literária – O prazer em apreciar a arte da palavra e o desejo de vislumbrar
um espaço especial para a literatura são os motes da Mostra Literária, que aconteceu
pela primeira vez em 2004. Durante o período dessa mostra bianual, a comunidade da
Móbile conta com uma multiplicidade de eventos: encontro com autores, contadores de
histórias, leituras dramatizadas, feira de livros, oficinas, exposição dos trabalhos dos alunos
e entrega dos prêmios aos vencedores do Concurso Literário, que já existe desde 2000. São
momentos em que olhares, das mais diversas idades, param para compreender as intenções
e as sensações sugeridas, valorizando o espírito do artista das palavras, que busca, a partir da
linguagem verbal, comunicar seus pensamentos, sensações, intuições e sentimentos.
Em 2010, o tema escolhido pela área de Língua Portuguesa como mote para a Mostra Literária
é o sonho, mais especificamente a frase do crítico literário e professor Antonio Candido:
“A literatura é o sonho acordado das civilizações.”
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Veja imagens do Concurso Literário de 2007 em: http://www.escolamobile.com.br/semana-literaria/
Conversas literárias
Nas conversas literárias são promovidos diálogos dos alunos com a literatura contemporânea.
Depois de lerem, nas aulas de Estudos Literários, romances, contos, poemas escritos
na contemporaneidade, os estudantes têm a oportunidade rara de conversar com os artistas
que produzem literatura.
Grandes nomes da cena literária brasileira como Milton Hatoum, Michel Laub, Beatriz Bracher,
Daniel Galera e Fabrício Corsaletti já estiveram no auditório da Móbile conversando com nossos
adolescentes sobre seu processo criativo. O professor de Estudos Literários do Ensino Médio,
João Jonas Sobral, é o “curador” dessas Conversas Literárias.
Exposições
Há muito já se sabe que o estereótipo de que um museu é um espaço em que são depositadas
obras de artistas importantes e “antigos” para contemplação passiva de visitantes é
equivocado. Também já se sabe que uma galeria não é um espaço em que obras de arte
caríssimas e inacessíveis são apresentadas a um público abastado.
A Móbile realiza visitas “contextualizadas” aos museus e galerias da cidade e propõe um olhar
“ativo” dos estudantes sobre o que veem. Alguns exemplos recentes podem ser conferidos a seguir:
Luiz Hermano – As crianças do Infantil 5 mergulharam no universo do artista plástico Luiz Hermano.
O estudo da vida e obra de artistas contemporâneos é um dos objetivos de trabalho na área de Artes do
Infantil 5. Depois de assistir a vídeos e de analisar obras de Hermano, as crianças visitaram a exposição
Rio de Contas, na Galeria Nara Roesler. Após esse mergulho no universo do artista cearense, cada turma,
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coletivamente, produziu uma escultura, utilizando arame, contas e materiais diversos.
Confira o registro desse trabalho na página: http://www.escolamobile.com.br/infantil-5-mergulhano-universo-de-luiz-hermano-e-produz-esculturas-de-arame-e-contas/
Hélio Oiticica – Ações educativas integradas às mostras de acervos estimulam o olhar e o prazer
estético, além de aproximar os alunos do repertório cultural dos museus da cidade. Pensando
nisso, o 3º e o 5º ano do Ensino Fundamental visitaram a mostra Hélio Oiticica – Museu é o
Mundo, exposta no Itaú Cultural. Na visita, os alunos conheceram e apreciaram desde as obras
que marcaram o início da trajetória do artista e que expressam as experiências concretas e
neoconcretas dele até aquelas que representam a síntese da obra de Hélio Oiticica, os chamados
“Parangolés”. Além disso, puderam navegar pelas pinturas em guache sobre cartão, saturadas de
cor e sem perspectiva, pelas placas de madeira suspensas e pelos “penetrantes”, que expressam a
intenção do artista em integrar a arte à experiência cotidiana.
Saiba mais: http://www.escolamobile.com.br/exposicao-helio-oiticica/
Arte Pré-Hispânica – A Pinacoteca do Estado de São Paulo recebeu os alunos do 9º ano
do Ensino Fundamental para visita à exposição Ouros de Eldorado: Arte Pré-Hispânica
da Colômbia. A mostra integra uma etapa de um trabalho desenvolvido na disciplina de
Espanhol. Depois de leituras realizadas sobre a chegada dos espanhóis à América e sobre
a relação do latino-americano contemporâneo com as civilizações pré-colombianas, os
alunos percorreram a exposição munidos de fichas de observação que, na fase final do
trabalho, serviram como roteiro da discussão proposta em sala de aula.
Saiba mais: http://www.escolamobile.com.br/visita-a-pinacoteca/
Museu Paulista – Os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental visitaram o Museu Paulista,
mais conhecido como Museu do Ipiranga. A visita teve por objetivo a análise de elementos que
contribuíram, no início do século XX, para a construção da ideologia de que haveria uma supremacia
de São Paulo sobre os demais estados brasileiros. Coordenados pela professora de História,
Monika Kuszka, os alunos observaram características arquitetônicas da fachada do prédio
do museu e seus jardins. No final da visita, os alunos se confraternizaram num piquenique
nos jardins do Parque da Independência.
Veja a visita: http://www.escolamobile.com.br/visita-ao-museu-paulista/
Profissão Fotógrafo – Orientados pela tarefa de produzir um Guia Cultural, produto final da
viagem de Estudo do Meio, os alunos do 6º ano tiveram como ponto de partida uma visita à
exposição Profissão Fotógrafo, no Museu Lasar Segall. Na exposição, foram apresentadas aos
alunos as obras de Horacio Copolla e Hildegard Rosenthal que, entre 1930 e 1940, retrataram
as cidades de São Paulo e Buenos Aires. Ao visitarem essa exposição, os alunos participaram
de uma oficina em que percorreram os caminhos que orientariam a produção de seu guia.
Nessa oficina, eles deveriam, associando a imagem presente nas fotos e a linguagem
persuasiva característica dos guias de turismo, confeccionar cartões-postais e escrever
mensagens que estimulassem o leitor a visitar e conhecer lugares, cidades, monumentos etc.
Saiba mais: http://www.escolamobile.com.br/fotografar-a-arte-de-capturar-o-instante/
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Teatro
As artes dramáticas estão presentes no cotidiano da Móbile em muitas frentes.
A multiplicidade de linguagens que caracteriza o teatro é ferramenta importante no processo
educacional e no exercício da alteridade. Além de “fazer teatro”, entretanto, é importante
que os alunos tenham contato efetivo com produtos culturais de qualidade em cartaz na rica
agenda de São Paulo.
O despertar da primavera, musical de Charles Müller e Claudio Botelho, Memória da cana,
tragédia encenada pelos Fofos, O colecionador de crepúsculos, de Vladimir Capella,
e O fingidor, de Samir Yazbek, foram espetáculos responsáveis por introduzir os alunos
no mundo de Frank Wedekind, Nelson Rodrigues, Câmara Cascudo e Fernando Pessoa,
em espaços teatrais importantes da cidade.
Projeto de Artes: teatro do 9º ano do Ensino Fundamental
Iniciado em 2000 pela professora de História do Ensino Fundamental Monika Kuszka, o projeto
do 9º ano, coordenado pelos professores Rogério Viana Gusmão (Português) e Guilherme Yazbek
36
(Artes/Teatro), levam os alunos a vivenciar coletivamente o processo de uma encenação teatral.
Em 2009, os alunos apresentaram o espetáculo Errância – vento da juventude, vem toda juventude.
Em 2010, a nova empreitada teatral envolve música, poesia, dança e artes dramáticas.
Consulte as imagens sobre a peça Errância em:
http://www.escolamobile.com.br/alunos-do-9%c2%ba-ano-apresentam-a-peca-errancia/
Leia sobre o projeto de teatro de 2009 do 9º ano nesta edição em Impressões e Expressões.
Projeto de Artes: teatro do 1º ano do Ensino Médio
Iniciado em 2007, o projeto do 1º ano do Ensino Médio trabalha numa perspectiva “essencialista”,
segundo a qual a arte, no caso o teatro, contribui de maneira singular, “única”, para a experiência
individual dos adolescentes. Autores como Vladimir Capella, Câmara Cascudo e Chico Buarque
já serviram de mote para as montagens propostas nas aulas.
Rita Pisano e Guilherme Yazbek são os educadores responsáveis pelo projeto teatral de 2010
que propõe a releitura dramática de contos de Clarice Lispector e Dalton Trevisan.
Encontros Filosóficos
Nos Encontros Filosóficos, o professor de Filosofia Felipe Teixeira e a professora de História
Teresa Chaves, ambos do Ensino Médio, convidam os alunos para, depois de apreciarem
uma peça teatral, filme ou exposição em cartaz, explorarem o espaço urbano de São Paulo
e participarem de um lanche coletivo em que se estabelecem diálogos entre os temas das
obras vistas e a Filosofia.
O filme Edukators, do austríaco Hans Weingartner, e a peça teatral Dias raros, do Teatro
da Travessia, inspirada nos contos do livro homônimo de João Anzanello Carrascoza, serviram
de motes para os Encontros Filosóficos promovidos em 2010.
Palestras
A agenda cultural da Móbile abrange um ciclo de palestras sobre diversos assuntos ligados às artes,
ciências, tecnologia, saúde, política, entre outros. Nesses eventos, especialistas são convidados
a discutir com nossos alunos temas variados, como Gripe A (H1N1), Acelerador de partículas (LHC)
e Questão Israel-Palestina. Na Móbile, há dois tipos de palestra: as de Complementação
e as de Ampliação Curricular. Estas acontecem no período vespertino ou noturno e tratam
de assuntos que visam à ampliação cultural dos alunos sem que haja conexão direta com as aulas.
Aquelas ocorrem no período matutino e estão necessariamente ligadas aos temas desenvolvidos
pelos professores em sala de aula.
Em 2010, por exemplo, a Pop Art de Andy Warhol foi apresentada, em inglês, pelo professor
de arte Kurt Stuermer Jr. Essa palestra de Complementação Curricular foi uma preparação para
uma visita promovida pela equipe de Inglês do Ensino Fundamental e Médio à exposição
Andy Warhol: Mr. America, na Estação Pinacoteca.
Parceria
A Móbile é uma escola parceira do Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM. Esse museu
coleciona, incentiva e difunde arte moderna e contemporânea brasileira. Por meio do setor educativo,
o MAM estabelece parceria com algumas escolas a fim de desenvolver projetos culturais e educacionais
que atendam aos conteúdos curriculares e artísticos e estimulem a formação cultural dos estudantes.
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O acordo de parceria com a Móbile prevê a formação contínua dos professores, visitas comentadas,
participação no Fórum de Arte e Educação, oficinas de arte no espaço da escola, acesso a
sites interligados e entrada gratuita para pais, alunos e funcionários em todas as exposições
organizadas pelo MAM.
Mais informações no site: http://www.mam.org.br/
Informativos culturais
Mosaico, Agenda cultural da biblioteca e Vered@ - Periodicamente, a Móbile oferece a seus
alunos e pais boletins sobre teatro, espetáculos musicais, exposições, lançamento de livros etc.
A equipe da Biblioteca da Móbile produz “painéis” impressos e eletrônicos sobre atrações artísticas
de qualidade, com ênfase no público infantil. Por meio do Mosaico, os alunos podem ter acesso a uma
programação cultural refinada e erudita. Nesse informativo impresso, elaborado pela equipe de monitoria de
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Língua Portuguesa do Ensino Médio, sob supervisão da coordenação pedagógica, são oferecidos aos alunos
releases de peças “experimentais” de Antunes Filho (Centro de Pesquisas Teatrais), Zé Celso Martinez
Correia (Teatro Oficina), Parlapatões, entre outros, além de sínteses sobre exposições, filmes etc. O portal
de Humanidades do Ensino Médio da Móbile, o Vered@, no ícone “Outros ventos”, também apresenta
aos alunos “dicas culturais” dadas pelos professores de Geografia, História, Língua e Produção de Texto,
Estudos Literários, Artes, Ética e Cidadania e Filosofia.
Consulte o Vered@ em http://www.escolamobile.com.br/emedio/vereda/html/outrosventos.htm
Consulte as dicas de cultura da biblioteca em: http://www.escolamobile.com.br/?page_id=257
Epílogo
“Discordo quando dizem que a arte revela a realidade. Na verdade, a arte inventa a realidade. (...)
A poesia é uma dessas criações, no terreno da fantasia, que existe porque a vida não basta.
Eu escrevo para ser feliz, escrevo porque estou me inventando, para ser melhor do que sou.
(Ferreira Gullar, em http://veja.abril.com.br/160610/convocado-poesia-p-146.shtml)
As pessoas que não conseguem compreender o valor que uma obra de arte tem e, tampouco,
fruir o prazer de contemplar esse produto humano, em geral, atribuem aos elementos da vida uma
função unicamente pragmática e utilitária.
Afinal, para que servem um quadro como Guernica, de Pablo Picasso, uma peça de teatro como
Rei Lear, de Shakespeare, ou um romance como Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa? Valem
menos do que um teorema euclidiano, uma vacina contra a Gripe A, um acelerador de partículas, uma
teoria sobre a evolução das espécies?
É inegável que todas essas descobertas e teorias científicas traduzem um incrível potencial do homem e um
infinito poder inventivo que essa espécie tem. A arte, todavia, pertence ao domínio de um impalpável humano
que se concretiza num quadro, numa peça teatral, num filme, num romance, num poema.
A Guernica traduz em imagens cubistas e expressionistas pretas, brancas, grises o horror de uma guerra que
matou dezenas de civis espanhóis e que não pode mais acontecer; esse enorme painel pintado por Picasso
traduz uma indignação coletiva contra os atos humanos mais hostis, predatórios e vis. Faz-nos relembrar
para repudiar.
Rei Lear, texto inglês encenado pela primeira vez em 1606, lança-nos ainda hoje – de maneira
segura porque estamos sentados confortavelmente num teatro – ao tema das áridas relações de
poder dentro das famílias. Obriga-nos a refletir sobre a difícil posição da filha de Lear, Cordélia,
que questiona o poder arbitrário, cego e narcisista do pai e por isso é preterida, expulsa do reino
e colocada em posição inferior a Goneril e Regan, as filhas hipócritas e bajuladoras do rei. Não há
como não nos colocarmos no lugar de Cordélia ou do rei da Bretanha, porque somos filhos e pais
e porque também enfrentamos situações em que a voz sensata da razão cede lugar ao absurdo.
Pela capacidade de adentrar nos desejos mais obscuros, de desnudar paixões, de revelar fantasmas,
Harold Bloom defende que, mais do representar o homem do século XVII, Shakespeare o inventou.
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No Brasil, a imersão no sertão recriado por Rosa obriga o leitor do romance mais importante da
língua portuguesa a adentrar domínios estranhamente familiares e a travar contato com Riobaldo e
Diadorim, personagens solapados por um amor impossível. E quem nunca viveu a sensação do amor
impossível? A arte humaniza porque trata do que é essencialmente humano.
Em outra perspectiva, a fruição da arte, além de depender da sensibilidade do receptor, depende,
em certo grau, de um conhecimento sistematizado dele sobre o que contempla. Em outras palavras:
aprende-se a enxergar beleza na arte, e a escola tem papel decisivo nessa ‘educação do olhar’.
É função da escola, por exemplo, mostrar aos alunos que uma das canções mais bem realizadas
do repertório musical brasileiro, “Beatriz”, foi composta por Chico Buarque e Edu Lobo tendo como
“fonte de inspiração” o fascínio que uma atriz pode despertar em seus espectadores e que essa
música atravessou um curioso percurso até tornar-se sucesso. É necessário “contar” aos alunos que
os belíssimos versos de “Beatriz” foram compostos “a convite” do dramaturgo Naum Alves de Souza
para um espetáculo de dança do Teatro Balé Guaíra, apresentado ao Brasil em 1983. E que esse espetáculo
– que mesclou dança, circo, teatro e música – surgiu quando, convidado pela direção do balé curitibano,
Naum propôs à companhia a montagem de uma peça que trabalhasse com elementos presentes num poema
brasileiro pouco lido, “O grande circo místico”, publicado em 1938 pelo poeta modernista Jorge de Lima,
numa obra intitulada A túnica inconsútil. Talvez torne mais mágica ainda a experiência de ouvir “Beatriz”, de
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assistir ao espetáculo do Teatro Balé Guaíra e de ler o poema de Jorge de Lima se os alunos souberem que
“O grande circo místico” foi inspirado numa história real (com elementos ficcionais) de um jovem estudante
de medicina chamado Frédéric Knie, que, aos dezoito anos, apaixonou-se por uma acrobata e abandonou
tudo para fundar, em 1806, uma companhia circense junto com a esposa. Hoje, essa companhia
transformou-se no importante Circo Nacional Suíço, trupe que esteve no Brasil no início do século XX
e serviu de mote para a inventiva cabeça surrealista de Jorge de Lima. As imagens suscitadas pela
canção de Chico e de Edu Lobo podem multiplicar-se e enriquecer-se com esse conhecimento.
O mais bonito da arte, entretanto, é que ela pode prescindir de todas essas informações e ainda
assim emocionar quem ouve a “Beatriz” de Chico e Edu Lobo pela primeira vez. Acreditamos aqui
na Móbile, todavia, que conhecimento também é uma forma de beleza, por isso convidamos todos
os leitores a participar de nossa agenda cultural e a se aventurar na fruição – por vezes difícil – das
muitas “máscaras” estéticas que expressam o inominado, ou “recalcado”, nas palavras do poeta
Wally Salomão. Isso é Arte.
Wilton Ormundo é professor de Literatura, coordenador pedagógico das Humanidades
e da agenda cultural do Ensino Médio e editor da Revista da Móbile.
e x p r e s s õ e s
&
i m p r e s s õ e s
Juventude
no tablado
Utilizando linguagens variadas, como a dança, a música e a dramatização, 122 alunos do 9º ano
apresentaram a peça Errância, resultado de uma pesquisa iniciada em fevereiro em Artes Cênicas.
De lá para cá:
um pouco de história
Em 2000, a professora Monika Kuszka concebeu, na Móbile, um projeto que visava ensinar História
por meio da montagem de um espetáculo teatral. Os anseios do projeto eram ainda maiores:
levar os alunos a vivenciar uma construção coletiva, em que todos se mobilizassem para
a construção de cada elemento da peça. Nesse formato, junto com a professora de Português
Valéria de Melo Pereira, Monika coordenou o projeto durante oito anos: foram quase mil alunos
que tiveram a oportunidade de pisar no palco!
No ano de 2009, o projeto sofreu uma modificação significativa, pois deixou de ter vínculo específico
com a disciplina de História e passou a ser coordenado por outros dois professores: Guilherme
Yazbek e Rogério Viana. Yazbek participou da segunda montagem da peça teatral, em 2001, quando
aluno da Móbile; continuou no projeto nos anos seguintes, contribuindo para a montagem de cenas,
e após ingressar na Escola de Comunicação e Artes da USP, no curso de Artes Cênicas, em 2006,
passou a assinar a direção artística dos espetáculos dos alunos do 9º ano da Móbile. Rogério é
professor de Língua Portuguesa do 9º ano e colaborador do projeto desde 2006, quando ingressou
na equipe do Ensino Fundamental da Móbile.
Apesar das muitas mudanças, foi mantida a essência de um projeto que oferece aos alunos
a experiência da construção coletiva de uma montagem. Entre os novos objetivos inseridos,
as aulas de Artes Cênicas passaram a trabalhar mais pontualmente a pesquisa das capacidades
de comunicação do corpo e o modo como forma e conteúdo se interligam no fazer artístico.
45
46
O espetáculo
entre erros e acertos
Errância – vento da juventude, vem toda juventude foi a primeira montagem da nova etapa
do projeto. O tema central da peça foi a juventude. Trata-se de assunto bastante amplo, mas a
amplidão da juventude opôs-se à limitação cotidiana do dito “mundo adulto”.
A experiência amorosa e a mobilização social foram as facetas juvenis abordadas nos dois
primeiros blocos da peça. Em ambos, a paixão não aparecia apenas como sentimento; marcava,
também, a postura entusiástica inerente a essa fase da vida.
“Caminante, no hay camino, se hace camino al andar”. O verso é do poema “Caminante”, do
espanhol Antonio Machado, mas serviria como “epígrafe” do terceiro bloco, em que se questionou
quem é o jovem de hoje e a que ele aspira. Como o poeta afirma, não há respostas prontas, não há
caminhos prontos. O trajeto está por construir, e é natural – além de maravilhoso – que ele seja
marcado por uma alternância de acertos e erros.
A errância que a peça propôs não consistia na ausência de perspectiva, mas na liberdade para
esses jovens construírem a sua própria perspectiva, fugindo da inércia representada pelo
conformismo e pela facilidade das “fórmulas prontas”. Nesse processo, cada traçado de caminho
foi uma aprendizagem. E não importa o número de traços que se precisem usar, pois é certo que o
desenho final será belo e será único. Ser jovem, nesse caso, não é questão apenas de idade, mas
de disposição para entender que, enquanto houver erros, haverá acertos.
Rogério Viana Gusmão é professor de Artes Cênicas e de Língua Portuguesa do 9º ano.
47
p r o d u ç õ e s
e m
f o c o
pequeninos e
50
“Eu sei um montão de coisas:
Quando olho no espelho
eu me reconheço...
Eu sei muitas coisas,
E sei que sou capaz
de saber muito mais.”
(Adaptado de Ann e Paul Rand)
e cheios de descobertas...
Crianças do Infantil 2 ampliam seu universo perceptual por meio de projeto.
Desde muito cedo o bebê descobre diferentes
puxar, empurrar e chorar, entre outros tipos de
sensações. Ao receber tantas informações e estímulos,
comportamentos, são esperadas e pertinentes a
a cada dia sua curiosidade diante do novo aumenta.
essa faixa etária. Muitas vezes, as crianças querem
Ao ser inserida em um novo grupo, essa criança
tudo para si, nem que para isso precisem morder um
pequena precisa aprender a socializar-se e perceber
colega (que elas ainda não percebem como tal), para
a importância do outro em sua vida. O nosso papel
que ele solte aquele objeto tão desejado. Já nesse
é fazer com que esse desafio se torne agradável
momento, temos a oportunidade de realizar
e possibilitar que o desenvolvimento da criança
uma intervenção para incentivar a linguagem
aconteça de forma efetiva no ambiente lúdico que a
oral – área de desenvolvimento muito
escola é capaz de proporcionar.
importante para as nossas crianças – na
Por volta dos 6 aos 8 meses, a criança inicia a
solução do problema e na percepção
construção da sua própria identidade observando
do outro como um ser que sente e
o outro e o mundo. Já que não tem mais apenas a
precisa ser respeitado.
figura materna como referencial, as diferenças dessa
Por meio dessas relações e
idade começam a chamar sua atenção. Por volta
com as nossas intervenções
dos 2 anos, começa o fascínio pelo espelho e suas
constantes, esses pequenos,
interações, o que se constitui como um dos fatores
aos
essenciais para se perceber diferente do outro.
socializando com o novo
Esse caminho é contínuo, e é ainda nessa fase – de
grupo. É no ambiente
descoberta do outro e de si como indivíduo inserido
escolar
em um grupo ­– que recebemos nossos alunos.
enxergam a si próprios, para que,
Nessa etapa de desenvolvimento, as crianças
aos poucos, olhem e deem espaço para outros
são muito egocêntricas e individualistas, pois
colegas, façam pedidos de desculpas e utilizem
estão acostumadas a ser o centro das atenções
termos como “obrigado” e “por favor”.
de suas famílias. Na escola, atitudes como gritar,
poucos,
que
vão
se
inicialmente
51
Como eu sou. Com o objetivo de registrar
para apresentar aos colegas suas mãos e pés no papel
todos os momentos de descobertas,
e brincam de comparar seus tamanhos, encostando uma
diálogos, sensações e mudanças de cada
palma da mão na outra. Essas conversas e comparações
um durante o ano, elaboramos um projeto
ocorrem ainda ao mostrarmos as fotos da família de cada
no qual cada criança tem a possibilidade de
um, de seu brinquedo preferido e de onde dormem.
compartilhar com seus amigos a sua história
As crianças têm um universo lúdico dentro da escola,
desde bebê, intitulado Como eu sou.
permeado pelas músicas, brincadeiras de pátio,
Esse projeto, como outros realizados ao longo
desenhos e amigos. Esses elementos ampliam o seu
do ano, tem como objetivo incentivar a fala,
vocabulário e desenvolvem a linguagem oral, além de
a comunicação e também a ampliação do
proporcionar momentos interativos e divertidos, muito
“universo perceptual” da criança por meio de
bem aproveitados por elas. É natural que cada criança
comparações ao observarem mudanças em si e
prefira cantar uma música a outra, que prefira uma
também nos amigos.
brincadeira a outra, que utilize mais uma cor ao desenhar
Introduzimos esse trabalho mostrando em nossas
e assim por diante. As formas de comunicação e
rodas de conversa fotografias dos integrantes
expressão são diversas.
do grupo de quando eram bebês, inclusive as nossas.
