1
RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE
Adriana Alves Quintino Menezes
Inúmeras transformações e reformulações aconteceram com a responsabilidade civil no
decorrer do tempo, principalmente no que se refere aos seus requisitos e elementos essenciais,
acompanhando o movimento do Direito Moderno.
Sob este prisma é que a teoria da perda de uma chance tem se destacado no Brasil, com
seu início na França, por volta do século XIX. A teoria manifesta a possibilidade de se
indenizar a vítima pela perda de uma chance real de obter o resultado almejado.
Neste contexto, desenvolveremos a análise da origem, natureza e parâmetros para a
aplicação da teoria no Direito Brasileiro.
A valoração dos direitos e garantias consagradas na Constituição ganha prioridade e
uma nova visão do Direito Constitucional, produzindo efeitos em todos os ramos do Direito.
Isto reflete na esfera da responsabilidade civil, que naturalmente é submetido aos valores da
Lei maior, constituindo o reconhecimento de novos institutos e colocando rumos inovadores
no ordenamento jurídico.
Com o princípio da dignidade da pessoa humana consagrado na Constituição, bem
como o princípio da solidariedade, traz modificações na base central da responsabilidade
civil, ou seja, nos dias atuais a reparação da vítima prejudicada é o centro das atenções e não
mais a condenação de um agente culpado.
O resultado disso é o aumento das demandas jurídicas fundamentadas no cunho
indenizatório, pois a garantia da pessoa humana uma vez violada traz a necessidade de
reparação civil. Assim sendo, amplia-se o campo da reparação de dano em interesses novos
tutelados.
2
No entanto, a conduta, a culpa, dano e nexo de causalidade, elementos necessários para
se caracterizar a responsabilidade civil, perdem o caráter essencial em virtude de novas
situações que atualmente não estão regulamentadas pelo ordenamento jurídico, e,
consequentemente, não atingem a tutela de uma forma eficaz diante da teoria vigente de
reparação de danos.
A teoria da perda de uma chance nasce neste contexto, pois prescinde do elemento
culpa, cumprindo apenas os requisitos do nexo causal e o dano, diante do fundamento que
todo risco dever ser garantido.
A aplicabilidade da teoria da perda de uma chance é direcionada a todos os ramos do
direito e não somente no campo da responsabilidade civil.
A responsabilidade civil tem como escopo o restabelecimento do equilíbrio pessoal e
social, através da reparação dos danos causados pela ação lesiva a interesse de outrem.
Segundo os ensinamentos de Ruy Stoco:
(...)não se pode deixar de entender que a responsabilidade civil é uma instituição ,
enquanto assecuratória de direitos, e um estuário para onde acorrem os insatisfeitos,
os injustiçados e os que se danam e se prejudicam por comportamentos dos outros. É
o resultado daquilo que não se comportou ou não ocorreu secundum ius. É portanto,
uma consequência e não uma obrigação original.1
Tratando-se do reconhecimento da responsabilidade civil advinda da perda de uma
chance, a doutrina defende e fundamenta que não somente os danos objetivamente
considerados devem ser reparados, bem como todos aqueles que se originam da perda da
chance real.
Outrora não se cogitava do fator culpa, bastava o dano ao ofendido e este poderia agir
de forma imediata, pois ainda não havia o Direito e reinava a justiça com as próprias mãos.
Era a pura utilização do desforço físico amparado pela força, vingando-se do dano.
O poder público tão somente intervinha para evitar os abusos e mantinha o direito d
retaliação, reparando o mal com o mal.
1
STOCO, Ruy. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. Ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007.
3
Posteriormente, percebe-se a viabilidade de uma composição amigável com ou ofensor,
o qual pagaria certa quantia em dinheiro ou em bens, fixado pela autoridade pública. Assim, a
composição econômica passou a ser obrigatória e tarifada.
Todavia, a referência maior na história da responsabilidade civil foi com a edição da
Lex Aquilia, que substituiu as multas fixas previstas nas leis anteriores por uma pena
proporcional ao dano causado. Trata-se da famosa culpa aquiliana.
Assim surgia a responsabilidade civil baseada na culpa do agente, instituindo a
responsabilidade civil subjetiva.
