A Inserção da Agricultura Familiar nas Redes Informacionais
Eduardo Sol Oliveira da Silva*
Introdução
O presente trabalho consiste em uma discussão preliminar sobre a inserção da
agricultura familiar nas redes geográficas e suas transformações junto ao período de
revolução informacional. As bases metodológicas consistem na dialética e contribuição de
alguns autores para a composição do conceito de redes, e, no desenho das novas redes
frente à flexibilização do padrão produtivo e no desenvolvimento da infra-estrutura de
comunicação1.
O Conceito de Redes
A partir de uma análise simplista derivada do Aurélio, verificamos que o “vocábulo”
rede tem origem no latim rete, que significa um “entrelaçamento de fios, cordas, cordéis,
arames, com aberturas regulares fixadas por malhas, formando uma espécie de tecido”.
Uma leitura técnico-operacional do termo reflete a idéia de fluxos de circulação,
apresentadas pelas redes de comunicação, de transportes, de telecomunicações entre muitas
outras.
De acordo com Corrêa (1989), a rede pode ser definida como um conjunto de pontos
ou nós que estabelecem uma relação de intercâmbio entre si. Ainda segundo o referido
autor – Corrêa (1997, p.107) – a rede é “um conjunto de localizações geográficas
interconectadas entre si por um certo número de ligações”2.
Para Castells (2000), rede é um conjunto de nós interconectados, capaz de se
expandir de forma ilimitada com a integração de novos nós, desde que consigam se
*
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ.
1
Entendemos que o conceito de redes é bastante amplo, tem longa trajetória na geografia (englobando
diversos autores) e possui uma variedade de tipologias enquanto atores sociais, tipos de fluxo, tipos de
relações, conteúdo técnico, escala geográfica, forma espacial, temporalidade, espontaneidade e planejamento.
Contudo, nossa discussão não consiste na classificação das tipologias, e sim na apropriação de algumas delas
tendo como foco principal o período de avanços nas tecnologias de informações.
2
Baseado na obra de Kansky (1963).
comunicar dentro da rede ou compartilhar os mesmos códigos de comunicação. Segundo o
autor,
Uma estrutura social com base em redes é um sistema aberto altamente
dinâmico suscetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio. Redes
são instrumentos apropriados para a economia capitalista baseada na
inovação, globalização e concentração descentralizada (...) Mas a
morfologia da rede também é uma fonte de drástica reorganização das
relações de poder. (CASTELLS, 2000, p. 498)
A obra de Rafesttin (1993) enfatiza que a rede é um sistema integrado de fluxos
constituídos por pontos de acesso, arcos de transmissão e nós (ou pólos) de bifurcação.
Nesse sentido, o valor dos lugares se define pelo grau de acesso que eles oferecem ao
conjunto da rede.
É importante mencionar a obra de Christaller (1933)3 e a estreita relação entre rede
urbana e a teoria dos lugares centrais. Segundo o autor, a principal responsável pelo
crescimento urbano seria o desenvolvimento econômico, que traz a constante necessidade
dos serviços implementados na cidade. A partir das diversas atratividades seria possível
construir uma hierarquia de lugares centrais, e a sobreposição das regiões complementares
resultaria em um mosaico de “hexágonos contíguos” cobrindo toda a região. O resultado da
aplicação desse modelo é um sistema “multicentrado” de núcleos e periferias em interrelação e hierarquia. O conceito de hierarquia urbana está baseado na noção de rede urbana,
um conjunto integrado de cidades que estabelecem relações econômicas, sociais e políticas
entre si (Corrêa, 1989). Em tais relações, algumas cidades predominam e exercem
influência sobre outras, produzindo um sistema de relações hierarquizadas no interior de
cada rede urbana4.
No âmbito do Estado, as redes representam formas de articulação entre agências
governamentais e/ ou destas com redes sociais, organizações privadas ou grupos com o
objetivo de enfrentarem problemas sociais e implementarem políticas públicas (Dubouchet,
1991). Segundo o autor, nesse campo situam-se as chamadas redes institucionais, redes
3
4
Contribuição da Geografia Urbana para o entendimento da hierarquia dos lugares e suas inter-relações.
