Supremo Tribunal Federal
DJe 26/03/2012
Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 23
Ementa e Acórdão
13/09/2011
SEGUNDA TURMA
HABEAS CORPUS 107.701 RIO GRANDE DO SUL
RELATOR
PACTE.(S)
IMPTE.(S)
PROC.(A/S)(ES)
COATOR(A/S)(ES)
: MIN. GILMAR MENDES
: MARCIO GARCIA DA SILVA
: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
: DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
: RELATOR DO HC Nº 198787 DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
HABEAS CORPUS. 2. DIREITO DO PACIENTE, PRESO HÁ QUASE
10 ANOS, DE RECEBER A VISITA DE SEUS DOIS FILHOS E TRÊS
ENTEADOS. 3. COGNOSCIBILIDADE. POSSIBILIDADE. LIBERDADE
DE LOCOMOÇÃO ENTENDIDA DE FORMA AMPLA, AFETANDO
TODA E QUALQUER MEDIDA DE AUTORIDADE QUE POSSA EM
TESE ACARRETAR CONSTRANGIMENTO DA LIBERDADE DE IR E
VIR. ORDEM CONCEDIDA.
1. COGNOSCIBILIDADE DO WRIT.
A jurisprudência prevalente neste Supremo Tribunal Federal é no
sentido de que não terá seguimento habeas corpus que não afete
diretamente a liberdade de locomoção do paciente.
Alargamento do campo de abrangência do remédio heroico. Não
raro, esta Corte depara-se com a impetração de habeas corpus contra
instauração de inquérito criminal para tomada de depoimento;
indiciamento de determinada pessoa em inquérito policial; recebimento
da denúncia; sentença de pronúncia no âmbito do processo do júri;
sentença condenatória etc.
Liberdade de locomoção entendida de forma ampla, afetando toda e
qualquer medida de autoridade que possa, em tese, acarretar
constrangimento para a liberdade de ir e vir.
Direito de visitas como desdobramento do direito de liberdade. Só
há se falar em direito de visitas porque a liberdade do apenado encontrase tolhida. Decisão do juízo das execuções que, ao indeferir o pedido de
visitas formulado, repercute na esfera de liberdade, porquanto agrava,
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1838417.
Supremo Tribunal Federal
Ementa e Acórdão
Inteiro Teor do Acórdão - Página 2 de 23
HC 107.701 / RS
ainda mais, o grau de restrição da liberdade do paciente.
Eventuais erros por parte do Estado ao promover a execução da
pena podem e devem ser sanados via habeas corpus, sob pena de, ao fim
do cumprimento da pena, não restar alcançado o objetivo de reinserção
eficaz do apenado em seu seio familiar e social.
Habeas corpus conhecido.
2. RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO.
A Constituição Federal de 1988 tem como um de seus princípios
norteadores o da humanidade, sendo vedadas as penas de morte, salvo
em caso de guerra declarada (nos termos do art. 84, XIX), de caráter
perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (CF, art. 5º,
XLVII). Prevê, ainda, ser assegurado aos presos o respeito à integridade
física e moral (CF, art. 5º, XLIX).
É fato que a pena assume o caráter de prevenção e retribuição ao mal
causado. Por outro lado, não se pode olvidar seu necessário caráter
ressocializador, devendo o Estado preocupar-se, portanto, em recuperar o
apenado. Assim, é que dispõe o art. 10 da Lei de Execução Penal ser dever
do Estado a assistência ao preso e ao internado, objetivando prevenir o
crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Aliás, o direito do preso receber visitas do cônjuge, da companheira,
de parentes e de amigos está assegurado expressamente pela própria Lei
(art. 41, X), sobretudo com o escopo de buscar a almejada ressocialização
e reeducação do apenado que, cedo ou tarde, retornará ao convívio
familiar e social.
Nem se diga que o paciente não faz jus à visita dos filhos por se
tratar de local impróprio, podendo trazer prejuízos à formação psíquica
dos menores. De fato, é público e notório o total desajuste do sistema
carcerário brasileiro à programação prevista pela Lei de Execução Penal.
Todavia, levando-se em conta a almejada ressocialização e partindo-se da
premissa de que o convício familiar é salutar para a perseguição desse
fim, cabe ao Poder Público propiciar meios para que o apenado possa
receber visitas, inclusive dos filhos e enteados, em ambiente
2
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1838417.
Supremo Tribunal Federal
Ementa e Acórdão
Inteiro Teor do Acórdão - Página 3 de 23
HC 107.701 / RS
minimamente aceitável, preparado para tanto e que não coloque em risco
a integridade física e psíquica dos visitantes.
3. ORDEM CONCEDIDA.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do
Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a presidência do
Senhor Ministro Ayres Britto na conformidade da ata de julgamento e das
notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer da ação e deferir
o habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 13 de setembro de 2011.