Hoje, o Código Civil prevê a responsabilidade extracontratual baseada na culpa, ou seja,
a responsabilidade subjetiva, a qual está consagrada no artigo 927 “ aquele que, por ato ilícito
causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo”. Consagra também a responsabilidade civil
objetiva, segundo a teoria do risco, sem noção da culpa.
No mais, no artigo 186 do Código Civil é que se encontra o alicerce da responsabilidade
civil, assim estabelece: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito.”
Observa-se que neste artigo encontram-se os elementos gerais da responsabilidade civil:
a conduta humana, o dano ou prejuízo da vítima e o nexo de causalidade.
Há aqueles adeptos da inclusão do elemento culpa ou dolo do agente entre os requisitos,
não obstante, adotarmos a responsabilidade objetiva. Por este motivo, a maioria dos
doutrinadores refere-se à culpa como um elemento acidental.
Nos ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves podemos conceituar a conduta humana:
A conduta humana, que pode ser positiva ou negativa, isto é, comissiva ou
omissiva, é aquela guiada pela vontade do agente, revestida de ilicitude, que
resulta do dano ou prejuízo. A responsabilidade pode derivar tanto de conduta
própria do agente, como de terceiro que esteja sob a guarda do agente, e, ainda, de
danos causados por coisas e animais que lhe pertençam.2
O segundo elemento essencial é o dano ou prejuízo que consiste na diminuição de um
bem jurídico, independente de sua natureza, seja patrimonial ou bem que integra a
2
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v.IV. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
4
personalidade da vítima. Não há que se falar, portanto, em presunção de dano, posto que para
a responsabilidade civil o dano deve ser certo e jamais hipotético, atual e nunca futuro.
Quanto ao pressuposto do nexo de causalidade, este implica na relação de causa e efeito
entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado.
Adotando o teor do artigo 403 do Código Civil brasileiro, observa-se que prevalece a
teoria da causalidade direta ou imediata, dentre tantas outras teorias da causalidade.
Foi em meados de 1965, na jurisprudência francesa que a responsabilidade civil por
perda de uma chance surge.
Eduardo Abreu Biondi, citando Gondim (2005, p.23, apud BIONDI, 2008, p. 6),
esclarece-nos sobre a origem da teoria da perda de uma chance, segue:
Este novo enfoque da clássica teoria da responsabilidade civil foi uma criação
jurisprudencial francesa, que significa a perda de uma chance de cura. Alguns
doutrinadores traduzem somente a perda de uma chance de cura, limitando sua
aplicação somente para os casos de responsabilidade médica.
Trata-se tal postura, porque foi em 1965 que a Corte de Cassação Francesa utilizou-se,
pela primeira vez, de tal conceituação, em um recurso acerca da responsabilidade de um
médico que teria proferido o diagnóstico equivocado, retirando da vítima suas chances de cura
da doença que lhe acometia, decisão essa seguida de várias outras da mesma corte que
aplicaram a mesma teoria.
Contudo, passou-se a defender na França, após estudo mais profundo da doutrina e
acompanhamento da jurisprudência, a possibilidade de indenização não pela perda da
vantagem propriamente dita, mas sim pela perda da possibilidade de se obter a vantagem.
Neste contexto, assevera Sérgio Savi:
(...) a partir dos julgados franceses e da acirrada discussão na doutrina francesa sobre
o tema, é que se estendeu aos demais países a discussão da teoria da
responsabilidade civil por perda de uma chance.3
Com relação à natureza jurídica da perda de uma chance é tema discutido na doutrina
bem como na jurisprudência, posto que, não se amolda nos tipos de dano consagrados pelo
sistema.
3
SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006.
5
Necessário algumas distinções conceituais acerca do lucro cessante, dano emergente e
perda de uma chance.
Lucro cessante seria aquilo que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, a perda do
lucro esperável, ou seja, a vítima perde a vantagem e os benefícios materiais que pretendia
obter. Seria, portanto, algo quase certo, que somente precisaria ser quantificado.
A dificuldade na quantificação do lucro cessante existe, mas é bem maior do que na
situação de perda de uma chance, diante da incerteza de obtenção do resultado esperado.
