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Serviço Social e Educação:
a experiência da Equipe de Serviço Social no Programa Saúde na Escola
Texto publicado em novembro de 2004
Gabriela Franco Dias Lyra, Flávia do Nascimento Toledo,
Gleicy do Espírito Santo Silva, Cláudia Cristina Valentim Alves
Assistentes sociais da Secretaria da Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro/Programa Saúde
na Escola
Ao longo da década de 1980, os movimentos populares trouxeram significativos avanços em
relação ao processo de democratização no país, beneficiando diversos segmentos societários
através da consolidação de leis que visassem à garantia dos direitos políticos e sociais da
sociedade. Dentre eles, pode-se destacar a garantia dos direitos da criança e do adolescente,
através da Lei 8069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente - que aborda as mais
diferenciadas questões e que por muito tempo estiveram esquecidas por força de um governo
autoritário. Esta lei criou condições legais para uma verdadeira revolução, tanto na formulação
das políticas públicas, como na estrutura e funcionamento dos organismos que atuam na área.
Entretanto, o que se percebe hoje é um retrocesso na implementação de políticas que visam à
efetivação dos direitos. As recentes mudanças no mundo do trabalho, bem como a ausência de
políticas sociais consistentes e a não garantia dos direitos mais fundamentais da sociedade,
têm reforçado as desigualdades e contribuído para o agravamento das questões sociais. A não
garantia pelo Estado do acesso aos direitos - a exemplo da escola pública para todos desencadeia novas modalidades de segregação a partir dos mecanismos de seleção que o
próprio sistema educativo aplica.
A articulação entre as políticas sociais e o campo educacional tem sido uma tendência
contemporânea para o enfrentamento das questões sociais presentes hoje em nossa
sociedade (Almeida, 2003). Os percursos das políticas sociais no Brasil sempre foram
marcados por traços assistencialistas, tutelares e centralizadores e, além de não conseguirem
alterar o quadro de pobreza e exclusão no país, só contribuiram para o aumento da
concentração de renda. Portanto, entendê-las sob a lógica da regulação social em um mundo
globalizado, requer apreender a quem se destinam e quais estratégias de enfrentamento são
possíveis num contexto tão complexo.
O sistema educacional, principalmente, sua manifestação mais concreta - a escola -, vem
passando por diversas transformações quanto à sua função política, econômica e social devido
à sua reorganização, às exigências do mercado e às tendências de flexibilização dos
processos de escolarização e formação profissional, legitimadas pela Lei de Diretrizes e Bases
(LDB). Em contrapartida, a escola exerce um papel fundamental na luta por um lugar na
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sociedade, já que está diretamente vinculada ao processo de qualificação e desqualificação da
classe trabalhadora.
Neste contexto, o fortalecimento de uma escola democrática surge como elemento
fundamental para a tomada de consciência e para um posicionamento mais crítico da realidade
com ênfase na construção de elementos à ação política.
A idéia de escola democrática defendida por Frigotto (1995) se apóia na idéia de que é aquela
em que se instaura um processo de relações cujo horizonte histórico seja a equalização no
plano do conjunto de condições necessárias à emancipação humana, ou seja, uma escola
unitária, baseada na formação omnilateral e voltada para os processos educativos não
imediatistas, fundamental para a superação dos contextos que se travam hoje na sociedade.
Sabe-se que a existência do assistente social na área da educação é ainda incipiente devido à
composição do seu mercado de trabalho, embora este profissional tenha sua prática permeada
pela dimensão sócio-educativa, que lhe é intrínseca. Por outro lado, o amadurecimento teórico
e político da categoria tem revelado o campo educacional como uma grande preocupação do
Serviço Social na atualidade. Assim, pode-se afirmar que os objetivos da educação
correspondem aos princípios éticos do profissional, dado o papel estratégico deste campo na
formulação de novos valores e no processo de luta pela consolidação e ampliação da
cidadania.
As questões vivenciadas no espaço escolar, ao longo de 2 anos de experiência, ampliaram o
campo das preocupações por um projeto que viesse de encontro com as expectativas da
equipe de Serviço Social no Programa Saúde na Escola. Questões sociais e suas expressões
como violência, evasão escolar, gravidez precoce, trabalho doméstico, uso de drogas, a
relação da escola com a comunidade, as relações interpessoais no interior da sala de aula
foram demandas que se fizeram presentes no cotidiano profissional em busca de uma
intervenção mais específica.
O presente trabalho tem como proposta analisar a experiência do Serviço Social no Programa
Saúde na Escola, a partir da inserção de assistentes sociais nos Centros Integrados de Escola
Pública (CIEPs) no estado do Rio de Janeiro.
O Programa Saúde na Escola (PSE): contextualização institucional, objetivos e estrutura.
O Programa Saúde na Escola (PSE) emergiu em 2000 objetivando a retomada de uma antiga
proposta de relação entre saúde e educação, através da revitalização dos Centros Integrados
de Escola Pública.
