A Co-produção na Implementação da Política Pública de Prevenção e Erradicação do
Trabalho Infantil: o Projeto Cata-vento
Autoria: Elaine Thais da Silva, Natália Pascoali Boeira, José Francisco Salm, Maria Ester Menegasso
Resumo
O artigo identifica as características da co-produção na implementação da política
pública de prevenção e erradicação do trabalho infantil do Projeto Cata-vento. O estudo de
caso foi realizado na Associação João Paulo II, gestora do Projeto Cata-vento. Os
procedimentos de coleta de dados utilizados foram a pesquisa documental, seguida de
entrevista em profundidade com gestores da organização pesquisada. A revisão bibliográfica
está focada nas teorias sobre políticas públicas, com atenção para a etapa de implementação.
Faz-se, também, uma revisão dos estudos sobre co-produção do bem público e sobre
participação do cidadão na comunidade. A pesquisa constatou que estão presentes os fatores
que caracterizam a co-produção, tais como: diversidade de atores, compartilhamento de
responsabilidades e transformação social por meio de processos participativos na
implementação de políticas públicas. Também, constatou que a co-produção é uma estratégia
viável para a erradicação do trabalho infantil e para a inclusão social dos cidadãos. Constatou,
ainda, que o papel do poder público é relevante na articulação da rede de co-produção,
principalmente no fomento de iniciativas similares ao Projeto Cata-vento.
1. Introdução
O trabalho infantil é um problema social vivenciado por inúmeros povos, podendo ser
visto e discutido sob diferentes enfoques. No período que antecede a Revolução Industrial,
predominava a iniciação de crianças no trabalho como uma forma de manutenção do ofício
assumido pela família. Após a Revolução Industrial, o trabalho foi relacionado com a
produtividade do ser humano. A partir desse evento, o trabalho infantil adquire características
de exploração intensa, estando ligado à responsabilidade infantil de geração de renda.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 é um marco importante na diferenciação
legal entre as crianças/adolescentes e os adultos, já que a formação das crianças e dos
adolescentes deve ser compartilhada entre o Estado, sociedade e família. O Estatuto da
Criança e do Adolescente - ECA – lei n° 8.069, de 13/07/1990 – estabelece a chamada
proteção integral, dando a criança e ao adolescente a “condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento” (Capítulo I: “Das Disposições Preliminares”; artigo n° 6).
Em relação ao trabalho infantil, o ECA estabelece a proibição de “qualquer trabalho a
menores de 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos” (Capítulo
V: “Do Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho”; artigo n° 60). No entanto,
apesar das diretrizes estabelecidas, a existência do trabalho infantil ainda pode ser verificada
nas mais diversas regiões do Brasil. Estima-se que 2,2 milhões de crianças de 5 a 14 anos de
idade estavam trabalhando no período de 2001 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
- PNAD/2001).
Para minimizar essa situação foi instituído, em 1996, o Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil – PETI, cuja finalidade é a complementação de renda para famílias com
crianças ou adolescentes em situação de trabalho infantil. Apesar dos crescentes
investimentos do Estado no PETI, a implementação dessa política a nível local apresenta,
ainda, algumas distorções decorrentes das diversas realidades sociais encontradas no Brasil.
A implementação de políticas de prevenção e erradicação do trabalho infantil depende
fortemente do envolvimento de diversos atores sociais locais e, até mesmo, de organizações
internacionais. Essa contribuição fica evidente no cumprimento da Convenção nº 182 da
1
Organização Internacional do Trabalho - OIT “Sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil”,
ratificada pelo Brasil em 1999. A implementação dessa política, levada a efeito por meio de
uma rede de organizações sociais tanto da esfera pública quanto privada, quando associada a
participação do cidadão e da comunidade, compõe uma estratégia de prestação de serviços
públicos, denominada co-produção do bem público.
A co-produção do bem público é um meio de se implementar políticas públicas com a
participação do cidadão, da comunidade e das organizações sociais. A co-produção é uma
estratégia viável para a implementação de políticas de prevenção e erradicação do trabalho
infantil, uma vez que eleva o status de participação do cidadão de um mero objeto passivo da
política a um integrante ativo no processo. Trata-se de um modelo fundamentado na
participação de agentes públicos, privados e cidadãos, atuando em diversos níveis de
interação.