Já o dano emergente seria a efetiva e imediata diminuição do patrimônio da vítima,
aquilo que ela efetivamente perdeu. Assim preconiza o artigo 402 do Código Civil: “salvo s
exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além
do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.
Há quem equipara a perda de uma chance ao dano emergente, pois fundamentam que
trata de um efeito danoso, direto e imediato, de um ato ilícito, o que reclama a reuparação nos
moldes que dispõe o artigo 186 do Código Civil.
Outrossim, se analisarmos mais atentamente, observa-se que a perda de uma chance
nada mais é que a perda de uma oportunidade que alguém sofreu em face de um ato de
terceiro. A perda da oportunidade pode ser material ou não. Frusta-se por não ter obtido
alguma vantagem ou benefício.
Assim sendo, considerar que a natureza da perda de uma chance é de dano emergente
ou de lucro cessante não seria, talvez, o melhor caminho para a definição. Se assim definida,
teria que ser provado que, não fosse a existência do ato danoso, o resultado teria se
consumado.
Melhor seria, porém, classificar a perda de uma chance como uma terceira espécie de
dano.
Segundo Bocchioli (1976, p. 86, apud SAVI, 2006, p. 19) devemos considerar que:
A possibilidade, por si só considerada, é atual já no momento do fato lesivo, e
quando se julga sobre esta perda, a situação é, normalmente, definitiva, cristalizada
em todos os seus elementos, de modo que o dano já se verificou.
Por outro lado, enquanto a completa realização da possibilidade e consequentemente
o dano decorrente da perda da vantagem eventual não conseguida deva se
considerar, pelas razões já vistas, indemonstrável em razão da incerteza que envolve
os mesmos elementos constitutivos do lucro, o problema da certeza vem
implicitamente superado se se considerar a chance como uma espécie de propriedade
anterior do sujeito que sofre a lesão. Neste caso, de fato, dado que o fato danoso não
6
se repercute sobre uma vantagem a conseguir, mas sobre uma entidade já existente e
pertencente ao sujeito, não podem restar incertezas sobre a efetiva verificação de um
dano.
Torna-se
imprescindível
estabelecer
certos
requisitos
para
aplicação
da
responsabilidade civil pela perda de uma chance ao caso concreto.
Fundamenta neste contexto, Rafael Peteffi da Silva:
(...) de extrema importância a fixação de alguns critérios gerais para a concessão da
indenização, mormente em um país que está em pleno processo de desenvolvimento
da teoria da perda de uma chance. Tais critérios, que neste trabalho se denominam
condições de aplicação, possibilitam que os operadores jurídicos aprendam com
erros já cometidos em outros ordenamentos, bem como oferecem melhores
condições de sistematizar as inúmeras hipóteses que podem ser englobadas dentro
da categoria da chance perdida.4
Outros doutrinadores entendem que deve existir uma oportunidade provável e futura
de obter uma vantagem e de evitar prejuízo, a oportunidade deve ser suficiente para produzir
uma chance, efetivando um erro danoso, o resultado deve ser incerto no momento do evento
danoso, a oportunidade deve ter sido frustrada pelo erro danoso.
Dessa forma, conclui-se que, além dos requisitos gerais da responsabilidade civil, a
chance deve ser séria e real, representando para o réu muito mais do que uma esperança.
Através deste critério torna-se possível detectar os danos de fato potenciais e prováveis
daqueles puramente eventuais e hipotéticos.
Todavia, é sem dúvida, a partir do caso concreto que deve ser analisado a seriedade
das chances, como uma questão de grau e não de natureza.
Consoante o exposto, a perda de uma chance requer que esta não se apresente como
uma simples possibilidade, mas como uma chance séria e real perdida em função da conduta
de um terceiro.
Como ressaltamos anteriormente, foi na França que a teoria da responsabilidade civil
pela perda de uma chance originou-se. No início a intenção era atingir somente a área médica,
apoiado na decisão que propagou a teoria.
4
SILVA, Rafael Peteffi. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado
e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007. P. 133.