Ministro GILMAR MENDES
Relator
Documento assinado digitalmente
3
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1838417.
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 4 de 23
13/09/2011
SEGUNDA TURMA
HABEAS CORPUS 107.701 RIO GRANDE DO SUL
RELATOR
PACTE.(S)
IMPTE.(S)
PROC.(A/S)(ES)
COATOR(A/S)(ES)
: MIN. GILMAR MENDES
: MARCIO GARCIA DA SILVA
: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
: DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
: RELATOR DO HC Nº 198787 DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - (Relator): Trata-se
de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria
Pública da União, em favor de Marcio Garcia da Silva.
Nestes autos, a defesa questiona a decisão proferida pelo Ministro
Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu
liminarmente o HC 198.787/RS, por reputá-lo incabível.
Na espécie, o paciente encontra-se recolhido no sistema prisional do
Estado do Rio Grande do Sul desde o dia 19.9.2001, com término de pena
previsto para 16.7.2040, pela prática dos delitos previstos nos artigos 121,
c/c art. 14, II, 121, § 2º, I e IV, e 157, § 3º, todos do CP.
A defesa requereu ao Juízo da Vara das Execuções Criminais da
Comarca de Porto Alegre/RS autorização de visita para seus dois filhos e
três enteados, a qual restou indeferida.
Contra essa decisão, a defesa interpôs agravo em execução. A
Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul negou provimento ao recurso.
A defesa, então, impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de
Justiça, sustentando que o pedido de visitas é assegurado legalmente pela
Lei de Execução Penal e auxilia no processo de ressocialização do preso.
O Ministro Og Fernandes, relator na Corte de Justiça, indeferiu
liminarmente o habeas corpus:
O pedido de visitas ora formulado não se compatibiliza
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1838418.
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 5 de 23
HC 107.701 / RS
com a via eleita, uma vez que a ação constitucional do habeas
corpus visa garantir a liberdade do cidadão (direito de
locomoção) e, no caso, não há qualquer violação ao direito de ir
e vir do paciente.
Neste writ, a defesa alega: a autorização para que os filhos e enteados do
paciente possam visitá-lo é perfeitamente viável por meio de HC, uma vez que o
deslinde dessa pretensão espraiará efeitos sobre o processo de ressocialização e em
seu estado de liberdade.
Assevera, ainda: a falta de autorização para as visitas pretendidas, além de
interferir no estado de liberdade do paciente, configura constrangimento na
liberdade de locomoção, também, dos filhos e enteados do reeducando, uma vez
que os priva de irem até o lugar onde o pai deles está.
Liminarmente, requer a suspensão das decisões proferidas pelas
instâncias ordinárias, por meio das quais foi vedada a visita dos filhos e
enteados menores do paciente ao estabelecimento prisional em que se
encontra recolhido.
Em 11.4.2011, deferi parcialmente a liminar para assegurar ao
paciente o direito de visita dos filhos Luã Telles Rodrigues da Silva e
Evelyn Telles Rodrigues da Silva. Com relação aos menores Wesley
Garcia Alves, Rafael Garcia Nunes e Rafaela Garcia Nunes, filhos da
suposta companheira do apenado, indeferi o pedido, pois não restou
demonstrado o vínculo de parentesco com o paciente, tampouco a
estabilidade da relação com a genitora.
A Procuradoria-Geral da República opinou pelo não conhecimento
ou, se conhecido, pela concessão parcial da ordem, nos termos da liminar
por mim deferida.
É o relatório.
2
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1838418.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MENDES
Inteiro Teor do Acórdão - Página 6 de 23
13/09/2011
SEGUNDA TURMA
HABEAS CORPUS 107.701 RIO GRANDE DO SUL
VOTO
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): No presente
habeas corpus a defesa requer seja concedido ao paciente, preso há quase
10 anos, o direito de receber a visita de seus dois filhos e três enteados.
Na espécie, o paciente encontra-se recolhido no sistema prisional do
Estado do Rio Grande do Sul desde o dia 19.9.2001, com término de pena
previsto para 16.7.2040, pela prática dos delitos previstos no artigo 121,
c/c art. 14, II; no artigo 121, § 2º, I e IV; e no artigo 157, § 3º, todos do
Código Penal.
A defesa requereu ao Juízo da Vara das Execuções Criminais da
Comarca de Porto Alegre/RS autorização de visita para seus dois filhos e
três enteados, a qual restou indeferida, nos seguintes termos:
Em que pese a manifestação ministerial de fl. 666 e o
vínculo de parentesco de duas das crianças com o apenado em
questão, indefiro o pedido de visitação dos menores EVELYN
TELLES RODRIGUES DA SILVA, LUÃ TELLES RODRIGUES
DA SILVA, RAFAELA GARCIA NUNES, RAFAEL GARCIA
NUNES e WESLLEY GARCIA ALVES, tendo em vista que,
mesmo possuindo vínculo, os mesmos estão sendo expostos,
sem nenhuma garantia, a um ambiente que não lhes é próprio
podendo trazer prejuízos à formação psíquica dos menores, o
que, no momento, deve ser preservado.