Como forma de registrar o trabalho, montamos em
Essa situação é valiosa porque permite que as crianças
nossa sala um painel com todas as etapas do projeto
recuperem e relatem uma experiência vivida ao olhar uma
que, posteriormente, transformou-se em um livro que
fotografia e, com nossa ajuda, organizar o pensamento,
cada criança levou para casa no fim do ano letivo, após
indicando o tempo de cada acontecimento. Para as
compartilhá-lo com os amigos da sala.
crianças, é difícil compreender que nós, adultos, já fomos
Mais do que um simples registro de momentos e
bebês, que não sabíamos falar ou andar, assim como elas
experiências dentro e fora da escola, esse livro
já foram um dia.
carrega lembranças de uma etapa de desenvolvimento.
Aos poucos, apresentamos imagens atuais dos alunos
E, mais do que isso, da formação de um grupo, o grupo
e conversamos sobre as mudanças que ocorreram.
do Infantil 2.
Percebemos que, dessa forma, as crianças passam a
Para simbolizar esse “marco”, finalizamos nosso
olhar para o outro e a reconhecer as diferenças físicas
livro com a foto de todos os componentes do grupo.
entre eles. Nesses momentos, somos surpreendidas com
Foi extremamente compensador ouvir, ao fim, as crianças
comentários do tipo: “O cabelo dela é grande! O meu,
dizerem: “Meus amigos”, e perceber que o objetivo maior
não!”; “ O olho dele é verde! Igual o da Mari!”; “Um dia
foi alcançado.
eu vou fazer a barba igual ao papai”.
Atentar-se às características físicas envolve também a
Carla Capato, Carla Pinto Retamales,
medição da altura e o carimbo das mãos e dos pés de
Fernanda Campanhã Rodolfo
cada aluno. Eles ficam surpresos com o tamanho do
e Juliana S. Doumen são professoras
barbante que representa a altura, mostram-se animados
do Infantil 2 da Móbile.
53
54
Alunos
descobrem
a arte
do plantio
Crianças do Infantil 4 vivenciam na prática o universo das plantas.
Com grande curiosidade a respeito do mundo que as cerca, as crianças têm na natureza um tema
constante de suas indagações e um universo de imensas possibilidades. Para responder a algumas
dessas questões e organizar seus conhecimentos, bem como ajudá-las a desenvolver habilidades de
observação, descrição, comparação, classificação e estabelecimento de relações, o Infantil 4 faz um
estudo sobre as plantas e sua diversidade.
O pátio da escola é um dos locais mais frequentados pelas crianças, mas é explorado de um modo
muito particular, sempre em suas brincadeiras. Passear por esse espaço com o objetivo de observar
especificamente as plantas do caminho, em princípio, parece ser um grande desafio, mas é uma
atividade prazerosa e muito rica, repleta de descobertas e aprendizagens para as nossas crianças.
Além da observação das diferentes espécies, cores, tipos de flores, formas e tamanhos, os alunos não
se contentam em usar unicamente a visão; o tato, o olfato e até a audição se tornam muito presentes
nessa exploração. Tocar um caule ou uma folha sentindo sua textura, balançar seus galhos e ouvir o
som produzido, cheirar uma flor e sentir seu perfume são formas usadas para conhecer a vegetação,
que sempre esteve tão próxima, mas que muitas vezes não fora percebida pelos alunos. Por meio
dessa experimentação, eles podem conhecer diversas espécies, como a bananeira, o pé de romã, os
gerânios, entre outras.
Ainda com o objetivo de familiarizar-se com a diversidade de plantas em nosso meio, as crianças
trazem amostras de diversas folhas coletadas em suas casas ou no caminho para a escola. Em grupo,
observam cada uma delas, fazendo comentários sobre suas características, comparando-as entre si
e com as observadas no pátio.
A partir da análise feita coletivamente, elas sugerem critérios de classificação e organizam
as amostras em conjuntos a partir das texturas, cores, tamanhos, formas e espessuras.
No momento em que a criança volta o olhar para o que a cerca, com a curiosidade que lhe
é característica, surge uma série de questões: “Como nascem as plantas?”; “Por que precisamos
regá-las?”; “Onde ficam as sementes?”; “Podemos plantar as sementes?”.
55
56
Várias pesquisas são elaboradas com o objetivo de responder a essas e a outras questões levantadas
no transcorrer do trabalho. Além desses estudos, as crianças fazem também experiências de plantio.
Sementes de feijão e lentilha são postas na terra e seu crescimento é observado; os alunos comparam
suas folhas e caules, regam as sementes, colocam-nas junto à janela, o que os faz perceber a
importância da luz e da água para o desenvolvimento dos vegetais. As sementes de frutas que eles
trazem de lanche também servem de material para novas experiências. Sementes de maçã, pera,
mamão, uva, entre outras, são plantadas, regadas e observadas todos os dias.
Para complementar as informações que obtêm nas pesquisas e esclarecer as dúvidas que ainda
permanecem, fazemos um Estudo do Meio no Viveiro Manequinho Lopes, dentro do Parque do
Ibirapuera. Lá, as crianças têm a oportunidade de também observar inúmeras espécies, ouvir
atentamente as explicações dos monitores sobre como se dá o plantio e os cuidados que se deve ter
com as mudas e plantas.
Depois de todo o estudo sobre as características das plantas e sobre formas de plantio, chega a hora
de “colocar a mão na terra”. Na horta da escola, espaço especialmente preparado para esse tipo de
atividade, as crianças plantam mudas de alface e espinafre, cuidando diariamente das plantas até
que possam ser colhidas.
Quando nossas mudas ficam prontas para o consumo, nossos alunos têm um momento especial:
colhem as verduras e preparam uma saborosa salada verde e um delicioso creme de espinafre com
esse material.
Flávia Bicudo Duran é orientadora do Infantil 4.
Paula A. Tonglet e Robervânia de Araújo são professoras do Infantil 4.
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Água:
uso consciente – uso inteligente!
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Crianças do Infantil 5 promovem campanha pelo uso responsável da água.
Um dos objetivos do Infantil 5 na área de Conhecimento da Natureza e Sociedade é
levar os alunos a perceber o mundo em que estão inseridos e suas transformações,
assim como reconhecer-se como parte integrante dele. A apropriação de conceitos e
procedimentos da área contribui para o questionamento do que vemos e ouvimos, para
a ampliação das explicações acerca dos fenômenos da natureza e para o levantamento
de formas de intervenção no ambiente e utilização de seus recursos.
Um grave problema que atinge todos atualmente é a diminuição drástica das reservas
de água potável. A maior parte da água doce existente no mundo está concentrada
em apenas 19 países, e o Brasil é uma das nações privilegiadas nesse sentido, pois
possui 13,7% da água doce do planeta.
No uso doméstico, boa parte do desperdício concentra-se nos vazamentos escondidos,
descargas soltas ou antigas e, principalmente, na falta de racionalização do uso da água.
Por considerarmos importante trabalhar com a noção de que estamos lidando com um
recurso que é finito, cada vez mais escasso e que passa por uma série de processos
até chegar a nossa casa, escolhemos esse tema como eixo de estudo do 2º semestre
das turmas de Infantil 5.
Inicialmente, nossos alunos foram incentivados a responder a algumas perguntas:
“Como se forma a chuva?”; “De onde vem a água?”; “Como a água chega
até nossas casas?”.
Nosso objetivo é que as crianças não só pesquisem informações acerca da água,
mas, principalmente, analisem situações de sua vida diária e pensem em formas de
interferir no mundo em que vivem, buscando soluções para evitar o desperdício.
No decorrer do trabalho, com o nosso auxílio, as crianças puderam ler diversos livros e
jornais, assistir a filmes e, a cada descoberta, refletir sobre como utilizar esse recurso
natural de forma responsável.
Nesse trabalho, os alunos visitam o Projeto Plantando o Futuro, da Fundação Parque
Zoológico de São Paulo, e observam como é possível a reutilização da água e do
esgoto de forma simples e barata.
59
Ao longo do desenvolvimento das atividades, percebemos mudanças nos hábitos
das crianças com relação ao uso da água. Muitos pais comentam que, em casa, seus
filhos começam a controlar o uso desnecessário de mangueiras, o tempo do banho de
cada membro da família e, principalmente, o ato de escovar os dentes com a torneira
aberta, mostrando a todos a necessidade do uso responsável desse recurso.
Cada brasileiro gasta, em média, 40 litros de água por dia a mais que o total de 110
litros recomendado pela Organização das Nações Unidas. Pensando nisso, sugerimos
aos nossos alunos que transmitam às outras pessoas tudo aquilo que aprenderam e
descobriram acerca da utilização da água por meio da elaboração de uma Campanha
de Conscientização.
Cada classe escolhe um cômodo de uma casa para demonstrar como utilizar esse
recurso sem desperdícios. Produzem cenários a partir de diferentes materiais e
60 textos e gravam suas sugestões, mostrando como se pode, com atitudes simples no
cotidiano, usar a água com parcimônia.
Em seguida, buscamos uma ferramenta de comunicação ágil e rápida: o material
produzido pelas crianças é inserido numa apresentação no site da escola, de
modo a efetivar a “campanha” e favorecer uma maior reflexão por parte de toda a
comunidade.
Esse projeto propicia a aprendizagem em diferentes frentes de trabalho: o
levantamento de hipóteses acerca dos problemas apresentados; a elaboração
dos procedimentos de pesquisa, comparação e análise de dados a partir dos
experimentos realizados; o trabalho coletivo em torno de um mesmo objetivo;
a produção de arte como forma de expressão de ideias; o uso da informática como
uma ferramenta de comunicação; mas, principalmente, o exercício de cidadania
a partir da análise de um problema social e a busca de possíveis soluções,
pensando no bem-estar coletivo e na conservação do planeta.
Conheça a campanha no site da Móbile: www.escolamobile.com.br/alunos-doinfantil-5-dao-dicas-de-como-utilizar-a-agua-com-responsabilidade-2/
Maria Cecília Suguiyama, Andrea Gonçalves de Oliveira Assumpção,
Ana Christina Calderelli Nebó, Wanessa Kelli e Silva Salvatore e Carolina Maia
Lacombe são professoras do Infantil 5.
61
A aprendizagem
da língua inglesa
em um projeto
de imersão:
Período Estendido –
Uso das tecnologias de
comunicação e informação
"If we spoke a different
language, we would perceive
a somewhat different world."
(Ludwig Wittgenstein)
Aquisição e aprendizagem
de língua estrangeira
O aprendiz de uma língua estrangeira precisa vivenciar experiências
linguísticas para que a língua passe a fazer parte de seu repertório
ativo. Na Móbile, no Período Estendido, programa de imersão em língua
inglesa, desenvolvemos diversos tipos de atividades lúdicas, com
espaço para culinária, artes, jardinagem, jogos dramáticos e contação
de histórias, além de muitas brincadeiras de roda ou ao ar livre. Jogos
característicos de diferentes partes do mundo também fazem parte da
rotina do curso, contribuindo ainda mais para a ampliação do universo
cultural do grupo.
Ouvir, falar, ler e escrever uma segunda língua são habilidades que
norteiam a aprendizagem comunicativa desse novo idioma. No Período
Estendido da Móbile, desde o Infantil 3, ouvir e falar são as primeiras
habilidades desenvolvidas. A partir do 2º ano do Ensino Fundamental,
os alunos entram em contato com a língua inglesa escrita e aprendem
a ler e escrever nesse idioma. 63
Especialistas em ensino e aprendizagem de língua estrangeira
fazem uma distinção entre aprendizagem (learning) e aquisição
(acquisition). A aprendizagem de uma língua estrangeira é um processo consciente que inclui a explicação de regras
gramaticais e as “práticas” dessas regras e de um novo
léxico. Aquisição, por sua vez, é um processo inconsciente que
está relacionado ao tempo de exposição de um potencial
falante à língua estrangeira que ele quer aprender e
à qualidade da interação.
64
Tecnologias de
comunicação e informação
Para que a aprendizagem e aquisição da língua sejam
significativas, o professor deve propiciar aos aprendizes
atividades em que a comunicação oral aconteça de forma
autêntica. Ouvir gravações e assistir a vídeos, ler e escrever
textos em que a língua inglesa seja exposta de forma real,
como instrumento de comunicação, são alguns dos recursos
utilizados pela equipe de Inglês.
As diversas tecnologias podem ser ferramentas valiosas
neste processo, pois elas:
• validam os diversos estilos de aprendizagem dos alunos;
• relacionam os conteúdos aprendidos à vida cotidiana fora
da sala de aula;
• motivam o aluno a aprender;
• favorecem o trabalho colaborativo;
• encorajam a participação ativa;
Projeto do Infantil 4
http://www.escolamobile.com.br/periodo_estendido/2008/projetos/
inf34/rainforest_books/rainforest_port.html
• possibilitam o uso real da língua oral e escrita;
• fazem com que o ensino da língua inglesa seja prático e
significativo.
Essas ferramentas são utilizadas no planejamento e em
diversos momentos da aula, em diferentes formatos. Sites
como referência para a capacitação do professor, para uso
e pesquisa do aluno, jogos e animações, vídeos, podcasts,
blogs, wikis, slides em PowerPoint são alguns dos recursos
utilizados nas vivências do Período Estendido.
Projeto do Infantil 6
http://gamesinfantil6.blogspot.com/
Uso de tecnologia como
registro de projetos
As tecnologias também são utilizadas para registrar
projetos vivenciados na sala de aula. Por exemplo, os alunos
do Infantil 3 estudaram o tema “fazenda” e aprenderam
sobre os animais que vivem nesse espaço e suas cores. Já
no Infantil 4, explorou-se, em língua inglesa, o ambiente
da floresta. Cada turma criou um livro, que foi digitalizado
e publicado na home page da escola. O grupo do Infantil 5
descreveu suas características físicas em diversas situações.
Além disso, cada aluno criou uma personagem “não
convencional” que foi digitalizada e montada em um jogo no
qual as diferentes partes das faces foram misturadas entre
as personagens. Quando finalmente se monta uma face,
ouve-se uma gravação da criança descrevendo-a em língua
inglesa. Esse projeto possibilitou a prática do Inglês em um
contexto significativo para cada um dos alunos. No 1º ano do
Ensino Fundamental, após explorarem os ambientes da praia,
do campo e da cidade, as crianças criaram uma personagem,
Archie, que as acompanhou em uma viagem imaginária,
possibilitando a descrição, em língua inglesa, de uma série de
atividades desenvolvidas por essa entidade ficcional. Por fim,
cada turma criou sua versão para o passeio da personagem
pela praia, pelo campo e pela cidade, desenhando os objetos
utilizados por ela e descrevendo suas aventuras. As crianças tiveram acesso à produção coletiva criada em sala
66
de aula e a língua inglesa continuou a fazer parte da vivência
de cada uma delas. Em suas próprias casas, puderam conferir
on-line o resultado do trabalho coletivo e, consequentemente,
praticar a língua inglesa com seus familiares.
1. Fernando Botero, Colombian Painter
Uso de tecnologia
para apresentação
e prática de estruturas
linguísticas
Alunos do 2º ano do Ensino Fundamental, ao estudarem
o tema “família”, pesquisaram na Internet artistas que
retrataram esse tipo de grupo social em suas obras.
As turmas foram encorajadas a descrever as imagens em
inglês, o que possibilitou, além do desenvolvimento oral dos
alunos, a ampliação de seu repertório cultural (1 e 2).
Ao discutirem o tema “alimentação saudável”, os alunos
de 3º ano do Ensino Fundamental confirmaram seus
conhecimentos sobre a pirâmide alimentar. A importância de
2. Lynne Feldman, American Painter
uma alimentação saudável foi consolidada por meio do jogo
My Pyramid Blast Off Game (3).
No 4º ano do Ensino Fundamental, ao estudarem os
estabelecimentos comerciais de várias cidades do mundo,
os alunos fizeram uma visita virtual ao bairro do Soho, em
Londres, e obtiveram informações sobre as lojas desse local.
Essa atividade permitiu que eles entrassem em contato com
aspectos culturais presentes no bairro inglês (4).
Já no 5º ano do Ensino Fundamental, ao estudar a forma
superlativa dos adjetivos, os grupos encontraram informações
3. http://www.mypyramid.gov/kids/kids_game.html
no site do Guiness Book of Records. Esta, certamente, é uma
prática significativa e autêntica do uso dos superlativos (5).
Uso de tecnologia como
ferramenta de autoria
As tecnologias podem ser utilizadas como ferramentas
de autoria do aluno, isto é, ele é sujeito ativo na escolha,
utilização e publicação de conteúdos. Sob a orientação dos
4. http://www.streetsensation.co.uk/tours/soho.htm
professores, cada aprendiz é responsável pela digitação,
seleção e inserção de imagens e sons, escolha de cores,
fontes, formas e tamanhos, ou seja, pela utilização dos
recursos necessários para o desenvolvimento de cada projeto.
E, a cada projeto, outras habilidades são desenvolvidas.
Após o estudo sobre “animais e suas características”, os
alunos do 4º ano do Ensino Fundamental elaboraram um
livro de charadas sobre animais, com textos, imagens e sons
utilizando o software PowerPoint (6).
67
Alunos de 4º e de 5º ano criaram tirinhas de histórias em
quadrinhos após pesquisa sobre características do gênero,
devolvendo a percepção para o contexto de produção de um
gênero literário que já faz parte do seu repertório cultural (7).
Por meio de projetos em que a tecnologia é utilizada na
aprendizagem do inglês, além da aquisição e do crescimento
linguístico do aluno, desenvolvem-se as habilidades necessárias
para a utilização adequada das ferramentas tecnológicas. Esse
processo de aprendizagem e o uso de novas tecnologias, que
nas vivências do Período Estendido acontecem em língua
inglesa, certamente são transferidos para outros momentos da
68
vida acadêmica e pessoal dos alunos.
5. http://www.guinnessworldrecords.com/
Nossos aprendizes, “nativos digitais”, ávidos utilizadores
de recursos eletrônicos, fazem parte da primeira geração a
crescer com as novas tecnologias. Eles são falantes nativos
da linguagem digital, das tecnologias de comunicação e
informação. Sem dúvida, também serão fluentes em inglês.
Cláudia Colla de Amorim é coordenadora geral
da equipe de Inglês da Escola Móbile.
Colaborou para este texto Maria Helena Camarero,
coordenadora do Período Estendido.
6. http://www.escolamobile.com.br/periodo_estendido/
2008/projetos/45anos/riddle_book/riddle_eng.html
Informe-se:
Prensky, M. Digital Natives, Digital Immigrants.
Disponível em: http://www.marcprensky.com/writing/
Prensky%20%20Digital%20Natives,%20Digital%20
Immigrants%20-%20Part1.pdf
Prensky, M. Teaching Digital Natives. Corwin Press, 2010.
Richardson, W. Blogs, Wikis, Podcasts and other powerful
web tools for classrooms. Corwin Press, 2006.
7.http://www.escolamobile.com.br/periodo_estendido/
2008/projetos/45anos/comic_strip/comic_eng.html
A poesia lida e tecida
por gente pequena
Alunos do 4º ano desvendam os recursos poéticos por meio de um trabalho com a obra Poesia fora da estante.
69
No primeiro semestre de 2010, nas aulas de Língua Portuguesa, os alunos do 4° ano do Ensino
Fundamental aprofundaram seu contato com o universo da poesia. A partir de uma coletânea
bem diversificada, que abrangia poemas com rigor organizacional, de vanguarda e concretos,
foi apresentada aos alunos uma temática múltipla, o que favoreceu as inúmeras experiências e
possibilidades artísticas.
Sabemos que esse contato com a literatura propicia ao leitor não só uma apreciação da linguagem,
mas também oferece outros tipos de satisfação, como, por exemplo, a aquisição de conhecimentos,
vivência de situações existenciais e proximidade com o outro.
Dessa maneira, cada aluno pôde dar vazão à sua verve poética, mostrando toda a criatividade na
expressão de formas, sentidos e imagens recheadas de novas descobertas, muitas vezes ainda
inusitadas. Por meio dessa proposta lúdica, conheceram autores e textos novos e reviram os já
consagrados, mas com outra disposição, e, assim, alargaram o seu campo de leitura.
Todo esse trajeto culminou em vários momentos de criação:
pequenos saraus que privilegiaram a oralidade, produções
líricas, tanto num ambiente virtual como no real, e uma
exposição nos murais da Móbile.
Pudemos presenciar também uma intensa metamorfose
naqueles rostinhos tão curiosos e atentos, decorrente
do transbordamento de todo o conhecimento adquirido
e do exultante manejo com os liames da poesia. De
singelos leitores, transformaram-se em aguçados
poetas e poetisas. Todos seduzidos por versos,
estrofes, rimas, ritmo, imagens...
Mas como ganhou forma todo esse trabalho?
Ao longo do trimestre, os alunos foram expostos a
diversas situações didáticas planejadas cuidadosamente pela equipe. Contudo,
foi fundamental que todas proporcionassem o contato amplo com esse gênero textual. Essa
experiência foi proporcionada a partir da observação de modelos sólidos, cujo objetivo foi
desenvolver os seus próprios repertórios, acrescentando elementos em seu universo literário e
cultural e capacitando-os no traquejo com a linguagem.
A seleção do livro Poesia Fora da Estante, coordenada por Vera Aguiar, foi primordial para a
condução dessa situação. Se os alunos já haviam tido um contato inaugural com a poesia no ano
anterior, no 4º, eles puderam recriar o ato de leitura e experimentar novas interpretações, pois,
como a vida, o olhar se estende a novos horizontes e expectativas.
O resultado desse trabalho foi a proximidade com o poema concreto, predominantemente visual e
que tem como evidência o esmero em acrescentar novas técnicas artísticas ao gênero, incorporando
outras linguagens, como a publicitária e jornalística. Novas palavras surgem nesse cenário:
participação, construção, invenção. Desse modo, os alunos conferiram novos desdobramentos às
suas produções poéticas: a desintegração dos versos e a incorporação de técnicas visuais.
Por fim, ao longo dessas atividades, constatamos que a poesia reforçou as suas raízes no gosto
sensível de leitores-poetas e os mobilizou numa experiência inestimável.
Denérida Brás Martins Tsutsui
é professora do 4º ano do Ensino Fundamental.
Gaudí
e os mosaicos
Professores de Artes Plásticas e Espanhol realizam projeto sobre Gaudí com alunos do 8º ano.
A possibilidade de interação entre pontos de vista e a potencialidade do diálogo
entre diferentes disciplinas levaram as equipes de Artes Plásticas e Espanhol a
buscar elementos comuns em seus conteúdos programáticos do 8º ano do Ensino
Fundamental. Dessa forma, um mesmo interesse gerou uma ação coordenada entre
esses dois cursos, e uma articulação de seus métodos e abordagens foi fundamental
para o projeto Gaudí e os mosaicos.