Este trabalho tem o objetivo de identificar as características da co-produção do bem
público na implementação de políticas de prevenção e erradicação do trabalho infantil do
Projeto Cata-vento. O trabalho foi dividido em sete partes. Após esta (1) introdução, faz-se
uma (2) revisão da literatura sobre a implementação de políticas públicas e a co-produção do
bem público. A seguir, a terceira parte contém os (3) procedimentos metodológicos da
pesquisa. A quarta trata do (4) estudo de caso ou do contexto da pesquisa. A quinta identifica
os (5) resultados obtidos a partir da análise do Projeto Cata-vento, cujas ações visam à
erradicação do trabalho infantil nos município de Biguaçu e Palhoça. Na última parte são
apresentadas as (6) considerações finais do trabalho, seguida das (7) referências
bibliográficas.
2. Revisão da Literatura
2.1 A Implementação de Políticas Públicas
As políticas públicas resultam das decisões do governo para manter ou modificar o
status quo em uma sociedade. Para Dye (1978) as políticas públicas referem-se às decisões do
governo em relação àquilo que deve ou não ser feito. Apesar de reconhecida a importância
desse conceito, devido à responsabilidade do processo dada ao governo, é aparente a sua
generalização ao simplificar o contexto das políticas públicas. Outra definição clássica
encontrada na literatura de políticas públicas é proposta por Jenkins (1978). Para ele a política
pública trata de decisões inter-relacionadas com vistas à seleção de objetivos e das
alternativas possíveis para alcançá-los, tomadas por um ator ou grupo de atores políticos. Já
Anderson (1984) compara a política pública a um curso de ação intencional, que é perseguido
por um ou mais atores no tratamento de um problema. Assim, o governo é responsável direto
pela identificação de um problema público e da necessidade, ou não, de ação (HOWLETT e
RAMESH, 2003).
Em uma visão mais holística do tema, Hochman, Arretche e Marques (2007)
apresentam a política pública como o campo de conhecimento que visa colocar o governo em
ação e/ou analisar essa ação, propondo, quando necessário, mudanças no seu curso. Essa
definição dá a política um caráter de processo, que precisa ser constantemente avaliado para
alcançar melhores resultados.
Esta breve discussão evidencia a complexidade do estudo das políticas públicas. Elas
não compreendem apenas as ações do governo, dos motivos que o levaram a elas e das
conseqüências resultantes da sua escolha, mas, também, da complexa ordem de atores
envolvidos no processo de decisão e de suas capacidades para a ação.
Dada essa complexidade, o tema será tratado neste trabalho a partir do modelo de
desdobramento do processo de public policy-making proposto por Howlett e Ramesh (2003)
2
na obra “A Ciência da Política Pública: ciclos e subsistemas político-administrativos”. A
escolha deve-se à característica de expansão do processo político do modelo para outros
atores além dos domínios do governo e, principalmente, pela visão do ciclo de políticas
públicas como um processo contínuo e sem um ciclo de vida definido.
Os autores propõem cinco estágios no ciclo da política. O primeiro, nomeado
montagem da agenda, trata do reconhecimento de um problema público por parte do governo.
Segue-se, então, a etapa de formulação da política, em que ocorre a avaliação das possíveis
alternativas para o enfrentamento desses problemas. A tomada de decisão é a terceira etapa do
processo de políticas públicas. Nesse momento, é selecionado o curso de ação, com base nas
propostas apresentadas e os resultados esperados. Segue-se a implementação da política,
momento no qual as políticas são transformadas em ações, por meio da atuação conjunta de
diversos atores sociais. Por fim, ocorre a etapa de avaliação de política, em que os resultados
obtidos são confrontados com os resultados pretendidos (QUADRO 1).
Etapa
Montagem da agenda
Descrição
O reconhecimento de um problema por parte do governo como foco de sua
atuação.
Formulação da política
Avaliação das possíveis soluções para o enfrentamento dos problemas
políticos.
Tomada de decisão
Seleção do curso de ação com base nas propostas apresentadas.
