A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR:
UMA ANÁLISE ECONÔMICA.
Camila Mazzinghy da Cunha1
Emir Couto Manjud Maluf2
Mona Lisa de Moraes de Freitas Jacob3
Rafhael Lima Ribeiro4
Yuri Luna Dias5
Resumo: O principal instrumento da regulação estatal no âmbito da saúde é a Agência
Nacional de Saúde Suplementar – ANS. O artigo demonstrará a relação entre a
regulamentação da ANS e o fenômeno da judicialização da saúde suplementar, com o
consequente inflação do número de demandas judiciais, a prejuízo de toda a sociedade,
segundo uma análise econômica do Direito.
Palavras-chave: Análise econômica do Direito. Agências Reguladoras. Judicialização da
saúde suplementar.
1
Bacharelanda do 9º período de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Pesquisadora Voluntária
FUNADESP. Endereço eletrônico: <[email protected]>. Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/
232216147452973>.
2
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2006). Pós-graduando em Direito
Processual pelo Instituto de Educação Continuada da PUC-MINAS. Endereço eletrônico:
<[email protected]>. Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/1827566222498804>.
3
Bacharelanda do 9º período de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Endereço eletrônico:
<[email protected]>. Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/6508963701715897>.
4
Bacharelando do 9 período de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Pesquisador Bolsista
FUNADESP. Endereço eletrônico: <[email protected]>. Currículo Lattes:
<http://lattes.cnpq.br/0791997692334429>.
5
Bacharelando do 10º período de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Endereço eletrônico:
<[email protected]>.
1 Introdução
A judicialização de políticas públicas, entre elas, a saúde, é um fato. A
intrínseca contradição entre o texto constitucional de um “Estado Democrático [de
Direito], destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais” (BRASIL, 1988, art. 1º.) e
a ideologia neoliberal que impregnou a humanidade nas últimas décadas termina por
reclamar definições políticas. Vemos, então, o Poder Judiciário proferir as últimas palavras
quanto a essas definições, sendo transferida a esse Poder a prerrogativa de decidir sobre o
acesso à saúde.
O mercado de serviços de saúde privada vem recebendo, crescentemente, a
atenção do Poder Judiciário em diversas situações, ora a favor das empresas que prestam
tais serviços, ora a favor dos usuários dos planos de saúde. Afinal, saúde é tema de
interesse público, e não pode ser tratada como se fosse apenas um produto que se compra
num mercado qualquer.
A importância do tema, ao Poder Judiciário, é tamanha que, em 2010, realizouse o 1º Congresso Mineiro de Direito à Saúde e 3º Seminário da Judicialização da Saúde,
promovido pelo Ministério da Saúde do Governo Federal, pelo Governo do Estado de
Minas Gerais, pelo Tribunal de Justiça e pelo Ministério Público do Estado de Minas
Gerais e pela Unimed Belo Horizonte, entre outros.
Como dito, a judicialização da saúde suplementar existe, e incomoda. O que
alimenta a fogueira das demandas judiciais relacionadas aos serviços privados de saúde? A
resposta deve considerar primeiramente dois elementos: o direito à saúde e a onda
neoliberal.
1.1 Direito à Saúde e o Neoliberalismo
A ideia original do projeto constitucional brasileiro, inspirado nas constituições
sociais européias do Século XX, é oferecer uma condição de igualdade tal que elimine as
fronteiras geradas pelas disparidades econômicas, especialmente na efetivação dos direitos
sociais.
O direito à saúde, definido na Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 em seu artigo 6º como um direito social, não é pensado para ser um privilégio, e
sim um direito universal, efetivo e assegurado por políticas públicas sérias e
comprometidas com a realidade. Dessa forma, não basta proclamar o direito, nem
tampouco se ocupar de ações emergenciais para a satisfação desse vital aspecto de uma
existência humana digna.
O êxito do projeto constitucional foi comprometido por sua concomitância com
o projeto neoliberal, que teve suas raízes já em 1971 e expandiu-se no mundo até
proclamar sua vitória definitiva em 1989 com o “fim da história”, na expressão do
americano Francis Fukuyama. (GUANDALINI, 2001, p. 407.)