Considerando a importância da análise de diferentes manifestações artísticas e da
reflexão acerca dos aspectos culturais relacionados a uma nova língua estudada,
Artes e Espanhol decidiram não apenas desenvolver um trabalho em que a obra
de um artista hispânico servisse como apoio técnico ou pretexto para a aquisição
linguística, mas, sobretudo, valorizar a expansão do repertório cultural de seus
alunos por meio de um projeto interdisciplinar, cujo eixo integrador se centrou na
necessidade de aproximar duas áreas que, tradicionalmente, são independentes no
contexto escolar.
73
Gaudí – Os alunos do 8º ano desenvolveram um trabalho sobre a obra do arquiteto
Antoni Gaudí i Cornet (1852-1926) e o movimento Art Nouveau, na Espanha
denominado Modernismo Catalão. Um projeto com essa densidade exigiu um estudo
realizado em etapas que envolvessem os alunos e desenvolvessem progressivamente
seu conhecimento. Por meio de textos escritos e imagens, foram apresentados o
contexto histórico catalão da segunda metade do século XIX, a biografia do artista
estudado e a caracterização de sua obra no contexto de sua produção.
Uma vez cumprida essa etapa do trabalho, os alunos puderam participar da palestra
Art Nouveau e a obra de Gaudí, ministrada pelo arquiteto André Tiani, formado
em Design de Interiores e em Arquitetura e Urbanismo e mestre em Arquitetura e
Urbanismo pela UFRJ.
Ao longo do trabalho, constatou-se o grau de conhecimento dos alunos acerca
do tema, uma vez que se sentiam aptos a discutir novas referências históricas,
técnicas e estéticas em diferentes áreas do saber. Além desse embasamento, as
duas equipes identificaram na produção de painéis inspirados nos mosaicos de
Gaudí – como os do Parque Güell, em Barcelona – uma etapa fundamental dessa
experiência acadêmica. Além das figuras desse parque, imagens de construções
como La Sagrada Família e Casa Batlló foram analisadas em classe. Destacou-se a
importância de suas linhas, formas, cores e estampas para que se pudesse, dessa
maneira, relacionar as criações do artista catalão com o movimento Art Nouveau e,
finalmente, para que se ilustrasse a originalidade de sua obra.
O início da etapa de produção dos mosaicos foi marcado pelo debate sobre a relação
entre forma e conteúdo em artes plásticas. Essa discussão permitiu associar a
expressão ao modo particular do artista de manifestar suas ideias e emoções,
sob a influência de sua época e cultura. Além disso, tempo e espaço constituíram
categorias fundamentais para a leitura dessas obras, visto que os alunos puderam
acolhê-las segundo seu próprio panorama espaço-temporal.
Como a natureza é fonte de inspiração para o movimento Art Nouveau e para
Gaudí, os alunos partiram de desenhos inspirados nas fotografias do Estudo do
Meio, realizado na região do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), para
produzirem seus mosaicos. Em seguida, retiraram um detalhe de seu desenho e
acrescentaram características do movimento estudado, como, por exemplo, linhas
e formas onduladas. Logo, elaboraram um projeto único, em trios de trabalho, com
detalhes criados individualmente, o que lhes exigiu uma reflexão cujo objetivo era
o acordo mútuo para que a expectativa de cada um fosse alcançada. Com o projeto
pronto, foi iniciada então a criação de painéis, ampliando-se os desenhos em placas
de madeira. Devido a essa estrutura, o trabalho exigiu extrema organização dos
grupos em relação à escolha de azujelos lisos e estampados, à preparação do
material, ao corte, à colagem das peças e ao cumprimento de etapas.
Ao apresentarem-se novas referências culturais, nosso objetivo não se resumiu
à aquisição de um conteúdo ou a um simples intercâmbio de ideias previamente
estabelecidas pelos professores. Por meio de intervenções verbais e pictóricas,
analisamos expectativas de nossos alunos com respeito a esse conhecimento
e desenvolvemos, em sala de aula, diferentes perspectivas críticas. E, nesse
processo de construção de novos significados, consideramos aspectos sociais,
históricos e estéticos cujas marcas podem ser identificadas em manifestações
como a arquitetura de um artista como Gaudí. Nesse sentido, buscamos uma
imanência da obra, pois a ela se dirigem as diferentes abordagens propostas.
Para isso, é fundamental que a manutenção desse processo considere continuamente
a interação não somente entre aluno e textos ou imagens, mas entre o aprendiz
e a complexa rede de contextos e referências que constituem o entorno do objeto
de estudo.
Alexandre Fiori e Patricia Bacchi são, respectivamente, professores
de Espanhol e de Artes do Ensino Fundamental. 77
78
Diálogos
com leituras
extraclasse
Romance O fazedor de velhos, de Rodrigo Lacerda,
serve de base para trabalho com alunos do 9º ano.
Por muito tempo, nas aulas de Língua Portuguesa utilizaramse roteiros – materiais anexos a alguns livros de literatura
infanto-juvenil – para “acompanhar” a leitura extraclasse
feita pelos alunos. Em geral, esses “roteiros didáticos” tinham
a função exclusiva de verificar se o aluno leu ou não o livro
solicitado em aula, cobrando dele tão somente a memorização
dos fatos do enredo, características das personagens, tipo
de narrador, espaço, entre outros elementos constitutivos de
uma narrativa. Hoje em dia, não são tão numerosos os livros
que ainda apresentam esses roteiros, mas continua sendo
comum reduzir a leitura extraclasse a provas que exijam dos
alunos memorização. Esse tipo de trabalho, de certo modo,
torna superficial a relação do leitor com a história lida, uma
vez que o exime de refletir sobre ela.
No outro extremo, temos as atividades em que os
professores propõem ao aluno a “interpretação” de um livro, para que eles o "compreendam" de
maneira mais aprofundada; em geral, tais atividades são seguidas de uma prova que verifica se os
alunos "compreenderam ou não" essa interpretação. A intenção, certamente, é das melhores, mas
o resultado pode ser a perda de autonomia do aluno no diálogo com aquilo que lê, haja vista que
o professor já se responsabiliza por isso, ou o desestímulo de jovens que, apesar de terem fruído a
leitura, sentem-se maus leitores se não conseguem o resultado esperado na avaliação.
Fazedor de velhos – Com o intuito de estimular o aluno a dialogar intensamente com o que
leu, durante a leitura e depois dela, é possível pensar em atividades “alternativas” com os livros.
Um trabalho realizado pelo 9º ano a partir da leitura do romance O fazedor de velhos, de Rodrigo
Lacerda, pode constituir um exemplo dessas atividades. Ao final de todo o trabalho com o livro, os alunos deveriam, em grupo, criar um videoclipe
que representasse uma síntese temática da obra. Para isso, foi planejada uma série de etapas
individuais e coletivas. Durante a leitura do romance, uma etapa individual já deveria ser cumprida: pediu-se aos alunos
que destacassem trechos que eles considerassem importantes na construção da história ou que
simplesmente os atraísse, os sensibilizasse. Esse tipo de estratégia, embora simples, representa um
convite a uma postura mais ativa, que reforce o estreitamento entre o leitor e a obra.
79
Ao final da leitura, propôs-se uma discussão coletiva, em que se levantaram as temáticas do
livro. “Amadurecimento”, “juventude”, “literatura”, “amor”, “tempo” foram aspectos trazidos
pelos alunos durante a aula. Cada membro dos grupos foi, então, incumbido de pesquisar
músicas e imagens que se aproximassem desses temas para apresentarem-nas aos colegas
a fim de decidirem quais delas entrariam no videoclipe. Nessa apresentação, possibilitou-se
um rico confronto de ideias a respeito do livro, já que, ao defender a adoção de determinada
música ou imagem, cada aluno se baseava na sua experiência durante a leitura do romance,
compartilhando-a com os demais integrantes do grupo.
A etapa seguinte foi fundamental para o estabelecimento de uma postura ainda mais
reflexiva em relação ao livro, pois os alunos precisaram escolher, dentre as frases que haviam
80
destacado durante a leitura, algumas que se adequassem à canção e às imagens escolhidas
na etapa anterior. Foi claro, então, o envolvimento de todos não com um acúmulo dessas frases
no videoclipe, mas com a pertinência de cada uma delas para o novo recorte interpretativo.
Por isso, a toda hora, voltavam ao livro para discutirem o sentido de determinado trecho ou
passagem e a relação dele(a) com as temáticas pesquisadas, procurando perceber se seria a
escolha mais adequada aos outros elementos do videoclipe.
Finalizados os projetos, cada classe teve a oportunidade de assistir ao trabalho dos colegas,
e foi feita uma votação para eleger o melhor videoclipe na opinião da sala. Novamente, era
oferecida aos alunos a chance de se depararem com a visão dos outros a respeito do livro.
A multiplicidade de pontos de vista revelada nos trabalhos representou mais uma oportunidade
de cada aluno repensar seu próprio diálogo com a obra, seja para confirmar suas convicções,
seja para alterá-las.
Os quatro vídeos vencedores foram apresentados no Vitrine, evento semestral em
que os alunos se inscrevem para mostrarem suas habilidades artísticas, e podem
ser vistos em http://www.mobilevirtual.com.br/port1/module/INWICAST/entry.php.
Prepare-se: assistir a eles certamente despertará em você o desejo de conhecer
a história de O fazedor de velhos para construir a sua própria visão da história!
Aventure-se.
Rogério Viana Gusmão é professor de Língua Portuguesa do 9º ano
e coordenador da área de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental II.
O uso de gráficos
e tabelas para
a construção
de argumentos
Professores do 9º ano do Ensino Fundamental
trabalham com a linguagem e construção de gráficos.
81
Num mundo em que há um grande número de informações, algumas contraditórias, outras pouco
relevantes, as pessoas precisam constantemente fazer seleções e avaliações do que recebem para
se posicionar e tomar decisões em diversos campos de atuação. A leitura de gráficos e tabelas pode
auxiliar nesses posicionamentos e tomadas de decisão. De que forma?
A reflexão a respeito dessa questão pode começar com o seguinte exemplo: as bactérias que
82
vivem em nossa boca causam cáries dentárias. Estas têm sido um problema desde 1700, quando o
açúcar tornou-se disponível graças à expansão da indústria da cana-de-açúcar. No gráfico a seguir,
estabelecemos uma relação entre o consumo de açúcar e o número de dentes cariados em vários
países. Cada país é representado por um círculo no gráfico. Veja:
Figura adaptada das questões do exame PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) liberadas no site do Inep
http://www.inep.gov.br/internacional/pisa/Novo/oquee.htm
Qual das seguintes afirmações baseia-se nos dados do gráfico apresentado?
• Em alguns países, as pessoas escovam os dentes com mais frequência do que em outros.
• Comer menos de 20 g de açúcar por dia garante que a pessoa não terá cáries.
• Quanto mais açúcar as pessoas consomem, maiores as chances de terem cáries.
• Nos últimos anos, a taxa de cárie vem aumentando em muitos países.
A avaliação das afirmações levantadas exige o domínio da figura apresentada nos seguintes
aspectos: reconhecimento das grandezas envolvidas e identificação do tipo de relação que as
variáveis estabelecem.
Para realizar uma avaliação dessa natureza, as habilidades destacadas são fundamentais;
entretanto, para inferir aspectos relacionados a fenômenos científicos ou sociais expressos em
gráficos ou tabelas, exige-se um aprofundamento na análise desse tipo de representação.
Dentro dessa perspectiva, as disciplinas de Matemática e Ciências realizam um trabalho no 9º ano
que tem como objetivos:
• Reconhecer e interpretar informações de natureza científica ou social expressas
em gráficos ou tabelas.
• Analisar o comportamento de variáveis expressas em gráficos ou tabelas
como importante recurso para a construção de argumentação consistente.
• Avaliar, com auxílio de dados apresentados em gráficos ou tabelas, a adequação
de propostas de intervenção na realidade.
A sequência de atividades planejadas proporciona o aperfeiçoamento, por parte dos alunos, da
leitura de gráficos e tabelas, de forma que consigam extrair deles o máximo de informações úteis
para diferentes fins, como a compreensão de um fenômeno natural ou social, ou ainda a construção
de argumentos para confirmar ou refutar conclusões pessoais, modelos explicativos, teorias etc.
83
O domínio da leitura desse tipo de texto envolve um trabalho constante, até mesmo “artesanal”, que ocorre
a partir dos conteúdos específicos das disciplinas de Matemática e Ciências. É sabido que as habilidades
relacionadas à compreensão e apropriação das informações condensadas nas representações gráficas
se desenvolvem a partir da prática de produção e utilização dessas inscrições. Esse fato, por si só, já
justificaria os trabalhos disciplinares que realizamos.
Em Ciências, por exemplo, nossos alunos vivenciam determinadas situações em que devem observar e
coletar dados sobre determinado fenômeno, representar graficamente o que foi observado e discutir a
representação produzida de modo a desenvolver um conceito estruturante da disciplina.
Em Matemática, desde as séries iniciais, o raciocínio estatístico é explorado em situações de aprendizagem
que permitem ao aluno coletar, organizar e analisar informações, construir e interpretar tabelas e gráficos,
84
formular argumentos apropriados, tendo por base a análise de dados organizados em representações
matemáticas diversas.
Entretanto, ao longo de nossas experiências diárias, percebemos que não existe uma linearidade,
dependente de pré-requisitos, entre a capacidade de produção de gráficos, a capacidade leitora e a sua
utilização. Na verdade, observamos que as habilidades se desenvolvem paralelamente, conectam-se e até
podem estabelecer uma relação linear dependendo do gráfico considerado. Justamente por isso, resolvemos
estruturar e aplicar um conjunto de atividades nas aulas de Ciências e Matemática, destacando que a
ligação entre as disciplinas ocorre e se justifica pelo “caráter corriqueiro” que os gráficos e tabelas possuem
para a linguagem usada nessas duas áreas.
Estruturamos nosso trabalho interdisciplinar em três etapas, permeadas por discussões coletivas orientadas
por um dos professores em cada turma do 9º ano. Basicamente, as duas etapas iniciais dizem respeito à
resolução dos exercícios selecionados e às respectivas correções/discussões coletivas. A última etapa
corresponde a uma avaliação formal e sua correção com o grupo de alunos.
A seleção de questões é feita a partir de critérios relacionados às habilidades de produção, leitura
e aplicação dos gráficos e tabelas. Na primeira etapa de discussão, optamos por enfatizar a leitura
das representações, com espaço especial para a discussão da decodificação da linguagem gráfica,
identificação de grandezas relacionadas e tipos de relações entre as variáveis. A aplicação das informações
representadas para a construção de argumentação consistente ocorre, mas apenas de forma a justificar
afirmações. Além disso, as figuras utilizadas para a confecção de cada questão estão mais próximas do
cotidiano acadêmico dos alunos em anos anteriores.
Apresentamos a seguir alguns exemplos de questões que foram abordadas nesta esta inicial:
Um trem de carga viaja da cidade A para a cidade B, separadas por uma
distância de 200 km. A distância percorrida é função do tempo transcorrido
após a partida. Veja o gráfico que representa essa função.
80km
85
Pergunta-se:
a) Quais são as grandezas envolvidas neste problema?
b) Quanto tempo dura a viagem entre as cidades A e B?
c) Qual é a distância entre as cidades A e B?
d) Que distância o trem percorreu nas duas primeiras horas após a partida?
e) Que distância o trem percorreu entre a segunda e a terceira hora de viagem? Como você chegou a
essa conclusão?
f) Qual é a distância entre as cidades A e C?
g) Da terceira até a sexta hora, qual foi a velocidade média do trem?
h) Considerando o tempo total de viagem, qual é a velocidade média do trem?
i) A velocidade média entre as cidades A e C é maior que a velocidade média entre as cidades B e C?
(Questões e figuras adaptadas do livro Matemática para todos - 8ª série - Imenes e Lellis).
Você está dirigindo um carro e freia subitamente. Quantos metros o carro
ainda vai percorrer? Sob certas condições, a distância (d) que o carro ainda
vai percorrer após ter sido freado é função da velocidade (v) em que o carro
estava no momento em que foi freado. Veja como é essa função para certa marca
de automóvel nacional, em pista seca e com pneus novos (caso contrário, as
distâncias seriam bem maiores).
Faça o que se pede:
a) Transponha os dados do gráfico para uma tabela.
b) A distância (d) é diretamente proporcional à velocidade (v)?
c) Um automóvel vem a 100 km/h em uma estrada. De súbito,
o motorista vê um gato começando a atravessar a estrada, a
cerca de 40 m à sua frente. Nessa desagradável situação, é
possível evitar o atropelamento do bichano? Justifique a sua
resposta, considerando que o motorista não conseguirá desviar
desse animal.
(Questões e figuras adaptadas do livro Matemática para todos - 8ª série Imenes e Lellis).
Posteriormente, trabalhamos de forma mais enfática a
86
apropriação de informações para justificar afirmações e/ou, a partir de evidências, construir argumentações
para confirmar ou refutar ideias apresentadas. A decodificação e identificação de grandezas e relações
também são abordadas, mas agora utilizadas para o alcance de análises mais complexas. A análise feita
na situação a seguir ilustra essa etapa do trabalho realizado.
Efeito estufa: fato ou ficção?
Um estudante chamado André interessou-se pela possível relação entre a
temperatura média da atmosfera e a emissão de gás carbônico na Terra. Em uma
biblioteca, ele encontrou os dois gráficos a seguir:
A partir dos gráficos, o estudante André
concluiu ser evidente que o aumento
da temperatura média da atmosfera
terrestre é devido ao aumento da
emissão do gás carbônico. O que há
nos gráficos que justifica a conclusão
de André?
As figuras e as questões foram adaptadas do exame
PISA liberado no site do Inep - http://www.inep.gov.
br/internacional/pisa/Novo/oquee.htm
Outra estudante, Jane, discorda da conclusão de André. Ela compara os dois gráficos e defende que
algumas partes deles não justificam sua conclusão. Dê um exemplo de uma parte do gráfico que não justifica
a conclusão de André. Explique a sua resposta.
87
(As respostas são da aluna Fernanda Furlan, aluna do 9º ano em 2009.)
Este projeto interdisciplinar rompe com uma abordagem formal e de simples decodificação de linguagens e
estimula o uso de gráficos e tabelas como ferramenta na interpretação de informações de natureza científica
ou social, realização de previsões, análise de tendências. É fato que dados estatísticos são utilizados
como importante recurso para análise de projetos de intervenção na realidade, por isso é tarefa da escola
trabalhar com esse tipo de linguagem com seus alunos.
Antônio de Freitas da Corte e João Carlos M. T. M. Neto são professores, respectivamente,
de Matemática e Ciências do Ensino Fundamental.
AndyWarhol:
Mr.America
– Um olhar crítico
para a Pop Art
nas aulas de Inglês
Professores de Inglês da Móbile realizam projeto a partir
de exposição das obras de Andy Warhol, maior ícone da Pop Art.
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Ao longo do tempo, os avanços tecnológicos proporcionaram ao homem fácil acesso a outras culturas
e países. A inserção da Internet em nossos cotidianos propiciou a rapidez na troca de informação entre
as diferentes culturas. Componentes interculturais, que possibilitam a significação e contextualização
da aprendizagem de outro idioma, são atualmente incluídos nas aulas de língua estrangeira sob uma
perspectiva de diálogo, de comunicação entre pessoas ou grupos diferentes, além de contribuírem
para a construção da pluralidade do conhecimento dos aprendizes. Inúmeros são os recursos utilizados
para o ensino de um idioma, e a arte tem um papel de destaque nessa aprendizagem, pois oferece
a oportunidade de discussão e aperfeiçoamento dos conteúdos aprendidos numa aula. Atualmente,
contamos com diversos espaços, como o próprio mobiliário urbano, museus, centros culturais, feiras
e exposições para facilitar o acesso às produções artísticas.
Com base nesse cenário, os alunos de 8º e 9º ano do Ensino Fundamental e de 1º e 2º ano do Ensino
Médio puderam entrar em contato com a exposição do artista norte-americano, ícone da Pop Art,
Andy Warhol, hospedada na Estação Pinacoteca de São Paulo, no primeiro semestre de 2010.
A exposição Andy Warhol: Mr. America veio diretamente do Andy Warhol Museum, em Pittsburgh,
Estados Unidos.
Durante o processo, os aprendizes foram estimulados a desenvolver um olhar crítico sobre a produção
do controverso Warhol. O desenvolvimento desse olhar aconteceu de forma gradual e levou em conta
todo o repertório que cada aluno já trazia sobre a Pop Art, sobre o artista e sobre o contexto de
produção das obras de Warhol.
O projeto – Na introdução do projeto, os alunos se depararam com a influência do trabalho do artista
na cultura norte-americana e na produção artística da época. As obras de Andy Warhol traziam não só
um conceito estético típico da Pop Art, associado a técnicas e temas inovadores para o período, como
também uma visão crítica, bem-humorada, controversa e, por vezes, rebelde, sobre o american way of
life (estilo de vida americano). Essa visão também era expressa por meio de declarações polêmicas
de Andy Warhol, que foram discutidas pelos alunos como um convite para analisar a produção do
artista para além das suas cores e formas.
91
Além dos trabalhos de Andy Warhol, foram apresentadas aos alunos obras de outros artistas do
movimento Pop Art, como as de Roy Lichtenstein. O projeto realizado pela equipe de Inglês não
se restringiu à visita à exposição de Warhol; os alunos também realizaram uma pesquisa prévia
utilizando uma Webquest – metodologia idealizada pelo professor Bernie Dodge, da Universidade de
São Diego, em 1995 (http://webquest.org). Por meio da coleta de novas informações e da consulta a
inúmeras fontes, os alunos desenvolveram uma visão crítica sobre a Pop Art, pautada em fatos sobre
a produção artística de Andy Warhol, além de terem exercitado a busca de conteúdo posteriormente
utilizado como recurso argumentativo para discussões durante as aulas de Inglês.
92
Algumas fontes utilizadas pelos alunos em suas pesquisas na Webquest:
http://www.youtube.com/watch?v=-IxcJsXyWtQ&feture=related
http://www.youtube.com/watch?v=o3M4Pxf_v6Q&feature=related.
http://warhol.gradientlabs.com/
Após a discussão sobre as informações coletadas na Webquest, os alunos participaram de uma
palestra, em língua inglesa, com o professor Kurt Stuermer Jr., que abordou, entre outros temas, a
obra de Andy Warhol como produto da sociedade consumista do século XX e a relevância da criação
do artista para o cenário sociocultural atual.
O palestrante apresentou aos alunos o modo como Andy Warhol utilizou signos e símbolos retirados
do imaginário social que cerca a cultura de massa e a vida cotidiana em sua arte. Se nos anos 1960 o
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artista referia-se à sopa Campbell’s e à garrafa de Coca-Cola, quais seriam os signos utilizados hoje
para demonstrar o consumo desenfreado atual? Essa pergunta pairou sobre a
palestra e norteou as discussões que se seguiram.
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A exposição – Depois da pesquisa na Webquest e da palestra com o professor Stuermer, os alunos
se lançaram de forma autônoma em visita à Exposição Mr. America. Para que o olhar para a exposição
pudesse acontecer de forma mais sistemática e profunda, a equipe de Inglês da Móbile preparou um
roteiro de observação que norteou o olhar artístico de nossos estudantes.
Os alunos foram encorajados a observar e tomar notas de suas impressões relacionadas a temas
como o consumismo e as celebridades instantâneas presentes tanto na obra plástica como também
nas legendas que acompanhavam cada trabalho visto na Pinacoteca.
Foi possível observar que os alunos desenvolveram inúmeras habilidades ao longo do trabalho com
a Pop Art e puderam usufruir de um patrimônio cultural da humanidade. Além de adquirir novos
conhecimentos de maneira autônoma e consistente, puderam perceber que o ambiente que os rodeia
traz inúmeras oportunidades de ampliação dos horizontes culturais.
Incentivar a leitura crítica da realidade, tornar os alunos-aprendizes capazes de posicionar-se
de forma construtiva diante de um evento, expressar suas opiniões e ideias com propriedade e,
sobretudo, ter um papel ativo na sua aprendizagem são pilares fundamentais do trabalho desenvolvido
pela Móbile.
