CLÁUSULAS COM NOÇÃO DE MODO EM PORTUGUÊS: UM ESTUDO
FUNCIONALISTA
Anderson Godinho Silva
UFRJ / 2011
1
CLÁUSULAS COM NOÇÃO DE MODO EM PORTUGUÊS: UM ESTUDO
FUNCIONALISTA
por
Anderson Godinho Silva
Departamento de Letras Vernáculas
Tese
submetida
ao
Programa
de
Pós - Graduação em Letras Vernáculas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) como
parte dos requisitos para
obtenção
título
do
de
Doutor
em
Língua Portuguesa.
Orientadora: Professora Dr.ª Violeta
Virginia Rodrigues.
Rio de Janeiro, 1° semestre de 2011
2
S586c
Silva, Anderson Godinho
Cláusulas com noção de modo em português: um estudo
funcionalista/Anderson Godinho Silva.— Rio de Janeiro:
UFRJ, 2011.
208 f.: il. tabs., grafs. color; 30 cm.
Orientadora: Violeta Virginia Rodrigues.
Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Letras, Departamento de Letras Vernáculas, 2011
Bibliografia: f. 197-208.
1. Língua portuguesa - Orações. 2. Língua portuguesa Sintaxe. 3. Língua portuguesa - Cláusulas. 4. Funcionalismo
(Linguística). 5. Língua portuguesa - Verbos. 6. Língua
portuguesa – Estudo e ensino. I . Rodrigues, Violeta Virginia.
II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de
Letras. III. Título.
CDD469.5
3
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª VIOLETA VIRGINIA RODRIGUES – Orientadora
_____________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª NILZA BARROZO DIAS – Estudos de Linguagem / UFF
_____________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª VICTORIA WILSON – Linguística – UERJ
_____________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª MARIA LUIZA BRAGA – Linguística / UFRJ
_____________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª MÔNICA MARIA RIO NOBRE – Letras Vernáculas / UFRJ
_____________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª MARIA DO ROSARIO DA SILVA ROXO – UFRRJ – Suplente
_____________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª MARIÂNGELA RIOS DE OLIVEIRA – Estudos de Linguagem / UFF –
Suplente
4
SILVA, Anderson Godinho. Cláusulas com noção de modo em português: um estudo
funcionalista. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2011. Tese de Doutorado
em Língua Portuguesa, 208 p.
RESUMO
Apresenta-se, nesta tese, uma descrição das cláusulas passíveis de manifestar
relação de modo. Tal descrição justifica-se pelo fato de não haver ainda um estudo
detalhado e sistemático que dê conta das possíveis estruturas oracionais no Português
que expressam esta circunstância. Além disso, considera-se que o tema desta pesquisa é
relevante, porque, muitas vezes, a interpretação de algumas cláusulas modais torna-se
dificultosa por estas apresentarem não só uma relação sintática com outras cláusulas
como também uma relação lógico-semântica. Parte-se, portanto, do pressuposto de que,
considerando tanto o nível sintático como o semântico, a interpretação de uma cláusula
torne-se mais coerente.
Os pressupostos teóricos utilizados foram os do Funcionalismo por se levar em
consideração, entre outros aspectos, textos que representam o real uso da língua.
Os autores consultados foram Lehmann (1985), Hopper e Traugott (1993) e Halliday
(2004), só para citar alguns.
A fim de se comprovar a hipótese principal de que o conteúdo semântico de
modo em Português pode ser expresso por cláusulas que envolvem diferentes processos
sintáticos, permitindo que se estabeleça um continuum destas estruturas e de se detectar
i) por quais processos as cláusulas modais podem se combinar com outras – parataxe,
correlação, hipotaxe e encaixamento; ii) níveis de integração semântico-pragmática que
as cláusulas modais apresentam e iii) a relação existente entre graus de encaixamento e
integração semântico-pragmática, utilizaram-se dois corpora: VARPORT e D&G. O
primeiro é constituído por anúncios, editoriais, notícias e entrevistas do tipo DID
(Diálogo entre Informante e Documentador) referentes aos séculos XIX e XX do
Português Brasileiro e do Europeu, e o segundo apresenta amostras de língua falada e
escrita coletadas a partir de informantes das cidades do Rio de Janeiro, Natal, Rio
Grande, Juiz de Fora e Niterói.
Para este trabalho, os dados foram contabilizados manualmente, visto que o
intuito principal é realizar uma análise qualitativa dos corpora.
O continuum alcançado com a análise dos dados indica que as cláusulas
encaixadas são menos integradas semântico-pragmaticamente, seguidas das cláusulas
hipotáticas, correlatas e paratáticas, que são as mais integradas e possuem outros três
matizes, além do de modo: exemplificação, adição e negação.
No corpus VARPORT, foram encontradas 484 cláusulas modais e, no corpus
D&G, 79, totalizando 563 dados.
Esta investigação permitiu concluir que as cláusulas com noção de modo em
Português possuem um comportamento heterogêneo dos pontos de vista sintático e
semântico.
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SILVA, Anderson Godinho. Cláusulas com noção de modo em português: um estudo
funcionalista. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2011. Tese de Doutorado
em Língua Portuguesa, 208 p.
ABSTRACT
This thesis presents a description of clauses capable of expressing the
circumstance of manner. Such description is justified by the fact that there is not a
detailed and systematic study which covers possible clauses expressing this idea in
Portuguese yet. Besides, the topic of this research is considered relevant because, many
times, the interpretation of some manner clauses becomes difficult since they establish
not only a syntactic relation but also a logic-semantic relation with other clauses. It
leads to the belief that, if both syntactic and semantic levels are considered, the
interpretation of a clause becomes more coherent.
The theoretical assumptions were from the Functionalism since this study takes,
inter alia, texts which represent the real use of language into consideration.
The authors consulted were Lehmann (1985), Hopper & Traugott (1993) and Halliday
(2004), to name but a few.
To confirm the main hypothesis that the semantic content of manner can be
expressed by clauses which involve different syntactic processes, permitting to establish
a continuum of these structures, and to detect i) the processes which manner clauses
involve when they combine with other clauses – parataxis, correlation, hypotaxis and
embedding; ii) degrees of semantic-pragmatic integration which the manner clauses
present and iii) the relationship between degrees of embedding and semantic-pragmatic
integration, two corpora were used: VARPORT and D&G. The first consists of
advertisements, news, editorials and DID interviews (Dialogue between Informant and
Documenter) from the 19 th and the 20th centuries referred to Brazilian Portuguese and
European Portuguese and the second presents written language and spoken language
samples used by informants from the following cities: Rio de Janeiro, Natal, Rio
Grande, Juiz de Fora e Niterói.
In this paper, the data were manually counted because the main purpose is to
accomplish a qualitative analysis of the corpora.
The continuum achieved by the data analysis shows that the embedded clauses
are less integrated semantic-pragmatically, followed by the hypotactic clauses, the
correlated and the paratactic ones, which are the most integrated and convey three
circumstances, beside the idea of manner: exemplification, addiction and negation.
In VARPORT corpus, 484 manner clauses were found and, in D&G corpus, 79.
So the total number of manner clauses found is 563.
This investigation enabled to conclude that the manner clauses in Portuguese
have a heterogeneous behavior from the syntactic and the semantic points of view.
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SILVA, Anderson Godinho. Cláusulas com noção de modo em português: um estudo
funcionalista. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2011. Tese de Doutorado
em Língua Portuguesa, 208 p.
ABRÉGÉ
Il est présenté dans cette thèse, une description des termes susceptibles de mode
de relation manifeste. Une telle description est justifiée par le fait qu'il ya encore une
étude systématique et détaillée qui prend en compte les structures possibles dans le
Oracion portugaise exprimer cette condition. En outre, il est considéré que le thème de
cette recherche est importante parce que souvent l'interprétation de certaines clauses
modale devient entravée par ces présentes non seulement une relation syntaxique avec
d'autres clauses, ainsi que d'une relation logique-sémantique. Partie, par conséquent,
l'hypothèse que, compte tenu à la fois au niveau sémantique et syntaxique,
l'interprétation d'une clause devient plus cohérent.
Les hypothèses théoriques ont été utilisés le fonctionnalisme en tenant compte,
entre autres, des textes qui représentent l'utilisation réelle des langues.
Afin de prouver l'hypothèse principale que le contenu sémantique pour en
portugais peut être exprimée en des termes qui impliquent des processus syntaxiques
différents, ce qui leur permet d'établir un continuum de ces structures et de détecter i)
les processus par lesquels des clauses peuvent être modal combiner avec d'autres - la
parataxe, la corrélation et hypotaxe enrobage ii) les niveaux de clauses d'insertion
sémantique-pragmatique ont modal et iii) la relation entre les degrés de l'intégration et
l'incorporation sémantique-pragmatique, nous avons utilisé deux corpus: VARPORT et
D&G. Le premier se compose de publicités, les éditoriaux, des nouvelles et des
entrevues de type (DID dialogue entre les informateurs et Documentation) en ce qui
concerne le XIXe et XXe siècles d'Europe et le portugais brésilien et la deuxième série
d'échantillons caractéristiques de la langue parlée et écrite recueillies auprès des
informateurs villes de Rio de Janeiro, Natal, Rio Grande, Juiz de Fora et Niterói.
Pour cette étude, les données ont été enregistrées manuellement, puisque le but
principal est de mener une analyse qualitative du corpus.
Le continuum conclu avec l'analyse des données indique que les clauses
intégrées sont moins intégrés sémantique-pragmatique, suivie par des clauses
hypotaxiques, et paratactique connexes, qui sont les plus intégrés et disposent de trois
autres nuances, ainsi que oui: l'instanciation, l'addition et la négation.
En corpus VARPORT, 484 ont été trouvés et les clauses modal dans le corpus
D&G, 79, total de 563 données.
Cette enquête a conclu que les clauses d'un sens de l'ordre en portugais ont une
tendance mixte du point de vue syntaxique et sémantique.
7
In absentia
Ao professor Doutor Mário Eduardo Martelotta, por toda contribuição à pesquisa
linguística, principalmente, funcionalista.
In praesentia
A
Sheila Maria Godinho Silva, minha mãe, pelo apoio e carinho prestados;
Olavo Clemente Silva, meu pai, pela oportunidade dada para a conclusão dos meus
estudos;
Alexandre Godinho Silva, meu irmão, pelas ajudas nos momentos necessários;
E Sonia Godinho Silva, minha tia, pela ajuda, junto aos meus pais, em me tornar quem
eu sou hoje.
8
AGRADEÇO,
Em primeiro lugar a Deus, por ter me acompanhado durante toda essa
jornada, nos momentos tranquilos e nos momentos mais difíceis.
À Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues, pela imensa
capacidade de ensinar, pela paciência incrível para suportar meus eventuais deslizes e
pelos ―puxões de orelha‖ nas horas certas.
À Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos, pela contribuição nos
estudos acerca dos gêneros textuais.
À Professora Doutora Regina Gomes, pelos ensinamentos a respeito de
semântica e semiótica, e pelo auxílio no desenvolvimento desta pesquisa, participando
do meu exame de qualificação.
À Professora Doutora Maria Luiza Braga, por apontar possíveis falhas
durante o exame de qualificação, o que permitiu que a pesquisa fosse pelo caminho
certo.
À Professora Doutora Célia Regina Lopes, por ajudar na compreensão de
conceitos como ―tradição discursiva‖ e outros ligados à história da língua.
À Professora Doutora Vera Paredes, por me apresentar conceitos como
―mudança de referência‖ e ―integração entre cláusulas‖, que foram fundamentais para
este trabalho.