Nesse sentido,
[...] o discurso liberal varreu as economias mundiais. A redução das dimensões
do Estado tem sido apresentada como capaz de resolver os problemas de um
setor público estrangulado por suas dívidas. [...] A ideia de que o Estado tende
intrinsecamente à ineficiência voltou com toda a força nos discursos mais
conservadores quando se evidenciam os problemas de financiamento de gestão
dos Governos nos países centrais. (Gilberto DUPAS, apud TAVARES, 2003, p.
64.)
Percebe-se, assim, que a concepção neoliberal pressupõe e, consequentemente,
impõe a noção de que a administração estatal, em suas mais diversas esferas, é ineficiente.
Essa tendência também é constatada por Norberto Bobbio, quando esclarece aquilo que
[...] excita o espírito agressivo dos novos liberais é o efeito, considerado
desastroso, das políticas keynesianas adotadas pelos estados economicamente e
politicamente mais avançados, especialmente sob o impulso dos partidos socialdemocráticos ou trabalhistas. Os vícios que habitualmente eram atribuídos aos
estados absolutos – burocratização, perda das liberdades pessoais, desperdício de
recursos, má condução econômica – passam a ser agora pontualmente atribuídos
aos governos que adotaram políticas de tipo social-democráticos ou trabalhistas.
(BOBBIO, 1984, p.117.)
Assim sendo, por meio de ideologia, produz-se um verdadeiro êxodo de
recursos necessários ao funcionamento do sistema público de saúde, sob a bandeira da
eficiência. A atenção é direcionada ao sistema privado de saúde, aclamado como a
panacéia que haveria de prover qualidade e tranqüilidade para aqueles que tivessem
condições de arcar com os custos de um plano de saúde oferecido pelas operadoras.
O problema é evidente em sua origem, visto que apenas alguns poucos
poderiam pagar. Essa questão, embora profundamente incômoda, não é o objeto do
presente trabalho. Este ocupa-se de outra consequência, ou “externalidade”, do modelo de
regulação adotado, que se expressa nas limitações qualitativas e quantitativas de
procedimentos médicos disponíveis aos usuários, impostas por força da regulamentação
dos planos de saúde, conforme se explicará. Antes disso, contudo, é necessário um aparte
sobre a regulação da saúde no Brasil exercida através da Agência Nacional de Saúde
Suplementar – ANS.
1.2 A Regulação da saúde no Brasil
As tendências mundiais que determinam o marco regulatório adotado nos
serviços de saúde estabelecem uma função específica ao Estado: regulação. Consiste em
atuação indireta, exercida através de uma agência que delimita direitos e deveres de
prestadoras de serviços e usuários. Dessa forma, imagina-se poder criar uma eficiência
maior ao sistema, proporcionando estabilidade e satisfação de expectativas.
As Agências Reguladoras são o instrumento de intervenção do Estado no
domínio econômico, o que bem se define nas palavras de André Ramos Tavares:
O Estado, quando cria agências reguladoras, pretende atuar, por seu intermédio,
basicamente, como agente fiscalizador de determinado setor econômico, de
interesse social. Portanto, esta é uma das principais limitações à possibilidade de
criação indefinida das agências reguladoras. Embora seja certo que as agências
devam ser tanto quanto possível especializadas nas áreas em que irão atuar, a sua
necessidade deve restar demonstrada em cada caso particular. (TAVARES,
2003, p. 350.)
Nos termos do Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial, produzido em
2003 pela Casa Civil da Presidência da República, as Agências Reguladoras deveriam
atuar de modo a eliminar falhas inerentes ao próprio sistema: coibir concentração de
mercados, “a correção de assimetrias de informação e poder”, ou outras externalidades,
“tendo como resultado adequados níveis de quantidade, qualidade e preço”. (BRASIL,
2003, p. 10. Grifos no original.) Imaginou-se um instrumento útil à “mão invisível” de
Adam Smith, que se transformaria em “um veículo indutor da criação das próprias
condições de mercado em circunstâncias em que elas não existem”. (BRASIL, 2003, p.10.)