7
Tratava-se de um recurso sobre a responsabilidade de um médico que teria proferido
diagnóstico equivocado, retirando da vítima suas chances de cura da doença que possuía. A
Corte de Cassação condenou o médico pela falta do dever de informação, ou seja, não foram
informados os riscos de determinada operação, e o dano considerado foi justamente a perdas
das chances de não ter sofrido os danos oriundos da operação.
Na jurisprudência francesa mencionado por Janaína Rosa Guimarães, vejamos:
A decisão que inaugurou na jurisprudência francesa os fundamentos da teoria adveio
da primeira Câmara da Corte de Cassação, por ocasião da reapreciação de caso
julgado pela Corte de Apelação de Paris, em julho de 1964. O caso narrou a
acusação e posterior condenação de um médico ao pagamento de uma pensão devido
à verificação de falta grave contra as técnicas da medicina, considerado
desnecessário o procedimento que adotara, consistente em amputar os braços de uma
criança para facilitar o parto. Assim, a corte francesa considerou haver um erro de
diagnóstico, que redundou em tratamento inadequado. Entendeu-se, logo em sede de
primeira instância, que entre o erro do médico e as graves conseqüências, a ser a
invalidez do menor, não se podia estabelecer de modo preciso um nexo de
causalidade. A Corte de Cassação assentou que presunções suficientemente graves,
precisas e harmônicas podem conduzir à responsabilidade. Tal entendimento foi
acatado a partir da avaliação do fato de o médico haver perdido uma chance de agir
de modo diverso, condenando-o a uma indenização de 65.000 francos.5
Pode-se afirmar que o local que mais desenvolveu a aplicação da teoria foi na
jurisprudência francesa, onde tudo se originou. Inúmeros casos foram decididos sob a
fundamentação da perda de uma chance de obter êxito em uma demanda judicial por falhas
dos advogados; perda de uma chance pela quebra do dever de informar, e tantas outras.
A teoria foi sendo espalhada e adotada pro outros países que de forma semelhante
vislumbravam situações jurídicas viáveis para aplicação da teoria da perda de uma chance.
Assim, em meados do século XX, a Itália reconheceu a teoria. Alguns estudiosos de
casos concretos, concluíram que a vitória muitas vezes não era certa nos casos analisados,
mas, por outro lado, havia a possibilidade de vitória, a qual seria passível de indenização por
ser um dano jurídico.
Nos comentários de Savi, demonstra-se a problemática da responsabilidade civil
observada pelo doutrinador Giovanni Pacchioni:
5
GUIMARÃES, Janaína Rosa. Perda de uma chance: considerações acerca de uma teoria. In: Revista Yus
Vigilantus. 2009. Disponível em HTTP://jusvi.com\ artigos\41209 Acesso em: dezembro 2009.
8
Para referido autor, a perda de uma chance, embora gerasse certo tipo de dano às
vítimas, não autorizaria a concessão de uma indenização, de acordo com o
ordenamento jurídico italiano.6
Após a intervenção e considerações de importantes doutrinadores, tais como, Adriano
De Cupis e Maurizio Bocchiola, a perda de uma chance conceberam o valor patrimonial da
perda de uma chance, considerada por si só, conseguindo inegrá-la no patrimônio da vítima e
assim, respeitada pelo direito italiano. Adriano compreendia o dano da perda de uma chance
um dano emergente, ponderando que a chance de vitória terá sempre valor menor que a
vitória futura, refletindo no montante da indenização. Bocchiola (1976, p. 59, apud SAVI,
2007, p.13), sob outro prisma, entende que a chance seria “a não ocorrência de uma
eventualidade favorável”.
O doutrinador italiano enfatiza que a prova da certeza no caso de perda de uma chance
será mais próxima a uma prova de verossimilhança, pois se fosse possível estabelecer, com
certeza, que a chance lograria êxito, estaríamos diante da certeza do dano final e outrossim, se
a demonstração que a chance não iria se concretizar fosse viável, não haveria obrigação de
indenizar.