À Professora Doutora Mônica Maria Rio Nobre, pelo auxílio no
seminário sobre articulação de cláusulas, etapa importante no desenvolvimento do
grupo de pesquisa.
9
AGRADEÇO AINDA,
Aos meus amigos do grupo de pesquisa, pela amizade e pelos
momentos de descontração: Evelyn, Felippe, Gustavo, Heloise, Ivo, Larissa, Marcela,
Maria de Lourdes, Nathalia, Patrick, Thaís e Vanessa.
À CAPES, pela concessão da bolsa de Doutorado, auxílio que permitiu a realização
desta pesquisa.
10
SINOPSE
Análise e descrição das cláusulas com noção de
modo em Língua Portuguesa com base em dados
de Língua Falada e Escrita. Proposta de análise, de
caracterização das cláusulas modais e de um
continuum destas estruturas.
SILVA, Anderson Godinho. Cláusulas com noção de modo em português: um estudo
funcionalista. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2011. Tese de Doutorado
em Língua Portuguesa, 208 p., mimeo.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 18
1. PROCESSOS SINTÁTICOS: ABORDAGEM TRADICIONAL ............................ 24
1.1. Orações subordinadas substantivas ..................................................................... 24
1.2. Orações subordinadas adjetivas ........................................................................... 27
1.3. Orações subordinadas adverbiais ......................................................................... 29
1.4. Orações correlatas ................................................................................................ 34
1.4.1. Correlação nas orações subordinadas adverbiais ........................................ 34
1.4.2. Correlação nas orações coordenadas .......................................................... 38
1.5. Orações coordenadas ........................................................................................... 40
2. PROCESSOS SINTÁTICOS: OUTRAS ABORDAGENS ...................................... 41
2.1. Orações subordinadas substantivas ..................................................................... 41
2.2. Orações subordinadas adjetivas ........................................................................... 43
2.3. Orações subordinadas adverbiais ......................................................................... 45
2.4. Orações correlatas ................................................................................................ 53
2.5. Orações coordenadas ........................................................................................... 62
3. INTEGRAÇÃO ENTRE CLÁUSULAS ................................................................... 63
3.1. Abordagem de Lehmann (1985) .......................................................................... 63
3.2. Abordagem de Hopper e Traugott (1993) ............................................................66
3.3. Abordagem de Halliday (2004) ........................................................................... 68
3.4. Abordagem de Gonçalves et alii (2007) .............................................................. 75
3.5. Mudança de referência ......................................................................................... 77
4. TIPOS SEMÂNTICOS DE VERBO ......................................................................... 80
5. ORAÇÕES MODAIS: BREVE APRESENTAÇÃO ................................................ 82
6. METODOLOGIA E ANÁLISE DOS CORPORA .................................................... 96
6.1. Descrição dos corpora ......................................................................................... 96
6.2. Análise de dados no corpus VARPORT............................................................. 98
6.2.1. Abordagem sintática das cláusulas com noção de modo .......................... 100
6.2.1.1. Cláusulas encaixadas com função substantiva ............................. 103
6.2.1.2. Cláusulas encaixadas com função adjetiva ................................... 112
6.2.1.3. Cláusulas hipotáticas .................................................................... 117
6.2.1.3.1. Cláusulas hipotáticas não-finitas .................................. 117
12
6.2.1.3.2. Cláusulas hipotáticas finitas ......................................... 126
6.2.1.4. Cláusulas correlatas ....................................................................... 137
6.2.1.5. Cláusulas paratáticas ...................................................................... 141
6.2.1.5.1. Cláusulas paratáticas não-finitas ................................... 142
6.2.1.5.2. Cláusulas paratáticas finitas ........................................... 147
6.2.2. Abordagem semântica das cláusulas com noção de modo ....................... 156
6.2.2.1. Cláusulas encaixadas ................................................................... 157
6.2.2.2. Cláusulas hipotáticas ................................................................... 158
6.2.2.3. Cláusulas correlatas ..................................................................... 161
6.2.2.4. Cláusulas paratáticas .................................................................... 163
6.3. Análise de dados no corpus D&G ..................................................................... 167
6.3.1. Cláusulas encaixadas com função substantiva ........................................ 167
6.3.2. Cláusulas hipotáticas ............................................................................... 171
6.3.2.1. Cláusulas hipotáticas não-finitas ................................................ 171
6.3.2.2. Cláusulas hipotáticas finitas ....................................................... 174
6.3.3. Cláusulas paratáticas ................................................................................ 178
6.4. Estruturas vinculadas ao contexto e ao co-texto ................................................ 182
CONCLUSÃO ............................................................................................................. 189
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 197
13
ABREVIATURAS, CONVENÇÕES
cap.: capítulo
cf.: conferir, confrontar
D&G: Corpus Discurso & Gramática
DID: Diálogo entre Informante e Documentador
Enc. Adj.: Cláusula encaixada com função adjetiva
Enc. Subst.: Cláusula encaixada com função substantiva
ex.: exemplo
GT: Gramática Tradicional
Hip. Fin.: Cláusula hipotática finita
Hip. N. Fin.: Cláusula hipotática não-finita
NGB: Nomenclatura Gramatical Brasileira
Par. Fin.: Cláusula paratática finita
Par. N. Fin.: Cláusula paratática não-finita
PB: Português Brasileiro
PE: Português Europeu
s.d.: sem data
VARPORT: Projeto de Variação Contrastiva do Português
14
LISTA DE QUADROS, DE ESQUEMAS E DE ORGANOGRAMAS
Quadro 1: Formas de articulação das orações modais na abordagem tradicional .... 31
Quadro 2: Orações subordinadas adverbiais na forma correlata –
Moura Neves (2000) e Azeredo (2008) ....................................................... 58
Quadro 3: Três tipos de relação na parataxe de elaboração ...................................... 70
Quadro 4: Três subtipos de parataxe de extensão ....................................................... 72
Quadro 5: Tipos semânticos verbais ............................................................................ 81
Quadro 6: Formas de articulação das orações modais propriamente ditas e
orações fronteiriças .....................................................................................84
Quadro 7: Caracterização geral das modais ............................................................... 92
Esquema 1: Combinação de cláusulas (Hopper e Traugott, 1993) ............................. 67
Esquema 2: Propriedades relevantes para a combinação de cláusulas (Hopper e
Traugott, 1993) ............................................................................................................. 68
Esquema 3: Escala de continuidade tópica (Givón, 1983) ........................................... 78
Esquema 4: Continuum das cláusulas com noção de modo em português .................. 93
Esquema 5: Continuum de integração entre cláusulas por Lehmann (1985) ............... 99
Organograma 1: Cláusulas com noção de modo em Português –
abordagem sintática .......................................................................... 166
Organograma 2: Cláusulas com noção de modo em Português –
abordagem semântica ........................................................................ 166
15
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Estruturas encontradas no corpus VARPORT ........................................... 100
Gráfico 2: Estruturas encontradas no corpus D&G ................................................... 100
Gráfico 3: Formas de articulação das cláusulas encaixadas com função
substantiva na língua escrita ....................................................................... 104
Gráfico 4: Formas de articulação das cláusulas encaixadas com função
adjetiva no corpus VARPORT ..................................................................... 114
Gráfico 5: Formas de articulação das cláusulas hipotáticas não-finitas
na língua escrita .......................................................................................... 118
Gráfico 6: Formas de articulação das cláusulas hipotáticas finitas
na língua escrita ........................................................................................... 127
Gráfico 7: Formas de articulação das cláusulas correlatas no corpus VARPORT .... 138
Gráfico 8: Formas de articulação das cláusulas paratáticas não-finitas
na língua escrita ........................................................................................ 143
16
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Distribuição das cláusulas modais pelos gêneros textuais
no corpus VARPORT ................................................................................... 102
Tabela 2: Tipos semânticos de verbo e integração semântico-pragmática
nas cláusulas encaixadas com função substantiva na língua escrita .......... 107
Tabela 3: Cláusulas encaixadas com função substantiva e sequências
tipológicas em entrevistas do tipo DID ....................................................... 111
Tabela 4: Formas de articulação e manutenção de referente das cláusulas
hipotáticas não-finitas no corpus VARPORT .............................................. 124
Tabela 5: Cláusulas finitas e manutenção de referente no corpus VARPORT ........... 130
Tabela 6: Cláusulas hipotáticas e gêneros textuais na língua escrita ........................ 133
Tabela 7: Cláusulas hipotáticas e sequências tipológicas na língua escrita .............. 134
Tabela 8: Cláusulas hipotáticas e sequências tipológicas na língua falada ............... 136
Tabela 9: Cláusulas paratáticas e gêneros textuais na língua escrita ........................ 153
Tabela 10: Cláusulas paratáticas e sequências tipológicas na língua escrita ............ 155
Tabela 11: Outros matizes das cláusulas hipotáticas com noção de modo ................. 159
Tabela 12: Outros matizes das cláusulas paratáticas com noção de modo ................ 164
Tabela 13: Distribuição das cláusulas modais no corpus D&G ................................. 167
Tabela 14: Tipos semânticos de verbo e cláusulas encaixadas com função
substantiva no corpus D&G ...................................................................... 169
Tabela 15: Sequências tipológicas e cláusulas encaixadas com função
substantiva no corpus D&G ...................................................................... 170
Tabela 16: Sequências tipológicas e cláusulas hipotáticas no corpus D&G .............. 176
17
INTRODUÇÃO
A pesquisa aqui empreendida tem como motivação o estudo realizado por Silva
(2007), em que se analisou a oração subordinada adverbial modal. O interesse por esse
tipo de estrutura justifica-se pelo fato de a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB)
não a incluir no âmbito da subordinação adverbial e de não haver tratamento consensual
em relação a esta estrutura entre os gramáticos tradicionais.
Dentre os fatores considerados por Silva (2007), destacam-se as formas de
articulação das orações adverbiais modais, a posição em relação à oração principal, os
gêneros textuais em que elas ocorreram mais frequentemente e as modalidades
linguísticas (língua escrita e língua falada). O corpus utilizado foi o VARPORT
(Variação Contrastiva do Português) e foram encontrados 264 casos de modais em
1.384 textos.
Apesar da pouca frequência de uso das orações modais, Silva (2007) constatou
que as orações adverbiais modais ocorreram mais frequentemente pospostas à oração
principal. Em relação às formas de articulação, verificou que as modais mais recorrentes
foram as reduzidas de gerúndio, seguidas das reduzidas de infinitivo encabeçadas por
preposição e desenvolvidas, respectivamente. No que se refere aos gêneros textuais,
observou que as modais apareceram com mais frequência em anúncios, seguidos de
editoriais, notícias e entrevistas, respectivamente. Notou, ainda, que as orações
estudadas ocorreram em maior quantidade nos textos de língua escrita, servindo isto
para apontar que, de um modo geral, elas são empregadas em textos mais formais.
Os resultados obtidos por Silva (2007) indicam que a quantidade de orações
subordinadas adverbiais modais foi relativamente pequena e, de certa forma, frustrante,
pois a partir da leitura de um número significativo de textos, encontraram-se poucas
ocorrências dessas estruturas. A pouca frequência de uso(s) das orações modais instigou
o interesse pela pesquisa de outras estruturas oracionais em língua portuguesa que
pudessem manifestar a relação de modo, mesmo não sendo adverbial. Assim, a proposta
de Silva (2007) de descrever as orações modais em português para ratificar a
necessidade de elas serem incluídas no rol das adverbiais em oposição ao que previa a
NGB pode ser estendida às várias orações, independentemente do processo sintático
envolvido por elas. Portanto, os resultados alcançados por Silva (2007) possibilitaram
um novo olhar sobre a relação de modo em português. O intuito agora é verificar, entre
18
os processos sintáticos de organização das orações no período composto, aqueles que
seriam passíveis de estabelecer o conteúdo semântico de modo.