Contra essa decisão, interpôs agravo em execução. A Terceira
Câmara Criminal do TJ/RS negou provimento ao recurso.
A defesa, então, impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de
Justiça, sustentando que o pedido de visitas é assegurado legalmente pela
Lei de Execução Penal e auxilia no processo de ressocialização do preso.
O Ministro Og Fernandes, relator no STJ, indeferiu liminarmente o habeas
corpus, nos seguintes termos:
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1838419.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MENDES
Inteiro Teor do Acórdão - Página 7 de 23
HC 107.701 / RS
O pedido de visitas ora formulado não se compatibiliza
com a via eleita, uma vez que a ação constitucional do habeas
corpus visa garantir a liberdade do cidadão (direito de
locomoção) e, no caso, não há qualquer violação ao direito de ir
e vir do paciente.
Daí, o presente habeas corpus nesta Corte.
De início, ressalto não desconhecer a jurisprudência dos tribunais
inferiores dando conta da inviabilidade de discutir, no âmbito do habeas
corpus, a possibilidade de o apenado receber a visita de familiares.
De fato, a jurisprudência prevalente neste Supremo Tribunal Federal
é no sentido de que não terá seguimento habeas corpus que não afete
diretamente a liberdade de locomoção.
Nesses termos, questão delicada refere-se, exatamente, ao problema
da adequação do habeas corpus para superar restrições que não afetem
diretamente, ao menos em exame superficial, a liberdade de locomoção.
Assim, tem-se afirmado, por exemplo, que o afastamento do cargo,
decretado por unanimidade pelo Órgão Especial do Superior Tribunal de Justiça,
quando do recebimento da denúncia, por não afetar e nem acarretar restrição ou
privação da liberdade de locomoção, não pode ser questionado na via do habeas
corpus (HC 84.236 AgR/PE, rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ
1.10.2004; HC 84.816/PI, rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ
6.5.2005).
Igualmente, tem-se decidido que medida de segurança, consistente em
portal eletrônico (detector de metais), não configura entrave ao exercício
profissional da advocacia e não constitui ameaça à liberdade de locomoção, não
podendo a matéria ser apreciada em sede de habeas corpus (HC 84.179/SP,
rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 3.12.2004).
Na mesma linha, a jurisprudência dominante sustenta ser
inadmissível habeas corpus contra pena de multa, se ela não pode ser
convertida em pena de prisão. Atualmente, a nova redação conferida pela
Lei 9.268/1996 ao art. 51 do Código Penal veda expressamente a
conversão da pena de multa em pena privativa de liberdade. Daí, estar
2
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1838419.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MENDES
Inteiro Teor do Acórdão - Página 8 de 23
HC 107.701 / RS
consagrado na Súmula 693 do Supremo Tribunal Federal que não cabe
habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo
em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada.
Apesar de todo esse entendimento que venho expor, é certo também
que o campo de abrangência do remédio heroico tem sido alargado. Não
raro esta Corte depara-se com a impetração de habeas corpus contra
instauração de inquérito criminal para tomada de depoimento;
indiciamento de determinada pessoa em inquérito policial; recebimento
da denúncia; sentença de pronúncia no âmbito do processo do júri;
sentença condenatória etc.
É por isso que reputo que a liberdade de locomoção há de ser
entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida de
autoridade que possa em tese acarretar constrangimento para liberdade
de ir e vir.
No ponto, ressalto que, embora a jurisprudência atual do Tribunal
estabeleça sérias ressalvas ao cabimento do habeas corpus para essas
situações que fogem à sistemática de constrangimento ilegal ou abuso de
poder que violem de modo mais direto a liberdade de locomoção (CF, art.
5º, XV), tal premissa, contudo, não inviabiliza por completo um processo
de ampliação gradual que essa garantia judicial do processo possa vir a
desempenhar em nosso sistema constitucional, não somente em
momentos de crise institucional mas, sobretudo, para conferir maior força
normativa ao texto constitucional.
Diante de todas essas ponderações, é que entendo ser equivocada a
tese que reputa incabível o conhecimento da ação constitucional de habeas
corpus para discutir, como no caso dos autos, o direito do preso de receber
a visita de seus filhos e enteados.
Em linhas gerais, o direito de visitas nada mais é que um
desdobramento do direito de liberdade. De fato, só há falar de direito de
visitas porque a liberdade do apenado encontra-se tolhida. Dessarte,
tenho para mim que a decisão do juízo das execuções que indeferiu o
pedido de visitas formulado teve diretamente o condão de repercutir na
esfera de liberdade, na medida em que agrava, ainda mais, o grau de
3
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1838419.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MENDES
Inteiro Teor do Acórdão - Página 9 de 23
HC 107.701 / RS
restrição da liberdade do paciente.
