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OS JOVENS, A VIOLÊNCIA E UMA NOVA POLÍTICA PÚBLICA
Bernardo Micherif Carneiro*
Celina Roque de Lima**
Kátia Silva Simões***
Ludmilla Féres Faria*****
Michele Duarte Silva*****
RESUMO
Através da Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais,
pela Lei Delegada 56 – Resolução 5210 de 12 de dezembro de 2002
criou-se a Superintendência de Prevenção à Criminalidade. Com o
propósito de trabalhar com a devida importância propostas de
prevenção à violência urbana, a Superintendência vem realizando a
difícil tarefa de implantar, no campo das políticas públicas, um novo
paradigma: pensar a segurança como um bem público capaz de
articular intervenções de caráter preventivo e repressivo. Na tentativa
de ilustrar a construção dessa nova política pública de segurança este
texto buscará apresentar um caminho aberto há cerca de três anos
com a criação, em Belo Horizonte, do Programa Controle de
Homicídios, melhor conhecido como Fica Vivo!.
Palavras-chave: violência, Fica Vivo!, prevenção, repressão, polícia.
ABSTRACT
Through the State Secretary of Social Defense of Minas Gerais, for
Delegated Law 56 - Resolution 5210 of 12 of December of 2002
created it Supervision of Prevention to Crime. With the intention to
work with the due importance prevention proposals to the urban
violence, the Supervision comes carrying through the difficult task to
implant, in public politics, a new paradigm: to think the security as a
public good capable one to articulate interventions of preventive and
repressive character. In the attempt to illustrate the construction of this
new public politics of security this text will search to present an open
way has about three years with the creation, in Belo Horizonte, of the
Control of Homicides Program, better known as FICA VIVO!.
Keywords: Fica Vivo!, prevention, violence, police, repression.
Distante da excepcionalidade, a segurança pública é uma tarefa diária,
cotidiana. Atualmente, no Brasil, em oposição à tradição conservadora que busca
reduzir, de maneira equivocada, a segurança pública somente a uma “questão de
polícia”, determinadas ações buscam demonstrar que a preservação da ordem pública
democrática pode incluir variáveis extra-policiais.
A construção de uma perspectiva democrática de segurança pública inclui
variáveis diversas, tais como a qualidade de vida dos atores sociais, suas expectativas
*
psicólogo, técnico do programa Fica Vivo!
assistente social, técnica do programa Fica Vivo!
***
psicóloga, técnica do programa Fica Vivo!, especialista
*****
psicóloga diretora do programa Fica Vivo!, mestre
*****
psicóloga, técnica do programa Fica Vivo!, especialista
**
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e seus níveis de participação social, a infra-estrutura social e urbana, além do trabalho
policial e do princípio fundamental de respeito aos direitos humanos e às leis.
A soberania do Estado, pensada desde a modernidade, opera como
legisladora das normas sociais que regem a cultura, ao preço da alienação dos
sujeitos ao seu poder. O que se coloca em jogo é o Estado em seu poder repressor,
como garantidor da segurança na nação. O Estado repressor enfrenta a violência a
partir de uma lógica segregativa. Na medida em que o contexto político está
subordinado à lei do Estado, a repressão consiste em excluir o patológico de qualquer
possibilidade de laço social. Não se trata de um enfrentamento às causas da violência,
mas uma tentativa de torná-la inoperante, delimitando-a em uma exclusão interna à
sociedade.
No entanto, em uma época em que as leis do mercado se sobrepõe ao
poder do Estado, a inexistência de uma autoridade universal para refrear a violência
exige que um debate sobre um novo conceito de Estado que opere no contexto
político de nossa época. Assim, o Governo do Estado de Minas Gerais vem realizando
uma política pioneira que nos permite pensar novas saídas para este impasse. Esta
mudança de discurso é marcada, de início, pela passagem da Secretaria de Justiça à
Secretaria de Defesa Social. Com isso, o Estado se propõe a acompanhar as
mudanças da política de nossos tempos, passando do conceito repressor da justiça à
defesa social. A defesa social propõe que a repressão seja mais uma das formas de
enfrentamento à violência, mas não a única. Numa época em que prevenir tomou um
caráter de higienização social, de curar a sociedade de seus males, a Secretaria de
Defesa Social introduz uma nova proposta de prevenção. Não se trata de um Estado
que vê a violência como um inimigo que vem de fora, mas um Estado que se implica
em um enfrentamento com as causas sociais da violência.
Nesse sentido, através da Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas
Gerais, pela Lei Delegada 56 – Resolução 5210 de 12 de dezembro de 2002 criou-se
a Superintendência de Prevenção à Criminalidade. Com o propósito de trabalhar com
a devida importância propostas de prevenção à violência urbana, a Superintendência
vem realizando a difícil tarefa de implantar, no campo das políticas públicas, um novo
paradigma: pensar a segurança como um bem público capaz de articular intervenções
de caráter preventivo e repressivo.