Dessa forma, oração modal é definida aqui como toda estrutura que, podendo
envolver os processos de coordenação, subordinação e correlação, expressam o
conteúdo semântico de modo.
Apresenta-se, assim, nesta tese, uma descrição das estruturas oracionais
passíveis de manifestar a relação de modo em português. Tal análise justifica-se pelo
fato de não haver ainda um estudo abarcando possíveis estruturas que expressam esta
circunstância na língua portuguesa de forma tão abrangente. Além disso, muitas vezes, a
interpretação de algumas orações1 torna-se dificultosa por estas apresentarem, além de
uma relação sintática com outra oração, também uma relação lógico-semântica. Logo,
considera-se tanto o nível sintático como o semântico para a interpretação de estruturas
indicando a circunstância de modo.
Assim, a hipótese que se pretende comprovar é a de que é possível estabelecer
um continuum das orações modais adotando os níveis sintático e semântico. Para isso,
analisam-se as diversas estruturas que exprimem a noção de modo. No nível sintático,
verificam-se os diferentes graus de vinculação que as orações modais possuem com
outras e, no nível semântico, observam-se os outros matizes, além do de modo, que
estas orações podem veicular.
A fim de detectar i) por quais processos as orações pesquisadas podem se
combinar com outras – parataxe2, correlação, hipotaxe e encaixamento; ii) quais
estruturas são menos integradas ou mais integradas semântico-pragmaticamente; iii) que
tipos de oração modal possuem o mesmo referente (sujeito) e que tipos possuem
referente (sujeito) distinto da oração com que se articulam; iv) se há uma relação entre
integração entre as orações e tipos semânticos de verbo e v) se há sequências tipológicas
que favorecem o uso de uma estrutura oracional específica, estabeleceram-se dois
corpora.
O primeiro é constituído por anúncios, editoriais, notícias e entrevistas do tipo
DID (Diálogo entre Informante e Documentador) referentes aos séculos XIX e XX do
1
Este termo será utilizado, nesta tese, quando se fizer referência a autores que não representam uma
abordagem funcionalista.
2
Há orações extraídas dos corpora reduzidas de gerúndio que permitem uma leitura modal, mas que
representam sequencialidade de eventos, característica da coordenação. Apesar de esta estrutura não ser
considerada por alguns autores tradicionais, nesta pesquisa, ela é analisada como parataxe com noção de
modo.
19
português brasileiro e do europeu retirados do corpus VARPORT, disponível no site
www.letras.ufrj.br/varport.
O segundo é o corpus D&G, que apresenta amostras de língua falada e escrita
coletadas a partir de informantes das cidades do Rio de Janeiro, Natal, Rio Grande, Juiz
de Fora e Niterói. Para esta pesquisa, são analisados apenas os textos produzidos por
informantes do Rio de Janeiro.
Considerando-se o corpus VARPORT, encontraram-se 484 dados de orações
com noção de modo em 1.384 textos e, levando-se em conta o corpus D&G,
contabilizaram-se 79 dados em 350 textos. Apesar da discrepância na quantidade de
textos lidos entre os corpora, é possível fazer algumas considerações e comparações no
que diz respeito às orações modais.
A vertente teórica que norteia a pesquisa é a funcionalista pelo fato de se
considerar a língua em uso, pelos corpora serem compostos por textos reais produzidos
por escritores / falantes que utilizam a língua portuguesa e por se levar em consideração
a situação comunicativa: o propósito do evento de fala / escrita, os participantes
envolvidos no processo de comunicação e o contexto discursivo. Dentre os trabalhos
funcionalistas utilizados, destacam-se os de Lehmann (1985), Hopper e Traugott (1993)
e Halliday (2004), só para citar alguns.
Com base na descrição de usos reais da língua portuguesa, conforme já
mencionado, objetiva-se comprovar a tese de que, além das orações subordinadas
adverbiais modais (hipotaxe), estudadas por Silva (2007), existem outros tipos de
estrutura oracional indicando a nuance de modo, pois esta circunstância, ao lado das de
tempo e lugar, são consideradas básicas, se levado em conta o cotidiano de uma pessoa.
Isto explicaria a necessidade comunicativa de se expressar a ideia de modo de diferentes
formas e utilizando diferentes estruturas.
No que tange à integração entre as orações, pelo fato de Hopper e Traugott
(1993) abordarem a relação entre dispositivos explícitos e menor integração semânticopragmática, de um lado, e entre não explicitação de dispositivos e maior integração
semântico-pragmática, de outro, acredita-se que orações reduzidas sejam mais
integradas e que orações desenvolvidas sejam menos integradas. Partindo-se deste
pressuposto, haveria indícios de que orações que se apresentem na forma desenvolvida
– orações substantivas e orações adjetivas restritivas (encaixadas), orações correlatas,
orações coordenadas desenvolvidas (paratáticas finitas) e orações adverbiais
desenvolvidas (hipotáticas finitas) – fossem menos integradas e de que orações que se
20
apresentem na forma reduzida – orações coordenadas reduzidas (paratáticas não-finitas)
e orações adverbiais reduzidas (hipotáticas não-finitas) – fossem mais integradas.
Para verificar a maior ou menor integração das orações modais, neste trabalho,
utiliza-se o critério de mudança de referente (sujeito), visto que Lehmann (1985)
relaciona manutenção de referente com orações mais integradas e mudança de referente
com orações menos integradas. Espera-se, portanto, que as orações encaixadas,
correlatas, paratáticas finitas e hipotáticas finitas, nos dois corpora analisados,
apresentem referentes (sujeitos) distintos dos das orações com as quais se articulem e
que as orações paratáticas não-finitas e hipotáticas não-finitas apresentem mesmos
sujeitos dos das orações com as quais se articulem.
No que diz respeito aos tipos semânticos de verbo, pensa-se que o mais
frequente, de uma forma geral, é o ―material‖, pois ao explicar o modo como um evento
ocorre, independente da estrutura utilizada, lança-se mão de um verbo que indica uma
ação propriamente dita. Em outras palavras, para um evento ocorrer, é necessário que
alguém exerça uma ação prototípica, em que há um agente e um paciente ou objeto a ser
afetado pela ação.
Além do verbo ―material‖, há uma motivação para se acreditar que o verbo do
tipo ―relacional‖ seja frequente em orações encaixadas com função substantiva: o fato
de as orações matrizes (principais) relacionadas a elas, em muitos casos – alguns deles
em sequências descritivas, serem introduzidas por verbos como ―saber‖, ―dizer‖ e de as
orações encaixadas com função substantiva com noção de modo serem encabeçadas
pelo item COMO. Em sequências descritivas, podem ser encontradas estruturas dos
tipos ―saber COMO era um produto‖, ―dizer COMO foi um governo‖.
Em relação às sequências tipológicas, pelos comentários feitos anteriormente,
pensa-se que as orações encaixadas com função substantiva sejam mais frequentes em
sequências descritivas.
No que tange às orações adverbiais (hipotáticas) e as orações coordenadas
(paratáticas), o fato de a circunstância de modo e a sequência dos eventos, em uma
ordem cronológica, serem relevantes em uma narrativa motivou a hipótese de que estas
estruturas fossem encontradas frequentemente em sequências narrativas.
No que diz respeito às orações correlatas, pelo fato de Bechara (1994) e Rocha
Lima (1998) tecerem considerações a respeito da ênfase que é dada a um determinado
comentário quando estas estruturas são utilizadas, apesar de não mencionarem em todos
os momentos a nomenclatura ―correlata‖, acredita-se que as orações correlatas com
21
noção de modo sejam mais frequentes em sequências argumentativas. Neste tipo de
sequência, para que uma ideia seja defendida, deve haver um reforço, uma ênfase nos
argumentos, a fim de convencer o leitor / ouvinte do raciocínio exposto pelo escritor /
falante.
Para atingir os objetivos antes explicitados, o trabalho se organiza em seis
capítulos: no capítulo 1, apresentam-se os comentários de autores tradicionais referentes
aos processos sintáticos de coordenação, subordinação e algumas considerações acerca
da correlação; no capítulo 2, encontram-se outras abordagens, não tradicionais, dos
processos sintáticos citados anteriormente; no capítulo 3, aborda-se a integração entre
cláusulas3; no capítulo 4, apresentam-se considerações concernentes aos tipos
semânticos de verbo; no capítulo 5, são retomadas as considerações feitas por Silva
(2007) em sua dissertação de Mestrado no que diz respeito às orações adverbiais
modais; no capítulo 6, encontram-se a metodologia e a análise dos corpora; após o
capítulo 6, seguem-se algumas conclusões referentes aos resultados obtidos durante a
análise dos corpora e, ao final da tese, confere-se a bibliografia utilizada para a
realização desta pesquisa.
Alguns dos capítulos anteriormente explicitados apresentam subdivisões. O
capítulo 3, por exemplo, está dividido em 3.1, em que é encontrada a abordagem de
Lehmann (1985) a respeito da integração entre cláusulas; em 3.2, que contém a proposta
de Hopper e Traugott (1993); em 3.3, em que é elucidada a teoria de Halliday (2004);
em 3.4, em que se apresenta a abordagem de Gonçalves et alii (2007) e em 3.5, que
contém as considerações de Givón (1983) acerca da mudança de referência.
O capítulo 6 é dividido em subcapítulos, que, por sua vez, possuem seções. Os
subcapítulos do capítulo 6 são: 6.1, descrição dos corpora; 6.2, análise do corpus
VARPORT; 6.3, análise do corpus D&G e 6.4, considerações acerca de estruturas que,
em princípio, fariam parte dos dados coletados, mas que, posteriormente, foram
descartadas e denominadas ―estruturas vinculadas ao contexto e ao co-texto‖.
Os subcapítulos 6.2 e 6.3 também são divididos em seções. O subcapítulo 6.2 se
divide em 6.2.1, abordagem sintática das cláusulas com noção de modo e em 6.2.2,
abordagem semântica das cláusulas com noção de modo. O subcapítulo 6.3 se divide em
6.3.1, 6.3.2 e 6.3.3, que serão descritos mais adiante.
3
No Funcionalismo, cláusula tem um sentido semelhante ao de oração.
22
A seção 6.2.1 é dividida em 6.2.1.1, em que se estudam as cláusulas encaixadas
com função substantiva; em 6.2.1.2, em que se analisam as cláusulas encaixadas com
função adjetiva; em 6.2.1.3, em que se abordam as cláusulas hipotáticas – 6.2.1.3.1
cláusulas hipotáticas não-finitas e 6.2.1.3.2 cláusulas hipotáticas finitas ; em 6.2.1.4, em
que se analisam as cláusulas correlatas e em 6.2.1.5, em que se estudam as cláusulas
paratáticas – 6.2.1.5.1 cláusulas paratáticas não-finitas e 6.2.1.5.2 cláusulas paratáticas
finitas.
A seção 6.2.2 é dividida em 6.2.2.1, em que se abordam as cláusulas encaixadas;
em 6.2.2.2, em que se observam as cláusulas hipotáticas; em 6.2.2.3, em que se
descrevem as cláusulas correlatas e em 6.2.2.4, em que se analisam as cláusulas
paratáticas.