Ademais, levando em conta que uma das finalidades da pena é a
ressocialização, eventuais erros por parte do Estado ao promover a
execução podem e devem ser sanados via habeas corpus, sob pena de, ao
fim do cumprimento da pena, não restar alcançado o objetivo de
reinserção eficaz do apenado em seu seio familiar e social.
É indubitável, também, que erros na ressocialização têm como
consectário lógico a não recuperação do encarcerado que, cedo ou tarde,
em futuro contato com a sociedade, poderá novamente vir a delinquir.
Por outro lado, cumpre enfatizar que a Constituição Federal de 1988
tem como um de seus princípios norteadores o princípio da humanidade,
sendo vedadas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada (nos
termos do art. 84, XIX), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de
banimento e cruéis (CF, art. 5º, XLVII). Prevê, ainda, ser assegurado aos
presos o respeito à integridade física e moral (CF, art. 5º, XLIX).
No mesmo sentido, a diretriz traçada pelo Pacto de São José da
Costa Rica – Convenção Americana de Direitos Humanos, ao dispor que
toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e
moral (Art. 5º, 1) e ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou
tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve
ser tratada com respeito devido à dignidade inerente ao ser humano (Art. 5º, 2).
Nesses termos, consoante ressaltado pelo Ministro Celso de Mello no
julgamento do HC 105.175/SP, a execução penal, além de objetivar a efetivação,
a implementação da condenação penal imposta ao sentenciado, busca também
propiciar condições para a harmônica integração social daquele que sofre a ação
do magistério punitivo do Estado.
Deveras, é fato que a pena assume o caráter de prevenção e
retribuição ao mal causado. Por outro lado, não se pode olvidar seu
necessário caráter ressocializador, devendo-se preocupar o Estado,
portanto, em recuperar o apenado. Assim, é que dispõe o art. 10 da Lei de
Execução Penal ser dever do Estado a assistência ao preso e ao internado,
objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em
sociedade.
4
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1838419.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MENDES
Inteiro Teor do Acórdão - Página 10 de 23
HC 107.701 / RS
As Regras Mínimas do Tratamento de Prisioneiros da ONU, por sua
vez, em seu n. 65, dispõem como objetivo de tratamento dos condenados,
enquanto perdurar a pena, inspirar-lhes a vontade de viver conforme a
lei, incutir-lhes o respeito por si mesmos e desenvolver o seu senso de
responsabilidade.
Destaque-se, aliás, o direito do preso visitas do cônjuge, da
companheira, de parentes e de amigos, assegurado expressamente pela
própria Lei de Execução Penal (art. 41, X), sobretudo com o escopo de
buscar a almejada ressocialização e reeducação do apenado que, cedo ou
tarde, retornará ao convívio familiar e social.
No ponto, destaco, ainda, a Resolução n. 14 do Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), de 11 de novembro de 1994
(DOU de 2.12.1994), que trata de regras mínimas de tratamento do Preso
no Brasil, dispondo em seu art. 33 e parágrafos sobre o contato do preso
com o mundo exterior:
Art. 33. O preso estará autorizado a comunicar-se
periodicamente, sob vigilância, com sua família, parentes,
amigos ou instituições idôneas, por correspondência ou por
meio de visitas.
§ 1º. A correspondência do preso analfabeto pode ser, a
seu pedido, lida e escrita por servidor ou alguém opor ele
indicado;
§ 2º. O uso dos serviços de telecomunicações poderá ser
autorizado pelo diretor do estabelecimento prisional.
Nesse contexto, já enfatizava o saudoso professor Julio Fabbrini
Mirabete:
Fundamental ao regime penitenciário é o princípio de que
o preso não deve romper seus contatos com o mundo exterior e
que não sejam debilitadas as relações que o unem aos familiares
e amigos. Não há dúvida de que os laços mantidos
principalmente com a família são essencialmente benéficos para
o preso, porque o levam a sentir que, mantendo contatos,
5
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1838419.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MENDES
Inteiro Teor do Acórdão - Página 11 de 23
HC 107.701 / RS
embora com limitações, com as pessoas que se encontram fora
do presídio, não foi excluído da comunidade. Dessa forma, no
momento em que for posto em liberdade, o processo de
reinserção social produzir-se-á de forma natural e mais
facilmente, sem problemas de readaptação a seu meio familiar e
comunitário. Preceituam, aliás, as Regras Mínimas da ONU que
se deve velar particularmente para que se mantenham e
melhorem as boas relações entre o preso e sua família quando
estas sejam convenientes para ambas as partes (nº 79), devendo
ser autorizadas visitas de familiares e amigos, ao menos
periodicamente e sob devida vigilância (nº 37). Por isso,
concede-se ao preso o direito da visita do cônjuge, da
companheira, de parentes e amigos em dias determinados (art.