Apesar desses imaginados efeitos estabilizadores, a atuação das Agências não
são imunes a influências do próprio sistema capitalista, de modo que a concentração de
poder econômico distorce a própria estrutura em que se criam as normas.
Nos termos do mesmo Relatório, as agências reguladoras correm o risco de
serem capturadas pelo ente regulado. “Sem correto controle social do regulador, os
interesses das indústrias reguladas podem influir e mudar as práticas regulatórias de
maneira distorcida”. (BRASIL, 2003, p.12.)
A questão funda-se na falta de controle ou accountability. As agências não
prestam contas de seus atos. Não há uma agência reguladora das agências reguladoras.
Esse Relatório prescreveu, como solução dessa “externalidade”, que se fortalecessem os
Ministérios de modo a lhes conceder força política na formulação de “políticas públicas
setoriais”. (BRASIL, 2003, p. 29.) Contudo, na prática, os compromissos de mercado é que
determinam as próprias políticas setoriais. Não há controle efetivo das agências.
Luís Roberto Barroso constata o mesmo fenômeno e aponta uma
“insubordinação hierárquica [das agências] em relação aos órgãos do Poder Executivo”
(BARROSO, in MORAES, 2002, p. 126), e ainda esclarece que
[...] as agências reguladoras precisam ser preservadas de ingerências externas
inadequadas, inclusive por parte do Poder Público. Nesse sentido, a lei ordinária
traçou um regime especial para as agências reguladoras, cuja principal
característica está na existência de mecanismos que lhes conferem autonomia
político-administrativa e econômico-financeira, em relação aos particulares e aos
demais órgãos do Poder Público. (BARROSO, in MORAES, 2002, p. 131.)
Efetivamente, o controle do Executivo é limitado à nomeação de dirigentes,
visto que a autonomia das agências não pode ser contestada, segundo o marco regulatório
que se adotou. As tentativas de evitar a “captura” do ente regulador pelo ente regulado são
frustradas, se é que alguma vez sequer foram intencionadas.
Celso Antônio Bandeira de Mello faz um interessante contraste entre a
realidade e a linguagem oficial utilizada para descrever a finalidade das agências. Diz-se
que a “figura estelar” destinatária do serviços públicos oferecidos pelo Estado e por seus
concessionários, como é o caso da saúde, é o usuário. “É em função dele, para ele, em seu
proveito e interesse que o serviço existe”. (MELLO, 2010, p. 677.) Mas o real sentido é
desvelado, nas seguintes palavras:
Esta é a lógica que preside juridicamente o assunto, embora não seja
minimamente a realidade. As agências reguladoras que na linguagem oficial
foram supostamente criadas para assegurar os direitos dos usuários comportamse como se fossem inteiramente desinteressadas disto e muito mais interessados
nos interesses das concessionárias, a ponto de se poder supor que foram
introduzidas entre nós com este deliberado propósito. (MELO, 2010, p. 677, nota
20.)
2 Demandas Represadas
[...] A regulamentação de um setor implica numa atuação normativa e
fiscalizadora. A doutrina assinala como tarefas a serem desempenhadas pelas
agências reguladoras, em tese, as seguintes: produção normativa sobre o
desenvolvimento de determinada atividade econômica, fiscalizar a prestação de
serviços (especialmente os serviços públicos), aplicar sanções em decorrência da
fiscalização e, por fim, sinaliza-se com a possibilidade de que as agências
assumam a tarefa de dirimir conflitos entre particulares”. (TAVARES, 2003,
p.351.)
A regulamentação do sistema de saúde suplementar, instituída pela Lei Nº
9.656/98, aparentemente eliminou o desequilíbrio contratual que se expressava nos
contratos de adesão, definidos unilateralmente pelas empresas privadas de saúde. Àquela
época, limitações e coberturas eram estabelecidas conforme a conveniência exclusiva
dessas empresas, a prejuízo dos usuários. Com o advento da referida lei, tais limitações e
coberturas deveriam ser definidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS,
com a alegada garantia de que os interesses dos usuários teriam preponderância e que os
próprios direitos fundamentais relacionados à saúde teriam maior efetividade.