O subcapítulo 6.3, como já explicitado, contém a análise do corpus D&G. Ele é
dividido de acordo com o tipo de estrutura a ser estudada. Em 6.3.1, abordam-se as
cláusulas encaixadas com função substantiva; em 6.3.2, descrevem-se as cláusulas
hipotáticas – 6.3.2.1 cláusulas hipotáticas não-finitas e 6.3.2.2 cláusulas hipotáticas
finitas e em 6.3.3, analisam-se as cláusulas paratáticas. Não foram encontradas, no
corpus D&G, cláusulas encaixadas com função adjetiva nem cláusulas correlatas.
Por último, apresentam-se as considerações mais relevantes sobre o(s) uso(s) das
cláusulas com noção de modo em português com base na pesquisa desenvolvida à guisa
de conclusão e, em seguida, apresenta-se a bibliografia utilizada ao longo do trabalho.
A organização dos capítulos, subcapítulos e seções integrantes desta tese reflete
o continuum que se objetiva traçar. Parte-se da descrição detalhada das estruturas que
estabelecem a circunstância de modo para se chegar à generalização sobre a posição de
cada uma delas no continuum englobado pelas relações de modo em Português.
23
1. PROCESSOS SINTÁTICOS: ABORDAGEM TRADICIONAL
Nesta tese, estudam-se as orações passíveis de veicular a noção de modo em
Português. Por este motivo, apresentam-se a seguir as considerações de gramáticos
tradicionais referentes às orações e aos processos sintáticos somente associados à ideia
de modo: as orações subordinadas substantivas, as orações subordinadas adjetivas, as
orações subordinadas adverbiais, as orações correlatas e as orações coordenadas. Os
gramáticos tradicionais consultados foram Luft (1978), Cunha & Cintra (1985), Kury
(1987), Bechara (1994) e Rocha Lima (1998).
1.1. Orações subordinadas substantivas
Todos os gramáticos, à exceção de Cunha & Cintra (1985), consideram a
existência de orações subordinadas substantivas introduzidas por conjunção integrante e
introduzidas por pronomes ou advérbios interrogativos (cf. ex. a). Segundo Luft (1978)
e Rocha Lima (1998), os dois tipos são orações desenvolvidas; para Kury (1987) e
Bechara (1994), o segundo tipo envolve justaposição e Cunha & Cintra (1985) apenas
tecem algumas considerações acerca das orações subordinadas substantivas introduzidas
por conjunção integrante.
As orações subordinadas substantivas introduzidas por pronomes ou advérbios
interrogativos são as de maior interesse, neste momento, pois um dos pronomes ou
advérbios que podem encabeçá-las é COMO e este item pode veicular a noção de modo,
segundo a GT.
Luft (1978) inclui nas orações desenvolvidas as introduzidas por conjunção
integrante e as introduzidas por pronome relativo sem antecedente. Um dos exemplos
que o autor fornece é o seguinte (cf. ex. a).
a. ―... Já sei [como responder].‖ (Luft, 1978, p.157)4
O gramático deixa bem clara a posição dele quanto ao fato de exemplos como a
não serem casos de justaposição: ―Trata-se de pronomes relativos sem antecedente, ou
4
Os exemplos retirados de autores tradicionais e não-tradicionais para ilustrar os processos sintáticos
(cap. 1 e cap. 2) são representados por letras do alfabeto simples ou repetidas, acompanhadas ou não de
aspas duplas, podendo estar em negrito ou não.
24
interrogativos (em interrogações indiretas). Esses pronomes acumulam função de
conectivo. Nada de ‗justaposição‘, portanto‖ (Luft, 1978, p.157).
Luft (1978) fornece exemplos com orações substantivas introduzidas por
pronomes ou advérbios que são desenvolvidas (cf. ex. b) e que são reduzidas de
infinitivo (cf. ex. c).
b. ―Não sabia [como se desvencilhasse], ...‖ (Luft, 1978, p.157)
c. ―Não sabe [onde ir], [como desvencilhar-se], [quando voltar].‖ (Luft, 1978,
p.157)
Rocha Lima (1998, p.264) distribui as orações desenvolvidas entre as ―que são
introduzidas pela conjunção integrante que‖ e as ―interrogativas indiretas, que começam
por pronome ou advérbio interrogativos, ou ainda, pela partícula dubitativa se‖. Um dos
advérbios citados por Rocha Lima (1998) é COMO. Entretanto, não são apresentados
exemplos com este advérbio. Para o estudioso, na maioria das vezes, a oração
subordinada substantiva que configura uma interrogativa indireta exerce a função
sintática de objeto direto.
Kury (1987, p.72) divide as orações desenvolvidas em conexas e sem conectivo.
As primeiras ―são introduzidas por uma das conjunções integrantes que e se, mais
raramente como (= que)‖ – cf. ex. d.
d. ―Aposto [como não acreditas nas suas palavras].‖
As sem conectivo são interpretadas por Kury (1987) como justapostas e ―são
introduzidas por pronome indefinido, pronome ou advérbio interrogativo ou
exclamativo‖ (Kury, 1987, p.72). O autor fornece alguns exemplos deste tipo de oração
e um deles é de Machado de Assis (cf. ex. e).
e. ―Não sabe [como perdeu a sua mosca azul].‖
Uma observação feita por Kury (1987, p.72, 73) merece destaque:
25
―Há quem considere os pronomes e advérbios introdutores de oração
substantiva investidos do papel de conectivo. Como quer que seja, o importante
é que a conjunção integrante, conectivo puro, não tem outra função na oração
subordinada, enquanto aqueles sempre têm. Assim, no exemplo de Machado de
Assis dado acima, o advérbio como exerce, na oração objetiva direta, a função
de adjunto adverbial de modo‖.
Nesta tese, prefere-se concordar com os gramáticos que consideram que
pronomes e advérbios podem ser introdutores de oração substantiva e que são investidos
do papel de conectivo.
Ao abordar os advérbios, Bechara (1994, p.154) reconhece que porque, quando
e como têm um valor semelhante ao de uma conjunção, além do valor adverbial: ―são,
em verdade, ‗expressões adverbiais conjuntivas, isto é, expressões que, sem perderem a
sua função adverbial, têm concomitante função conjuntiva‘‖.
Bechara (1994, p.223) também tece alguns comentários que dizem respeito às
orações interrogativas indiretas, que, para o gramático, podem começar por diversos
pronomes ou advérbios interrogativos, dentre os quais se tem COMO (cf. ex. f).
f. ―Mostrei-te como conseguiram resolver todos os problemas.‖
Apesar de atentar para o fato de alguns advérbios poderem ser ―expressões
adverbiais conjuntivas‖ (cf. Bechara, 1994, p.154), o estudioso considera as orações
interrogativas indiretas como um caso de justaposição porque ―não se ligam à sua
principal por vocábulo especial de conexão‖ (cf. Bechara, 1994, p.223).
Ao esquematizar as orações subordinadas substantivas, Bechara (1994, p.225)
divide-as em conectivas e justapostas. Em g, tem-se um exemplo de justaposta na
perspectiva deste gramático (Bechara, 1994, p.225).
g. ―Não sabia como fazer o problema.‖
Conforme citado anteriormente, COMO, em g, segundo o autor, não é um
vocábulo especial de conexão.
Bechara (1994, p.223) faz ainda uma observação relevante quanto à existência
de exclamações indiretas (cf. ex. h). Durante a análise dos corpora, foi encontrada uma
26
oração exclamativa introduzida por COMO, que é apresentada em 6.4 - estruturas
vinculadas ao contexto e ao co-texto.
h. ―Olha como ela chora.‖
Em h, verifica-se que há uma oração exclamativa indireta, pois o fato de ela
chorar com uma determinada intensidade causa uma surpresa, um espanto.
1.2. Orações subordinadas adjetivas
Dos gramáticos tradicionais consultados, apenas Cunha & Cintra (1985) e
Bechara (1994), ao abordarem as orações subordinadas adjetivas, não citam COMO no
rol dos pronomes ou advérbios relativos.
Luft (1978, p.153), ao caracterizar as orações subordinadas adjetivas restritivas
desenvolvidas, afirma que elas podem ser ―introduzidas por um pronome relativo (que,
quem, o qual, cujo, etc.), introduzidas por onde, como, quando (com antecedente
substantivo) e quanto (precedido de tudo, todos), também pronomes relativos‖. Em i,
tem-se um exemplo fornecido pelo autor, cujo pronome relativo utilizado é COMO.
i.
―Ensinei-lhe a maneira [como fazer].‖
Nota-se que, em i, a noção de modo é veiculada tanto pelo pronome relativo
COMO quanto pelo antecedente substantivo ―maneira‖.
Tratamento semelhante é dado por Rocha Lima (1998, p.269), ao comentar que
―as orações adjetivas, quando desenvolvidas, são encetadas pelos pronomes relativos
que, o qual (com suas flexões), ou pelos advérbios relativos onde, quando e como – por
intermédio dos quais se prendem a um substantivo, ou pronome, da oração anterior‖.
Como se nota, cada autor pode classificar um mesmo vocábulo de maneiras
distintas: Luft (1978) considera COMO um pronome relativo, enquanto que Rocha
Lima (1998) o rotula de advérbio relativo.
Rocha Lima (1998, p.270) destaca uma diferença entre os pronomes relativos e
os advérbios relativos. Segundo o gramático, aqueles podem desempenhar diferentes
funções sintáticas na oração em que se encontram e estes funcionam exclusivamente
como adjuntos adverbiais.
27
Rocha Lima (1998, p.271) chama de relativos condensados os pronomes
relativos que podem ocorrer em uma oração sem antecedente (cf. ex. j).
j.
―Veja como fala!‖
Segundo este gramático, subentende-se, nesse caso, um antecedente – ―o modo /
como‖.
Ressalte-se que o exemplo j, em que COMO introduz uma oração adjetiva com
um relativo condensado, segundo a proposta de Rocha Lima (1998), é muito semelhante
ao exemplo h, em que é considerado iniciador de uma oração substantiva, de acordo
com Bechara (1994), pois este autor não subentende um substantivo antecedente para o
item COMO.
Para Kury (1987), existem dois tipos de oração adjetiva desenvolvida: relativa e
justaposta. A relativa é introduzida por pronome relativo ou por um advérbio
pronominal relativo. Nota-se, mais uma vez, uma classificação distinta para o mesmo
vocábulo. Pode-se fazer uma equivalência entre alguns pronomes relativos (Luft, 1978),
advérbio relativo (Rocha Lima, 1998) e advérbio pronominal relativo (Kury, 1987).
Segundo Kury (1987, p.80), ―os advérbios pronominais relativos trazem inclusa
no seu significado uma preposição: onde = em que; como = por que; quando = em que‖.
Para o autor, só o relativo ONDE é usual. Em k, tem-se um exemplo que contém
COMO iniciando uma oração adjetiva relativa (cf. ex. k).
k. ―A maneira [como o receberam] era um aviso.‖ (Kury, 1987, p.80)
Kury (1987) considera justaposta a oração adjetiva introduzida por pronome
indefinido, sem antecedente. Como não são citados exemplos em que a noção de modo
é verificada, a oração adjetiva justaposta de Kury (1987) não será ilustrada aqui.
Kury (1987), assim como Rocha Lima (1998), afirma que ONDE e COMO são
sempre adjuntos adverbiais quando funcionam como advérbio pronominal relativo.
O autor ainda aborda um aspecto relevante para este estudo: o fato de existirem
orações adjetivas circunstanciais. De acordo com este gramático, algumas orações
adjetivas podem exprimir matizes circunstanciais, como os de causa, concessão,
condição, consequência e fim. Nesta tese, serão analisadas as orações adjetivas com um
matiz circunstancial de modo, que não foram contempladas por ele.
28
Bechara (1994) também reconhece os matizes circunstanciais de algumas
orações adjetivas. Além de o autor citar os mesmos matizes apresentados por Kury
(1987), acrescenta o adversativo.