41, X). Deve a segurança do estabelecimento, porém, submeter
as visitas e o material que transportam a busca pessoal rigorosa,
a fim de evitar a entrada de armas, drogas ou objetos que
possam comprometer a boa ordem, a disciplina e a segurança
do presídio. – (MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 9ª
ed., pg. 120. São Paulo: Atlas, 2000).
Diante de todos esses dados, tenho para mim que as decisões
formalizadas pelo Juízo de origem e demais tribunais não são idôneas
para a adequada solução da controvérsia posta. Esclarecedor é o parecer
do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, de Porto Alegre,
que assim se manifesta:
Com a devida vênia, há de se acolher a postulação
defensiva apenas em relação ao pedido para que os filhos LUÃ
e EVELYN possam visitá-lo.
Afinal, o direito do agravante em receber visitas não é
contestado, em absoluto, por este Juízo, não só por ser um
direito previsto na Lei de Execução Penal (art. 41, inciso X), mas
por se tratar de importante elemento para a ressocialização dos
apenados em geral.
Ocorre que a SUSEPE, na sua Portaria nº 02 de 2001,
regulou os procedimentos a serem adotados quanto ao ingresso
6
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1838419.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MENDES
Inteiro Teor do Acórdão - Página 12 de 23
HC 107.701 / RS
de visitantes nos Estabelecimentos Prisionais do Rio Grande do
Sul, visando, com tal medida, estabelecer normas de
organização para a entrada e saída de pessoas, amigos e
parentes dos apenados, e evitar o caos e a insegurança dos
penitenciários.
Ao regulamentar o acesso das pessoas às penitenciárias e
presídios, buscou-se, com relação às crianças menores de 12
anos, a comprovação de parentesco e vínculo familiar com os
apenados, uma vez que não se nega tal direito, conforme
determinado no artigo 8º da Portaria, apenas resguarda-o.
O que se discute aqui é concessão de autorização judicial
para que duas crianças de 05 (cinco) anos e uma de 12 (doze)
anos de idade, filhas da atual companheira do apenado
(chamada Giovana Brum Garcia), possa visitá-lo no
estabelecimento penal.
Neste aspecto, é importante ressaltar que tais infantes são
filhos da companheira atual do apenado, conforme certidões de
nascimento juntadas às fls. 654, 656 e 659 do PEC, não havendo
nenhuma prova nos autos da relação de pai e filho, bem como
da relação estável com a genitora.
É nítida a ausência de elementos que justificam e
comprovam vínculo familiar. Aliás, nesse aspecto, é importante
referir que em 03/06/2008 (há cerca de um ano e meio atrás), o
apenado teve deferido em seu favor a visita por parte de Angela
Giovana Santos Rodrigues (fls. 424/426), sua companheira na
ocasião, a qual não é mãe nem de seus filhos nem dos referidos
enteados.
Nem se diga, como afirmou o juízo das execuções, que o paciente
não faz jus à visita de seus filhos por se tratar de local impróprio,
podendo trazer prejuízos à formação psíquica dos menores.
De fato, é público e notório o total desajuste do sistema carcerário
brasileiro à programação prevista pela Lei de Execução Penal. Não raro,
presenciamos vastas reportagens jornalísticas dando conta das condições
desumanas de cumprimento de pena às quais são submetidos os
apenados do sistema carcerário brasileiro. Todavia, levando em conta a
7
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1838419.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MENDES
Inteiro Teor do Acórdão - Página 13 de 23
HC 107.701 / RS
almejada ressocialização do apenado e partindo da premissa de que o
convício familiar é salutar para a perseguição desse fim, cabe ao Poder
Público o dever de propiciar meios para que o apenado possa receber
visitas, inclusive de seus filhos e enteados, em ambiente minimamente
aceitável e preparado para tanto e que não coloque em risco a integridade
física e psíquica dos visitantes.
Ante o exposto, meu voto é no sentido de conceder a ordem de
habeas corpus para assegurar ao paciente o direito de visita dos filhos LUÃ
TELLES RODRIGUES DA SILVA e EVELYN TELLES RODRIGUES DA
SILVA.
Com relação aos menores WESLEY GARCIA ALVES, RAFAEL
GARCIA NUNES e RAFAELA GARCIA NUNES, filhos da suposta
companheira, também defiro, pois apesar de não ter restado demonstrado
o vínculo de parentesco, nem a estabilidade da relação com a genitora,
certo é que os filhos e a própria Giovana Brum Garcia podem ser
classificados no rol de amigos do paciente (art. 41, X, da LEP).
É como voto.
8
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1838419.