Na realidade, porém, os limites e coberturas foram estabelecidos segundo
outros critérios: ampliaram-se as coberturas, mas limitaram-se os procedimentos a serem
realizados por usuário no curso de um ano, todavia, com a garantia velada de que a
contabilidade, no final, seria favorável aos interesses das empresas, de modo que seus
lucros estivessem garantidos.
A diferença, com a entrada da ANS no cenário do mercado dos serviços de
saúde, foi que as empresas não mais possuíam autonomia para criar produtos e deveriam,
doravante, oferecer todos os procedimentos elencados no rol estabelecido pela ANS. A
mudança, a bem dizer, não satisfez as expectativas das empresas, muitas delas pequenas e
sem condições de prover os tratamentos mais complexos de seus usuários. Igualmente, não
satisfez os usuários, cujas necessidades passaram a sofrer limitações verdadeiramente
irreais, como o portador de sofrimento mental que somente poderia ter doze surtos
psicóticos por ano cobertos pelo plano de saúde, segundo a ANS. Ou o portador de câncer,
cujas sessões de quimioterapia ou radioterapia não poderiam ultrapassar determinados
limites, ainda que sua necessidade fosse maior e estivesse prescrita em laudos médicos. Ou
ainda o paciente internado para atendimento ambulatorial, cuja recuperação deveria se dar
em até 12 horas, sob pena de um verdadeiro “despejo” do leito hospitalar, caso o paciente
não arcasse com os custos da internação superior ao período delimitado pela ANS.
Os resultados, para as empresas, seguiram a mesma tendência do resto do
mundo: a eliminação dos pequenos agentes econômicos que não possuíam capacidade
econômica para fazer frente aos elevados custos dos tratamentos de saúde. Permanecem no
mercado apenas as grandes operadoras, capazes de concentrar capital suficiente para arcar
com as elevadas despesas dos procedimentos que são obrigadas a cobrir, conforme os
limites definidos pela ANS, e que podem, assim, contabilizar elevados lucros decorrentes
da concentração gerada pela eliminação dos concorrentes.
Por outro lado, para os usuários, cujas necessidades são maiores do que os
limites impostos pela ANS, resta a insatisfação de suas expectativas. E somente isso.
Mas os resultados não se restringem às empresas de saúde suplementar e seus
usuários, pois “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”, conforme determina a Constituição da República Federativa do Brasil, no art. 5º,
inciso XXXV. Dessa maneira, a inconformidade do usuário do sistema de saúde
suplementar inexoravelmente desemboca no Poder Judiciário.
É inevitável o pedido, é inescusável a recusa à apreciação.
3 Judicialização da Saúde Suplementar
Judicialização de políticas públicas é um fenômeno relativamente novo, em
que o Poder Judiciário interfere em diretrizes anteriormente estabelecidas pelo Poder
Executivo, a quem compete originariamente sua criação e condução. (SARLET, 2010.)
Na esfera da saúde, o fenômeno é mais fácil de ser identificado. Em reiteradas
decisões, atendendo a demandas de particulares, o Poder Judiciário termina por inflacionar
os orçamentos públicos, criando situações de despesas não previstas que desestabilizam o
planejamento anual previamente aprovado pelas Casas Legislativas. Dessa forma, ainda
que o Poder Judiciário proclame o direito constitucional da pessoa à saúde, a prestação de
serviços médicos é, muitas vezes, declarada inviável por representar um desequilíbrio
indesejado aos cofres públicos.
A concepção que prevalece é a descrita por Ricardo Seibel de Freitas Lima:
[...] A simples restrição orçamentária não autoriza o ente público a deixar de
cumprir seu dever de prestação na área de saúde, [...] nem pode o Estado
simplesmente alegar a reserva do possível para se eximir de suas obrigações
constitucionais na área social, situação que pode e deve ser examinada pelo
Poder Judiciário, para verificação da efetiva impossibilidade de prestação.
(LIMA, in SARLET, 2010, p. 250.)
No campo da saúde suplementar, as empresas que prestam serviços privados de
saúde assumem posição de réu nas demandas, do mesmo modo como o Estado é chamado
em demandas contra o Sistema Único de Saúde – SUS. Passam a suportar o ônus dos
procedimentos não cobertos, ou além dos limites definidos pela regulamentação da ANS.