Implementação
política
Avaliação da política
da
Transformação das políticas em ações, por meio da atuação conjunta de
atores diversos.
Monitoramento dos resultados obtidos com a política pública.
Quadro 1: O processo de políticas públicas.
Fonte: Elaborado pelos autores com base em Howlett e Ramesh (2003).
A implementação, etapa do ciclo de políticas públicas a ser tratada neste trabalho, diz
respeito à transformação das decisões políticas em ações. Por muito tempo, essa etapa do
processo de políticas públicas foi pouco considerada por policy-makers, sendo criteriosamente
analisada a partir da década de 80 (HOWLETT e RAMESH, 2003).
O estudo de Pressman e Wildavsky (1973) foi um dos precursores no campo de
implementação de políticas públicas com o estudo da Economic Development Administration
(EDA), que desenvolveu um programa voltado para as minorias étnicas. Os autores abordaram
a complexidade das relações que se estabelecem na implementação de políticas públicas. Para
eles, a etapa de implementação diz respeito à execução da política, principalmente no que
tange aos seus aspectos técnicos. Anderson (2006) corrobora essa visão salientando que o
estudo da implementação abrange os agentes envolvidos na execução da política, os
procedimentos e técnicas adotadas e os conflitos gerados. A etapa de implementação
incorpora as ações necessárias para colocar uma política em prática sendo reconhecida pela
sua população alvo e o alcance das metas previstas na etapa de formulação. Constatada a
importância dos diversos agentes envolvidos na execução da política, a seguir será
apresentada a co-produção como uma estratégia de implementação de políticas públicas.
2.2 Co-produção: uma estratégia para a implementação de políticas públicas
A partir das perspectivas de Ramos (1989) e Arendt (2003), a participação direta dos
cidadãos na esfera pública tem um papel fundamental na formação do sujeito, tanto no sentido
de favorecer o exercício da cidadania como para a própria atualização pessoal do ser humano.
Algumas das vias mais reconhecidas de participação do cidadão são as comunidades, as
associações e os grupos sociais diversos.
3
A teorização sobre a co-produção contribui em muitos aspectos para o estudo da
participação dos cidadãos. Primeiro, o conceito de co-produção encoraja os estudiosos a
considerar uma variedade mais ampla de comportamentos – incluindo discussão,
envolvimento nas organizações não-governamentais e participação nas atividades de maior
relevância. Em segundo lugar, enfatiza a importância da mobilização e recrutamento, não
apenas dos cidadãos, mas também de atores governamentais e atores organizacionais.
Brudney e England (1983) relacionam o conceito de co-produção sob duas perspectivas. A
primeira, baseada nos autores Whitaker (1980) e Sharp (1980), reconhece a existência do
envolvimento dos cidadãos, em maior ou menor grau, na provisão de qualquer serviço. A
segunda, defendida por Kiser e Percy (1980) e Parks et al (1981) apresenta uma perspectiva
econômica da co-produção, que é vista como uma estratégia para aumentar a quantidade e a
qualidade de serviços públicos.
A diversidade de atores que integram a rede de co-produção é uma das características
desse processo. Diversos segmentos da comunidade são envolvidos por meio da estratégia de
co-produção dos serviços públicos. O aparato burocrático do estado, o empresariado, as
organizações não governamentais e as comunidades politicamente articuladas, compartilham
responsabilidades e cooperam em rede para a implantação das políticas públicas. Assim, “a
co-produção do bem público é uma concepção de prestação de serviços públicos que envolve
a participação direta do cidadão, em conjunto com outros agentes públicos e privados”
(NADIR Jr.; SALM e MENEGASSO, p.65, 2007).
O compartilhamento de responsabilidades entre os agentes envolvidos no processo de
co-produção é outra característica encontrada nesse campo de estudos (MARSCHALL, 2004).
Bovaird (2007) argumenta que a co-produção trata da provisão de serviços por meio de
relações regulares e duradouras entre provisores e receptores, em que ambos contribuem
substancialmente para a prestação de serviços. Nesse sentido, aspectos como confiança,
cooperação, aprendizagem e participação são imprescindíveis para o alcance dos resultados.