Segundo Sérgio Savi, vale transcrever um dos julgados que fundamenta a aplicação
da teoria:
Tratava-se de um processo ajuizado contra a empresa “Enel” com base, em síntese,
no seguintes argumentos: Massimo Favio Baroncini participou de um concurso para
trabalhar na empresa Enel. Após ter conseguido êxito na prova escrita, foi impedido
de participar da prova oral, cuja superação resultaria na sua admissão. Em razão
deste fato e do interesse em continuar participando daquele concurso, o Sr.
Baroncini requereu fosse declarada a obrigação da Enel de permitir que ele
participasse da prova oral necessária à contratação. O Pretor de Firenze, com
sentença proferida em 2 de agosto de 1978, julgou procedente o pedido por
considerar ilegítima a conduta da Enel de retirar do Sr. Baroncini a chance de
participar da prova oral. No ano seguinte, o tribunal de Firenze deu provimento ao
apelo da empresa Enel para reformar a sentença, sob o fundamento de que aquele
concurso já havia sido concluído e, com isso, restou impossível o adimplemento da
obrigação da Enel forma específica. Contudo, o Tribunal acabou "dando uma
sugestão” ao Sr. Baroncini, ao afirmar que, se se considerar ilegítimo o
comportamento da recorrente, ele poderia requerer a indenização de eventual dano
sofrido em razão daquela exclusão. Assim, o Sr. Baroncini, acolhendo a “sugestão”
do tribunal, ajuizou nova ação em 15 de novembro de 1983, requerendo a
6
SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. P.8.
9
condenação da Enel ao pagamento de indenização pelos danos decorrentes de sua
ilegítima exclusão do concurso. Para tanto, alegou que o comportamento da Enel fez
com que ele perdesse a possibilidade de conseguir uma vantagem, “possibilidade
atual no momento em que tinha se verificado o comportamento ilícito e como tal já
existente em seu patrimônio”, e, desta forma, “o dano referia-se não à perda do
resultado favorável, mas à possibilidade de conseguir aquele resultado". O pedido
foi acolhido pelo Pretor de Firenze, que condenou a Enel ao pagamento de dois
milhões de liras, mas a sentença foi reformada pelo tribunal, com base, em síntese,
nos seguintes fundamentos; (i) o Sr. Baroncini tinha obrigação de demonstrar que, se
tivesse participado da prova oral, teria conseguido superá-la; (ii) os documentos
juntados aos autos demonstram que 24 dos 91 candidatos que passaram na prova
escrita não passaram na prova oral; (iii) tal fato demonstra que o dano que se discute
na ação é um dano meramente eventual (com certeza hipotético); (iv) o ordenamento
jurídico italaliano exige que o dano seja certo e, para que posse ser liquidado pelo
juiz, deve ser concretamente comprovado, não bastando a sua probabilidade ou
possibilidade. A Corte di Cassazione cassou a sentença do tribunal, determinando a
devolução dos autos à instância inferior, a fim de que outra fosse proferida de
acordo com os princípios por ela estabelecidos(...) Ao final, a Corte di Cassazione
chegou à seguinte conclusão: “A chance ou probabilidade(vale dizer efetiva
possibilidade de conseguir um certo bem) é também um bem patrimonial, uma
entidade econômica e juridicamente valorável, cuja perda produz um dano atual e
indenizável sempre que a sua existência seja provada ainda que segundo um cálculo
de probabilidade, ou por presunção, isto é, se for possível demonstrar com certeza,
ainda que somente relativa, e não absoluta, mas como tal suficiente. (SAVI, 2006, p.
28)
Pensando na questão da quantificação da chance perdida a Corte italiana vislumbra
uma forma de se encontrar o quantum do dano causado pela perda de uma chance, ou seja,
partindo-se do dano final e fazendo incidir sobre este o percentual de probabilidade de
obtenção da vantagem esperada.
Savi, mais uma vez, afirma:
A chance é hoje no ordenamento jurídico italiano um dos critérios de imputabilidade
da responsabilidade civil, porque este tipo de dano não é mais considerado como
lesão a uma simples expectativa, mas como lesão a uma legítima expectativa
suscetível de ser indenizada da mesma7
7
SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. P.33.
10
A aceitação da teoria da perda de uma chance no Brasil tomou novos rumos e com
mais concretude recentemente.
Todavia, já existiam aqueles doutrinadores adeptos à possibilidade de indenização pela
perda de uma chance.