Percebemos uma articulação nos conceitos de redes tratado pelos referidos autores.
2
sócio-governamentais e redes locais de inserção, onde as relações sociais dentro delas são
definidas por normas precisas e por funções e papéis atribuídos aos indivíduos para a
realização de serviços.
Milton Santos (2002) valoriza o ideal de rede social e política, o que caracteriza a
grande abstração existente nas redes. Este ainda apresenta o caráter histórico das redes,
admitindo três grandes momentos “na produção e vida” das redes: um período prémecânico, um período mecânico intermediário e a fase atual, marcada pelas redes
informacionais. O primeiro momento é marcado pelo predomínio do fator natural, onde as
redes “serviam a uma pequena vida de relações”. Neste sentido, as sociedades locais
conseguiam naturalmente sanar as suas necessidades a partir das relações locais.
O segundo momento difunde a expansão do comércio e do consumo. Assim, a
expansão marítima e comercial é um exemplo de mundialização e de complexidade das
redes. Devemos considerar a evolução do padrão técnico como fator de reprodução e
agilidade no sistema de redes.
O terceiro momento é constituído por um grande progresso da ciência e da tecnologia,
garantindo assim uma noção maior de abstração às redes (consolidação das redes
imateriais). A grande eficiência nos meios de comunicações estabelece fluxos de alcance
global, que, integrados aos objetos técnicos fixos nos territórios, dinamizam o volume de
informações presentes em cada troca estabelecida.
O meio técnico-científico-informacional distingue-se pela formação de redes
virtuais, que desempenham funções decisivas na estruturação das atividades econômicas.
Essas redes exibem aspectos materiais, como os computadores, cabos de fibra ótica e
satélites de comunicação, mas o seu conteúdo é virtual- "pacotes digitais" de informação
(Santos, 2002b).
O espaço geográfico do meio técnico-científico-informacional se diferencia muito
menos por suas características naturais do que pelas condições técnicas e organizacionais
existentes em cada área. As áreas que dispõem de equipamentos modernos – que
maximizem a eficiência da análise e da difusão de informações - oferecem vantagens
econômicas extraordinárias para empresas e consumidores. Assim, configura-se um
diferencial que atrai as atividades empresariais dinâmicas para os lugares valorizados pelas
infra-estruturas da "era da informação", de acordo com os nexos organizacionais vigentes
3
(Santos, 2002b).
Dessa forma, constatamos que o terceiro momento caracteriza-se pela intensificação
e aceleração dos fluxos internacionais de mercadorias, serviços, capitais e informações. O
espaço mundial da "era da informação" singulariza-se, em um certo sentido, pela supressão
da distância.O meio técnico-científico-informacional pode ser definido como urna
"economia em rede" (Castells, 2000).
Assim, de acordo com o próprio Milton Santos, “quanto mais avança a civilização
material, mais se impõe o caráter deliberado na constituição das redes” (Santos, 2002, p.
211). Dessa forma, com o avanço do desenvolvimento científico-tecnológico, a informação
e a velocidade dos eventos transmitidos pelas redes geográficas constituem um fato de
importância para a sociedade. A distribuição e o controle da informação não somente
representam novas vantagens para fixação do capital como também possibilitaram novas
formas de organização industrial (Castells, 2000). Nesse contexto, as redes de
telecomunicações passaram a ser um elemento de fundamental importância como foram no
passado o vapor e a estrada de ferro (Hepworth, 1990).
Essas novas redes informacionais, que permitem uma maior velocidade na
circulação de bens, pessoas e mercadorias, rompem com a barreira espaço-tempo (Harvey,
1992). Nessa nova dimensão de análise, deve-se contemplar o aspecto organizacional das
redes, isso no que diz respeito a sua formação, os agentes que a compõem, a natureza dos
fluxos e o papel que desempenha espacialmente e, não menos importante, compreender
suas abordagens no tempo, o que envolve duração, velocidade e freqüência das redes que se
estabelecem. Isso porque as novas redes, diante da atual realidade socioeconômica mundial,
rompem com os sistemas tradicionais, alterando a separação convencional entre hierarquia
(Randolph, 1995, p.172)
As Redes na “Era da Informação”
Como já foi abordado anteriormente, a aproximação das diferentes localidades do
mundo através dos sistemas de comunicação e transportes e da globalização ampliou a
complexidade das relações entre elas. Além disso, a maior disponibilidade, velocidade e
4
densidade das informações facilitou as ligações estabelecidas em rede. Assim, na medida
em que as regiões vão se ligando ao mundo, elas passam, também, a sofrer a sua influência.