Supremo Tribunal Federal
Aditamento ao Voto
Inteiro Teor do Acórdão - Página 14 de 23
13/09/2011
SEGUNDA TURMA
HABEAS CORPUS 107.701 RIO GRANDE DO SUL
ADITAMENTO AO VOTO
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) - Senhor
Presidente, Senhores Ministros, o meu voto é no sentido de conceder
parcialmente a ordem, entendendo que o habeas corpus, neste caso, tutela
todo esse plexo de relações ligadas à execução penal.
Eu só não estou concedendo em relação aos filhos da companheira,
porque o próprio Ministério Público coloca em dúvida, primeiro a
estabilidade dessa relação e, depois, a existência de vínculo dessas
pessoas com o paciente. Mas estou encaminhando nesse sentido, tendo
em vista a importância do tema aqui tratado, no que diz respeito à
execução da pena, à ressocialização, mas, também, ao instituto do habeas
corpus. Uma visão formal – eu sei – poderia levar simplesmente ao
indeferimento, mas isso também tem consequências, porque a tutela que
outros instrumentos poderiam oferecer não é expedita.
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (PRESIDENTE) - Ela não
tem o préstimo.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) Exatamente, em muitos casos não teria efeito útil.
E não se trata agora de reinventar a doutrina brasileira do habeas
corpus, mas de dar uma interpretação de que isso está ainda no contexto
da liberdade de ir e vir.
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1780155.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
Inteiro Teor do Acórdão - Página 15 de 23
13/09/2011
SEGUNDA TURMA
HABEAS CORPUS 107.701 RIO GRANDE DO SUL
VOTO
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Senhor
Presidente, tenho algumas considerações a fazer. Inicialmente,
acompanho o eminente Ministro Relator no que tange ao conhecimento
do habeas corpus. Entendo que se está, sim, diante de uma limitação do
direito de ir e vir, porque o habeas corpus, no caso, se insurge contra a
execução da pena, ou seja, está se impondo, aqui, ao paciente, uma
restrição maior, em tese, ao modo como é executada a sua pena. Aliás, é
muito grave, porque ele foi condenado a mais de trinta e nove anos de
reclusão, é uma pena grave, e ele se insurge contra o modo pelo qual lhe
está sendo imposta essa execução.
Agora, tenho algumas dúvidas que quero compartilhar com os
eminentes Colegas. No primeiro momento, eu até concederia o habeas
corpus numa amplitude um pouco maior do que o eminente Relator,
porque, se pegarmos aqui o artigo 41 da Lei das Execuções Penais, inciso
X, lê-se que é direito do sentenciado:
"X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em
dias determinados;"
Portanto, a existência do vínculo familiar como fundamento para a
denegação da visita dos enteados não me parece muito sólido, até
porque, se é possível a visita de amigos, por que não de enteados, que
são, talvez, até mais do que amigos do sentenciado. Essa justificativa da
inexistência de vínculo familiar ou de vínculo de um relacionamento mais
aprofundado não me impressiona.
Agora, eminente Relator, quero indagar a Vossa Excelência o
seguinte. Porque o artigo 41, parágrafo único, da LEP, estatui:
"Parágrafo único - Os direitos previstos no inciso V, X" - que é
o caso, e - "XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1783873.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
Inteiro Teor do Acórdão - Página 16 de 23
HC 107.701 / RS
motivado do diretor do estabelecimento."
Pergunto: houve algum ato motivado? Porque eu admitiria que se
restringisse, motivadamente, a visita, assim como se poderia restringir,
motivadamente, o contato com o mundo exterior por meio de
correspondência, ou até o regime de trabalho do sentenciado. Se o diretor
do estabelecimento, por uma razão fundada, denegou essa visita,
dizendo, eventualmente, que esta pretensa companheira estaria trazendo
tóxicos para o estabelecimento penitenciário ou celulares, etc.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) - Não, a
discussão se restringe a isso. Houve um pedido de autorização para os
dois filhos e três enteados, o qual restou indeferido e, a partir daí, então,
as sucessivas impugnações. Houve o agravo em execução, houve negativa
de provimento no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e,
então, a matéria veio ao STJ e o Ministro Og Fernandes...
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI Liminarmente, negou seguimento.
Então, Senhor Presidente, tendo em vista que não há, pelo menos
aparentemente, um deferimento, uma denegação fundada por parte do
diretor do estabelecimento, que eu consideraria legítimo, e também teria
dificuldades em apreciar isso em sede de habeas corpus, conheço do habeas
corpus e estaria, em princípio, deferindo de forma mais ampla, tendo em
conta a dicção do inciso X, que inclui não apenas, como disse, o cônjuge, a
companheira e parentes, mas também os próprios amigos. Portanto, nada
impediria que se classificasse os enteados no rol de amigos do
sentenciado.
É como voto.
2
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1783873.