Apesar de não existir em nosso ordenamento jurídico um dispositivo legal que trata
especificamente da matéria com regras peculiares, é indiscutível na doutrina moderna que
podemos utilizar da analogia para adequar a legislação vigente ao caso específico, permitindo
a análise da responsabilidade civil por perda de uma chance.
O tema tem sido abordado por inúmeros renomados juristas, vejamos o que afirma
Judith Martins-Costa:
Embora a realização da chance nunca seja certa, a perda da chance pode ser certa.
Por estes motivos não vemos óbice à aplicação, criteriosa, da Teoria. O que o artigo
403 afasta é o dano meramente hipotético, mas se a vítima provar a adequação do
nexo causal entre a ação culposa e ilícita do lesante e o dano sofrido (a perda da
probabilidade séria e real), configurados estarão os pressupostos do dever de
indenizar.8
Outros autores também tem concebido em suas obras sobre a perda de uma chance,
tais como Sérgio Severo, Fernando Noronha, Sérgio Novaes Dias, Miguel Kfouri Neto, fato
este que eleva o desenvolvimento da teoria a uma análise mais profunda e traz a cada dia
maior aceitação na doutrina e jurisprudência.
Ao ponderarmos alguns artigos da Constituição Federal, permiti-nos vislumbrar que a
teoria da responsabilidade pela perda de uma chance pode ser absorvida. A propósito, ao
consagrar o princípio da dignidade da pessoa humana; ao assegurar a indenização dos danos
material, moral e á imagem, tudo isto, proporcionou força ao princípio da reparação integral
dos danos.
Defende a aplicação da teoria da perda de uma chance o renomado jurista baiano
Cristiano Chaves de Farias:
8
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. V. V, tomo II. Rio de Janeiro: forense, 2003.
P. 362.
11
(...) uma mãe que delibera por não revelar ao genitor sua gravidez, optado por casar
com outro homem, frustrando a vontade daquele de assumir sua condição de pai, ou
de um aborto realizado sem a informação ou o consentimento do outro genitor,
dentre outros.9
No âmbito da responsabilidade civil do advogado, encontra-se a maior repercussão da
jurisprudência e doutrina brasileira na aplicação da teoria da perda de uma chance.
Assim dissertam Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona:
Na busca do diagnóstico da conduta do advogado que perpetrou um dano ao seu
cliente, inevitável é a ocorrência de situações em que a lesão ao patrimônio do
cliente tenha se dado por uma conduta omissiva do profissional”, sendo infindável a
casuística. E,como se trata da “perda de uma chance’, jamais se poderá saber qual
seria o resultado do julgamento se o ato houvesse sido validamente realizado.10
É deveras delicado o tema, pois na ação de responsabilidade ajuizada pelo operador do
direito, o juiz ao reconhecer a perda dessa chance, deve analisar outro aspecto dentro da
sentença condenatória, a perspectiva da chance ser favorável.
Há autores que não são favoráveis à possibilidade de responsabilização do advogado
aplicando a teoria da perda de uma chance, vejamos Ruy Stoco:
Para nós, tal surge como inaceitável. Não há como admitir que outrem substitua o
juiz natural da causa para perscrutar o íntimo de sua convicção e fazer um juízo de
valor a destempo sobre a “possibilidade” de qual seria a sua decisão, caso a ação
fosse julgada e chegasse ao seu termo. Ora, admitir a possibilidade de o cliente obter
a reparação por perda de uma chance é o mesmo que aceitar ou presumir que essa
chance de ver a ação julgada conduzirá, obrigatoriamente, a uma decisão a ele
favorável. Será também admitir a existência de um dano não comprovado e que não
se sabe se ocorreria. Ademais de se caracterizar em verdadeira futurologia empírica,
mais grave ainda é admitir que alguém possa ser responsabilizado por um resultado
que não ocorreu e, portanto, por um dano hipotético e, em ultima ratio, não
verificado ou demonstrado e sem concreção. Por fim, a maior heresia será admitir
9
FARIAS, Cristiano Chaves de. A teoria da perda de uma chance aplicada ao Direito de Família: utilizar
com moderação. In: Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões(Íntegra até mar\09). 2009. V. 10, n.