Assim como Kury (1987), Bechara (1994, p.154), ao abordar os advérbios, faz
uma equivalência entre os advérbios pronominais relativos (nomenclatura também
adotada por Bechara, 1994) ―onde‖ e ―em que‖; ―quando‖ e ―em que‖ e ―como‖ e ―por
que‖.
Cunha & Cintra (1985), ao caracterizarem as orações adjetivas, não citam
COMO nem como pronome nem como advérbio relativo.
1.3. Orações subordinadas adverbiais
Silva (2007) pesquisou as orações subordinadas adverbiais modais, observando os
autores tradicionais que as mencionam, as diferenças entre o tratamento dado a elas por
cada autor e as semelhanças entre elas e outros tipos de oração.
Com exceção de Cunha & Cintra (1985), os gramáticos tradicionais consultados
mencionam as orações subordinadas adverbiais modais.
Luft (1978), Kury (1987) e Bechara (1994) consideram que as modais podem
ocorrer nas formas reduzida e desenvolvida.
No que tange à forma reduzida, modais com verbo no infinitivo precedido da
preposição SEM são citadas por Luft (1978, p.156) – cf. ex. l -, Kury (1987, p.101) – cf.
ex. m e Bechara (1994, p.240) – cf. ex. n; precedido da preposição COM é mencionada
por Kury (1987, p.101) – cf. ex. o e precedido da preposição A é apresentada por
Bechara (1994, p.240) - cf. ex. p.
l.
―Caminhou [sem fazer qualquer ruído].‖
m. ―Cavalguei [sem dizer palavra].‖
n. ―Vivemos com loucos e entre loucos: é feliz ou muito hábil quem pode tratar
com eles sem os ofender nem ser ofendido.‖
o. ―Nem vos tome nunca a tentação de largardes as vossas tarefas úteis, [com dizer]
que os frutos do vosso esforço e trabalho outros os hão de colher e não vós.‖
p. ―Ele esteve alguns instantes de pé a olhar para mim.‖
29
Vale notar, portanto, que, na abordagem tradicional, quando as modais ocorrem
na forma reduzida de infinitivo, há sempre uma preposição precedendo o verbo.
Todos os autores consultados, com exceção de Cunha & Cintra (1985), fornecem
exemplos de modais reduzidas de gerúndio (cf. ex. q, r, s e t).
q. ―Rosnava [mostrando os dentes].‖ (Luft, 1978, p.156)
r. ―Escreveu a dissertação empregando tinta encarnada.‖ (Kury, 1987, p.102)
s. ―O amor, como o menino, começa brincando e acaba chorando.‖ (Bechara,
1994, p.241, ao citar orações que denotam modo, meio, instrumento)
t. ―A disciplina militar prestante
Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando, ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando.‖ (Rocha Lima, 1998, p.283)
O uso do gerúndio para expressar o matiz de modo, como se verifica, é
apresentado pela maioria dos gramáticos. Silva (2007) detectou que a forma de
articulação mais frequente das orações modais é a reduzida de gerúndio. Com isso,
pode-se afirmar que o tratamento dado pela maioria dos gramáticos estudados não se
distancia tanto do real uso das orações modais.
No que tange à forma desenvolvida, Luft (1978, p.156) fornece exemplos de
modais introduzidas por COMO – cf. ex. u - e por SEM QUE – cf. ex. v, enquanto Kury
(1987, p.101) e Bechara (1994, p.233) fornecem apenas exemplos de modais
introduzidas por SEM QUE, conforme se observa em w e x, respectivamente.
u. ―Trabalhou [como devia].‖
v. Saiu [sem que o notassem].‖
w. ―Depois, os desconhecidos partiam [sem que ninguém ousasse atalhar-lhes os
passos].‖
x. ―De um relance leu na fisionomia do mancebo, sem que suas pupilas extáticas
se movessem nas órbitas.‖
O quadro 1, a seguir, apresenta as formas de articulação das modais que foram
identificadas na abordagem tradicional e que foram comentadas anteriormente.
30
Quadro 1: Formas de articulação das orações modais na abordagem tradicional
GRAMÁTICOS
REDUZIDAS DE
GERÚNDIO
X
REDUZIDAS DE
INFINITIVO
SEM + INF.
Cunha & Cintra
(1985)
Kury (1987)
____
____
X
Bechara (1994)
X
Rocha Lima
(1998)
X
SEM + INF.
COM + INF.
SEM + INF.
A + INF.
____
Luft (1978)
DESENVOLVIDAS
(ASSIM) COMO
SEM QUE
____
SEM QUE
SEM QUE
____
Pelo quadro 1, percebe-se que Cunha & Cintra (1985) não abordam as modais e
que Rocha Lima (1998) considera que estas orações só podem ocorrer em Português na
forma reduzida de gerúndio.
Kury (1987) explicita que as orações modais são apresentadas nas análises de
outros autores distribuídas pelos exemplos de outros tipos de orações adverbiais:
comparativas, conformativas, consecutivas e concessivas. As semelhanças entre estas
orações e as modais ficam evidenciadas em definições e / ou em exemplos fornecidos
por alguns gramáticos.
A semelhança entre as comparativas e as modais pode ser constatada na
definição de Rocha Lima (1998, p.279) das comparativas assimilativas como aquelas
―cuja apresentação se faz com a conjunção como, equivalente a ‗do mesmo modo que‘‖.
Nota-se que a circunstância de modo pode aparecer concomitantemente à noção de
comparação no que tange às comparativas assimilativas apresentadas por Rocha Lima
(1998).
A proximidade entre as consecutivas e as modais pode ser observada nos
tratamentos dados por Kury (1987), Bechara (1994) e Rocha Lima (1998) àquelas
orações.
De acordo com Kury (1987, p.101), as consecutivas iniciadas pelas ―locuções de
modo que, de sorte que, de forma que‖ são assim chamadas indevidamente, pois
deveriam ser consideradas modais (cf. ex. y).
y. ―Todos estavam exaustos, [de modo que se recolheram logo].‖
31
A nuance de modo, de certa forma, está presente também na análise de Bechara
(1994, p.232) para algumas consecutivas: ―através de expressões como de tal maneira,
de tal forma, de tal modo, de tal sorte, postas na oração principal, a consecutiva passa a
denotar que se deve a conseqüência ao modo pela qual é praticada a ação anterior‖.
Segundo Rocha Lima (1998, p.281), nas consecutivas, ―a fim de dar mais ênfase
à construção, recorre-se às locuções de (tal) modo que; de (tal) sorte que; de (tal) forma
que – e outras do mesmo gênero‖.
A identidade entre as conformativas e as modais pode ser encontrada
explicitamente na definição de Luft (1978, p.155): ―denotam conformidade, modo‖.
Em alguns exemplos de conformativas identificados em Kury (1987, p.96) – cf.
ex. z - e em Cunha & Cintra (1985, p.593) – cf. ex. a, pôde-se verificar uma estrutura
que, em princípio, seria contabilizada na análise dos corpora (cf. cap. 6), mas que
possui características de uma construção fixa: a ―recorrência semântica‖ (Ayora, 1991,
p.65) - cf. 6.4.
z. ―A voz (dela) era, [como dizia o pai], ‗muito mimosa‘.‖
a. ―As distâncias hoje em dia, como sabe, contam pouco.‖
Um argumento a favor de que as estruturas em z e em a configuram construções
fixas, cristalizadas é o tipo semântico de verbo utilizado. Geralmente, estas estruturas
ocorrem com um verbo que indica um ato de dizer (―dizia‖, em z) ou com um verbo que
indica uma atividade mental (―sabe‖, em a).
Uma estrutura que é interpretada por Silva (2007) e, também nesta tese, como
oração subordinada adverbial (ou cláusula hipotática com noção de modo) é analisada
por Kury (1987), Bechara (1994) e Rocha Lima (1998) como uma oração em que há a
combinação das noções de comparação e de hipótese. São as orações introduzidas pela
locução conjuntiva COMO SE.
Kury (1987, p.91) afirma que ―se à comparação se acrescenta a conotação de
hipótese, emprega-se a locução como se‖ (cf. ex. b).
b. ―Os meus olhos rompiam a escuridão do horizonte, [como se a luz do sol os
iluminasse].‖
32
Bechara (1994, p.230) atenta para o fato de que ―a comparativa hipotética se
traduz por como se, que também se pode desdobrar em duas orações: Estudou como se
fôsse passar‖.
Rocha Lima (1998, p.280) analisa essa questão da seguinte maneira: ―para a
comparação referida a fato inexistente emprega-se o conglomerado comparativohipotético como se, com o verbo no imperfeito do subjuntivo‖.
Reconhece-se que, nas estruturas oracionais em que a locução COMO SE
aparece, há as ideias de comparação e de hipótese. Entretanto, acredita-se, também, que
a noção de modo pode emergir da relação entre a oração principal e a oração
encabeçada por COMO SE, dentro de um contexto linguístico específico. Por este
motivo, neste trabalho, considera-se esta estrutura como uma oração com noção de
modo.
Um tipo de oração que não se considerava fronteiriça com as modais é analisada
por Bechara (1994). Na verdade, o estudioso utiliza um exemplo que julga ser ambíguo,
pois pode permitir uma interpretação consecutiva ou final. Parece que, além desses dois
matizes, a forma de articulação entre a oração principal e a oração subordinada sugere
que a circunstância de modo possa estar presente (cf. ex. c).
c. ―Chegou cedo ao serviço de maneira que pudesse ser elogiado pelo patrão.‖
(Bechara, 1994, p.232)
Além disso, Bechara (1994, p.233) aponta para o surgimento de uma locução
moderna, que pode ter aparecido por causa da noção de finalidade: ―a idéia de
finalidade é responsável pelo aparecimento da preposição a em locuções modernas do
tipo de modo a que, de maneira a que e semelhantes‖ (cf. ex. d).
d. ―Chegou cedo ao serviço de maneira a que pudesse ser elogiado pelo patrão.‖
Dentre os gramáticos tradicionais estudados, Kury (1987) tece comentários
relevantes para a pesquisa aqui empreendida: o fato de o gerúndio poder exprimir
diversas circunstâncias.
Kury (1987, p.109) apresenta uma seção breve intitulada ―Classificação múltipla
de orações de gerúndio‖, em que faz as seguintes considerações:
33
―Muitas vezes uma oração adverbial reduzida de gerúndio se presta a
mais de uma classificação, e nem sempre é possível fixar-nos numa
delas como sendo a melhor. Deve o professor aceitar a classificação
que revele exame inteligente e compreensivo do texto‖.
Além disso, são identificados dois exemplos em Kury (1987, p.109), que são
analisados por ele como de oração adverbial modal (cf. ex. e e f).
e. ―[Sabendo], ficávamos de alguma maneira sagrados, deificados...‖
f. ―[Proporcionando-me esta oportunidade], mereceste a minha gratidão.‖
Segundo Kury (1987), em e, além de modal, a oração entre colchetes pode ser
interpretada como causal e, em f, como causal ou temporal.
Bechara (1994, p.242) aborda algumas orações reduzidas que não têm estruturas
equivalentes na forma desenvolvida e as denomina ―orações reduzidas fixas‖. Dentre
estas estruturas, estão, de acordo com Bechara (1994, p.243), algumas orações modais:
―entram no rol das reduzidas fixas certas subordinadas modais de gerúndio que não
costumam aparecer com verbos em forma finita: ‗Os povos desenganam-se como as
pessoas: sofrendo, perdendo e pagando‘‖.