A literatura de co-produção salienta, ainda, a transformação que essa estratégia de
implementação dos serviços públicos gera nos diferentes agentes que participam desse
processo. O termo co-produção designa um relacionamento potencial entre produtores
reguladores e clientes, que sofrerão alguma transformação com a melhora na prestação de
serviços de segurança, educação ou saúde (OSTROM, 1996).
A partir dos conceitos explorados, adota-se neste trabalho a definição de co-produção
como uma estratégia de implementação de políticas públicas baseada no
compartilhamento de responsabilidades e poder entre cidadãos, agentes públicos e
privados.
O modelo de co-produção é estruturado por Whitaker (1980) a partir da forma de
interação entre agentes públicos e cidadãos. Assim, as possíveis relações identificadas pelo
autor são: (a) requisição de serviços; (b) provisão de assistência e (c) ajustamento mútuo. Na
primeira, o serviço é prestado a partir da solicitação do cidadão. Na segunda, os cidadãos
cooperam voluntariamente com gestores públicos na busca de um objetivo comum. Na
terceira, considerada a mais adequada por Whitaker, ocorre a integração das duas formas
descritas anteriormente.
A co-produção pode ser analisada, também, sob a perspectiva do beneficiário foco da
ação. Nesse sentido, Brudney e England (1983) identificam a existência de três níveis de coprodução: (a) individual; (b) em grupo; e (c) coletivo. No primeiro nível, ocorre uma pequena
interação entre agentes públicos e cidadãos, sendo o indivíduo o único beneficiário da ação. A
co-produção em grupo envolve a participação voluntária de um grupo de pessoas, buscando o
benefício de pequenos grupos. Já a co-produção coletiva, embora semelhante à co-produção
em grupo, visa à execução de ações cujos resultados podem ser apreciados por uma
comunidade inteira, como nos casos de uma cidade ou região.
4
A teoria de co-produção eleva o status de participação do cidadão de um objeto
passivo na política a um integrante ativo na implementação de políticas públicas, enquanto é
delegado ao gestor público o papel de facilitador no atendimento às demandas sociais. Cabe
aos administradores públicos promoverem o envolvimento dos cidadãos nos processos
governamentais, provocando diálogos e discussões sobre temas de interesse público,
educando os cidadãos sobre as questões da democracia e construindo comunidades e capital
social por meio das trocas de informações (DENHART & DENHART, 2003).
3. Procedimentos Metodológicos da Pesquisa
Com o intuito de se pesquisar as características da co-produção do bem público na
implementação de políticas de prevenção e erradicação do trabalho infantil optou-se por um
estudo de caso com abordagem qualitativa. Neste caso, Merriam (1998) destaca que o
interesse do pesquisador está mais voltado para a compreensão de um determinado processo
social do que para as relações estabelecidas entre variáveis.
A constatação da natureza dos objetivos da pesquisa permite diferenciar os estudos de
caso em descritivo, interpretativo e avaliativo. Diante dos objetivos deste trabalho, considerase este estudo de caso como descritivo, pois tem o objetivo de ilustrar uma situação e os
aspectos nela envolvidos, realizando-se um relato detalhado do fenômeno social e do contexto
(GODOI, BANDEIRA DE MELLO e SILVA, 2006).
Os procedimentos de coleta de dados utilizados foram: pesquisa documental e
entrevista em profundidade. Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2001) consideram documento
“qualquer registro escrito que possa ser utilizado como fonte de informação”. Assim, serviram
como base de dados os relatórios de acompanhamento do Projeto Cata-vento, redigidos pelos
agentes sociais envolvidos.
Em um segundo momento, foi utilizado como ferramenta de pesquisa a entrevista em
profundidade, que tem como objetivo obter aspectos relevantes sobre um determinado tema,
sob a ótica do entrevistado (RICHARDSON, 1999). Dessa forma, foram realizadas visitas na
organização e na comunidade para compreender o contexto da pesquisa, seguida da entrevista
com os gestores estratégicos do Projeto Cata-vento.
Após a finalização da coleta de dados, seguiu-se o processo de análise de dados para a
identificação das características da co-produção na implementação do Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, por meio do projeto Cata-vento.