Na tentativa de ilustrar a construção dessa nova política pública de
segurança trilharemos um caminho aberto há cerca de três anos com a criação, em
Belo Horizonte, do Programa Controle de Homicídios, melhor conhecido como Fica
Vivo!.
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1 NOTÍCIAS DE UM BELO HORIZONTE
Belo Horizonte tem hoje 107 anos. O belorizontino é filho de uma capital
bem jovem. Há na capital de Minas muita coisa boa, mas há também alguns dados
nada agradáveis. Por exemplo, na última década, Belo Horizonte também viu crescer
de forma acelerada a sua taxa de homicídios. Uma pesquisa realizada em 2002, pelo
Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Publica de Minas Gerais – CRISP
deu visibilidade a esse acentuado crescimento dos homicídios, dando destaque ao
fato de serem jovens, na faixa etária de 15 a 25 anos, de bairros pobres da região
metropolitana, os principais vitimizados.
Naquela época, a estatística da violência produzida por essa pesquisa,
despertou grande preocupação e fez acentuar a necessidade da elaboração de
alguma forma de intervenção que, em alguma medida, já vinha sendo sentida pelos
profissionais de áreas relacionadas à violência e de atendimento a jovens.
Será então em 2002, a partir da composição de um grupo de trabalho que
reunia vários integrantes de instituições do poder público e da sociedade civil, que terá
origem o Fica Vivo!.
2 O FICA VIVO!
Com o objetivo de desenvolver políticas eficazes de prevenção à violência
através da implementação articulada de ações de natureza preventiva, repressiva e de
suporte social, em comunidades caracterizadas por altos índices de criminalidade
violenta, o Governo de Minas, através da Secretaria de Estado de Defesa Social, por
sua Superintendência de Prevenção à Criminalidade institucionalizou, em 2002, o
Programa de Controle de Homicídios, melhor conhecido como Fica Vivo!.
Iniciativa pioneira no Brasil, o Fica Vivo! é um Programa criado para jovens
de 14 a 24 anos, em particular, jovens envolvidos em situações de violência e
criminalidade. O projeto piloto foi implementado, no segundo semestre de 2002, na
região do Aglomerado Morro das Pedras e em menos de um ano, o número de
homicídios na região caiu 45,5%. Mais do que isto, a comunidade se mobilizou, novos
grupos surgiram e poder ir e vir pelos becos do Aglomerado se tornou novamente
possível.
A partir de julho de 2004 o Fica Vivo! passou a ser implementado em mais
cinco regiões de Belo Horizonte: Alto Vera Cruz/Taquaril/Granja de Freitas, Cabana do
Pai Tomás, Paulo VI/Ribeiro de Abreu e Pedreira Prado Lopes. Atualmente, encontrase em fase de expansão para cidades da região metropolitana e do interior.
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Na busca de atingir seus objetivos, o Programa funciona a partir de uma
Gestão Coordenada, que tem como bases dois eixos: a Proteção Social e a
Intervenção Estratégica.
3 A INTERVENÇÃO ESTRATÉGICA
O trabalho desenvolvido pelo eixo de Intervenção Estratégica tem como
referência ações integradas do Poder Judiciário, do Ministério Público, das Polícias
Militar, Civil e Federal, da Universidade Federal de Minas Gerais através do CRISP e
da Secretaria de Estado de Defesa Social. Este eixo tem por responsabilidade o
planejamento e a coordenação de ações integradas de natureza estratégica, seja na
forma de projetos criados para prevenir a violência, como é o caso do Grupamento
Especial para Áreas de Risco – GEPAR, formado por policiais militares, seja na
potencialização e qualificação das ações já existentes. Das ações desenvolvidas por
esse eixo as que mais se destacam, seja pelo sucesso e importância, seja pelos
transtornos causados, são aquelas realizadas pela Polícia Militar.
Historicamente, as polícias surgem como um instrumento capaz de
produzir alternativas pacíficas de obediência às leis. Diferentemente dos exércitos, que
lutam contra inimigos externos, as organizações policiais estão inseridas em um
campo de atuação que é interno. Às polícias cabe assim a função diária de administrar
os conflitos civis, o risco social e coletivo, mantendo-se como um meio de força
comedida, provocada e proporcional à resistência oferecida às leis. No exercício da
função diária de administrar os conflitos, a Polícia Militar precisa lidar, constantemente,
com o desafio de conciliar, na prática, os princípios da legalidade e da legitimidade
que conformam o Estado de Direito.
Assim, no cumprimento da missão de “servir e proteger” o cidadão, os
policiais militares têm que lidar, diariamente, com o dilema de mediar a tensão entre “o
mundo das leis” e “as leis do mundo”. Logo, diante dos atos ilícitos, dos conflitos e das
desordens exibidas no palco social é necessário um trabalho policial que consiga
articular a negociação, a mediação, a prevenção, a repressão e ainda o uso comedido,
produtivo e legal da força, na preservação da ordem pública.