Supremo Tribunal Federal
Explicação
Inteiro Teor do Acórdão - Página 17 de 23
13/09/2011
SEGUNDA TURMA
HABEAS CORPUS 107.701 RIO GRANDE DO SUL
EXPLICAÇÃO
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) - Como
o tema envolvia esses aspectos mais delicados, eu me adstringi à temática
da visita dos filhos, até porque falam em suposta companheira; como é
uma pessoa que está presa há muito tempo e os enteados são filhos de
cinco anos, é um tema que se poderia resolver, mas eu também – se a
Turma assim encaminhar – adiro, porque havia esse rubicão para
atravessar.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Vossa
Excelência o atravessou com a cautela necessária.
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (PRESIDENTE) - Eu
acho o voto de Vossa Excelência, antecipando um pouquinho, Ministro
Celso de Mello, tão humano, com substância jurídica, não é apenas
sentimental, eu admitiria essa ampliação para os enteados.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) - Eu
também; como todos falaram em suposta união estável e colocaram então
em dúvida, e como nós tínhamos de resolver a questão da visita dos
filhos.
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (PRESIDENTE) - Se ele
provar que tem uma relação estável, então, os filhos da companheira
fariam parte da família dele.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) - O
Ministro Ricardo Lewandowski tem razão. Deferir in totum, portanto, o
pedido.
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (PRESIDENTE) - O
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1780157.
Supremo Tribunal Federal
Explicação
Inteiro Teor do Acórdão - Página 18 de 23
HC 107.701 / RS
Século XXI, Ministro Celso de Mello, é o século do afeto, a
preponderância do afeto sobre o biológico.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) Agradeço a observação do Ministro Ricardo Lewandowski.
2
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1780157.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. AYRES BRITTO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 19 de 23
13/09/2011
SEGUNDA TURMA
HABEAS CORPUS 107.701 RIO GRANDE DO SUL
VOTO
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (PRESIDENTE) - Eu
também quero louvar o voto do Ministro Gilmar Mendes - digamos - lato,
dilargado o bastante para absorver francamente a sugestão do Ministro
Ricardo Lewandowski. O voto do Ministro Gilmar Mendes, no seu
espectro material, alberga, com toda facilidade, a interpretação lata
sugerida, feita pelo Ministro Ricardo Lewandowski. Aliás,
Sua
Excelência, o Ministro Gilmar Mendes, aderiu de plano, sem dificuldade
nenhuma, porque no fundo se contém no voto de Vossa Excelência.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) - A
minha dúvida era porque todas as autoridades que se manifestaram
disseram que trataram dessa relação, mas o Ministro Ricardo
Lewandowski esclareceu isso de forma cabal, no sentido de que, não fosse
a companheira, mas que fosse uma amiga, a questão também estaria
posta nos mesmos termos tal como referido na Lei de Execução Penal.
Quer dizer, não nos cabe tornar mais difícil uma relação, que já é, por si
só, extremamente complexa.
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (PRESIDENTE) Perfeitamente. Na verdade, Vossa Excelência superou, com esse seu voto
magnífico, humano - e quando se diz humano, se diz jurídico, porque nós
temos o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil, no inciso III do artigo 1º.
Há uma tendência, aí, para se pensar que o humanismo está fora do
Direito, quando não está fora, é categoria jurídica. Então, quando nós
falamos do habeas corpus, esse peregrino e superior remédio
constitucional, como destinado a proteger a liberdade de locomoção,
terminamos com esta expressão "liberdade de locomoção" apequenando o
instituto, como se fosse um mantra intelectual, porque ele inclui a
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1789160.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. AYRES BRITTO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 20 de 23
HC 107.701 / RS
liberdade de locomoção, na perspectiva do habeas corpus - disse o
Ministro Celso de Mello ainda há pouco -, e inclui a liberdade de ficar e
de permanecer espacialmente. Então, a liberdade espacial, protegida pelo
habeas corpus, no fundo, é uma liberdade de inserção espacial,
compreendendo as três figuras do ir, do vir e do permanecer, que
significa nem ir nem vir, mas simplesmente ficar. E a interpretação que o
Ministro Gilmar Mendes, no seu magnífico voto, dá à postulação sob
julgamento, maximiza, na devida conta humanística, o espectro funcional
do habeas corpus. O habeas corpus, aqui, está sendo usado exatamente
para prestigiar o direito que tem o preso de ter a sua segregação mitigada
ou minimizada.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) Portanto, afeta o próprio regime de restrição de liberdade.
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (PRESIDENTE) - Sim, o
próprio regime de restrição de liberdade.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) - E, veja
Vossa Excelência: essa é uma questão extremamente importante porque a
afirmação de que, não se aceitando o habeas corpus, haverá outros
instrumentos, muitas vezes não leva a uma proteção eficaz, tendo em
vista o ônus, a demora, o retardo, a alternativa de um eventual mandado
de segurança, que terá outro tipo de tratamento. E se forem
procedimentos ordinários, então.