Os CIEPs foram criados em 1983 com o objetivo de propiciar aos alunos da rede oficial de
ensino um espaço que lhes possibilitasse uma nova proposta educacional, através de uma
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"escola de horário integral, com ensino de boa qualidade, incluindo alimentação, assistência
médico-odontológica, lazer, atividades culturais e banho diário" (Ribeiro, 1986:41).
Como parte da proposta educacional, foram implantados Centros Médicos nos CIEPs a fim de
propiciar a atenção primária à saúde, constituindo assim uma ação preventiva para os alunos,
os familiares e a comunidade local. Os Centros Médicos fazem parte da própria estrutura das
escolas, que têm uma arquitetura diferenciada das demais.
A proposta foi resgatada através da inserção de oficiais de saúde do Corpo de Bombeiros
Militar do Estado do Rio de Janeiro, numa parceria entre a Secretaria de Estado de Defesa
Civil, Secretaria Estadual de Saúde e Secretaria de Estado de Educação.
Desde então, o PSE vem atuando de forma efetiva nos CIEPs. É uma experiência pioneira no
estado dada a sua dimensão regional e a sua capacidade de introduzir, no espaço escolar,
profissionais de saúde que não estão vinculados à área da educação, mas produzem por meio
de tal inserção "novos olhares" que, somados aos de outros profissionais, permitem trabalhar a
educação para além do vínculo formal institucional.
Utilizando como principal referencial o conceito de Promoção de Saúde proferido pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) e o modelo de Escolas Promotoras de Saúde como um
norte para a ação profissional, o Programa Saúde na Escola enfatiza o trabalho coletivo e as
ações preventivas. Possui uma característica peculiar em sua forma de atuar, já que procura,
mesmo que de maneira informal e bastante dificultosa, se relacionar e se integrar à rede de
proteção social estabelecendo uma ponte entre o sistema educacional e as demais políticas
setoriais.
Inicialmente, 100 CIEPs integravam o PSE, compondo cada qual uma equipe de Saúde de um
oficial militar médico clínico, um oficial militar pediatra, um oficial militar dentista, um praça
militar auxiliar de enfermagem e um praça militar auxiliar de consultório dentário. Em 2002, o
Programa ampliou o quadro de profissionais, através da abertura de concurso público e inseriu
as áreas de Serviço Social, Nutrição, Psicologia, Enfermagem e Fonoaudiologia nas escolas. A
partir daí, vários outros CIEPs passaram a integrar o PSE, totalizando, em 2003, 317 escolas
por todo o Estado do Rio de Janeiro.
Com a inserção de novas especialidades, foram criados 12 CIEPs-Pólos Especiais de Saúde,
compostos por equipes multidisciplinares e que tinham por objetivo servir de referência aos
demais CIEPs das regiões onde encontravam-se estruturados.
Como observa Almeida (1998), dentre as tendências das políticas sociais no sistema
educacional, podemos destacar que as ações implementadas no Programa têm como
principais características:
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"a garantia da permanência do aluno na escola, ou da população nas instituições educacionais
(...); a garantia da qualidade dos serviços prestados no sistema educacional (...); atividades
voltadas para a discussão dos problemas sociais e educacionais (...); atividades que vinculam
o processo de formação ampliada da população" (1998:9).
A inserção do Serviço Social no PSE: atividades, funções e equipe técnica
A inserção de assistentes sociais nos espaços escolares surgiu a partir da inclusão de novas
especialidades no Programa e da criação dos Pólos Especiais de Saúde. Ao todo, são 4
assistentes sociais, sendo que três atuam nos Pólos de Duque de Caxias, Nova Iguaçu e São
Gonçalo e uma assistente social é responsável pela Coordenação de Serviço Social.
Os
projetos
desenvolvidos
nos
Pólos
destinados
à
comunidade
escolar
são
de
responsabilidade da equipe multidisciplinar, porém o Serviço Social tem tido um papel
fundamental no processo de elaboração, execução e avaliação dos mesmos. Podemos
destacar alguns deles:
- atividades voltadas para os alunos: (i) Agentes Escolares de Saúde - formação de alunos
através da capacitação de assuntos sobre saúde como forma de permear um conhecimento
que possibilite atuar junto à comunidade escolar. (ii) Oficinas de Debates - espaços de
discussão sobre temas que envolvem o cotidiano dos alunos, como sexualidade, drogas e
cidadania, através de instrumentais como dinâmicas de grupo, vídeos, jogos lúdicos;
- Atividades voltadas para os familiares e a comunidade: (i) Pais de Saúde - formação de
agentes multiplicadores de saúde para atuarem junto às famílias de alunos dos CIEPs, como
uma forma de contribuir para o seu fortalecimento no enfrentamento das questões sociais,
dando ênfase a um trabalho de prevenção sobre assuntos pertinentes à realidade da
comunidade através do acesso à informação e da participação popular; (ii) Clube de Mães trabalha com a conscientização da importância da participação comunitária no cotidiano
escolar, bem como possibilita a construção de elementos para o exercício da cidadania,
através da capacitação de mães e responsáveis de alunos.