Contudo, o cotidiano das cidades demonstra que essa articulação nem
sempre é possível, uma vez que ações repressivas violentas e abusivas continuam
sendo repetidas por alguns policiais militares. Nesse sentido, desponta-se aí um dos
desafios de uma nova política de segurança que aposta na importância de um trabalho
de repressão qualificado: trabalhar diretamente com jovens que muitas vezes são alvo
de abordagens policiais inadequadas.
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4 A PROTEÇÃO SOCIAL
O eixo da Proteção Social trabalha no sentido de mobilizar as
comunidades, para que seus moradores e aqueles que lá trabalham, juntamente com
os técnicos do Programa, possam construir alternativas para os problemas de
segurança locais. Para tanto é fundamental a participação de muitos, a articulação de
órgãos públicos e da sociedade, incluindo os sistemas de educação, saúde, esportes,
cultura, assistência social e entidades não governamentais, como associações
comunitárias, de classe, religiosas e outras.
Na busca de construir essas alternativas, o Núcleo de Referência é uma
“peça” fundamental para o funcionamento do Programa. O Núcleo é um equipamento
instalado na comunidade e que carrega em seu nome sua função: servir como a
referência do Fica Vivo! nas áreas de intervenção do Programa. Mais amplamente,
podemos dizer que o Núcleo de Referência é algo novo; um espaço que se situa no
trajeto das mais diversas demandas da comunidade. Um endereço para o qual as
demandas podem estar sendo encaminhadas e para as quais se trata de viabilizar um
novo e particular tratamento.
Em sua tarefa de mobilizar a participação comunitária, o Núcleo de
Referência promove Fóruns Comunitários, espaços privilegiados de circulação da
palavra. Esses Fóruns contam com a participação de pessoas da comunidade,
lideranças e associações comunitárias, assim como profissionais da educação e da
saúde. São espaços de discussão nos quais se constrõem alternativas para os
problemas locais de segurança.
Além disso, o Programa tem como estratégia para conseguir a entrada dos
jovens no programa a oferta de Oficinas. Durante toda a semana acontecem oficinas
de percussão, dança de rua, dança afro, circo, grafite, flauta, futsal, dentre outras. Tais
espaços culturais e esportivos buscam propiciar a formação de novos laços, a fim de
que os jovens possam buscar outras saídas que não somente a violência. Para casos
específicos, o Núcleo está aberto a oferecer atendimentos individuais.
O Fica Vivo! surge assim no amplo cenário da segurança pública como um
instrumento de prevenção à violência e a criminalidade, fazendo surgir no palco da
periferia novos personagens, valorizando suas invenções.
5 O DESAFIO DE UMA POLÍTICA PREVENTIVA
A repressão é uma ação prevista por antecipação, uma intervenção
ostensiva e imperativa, pois exige que os deveres pré-estabelecidos por lei sejam
cumpridos. Por outro lado, a prevenção implica intervenções antes que o crime
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aconteça, o que insere uma proposta de proteção social visando um efeito sobre a
segurança pública. Desta forma, se a intervenção repressiva atua sobre os efeitos da
violência, a prevenção trabalha com suas causas. Assim, repressão e prevenção
caminham lado a lado, mas atuam em momentos diferentes. No entanto, quando
espaços de cultura e esporte são atravessados pela violência externa, como tiroteios,
a necessidade de ações repressivas se impõe. A prevenção surge como uma tentativa
de minimizar a necessidade da utilização da repressão. Mas, no momento em que
uma ação violenta invade a prevenção, como articular prevenção e repressão?
Neste ponto um impasse se coloca: como fazer com que, diante da
violência, a repressão não anule o lugar da prevenção. Que o que surja, ao invés da
prevenção não seja o tratamento da violência pela violência. Mas, ao contário, que a
prática policial possa fazer uso de ações preventivas. Se, por um lado, a polícia
responde à lógica segregativa do modelo de Estado soberano, o nosso desafio nos
direciona para os novos rumos que o Estado democrático aponta: que o Fica Vivo!
possa ocupar um lugar de mediação entre a prevenção e a repressão capaz de
construir uma nova forma de tratamento da violência. Uma nova política de segurança
pública em que a polícia se destaca como um instrumento da comunidade, e não
como uma arma contra ela.
REFERÊNCIAS
ALBERTI, Sônia. Esse sujeito adolescente. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996.
BANCO MUNIDAL. Prevenção comunitária do crime e da violência em áreas urbanas
da América Latina: um guia de recursos para municípios. Relatório do Banco
Mundial, Novembro, 2003.
CRISP - Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade
Federal de Minas Gerais. Disponíveis em: <http// www.crisp.ufmg.br> Acesso em : 08
mar. 2004.
FREUD, S. O mal estar na civilização. Rio de Janeiro: ESB, Imago:, 1976.
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