Isso se faz por força de determinações judiciais, verdadeiras ingerências jurisdicionais
numa situação jurídica que sequer é estabelecida pelas empresas rés.
Parece uma peça surreal, algo kafkiano: o Estado, através da ANS, define uma
certa regulamentação da área de serviços de saúde privados; o Estado, através do Poder
Judiciário, declara a insuficiência dessa regulamentação, quer sob o argumento
consumerista, quer sob o argumento constitucional, e faz com que a empresa assuma o
ônus dessa insuficiência.
Como o Poder Executivo não efetiva os direitos sociais fundamentais, em
especial a saúde, o Poder Judiciário, por meio da prestação jurisdicional, adentra na
discricionariedade administrativa, e interfere nas políticas de saúde, tanto na esfera pública
quanto na privada. O Poder Judiciário é levado, desse modo, a agir como contraditor das
políticas definidas pelo Poder Executivo, em nome da efetividade de direitos fundamentais
protegidos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Tudo isso congestiona o sistema de prestação jurisdicional, fazendo com que
demandas relativamente simples demorem desarrazoadamente, frustrando a sociedade
como um todo, que sequer compreende os motivos dessa lentidão. Há, portanto, uma
demonstração de que a regulamentação não satisfez as expectativas de nenhum dos agentes
do mercado, nem consumidores, nem prestadores de serviços privados de saúde.
4 Conclusão
Longe de representar um instrumento de realização dos direitos fundamentais
proclamados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o espírito
neoliberal consubstancia-se como o derradeiro promotor da ideia capitalista, conformando
as instituições do Estado em seu principal instrumento.
Nas palavras de Eros Grau,
[...] embora o capitalismo reclame a estatização da economia, o faz tendo em
vista a sua própria integração e renovação (modernização). Essa estatização
jamais configurou qualquer passo no sentido de socialização/coletivização; pelo
contrário, o Estado, no exercício de função de acumulação, sempre se voltou à
promoção da renovação do capitalismo. (GRAU, 1999, p. 29.)
Assim, a judicialização da saúde suplementar decorre da atuação ineficiente da
agência reguladora, que faz com que os limites impostos aos usuários não correspondam às
suas necessidades reais. Como exposto, é um regime feito para gerar conflitos.
Tendo apresentado o enigma, como resolvê-lo? As contradições existentes
entre a ordem constitucional, de cunho social, e a ordem mundial, de cunho neoliberal, são
grandes demais para serem resolvidas numa academia. O local de definição de políticas de
saúde é Brasília. Quando essas políticas corresponderem ao texto constitucional, quando
forem direcionadas para a efetividade dos direitos fundamentais ali petrificados,
independentemente dos critérios de lucro máximo e concentração de renda nas mãos de
grandes corporações (segundo a lógica mundialmente predominante), poder-se-á imaginar
alguma resposta à Esfinge que cerra as portas da dignidade humana e grita: “Decifra-me ou
devoro-te!”
Referências
BARROSO, Luís Roberto. Apontamentos sobre as Agências Reguladoras. In: MORAES,
Alexandre de. Agências Reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002.
BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: Uma Defesa das Regras do Jogo. 2.ed.
Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
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BRASIL, Lei Nº 9.656, de 3 de junho de 1988. Dispõe sobre os planos e seguros privados
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Extra.
GUANDALINI, Giuliano. Francis Fukuyama insiste em teoria do fim da história. Folha de
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<http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u29838.shtml>. Acesso em 31 mar
2011.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 12.ed. São Paulo:
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NEGRI, Antonio e HARDT, Michael. Império. Trad. Berilo Vargas. 2.ed. Rio de Janeiro;
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MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 27.ed. São Paulo:
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TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 23.ed. São Paulo: Atlas,
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PINHEIRO, Armando Castelar. SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de
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SARLET, Ingo Wolfgang (Org); Timm, Luciano Benetti; Barcelos, Ana Paula de. Direitos
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ZYMLER, Benjamin. ALMEIDA, Guilherme Henrique de La Rocque. O Controle
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