Para Manuel Castells (2000) a economia global é uma nova realidade histórica,
diferenciada da economia mundial que se consolidou a partir do processo de acumulação de
capital constituído em todo o mundo Ocidental desde o século XVI. A diferença básica é a
enorme capacidade que possui a economia global de funcionar de forma unitária em tempo
real, em escala planetária (Castells,1999:111). A força integradora da economia global é
sustentada pelos avanços propiciados pelas tecnologias de informação e de comunicação,
no final do século XX.
Meu ponto de partida, e não estou sozinho nesta conjetura, é que no final
do século XX estamos vivendo um desses raros intervalos na história.
Um intervalo cuja característica é a transformação de nossa “cultura
material” pelos mecanismos de um novo paradigma tecnológico que se
organiza em torno da tecnologia da informação.
CASTELLS, 2000, p. 49.
A aceleração dos fluxos globais de dados, voz e imagem assenta-se sobre a
tecnologia da compressão digital da informação e dois tipos de infra-estruturas: os satélites
de telecomunicações e os cabos de fibra óptica. De acordo com Harvey (1992):
Os sistemas de comunicação por satélite implantados a partir do início da
década de 70 tornaram o custo unitário e o tempo da comunicação
invariantes com relação à distância. Custa o mesmo a comunicação com
uma distância de 800 quilômetros e de 8000 via satélite.
HARVEY, 1992, p. 264.
O impacto dessas profundas transformações gerou o mito da morte da distância. No
mundo da telefonia sem limites, das redes digitais, das teleconferências e da transmissão
instantânea e quase ilimitada de dados, não existiriam motivos para a concentração
geográfica das atividades e das pessoas. Em princípio, as empresas poderiam se instalar em
5
qualquer lugar – ou até mesmo abdicar de sedes fixas. Os mercados locais perderiam razão
de ser, pois estaria se constituindo um único mercado, integrado globalmente. Os EstadosNacionais teriam um novo papel5 frente ao crescimento acentuado dos organismos
transnacionais motivados pelas tecnologias de comunicação.
Não podemos dissociar essas transformações com o novo contexto de produção
industrial calcado na acumulação flexível estabelecido na década de 70. Apoiada na
flexibilização dos processos de trabalho, dos mercados, dos produtos e padrão de consumo,
este modelo de produção fornece a sustentabilidade ideal para os fenômenos em escala
global. Harvey afirma que a acumulação flexível caracteriza-se:
(...) pelo surgimento se setores de produção inteiramente novos, novas
maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e,
sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial,
tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas
mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores
como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto
movimento no emprego no chamado “setor de serviços” (...) Ela também
envolve um novo movimento que chamarei de “compressão do espaçotempo” (...) enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de
transporte possibilitaram cada vez mais a difusão imediata das decisões
num espaço cada vez mais amplo e variado.
HARVEY, 1992, p. 140.
Assim, a aceleração dos fluxos de informação tem repercussões em toda vida social
e na organização do espaço geográfico. Os mercados de capitais integram-se globalmente.
As transnacionais engajaram-se em estratégias destinadas a transforma-las em corporações
verdadeiramente globais. Inúmeros tipos de empregos desaparecem, enquanto muitos outros
estão sendo criados, especialmente no setor terciário. A qualificação da força de trabalho e
as estruturas produtivas utilizam, de modo crescente, recursos associados às
telecomunicações e às redes digitais.
5
Em alguns casos fornecendo a base material para a construção dessas redes.