4. O Contexto do Estudo
4.1 O trabalho infantil no Brasil
Para garantir os direitos de crianças e adolescentes brasileiros foi lançado, em 1996, o
PETI, constituindo-se como um programa de transferência de renda do Governo Federal às
famílias com crianças ou adolescentes com idade inferior a 16 anos. O PETI visa
complementar o rendimento das famílias com renda per capita mensal inferior a R$ 120,00,
com um repasse de R$ 40,00 por criança/adolescente residente em área urbana e R$ 25,00 por
criança/adolescente residente em área rural. A criança deve estar inserida em ações sócioeducativas em horário extra-escolar e a participação das famílias em programas de geração de
emprego e renda e ações sócio-educativas. “Atualmente, mais de 810 mil crianças são
atendidas pelo PETI, em mais de 2.600 municípios de todas as unidades da Federação”.
(MTE, 2004). No ano de 2003, os recursos aplicados no programa totalizaram R$
454.294,597, conforme ilustração em Figura 1.
5
Figura 1: Evolução dos Recursos Aplicados no PETI pela Esfera Federal de 1996 a 2003 (R$)
Fonte: Relatório de Gestão 2001 – PETI e Gerência Nacional do PETI, Brasília, agosto 2003.
Ao longo da década de noventa criaram-se algumas instituições com o objetivo
específico de prestar serviços à criança e ao adolescente. No entanto, a ação institucional
mostra-se frágil, com baixo nível de comprometimento e pouco eficaz diante dos problemas
causados pelo trabalho infantil (FERREIRA, 2001). Apesar do crescente investimento no
PETI, o controle social de ações desse tipo não está consolidado no País, existindo ainda
distorções na sua implementação em nível local (MTE, 2004).
4.2 O Projeto Cata-vento
A Associação João Paulo II foi fundada em 1980, como ação resultante da atuação da
Fraternidade Esperança, na comunidade de Palhoça, em Santa Catarina. Trata-se de uma
organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, cadastrada sob o título de associação.
Atualmente, a Associação conta com 21 funcionários, 19 voluntários e um orçamento anual
de R$ 350.000,00, aplicados diretamente no atendimento de crianças, adolescentes e famílias
da comunidade local. Desse montante, 80% resultam do esforço de captação de recursos da
instituição e 20% advém de repasses do governo.
Dentre as ações realizadas pela Associação, destacam-se aquelas vinculadas ao Projeto
Cata-vento, lançado em 10 de agosto de 2006, em parceria com a Organização Internacional
do Trabalho - OIT, através do Programa Internacional de Combate às Piores Formas de
Trabalho Infantil – IPEC.
Este projeto está fundamentado no Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do
Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente, tendo como principal objetivo:
“Sensibilizar a sociedade sobre os aspectos sociais do trabalho infantil,
desenvolvendo estratégias de mobilização que contribuam para a efetiva
erradicação e prevenção de algumas das piores formas de trabalho infantil no
Estado de Santa Catarina, começando pelos municípios de Palhoça e Biguaçu”
(INFORMATIVO DO PROJETO CATA-VENTO, 2007)
O projeto privilegia a integração de diversos atores sociais. Para executá-lo, a
Associação buscou apoio em organizações públicas, privadas e do terceiro setor; como
Prefeituras, Conselhos Tutelares, Conselhos Municipais, Ministério Público, Delegacia
Regional do Trabalho, Secretaria do Desenvolvimento Social Trabalho e Renda,
Universidades Públicas e Privadas, Ongs, entre outros.
6
A primeira ação realizada foi o “Diagnóstico do Trabalho Infantil nos Municípios de
Palhoça e Biguaçu”. No período de outubro a novembro de 2006, lideranças comunitárias,
agentes de saúde e universitários entrevistaram 640 crianças, 148 famílias, 52 empresários, 80
escolas e 56 pessoas atuantes em organizações não governamentais ou em órgãos públicos.
A partir da identificação da existência de casos de trabalho infantil na região, o projeto
buscou a atuação junto aos atores da rede municipal para articular o encaminhamento desses
casos ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI. Visando maiores resultados,
seguiram-se três audiências públicas para a construção do ”Protocolo de Ação Integrada
Palhoça e Biguaçu”, no qual foram estabelecidas as responsabilidades dos agentes atuantes na
rede.