- Atividades voltadas para educadores: (i) Educadores em Encontro com a Saúde - projeto
anual que visa à promoção de saúde dos educadores e dos demais profissionais, como forma
de propiciar um espaço que possibilite a melhoria da qualidade de vida dos mesmos, através
de palestras, aferição de pressão arterial, glicemia, colesterol, vacinação, entre outras; (ii)
Espaços de discussão - tem por objetivo propiciar um espaço reflexivo para a discussão de
problemas referentes ao universo escolar como violência, agressividade, drogas, entre outros.
As intervenções realizadas têm nos permitido aprofundar questões que aparentemente
apresentam-se de forma particularizada e individualizada, contextualizando-as como questões
coletivas que apontam para o não fracasso do indivíduo, mas para o reflexo do modelo
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societário e estrutural que se estabelece de forma excludente e flexibilizada, nos novos moldes
de produção e acumulação capitalista.
A coordenação de Serviço Social, por sua vez, está subordinada hierarquicamente à
Coordenação Geral Médica do PSE e tem como um dos seus objetivos representar os
interesses da equipe de Serviço Social junto ao CBMERJ, bem como propor e discutir diretrizes
de ação.
Desafios e perspectivas
Há de se sinalizar que as dificuldades encontradas vão desde o âmbito organizacional até às
questões mais macros dos programas sociais. A correlação de forças existente, apoiada sob
bases políticas, é o que mais reforça o caráter temporário do Programa e, por conseqüência,
acaba gerando uma insegurança generalizada no tocante das ações. O esvaziamento, como
forma de desmobilizar a estrutura do PSE através de requisições e deslocamentos de
profissionais para outras repartições e trabalhos externos, e as questões hierárquicas típicas
de uma instituição militar, legitimadas por ranços autoritários, contribuem fatidicamente para o
enfraquecimento do Programa. Outros desafios são cotidianamente lançados aos profissionais,
como a falta de recursos materiais, de condições físicas de trabalho, tanto no âmbito da
Coordenação, quanto no âmbito dos CIEPs.
Apesar de se reconhecer a necessidade do assistente social no PSE, há uma grande lacuna
em relação ao espaço que o Serviço Social ocupa neste contexto. Isto se deve talvez pelo
desconhecimento que outros profissionais têm das potencialidades da profissão e,
conseqüentemente, da pouca visibilidade que o Serviço Social tem no Programa. Tal fato,
porém, também pode ser entendido pelo próprio posicionamento e pela direção que a equipe
vem assumindo ao longo do tempo.
O reconhecimento dos problemas apresentados nos levou à necessidade de estabelecer uma
relação com a universidade, criando então, uma parceria com o Projeto de Extensão Educação
Pública e Serviço Social (PEEPSS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que
vem nos auxiliando na construção de um projeto mais sólido.
Em última análise, precisamos desenvolver nossas competências para repensar e discutir junto
aos demais profissionais envolvidos no Programa, o papel da educação e, mais
especificamente, o papel da escola e do próprio Programa que, ideologicamente, tem
apresentado a "Escola Promotora de Saúde" como "salvadora" das mazelas sociais.
Acreditamos que o Serviço Social tem um papel de extrema relevância quanto às
possibilidades de transformação da conjuntura apresentada, uma vez que o assistente social
pode contribuir na reflexão e elaboração de práticas mais democráticas, humanas e críticas
dentro de tal correlação de forças. Precisamos defender o papel da educação e, mais
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especificamente, o papel da escola como responsável pela promoção da cidadania; por
relações sociais democráticas e solidárias; pela construção de um saber que é lançado sobre o
alicerce do saber popular, próprio da cultura de cada comunidade e grupo social; o saber como
algo prazeroso, cheio de ludicidade e experiências que valorizem o que cada um traz dentro de
si. Enfim, a busca pelo conhecimento que liberta, desaprisiona, desaliena, que eleva a
consciência dos sujeitos pensantes e os enche de criticidade, não para torná-los competentes
para o mercado, mas para garantir-lhes o direito a pensar, a agir e a escolher individual e
coletivamente.
Referências bibliográficas
ALMEIDA, N.LT. Ensaio sobre "Educação e Trabalho" no Brasil: Tendências Contemporâneas
e Requisições para o Trabalho dos Assistentes Sociais. Rio de Janeiro, FSS/UERJ, 1998
(mimeo).
ALMEIDA, N.L.T. Um breve balanço dos avanços e desafios da relação entre o Serviço Social
e área de Educação., Rio de Janeiro, FSS/UERJ, 2003 (mimeo).
FRIGOTTO. G. Educação e formação humana: ajuste neoconservador e alternativa
democrática. In:GENTILLI, P.A.A.; SILVA, T.T.(orgs). Neoliberalismo, qualidade total e
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RIBEIRO, D. O livro dos CIEP. Bloch. Rio de Janeiro.1986
IAMAMOTO, m & CARVALHO, R. Relações sociais e Serviço Social no Brasil. Esboço de uma
interpretação histórico-metodológica. 11ª ed. São Paulo/Liam, Cortez/Celats, 1996.
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