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Saiba mais sobre o universo de Andy Warhol
PBS American Masters – Andy Warhol
http://www.youtube.com/watch?v=kGaBKpCfLdo&feature=related
Biografia de Andy Warhol
http://www.andywarholposters.org/biography.html
Arte
http://www.njcu.edu/cill/vol2/moore.html
Andy Warhol Foundation
http://www.warholfoundation.org/
The Andy Warhol Museum
http://www.warhol.org/default.asp
Andy Warhol – cronologia
http://edu.warhol.org/20c_chron.html
Andy Warhol Interactive Game
http://qag.qld.gov.au/kids/activities/online_interactives/warhols_world_online_interactive/
interactive
Andy Warhol BBC podcasts
http://www.bbc.co.uk/bbcfour/audiointerviews/profilepages/warhola1.shtml
Cláudia Colla de Amorim é coordenadora de Inglês da Móbile.
Paulo Rogério Rodrigues é professor de Inglês do Ensino Fundamental II
e coordenador do curso opcional Inglês Móbile.
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Estudo do meio do 2º ano do Ensino Médio leva os alunos
AO Vale do Paraíba Paulista com o intuito
de investigarem se, de fato, cidades podem morrer.
O Estudo do Meio é uma prática pedagógica adotada na “tradição escolar” desde o século XIX. No
Brasil, ganhou destaque nas escolas a partir de 1960, embora haja relatos de experiências desse tipo
em instituições de ensino de imigrantes anarquistas no início no século XX.
A proposta do Estudo do Meio no âmbito escolar é permitir a alunos e professores o contato direto
deles com determinada realidade que se deseja estudar. Por meio da interdisciplinaridade que
essa atividade prática garante, é possível, por exemplo, uma imersão na complexidade do espaço
geográfico construído socialmente ao longo da história.
A escolha de uma área de estudo, das atividades a serem ali desenvolvidas e a produção dos alunos
de um trabalho final precisam estar relacionadas com uma questão-problema proposta de modo a
permitir, ao longo do processo, novas descobertas e a produção de conhecimento a partir de um
diálogo inteligente com a realidade estudada.
O Estudo do Meio é, por si só, uma atividade viva e dinâmica, por isso os professores das disciplinas
envolvidas nessa atividade precisam estar permanentemente atentos ao fato de que a construção de
um projeto prático não pode seguir uma trajetória linear e burocrática, mas, sim, estar aberta a todas
as novas possibilidades de diálogo com o conhecimento. O projeto do Estudo do Meio do 2° ano do
Ensino Médio da Móbile, centrado no Vale do Paraíba, segue esse caminho.
97
1. São José do
Barreiro (foto de
Ana Cecília Mad
asi, aluna do 2º
ano do Ensino
(foto de
2. Fazenda Resgate
Médio)
Marcelo Agápito,
aluno do 2º ano do
Ensino Médio)
3. Fazenda Pau D’alho (foto de Ana Cecília Madasi, aluna do 2º ano do Ensino Médio)
Vale do Paraíba paulista
A viagem ao Vale do Paraíba começou em 2009, após algumas tentativas nas cidades históricas
de Minas Gerais e no Vale do Paraíba fluminense. A motivação para mergulhar no universo das
chamadas “cidades mortas” (expressão criada por Monteiro Lobato para denominar essa região do
estado de São Paulo) reside no fato de que lá se concentrou expressiva riqueza durante o período do
ciclo da cafeicultura no Brasil. (Figura 1)
Reavivar a significância histórico-econômica do Vale do Paraíba paulista que, inicialmente, era
somente rota de viagem dos tropeiros que traziam o gado do Rio Grande do Sul ou ponto de passagem
do ouro de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, mas que deu seu salto para a história nacional com
a riqueza pujante do café, é o que nos motiva a investigar a região.
Um tanto de história – Inicialmente, a vida nas fazendas era bastante austera. Utilizava-se o lucro
com o café para a compra de mais escravos e as sedes das fazendas eram rústicas e caracterizadas
pelo “quadrilátero funcional”, formado pelo terreiro para secar café, as senzalas, a tulha e as oficinas.
(Figura 3)
A geografia local foi intensamente transformada pelo ciclo do café. Os “mares de morros”, antes
recobertos pela Mata Atlântica, viram essa cobertura florestal ser removida para abrigar o cultivo
linear do café. A escolha dessa forma de ocupação do solo trouxe sequelas ainda visíveis atualmente:
solos profundamente erodidos e empobrecidos, além da grande concentração de formigas saúva, o
que dificulta ainda hoje a prática agrícola na região.
Também foi notável o avanço da urbanização no Vale do Paraíba durante o período da cafeicultura,
notadamente na segunda metade do século XIX. Desse processo de desenvolvimento econômico,
baseado fortemente na presença da agropecuária, surgiram cidades como Bananal, São José do
Barreiro, Areias, Silveiras e Queluz.
A riqueza acumulada com o café fez de Bananal o centro da economia nacional durante o período do
Segundo Reinado e o município chegou a ter uma moeda própria. Pouco a pouco, esse grande acúmulo
de riqueza deu ares de sofisticação aos casarões construídos nas fazendas e nas cidades. Cristais
99
belgas, azulejos portugueses, tapeçarias e móveis importados e afrescos de pintores europeus nas
paredes davam um toque sofisticado aos palacetes da época. (Figuras 3 e 4)
A “elite do Brasil Império” financiou, inclusive, a construção de um ramal ferroviário que passava pelas
fazendas mais abastadas, fazendo a ligação com o município de Barra Mansa, no Rio de Janeiro.
A sociedade da época era dividida e desigual: os fazendeiros ficavam com o poder político-econômico
e os escravos, que constituíam a maioria da população local, com o trabalho pesado nas lavouras.
Sabe-se que muitos fizeram fortuna na região com o tráfico negreiro, apesar da proibição desse
tipo de prática em 1850. As relações eram tensas. Os negros dispunham de inúmeras formas de
resistência ao subjugo imposto pelos brancos: de fugas para quilombos a manifestações artísticas de
canto e dança como o jongo. (Figuras 5 e 6)
100
Decadência e memória – O que trouxe, afinal, o declínio dos tempos áureos dessa região tão
rica? Esgotamento do solo, devido a técnicas de cultivo inadequadas, escassez de mão de obra,
resultado das leis abolicionistas e a abertura da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, que garantiu o
melhor escoamento da produção de café e o avanço das plantações no Oeste Paulista, fizeram com
que as grandes fortunas fossem pouco a pouco desaparecendo e o gado desse lugar ao café.
Mais tarde, a abertura da Rodovia Presidente Dutra e o consequente desvio do tráfego da Estrada
dos Tropeiros trouxeram o isolamento definitivo e a decadência econômica para essas cidades.
Essa trajetória parece justificar a expressão cunhada por Monteiro Lobato. O Estudo do Meio,
proposto aos alunos do 2º ano, tem também a função de questionar essa visão do Vale do Paraíba
Paulista. De fato, a região é marcada pelo abandono do poder público nacional e estadual, porém
seus cidadãos esforçam-se para que uma memória tão importante de nossa história não se perca
em estereótipos. Essas pessoas enxergam com entusiasmo o patrimônio material e imaterial
presente em cada uma das construções históricas e nos grupos religiosos e folclóricos que ainda se
apresentam em festas locais.
Imbuídos pelo espírito do resgate de um patrimônio histórico coletivo, nossos alunos são convidados
a transformar as informações coletadas em campo por eles em um álbum de memórias ou em um
jornal de época. Essa atividade permite que eles expressem de forma criativa toda a aprendizagem
vivenciada no Estudo do Meio, transformando criticamente tudo que foi observado e pesquisado em
campo. Ali, toda a vida dessas cidades, antes consideradas mortas, fica evidente e materializada.
Silvia Helena de Camargo Madeira é professora do 1º e do 2º ano do Ensino Médio
e coordenadora do Estudo do Meio do 2º ano.
4. Vidraria da Fazenda Resgate
(foto de Letícia Toldi,
aluna do 2º ano do Ensino Médio)
5. Alunos chegando à Fazenda Coqueiros
(foto de Ana Cecília Madasi,
aluna do 2º ano do Ensino Médio)
6. Fazenda Coqueiros
(foto de Letícia Toldi,
aluna do 2º ano do Ensino Médio)
Jovens
cientistas
Projeto interdisciplinar da área de Ciências da Natureza e Matemática
voltado a alunos do 1º ano do Ensino Médio exercita o método científico
por meio do estudo do tema Energia e Ambiente.
Na tentativa de tornar o mundo mais “significativo”, as perguntas que fazemos são
mais importantes do que as respostas possíveis para elas. As perguntas dependem
da observação, da curiosidade, da criatividade e da capacidade de estabelecer
relações. Além disso, em ciência, as respostas não são definitivas. O conhecimento
científico está em constante construção e depende, mais até que em outras áreas do
saber, de boas perguntas que o norteiem.
Formar pessoas capazes de elaborar perguntas relevantes em busca de respostas inovadoras é uma das
metas do projeto pedagógico da área de Ciências da Natureza e Matemática da Móbile. Nessa concepção
de ensino, educar não se limita a reproduzir informações ou a indicar um caminho apenas. A ênfase está na
utilização de métodos didáticos que permitam ao aluno ser sujeito ativo no processo de construção de seu
conhecimento, valorizando suas experiências, sua história e suas vivências.
Estudo do Meio do 1º ano – Nesse sentido, a proposta de Estudo do Meio para os alunos que ingressam
no Ensino Médio conjuga elementos fundamentais para uma boa formação acadêmica ao propiciar
ampliação da visão de mundo e do senso crítico desse estudante, além de momentos de integração e troca
de experiências e de desenvolvimento da organização e da autonomia.
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O Estudo do Meio está focado na análise do contexto natural e social no qual o educando se insere,
visando analisar e compreender determinada problemática de forma direta, reflexiva e interdisciplinar.
Essa estratégia educacional contribui também para a percepção do aluno de que a escola e o conhecimento
propiciado por essa instituição não têm fronteiras.
No contexto da formação em Ciências da Natureza e Matemática no Ensino Médio, o Estudo do Meio
realizado pelos alunos do 1º ano foi planejado de forma a possibilitar uma iniciação à pesquisa científica
como prática. Assim, a estratégia faz parte de uma sequência didática relacionada à
apresentação e exercício do método científico.
Tal sequência envolveu um conjunto de atividades preparatórias para o Estudo
do Meio propriamente dito e culminou na elaboração de “textos autorais”,
posteriormente remetidos ao Prêmio Jovem Cientista 2010, organizado pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
103
Alunos-repórteres
A primeira etapa da sequência didática do Estudo do Meio foi composta por aulas que apresentaram as
características do método científico com o objetivo de desenvolver o reconhecimento de uma linguagem
própria da Ciência. A exposição teórica foi complementada pela execução de exercícios interpretativos
104
em que os alunos exercitaram os processos de observação, levantamento de hipóteses e planejamento
experimental. Também foram apresentados aos estudantes a estrutura de um artigo científico e outras
formas de comunicação científica.
Em seguida, os alunos entrevistaram um cientista por meio de uma coletiva de imprensa em sala de aula
e elaboraram notas jornalísticas sobre seu conteúdo. Dessa forma, puderam complementar o aprendizado
sobre o método científico e exercitar outras formas de expressão.
De bactérias que habitam sedimentos de lagoas à análise do ambientalismo acrítico, muitos foram
os temas discutidos a partir das perguntas previamente elaboradas em grupo pelos “alunos-repórteres”.
A contribuição antrópica para o aquecimento global, a relação entre biocombustíveis e emissões de gases
intensificadores do efeito estufa e os impactos da construção da hidrelétrica de Belo Monte diante da
necessidade energética brasileira também foram debatidos na ocasião.
O exercício de planejar uma entrevista, pensando em perguntas objetivas e relacionadas ao tema Energia
e Ambiente, foi de grande valia para preparar os estudantes para as visitas realizadas durante o Estudo do
Meio, quando eles puderam repetir essa atividade com funcionários das empresas visitadas.
Uma coletiva de imprensa em sala de aula:
com o uso do Skype como ferramenta,
os “alunos-repórteres” do 1º ano entrevistaram
Luiz Fernando Jardim Bento, ecólogo da
Universidade Federal do Rio do Janeiro.
Conhecimento científico em etapas
Uma das características da produção científica é o seu caráter coletivo. O primeiro passo dessa construção
coletiva consiste em conhecer o que já se sabe sobre determinado tema. Para tanto, é fundamental
que o pesquisador realize uma extensa revisão bibliográfica sobre o assunto de seu interesse, tomando
conhecimento das situações já investigadas e das conclusões consensuais. A partir disso é que se define
uma questão específica a ser estudada, seja ela de natureza teórica ou empírica. A espiral se completa com
o compartilhamento das ideias e descobertas, as quais não raro levam à formulação de novas questões,
motivando novas investigações.
Todas essas etapas do processo de construção do conhecimento científico foram vividas pelos alunos ao
longo da sequência didática sobre o método científico. Isso porque estabelecer a pesquisa como princípio
educativo em ciência também significa incentivar a capacidade de questionamento crítico dos educandos,
propiciar que sejam capazes de identificar boas fontes de informação que possibilitem ser utilizadas para
levar o processo de pesquisa a bom termo, incentivar o uso da tecnologia disponível e possibilitar uma
“postura científica” para o tratamento metodológico das questões.
No período de 12 a 14 de maio de 2010, os alunos da Móbile visitaram usinas de etanol e açúcar (Destilaria
Grizzo e Usina São Martinho), a Estação de Tratamento de Esgoto Monjolinho do Serviço Autônomo de
Água e Esgoto da cidade, o Aterro Sanitário de Caieiras, a fábrica da Faber Castell e o Centro de Divulgação
Científica e Cultural da Universidade de São Paulo. Os locais visitados localizam-se na região de São Carlos,
no interior do Estado de São Paulo, conhecida como “Capital da Tecnologia” devido ao seu vigor acadêmico,
tecnológico e industrial.
Energia e Ambiente – O tema Energia e Ambiente foi escolhido como eixo transversal para esse trabalho
dada a sua atualidade, relevância e interdisciplinaridade. O objetivo geral do estudo foi analisar diferentes
formas de uso e produção de energia, envolvendo a identificação do impacto ambiental e socioeconômico
de cada atividade estudada no que se refere a matérias-primas empregadas, consumo de água e energia,
produção, tratamento e destinação dos resíduos gerados. Outra meta foi compreender como essas
105
atividades se relacionam com o desenvolvimento de uma próspera região do estado e com as alterações no
espaço geográfico decorrentes desse desenvolvimento.
Conhecer uma região recentemente desenvolvida e de forma tão intensa, contrastando com diversas outras
do estado e do Brasil, representa uma oportunidade de desvendar o que está por detrás de processos como
os estudados, bem como de pensar estratégias locais e globais para um desenvolvimento sustentado.
As atividades do Estudo do Meio foram planejadas de forma a sistematizar conhecimentos trabalhados nas
aulas de Biologia, Física, Matemática e Química, incluindo a aplicação adequada do vocabulário científico
correspondente a cada uma dessas áreas do conhecimento humano.
Ao longo das visitas, os alunos realizaram entrevistas com funcionários das empresas, receberam
explicações sobre os produtos e processos de cada local e elaboraram representações destes por meio de
ensaios fotográficos, fluxogramas e infográficos.
Em visita à Usina São Martinho
(Pradópolis, SP), maior
processadora de cana-deaçúcar do mundo, os alunos
acompanharam o processo de
produção de etanol a partir
da cana e do seu bagaço
e conheceram projetos de
preservação ambiental
conduzidos pela empresa.
A combustão do gás metano, da qual é possível
gerar energia, pode “iluminar” a matriz
energética brasileira. Fotógrafo: Rafael Gama.
Local: Estação Monjolinho de Tratamento
de Esgoto, São Carlos/SP. Legenda e foto
apresentadas pelos alunos José Bento de
Oliveira Camassa, Rafael D'Avila Gama, Victor
Kouak Buchaim e Victor Notari Cury em um de
seus trabalhos finais, o qual foi selecionado
para participação no Prêmio Jovem Cientista.
Infográfico representativo do
processo de produção de açúcar
e etanol elaborado pelos alunos
Eduardo Moraes Marciano
Agápito, Gabriel Tavares Ribas,
Juliana Chan Tcheou e Thamires
Haick Martins da Silveira.
Observar, medir, comparar
Uma das principais características de um Estudo de Meio é a interdisciplinaridade, que proporciona um
olhar amplo sobre os temas em estudo. No caso do Estudo do Meio do 1º ano, a interdisciplinaridade esteve
caracterizada também pela resolução de problemas valendo-se de métodos e técnicas de investigação que
mimetizam estratégias utilizadas por pesquisadores no processo de produção do conhecimento científico nas
diferentes disciplinas da área de Ciências da Natureza e Matemática.
Assim, além das visitas a empresas, o Estudo do Meio contou com um dia dedicado à realização de
atividades de medidas propostas pelas diferentes disciplinas envolvendo a solução de desafios e situaçõesproblema: determinar distâncias inacessíveis, avaliar as características de diferentes soluções, comparar
métodos para resolver um problema, perceber a velocidade em um deslocamento e observar e registrar
características da fauna e da flora de modo sistemático.
Por meio desse conjunto de atividades, os alunos explicitaram suas hipóteses e conhecimento prévio,
refutaram as soluções menos prováveis, elaboraram explicações para o fenômeno observado com a
utilização dos conceitos das diferentes disciplinas e “exercitaram” o registro e o relato de procedimentos e
conclusões experimentais.
Areia movediça: a partir da comparação
entre padrões de soluções contendo
diferentes proporções de água e maisena,
os alunos elaboraram métodos para
diferenciar amostras de soluções.
Medida indireta de distâncias: a partir de um
ponto-padrão em cada um dos lados
da Represa do Broa, os alunos
desenvolveram métodos para realizar a
medida de uma distância que não pode ser
feita diretamente.
Contabilização do lixo plástico consumido durante
o período do Estudo do Meio: cada grupo de alunos
realizou o inventário do lixo plástico consumido
durante o período de permanência, o que permitiu
a estimativa da produção diária de lixo plástico
por pessoa em volume e massa. De volta à escola,
conheceram os tipos de plástico existentes
e o processo empregado para sua reciclagem.
A partir disso, puderam estimar a porcentagem
que poderia ser reciclada e a que poderia ser
reutilizada dentre o lixo gerado.
Picasso ou Petrobras?
Ainda ao longo do Estudo do Meio, um problema foi colocado para os alunos: o que é a “coisa” dentro da
caixa? Então, um a um, os representantes de cada grupo manipularam a “coisa” sem vê-la e trocaram ideias
sobre o que poderia ser. Findo o tempo para coleta de dados, os grupos construíram modelos em massinha a
partir de sua compreensão sobre a “coisa”.
Esses modelos foram expostos durante o “Congresso da Coisa”, que simulou um congresso científico real.
Nessa oportunidade, cada grupo de pesquisadores observou e criticou os demais modelos apresentados.
Para iniciar a discussão, foi perguntado aos alunos qual seria o modelo mais correto. Os grupos logo
perceberam que seriam necessários novos testes para responder a essa pergunta. Mais do que isso,
a discussão levou à conclusão de que a Ciência pode não ter a resposta, apenas modelos dos fenômenos
que estuda.
108
A construção do conhecimento científico
envolve a elaboração de modelos e o
reconhecimento da limitação deles na
tentativa de descrição e entendimento
dos fenômenos naturais.
Nesse processo, o trabalho de um cientista assemelha-se mais ao de um pintor como Pablo Picasso na
produção de uma obra como Guernica ou àquele realizado por empresas como a Petrobras na exploração de
recursos naturais para geração de energia? Essa foi a questão colocada no final do “Congresso da Coisa”
com o objetivo de levar os alunos a refletirem sobre a prática científica.
Participação no Prêmio Jovem Cientista
Durante toda a sequência didática, os alunos estiveram divididos em grupos de três ou quatro componentes.
Todos participaram das etapas de pesquisa bibliográfica, definição do objeto de pesquisa e coleta e análise
de dados. Ao final do trabalho, cada integrante do grupo ficou responsável pela elaboração de uma redação
a partir desse conjunto de informações.
Os trabalhos finais produzidos pelos alunos versaram sobre o manejo de diferentes tipos de resíduos,
a produção de energia a partir do gás metano gerado no processo de decomposição do lixo, reciclagem,
reúso e consumo consciente, o papel individual de empresas e da regulamentação governamental para
uma produção industrial aliada ao desenvolvimento sustentável, a caracterização do problema da
intensificação do efeito estufa e sua relação com o aquecimento global, a identificação de alternativas
energéticas não poluentes, a análise da produção de etanol a partir da cana-de-açúcar e bagaço em termos
de eficiência energética, o custo para geração de energia, impacto ambiental, situação trabalhista
e desenvolvimento tecnológico.
O Prêmio – Os 44 melhores textos foram submetidos ao Prêmio Jovem Cientista 2010. A seleção
considerou a qualidade e criatividade das produções, além da adequação aos temas do prêmio.
Criado em 1981 e considerado pela comunidade científica um dos mais importantes da categoria na
América Latina, o prêmio incentiva jovens pesquisadores a buscarem soluções simples para os problemas
do cotidiano. Na edição deste ano, a iniciativa desafiou os concorrentes a apresentarem alternativas para
minimização dos impactos ambientais causados pelo uso de diferentes fontes de energia.
A cerimônia de premiação será realizada em novembro no Palácio do Planalto na presença do Presidente
da República. A previsão é que os vencedores sejam conhecidos em outubro e que seus trabalhos sejam
apresentados na próxima reunião anual da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência, a ser realizada
na Universidade Federal de Goiás, em julho de 2011.
As produções a seguir são exemplos de textos enviados ao Prêmio Jovem Cientista 2010.
“(...) apesar de não notarmos, cada indivíduo de nossa sociedade contribui para a
intensificação do efeito estufa. Para se ter uma ideia, um carro pequeno movido a gasolina
com um motor até 1.4 libera, em média, 1,55 tonelada de CO2 por mês, sendo que a
população total da Terra é maior do que seis bilhões de pessoas. E mais: as pessoas,
em suas casas, possuem vários aparelhos elétricos que consomem muita energia, como
geladeiras e chuveiros. O consumo médio de energia elétrica por pessoa é de 100
quilowatts/hora por mês, o que gera uma emissão de 0,32 tonelada de CO2.
Por isso, podemos concluir que não são só as indústrias que causam o aquecimento global,
mas também cada cidadão.”
[Trecho da redação intitulada Um perigo real e presente, elaborada pelos alunos
Rafael Coiro, Gabriel Amorim, Douglas Kenzo e Nickolas Krokon, do 1º ano do Ensino Médio]
109
“Tornou-se lixo tudo aquilo que se pensa não ser mais útil. Como muitas vezes não é
reaproveitado, esse lixo tem destinos inusitados (lixões, aterros sanitários, o mar) que
acabam prejudicando o meio ambiente de certa forma. Além de prejudicar a natureza,
são descartados materiais e resíduos que poderiam ser reutilizados e reciclados com o
intuito de produzir energia (como o bagaço da cana-de-açúcar), gerar novas fontes de
110
matérias-primas (por exemplo, entulho reciclado serve de matéria-prima para blocos de
concreto) e não poluir o meio ambiente, já que muitos desses materiais demoram anos
para serem decompostos.”
[Trecho de redação intitulada O desperdício de riquezas, elaborada pelos alunos
Ulysses Baes dos Santos, Julia Daudén, Juliana Gomes e Mahya Baldacci, do 1º ano do Ensino Médio]
“(...) o termo ‘ecologia’ pode ser definido como o estudo das relações entre os seres vivos
e o meio ambiente, os ecossistemas. Algo pode ser definido, portanto, como ‘ecológico’ ou
receber o afixo ‘eco’ desde que tenha algum aspecto que ajude a preservar a forma como
seres vivos interagem com o meio ambiente. Produtos como o Fandangos ‘Eco’, portanto,
fazem o uso inadequado do afixo, que poderia ser utilizado para promover apenas produtos
cuja própria utilização ou cujo próprio meio de produção ajudem a preservar algum
ecossistema.”