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (PRESIDENTE) - O rito
dificultoso.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) - Em
muitos casos, dependendo da dimensão da pena – e neste nós vimos que
é uma pena alongada – , a decisão judicial talvez não venha a produzir
efeitos úteis, não terá efeito corretivo.
2
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1789160.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. AYRES BRITTO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 21 de 23
HC 107.701 / RS
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (PRESIDENTE) - E essa
precedência do habeas corpus no rol das ações constitucionais, que Vossa
Excelência está a estabelecer, é rigorosamente técnica, porque, quando a
Constituição fala de mandado de segurança, teve o cuidado de dizer
"quando não couber habeas corpus"; quando couber habeas corpus, nem
se cogita de mandado de segurança - e, no caso, francamente, cabe
habeas corpus.
É uma decisão, Ministro Gilmar Mendes, que prestigia, também, a
entidade, a instituição jurídica da família, aquela formalmente constituída
pelo casamento, etc., e a informalmente constituída.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Se Vossa
Excelência me permite, em termos de política criminal, também ela
contribui para aliviar o ambiente de tensão que existe nos
estabelecimentos prisionais.
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (PRESIDENTE) - Ótima
observação. Perfeito.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) - De
resto, a propósito do comentário do Ministro Celso de Mello, queria
lembrar que, recentemente, com críticas, é verdade, a Suprema Corte
americana tomou uma de suas decisões importantes em relação ao regime
prisional, determinando que a Califórnia – são decisões temperadas ou
condicionadas –, num prazo determinado, reduza em um percentual
significativo seu número de presos, tendo em vista exatamente essas
condições. Eu já disse uma vez em sala de aula, mas agora repito aqui,
nós temos esse problema sério do amontoado de presos em condições
obviamente inconstitucionais, desumanas e ilegais.
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: CANCELADO.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) - E veja
que é um tema hoje posto e está a demandar, então, reflexão de uma corte
3
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1789160.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. AYRES BRITTO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 22 de 23
HC 107.701 / RS
suprema líder no processo de jurisdição constitucional, como é a
americana, que acaba, portanto, de tomar essa medida exatamente por
não poder responder, individualmente, em relação aos abusos que se
perpetram nessa área.
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (PRESIDENTE) - Se
Vossa Excelência me permite, outra achega do voto do Ministro
Lewandowski, que me pareceu importante e perfeitamente comportável
no voto de Vossa Excelência, é quanto ao inciso X do artigo 41 da LEP,
que prevê visita também de amigos, incentivando ou recuperando, de
alguma forma, o espírito gregário que é comum ao ser humano. Dizia
Aristóteles: "o homem um animal político", por excelência. E quando se
fala da LEP, a remessa da LEP à sua matriz, é a matriz constitucional.
Porque quando a Constituição fala da individualização da pena, nos
remete, imediatamente, à Lei das Execuções Penais, que, sabemos todos,
em matéria penal, o Direito brasileiro é orteguiano, rigorosamente
orteguiano e personalizado. O Direito Penal só pode ser concebido e
praticado em atenção à personalidade, às singularidades do apenado, do
processado, etc.
Então, Ministro Gilmar Mendes, eu acompanho integralmente o voto
de Vossa Excelência e o faço louvando, sobremodo, o equacionamento
jurídico com que Vossa Excelência nos propôs com tanta maestria.
4
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 1789160.
Supremo Tribunal Federal
Decisão de Julgamento
Inteiro Teor do Acórdão - Página 23 de 23
SEGUNDA TURMA
EXTRATO DE ATA
HABEAS CORPUS 107.701
PROCED. : RIO GRANDE DO SUL
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
PACTE.(S) : MARCIO GARCIA DA SILVA
IMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO HC Nº 198787 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA
Decisão: Conhecida a ação e deferido o habeas corpus para
assegurar ao paciente o direito de visita dos filhos LUÃ TELLES
RODRIGUES DA SILVA e EVELYN TELLES RODRIGUES DA SILVA. Com relação
aos menores WESLEY GARCIA ALVES, RAFAEL GARCIA NUNES e RAFAELA
GARCIA NUNES, filhos da suposta companheira do apenado, também
defiro, pois apesar de não ter restado demonstrado o vínculo de
parentesco com o paciente, nem a estabilidade da relação com a
genitora, certo é que os filhos e a própria Giovana Brum Garcia
podem ser classificados no rol de amigos do paciente (art. 41, X,
da LEP), nos termos do voto do Relator. Decisão unânime. Ausente,
justificadamente, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma,
13.09.2011.
Presidência do Senhor Ministro Ayres Britto. Presentes à
sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e
Ricardo Lewandowski. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro
Joaquim Barbosa.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.
Karima Batista Kassab
Coordenadora
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o número 1468981
Download

HC 107.701 - Supremo Tribunal Federal