6
Dessa forma, podemos afirmar que nas duas últimas décadas ocorreu uma intensa
compressão tempo-espaço que tem tido um impacto alarmante sobre as práticas políticoeconômicas, sobre o equilíbrio do poder de classes, bem como sobre a vida social e cultural
(Harvey, 1992).
Contudo, devemos considerar que a revolução tecnológica, apesar de estar presente
em todo o globo, não envolve todas as classes sociais do globo. Ocorre apenas em algumas
sociedades sendo difundidas em áreas geográficas relativamente limitadas, o que resulta na
ocupação de espaços e tempos isolados em relação a outras regiões do planeta (Castells,
2000).
É importante destacar que Harvey (1992) discute a compressão tempo-espaço
através de um viés histórico, demonstrando como os novos sistemas de transporte e
comunicação ao longo da história do capitalismo transformaram nossas experiências
espaço-temporais (Haesbaert, 2004). Essa referência é expressa a partir da análise do
processo do pós-fordismo ou acumulação flexível.
Ainda de acordo com Haesbaert:
(...) para Harvey, o foco primeiro é o global, a compressão do tempoespaço por inovações tecnológicas crescentes que “encolhem” o mundo
de modo que até mesmo no nível local ele pode, de alguma forma, ser
reproduzido.
HAESBAERT, 2004, p. 161.
A materialização dessas circunstâncias é expressa pelos diversos fluxos da
globalização que atravessam fronteiras nacionais e criam um espaço mundial de transações.
A etapa atual da globalização fundamenta-se na redução generalizada das barreiras entre os
mercados nacionais ou seja, os fluxos de informações, estruturados por redes públicas e
privadas, criam espaços virtuais que ignoram as fronteiras políticas. É importante
mencionar também que existe uma tendência atual de união vertical dos lugares, onde
créditos internacionais estão a disposição dos países e das regiões permitindo que as redes
se consolidem a serviço do grande capital (Santos, 2002).
7
Em muitas cidades a economia globalizada consolida os processos globais
constituídos pela estruturação de mercados financeiros globais e investimentos estrangeiros
diretos, que caracterizam os espaços de intersecção do global e do local no período atual
(Sassen,1998). Esses "espaços" aos quais a autora denominou de transnacionais estão
localizados em territórios nacionais, controlados por Estados-Nacionais. Assim, os
processos globais afetam a estrutura social local das cidades, alterando a organização do
trabalho, a distribuição dos ganhos, a estrutura de consumo e criam novos padrões de
desigualdade social (Sassen, 1998).
É importante destacar que a valorização do papel desempenhado pelas
telecomunicações e a tecnologia de informação na localização das atividades econômicas
do atual desenvolvimento do capital, pode distorcer a dimensão espacial da globalização
econômica, desvalorizando o papel exercido pelas localidades na fase atual da
globalização.
Numa perspectiva analítica diferente de Harvey (1992), Anthony Giddens (1991)
enfatiza a importância do local se “alongando” ou “desencaixando” em direção ao global.
Para Giddens o foco inicial é o local, que tem suas relações globalizadas. Dessa maneira, as
relações entre formas sociais e eventos locais e distantes se tornam correspondentemente
“alongadas” (Giddens, 1991). As redes geográficas no período informacional se referem
essencialmente a este processo de alongamento, “na medida em que as modalidades de
conexão entre diferentes regiões ou contextos sociais se enredaram através da superfície da
Terra como um todo” (Giddens, 1991: 69).
Ainda de acordo com o autor:
A globalização pode assim ser definida como a intensificação das
relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal
maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo
a muitas milhas de distância e vice-versa. Este é um processo dialético
porque tais acontecimentos locais podem se deslocar numa direção
anversa às relações muito distanciadas que os modelam.
GIDDENS, 1991
p. 70.
8
Podemos assim constatar que a nova economia está assentada em torno de redes
globais de capital, gerenciamento e informação onde o acesso ao conhecimento tecnológico
é fundamental para a produtividade e competitividade. Dessa forma, a informação
“representa o principal ingrediente de nossa organização social, e os fluxos de mensagens e
imagens entre as redes constituem o encadeamento básico de nossa estrutura social”
(Castells, 2000, p. 505).