1.4. Orações correlatas
A correlação, no âmbito da tradição, não é interpretada como um processo de
composição do período assim como o são a coordenação e a subordinação. Ela aparece
como uma possibilidade formal de orações subordinadas adverbiais e coordenadas
articularem-se com outras orações. Com isso, faz-se necessário dividir o tratamento da
correlação em cada um desses dois tipos de oração.
1.4.1. Correlação nas orações subordinadas adverbiais
Com base na leitura das gramáticas tradicionais, verifica-se que a correlação é
mencionada, na maioria das vezes, no âmbito da subordinação adverbial nas orações
comparativas, consecutivas e proporcionais. Apenas Luft (1978) cita a possibilidade de
existirem conformativas correlatas.
34
No que diz respeito às comparativas, Luft (1978, p.154) afirma que elas podem
apresentar-se nas modalidades simples e correlata. Esta é introduzida por um termo que
está relacionado com outro da oração principal (cf. ex. g).
g. ―Lê mais [do que escreve].‖
Em g, pode-se observar que há um termo da oração principal – ―mais‖ – que se
encontra relacionado com os termos ―do que‖ da oração tida como subordinada
adverbial comparativa.
Cunha & Cintra (1985, p.592) não utilizam o termo ―correlação‖ nas
comparativas. A única observação dos autores que se assemelha ao conceito de
correlação é o fato de que ―o primeiro membro da comparação pode estar oculto: [tal]
qual, [tal] como, etc‖ (cf. ex. h).
h. ―Havia já dous anos que nos não víamos, e eu via-a agora não / qual era, / mas /
qual fora, / quais fôramos ambos, / porque um Ezequias misterioso fizera
recuar o sol até os dias juvenis.‖
Em h, poder-se-ia usar os termos ―tal‖ ou ―tais‖ antes do segundo membro da
comparação, que estão em negrito.
Kury (1987) afirma que pode aparecer uma palavra ou locução correlativa na
oração seguinte à primeira oração comparativa e cita como exemplos ―assim‖ e ―assim
também‖. Além disso, Kury (1987, p.92), ao discorrer sobre as comparativas
quantitativas ou intensivas, afirma que ―a conjunção que introduz a oração comparativa
(que, do que, como, quanto) se acha em correlação com uma palavra intensiva da oração
principal (tão, tanto, mais, ...)‖ (cf. ex. i).
i. ―Sabe-o o leitor tão bem [como eu sei].‖
Bechara (1994, p.162) considera que ―as conjunções comparativas assimilativas
são como ou qual, podendo estar em correlação com assim ou tal, postos na oração
principal, ou ainda aparecer assim como‖. Além disso, o autor, ao abordar as
comparativas quantitativas, menciona que as conjunções estão em correlação com um
advérbio presente na oração principal. Isto ocorre em comparativas de igualdade,
superioridade e inferioridade (cf. ex. j).
35
j. ―Tempos há em que é menos perigoso mentir que dizer verdades.‖ (Bechara,
1994, p.162)
Em j, percebe-se que o advérbio de intensidade ―menos‖ está em correlação com
a conjunção ―que‖, presente na oração comparativa de inferioridade.
Rocha Lima (1998, p.280) destaca a presença de ―fórmulas correlativas‖, que
podem aparecer nas comparativas quantitativas (cf. ex. k).
k. ―O silêncio é mais precioso / que (do que) o ouro.‖
Verifica-se, portanto, que, em k, a fórmula correlativa é ―mais ... que (do que)‖.
No que se refere às consecutivas, Luft (1978, p.155), assim como fez com as
comparativas, atesta a existência de orações simples e correlatas. Estas são
―introduzidas por um que correlacionado com um pronome (adjetivo ou advérbio)
intensivo da oração regente‖. Um exemplo de consecutiva correlata é encontrado em l.
l. ―Trabalhou tanto [que adoeceu].‖
Em l, o ―que‖ está correlacionado com o advérbio ―tanto‖ da oração regente,
segundo Luft (1978).
Cunha & Cintra (1985, p.591) não utilizam o termo ―correlação‖ ao tratar das
consecutivas. No entanto, fornecem exemplos em que se observam pares correlativos
(cf. ex. m).
m. ―Era uma voz tão grave, que metia medo.‖
É possível verificar, em m, que a conjunção ―que‖ está correlacionada com o
advérbio de intensidade ―tão‖.
Kury (1987, p.98) afirma que as consecutivas desenvolvidas podem ocorrer na
forma simples ou na correlata. Em relação à última, assevera que ―mais comuns são as
orações consecutivas encabeçadas pela conjunção que em correlação com um termo
intensivo (tão, tanto, cada, tamanho, etc.) da oração principal‖.
Bechara (1994, p.163), ao exemplificar as consecutivas, não utiliza o termo
―correlação‖, mas faz um comentário que está associado a ele: ―a conjunção consecutiva
é que, que se prende a uma expressão de natureza intensiva como tal, tanto, tão,
tamanho, posta na oração principal‖. O fato de a conjunção consecutiva se prender a um
termo presente na oração principal traduz a ideia de correlação.
36
Rocha Lima (1998, p.281) não menciona consecutivas correlatas, apesar de
fornecer exemplos de tal estrutura (cf. ex. n).
n. ―Ele foi tão generoso / que me deixou pasmado!‖
Em n, a conjunção ―que‖ está correlacionada ao advérbio de intensidade ―tão‖.
No que tange às proporcionais, Luft (1978, p.156) afirma que podem ser simples
ou correlativas. São consideradas proporcionais por Luft (1978, p.156), ―quando há
correlação entre elas e as respectivas principais‖ (cf. ex. o).
o. ―[Quanto mais estuda], (tanto) mais aprende.‖
Note-se que Luft (1978) não explicita qual das duas orações em o é a adverbial
proporcional. Se fosse feita uma analogia às comparativas, poder-se-ia considerar que o
segundo termo da proporção, isto é, a segunda oração, é a proporcional. Entretanto,
tradicionalmente, se classifica a oração subordinada proporcional como a primeira, a
que inicia o processo, ou seja, é o fato de estudar que torna possível alguém aprender.
Acredita-se que, por não ser tão claro o critério adotado por alguns gramáticos
tradicionais para classificar a primeira oração, em vez de a segunda, como subordinada,
nas proporcionais, fica mais evidente a necessidade de se propor a correlação como um
processo sintático de ligação entre orações diferente da coordenação e da subordinação.
A interdependência sintática entre as denominadas tradicionalmente orações principais e
orações subordinadas adverbiais proporcionais é nítida.
Cunha & Cintra (1985, p.593) expõem que as proporcionais são ―orações que
podem estar em correlação com um membro da oração principal‖ e exemplificam isto
com (cf. ex. p):
p. ―Quanto mais o conheço, / mais o admiro.‖
Kury (1987) apresenta dois tipos de orações proporcionais: simples e correlatas.
Nestas, para Kury (1987, p.104), ―o termo intensivo que introduz a oração subordinada
... se acha em correlação com outro que introduz a chamada oração principal...‖ (cf. ex.
q).
q. ―[Quanto mais se agitava], mais preso na rede ficava.‖
Em q, percebe-se que o termo ―quanto mais‖ da oração subordinada
proporcional encontra-se em correlação com o termo ―mais‖ da oração principal.
37
Bechara (1994, p.164) não usa a nomenclatura ―correlação‖, ao abordar as
proporcionais, mas cita alguns exemplos em que se podem encontrar pares correlativos
(cf. ex. r).
r. ―O anão quanto mais alto sobe, mais pequeno se afigura.‖
Percebe-se, em r, que a expressão ―quanto mais‖ da oração subordinada
adverbial proporcional está em correlação com o termo ―mais‖ da oração principal.
Rocha Lima (1998, p.283) indica alguns exemplos de ―expressões correlativas‖
nas proporcionais, como ―quanto mais ... (tanto) mais, quanto menos ... (tanto) menos‖
etc (cf. ex. s).
s. ―Quanto maior a altura, / (tanto) maior o tombo!‖
Em s, a expressão correlativa encontrada é ―quanto maior ... (tanto) maior‖.
No que se refere às conformativas, apenas Luft (1978, p.155) explora a
possibilidade de elas ocorrerem na forma correlata (cf. ex. t).
t. ―[Conforme é o pássaro], assim é o ninho.‖
Em t, verifica-se o par correlativo ―conforme ... assim‖.
1.4.2. Correlação nas orações coordenadas
Assim como nas orações subordinadas adverbiais, a correlação nas orações
coordenadas aparece, nas gramáticas tradicionais, explícita ou implicitamente, como
uma forma de articulação, e não como um procedimento sintático à parte. Mesmo que o
autor não utilize o termo ―correlação‖, na maioria das vezes, ela aparece nas orações
coordenadas aditivas e alternativas.
Luft (1978, p.148), ao classificar as coordenadas, apresenta aditivas e
alternativas correlatas. Nas aditivas, são listados os pares correlativos ―não só ... mas
(também)‖ e ―tanto ... como‖ e, nas alternativas, os pares ―ou ... ou‖ e ―ora ... ora‖.
Cunha & Cintra (1985, p.581) não usam o termo ―correlação‖ no capítulo
referente às coordenadas. Entretanto, são encontrados exemplos de coordenadas aditivas
e alternativas que contêm pares correlativos. Um deles pode ser conferido em u.
38
u. ―Não é chuva, / nem é gente, nem é vento com certeza.‖
Em u, a conjunção ―nem‖ aparece repetida, o que sugere a correlação em
orações tidas como coordenadas aditivas.
Kury (1987, p.66) considera a existência de orações independentes coordenadas
aditivas com correlação e explica que isto significa ―um termo em cada oração‖. Nas
coordenadas alternativas, Kury (1987, p.68) afirma que, com exceção da conjunção
―ou‖, as conjunções alternativas ―sempre ocorrem repetidas‖ e cita como exemplos ―ora
... ora, já ... já, quer ... quer, seja ... seja, etc‖.
Bechara (1994, p.165), ao abordar a classe de palavras ―conjunção‖, ressalta que
―as conjunções coordenativas podem aparecer enfatizadas. Para esta ênfase o idioma se
serve de vários recursos. Assim, a adição pode vir encarecida das expressões do tipo:
não só ... mas (também), não só ... mas (ainda) ...‖. No que se refere às conjunções
alternativas, Bechara (1994, p.166) assegura que ―a alternativa pode ser enfatizada pela
repetição‖ (cf. ex. v).
v. ―Ou estudas ou brincas.‖
Percebe-se, em Bechara (1994), que a correlação em orações coordenadas é vista
como uma forma de dar ênfase ao discurso. Apesar de não utilizar o termo ―correlação‖
nestes casos, observe-se que o gramático mostra que este tipo de estrutura é diferente de
uma coordenação feita sem a repetição de conjunções e isto acarreta uma diferença na
intenção do falante ou do escritor ao produzir um texto.
Em Rocha Lima (1998, p.261), encontra-se um comentário análogo ao de
Bechara (1994). Provavelmente, este se baseou nas ideias daquele: ―para dar mais vigor
à coordenação, valemo-nos de uma fórmula correlativa (não só ... mas também; não só
... mas ainda; não só ... senão também; não só ... senão que)‖.
Nota-se que Rocha Lima (1998) usa o termo ―fórmula correlativa‖, enquanto
que Bechara (1994) utiliza ―conjunções repetidas, enfatizadas‖. Por outro lado, ambos
reconhecem que uma estrutura tida como coordenada, ao ocorrer com conjunções
repetidas, correlativas ―dá mais vigor, enfatiza‖ o discurso.
A seguir, incluem-se algumas considerações acerca das orações coordenadas em
que não há a presença da correlação, de acordo com Kury (1987) e Bechara (1994).