7, dez\jan. Disponível em: <WWW.ibdfam.org.br. Acesso em: 10 nov. 2009.
10
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: responsabilidade civil. V. 3.
6 ed. ver.e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 225-226.
12
que o profissional, em uma obrigação contratual de meios, seja responsabilizado
pelo resultado. Seria, data vênia, a summa contradittio.11
Neste impasse, ressalta-se que é possível depreender a aceitação da responsabilização
do advogado pela perda de uma chance, sempre que a atitude passiva do profissional do
direito com o cliente e seus interesse forem devidamente comprovados. Assim tem
demonstrado a doutrina e a jurisprudência brasileira.
Vale relatar que os tribunais brasileiros permanecem, atualmente, com os mesmos
impasses acerca da análise da perda de uma chance, alguns aplicando a teoria como
modalidade de dano moral, outros embasados no conceito de lucro cessante bem como
fundamentos existem na modalidade de dano emergente.
Examinemos a ementa do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul:
Responsabilidade civil. Médico. Cirurgia seletiva para correção de miopia,
resultando nevoa no olho operado e hipermetropia. Responsabilidade reconhecida,
apesar de não se tratar, no caso, de obrigação de resultado e de indenização por
perda de uma chance.(TJRS, Apelação Cível n 589069996, 5 Câmara Cível, Relator:
Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julgado em 12-06-1990.)12
Por todo o exposto, conclui-se que a perda de uma chance, introduzida na França,
configura-se hoje como uma nova categoria de dano indenizável, fundamentada na perda da
oportunidade de se obter algum resultado ou mesmo impedir a ocorrência de prejuízo.
Ressalta-se que a teoria da perda de uma chance é ainda considerada uma novidade,
conseguindo aperfeiçoar-se na jurisprudência e doutrina. Os doutrinadores, em sua maioria,
inclinam pelo reconhecimento da aplicação da teoria, abrangendo o tema nas diversas áreas
do Direito.
Atentos à Carta Magna, essa traz embasamento nos seus princípios consagrados para
que a teoria da reparação integral dos danos fosse viável.
11
STOCO, Ruy. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. Ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. P. 512.
12
SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. P.44.
13
Não obstante, o nosso Código Civil também fortalece a teoria da perda de uma chance
no Brasil, pois, insere cláusula aberta da responsabilidade civil, considerando o artigo 402 que
preconiza a obrigação de reparação de quaisquer danos sofridos pela vítima, entre os quais se
pode incluir o dano decorrente da perda da chance.
Nos nossos tribunais já existem inúmeros julgados favoráveis à aplicação da teoria,
reconhecendo a indenização, desde que se comprove que a chance é séria e real e não uma
mera probabilidade.
Por fim, a teoria da perda de uma chance conseguiu firmar-se na esfera jurídica, sendo
respeitada, analisada e aplicada com cautela na doutrina e jurisprudência brasileira,
viabilizando o reconhecimento e a conseqüente reparação dos danos causados á vitima pela
perda de uma chance, comprovadamente, séria e real, de ganhar o resultado final pela atitude
ilícita de alguém.
14
Referências:
FARIAS, Cristiano Chaves de. A teoria da perda de uma chance aplicada ao Direito de
Família: utilizar com moderação. In: Revista Brasileira de Direito das Famílias e
Sucessões(Íntegra até mar\09). 2009. V. 10, n. 7, dez\jan. Disponível em:
<WWW.ibdfam.org.br. Acesso em: 10 nov. 2009.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil:
responsabilidade civil. V. 3. 6 ed. ver.e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v.IV. 3. Ed. São Paulo: Saraiva,2008.
GUIMARÃES, Janaína Rosa. Perda de uma chance: considerações acerca de uma teoria. In:
Revista Yus Vigilantus. 2009. Disponível em HTTP://jusvi.com\ artigos\41209 Acesso em:
dezembro 2009.
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. V. V, tomo II. Rio de
Janeiro: forense, 2003.
SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006.
SILVA, Rafael Peteffi. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do
direito comparado e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007
STOCO, Ruy. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. Ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
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