As novas redes informacionais, que se inscrevem num quadro de transformações
científico-tecnológicas, foram constituídas graças aos avanços da informática e das
comunicações. A velocidade e o acesso às redes e ao processamento das informações
tornaram-se elementos fundamentais na nossa sociedade. Com efeito, “a velocidade é o
elemento essencial, capaz de alterar e se impor não só no aspecto técnico-produtivo como
também nas transformações das relações sociais e, portanto, das relações de poder. As
novas técnicas de produção e a extensão da informatização a todos os setores de atividades
estão se constituindo em condições essenciais para a acumulação capitalista” (Machado,
1992, p. 401).
É válido enfatizar que as redes geográficas são “produtos e condições sociais”.
Segundo Corrêa (1993: 109) na atual fase do capitalismo a importância das diversas redes
na vida econômica, social, política e cultural é significativa. E ainda, os habitantes de uma
determinada sociedade, de maneira geral, estão inseridos simultaneamente em mais de uma
rede geográfica, e, exclusos de outras diversas redes.
O próprio Milton Santos (2002, p. 268) complementa:
Aliás, e em primeiro lugar, nem tudo é rede. Se olharmos a representação
da superfície da Terra, verificaremos que numerosas e vastas áreas
escapam a esse desenho reticular presente na quase totalidade dos países
desenvolvidos. Essas áreas são magmas, ou zonas de baixa densidade. E
onde as redes existem, elas não são uniformes. Num mesmo subespaço
há uma superposição de redes, que inclui redes principais e redes
afluentes ou tributárias, constelações de pontos e traçados de linhas.
Levando em conta o aproveitamento social, registram-se desigualdades
9
no uso e é diverso o papel dos agentes no processo de controle e de
regulação do seu funcionamento.
Neste sentido, as tecnologias de informação proporcionaram uma difusão cada vez
mais acelerada das redes, proporcionando uma complexidade ainda maior caracterizada por
uma multi-escalaridade. Contudo, a inserção cada vez maior de algumas sociedades em
múltiplas redes geográficas, não impede a existência de áreas “opacas” ou incipientes no
processo de integração.
A perspectiva “multi-escalar” ou “trans-escalar” das redes geográficas pode ser
entendida a partir da realidade que atravessa simultanemante as escalas global e local. É
necessário portanto, compreender o processo de “aniquilação” do espaço por meio do
tempo6 na dinâmica modernizante das tecnologias da informação. Concordamos assim que
o atual desenvolvimento tecnológico tem introduzido uma nova relação com o território7,
com implicações no campo social, onde as novas tecnologias estão se configurando como
um dos campos mais dinâmicos e fomentadores da densidade e complexidade das redes.
“A homogeneização do espaço geográfico é outra tese associada à expansão das
redes ligadas à tecnologia informacional. A possibilidade da aceleração da transmissão de
dados e de informações no território, em tempo real, e do acesso virtual através das redes, a
todos os pontos do território, resultariam na eliminação das distâncias e na homogeneização
do espaço geográfico” (Marafon, 1996: 54). Na verdade, porém, a diminuição das
distâncias não resulta na homogeneização do espaço, e muito menos diminui a sua
importância. Segundo Harvey (1992, p. 267), “quanto menos importantes as barreiras
espaciais, tanto maior a sensibilidade do capital às variações do lugar dentro do espaço e
tanto maior o incentivo para que os lugares se diferenciem de maneira atrativa para o
capital”.
Agricultura Familiar: articulação de uma rede social de produtores rurais
6
Já retratado neste mesmo artigo.
Tendo em vista que o território é o resultado de uma construção social e política, no qual os agentes
individuais e coletivos trocam recursos de poder e articulam interesses (Haesbaert, 2004).
7
10
Nos últimos anos, tem se intensificado o debate sobre o papel desempenhado pela
agricultura familiar no campo brasileiro. Esse debate encontra-se atrelado às mudanças
socioeconômicas vivenciadas pelo Estado a partir do final dos anos 80, isto é, o
questionamento do papel do Estado, as privatizações, a intensidade dos fluxos
internacionais aprofundando as relações entre o local e o global, o que provocou um
reordenamento no campo brasileiro e na discussão sobre o papel da agricultura familiar
(Silva, 2002).