Aprovado o protocolo por parte das lideranças oficiais, seguiu-se um grande esforço
da Associação João Paulo II e parceiros para o acompanhamento das ações propostas.
Atualmente, da meta de 462 casos propostos pela OIT ao Estado de Santa Catarina, 200 casos
estão sendo acompanhados pelo Projeto Cata-vento.
Ademais, a rede de atores articulados no decorrer do projeto, tem atuado
constantemente no fortalecimento de suas relações, na agregação de novos atores à rede e na
capacitação dos atores que integram a rede de prestação de serviços públicos voltados à
infância e juventude.
5. A Co-produção na Erradicação do Trabalho Infantil no Projeto Cata-vento
A comunidade é o espaço ideal para a participação direta dos cidadãos. Essa
participação faz com que haja mais responsabilidade e se desenvolva o espírito público na
sociedade. Essas considerações encontram eco nos fatos que ocorrem no Projeto Cata-vento.
Constatou-se que o envolvimento comunitário esteve presente em todas as etapas de
execução do projeto, sendo imprescindível para o alcance dos resultados na implementação do
PETI nos municípios de Biguaçu e Palhoça. Trata-se de uma participação que transcende os
limites de seu conceito legal, passando à esfera substantiva, em que há o desenvolvimento de
valores que propiciam a sustentabilidade da identidade comunitária e a melhoria humana e do
ambiente.
No estudo em questão, verificou-se que a co-produção atingiu a dimensão coletiva,
ocorrendo, no decorrer do processo, o ajuste mútuo de interesses e necessidades entre os
agentes públicos, privados e da comunidade. O compartilhamento de autoridade dos gestores
públicos com integrantes de uma rede que produz o serviço público é um processo complexo
que, muitas vezes, exige o estabelecimento de negociação com os agentes privados e
comunidade.
As ações do Projeto Cata-vento, embasadas no Programa Internacional de Combate às
Piores Formas de Trabalho Infantil – IPEC, a partir desse compartilhamento de autoridade,
ganharam maior legitimidade junto aos integrantes da rede que atuam na erradicação do
trabalho infantil. Essa legitimidade permitiu a participação da comunidade local e
organizações sociais na construção do ”Protocolo de Ação Integrada Palhoça e Biguaçu”, no
qual os agentes públicos se comprometeram a atender os casos de trabalho infantil registrados
durante a realização do “Diagnóstico do Trabalho Infantil nos Municípios de Palhoça e
Biguaçu”.
Ao analisar a rede de atores que atuam na erradicação do trabalho infantil nos
municípios de Palhoça e Biguaçu, foi verificada a participação de diversos segmentos da
sociedade. O compartilhamento de responsabilidades para o alcance de ações efetivas na
erradicação do trabalho infantil deu-se conforme o exposto na tabela 1.
PRINCIPAIS ATORES SOCIAIS
PAPEL EXERCIDO NA REDE DE CO-PRODUÇÃO
7
ENVOLVIDOS
Associação João Paulo II
PARA A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO
INFANTIL
- Realização do “Diagnóstico do Trabalho Infantil nos
Municípios de Palhoça e Biguaçu”, com a análise de 462
casos de trabalho infantil.
- Mobilização dos atores sociais para atuarem em parceria
no tratamento da problemática do trabalho infantil.
Prefeituras Municipais
- Encaminhamento de crianças em situação de trabalho
infantil para o PETI.
- Construção do “Protocolo de Ação Integrada Palhoça e
Biguaçu”, comprometendo-se a atender os casos de
trabalho infantil diagnosticados.
Conselhos Tutelares
- Implementação e acompanhamento do PETI.
- Encaminhamento de crianças em situação de trabalho
infantil para o PETI.
Conselhos Municipais
Ministério Público e Delegacia Regional
do Trabalho
Secretaria do Desenvolvimento Social do
Trabalho e Renda
Universidades públicas e privadas
Organizações não-governamentais (Ongs)
- Acompanhamento dos casos de trabalho infantil
atendidos pelo PETI.