[Trecho de redação intitulada Produção ecoindustrial, elaborada pelos alunos
Ariel Zilberman, Joana Americano Bec, Marcela Sauda e Henrique Derong Hsieh,
do 1º ano do Ensino Médio]
“(...), o uso de combustíveis renováveis constitui a melhor, e talvez única, solução, e
especialistas aconselham que seu uso se inicie agora para evitar o agravamento dos
efeitos ambientais e provocar uma mudança progressiva do perfil energético global,
permitindo a adaptação das empresas e indivíduos ao novo tipo de vida. 'Apesar de não
estarem isentas de provocarem inúmeras alterações no meio ambiente, pois todas as
atividades humanas em maior ou menor grau assim o fazem, as fontes renováveis de
energia aparecem hoje como as melhores [...] opções para um futuro sustentável para a
humanidade', afirma Ennio Peres da Silva, coordenador do Laboratório de Hidrogênio do
IFGW/Unicamp e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético.
Nesse cenário, a produção de biocombustíveis a partir da cana-de-açúcar constitui, hoje
em dia, uma das melhores fontes de energia renovável do planeta, e o Brasil possui não
só a maior reserva como a tecnologia mais desenvolvida para sua produção. (...)”
[Trecho de redação intitulada Produção energética a partir da cana-de-açúcar,
elaborada pelos alunos Rafael Falek Rejtman, Cauê Silverio Fernandes,
Gustavo Vencigueri Azeredo e Vitor Alonso Fontelles, do 1º ano do Ensino Médio]
Tatiana Nahas é professora-assistente da área de Ciências Naturais e Matemática.
111
112
formas
Professores do 4º ano do Ensino Fundamental realizam projeto de
Geometria.
A Geometria é um ramo da Matemática
colocado, muita vez, em segundo plano pelas
escolas, apesar de sua inegável importância.
Esse estudo favorece o desenvolvimento de um tipo de
pensamento que permite compreender, descrever e representar,
de forma organizada, o mundo em que vivemos.
Na Móbile, o projeto da área de Matemática, desde o Fundamental I,
contempla o desenvolvimento de estruturas de pensamento geométrico. Muitos
são os objetivos ligados ao saber geométrico que são desenvolvidos na exploração de
situações de aprendizagem que permitam ao aluno:
113
• Resolver situações-problema de localização e deslocamento de pontos no espaço;
• Reconhecer que noções de direção e sentido, de ângulo, de paralelismo e de perpendicularismo
são fundamentais para a compreensão de fatos da Geometria;
• Estabelecer relações entre figuras espaciais e suas representações planas, o que envolve a observação
das figuras sob diferentes pontos de vista, além da construção e interpretação de suas representações;
• Resolver situações-problema que envolvam figuras geométricas planas, utilizando procedimentos
de decomposição e composição, transformação, ampliação e redução.
Considerando que nossa visão do mundo físico é essencialmente tridimensional, há a necessidade de estudar
a ocupação, a localização e o deslocamento de objetos no espaço, assim como as características e propriedades
das formas geométricas presentes nele. Esse estudo pode ser iniciado a partir da exploração dos ambientes em que
os alunos vivem e da observação de objetos construídos pelo homem ou de elementos que existem na natureza.
No 4º ano do Ensino Fundamental, os alunos iniciam o estudo da Geometria por meio da observação e da exploração de
algumas características e propriedades das figuras planas (bidimensionais) e das não planas (tridimensionais). Para isso,
são convidados a observar embalagens e utensílios utilizados em seu cotidiano, identificando possíveis relações entre esses
objetos e nomeando-os adequadamente (linguagem convencional).
A sequência didática que estrutura o ensino-aprendizagem de Geometria envolve uma série de etapas que valorizam a curiosidade
dos alunos, o espírito de investigação natural deles e a capacidade de observar regularidades e de fazer generalizações.
Etapas do trabalho – O contato inicial com o mundo da Geometria é favorecido pela observação e análise do
ambiente e dos objetos que nos cercam. Para iniciar esse estudo, numa primeira etapa, os alunos observam
construções e objetos do seu entorno para identificar elementos geométricos presentes neles. São analisados
figuras geométricas e corpos presentes nesse espaço e também são apresentados aos alunos bolas, diferentes
tipos de caixas e de latas, dados utilizados em jogos, tabletes de chocolate e figuras recortadas em papel
cartolina, como quadrados, triângulos, retângulos, círculos e pentágonos.
Nessa etapa do projeto, a discussão de algumas questões permite que sejam feitas classificações dos grupos
de formas geométricas, o que garante que os alunos identifiquem a existência de sólidos e de figuras planas.
Nessa fase, não há necessidade de apresentar os nomes dos sólidos e das figuras planas, mas de observar
se os alunos reconhecem alguns deles e o que sabem sobre o assunto que está sendo tratado. Certamente,
as crianças fazem associações entre as formas dos objetos e identificam, por exemplo, semelhanças entre a
114
forma de um cone e de um chapéu de aniversário ou um funil ou entre um retângulo e a forma de uma janela,
porta ou campo de futebol.
Outra etapa do trabalho envolve a análise de objetos tridimensionais e algumas questões são debatidas com
o grupo para orientá-lo em relação à percepção de semelhanças e diferenças entre as figuras:
• Que objetos possuem somente superfícies
arredondadas?
• Que objetos possuem superfícies
arredondadas e não arredondadas?
• Que objetos possuem “dobras”, “quinas” e
“beiradas”?
• Que diferenças existem entre uma lata de óleo
e uma lata de ervilha?
As respostas obtidas para essas questões sugerem
a separação dos sólidos em dois grupos: redondos
e não redondos. É nesse momento que termos como
“poliedro”, “face”, “aresta”, “vértice” começam
a adquirir significado e são tratados de maneira
contextualizada.
Na etapa seguinte, há uma sequência de
atividades que levam os alunos a concluir
que, na superfície dos sólidos, aparecem
formas planas. Utilizando tinta, as crianças
pintam a lateral de uma lata de ervilha
(cuja forma lembra um cilindro) de uma
determinada cor e, antes que a tinta seque,
apoiam essa lateral da lata numa folha
de papel e produzem um retângulo. Esse
procedimento é retomado com outros sólidos
com o objetivo de observar outras formas
planas que aparecem nas suas superfícies.
A finalização da sequência envolve uma série
de exercícios que exigem que as crianças, a
partir da observação da planificação de alguns
sólidos, façam as suas reconstituições em
papel. Após a montagem, há uma comparação
do desenho com as figuras tridimensionais
construídas; assim, as crianças percebem que,
na planificação de um sólido, pode-se visualizar todas as
suas faces, enquanto num desenho ou num modelo só é possível ver
algumas delas.
Solicitamos ainda que os alunos apoiem, numa folha de papel, cada um dos sólidos
construídos e façam o contorno de suas faces. Eles se certificam, dessa forma, que todas são
figuras fechadas, formadas por linhas retas, embora algumas tenham três lados, outras, quatro lados,
cinco etc. Essa atividade permite que os alunos percebam “concretamente” que os polígonos aparecem nas
superfícies dos poliedros.
Essas experiências realizadas deixam claro que os conteúdos da Geometria não são encarados na Móbile como
um estudo estático de figuras e de suas respectivas nomenclaturas, mas, sim, como um estudo dinâmico do
espaço em que se vive. Certamente, essa abordagem do ensino da Geometria contribui para o desenvolvimento
de capacidades intelectuais como a percepção espacial, a criatividade e o raciocínio hipotético dedutivo.
Antônio de Freitas da Corte é vice-diretor, coordenador do curso de Matemática
e professor do Ensino Fundamental.
115
r e f l e x õ e s
Glorinha no LHC
Diário by glorinhanolhc
Lousas eletrônicas, softwares educacionais, diários eletrônicos, quadras poliesportivas,
auditórios equipados… são, certamente, quesitos que contribuem para que uma escola
seja considerada de qualidade. Entretanto, o principal elemento de construção de uma escola
é, e continuará sendo, a qualidade de seus professores.
A professora Maria da Glória Martini (ou Glorinha, como é conhecida pelos alunos da Móbile)
foi uma das 20 selecionadas para participar da Escola de Física CERN (Centro Europeu de
Pesquisas Nucleares, em francês) em 2010. Entre 260 candidatos inscritos de todo o país,
foram escolhidos para representar o Brasil 14 professores de escolas públicas e apenas seis
de escolas particulares.
A participação de educadores brasileiros ocorreu pela primeira vez em 2010, como resultado
de negociações entre o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e a diretoria da Sociedade
Brasileira de Física. Entre os dias 5 e 10 de setembro, os professores participaram de um
curso exclusivo junto com outros 50 profissionais.
O CERN fica na Suíça e é um dos maiores laboratórios de pesquisa em Física do mundo.
Esse centro ficou bastante conhecido pelo fato de, em 2009, ter colocado em funcionamento 119
o LHC (Large Hadron Collider – Grande Colisor de Hádrons). A Escola de Física é um dos
programas mantidos pelo CERN.
Além de assistir às aulas, os professores falantes de português fizeram ainda visitas
monitoradas às instalações e aos laboratórios da instituição.
O processo de seleção de professores para a Escola de Física suíça foi bastante complexo
e rigoroso. Para candidatar-se a uma das vagas, a professora Glorinha teve de elaborar
(e apresentar a uma banca) um plano de divulgação da física de partículas em sala de
aula que consiste em veicular, em algumas escolas públicas e privadas da cidade, uma
reportagem de TV sobre o LHC para correção das imprecisões científicas presentes nesse tipo
de divulgação. Com isso, a professora pretende ampliar o repertório acadêmico dos alunos
e desfazer os mitos e o senso comum que cercam as divulgações científicas veiculadas com
ênfase e sem o cuidado necessário pelas emissoras de televisão e pelas revistas.
Para divulgar suas descobertas e estudos, Glorinha produziu um diário eletrônico sobre
sua experiência na Escola de Física do CERN (glorinhanolhc.wordpress.com).
A seguir, reproduzimos os textos que compuseram o blog "Glorinha no LHC".
Sobre
Este blog pretende relatar os eventos
e fatos mais significativos da viagem
de professora Glorinha Martini,
do Colégio Móbile, ao CERN
(Centre Européenne pour la Recherche
Nucléaire) em setembro de 2010.
até breve, cern
Diário by glorinhanolhc | 13 setembro
120
Última aula, último almoço, última viagem de ônibus, última mirada ao lugar tão especial
onde estudei e me deslumbrei por uma semana. Eles nos agradecem por termos vindo,
nos dizem o quanto somos especiais, nos lembram do quanto dependem de nós, os
educadores dos cientistas do futuro, e nos fazem embaixadores do lugar. Impossível não nos
emocionarmos, impossível não desejar voltar aqui, impossível não se reconhecer privilegiada
por ter vivido tamanha quantidade de coisas incríveis em apenas uma semana. Ao me
despedir do CERN, não posso deixar de me recordar de meu pai: homem culto que tinha um
enorme apreço pelo conhecimento. Apesar de ter morrido quando eu tinha apenas 15 anos,
seu orgulho pelos meus feitos escolares era tão verdadeiro e intenso que, nesse momento,
sou capaz de senti-lo, em um sopro, perto de mim.
caçando tesouros em genebra…
Diário by glorinhanolhc | 12 setembro
Genebra está às margens do enorme lago Léman
Universidade de Genebra
Tivemos aulas pela manhã e, para as atividades da tarde, o combinado foi caçar tesouro em
Genebra. Deram-nos um roteiro de perguntas que deveriam ser respondidas até as 21 horas,
quando, então, os 75 estudantes, eu incluída, nos encontraríamos para jantar. As questões
estavam relacionadas aos aspectos históricos e geográficos da cidade, e deveríamos percorrer
todo o roteiro andando, divididos nos mesmos grupos de estudo de todo dia. O que não
podíamos imaginar é o quanto andaríamos pela cidade!!! De posse de um mapa, íamos
cumprindo as tarefas, que eram do tipo: descobrir qual o nome da pessoa representada
na estátua no meio da praça próxima à universidade (era o Piaget) ou quantos litros de água
são ejetados por dia pelo jato que está no meio do lago Léman, ou qual acontecimento
foi celebrado na sala de determinado museu, ou, ainda, quantos degraus há entre a base
e a torre da igreja mais alta da cidade. Enfim, coisa de físico doido, botar mais de 75
marmanjos correndo atrás de tesouros e de suíços atônitos com nossas abordagens para obter
informações. O roteiro proposto, apesar de imenso, revelou-se formidável, e a cidade
é encantadora. Genebra é ensolarada, espaçosa e arejada, porque só tem prédios baixos.
É cheia de árvores, e as construções antigas formam um lindo conjunto e são extremamente
conservadas. As pessoas são muito gentis, muitas delas de outras partes do mundo. Pelas ruas,
ouve-se uma multiplicidade de línguas, já que a língua oficial da Suíça é o alemão, o francês,
o inglês, o italiano, o árabe e o chinês (isso também era um dos mistérios a descobrir).
121
Apesar de a Suíça não fazer parte da comunidade europeia, em Genebra só é possível fazer
compras tanto em francos suíços como em euros. Fotografei muito. O último destino da caça ao
tesouro era o edifício das Nações Unidas. Já era noite quando conseguimos encontrá-lo, por isso
não tenho fotos do jardim cheio de jatos d’água que brotam do chão e que tornam o lugar tão
interessante. Fiquei com muita vontade de retornar a Genebra um dia desses…
o lhc e o extintor de incêndio
Diário by glorinhanolhc | 11 setembro
CERN:
fronteira da Suíça
com a França;
uma das mãos
em cada país.
O LHC é o objeto mais complexo já construído pelo homem. Ele acelera prótons até um valor
de velocidade como nenhum outro equipamento no mundo é capaz de fazer. Os pesquisadores
daqui não se cansam de dizer que para o conhecimento científico há uma era antes e outra
após o LHC, ou seja, que ele está a fazer história. Essa afirmação se justifica pelo fato de
que, ao acelerar o feixe de prótons e fazê-lo colidir com outro em sentido oposto, surge,
como produto do choque, uma profusão de partículas que podem ser registradas pelos
detectores. Os cientistas já conhecem a maioria delas e, ainda assim, as informações
provenientes dos choques são de uma precisão inigualável e surpreendente. Na verdade,
antes do LHC, eventos com colisões dessa magnitude energética só eram estudados por meio
de simulações no computador. O incrível é que após as colisões, ao verificarem os dados
experimentais enviados pelos detectores (ATLAS, CMS, ALICE e LHCb), os pesquisadores
têm comprovado que o chamado modelo padrão dos constituintes da matéria verifica-se
totalmente na experimentação. Por causa disso, acreditam que, quando o LHC estiver em
plena atividade, ou seja, provocando colisões de milhares de bilhões de prótons a uma
velocidade de 99,999991% da velocidade da luz, eles finalmente detectarão o bóson de Higgs
e, com isso, responderão à questão crucial sobre a origem da massa dos corpos. Para adquirir
a energia cinética necessária para as fantásticas colisões, os prótons percorrem o túnel de
27 km do LHC em uma trajetória na qual o vácuo é 10 vezes mais intenso do que a atmosfera
lunar. Antes, porém, de entrar no túnel do LHC, os prótons são acelerados linearmente por
meio de campos elétricos elevados. Mas qual é, afinal, a fonte de prótons? Pasmem, é o gás
hidrogênio, ionizado, colocado em uma câmara de alimentação. A quantidade de hidrogênio
suficiente para um ano de colisões é menor do que aquela que cabe em um extintor de
incêndio, ainda que a cada 1,2 segundo, 100.000.000.000.000 de prótons sejam acelerados.
O acelerador Linac 2 é o responsável pelo primeiro chute nos prótons, fazendo com que eles
adquiram 1/3 da velocidade da luz. Os prótons continuam sendo acelerados, em outros tantos
aceleradores, até finalmente entrarem no grande anel do LHC, o que ocorre 20 a 30 minutos
depois do início da emissão do feixe. Eu visitei o Linac. Preciso dizer que foi incrível?
não há segredos no cern
Diário by glorinhanolhc | 9 setembro
“Não temos segredos no CERN. Tudo pode ser fotografado, não há espaços inacessíveis, não há
pessoas com as quais não se possa falar.” Essa afirmação foi feita pelo chefe do programa da
Escola de Física do CERN assim que chegamos, e é a mais pura verdade. Mesmo nas visitas aos
centros de controle dos detetores, onde há um monte de cientistas trabalhando, a chegada
de um grupo barulhento de portugueses, brasileiros e africanos parece não os incomodar. Eles
nos recebem sorrindo e continuam trabalhando como se não estivéssemos lá. É uma situação
totalmente distinta de tudo o que se pode imaginar em relação a um centro de pesquisa dessa
magnitude. Não há lugar proibido para fotos, nem proibidos a passagem, respeitando-se,
evidentemente, aqueles em que nossa segurança corre risco. Sente-se por todos os cantos
um desejo de que o mundo conheça o que se produz aqui, o que as pesquisas no CERN têm
Eu e o prof. Barroso.
a contribuir com a vida das pessoas, o que se desenvolve em relação ao conhecimento sobre
física de partículas. O tempo todo nos dizem: “O CERN não é só o LHC”, e hoje posso dizer
com segurança: não é mesmo! Há aqui mais ou menos 3000 estudantes do mundo todo que
convivem neste lugar na expectativa de serem formados como os cientistas do futuro.
Há uma profusão indescritível de juventude, de inteligência, de esforço, de orgulho.
É tão bonita essa maneira de se relacionar com o conhecimento científico que ela termina
124 por nos emocionar.
Temos aula até tarde. Temos muito a conhecer antes de visitarmos os laboratórios.
Ao chegarmos aos espaços, os professores continuam suas aulas a partir do que aprendemos
antes e daquilo que está sendo observado. É por isso que não tenho escrito. Hoje, cabulei
o jantar para conseguir postar essa mensagem. Não consigo responder a todos que me
escreveram. Aos meus alunos queridos, aos meus ternos amigos, meu super obrigada
pelo afeto e pelo incentivo. Cada vez que leio um comentário, fico mais feliz, e isso me
impulsiona a aprender mais, a prestar mais atenção ao que vejo, a aproveitar mais ainda essa
oportunidade única.
Ontem tivemos aulas com o prof. Augusto Barroso, mestre português da Física de Partículas.
Uma exposição simplesmente maravilhosa. Um privilégio aprender com uma pessoa
que formou tantos pesquisadores do CERN e que trabalhou no projeto do LHC e de seus
detectores. Senti-me novamente uma garota que se apaixona pela sabedoria de seu professor.
Foi tanto que pedi uma foto com ele. Cá está ela aí em cima. A participação portuguesa no
CERN é expressiva. São 17 anos de trabalho e, hoje, há mais de 45 cientistas portugueses
vinculados ao projeto do LHC. O detector no qual a participação de Portugal é mais expressiva
é o CMS, responsável pelo maior campo magnético do LHC (B = 4 T). Ele foi projetado com a
participação de 36 países e teve 2000 cientistas colaboradores. É nele que se imagina vai ser
detectado o bóson de Higgs. Encontra-se, assim como os outros detectores, a 100 m abaixo
do solo, em uma caverna. E eu fui lá!!!!!. Desci 100 m abaixo do solo e cheguei bem pertinho
dele. Foi algo indescritível.
um mistério cósmico… – o lhc resolverá?
Diário by glorinhanolhc | 6 setembro
125
Tanques de gás hélio.
A rotina aqui no CERN é a seguinte: aulas no auditório pela manhã bem cedo, almoço, aulas
à tarde nos prédios dos detectores de partículas (Atlas, Alice, CMS e LHCb) e, à noite,
discussão em grupo sobre os trabalhos do dia e apresentação de relatório sobre os conteúdos
aprendidos. Por causa dessa correria, não vou conseguir escrever muito. Tentarei descrever
o melhor possível aquilo que tiver visto por meio das legendas das fotos. Estou aprendendo
muito e me sentindo privilegiada por ter acesso a esse lugar e a essas pessoas. Os professores
que nos acompanham são pesquisadores de reconhecida excelência na área de Física
de Partículas.
O CERN é um lugar singular. Há somente um refeitório com mais de 500 lugares, no qual
almoçam tanto um cientista, prêmio Nobel de Física, quanto um estudante em início de
mestrado. Há um orgulho evidente de todos por estarem aqui. São quase 8000 pessoas de
todas as partes do mundo empenhadas em fazer dar certo um experimento que promete
mudar a história da Ciência. E eu estou aqui, vivendo um pouquinho desse clima. Tentando
aproveitar tudo e tudo e tudo. É o máximo!!
Hoje tivemos aulas no detector LHCb, responsável por averiguar as assimetrias entre matéria
e antimatéria em nosso universo. Ao resolver esse mistério, o experimento do LHCb pretende
explicar a origem da matéria tal qual a conhecemos hoje.
http://glorinhanolhc.wordpress.com/
O que você vai escolher ser quando
crEsCeR?
“A professora nos passou uma tarefa, algo bastante simples, segundo suas palavras: escrever
um texto em que respondêssemos a uma questão: ‘O que você vai ser quando crescer?’
Meus colegas iniciaram rapidamente as elaborações de seus textos. A professora chamou-me
a atenção, pois percebera que eu nada escrevia. Enquanto ela perguntava, eu refletia:
‘Simples, pois sim! Muito simples... apenas para quem sabe o que vai ser quando crescer’.”
Nicolau, personagem criado pelos franceses René Goscinny e Jean-Jacques Sempé, em 1956,
enfrenta a situação descrita aqui logo no começo do filme O pequeno Nicolau (Le Petit Nicolas),
de Laurent Tirard (França, 2009). Essa questão, considerada simples pela professora do menino,
traz desconforto para o personagem Nicolau, na altura de seus, mais ou menos, dez anos de idade.
Quando transportada do universo ficcional para a vida real de estudantes brasileiros, na faixa etária
de dezesseis, dezessete anos, ao final do Ensino Médio, essa pergunta reveste-se de sentimentos
ainda mais intensos: dúvida, temor, ansiedade.
Orientação Profissional – Um dos objetivos do trabalho de Orientação Profissional (OP)
desenvolvido na Móbile consiste na busca de minimizar o estado de ansiedade e de dúvida
no qual os alunos se encontram em relação à escolha de suas carreiras universitárias.
Escolha certamente revestida de enorme significado para a vida profissional que será
seguida pelos alunos posteriormente.
Para iniciarmos a OP de nossos alunos, buscamos estabelecer uma alteração significativa
de uma questão a que, em geral, as pessoas se propõem a responder. Em substituição
à antiga (e familiar) pergunta “O que você vai ser quando crescer?”, propomos outro
questionamento: “O que você vai escolher fazer ao final do Ensino Médio?” Essa pergunta
configura-se como “detonadora” de outras indagações: “vou me esforçar para entrar na
universidade ao final do Ensino Médio ou vou terminar esse curso e depois me dedicar
de maneira mais consistente à entrada em um curso superior?”; “pretendo entrar na
universidade logo ao término do Ensino Médio ou gostaria de (poderia) fazer um intervalo
em meus estudos acadêmicos para ingressar, por exemplo, num programa de intercâmbio
no exterior?”; “continuarei estudando na mesma cidade em que vivo com meus pais ou é
possível considerar o curso superior em uma universidade fora da cidade em que moro?”.
Essas e outras questões são discutidas por meio de atividades propostas aos alunos ao
longo dos três anos que compõem o Ensino Médio, pois acreditamos que o ato de escolher
um curso universitário requer do jovem um acúmulo de conhecimento de suas próprias
habilidades e competências e de informações a respeito dos diversos cursos superiores e dos
perfis das universidades que os oferecem.
Para avaliar e “mapear” suas habilidades e competências, entrar em contato com informações
diversas acerca de carreiras e mercado de trabalho, conhecer cursos, profissionais e
universidades, o aluno do Ensino Médio necessita de empenho, estímulo, apoio e,
fundamentalmente, “tempo”.