O processo de integração dos países sul-americanos, concretizado com a assinatura
do Mercosul (1991), resultou na criação de inúmeros acordos multilaterais com a finalidade
de expandir a integração econômica entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Essa
abertura econômica, inicialmente excludente para os pequenos agricultores, visto que
ameaçava determinados setores da agricultura em razão das diferenças de competitividade,
fortaleceu a expressão agricultura familiar como uma noção de convergência e união dos
interesses dos pequenos proprietários rurais que se julgavam à margem do processo
político-econômico de integração (Schneider, 2002).
Como forma de padronizar o discurso oposicionista, as instituições representativas
dos agricultores descapitalizados e ameaçados com a abertura econômica, criaram um
discurso político que favorecia a proteção social, política e econômica dos agricultores
familiares. Esse movimento unificou o discurso de defesa dos agricultores familiares, (re)
constituindo uma categoria política que passou a agregar os pequenos proprietários rurais,
os assentados, os arrendatários e os agricultores integrados às agroindústrias, entre outros.
Outrossim, o fortalecimento da noção de agricultura familiar pode ser atribuído ao
enfraquecimento de outras denominações que eram usadas até então, como a de
“trabalhador rural” ou “pequenos proprietários” (Schneider, 2002).
A afirmação da agricultura familiar no cenário social e político brasileiro está
relacionada também à legitimação que o Estado lhe concedeu ao criar o Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, em 1996 e a sua articulação
crescente com os sistemas produtivos que ampliam a área de abrangência do trabalho e da
produção agrícola familiar.
A Pluriatividade Como Diversificação das Redes Sociais
11
A pluriatividade é um fenômeno no qual os componentes de uma unidade familiar
executam diversas atividades econômicas com o objetivo de conseguir uma remuneração
pelas mesmas. Essas atividades podem ser desenvolvidas tanto no interior como no exterior
da própria unidade de exploração, através da venda da força de trabalho familiar, da
prestação de serviços a outros agricultores ou de iniciativas centradas na própria exploração
– turismo rural, agroturismo, artesanato e diversificação produtiva – que de maneira
conjunta, resultam no aproveitamento de todos os recursos existentes na propriedade e/ ou
em seu redor (Sacco dos Anjos, 2003). Assim, a pluriatividade é o resultado de um grande
processo de transformação da agricultura em concomitância com a dinâmica da economia
em geral, advento da profunda reestruturação que marca o modo de produção capitalista
(Sacco dos Anjos, 2003). Essas atividades conjugadas inserem o agricultor familiar em uma
teia de relações que vão do campo à cidade.
Este fenômeno não representa uma situação inteiramente nova no modo de
funcionamento das formações sociais e econômicas agrárias, podemos voltar aos estudos de
Kautsky e Chayanov que se referem aos “trabalhos acessórios” e às “outras atividades nãoagrícolas” como formas complementares de obtenção de renda e inserção econômica de
pequenos proprietários.
Dessa forma, a pluriatividade pode ser utilizada para descrever o processo de
diversificação que ocorre dentro e fora da propriedade, assim como para apontar a
emergência de um conjunto de novas atividades que tomam lugar no meio rural. De acordo
com Schneider (1999):
A pluriatividade permite reconceituar a propriedade como uma unidade de
produção e reprodução, não exclusivamente baseada em atividades agrícolas.
As propriedades pluriativas são unidades que alocam trabalho em diferentes
atividades, além da agricultura familiar [...]. (p. 367).
Muitas propriedades podem obter diferentes tipos de remuneração. A pluriatividade,
nesse sentido, é exemplificada através de uma unidade produtiva multidimensional, onde é
exercida a prática da agricultura e de outras atividades, tanto dentro como fora da
propriedade, pelas quais são recebidos diferentes tipos de remuneração e receitas.
12
Alentejano (1999) afirma que a pluriatividade é mais adequada como instrumento de
análise da dinâmica agrícola, pois como a agropecuária não exige um tempo integral de
trabalho, a sazonalidade do trabalho agrícola permite a combinação de atividades fora das
propriedades rurais.