- Fortalecimento da relação entre o governo e a
sociedade para alcançar melhores resultados na
formulação, execução e controle da política para a
criança e o adolescente.
- Fiscalização e conscientização da população frente à
problemática do trabalho infantil.
- Acompanhamento das ações do Projeto Cata-vento.
- Sistematização do conhecimento decorrente do projeto.
- Envolvimento de acadêmicos e pesquisadores para o
levantamento e intervenção na realidade observada.
- Conscientização da comunidade frente à problemática
do trabalho infantil.
- Denúncia aos órgãos competentes da ocorrência do
trabalho infantil.
- Implementação de projetos sociais envolvendo a
temática do trabalho infantil.
Comunidade
- Priorização do desenvolvimento infantil, denunciando
aos órgãos competentes a ocorrência do trabalho infantil.
Quadro 2: O papel das organizações na implementação de políticas de erradicação do trabalho infantil.
Fonte: Elaborado pelos autores.
O envolvimento e a participação do cidadão, da comunidade e das organizações é
fundamental para que haja a co-produção de serviços públicos. Essa participação e
envolvimento na co-produção da erradicação do trabalho infantil ficaram evidentes durante a
pesquisa. A cada agente foi delegado um papel, por meios formais ou informais, sendo o seu
cumprimento um fator chave para o alcance de melhorias no tratamento da problemática da
erradicação do trabalho infantil.
Também, durante a pesquisa, foi possível verificar a mudança de comportamento que
ocorreu na comunidade com relação à questão do trabalho infantil. A participação dos
cidadãos teve um caráter educativo. Verificou-se, ainda, que há um sentimento de vigilância
8
da comunidade em relação ao trabalho dos agentes da rede, para que a criança seja tratada
como um ser em desenvolvimento.
Constatou-se, também, que a intervenção da comunidade e órgãos privados na
implementação da política de erradicação do trabalho infantil se reflete em outras políticas
públicas (FIGURA 3).
Figura 3: Articulação de Políticas Públicas
Fonte: Adaptado de Histórico Institucional – Associação João Paulo II, 2007.
A pesquisa constatou que o projeto sensibilizou agentes da rede para o tratamento de
outras problemáticas sociais, além da erradicação do trabalho infantil, abrindo caminhos para
a participação direta dos cidadãos no processo de políticas públicas. O projeto gerou impacto
em todo o ciclo das políticas públicas municipais. Nesse sentido, a co-produção da
erradicação do trabalho infantil facilitou a participação do cidadão na comunidade, tornando-o
participe na produção do bem público.
6. Considerações Finais
O trabalho infantil está presente na sociedade sob as mais variadas formas, quase todas
extremamente agressivas ao desenvolvimento da criança e do adolescente. A sociedade,
contudo, só recentemente percebeu os reflexos cruéis dessa prática. Agora, o trabalho infantil
é considerado inadmissível por grande parte da sociedade, tornando a sua erradicação uma
política pública de todos os governos.
Levando em consideração as informações extraídas dos dados coletados por esta
pesquisa, pode-se afirmar que o Estado, a sociedade e os agentes privados ainda têm uma
longa jornada para integrarem as suas ações para erradicar o trabalho infantil na região
estudada. Esse processo de integração ainda requer muito esforço de coordenação,
principalmente do poder público.
A articulação da rede, neste caso, partiu da iniciativa de uma organização nãogovernamental respaldada pela comunidade, obtendo posteriormente o apoio do poder
público. É necessário que a liderança da rede de co-produção desse serviço público seja
exercida pelo governo. Mas, a pesquisa constatou que estão presentes os fatores que
caracterizam a co-produção, tais como: diversidade de atores, compartilhamento de
responsabilidades e transformação social por meio de processos participativos na
9
implementação de políticas públicas. Também, constatou que a co-produção é uma estratégia
viável para a erradicação do trabalho infantil e para a inclusão social dos cidadãos. Constatou,
ainda, que o papel do poder público é relevante na articulação da rede de co-produção,
principalmente no fomento de iniciativas similares ao Projeto Cata-vento.
7. Referências Bibliográficas
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