39
1.5. Orações coordenadas
Na tradição gramatical, as coordenadas são classificadas em aditivas,
adversativas, alternativas, conclusivas e explicativas. Na maioria das vezes, só são
mencionadas as coordenadas desenvolvidas, sejam na forma simples, sejam na forma
correlata. Os únicos autores tradicionais consultados que incluem as coordenadas
reduzidas em suas análises são Kury (1987) e Bechara (1994). Ambos baseiam-se em
Said Ali (1969)5.
Segundo Said Ali (1969, p.147), existem orações coordenadas reduzidas de
gerúndio: ―se o acontecimento ocorrido em primeiro lugar for enunciado por uma
oração explícita, o gerúndio, denotando fato imediato, equivalerá a uma oração
coordenada iniciada pela conjunção e: Recebeu a jóia, entregando-a [= e entregou-a]
depois à esposa‖.
Percebe-se, portanto, que o gerúndio pode caracterizar uma oração coordenada
aditiva quando há uma sequencialidade, ou seja, quando o fato expresso na oração
reduzida de gerúndio ocorre depois do fato expresso na oração desenvolvida que a
antecede.
Bechara (1994, p.236) e Bechara (MGP:290; apud Kury (1987, p.67) apresentam
um exemplo de coordenada reduzida de infinitivo, em que o verbo é precedido pela
preposição SOBRE (cf. ex. w).
w. ―... as toucas e lencinhos ..., sobre não serem enfeites mui sedutores, algumas
vezes tornam a virtude rançosa...‖
5
Apesar de muitos autores não abordarem orações coordenadas (cláusulas paratáticas) reduzidas de
gerúndio (não-finitas), nesta tese, analisam-se como tal estruturas oracionais que indicam sequência de
eventos por meio de verbo no gerúndio. Estas estruturas poderiam também ser interpretadas como ―falsas
coordenadas‖.
40
2.
PROCESSOS SINTÁTICOS: OUTRAS ABORDAGENS
Em 1, apresentaram-se alguns pressupostos das gramáticas tradicionais relativos
aos processos sintáticos de articulação de orações nos períodos. Neste capítulo, estes
mecanismos sintáticos serão abordados com base em estudos de pesquisadores que
adotam perspectivas distintas da tradicional. São eles: Oiticica (1952), Moura Neves
(2000), Azeredo (2008) e Castilho (2010).
Oiticica (1952) destaca-se dentre estes por ser o primeiro autor a conferir à
correlação o estatuto de processo sintático distinto da coordenação e da subordinação.
A organização deste capítulo se assemelha à de 1, isto é, abordam-se as orações
subordinadas substantivas, as orações subordinadas adjetivas, as orações subordinadas
adverbiais, as orações correlatas e as orações coordenadas, respectivamente.
2.1. Orações subordinadas substantivas
Novamente, a diferença entre os autores anteriormente citados e os gramáticos
reside nas definições dessas estruturas e no tratamento dado a elas.
Moura Neves (2000, p.335) conceitua as orações substantivas como ―encaixadas
ou integradas em uma outra oração, considerada matriz, ou principal, na denominação
tradicional‖. Observa-se que termos como ―encaixadas‖ e ―integradas‖ não costumam
aparecer em gramáticas tradicionais. Estes termos já apontam para uma distinção que se
pode fazer entre tipos de orações subordinadas, pois existem as encaixadas –
substantivas e adjetivas restritivas, as que envolvem adjunção a um sintagma nominal –
adjetivas explicativas – e as que envolvem adjunção a um sintagma verbal ou a uma
oração como um todo – as adverbiais.
Azeredo (2008, p.310) afirma que as orações substantivas são ―sintagmas
nominais resultantes de transposição de uma oração‖. Segundo o autor, transposição é
―o processo pelo qual se formam sintagmas derivados de outras unidades, as quais
podem ser sintagmas básicos ou orações‖ (cf. Azeredo, 2008, p.296). Em x, tem-se um
exemplo disto:
x. ―Ela descobriu que os bem-te-vis faziam o ninho na amendoeira.‖ (Azeredo,
2008, p.297)
41
A oração, para o autor, é ―os bem-te-vis faziam o ninho na amendoeira‖; o
transpositor é a conjunção integrante ou nominalizador ―que‖, cuja função é formar o
sintagma nominal ―que os bem-te-vis faziam o ninho na amendoeira‖. Percebe-se,
portanto, que esta abordagem é bem diferente da tradicional. O intuito da proposta de
Azeredo (2008) é tornar claro o fato de que, por exemplo, as orações substantivas têm
valor de sintagma nominal.
Quanto às formas de articulação deste tipo de oração, um comentário de Moura
Neves (2000, p.334-335) merece destaque por contemplar a noção de modo contida no
item COMO: ―Quanto ao modo de conexão, as orações substantivas ... vêm
justapostas, iniciando-se por palavras interrogativas ou exclamativas...‖. Um dos
exemplos fornecidos pela autora é y.
y. ―Diz COMO aconteceu a desgraça.‖
Em y, emprega-se a palavra interrogativa COMO, que possui intrinsecamente o
valor de modo.
Azeredo (2008, p.311-312) observa que as orações substantivas desenvolvidas
podem ser ―introduzidas por pronomes indefinidos ou advérbios interrogativos‖ e
fornece exemplos de orações subjetivas (cf. ex. z) e objetivas diretas (cf. ex. aa).
z. ―Ainda não foi definido quantas cidades o governador vai visitar.‖
aa. ―Eles não revelaram onde o presidente passou o fim de semana.‖
Apesar de, em z e em aa, não ser identificada a circunstância de modo, os
comentários do autor levam à interpretação de que exemplos de orações subordinadas
substantivas introduzidas pelo advérbio interrogativo COMO contêm orações
desenvolvidas. Nota-se, dessa forma, uma diferença entre o tratamento dado às
substantivas por Azeredo (2008) e por Moura Neves (2000). Esta, como verificado no
exemplo y, interpreta orações deste tipo como justapostas; aquele como substantivas
desenvolvidas.
Castilho (2010, p.356) atenta para o fato de que no latim vulgar, ―várias
conjunções ligavam as substantivas às matrizes (quod, quid, quia, quomodo)‖. Assim,
verifica-se que a conjunção do latim vulgar que deu origem a COMO – quomodo – era
42
utilizada nas orações substantivas. Percebe-se, então, que o valor de modo já podia ser
expresso por este tipo de estrutura.
Castilho (2010), ao citar as orações substantivas completivas nominais, afirma
que estas podem estar encaixadas em substantivos deverbais. Gonçalves / Souza /
Galvão (2008, p.1068 apud Castilho, 2010, p.358) mencionam algumas expressões
nominais em que as orações substantivas podem se encaixar e, entre elas, são
encontradas as ―de modo / maneira (jeito, modo, maneira, forma)‖.
2.2. Orações subordinadas adjetivas
Em relação às orações subordinadas adjetivas, destacam-se considerações a
respeito dos pronomes relativos, advérbios relativos e conteúdos circunstanciais.
Moura Neves (2000), no âmbito da classe de pronomes relativos, propõe uma
subtipologização quanto ao tipo de elemento a que esses pronomes podem se referir. A
autora cita, por exemplo, pronomes relativos que podem se referir tanto a pessoas
quanto a coisas; pronomes que se referem apenas a pessoas e os que nunca se referem a
pessoas. Dentro do último grupo, tem-se o pronome COMO, que indica a circunstância
de modo. Moura Neves (2000, p.372-373) apresenta exemplos em que COMO ocorre
com um antecedente que também veicula a noção de modo (cf. ex. bb) e sem
antecedente, equivalendo a ―o modo como‖, ―a maneira como‖, ―a forma como‖ (cf. ex.
cc).
bb. ―Os que a conheciam apreciavam a maneira COMO [da qual maneira] ela
cuidava da casa e criava os filhos, os de sangue e os recolhidos: mulher como se
requeria para um tal marido.‖
cc. ―Foi no automóvel do Gusmão, um dos que escaparam as agressões e ao qual eu
habitualmente servia como bagageiro ou como auxiliar de choferagem, onde vi
COMO se conduz e COMO se manobra um carro.‖
Em bb, é encontrado o antecedente ―maneira‖ ao qual se refere o pronome
relativo COMO e, em cc, para Moura Neves (2000, p.373), ocorrem duas orações
adjetivas introduzidas pelo pronome relativo COMO. Neste trabalho, as orações
encabeçadas pelo item COMO do exemplo cc serão interpretadas como substantivas,
pois estão encaixadas ao verbo ―vi‖, funcionando como objetos diretos.
43
Moura Neves (2000, p.373) também enfatiza a propriedade de o pronome
relativo QUE retomar um antecedente com valor de modo (cf. ex. dd).
dd. ―Este estudo apóia nossa crença de que a natureza nos criou da forma QUE
somos e não há nenhum motivo para consertar nada porque nada está quebrado,
afirmou Robert Bray, porta-voz da Força Tarefa de Gays e lésbicas em
Washington.‖
Em dd, tem-se como antecedente do pronome relativo QUE o substantivo
―forma‖.
Moura Neves (2000, p.373) aborda a função dos pronomes relativos, dividindoos em nucleares e periféricos. Os nucleares são ―aqueles elementos que por si próprios
constituem o núcleo de um sintagma com a mesma distribuição de um sintagma
nominal‖. Como exemplos, a autora menciona ―QUE, QUEM, ONDE e COMO‖.
Moura Neves (2000), ao comentar as preposições que antecedem o pronome
relativo, afirma que a preposição COM ―usualmente introduz adjuntos de modo‖. Esta
constatação é relevante para este estudo, pois são abordadas aqui as orações que podem
expressar a circunstância de modo no português.
Azeredo (2008, p.297) define pronomes relativos como aqueles que ―introduzem
orações que funcionam como sintagmas adjetivais‖. Veja-se o exemplo ee:
ee. ―Ainda não usei os sapatos que comprei no Natal.‖
Segundo o autor, a oração subordinada adjetiva é ―comprei no Natal‖ e o
sintagma adjetival é ―que comprei no Natal‖, em que o pronome relativo ―que‖ funciona
como um transpositor.
Azeredo (2008, p.317-318) apresenta as funções sintáticas que o pronome
relativo pode desempenhar. Entre elas, tem-se a de adjunto adverbial (cf. ex. ff).
ff. ―Ficamos revoltados com o modo como ele nos tratou. (como = o modo)‖
Em ff, o pronome relativo COMO exerce a função sintática de adjunto adverbial
de modo.
Além de pronome relativo, uma nomenclatura utilizada por Azeredo (2008,
p.198) é a de advérbio relativo: ―assim se classificam os advérbios onde, como e quando
44
sempre que atuam com as propriedades anafóricas e conectivas do pronome relativo‖
(cf. ex. gg).
gg. ―Pelo jeito como a locomotiva entrou na estação, já podia se pressentir a
decepção e, o que é pior, o caos.‖
Em gg, o advérbio relativo COMO retoma o antecedente ―jeito‖ e exerce, na
oração em que se encontra, a função sintática de adjunto adverbial de modo.
Castilho (2010, p.366) afirma que os pronomes relativos formam uma classe
fechada e cita como exemplos ―que, qual, cujo, quanto, onde‖. Nota-se, portanto, que o
item COMO não figura na lista dos pronomes relativos de Castilho (2010) e não aparece
nos exemplos de orações adjetivas fornecidos pelo linguista.
Um aspecto referente às orações adjetivas apontado por Azeredo (2008) e por
Castilho (2010) merece realce: o fato de estas estruturas poderem veicular uma
circunstância. Este aspecto é importante, visto que, nesta tese, uma das estruturas
consideradas passíveis de expressar a noção de modo é a oração subordinada adjetiva.