129
Primeiro tempo: autoconhecimento,
história de escolhas e trabalho como atividade social
“Além da combinação única e aleatória de proteínas, aminoácidos, H2O e tal, sou feita de quê?
De tempo, assim como vocês. Tempo vivido e tempo imaginado. Feita de passado, o de meus
ancestrais, transmitido pelos genes, a cultura, o inconsciente; mais a história de vida que
me trouxe até aqui.” (Meu tempo, Maria Rita Kehl, Caderno 2, In: O Estado de São Paulo,
6 de fevereiro de 2010.)
Um conjunto inicial de atividades, desenvolvido pelos coordenadores educacionais no 1º ano do
Ensino Médio da Móbile, leva os alunos a perceber a importância tanto do autoconhecimento
quanto do desenvolvimento de suas habilidades e competências para a escolha equilibrada de
uma carreira universitária.
Por meio de um levantamento inicial de suas preferências pessoais, os alunos são convidados
a produzir textos em que se autodefinem. O texto “Quem sou eu?”, escrito pela jornalista
e escritora Martha Medeiros, serve de “mote” para essa questão tão complexa. Ainda no 1º ano,
os orientadores profissionais procuram analisar com os alunos os seguintes itens:
• a existência ou não de relações entre as possíveis escolhas de cursos universitários e/ou
carreiras profissionais e habilidades e competências dos alunos;
• as dificuldades e/ou facilidades com conteúdos acadêmicos que podem interferir, ou não, na
escolha por um curso superior;
• o “estilo de vida” desejado pelo estudante para seu futuro profissional: tipo de local em que
se quer morar, segurança idealizada por carreiras em que rotinas sejam mais constantes;
possibilidade de construção de carreiras no setor público ou em empresas privadas etc.
Ao longo do trabalho de OP, orientamos o aluno a perceber a necessidade constante de aquisição
de habilidades que ampliem seu universo de escolha, pois sabemos que eles são ainda muito
jovens para ter reduzidas suas possibilidades de escolha.
Consideramos de fundamental importância questionar os alunos sobre as expectativas que seus
familiares mais próximos têm em relação às suas possibilidades de escolha e, em consequência,
de seus projetos de carreiras profissionais. Para amparar esse momento de reflexão, solicitamos
aos estudantes que realizem entrevistas com seus familiares acerca de seus processos de escolha
profissional. Os alunos são motivados a comparar os elementos e fatores determinantes para cada
uma das escolhas de seus entrevistados. Essas conversas com a família possibilitam a construção
de “históricos de escolhas”. O contato com essas histórias leva os adolescentes a perceber as
dificuldades vivenciadas por seus pais e avós na elaboração de seus projetos de carreiras
profissionais, bem como explicita as diferenças de possibilidades de escolha em distintas
gerações. A partir daí, introduzimos em nossos encontros atividades em que convidamos os
professores de História da Móbile para tratar das transformações existentes nas relações de
trabalho ao longo do tempo e do trabalho como uma atividade social. Procuramos discutir,
nesses encontros, a importância do trabalho como atividade social e não somente como ação
em si mesma, centrada apenas no próprio jovem que faz uma escolha. O trabalho passa a ser
visto como atividade que interfere, constrói e transforma a sociedade.
Segundo tempo: informação sobre carreiras
e instituições universitárias
“E o futuro, lamento dizer, não existe. A não ser, é claro, sob a forma de fantasias e projetos.”
(Meu tempo, Maria Rita Kehl, Caderno 2, In: O Estado de São Paulo, 6 de fevereiro de 2010.)
No segundo semestre do 2º ano, realizamos com os alunos encontros de modo a oferecer
a eles informações sobre cursos universitários e instituições públicas e/ou privadas de
reconhecida excelência acadêmica. Por meio de pesquisas em nossa biblioteca e/ou em sites
dessas respeitáveis instituições, os alunos entram em contato com informações que embasam
suas reflexões a respeito de suas escolhas.
131
Nessa etapa do trabalho, o aluno torna-se mais autônomo para realizar consultas a publicações
que contenham descrições das diferentes carreiras universitárias e profissionais de seu
interesse, pesquisar em nossa biblioteca notícias relacionadas às diferentes carreiras,
bibliografia especializada nas informações sobre profissões, além de serviços virtuais de
orientação aos estudantes que prestarão concursos vestibulares (site da Fuvest, serviço
de Orientação Profissional da USP e da PUC etc.). Incentivamos ainda nossos alunos a
entrar em contato com profissionais de suas áreas de interesse. Atividades de dinâmica
de grupo também permitem que esses estudantes troquem informações acerca das carreiras
pesquisadas ao longo do trabalho desenvolvido no 2º ano.
Terceiro tempo: escolher o que perder
– a hora de tomar coragem
“O problema não é inventar. É ser inventado hora após hora e nunca ficar pronta nossa
edição convincente.” Epígrafe do livro Corpo, de Carlos Drummond de Andrade
132
(Editora Record).
Para a maioria dos estudantes, o 3º ano do Ensino Médio representa a etapa derradeira
da concretização da escolha por um curso universitário. Os orientadores profissionais
da Móbile caracterizam essa importante etapa do trabalho como uma síntese das etapas
anteriores e buscam apoiar seus estudantes para as decisões a serem tomadas: definição de
carreira e escolha da instituição em que será realizado o curso escolhido.
Os alunos, nessa etapa, devem buscar atingir o maior grau de autonomia possível para um
estudante do Ensino Médio. Trata-se do momento em que deles se espera uma atitude corajosa: a
de escolher o que perder. Um aspecto relevante que contribui para a grande dificuldade de alguns
alunos realizarem sua escolha reside na proporcional angústia deles de assumir que haverá perdas
naturais. Sabe-se que a escolha pela Engenharia, por exemplo, pressupõe a desistência (ainda que
momentaneamente) do Direito, do Jornalismo, da Biologia etc. Por outro lado, ao decidir o que
perde, o estudante escolhe o curso que “ganha”. O jovem deve compreender que as escolhas,
as decisões estão intrinsecamente acompanhadas de incertezas e, certamente, de perdas. E
que nenhuma carreira profissional, ou mesmo um único curso universitário, é capaz de reunir
todos os aspectos desejados por uma pessoa.
Todo o tempo: apoio
“O importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais,
ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando.” (Guimarães Rosa)
Nos três anos que constituem o chamado Ensino Médio, desenvolvemos atividades de apoio
à escolha de nosso estudante por um curso universitário adequado e para a elaboração
de um projeto de vida. Visitas às universidades, Encontro com Profissionais qualificados
e acesso ao portal OP Móbile são algumas das ações concretas que possibilitam uma
escolha consciente e acertada por parte dos alunos da Móbile.
VISITA ÀS UNIVERSIDADES – Como parte do projeto de OP, desenvolvido com o 3º ano,
realizamos visitas aos campi universitários de instituições de reconhecida competência.
Essas visitas, além de fornecerem informações mais amplas acerca das carreiras universitárias
e possibilitarem contato com professores e alunos de boas instituições universitárias, propiciam
interação com ex-alunos da Móbile que estudam em algumas das universidades visitadas.
ENCONTRO COM PROFISSIONAIS – Com o intuito de fornecer informações mais amplas
acerca das carreiras universitárias, realizamos a cada dois anos o Encontro com Profissionais.
Nesse evento, profissionais são reunidos por área de atuação e proferem palestras sobre suas
trajetórias. Os mais de sessenta profissionais participantes das mesas-redondas estabelecem
um diálogo direto com os alunos sobre mercado de trabalho, desdobramentos da carreira
etc., além de relatar suas angústias e ansiedades na hora de fazer sua escolha.
Os estudantes participantes do Encontro têm ainda a oportunidade de conversar com exalunos sobre cursos e universidades. A presença de representantes de algumas instituições
de ensino superior e de estandes completa o evento.
133
PORTAL OP MÓBILE – Nesse portal eletrônico, reunimos informações, sites,
indicações bibliográficas, produções de alunos, listas de profissões e vasto material
relacionado à orientação para escolha profissional.
Tempo de Nicolau
Para saber como o pequeno Nicolau elaborou seu texto e o que escolheu
ser quando crescer, você terá de assistir ao filme francês, mas é certo que
a complexa pergunta “O que você vai ser quando crescer?”, feita a nossos
134
estudantes, tem sido respondida com menos angústia e mais segurança porque
o trabalho de Orientação Profissional, com o necessário apoio das famílias, garante
escolhas acertadas que culminam na construção de uma carreira profissional
consistente e equilibrada.
Blaidi Sant’Anna é diretor do Ensino Médio e professor de Matemática.
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O início das aulas é anunciado pelo sinal sonoro. Alunos e professores dirigem-se para
as salas. A aula é planejada e as estratégias são definidas, levando-se em conta
objetivos específicos. Assim, o professor tem clareza de qual ponto parte e
a qual quer chegar. Não pairam dúvidas quanto à responsabilidade da
escola em garantir o acesso aos conhecimentos produzidos, acumulados e
transformados ao longo da história da humanidade, sejam eles conceituais,
éticos ou morais.
Soa o sinal que anuncia o término das primeiras aulas; é hora do recreio. O pátio
e as quadras são palcos para o grande “ensaio social”. A interação nas brincadeiras promove
risos, prazeres, mas também exige que os alunos acordem regras, aprendam a entrar em
consenso, tomem decisões de modo democrático. É um espaço que impinge a necessidade dos
alunos aprenderem a identificar os sentimentos, seja o próprio, seja o
do outro, para desenvolver um repertório de comportamentos
que viabilize uma interação de respeito – fazendo-se
respeitar e respeitando. É momento de diversão, mas,
antagonicamente, “frustrações estruturantes” ocorrem.
Um clássico exemplo é a dificuldade enfrentada
pelo aluno ao perder um jogo e ter de lidar com
os gritos da vitória dos colegas. Neste espaço
de recreação e interação espontânea, também
se desvelam “sociogramas” nos quais é possível
identificar as relações entre os alunos. Há os que
interagem, fixando-se num mesmo grupo ou circulando
por diversos deles. Existem aqueles que ainda não estão
137
incluídos prontamente em algum grupo, mas
conseguem mobilizar recursos para participar
das diversas situações de brincadeiras. Ainda
há os que não estão incluídos e que não se
mobilizam para participar de alguma recreação,
mesmo sendo chamados pelos colegas para tal. Por
último, identificam-se os que ficam sós, seja por não se
incluírem, por serem excluídos ou por não se identificarem
com as brincadeiras que estão disponíveis. Como intervir para
educar nesse espaço tão complexo?
138
Intervir na qualidade de interação e de recreação dos alunos, ou seja, educá-los, implica manipular
variáveis que determinam comportamentos: ao olhar para aqueles manifestados pelos alunos,
identifica-se a necessidade de ensinar novos, eliminar ou intensificar outros.
Não se trata de uma concepção mecânica do comportamento humano, do tipo estímulo-resposta,
em que o organismo meramente reage e responde aos estímulos ambientais. Baseando-se nos
constructos teóricos do psicólogo norte-americano B. F. Skinner, o comportamento é concebido
como produto de uma relação com o meio, em que há uma mútua determinação entre ambiente e
organismo. Isso significa que o sujeito, na interação com outros homens e com a natureza,
tanto age sobre o meio como sofre os efeitos dessa ação. Há uma afirmação clássica de
Skinner que elucida esta concepção de mútua determinação entre sujeito e ambiente:
“Os homens agem sobre o mundo, modificando-o e, por sua vez, são modificados
pelas consequências de sua ação.” São as consequências produzidas
pelo comportamento que aumentarão ou diminuirão a probabilidade de
que ele ocorra.
No entanto, não são somente as consequências produzidas pela ação que
aumentarão ou diminuirão a probabilidade de futuros comportamentos. Estes não
ocorrem num vazio, mas, sim, na presença de determinados estímulos que os antecedem. Assim,
os estímulos que estavam presentes na ocorrência de determinado comportamento também
interferirão na probabilidade de que ele se manifeste novamente. Isso ocorre porque os estímulos
antecedentes sinalizam ao sujeito a possibilidade de comportar-se do mesmo modo e produzir
a mesma consequência no ambiente. Um exemplo: um aluno, ao perguntar para um grupo de
colegas se pode participar de uma brincadeira, obtém como consequência
uma resposta afirmativa. Num outro recreio, procurando por diversão
e inclusão, ao se deparar com o mesmo grupo, é provável que esse
estudante manifeste a mesma pergunta.
Por outro lado, se esse grupo negar a participação dele na
brincadeira, é bem provável que ele não mais manifeste
essa ação na presença dos mesmos colegas. Nesse
exemplo, o comportamento de perguntar se pode brincar
é determinado pelos “estímulos antecedentes” colegas
no momento do recreio e pelos “estímulos consequentes”
obtenção de uma resposta positiva ou negativa.
139
Isto posto, defendemos que a escola, ao se responsabilizar pela educação no momento do recreio,
intervém nas relações entre os sujeitos e o ambiente, alterando as “condições antecedentes” e as
“consequências” diante dos comportamentos dos alunos.
Um projeto – Para ilustrar uma intervenção, apresentamos um projeto do Ensino Fundamental que
tem por objetivo melhorar a qualidade da interação e da recreação na hora do intervalo. Novas e
diferentes brincadeiras são inseridas no espaço do recreio, aumentando as chances de fazer com que
os alunos interajam, incluindo aqueles que não estão inseridos em algum grupo e/ou brincadeira.
Esse momento do dia torna-se mais divertido e menos repetitivo por sair do típico pega-pega e do
jogo de futebol, que privilegiam e destacam somente aqueles que apresentam uma maior habilidade
140
física. Nessa ação educativa, altera-se o ambiente. Essas alterações contribuem para a
manifestação de comportamentos que desejamos introduzir e que têm altas
chances de serem reforçados.
Embora haja algumas peculiaridades quanto à implementação do
projeto no Ensino Fundamental I e no II, a macroestrutura, os
objetivos e os princípios condutores são os mesmos:
Etapa de sensibilização: os educadores propõem
questões que levam os alunos a refletirem sobre “como
andam” os recreios. Constatações como “Não há
variação de jogos na quadra, é sempre o futebol!”; “É
muita gente correndo pelo pátio” ou ainda “Brincamos ou
de pega-pega ou de paredão quando não temos quadra”
são categóricas e acabam por motivá-los a buscar mudanças.
Etapa do levantamento e definição das
brincadeiras: a escolha ocorre dentro de
um processo democrático e alguns critérios
norteiam os votos. As crianças analisam a
viabilidade da brincadeira, considerando os limites
do espaço, o tempo e a adequação. Ao se eleger a
brincadeira, consideram-se os interesses comuns em
detrimento dos individuais. Torna-se um exercício de debate
e de tomada de decisões.
Os alunos do Ensino Fundamental I pesquisam com pais ou avós brincadeiras que estes realizavam na
infância. Com o resultado da pesquisa, eles se reúnem em trios de trabalho e, por meio do consenso,
uma delas é eleita. Em seguida, cada trio apresenta a proposta a todos da sala e elege-se aquela que
fará parte do recreio dos alunos do 2º ao 5º ano.
No Ensino Fundamental II, a escolha dá-se por meio de um sistema de representação.
Cada uma das classes faz uma lista com várias brincadeiras, jogos e campeonatos.
Os representantes, em reunião geral, têm a função de escolher quatro modalidades viáveis dessas
atividades no espaço escolar.
Uma gama rica de brincadeiras emerge desse processo, variando de campeonatos de corda e pinguepongue, corridas de saco e de colher com batata a jogos de estratégia. Desse modo, ampliam-se os
repertórios de brincadeiras dos alunos.
141
Essa variedade permite o envolvimento de um maior número de
alunos: aqueles que não têm tanta habilidade física têm a
possibilidade de fazer parte de um jogo de estratégia ou,
ainda, de se juntar à torcida e fazer parte do evento.
Assim, uma brincadeira, um jogo ou um campeonato,
tanto do ponto de vista daqueles que disputam quanto
dos que assistem, acaba tornando-se pretexto para
a aproximação e interação de colegas. Além disso,
a variedade possibilita que o aluno experimente e
mostre diferentes capacidades.
142
A alteração no ambiente, nesse caso, representada
pela inserção de novas e diversas brincadeiras, torna-se
o contexto para que o comportamento de brincar possa ser
reforçado por inúmeras consequências, dentre elas a “interação
positiva” com colegas, a formação de novos vínculos, o sentimento de
pertencimento. Acrescenta-se a essas consequências a menor probabilidade de os
alunos vivenciarem situações mais intimidadoras, como não ser aceito ou ainda ter de lidar com
“brincadeiras” desrespeitosas, já que o ambiente favorece relações mais positivas entre os alunos.
Retomemos a cena inicial... soa o sinal para o recreio. As brincadeiras dispostas no pátio tornamse estímulos que antecedem o comportamento de brincar ou de assistir e que sinalizam várias
consequências prazerosas. Diante desse contexto, os alunos experimentam brincadeiras, vínculos e
saem altamente motivados a buscarem, novamente, a mesma experiência.
Algo ainda precisa ser considerado sobre a própria experiência do projeto, vivida pelos alunos: ao
identificarem uma situação-problema, foram engajados num processo de planejamento e de ação
para modificar algo. Quando essa experiência é generalizada, os alunos transpõem a possibilidade de
projetar seus desejos e anseios, considerando o coletivo, para transformar uma realidade. Portanto,
mais do que um recreio recriado, mostra-se a possibilidade do ser recriar-se, recriando o mundo à
sua volta...
143
Tatiana Almendra Garcia Pereira
é coordenadora do 3º ano
do Ensino Fundamental.
Colaboraram para este artigo
Maria Cristina Portugal Godinho,
coordenadora educacional do 5º ano,
e Maria Isabel Vieira de Camargo,
coordenadora educacional do 6º ano.
Consulte: SKINNER, B. F. O comportamento
verbal. Tradução de Maria da Penha Villalobos.
São Paulo: Editora Cultrix, 1978.
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146
Noel,
o Poeta da Vila
“Quando eu morrer, não quero choro nem vela
Quero uma fita amarela gravada com o nome dela
Se existe alma, se há outra encarnação
Eu queria que a mulata sapateasse no meu caixão”
(“Fita amarela” – Noel Rosa)
Noel Medeiros Rosa, o Poeta da Vila,
é, sem dúvida, o nosso primeiro compositor popular moderno. Suas letras coloquiais e melódicas reproduzem
o falar e os dramas cotidianos das camadas populares do Rio de Janeiro do início do século XX.
Em seu primeiro sucesso, com menos de vinte anos de idade, anunciou a nova ordem ou desordem
do samba: “Agora vou mudar minha conduta/Eu vou pra luta/pois eu quero me aprumar”. Satirizando
o Hino nacional, propõe cantar as mazelas sociais em tom zombateiro e irônico: “Eu hoje estou pulando
como sapo/Pra ver se eu escapo dessa praga de urubu/Já estou coberto de farrapo/Eu vou acabar ficando
nu:/Meu paletó virou estopa/E já nem sei mais com que roupa?/Com que roupa eu vou/Pro samba que
você me convidou?”
Ao rimar “estopa” com “roupa”, Noel faz um registro cruel e divertido dos reflexos da crise de 1929, que
abalou os Estados Unidos e também chegou à sua Vila Isabel. Nessa “profissão de fé”, o cancionista mostra
que o samba pode ser um veículo de diálogo social, uma vez que toda a sociedade (“morro” e “cidade”)
sofria terrivelmente com a recessão provocada pela crise econômica.
“Com que roupa” não é apenas um belo registro de uma época, é uma síntese do olhar sensível e crítico
148
do cronista para a vida e para a boa malandragem carioca: “Seu português já deu o fora/Já foi-se embora/
E levou meu capital/Abandonou quem tanto amou outrora/Foi no Adamastor pra Portugal/Pra se casar
com uma cachopa/E agora com que roupa?/Com que roupa eu vou/Pro samba que você me convidou?”.
Retomando o romance Iracema, o mito fundador do país, escrito por José de Alencar, o sambista satiriza
o processo de colonização. No romance do cearense, o protagonista Martim, guerreiro e colonizador
português, após apaixonar-se pela índia Iracema, volta para sua terra natal e para os braços da companheira
deixando a índia só e desamparada.
Na sátira proposta por Noel, por sua vez, o português vai embora e abandona sua (possível) amante
deixando o eu lírico (amante da amante) com enorme prejuízo ou, na linguagem da malandragem, “na
pindaíba”, pois o capital do português sustentava a amante e, consequentemente, o amante dela (sujeito
poético da canção): “Você não é nenhum artigo raro/Mas eu declaro/Que você é um bom peixão/E hoje,
que você se vende caro,/Creio que você não tem razão:/O peixe caro é garoupa/Com que escama e com
que roupa?/Com que roupa eu vou/pro samba que você me convidou?” Eis aqui um retrato do país e da
consolidação da troca de favor e do “jeitinho” brasileiros. Tudo isso tratado com a típica picardia de um
autêntico poeta popular.
O moderno e a tradição
No início, as canções de Noel, além de fazerem um sucesso estrondoso, causavam certo estranhamento no
público, pois o ritmo delas era totalmente diferente do dos sambas feito por figuras como Sinhô e Donga. As canções
do Poeta da Vila, jovem branco, letrado e de classe média, traziam uma malemolência falada e sincopada diversa
da tradicional batucada do morro, cantada nas noitadas na casa da Tia Ciata na praça Onze e dos sambas-canções
defendidos por vozes potentes. Esse mal-estar levou alguns sambistas a acusar o jovem compositor de modificar as
origens do samba. Noel não se deixou intimidar e, em resposta ao coro, compôs: “O samba na realidade/Não vem do
morro, nem da cidade/E quem suportar uma paixão,/Sentirá que o samba então, nasce no coração” e “Batuque é um
privilégio/Ninguém aprende samba no colégio./Sambar é chorar de alegria/É sorrir de nostalgia/Dentro da melodia”.
Antenado e atento ao universo da malandragem carioca, o Poeta da Vila sempre soube respeitar o samba como uma
espécie de religião. Aos poucos, foi ganhando simpatia e respeito dos sambistas tradicionais e o reconhecimento
popular.
Sem contato direto com as propostas de vanguarda dos artistas da Semana de 22 e com a defesa deles
da aproximação entre uma linguagem poética e uma “língua genuinamente brasileira”, Noel foi um fiel, digno
propagador e defensor dessas ideias. O escritor paulistano Oswald de Andrade, um dos idealizadores da Semana de
Arte Moderna, abordou essa “língua brasileira” em seu poema “Pronominais”: Dê-me um cigarro/Diz a gramática/Do
professor e do aluno/E do mulato sabido/Mas o bom negro e o bom branco/Da Nação Brasileira/Dizem todos os dias/
Deixa disso camarada/Me dá um cigarro”; e outro modernista, Manuel Bandeira, no antológico poema “Evocação
do Recife”, afirma que “A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros/Vinha da língua errada do povo/Língua
certa do povo/Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil”. Esses autores defendiam o “português popular
falado” como língua oficial do movimento modernista. Noel empregava em suas canções expressões das ruas da
Lapa e da Penha, o tal falar gostoso do Brasil, como propunha o poeta recifense.
Em algumas canções, Rosa ia além e, da mesma maneira que alguns poetas de vanguarda, empregava a
linguagem telegráfica defendida, por exemplo, por Oswald de Andrade: “Baleiro, jornaleiro, motorneiro,/Condutor e
passageiro/Prestamista e vigarista/(...)/Coisa nossa... muito nossa” (“São coisas nossas”). Tal qual o poeta português
Cesário Verde ou o heterônimo futurista de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, o Poeta da Vila faz um registro da
vida moderna e das tradições locais.
Em “Conversa de botequim”, o compositor popular vai além e retrata a malandragem do famoso “pendura” de
botecos, cria um poema-piada típico da poesia modernista paulistana e rima “vez” com um número de telefone,
344333, e emprega elementos “não poéticos” em sua produção: “Osório, escritório, guarda-chuva, bicheiro,
149
dinheiro”, além de fazer uma descrição divertida de uma conversa coloquial com um garçom, bem ao gosto
dos modernistas: “Telefone ao menos uma vez/Para 344333/E ordene ao seu Osório/Que me mande um
guarda-chuva/Aqui pro nosso escritório/Seu garçom me empresta algum dinheiro/Que eu deixei o meu com o
bicheiro,/Vá dizer ao seu gerente/Que pendure esta despesa/No cabide ali em frente”.