Na concepção de Graziano da Silva & Del Grossi (2002) o conceito de
pluriatividade permite juntar as atividades agrícolas com outras atividades que gerem
ganhos monetários e não monetários, independentemente de serem internos ou externos à
exploração agropecuária.
Ainda de acordo com Graziano da Silva & Del Grossi (2002), a pluriatividade
incorpora os conceitos de diversificação produtiva e de agricultura em tempo parcial, sendo
considerados todas as atividades exercidas por todos os membros dos domicílios, inclusive
as ocupações por conta própria, o trabalho assalariado e não assalariado, realizado dentro
e/ou fora das explorações agropecuárias. Deste modo, a renda agrícola vem sendo cada vez
mais insuficiente para a manutenção das famílias. Assim, a agricultura está se convertendo
cada vez mais em uma atividade de tempo parcial, o que corresponde cada vez menos pela
renda e pelo tempo de ocupação da família na agricultura.
A diversificação das fontes de renda e a combinação de atividades agrícolas e não-agrícolas
tem possibilitado à população do meio rural, elevar seu poder aquisitivo, "passando a
demandar uma variada gama de bens de consumo"(Schneider 1999, p.174). Percebemos
assim um redimensionamento das relações sociais dos agricultores familiares, visto que,
estes passam a exercer uma série de atividades muitas vezes ligadas à cidade. Este
paradigma relacional insere a agricultura familiar em um conjunto multidimensional de
redes sociais.
Para Concluir
“Os processos de transformação social sintetizados no tipo ideal de sociedade em
rede ultrapassam a esfera de relações sociais e técnicas de produção: afetam a cultura e o
poder de forma profunda” (Castells, 2000, p. 504). O poder exercido pela comunicação e
informação hoje, altera as estruturas políticas e os padrões culturais de forma desordenada
em todo o mundo.
13
Essas transformações vivenciadas pela sociedade8, principalmente no que diz
respeito à mudança do padrão técnico produtivo e da capacidade de acumulação capitalista
no período de produção flexível, modificaram a dinâmica espaço-temporal. Vivenciamos
uma sociedade estabelecida em um “espaço de fluxos” e no “tempo intemporal”. Segundo
Castells, cada vez mais a nova ordem social, a sociedade em rede, parece uma
“metadesordem social” para a maioria dos cidadãos. Podemos constatar uma seqüência
automática e aleatória de eventos derivados da lógica incontrolável dos mercados,
tecnologia, ordem geográfica ou determinação biológica.
A economia, por sua vez, vem sendo cada vez mais regulada pela capacidade
técnica de muitas instituições, o que ora traz avanços surpreendentes em termos da
superação da capacidade humana em gerar novos meios produtivos, ora afundam os
alicerces de garantia social, difundindo um número cada vez maior de pessoas poucointegradas à sociedade organizada. Neste sentido, a “sociedade em rede” no período
“informacional” é bastante restrita e seletiva, possuindo inclusive uma gradação em termos
de integração. Os muito integrados gozam de toda densidade e complexidade que as redes
podem oferecer. Possuem uma infra-estrutura técnica pré-existente, além de uma
capacidade de articulação e manipulação dos fluxos. Não há uma definição ou limite
territorial, visto que este é dinâmico e possui uma certa mobilidade, seja pela ação
individual ou coletiva. Os pouco integrados também fazem parte de algum tipo de rede, seja
uma rede institucional ou mesmo de solidariedade, contudo, vivem “tempos” diferenciados,
à margem do processo de desenvolvimento econômico e na periferia9 do capitalismo
globalizado.
Referências Bibliográficas
8
Estamos nos referindo a modernização do aparato industrial em algumas localidades centrais e a
intensificação dos fluxos de pessoas, mercadorias, serviços e informações, resultando cada vez mais em um
processo de integração via rede.
9
As áreas periféricas não distinguem Estado-Nacionais, podem estar localizadas nos EUA, no continente
Europeu como na África.
14
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A vida e o seu sentido