Vida
As canções de Noel Rosa, na maioria das vezes, apresentam elementos autobiográficos.
As turbulências amorosas, as observações agudas da boemia, os percalços dos marginais e dos carentes
serviam de matéria-prima para que o cronista compusesse as mais belas pérolas da música popular brasileira.
Nascido em um bairro de classe média-baixa carioca, Vila Isabel, em 11 de dezembro de 1910, Noel
teve uma infância comum, igual à dos garotos de sua comunidade, porém teve de conviver desde cedo com
algumas dificuldades. Um parto difícil levou o médico da família de Noel a decidir pelo fórceps com o intuito
de salvar a mãe e a criança. A técnica drástica causou em Noel um afundamento no maxilar. Esse defeito
físico grave em sua face o perseguiu por toda a vida.
O pai de Noel, Manoel de Medeiros Rosa, vivia constantemente com problemas financeiros e a mãe,
151
dona Marta, completava o orçamento da família ministrando aulas particulares em casa. Tudo isso não
impediu Noel de estudar e chegar à faculdade de Medicina. No entanto, o bandolim – instrumento que o
artista conheceu aos treze anos – e a boemia desde cedo atraíam o jovem estudante, afastando-o da escola.
Com o irmão caçula, Hélio, mais os amigos Almirante e Braguinha, forma o Bando de Tangarás e canta
em bares do Rio e em pequenas excursões. Conheceu o sambista Sinhô e, em seguida, compôs a sua primeira
canção, “ Queixumes”, ainda influenciado pelo “estilo parnasiano” dos sambas tradicionais: “Sem estes teus
lindos olhos/Eu não seria um sofredor/os meus ferinos abrolhos/nasceram do nosso amor”. Essa canção
apresenta as principais características da poética noelina e mostra que o jovem de dezenove anos já era um
belo artesão da palavra.
Com o amadurecimento precoce e as investidas nas noites cariocas, o compositor popular se aproximou
dos “bambas” do morro e dos boêmios Ismael Silva, Cartola, Wilson Batista, Nássara, Francisco Alves
e Orestes Barbosa. Ouvidos e olhos argutos prestavam atenção ao universo noturno que tanto seduzia o
jovem artista. Rapidamente, Noel deu seus primeiros passos para o sucesso reproduzindo como um cronista
a efervescência de um novo universo. E a faculdade de Medicina ficava cada vez mais longe do jovem e
apaixonado boêmio.
A “pá de cal” no mundo acadêmico foi o samba-anatômico, assim denominado pelo compositor,
“O coração”, composto na mesa do café Nice: “Coração/Grande órgão propulsor/Transformador do sangue
venoso em arterial/Coração/Não és sentimental/Mas entretanto dizem/Que és o cofre da paixão”. O “erro
conceitual” de Noel (“transformador” em lugar de “distribuidor”), que pode perfeitamente constituir uma
simples ironia, definitivamente empurrou o compositor para os braços do samba.
Os elogios a Noel multiplicavam-se, o sucesso e a presença dele no rádio no “Programa Casé”
tornavam-no o maior compositor popular do país. Cantores como Francisco Alves, o Chico Viola – O rei da
voz – corriam atrás do compositor a lhe pedir canções e pagavam muito pouco por elas, apesar de lucrarem
muito. Tudo isso desagradava Noel, que gastava fácil o dinheiro que entrava: “Dinheiro fácil não se poupa,
mas com que roupa”; mas não poupava os exploradores “Mas como.../Outra Vez?/toma cuidado:/Se a moda
pega/Acabas como Judas no deserto/O meu dinheiro é macho e não cresce/Só o teu cresce, mas nunca
aparece/O teu medo lá no botequim/ É ter que pagar um café pra mim”. O poeta mais uma vez mostra a
verve afiada e irônica diante da situação imposta por Chico Viola.
152
Polêmica
O olhar crítico de Noel Rosa rendeu-lhe uma boa polêmica com Wilson Batista. Noel já defendia
uma concepção de samba e de artista popular em que não cabiam mais a malandragem marginal e a
desvalorização do gênero musical e dos sambistas. Ao ouvir a canção “Lenço no pescoço”, do jovem
Wilson Batista – “Meu chapéu do lado/Tamanco arrastando/Lenço no pescoço/Navalha no bolso/Eu passo
gingando/Provoco e desafio/Eu tenho orgulho/Em ser tão vadio” –, o Poeta da Vila questionou a apologia
da vadiagem feita pelo sambista rival e respondeu com o samba “Rapaz folgado”: “Deixa de arrastar o teu
tamanco/Pois tamanco nunca foi sandália/E tira do pescoço o lenço branco/Compra sapato e gravata/Joga
fora esta navalha que te atrapalha/Com chapéu do lado deste rata/Da polícia quero que escapes/Fazendo
um samba-canção/Já te dei papel e lápis/Arranja um amor e um violão/Malandro é palavra derrotista/Que
só serve pra tirar/Todo o valor do sambista/Proponho ao povo civilizado/Não te chamar de malandro/E sim
de rapaz folgado”.
153
Sabedor do alcance do samba na era do Rádio, Noel não queria associar ao sambista a imagem de vadio
ou de marginal. Ao contrário, buscava estabelecer com o “povo civilizado” um diálogo fino entre artista e
ouvinte. Sugeriu a Wilson Batista que, de posse de papel e lápis, produzisse sambas que extrapolassem
a experiência de vida, como arte.
A resposta a Noel veio tempos depois com “Mocinho da Vila”. Na canção, Wilson Batista alega que
Noel, jovem branco de classe média, não tem autorização para discutir o papel da malandragem e lhe impõe
a pecha de otário, isto é, o avesso do malandro original: “Você que é mocinho da Vila/Fala muito em violão,
barracão e/outros fricotes mais/Se não quiser perder/Cuide do seu microfone e deixe/Quem é malandro
em paz/Injusto é seu comentário/Falar de malandro quem é otário/Mas malandro não se faz/Eu de lenço no
pescoço desacato/e também tenho o meu cartaz”.
Ainda que ofendido, Noel, em tom irônico e apaziguador, responde com a bela canção “Feitiço da Vila”:
“Quem nasce lá na Vila/Nem sequer vacila/Ao abraçar o samba/Que faz dançar os galhos,/Do arvoredo e faz
a lua,/Nascer mais cedo./Lá, em Vila Isabel,/Quem é bacharel/Não tem medo de bamba./São Paulo dá café,/
Minas dá leite,/E a Vila Isabel dá samba./A Vila tem um feitiço sem farofa/Sem vela e sem vintém/Que nos
faz bem/Tendo nome de princesa/Transformou o samba/Num feitiço decente/Que prende a gente/
O sol da Vila é triste/Samba não assiste/Porque a gente implora:/‘Sol, pelo amor de Deus,/não vem agora/
154
que as morenas/vão logo embora’/Eu sei tudo o que faço/sei por onde passo/paixão não me aniquila/
Mas tenho que dizer,/modéstia à parte,/meus senhores,/Eu sou da Vila!”.
A canção é um hino de amor à Vila Isabel e uma retomada da concepção de samba de Noel,
que busca a qualquer preço valorizar, aos olhos da sociedade branca, o tal “povo civilizado”, o samba
decente. Com imagens próximas às da poesia, o compositor, em sua ode ao bairro natal, personifica os
elementos da natureza e aproveita para provocar com o verso: “Quem é bacharel não tem medo de bamba”.
O contra-ataque de Wilson Batista vem com o samba “Conversa Fiada”, no qual questiona o feitiço
(personificação dos elementos da natureza), proclamado por Noel e incomum no samba, e responde à
segunda parte da canção, quando Noel diz que na Vila não há cadeado porque lá não há ladrão: “É conversa
fiada dizerem que o samba na Vila tem feitiço/Eu fui ver para crer e não vi nada disso/A Vila é tranquila
porém eu vos digo: cuidado!/Antes de irem dormir deem duas voltas no cadeado/Eu fui à Vila ver o arvoredo
se mexer e conhecer o berço dos folgados/A lua essa noite demorou tanto/Assassinaram o samba/Veio daí
o meu pranto”.
Em resposta, Noel produziu umas das maiores obras-primas de nossa música, “Palpite Infeliz”: “Quem é
você que não sabe o que diz?/Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!/Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,/
Oswaldo Cruz e Matriz/Que sempre souberam muito bem/Que a Vila não quer abafar ninguém,/Só quer
mostrar que faz samba também//Fazer poema lá na Vila é um brinquedo/Ao som do samba dança até o
arvoredo/Eu já chamei você pra ver/Você não viu porque não quis/Quem é você que não sabe o que diz?//A
Vila é uma cidade independente/Que tira samba mas não quer tirar patente/Pra que ligar a quem não sabe/
Aonde tem o seu nariz?/Quem é você que não sabe o que diz?”.
Ao questionar a beleza e a autoridade da Vila em matéria de samba, Wilson Batista incomodou
bastante Noel. No verso conciliador “Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz”, há o
enaltecimento dos berços do samba e uma clara ideia de que a Vila não é melhor ou pior do que as outras
comunidades. Noel definitivamente esclarece sua visão sobre o papel do sambista como divulgador da
cultura local.
Paixões e amores
As paixões sempre foram propulsoras de sambas para Noel. Apaixonado pela vida, pelas mulheres,
pela boemia, pelo bairro e pelo samba, suas canções passam a ser registros de relações passionais. Ora
o poeta canta a sua Vila, ora canta os seus companheiros de marginalização e boemia com olhar terno e
compreensivo diante da miséria que os espreitava.
O “filósofo do samba” não permitiu que essas questões passassem em branco. Temas sociais e
existenciais não eram comuns no reduto dos bambas que sempre se ativeram a assuntos amorosos e
orgíacos.
O poeta, cronista e filósofo sempre soube em que margem estava e como as relações sociais se
estabeleciam em um país recém-saído de um longo processo escravocrata que deixou heranças de
patriarcalismo e de marginalização. Ao cantar os desvalidos, Noel elevou o samba a outro patamar.
Adentrou a modernidade e emprestou a sua voz e prestígio para denunciar e alertar a sociedade
de suas mazelas, sem romantismo ou pieguice.
155
Assim também compreendia o amor e suas dificuldades. Sua vida amorosa foi bastante atribulada.
O próprio poeta declarava que a cada paixão perdida era um samba que fazia.
Sua primeira musa foi Josefina, operária de fábrica, para quem compôs “Três apitos”. Além dessa musa,
há duas mulheres importantes na vida de Noel: Lindaura, sua esposa, e Ceci, a dama do cabaré. O poeta foi
obrigado pela família da menor Lindaura e por um delegado de polícia a se casar. A contragosto, o boêmio
casa-se, mas não abandona as noitadas. Em uma de suas frequentes visitas ao famoso Cabaré da Lapa,
Noel se encanta com Ceci, passa a viver uma vida dupla dividido entre a esposa e a nova amante.
A relação de Noel e Ceci enfrenta altos e baixos constantes e motiva inúmeras canções de amor.
Essas canções autobiográficas são registros praticamente fiéis dessa história conturbada vivida pelos
amantes. No entanto, raras são as vezes em que o poeta se deixa levar pelo discurso grandiloquente
do amor. Seus versos continuam prosaicos, ainda que doloridos, ressentidos e apaixonados.
Último desejo
156
Dois baques abateram profundamente o poeta: o suicídio de seu pai, em 1935, e a crise de tuberculose.
A vida boêmia, a bebida, as noites maldormidas, a vida dupla e a alimentação precária derrubam Noel, que
parte para um retiro com a esposa em busca de saúde em Belo Horizonte, em 1934.
Recuperado parcialmente da doença e com doze quilos a mais, o cancionista volta ao Rio, à boemia e
aos braços da amada Ceci. Porém o ciúme e traição de Ceci, supostamente com o então jovem compositor
e ator Mario Lago, fazem com que a relação entre os amantes estremeça. A composição “Pra que mentir”,
cinquenta anos depois respondida por Caetano Veloso com “Dom de iludir” (“Não me venha falar na malícia
de toda mulher”), retrata essa relação arranhada que estava com os dias contados: “Pra que mentir se tu
ainda não tens/Esse dom de saber iludir?/Pra quê?! Pra que mentir/Se não há necessidade de me trair?/
Pra que mentir, se tu ainda não tens/A malícia de toda mulher?/Pra que mentir/se eu sei que gostas de
outro/Que te diz que não te quer?”
Mais uma vez o Poeta da Vila abandona o coloquialismo e o humor característicos e, na
segunda pessoa, ataca a mulher infiel. Como um Dom Casmurro, desfere suas acusações certas e
definitivas contra a suposta mulher traidora, incapaz de enganar o amante conhecedor da malícia
feminina.
O fim da relação, o ressurgimento da doença, a vida boêmia e a hemoptise de 1º de maio
derrubam definitivamente Noel, que, em 4 de maio de 1937, morre em sua casa, acolhido pelos
amigos de samba e de boemia. Nesse mesmo ano, dois meses depois, Aracy de Almeida, a
intérprete predileta do poeta, grava a obra póstuma de Noel e a sua despedida de Ceci, seu grande
amor, a seu estilo. Uma canção repleta de sentimento, ironia e poesia (“Último desejo”): “ Nosso
amor que eu não esqueço,/e que teve o seu começo/Numa festa de São João/Morre hoje sem
foguete,/sem retrato e sem bilhete,/sem luar, sem violão/Perto de você me calo,/tudo penso e nada
falo/Tenho medo de chorar/Nunca mais quero o seu beijo/mas meu último desejo/você não pode
negar/Se alguma pessoa amiga/pedir que você lhe diga/Se você me quer ou não,/ diga que você
me adora/Que você lamenta e chora/a nossa separação/Às pessoas que eu detesto,/diga sempre
que eu não presto/Que meu lar é o botequim,/que eu arruinei sua vida/Que eu não mereço a comida
que você pagou pra mim”.
Nessa canção, o tom coloquial e terno volta. Não há ressentimento do poeta, há o carinho
à amada de tantas brigas e pazes. Faz a ela com humor e tristeza dois pedidos antagônicos
dispensados aos amigos e inimigos.
Noel foi assim: duro, terno, irônico, galhofo e crítico. Em curto espaço de tempo, escreveu seu
nome na história da música popular brasileira. Fez de seu lar e escritório o botequim e fez da vida
cotidiana a mais pura poesia popular.
João Jonas Sobral é professor de Estudos Literários
de 1º e 2º ano do Ensino Médio e tutor do 2º ano.
157
O Selvagem
da Motocicleta
(Rumble Fish)
Filme de Francis Ford Coppola reflete conflitos e desencantos de uma geração.
Imagine que você é um diretor de cinema cujos filmes (O Poderoso Chefão
e O Poderoso Chefão II) conquistaram o principal prêmio do cinema
norte-americano: o Oscar (em 1973 e em 1975, respectivamente).
Quatro anos depois, com sua obra Apocalipse Now, conquistou a Palma
de Ouro, principal prêmio do Festival de Cannes, na França (premiação,
aliás, que não vê com bons olhos filmes estadunidenses, sobretudo
os de guerra). Sua carreira, então, está no auge e sua produtora está
lucrando somas astronômicas.
Esse não foi, no entanto, o caso do endividado diretor norte-americano Francis Ford Coppola.
Embora Apocalipse Now seja um marco na história do cinema, filmá-lo e produzi-lo quase levaram
Coppola literalmente à loucura por inúmeros motivos: tempestades tropicais destruíram diversas
vezes o set, revoltas civis na Indonésia interromperam as filmagens e os atores principais tiveram
vários problemas (Martin Sheen sofreu um ataque cardíaco, Dennis Hopper estava drogado quase
todo o tempo das filmagens e Marlon Brando, apesar da genialidade, era um problema em si
mesmo pelo temperamento explosivo).
Outros trabalhos do diretor, como O Fundo do Coração, foram um fracasso de bilheteria e levaram
sua produtora, a Zoetrope, à falência. Esses fatos fizeram com que Copolla se voltasse para
projetos menores, tanto financeira quanto cinematograficamente. Nessa fase, ele produziu dois
filmes sobre um tema com o qual ainda não havia trabalhado em sua carreira: a juventude, em
Vidas Sem Rumo e O Selvagem da Motocicleta. No primeiro trabalho, Coppola parece estar se
aquecendo para realizar a pequena obra-prima que é o segundo.
159
Peixes de briga – Mickey Rourke (magistral!) é o selvagem da
motocicleta (Motorcycle Boy), jovem que lidera sua gangue num
reinado de sexo, drogas e violência em uma pequena cidade industrial
decadente dos Estados Unidos. Mas tudo o que é “bom” dura pouco, e o
“Motorcycle Boy” começa a enxergar além dos limites de seu pequeno
160
e medíocre império. O personagem parte, então, para uma viagem de
questionamento e catarse de seus conflitos internos. O cenário para que
ele se torne um mito está pronto, e é o que acontece. Seu irmão, Rusty
James (Matt Dillon em ótima atuação, acredite se quiser!), o idolatra
e tenta assumir esse reinado com pequenas brigas entre gangues,
enquanto aguarda o retorno do irmão para que os “bons” tempos voltem.
Infelizmente, para Rusty James isso acontece.
Infelizmente, pois o único desejo do “Motorcycle Boy” é não liderar e nem ser o mito de ninguém,
pois ele mesmo mal sabe para onde ir. Depois de tomar consciência de si mesmo, ele mostrará
ao irmão que cada um tem a sua própria trajetória e que de nada adianta seguir o caminho dos
outros (muito menos o dele!). No filme, o personagem de Mickey Rourke é daltônico e ligeiramente
surdo, deficiências de percepção estranhas para quem supostamente deve liderar um grupo. É, na
verdade, um sujeito desajustado e à margem da vida. Já Rusty James tem raciocínio lento e é gago,
características que, em princípio, também só permitiriam que ele fosse liderado (ou manipulado).
A única coisa que o personagem de Rourke quer lhe mostrar é que ele terá de cuidar da própria
vida, sem seguir ninguém. E no caso de Rusty James, com tantas limitações, não será nada fácil.
O filme é carregado de simbolismos do início ao fim, desde a opção pelo
preto e branco, numa alusão sutil ao daltonismo do personagem principal,
até o título original da película, Rumble Fish ou “Peixes de Briga”, uma
espécie de peixes ornamentais que atacam o próprio reflexo no vidro de
um aquário, uma metáfora para a personalidade violenta de Rusty James.
Nesse sentido, a cena final é o grande momento do filme. Todos esses
simbolismos fazem de O Selvagem da Motocicleta uma obra para ser
vista e revista. É também uma oportunidade de ver o grande ator Dennis
Hopper, falecido recentemente, no papel do pai alcoólico dos dois irmãos.
Beatnicks, Coppola e Walter Salles – O trabalho de Coppola é também uma homenagem ao
primeiro movimento de contracultura surgido nos EUA no período pós-guerra, o Beatnick. Esse
movimento tem início no final dos anos 1950, um período de grande prosperidade para os EUA,
marcado pelo consumo desenfreado de eletrodomésticos e roupas e por donas de casas com
penteados e lares perfeitos. Esse período de prosperidade aconteceu depois de uma profunda
recessão, ocorrida no período pós-Segunda Guerra. Com o fim da economia de guerra, os EUA
entram em um período de declínio econômico, provocando uma onda de greves sem precedentes
no país. A reação do governo foi imediata, reprimindo duramente os movimentos operários
e os sindicatos.
161
Para fugir da recessão, medidas econômicas estimularam o consumo interno, provocando a
expansão no mercado imobiliário, o surgimento das redes de supermercados e a produção de
inúmeros bens de consumo, como carros populares, televisões e eletrodomésticos “linha branca”.
Conquistar (leia-se consumir) todos esses produtos tornou-se o principal objetivo da classe média
norte-americana, e caracterizaria, mais tarde, o novo modo de vida americano.
No entanto, como ninguém aguenta tanta felicidade, ou melhor,
conformismo, o surgimento da Guerra Fria e o Macartismo tornariam o
céu estrelado do Pós-guerra bem sombrio, o que contribuiria para que
um grupo de jovens escritores, conhecidos inicialmente como Beats (em
inglês, movimento), mostrasse toda sua revolta com a cultura letárgica e
monótona da época. São filhos da geração da grande depressão de 1929,
que tiveram de percorrer os EUA em busca da sobrevivência. Esta era a
proposta da geração beatnick: tomar para si suas vidas ao “partir para a
estrada” em busca de suas consciências, como “Motorcycle Boy” e Rusty
James o fazem no filme de Coppola. O livro que serviu de inspiração para
esse movimento foi On the Road, de Jack Kerouac. Poetas que também
fizeram parte da geração Beatnick são Allen Ginsberg, William Burroughs,
Gregory Corso, Carl Solomon, entre outros.
162
O cineasta brasileiro Walter Salles adquiriu os direitos sobre a obra de Kerouac, os quais
pertenciam à produtora Zoetrope, de Coppola, diretor que tentou filmá-la durante 30 anos, sem
sucesso. Talvez a dificuldade esteja na responsabilidade de representar um movimento tão
importante que inspirou toda uma geração, os hippies. Depois de Diários de Motocicleta, o diretor
de Central do Brasil, que entrou nos estúdios em agosto de 2010, põe novamente o “pé na estrada”
para mostrar seu recorte interpretativo cinematográfico de On the Road. É esperar para ver.
Hugo Carneiro Reis é professor de Física do Ensino Médio.
P e r f i l
164
TobiasWolff
ummestredasnarrativascurtascontemporâneas
“Meusfilhossãoleitoresvorazes.Oquerealmente
transformaascriançasemleitoreséverospaislerem.”
(Tobias Wolff )
O escritor norte-americano Tobias Wolff é considerado
um dos grandes contistas de sua geração. Entre
outras obras, Wolff é autor de O despertar de um
homem (Rocco, 1996), obra de memórias, adaptada
para o cinema e protagonizada por Leonardo DiCaprio
e Robert De Niro.
O perfil a seguir é resultado de uma entrevista
exclusiva que a professora de História do 2º ano
do Ensino Médio, Teresa Chaves, fez com o escritor
por telefone.
165
Início da carreira
início do século XX] Jack London; na verdade, eu
Acredito que minha carreira começou como
cheguei a mudar meu nome para Jack, tamanha era a
provavelmente começa a carreira de todo escritor:
admiração que tinha por seu trabalho. Havia também
quando eu me tornei um leitor, quando ainda era
outro escritor, um [criador de cães e escritor norte-
muito novo. Eu não conheço nenhum escritor que
americano da 1ª metade do século XX] chamado
não tenha começado assim, que não tenha sido,
Albert Payson Terhune, que escrevia livros somente
de uma forma ou de outra, capturado pela leitura.
sobre cachorros, sobre cachorros da raça collie. Ele,
Ao contrário, não haveria o impulso de ser você a
provavelmente, era louco, mas, de qualquer jeito, eu
pessoa a escrever. Depois disso, o próximo passo na
lia muito os seus livros, antes mesmo de começar
minha vida (e acredito que na vida da maioria dos
a gostar de Jack London. Na verdade, foi uma
escritores) foi começar a imitar as coisas que eu
bibliotecária que me indicou os livros de London,
amava ler. No meu caso, não fiz isso com a ideia de
quando me viu lendo as coisas daquele maluco que
me tornar escritor; eu era muito novo, tinha 10, 11
só escrevia sobre collies. E depois de London não foi
anos quando comecei a escrever imitações do que
necessário um passo muito grande para me interessar
gostava de ler, e nunca mais parei.
depois pelas histórias do [escritor e jornalista norteamericano, ganhador do Premio Nobel de Literatura]
Referências literárias
Ernest Hemingway, pois o que me atraía inicialmente
Os escritores que primeiro me atraíram quando
nelas eram as cenas externas, situações heroicas
menino eram aqueles que escreviam o tipo de
que misturavam homem e natureza, escritas
romance sobre meninos durões. Mas eu rapidamente
num estilo aparentemente simples. Depois de
passei a ler os livros do [escritor norte-americano do
Hemingway, aprendi a amar outros autores, como
muito por isso. A televisão nunca esteve no centro
das nossas vidas, ao contrário do que parece
acontecer com muitas famílias: nós nunca usamos a
TV como babá. Nós sempre líamos no café da manhã,
durante as viagens de avião e trem, sempre líamos à
noite... E era isso o que nossos filhos achavam que
era natural, e foi assim que eles criaram o hábito.
Mas nós temos um problema no país. Acredito que
não estamos sozinhos nisso, mas nossos índices
de leitura despencaram, e os pais se enfurecem
166
contra as escolas por causa disso – mas eu acho
Fitzgerald, Katherine Anne Porter... são tantos que
que o problema deve ser resolvido em casa. Esses
eu poderia passar o dia fazendo uma lista. Mas é
pais que culpam as escolas por seus filhos não
assim que funciona quando você se torna um leitor:
serem bons leitores, em geral, também leem muito
é como se você entrasse para uma família. Talvez o
pouco. Houve uma pesquisa que mostrou um dado
pai o encontre na porta da casa de um escritor e a
estatístico terrível: mais da metade dos adultos
partir daí você começa a conhecer todos os irmãos e
norte-americanos não leem nem meio livro por ano.
irmãs, os primos e os primos de segundo grau dele.
Você começa a ler história de cachorros aos 10, e
Herança judaica
alguns anos depois, nessa progressão infinita de
Não tenho muita relação com minha herança judaica,
apresentações aos parentes dessa “família”, você
pois meu pai nunca admitiu ser judeu quando eu era
está lendo Tolstoi, Borges, Nabokov, Toni Morrison
menino. Eu não sabia que era judeu. Minha mãe era
e assim por diante.
uma irlandesa católica e, como fui criado por ela,
cresci na igreja católica. Eu nunca conheci o lado
Filhos e crianças leitoras
judaico de minha família até meus 40 anos, quando
Meus filhos são leitores vorazes. O que realmente
tive contato com alguns de seus parentes. Minha
transforma as crianças em leitores é ver os pais
conexão com essa herança é emocional. Tenho muito
lerem. Minha esposa e eu sempre lemos muito, e
orgulho da família de meu pai, e gostaria de tê-la
quando as crianças eram pequenas nunca tivemos
conhecido melhor: são pessoas extraordinárias. Mas
uma TV na sala de estar; tínhamos uma no andar de
não sou parte da tradição judaica, nem religiosa nem
cima, onde elas podiam assistir a programas infantis
culturalmente.
de manhã, mas meus filhos nunca se interessaram
O Despertar de um Homem
vindo de uma zona rural do estado de Washington
Quando minha mãe leu os manuscritos de O despertar
para uma escola de elite; mas os meninos eram
de um homem, percebeu que eu havia escrito sobre
amigáveis, eu fiz bons amigos lá.
ela com amor. Então, sua maior ansiedade era
justamente saber se os leitores a veriam como uma
Cunho autobiográfico
mulher estúpida e sem graça; mas muitos críticos
Eu havia começado a escrever algumas lembranças
fizeram de tudo para falar sobre minha bela e
sobre como foi crescer com minha mãe, porque
corajosa mãe, e no final ela se tranquilizou.
percebi que certa sombra estava recaindo sobre
as fronteiras da minha memória. Então comecei a
Colégio Hill Scholl
escrever algumas coisas, não para usá-las em um
Estudar num colégio de elite na Pensilvânia foi
livro de memórias, mas como uma base para alguns
uma experiência rigorosa intelectualmente, o que
contos que estava pensando em escrever. Porém,
era muito excitante. Eu nunca havia estado em um
quando comecei, percebi que já havia uma história
lugar onde as ideias pudessem ser debatidas com
ali mesmo. Eu nunca quis escrever um livro de
tanto fervor, e onde não o incomodavam por você
memórias antes disso, gostava de minha privacidade
se interessar por uma questão intelectual ou por
e não encontrava muito prazer na ideia de expor a
ser um amante de poesia. Eu cresci em escolas
minha vida em público dessa forma. Mas foi assim
fundamentalmente preocupadas com os valores do
que começou.
esporte, então Hill Scholl foi de fato uma grande
experiência. Socialmente eu era um corpo estranho,
Memórias e literatura
O problema em escrever as próprias memórias
é que, uma vez que você o faz, elas tendem a se
congelar. Torna-se então muito difícil imaginar de
maneira diferente uma memória depois que ela foi
escrita. Quando você não escreve suas memórias,
elas existem num estado fluido, são suscetíveis às
mudanças que você faz, dependendo da pessoa com
quem fala ou do seu humor. Mas uma vez que você
as escreve, elas endurecem. Então hoje eu não posso
dizer que mudaria qualquer coisa do que escrevi em
minhas memórias.
167
Revisor compulsivo
Meu livro mais recente se chama Our Story Begins: ele
reúne 21 contos meus de obras anteriores e dez novas
histórias. E eu me vi, apesar de já ter revisado esses 21
contos muitas e muitas vezes, revisando-os novamente
para colocá-los nesse novo livro. Mas é assim que eu
sou: não há muito que se possa tornar perfeito nessa
vida, mas quando se é um escritor há uma busca
incessante por essa perfeição. Então, quando via uma
palavra que simplesmente não parecia ser a palavra
168
certa, eu tentava encontrar essa palavra perfeita;
quando lia uma frase que não precisava estar ali, eu a
retirava. Porém, fazer isso é perigoso também, porque
sou hoje uma pessoa diferente, de diversas maneiras,
do que era quando escrevi alguns contos há, digamos,
15 anos. Há sempre o risco de estragar alguma
coisa que estava boa. Mas a minha atenção sempre
Narrativas curtas
esteve, no momento da revisão, em tentar fazer de
Muitos dos escritores que amo eram principalmente
um conto algo tão perfeito quanto eu puder; então,
conhecidos por seus contos. É o caso de Chekov, e
se enquanto estava relendo aquelas histórias eu vi
eu particularmente adoro os contos de Hemingway,
algo que pareceu deslocado, não consegui resistir à
de Katherine Anne Porter, de Flannery O’Connor, de
tentação de colocá-lo no lugar.
Maupassant... Não foi nada estranho que eu seguisse
nessa direção. E, novamente, sou um perfeccionista,
Escrever
e talvez seja mais fácil ser perfeccionista quando se
Escrever, provavelmente, foi uma forma de encontrar
escreve contos do que quando se escreve romances.
saídas, porque, mesmo enquanto você escreve,
É um desafio para mim: tentar colocar todo um
enxerga maneiras melhores de agir do que aquelas
mundo, um universo de personagens e expressar
que você escolheu a princípio.
coisas importantes sobre eles no curto momento de
um conto, o curto espaço de tempo e tamanho que se
tem em um conto. É muito desafiador, e isso é parte
da diversão.
Desfechos das narrativas
Professor de “escrita criativa”
O fim, para escritores, é realmente a parte na qual
Não dá para ensinar alguém a escrever, mas
temos de trabalhar para chegar ao lugar certo. Nem
certamente é possível ajudar uma pessoa a se tornar
todos os meus leitores concordam que meus finais
um ótimo editor de seu próprio trabalho, o que é
são os finais certos. Gosto de acreditar que o leitor
um presente de valor indescritível. E também posso
é capaz de intuir e de imaginar coisas para além
apresentar aos meus alunos os escritores que eles
do fim imediato da história, de continuar a seguir o
deveriam ler naquele momento, que os ajudarão a
arco da narrativa que criei e o desenvolvimento dos
fazer o que desejam, a aprofundar seus sentidos, a
personagens assim como os imaginei. Confio muito
encontrar a família literária a que pertencem, se você
dos meus finais aos meus leitores.
preferir. Posso dar a eles novos olhares sobre seus
trabalhos, ajudá-los a perceber o que estão e o que
Qualidade literária
não estão conseguindo fazer. Eles têm que fornecer
Se se observar os romances que as pessoas
a escrita, não se pode ensiná-los a escrever. Mas é
normalmente leem, os best-sellers, eles tendem a
possível ajudá-los a se tornar melhores escritores,
ser grandes, grossos, mas tendem também a não ter
não há dúvidas.
muita qualidade literária. Tendem a ser suspenses
ou histórias românticas de vários tipos, ou romances
Estados Unidos da América
históricos intermináveis. O leitor mediano quer ter
Estou um pouco mais esperançoso agora do que
tudo muito mastigado, e acho que escritores de
estava há um ano, mas eu gosto muito desse novo
qualidade resistem a isso. Trabalham de maneira
sujeito, o Obama, e gosto do que ele está tentando
muito mais confortável e verdadeira com a incerteza,
fazer. Apenas desejo que os norte-americanos
a ambiguidade, a dificuldade, porque a nossa vida
consigam mudar os rumos do país e colocá-lo em
é assim. Mas leitores leem como forma de escape,
uma direção mais positiva, especialmente no que se
em sua maioria. Alguns poucos leem pelo desafio de
refere às relações com o restante do mundo.
confrontar a vida sob olhares incertos ou ambíguos,
coisa que encontrarão na ficção ou na poesia sérias.
Leia a entrevista original, na íntegra, em inglês,
no Vered@-Etc, feita com exclusividade
pela professora Teresa Chaves, e que serviu
como base para este perfil.
169
F u t u r o s
P r o f i s s i o n a i s
Perguntas
nem tão fáceis
“A terapia literária consiste em desarrumar
a linguagem a ponto que ela expresse
nossos mais fundos desejos.”
(Manoel de Barros)
Um dos elementos de ritualização da
saída dos alunos do Ensino Médio da
Móbile e entrada deles na universidade
é a confecção de um livro coletivo,
entregue aos formandos na cerimônia
de colação de grau. Nele, os alunos são
convidados a responder a dez questões
sobre os mais variados temas. As
respostas dadas por esses jovens são
recortes de uma época.
A seguir, apresentamos aos leitores as
respostas escritas por dois de nossos
alunos, Gustavo Duarte Salhani e Lia
Respostas de Gustavo...
O psicanalista Lacan defende que o Universo
Simbólico, o das palavras, é o que nos
“coloca” no mundo. Que palavras traduzem seu
momento presente? Um momento marcado por
expectativas, sonhos, anseios, rupturas...
A palavra que traduz meus sentimentos nesse
momento é antítese. Acredito que todos nós, alunos
O crítico literário Antonio Candido, num ensaio
do 3º ano, estamos passando por um período cheio de
intitulado “Direito à literatura”, credita à arte
contradições. Ao mesmo tempo que me sinto feliz por
das palavras o poder de “organizar o caos” que
finalmente terminar a escola e iniciar um novo estágio
habita as pessoas. Que poema, romance, conto,
na minha vida, às vezes penso que seria melhor que
crônica você acredita que poderia servir como
ela nunca acabasse, pois os laços estabelecidos
“organizador de seu caos”?
jamais se romperiam (o que evidentemente ocorrerá
No geral, os contos e romances de Machado de Assis
quando cada um tomar seu rumo na vida adulta).
são os responsáveis pela “organização do meu caos”.
Enquanto anseio entrar em uma boa faculdade, passa
Por possuírem alto grau de profundidade e analisarem
pela minha cabeça a possibilidade de não passar
a realidade de forma muito ampla (apontam todos os
no vestibular. Simultaneamente, sonho com minha
lados/visões da questão), essas peças literárias são
vida futura, mas percebo que preciso primeiro ter o
algo com o que me identifico. Em outras palavras, as
presente consolidado (atingir certas metas agora) para
reflexões indiretamente induzidas pelo autor abordam
que meus objetivos sejam alcançados. Resumindo, é o
temas raramente percebidos pelo senso comum. Assim
período das oposições, dos dilemas e das incertezas.
como discussões de caráter filosófico, elas me fazem
refletir sobre quem sou, por que sou de tal forma e
por que os humanos costumam adotar certas medidas,
agir de determinados modos. Isso, para mim, deixa o
universo ao meu redor mais claro e mais relativo, me
permite concluir que nada é objetivo.
175
Muitas são as pessoas que nos servem de
referência ao longo da vida. A pensadora Hannah
Arendt, por exemplo, teve como referência seu
mestre e amor Heidegger, o filósofo alemão;
o escritor Caio Fernando Abreu tinha Clarice
Lispector como grande inspiradora; Platão foi
Não deve haver arte que melhor “imite” a
um discípulo de Sócrates; Caetano Veloso,
realidade do que o cinema, dada a possibilidade
quando garoto, sonhava ser um pensador como
técnica de verossimilhança que a sétima
“aqueles existencialistas de Paris”, chegando a
arte possui, mesmo quando inventa mundos
fazer uma referência explícita ao filósofo Jean-
fantásticos. Qual é o grande filme de sua vida?
Paul Sartre em sua canção “Alegria, alegria”,
Por quê?
um dos hinos do Tropicalismo. Quem seria(m)
O conjunto de filmes Harry Potter e O senhor dos
sua(s) grande(s) referência(s) hoje? Por quê?
anéis. Embora sejam filmes de caráter infanto-juvenil,
Não tenho somente uma, mas várias referências.
fogem da realidade, criam um mundo fantástico do
Servem-me como fonte de inspiração todos aqueles
qual os espectadores podem desfrutar. Esses filmes
que superaram grandes obstáculos, surgiram com
me despertam sentimentos dos mais diversos e me
novas ideias e proposições muitas vezes consideradas
permitem explorar minha imaginação, vivenciar o
“fora de época”, ou seja, apresentaram uma nova
incomum, algo completamente diferente daquilo com
leitura da realidade. Poderia citar Da Vinci, Freud,
o que estou acostumado.
Lacan, Einstein, Galileu, Machado de Assis, Aristóteles,
176
Dostoievski, Gauss, Newton, Lavoisier, Descartes,
Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina que
Shakespeare, entre outros. De qualquer forma, o que
estará fazendo daqui a quinze anos?
quero dizer é que essas pessoas fizeram/fazem todos
Quanto
pensar, refletir sobre a vida e o mundo ao redor ou até
trabalhando em uma grande empresa, provavelmente
mostraram para as pessoas aspectos desconhecidos/
dirigindo/orientando uma equipe. Quanto ao aspecto
despercebidos por elas.
pessoal, sei que com certeza terei passado por várias
à
carreira
profissional,
me
imagino
experiências e aprendido várias lições. Vejo-me, por
exemplo, viajando por vários países e conhecendo
outras culturas.
Em cada uma das etapas que compõem nossa
agonia. Acabemos com a única crise ameaçadora,
vida,
abandonar
que é a tragédia de não querer lutar para superá-
determinadas pessoas que nos são caras e que
la”. Aquilo que é considerado seguro, confiável ou
fazem nossa existência mais grandiosa. Quem
plausível, não acrescenta nada a ninguém, já que é
são as pessoas que você gostaria de levar para
praticamente imutável, isto é, não há nada nele que
sua vida toda neste momento? Por quê?
cause discordância. As inquietações, por outro lado,
Além da minha família, levarei comigo todos os meus
nos fazem refletir e ter vontade de agir, às vezes até
amigos, pois ambos sempre me deram suporte quando
ocasionam uma mudança radical de mentalidade. Em
precisei, mesmo nas situações mais adversas. Fora
suma, a inquietação que o conhecimento me trouxe
isso, são os responsáveis pelo que sou hoje, já que me
foi a própria descoberta de que não há conforto na
proporcionaram opiniões/conhecimentos/experiências
vida, tudo pode e deve ser observado por mais de uma
diferentes.
forma; caso contrário, não estamos vivendo.
O semioticista italiano Umberto Eco afirmou
Que marcas da Móbile ficam em sua vida e que
recentemente, após anunciar sua aposentadoria
farão parte de sua existência daqui para frente?
na universidade, que não acredita na felicidade,
Basicamente, as amizades que fiz e as lições de vida
mas na inquietação. Que inquietações o
que aprendi. Meu vínculo com a Móbile consiste no
conhecimento trouxe para você?
aprendizado que tive nesses 15 anos, já que estou aqui
O conhecimento me fez perceber que a vida é feita e
desde os 2 anos de idade e nunca estudei em outra
movida única e exclusivamente pelas inquietações.
escola. Obviamente, portanto, a escola deixou várias
Uma vida plana, sem conflitos, dilemas e barreiras
marcas na minha personalidade. A principal lição é
a serem superadas não pode ser chamada de vida.
o fato de que os seres humanos não vivem cada um
Em uma de suas frases, Einstein dizia que “não
dentro de uma “bolha”. Em outras palavras, percebi
pretendemos que as coisas mudem se sempre fazemos
que não há como olhar para o mundo sem analisar a
o mesmo [...] É na crise que nascem as invenções,
situação num âmbito geral. É imprescindível se colocar
os descobrimentos e as grandes estratégias. [...] O
no lugar do outro para que, então, seja possível uma
inconveniente das pessoas [...] é a esperança de
melhor uma compreensão do problema.
prometemo-nos
jamais
encontrar saídas e soluções fáceis. Sem crise não há
desafios, não há mérito, a vida é uma rotina, uma lenta
177
Que palavras você deixa para si mesmo quando
ler este livro depois de concluído seu curso
universitário e de ter ingressado na carreira de
trabalho?
Provavelmente, você já passou por muitas coisas, sejam
elas boas ou ruins. Lembre-se sempre de que, embora
seja necessário levar em conta o resto do mundo (a
opinião de outros, as mudanças do meio externo), é
178
Os artistas simbolistas acreditavam no poder
importantíssimo valorizar seu pensamento, mesmo
que a música tem de nos chegar à alma. Que
que ele vá contra a mentalidade da grande maioria.
música(s) o “toca(m)” especialmente?
Diante de qualquer situação, opte pelo caminho que
Músicas estrangeiras, especialmente as do gênero
desejar, mas saiba que foi você quem o escolheu,
rock'n’roll. Para mim, assim como acreditavam os
que não houve influências de fora, que é você quem
simbolistas, a música é capaz de nos tirar da realidade
realmente o quer. Não se esqueça destas duas frases,
por um breve momento, permitir que nosso interior
de William Shakespeare, adote-as como base para
(mesmo o que é mais profundo) se expresse. Tenho
seu futuro: “Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem
preferência por músicas estrangeiras principalmente
perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por
porque elas são em outra língua. É óbvio que não
simples medo de arriscar” e “Aceita o conselho dos
escolhi isso, mas, inconscientemente, elas me
outros, mas nunca desistas da tua própria opinião”.
facilitam essa fuga da realidade, esse diálogo com
meu “eu interior”. Quanto ao gênero, acredito que
Gustavo Duarte Salhani cursa Engenharia
as músicas de rock têm, em sua letra, a presença de
de Produção na Escola Politécnica da USP.
temas mais impactantes, que me permitem, além de
questionar minha personalidade, expressar minhas
emoções.
O psicanalista Lacan defende que o Universo
Simbólico, o das palavras, é o que nos “coloca”
no mundo. Que palavras traduzem seu momento
presente? Um momento marcado por expectativas,
Respostas de Lia...
sonhos, anseios, rupturas...
As palavras que melhor traduzem meu presente momento
são angústia, nostalgia e ansiedade. Angústia por não
saber o que me espera em um futuro desconhecido e
próximo, pois ao concluir o ensino escolar minha rotina
deverá sofrer mudanças. O sentimento de nostalgia existe
quando, diante desta fase de mudança, paro para pensar
em acontecimentos passados que foram bons e que não
voltarão jamais. Enfim, estou ansiosa para conhecer uma
nova etapa da vida que está chegando e ver como vou lidar
com ela.
O crítico literário Antonio Candido, num ensaio
intitulado “Direito à literatura”, credita à arte das
palavras o poder de “organizar o caos” que habita as
pessoas. Que poema, romance, conto, crônica você
acredita que poderia servir como “organizador de
seu caos”?
“Resíduo”, de Carlos Drummond de Andrade, e “Soneto de
fidelidade”, de Vinicius de Moraes, transcrito a seguir:
179
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
181
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina que
estará fazendo daqui a quinze anos?
Daqui a 15 anos estarei com 33 anos. Espero que
com essa idade eu esteja trabalhando e amando meu
trabalho, tenha uma vida estável e ao mesmo tempo
esteja aproveitando cada momento dela.
Em cada uma das etapas que compõem nossa
vida,
prometemo-nos
jamais
abandonar
determinadas pessoas que nos são caras e que
fazem nossa existência mais grandiosa. Quem
são as pessoas que você gostaria de levar para
sua vida toda neste momento? Por quê?
182
As pessoas que eu gostaria de levar para a minha vida
O semioticista italiano Umberto Eco afirmou
toda são certos amigos e, é claro, minha família. Sei
recentemente, após anunciar sua aposentadoria
que pouquíssimas amizades serão para sempre, mas há
na universidade, que não acredita na felicidade,
certas pessoas que me trazem essa segurança. Tenho
mas na inquietação. Que inquietações o
amigos que conheci há muito tempo e que não estão
conhecimento trouxe para você?
presentes sempre na minha vida. Entretanto, quando
Para mim, o próprio desejo de obter conhecimento
os encontro, vejo que nossa amizade não enfraqueceu;
gera inquietação. Com ele, buscamos respostas e não
pelo contrário, só tende a crescer. Também tenho
sossegamos até obtê-las. Quando as conseguimos,
amigos que estão sempre comigo e que sei que,
descobrimos que não nos bastam, e que temos várias
embora nossos destinos possam ser diferentes, de
outras perguntas a serem respondidas. Dessa forma,
uma forma ou de outra continuarão na minha vida.
a inquietação é contínua, infinita, e é assim que no
Por outro lado, tenho consciência de que algumas
decorrer da vida vamos aprimorando mais e mais
amizades não resistirão a possíveis afastamentos,
nosso conhecimento. A inquietação, enfim, é o seu
pois são “sustentadas” pela convivência diária.
principal.
Que marcas da Móbile ficam em sua vida e que
farão parte de sua existência daqui para frente?
A Móbile é uma escola que não facilita as coisas para
seus alunos. Em um primeiro momento, posso não ter
gostado dessa característica; entretanto, ao refletir,
percebi que tal postura é completamente positiva.
A escola, dificultando as coisas, faz com que seus
alunos se esforcem para conseguir o que precisam.
Isso é interessante, pois a Móbile já nos prepara
Que palavras você deixa para si mesmo quando
para o “mundo real”, no qual não seremos agradados
ler este livro depois de concluído seu curso
sempre e nos depararemos com diversos obstáculos
universitário e de ter ingressado na carreira de
antes de atingirmos nossos objetivos, que serão mais
trabalho?
complexos do que notas, pois a sua conquista não
Espero que você esteja feliz e fazendo aquilo de
dependerá apenas de nossa vontade.
que goste, que seja mais madura do que era na
adolescência, que tenha lutado pelos seus sonhos e ao
Os artistas simbolistas acreditavam no poder
mesmo tempo continue buscando aquilo que deseja,
que a música tem de nos chegar à alma. Que
que não tenha deixado de aproveitar sua vida por falta
música(s) o “toca(m)” especialmente?
de tempo, que tenha cultivado aquelas amizades que
Para ser sincera, não tenho uma única música que
você tinha certeza que durariam para sempre e que
me toca. Adoro diversas músicas, não por elas em
tenha aprendido com seus erros e suas desilusões.
si, mas por me lembrarem de algo ou de alguém.
Não se acomode com alguma situação que não é do
Sempre que escuto uma música que marcou algum
seu agrado, seja sempre verdadeira e nunca hipócrita
momento da minha vida ou que me lembra alguém
ou fútil. Lembre-se do que realmente importa.
especial, um sentimento me invade. Pode ser saudade,
alegria ou mesmo tristeza. O legal é que tais emoções
involuntárias só nos mostram o quanto gostamos e
valorizamos, seja no presente ou no passado, pessoas
Lia Volpi cursa Economia
e momentos.
na Fundação Getúlio Vargas.
183
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Ano 8 • Nº 8 • Novembro/Dezembro • 2010