Azeredo (2008, p.321) assevera que ―as orações adjetivas podem apresentar
cumulativamente um conteúdo circunstancial de causa, concessão, condição, finalidade,
resultado‖. Castilho (2010, p.371) fornece exemplos de orações adjetivas que possuem
os conteúdos circunstanciais de finalidade e de causalidade.
2.3. Orações subordinadas adverbiais
Nesta seção, destacam-se as abordagens de Moura Neves (2000), Azeredo
(2008) e Castilho (2010) acerca das orações subordinadas adverbiais que se vinculam ao
intuito principal desta tese: descrever estruturas que, de alguma forma, veiculam o
conteúdo semântico de modo.
O primeiro aspecto a ser ressaltado é o valor negativo ou de exclusão que
algumas estruturas expressam. Os autores que contemplam este aspecto são Moura
Neves (2000) e Azeredo (2008).
Moura Neves (2000, p.291) considera que ―o elemento SEM inicia sintagma de
valor negativo obtido pelo significado de privação ou exclusão que esse elemento tem‖
e apresenta o exemplo mostrado aqui como hh.
45
hh. ―Ao vê-los, Abelardo fecha a cara e se retira SEM se despedir de ninguém.‖
Em hh, verifica-se que a oração ―sem se despedir de ninguém‖, além de possuir
o valor negativo, expressa a circunstância de modo. Um exemplo como hh, para a
pesquisa realizada aqui, seria incluso no rol das orações subordinadas adverbiais modais
(cláusulas hipotáticas com noção de modo).
Moura Neves (2000, p.292) ainda afirma que essas orações ―constituem a
contraparte negativa das orações de gerúndio‖ (cf. ex. hh’).
hh’6. ―Ao vê-los, Abelardo fecha a cara e se retira não se despedindo de ninguém.‖
Parece que o emprego do gerúndio reforça o fato de a oração analisada pela
autora veicular a noção de modo.
Azeredo (2008, p.333), em um dos grupos semânticos estabelecidos para as
orações adverbiais – o que envolve a relação de contraste, estabelece uma ―variante das
estruturas adversativas – por meio da conjunção sem que seguida de oração no modo
subjuntivo ou da preposição sem seguida de infinitivo, ambas de valor necessariamente
negativo‖. O autor fornece os seguintes exemplos (cf. ex. ii e jj) desse caso:
ii. ―Ele saiu da sala sem que dissesse uma única palavra.‖
jj. ―Ele saiu da sala sem dizer uma palavra.‖
De forma semelhante ao exemplo hh, apresentado por Moura Neves (2000,
p.291), os exemplos ii e jj, além do valor negativo, expressam a circunstância de modo.
Estes exemplos também são analisados, nesta tese, como orações subordinadas
adverbiais modais.
Uma locução conjuntiva que é analisada como introdutora de orações
subordinadas adverbiais aqui e que não tem um tratamento consensual entre os autores
não-tradicionais consultados é COMO SE.
Tanto para Moura Neves (2000) quanto para Castilho (2010), esta locução
conjuntiva encabeça orações que exprimem os valores de condição e comparação.
6
Todas as reescrituras de exemplos, nesta tese, são indicadas por letras acompanhadas de aspas simples.
46
Segundo Moura Neves (2000, p.847), ―a condição pode, ainda, vir expressa
dentro de uma comparação. Nesse caso coexistem a conjunção comparativa COMO e a
conjunção condicional SE‖ (cf. ex. kk).
kk. ―Como SE tivesse mudado de idéia, apertou a campainha.‖
A locução COMO SE, encontrada em kk, pode, em alguns casos, expressar
também a circunstância de modo, como ocorre em ll.
Segundo Castilho (2010, p.376), ―as condicionais se combinam com sentenças
causais e comparativas‖ (cf. ex. ll).
ll. ―Correu como se tivesse medo.‖
A oração encabeçada por COMO SE em ll estabelece uma relação de modo com
a oração que a antecede.
Azeredo (2008, p.338) apresenta uma abordagem um pouco diferente das dos
autores anteriormente citados. Esta abordagem ratifica a noção de modo presente em
orações introduzidas pela locução COMO SE: ―um tipo especial de comparação modal é
a que se expressa mediante a conjunção composta como se, seguida de verbo no
pretérito (imperfeito ou mais-que-perfeito) do subjuntivo (comparação hipotética)‖ (cf.
ex. mm).
mm.―O santo falava aos pássaros como se estes o entendessem.‖
Percebe-se que Azeredo (2008) não desconsidera a combinação de comparação e
condição, o que é comprovado pelo uso da expressão ―comparação hipotética‖.
Entretanto, inclui exemplos que contêm orações introduzidas por COMO SE em um
tipo de comparação modal. Isto comprova que a ideia de modo também está presente
em estruturas como estas.
Conforme se viu, Azeredo (2008) menciona a combinação de comparação e
modo. A mescla destas circunstâncias também pode ser verificada em orações
encabeçadas por locuções do tipo DO MESMO MODO QUE. Os estudiosos que
analisam orações com esta locuções são Moura Neves (2000) e Azeredo (2008).
47
Moura Neves (2000, p.900) estuda construções comparativas não-correlativas e
cita como exemplo de ―locução conjuntiva indicadora de comparação de igualdade‖ DO
MESMO MODO QUE (cf. ex. nn).
nn.―Tiãozinho, no entanto, tinha amizade pelo porquinho, DO MESMO MODO QUE
Tico apreciava o Fumaça.‖
Outro tipo de estrutura comparativa analisado por Moura Neves (2000, p.905) é
o que envolve ―comparação entre sintagmas ... estabelecida por TAL QUAL‖ (cf. ex.
oo).
oo. ―Morto por um valentão, [ele] TAL QUAL eu daqui a pouco.
=
[ele]
DO MESMO MODO QUE
eu‖
Azeredo (2008, p.339) afirma que ―algumas vezes, a comparação assimilativa é
expressa por meio das locuções da mesma forma que e tanto quanto‖ (cf. ex. pp).
pp. ―Da mesma forma que se acabou com a escravidão por motivos econômicos,
vamos ter de acabar com a ignorância para sobreviver numa economia globalizada e
cada vez mais competitiva.‖
Além das comparativas, outras orações subordinadas adverbiais que podem ter
um matiz modal são a final e a consecutiva. Aquela é abordada por Moura Neves (2000)
e Azeredo (2008) e esta por Moura Neves (2000).
De acordo com Moura Neves (2000, p.886), ―também indicam finalidade, com
algum matiz modal, as construções com as locuções DE MODO QUE, DE MANEIRA
QUE‖ (cf. ex. qq).
qq. ―Vamos mobilizar o povo para o desenvolvimento, DE MODO QUE ele tenha
plena consciência da sua missão.‖
Pode-se compreender que, em qq, a mobilização do povo para o
desenvolvimento tem como finalidade permitir que ele tenha plena consciência da sua
48
missão. Além disso, o modo como a mobilização será feita é um fator crucial para que o
objetivo que se tem seja alcançado.
Azeredo (2008, p.329) sugere que estruturas que expressam a circunstância de
finalidade podem ter um matiz modal. Entretanto, este uso não é tão frequente: ―O uso
de conjunções finais (para que, a fim de que, de maneira que, de molde a que) é bem
menos frequente‖. Entre as conjunções finais, Azeredo (2008) cita DE MANEIRA
QUE, o que pode levar à interpretação de que estruturas finais indiquem
concomitantemente a noção de modo.
No que tange às orações consecutivas, Moura Neves (2000, p.914) aborda as que
ocorrem sem antecedente e destaca que ―são construções que têm a oração consecutiva
iniciada pelo que tradicionalmente se denomina locuções conjuntivas consecutivas: DE
(TAL) MODO QUE, DE (TAL) MANEIRA QUE, DE (TAL) SORTE QUE, A TAL
PONTO QUE‖ (cf. ex. rr).
rr. ―O Daily News sugere que se mude o calendário DE MANEIRA QUE todos os
feriados caiam eternamente nos mesmos dias da semana.‖
Em rr, a ideia de modo estaria presente apenas na palavra MANEIRA. Parece
que o mais adequado seja considerar estruturas semelhantes à de rr como
exclusivamente consecutivas.
Moura Neves (2000, p.914-915) ainda apresenta outra forma de construção das
consecutivas do tipo não-correlativo (cf. ex. ss).
ss. ―Estremecia a cabeça e, revirando os olhos, que o marido a deixou por uma negra, e
negra horrorosa era aquela! DE MANEIRA QUE nada valia ser bonita.‖
Para ela, esta estrutura ocorre de modo independente. Nota-se que a oração
encabeçada por DE MANEIRA QUE aparece em um período separado do anterior por
meio de um ponto de exclamação.
Em relação à forma nominal ―gerúndio‖, Azeredo (2008) e Castilho (2010)
atentam para o fato de que ela pode ter valores circunstanciais diversos.
Azeredo (2008, p.346) comenta que ―o gerúndio que denota fato posterior ao do
verbo usado em forma finita tende a exprimir adição, conclusão e consequência,
frequentemente mesclando estas noções‖. Além disso, outras circunstâncias veiculadas
pelo gerúndio são apontadas pelo autor: tempo, condição, causa, meio e modo.
49
Castilho (2010, p.382) observa que ―as gerundiais adverbiais exploraram os
valores típicos do caso ablativo, que tinha ‗como função básica exprimir o complemento
de meio, de instrumento e de modo, que se mantém nas línguas românicas‘ (Maurer Jr.,
1959, p.188)‖.
Verifica-se, pelas constatações de Azeredo (2008) e de Castilho (2010), que o
gerúndio pode indicar diferentes noções e, nesta pesquisa, são apresentados dois tipos
de estrutura em que o gerúndio expressa o conteúdo de modo – as orações subordinadas
adverbiais modais e as orações coordenadas reduzidas7.
Moura Neves (2000, p.929) afirma que ―não é muito usual a expressão da
relação adverbial modal por meio de uma oração‖. Provavelmente, a autora conclui isto
por desconsiderar a existência de tais orações introduzidas por gerúndio, que foi a forma
mais frequente observada na análise dos corpora, neste trabalho.
Uma estudiosa que também verificou isto foi Braga (2002, p.241), que apresenta
diferentes relações semânticas que as orações reduzidas de gerúndio podem codificar:
―aditivas, adjetivas, causais, concessivas, condicionais, conseqüenciais, modais,
temporais e temporais-condicionais‖. A autora fornece um exemplo de oração reduzida
de gerúndio que expressa a relação de modo (cf. ex. tt).
tt. ―A exploração principal é aquela palpatória, é a que se faz palpando a mama.‖
Em tt, a oração destacada explica o modo como se faz a exploração palpatória.
Braga (2002, p.242) ainda atenta para o fato de que orações reduzidas de
gerúndio apresentam ambiguidade e fornece exemplos em que isto pode ser verificado
(cf. ex. uu e vv).
uu. ―Loc: e quando as gêmeas nasceram ... eu ... me afastei do serviço.
Loc 2: ahn, ahn
Loc 1: eu trabalhava no Serviço Social do Estado
Loc 2: uhn
Loc 1: fazendo parte da campanha de repressão à mendicância do governo
Carvalho Pinto‖
vv. ―Doc: mas vocês conseguem manter assim uma regularidade de alimentação assim
... horários fixos ... trabalhando fora ... porque é um problema né?, quando a gente
trabalha fora.‖
7
Vale lembrar que as coordenadas reduzidas não são abordadas por grande parte dos autores consultados
para esta tese.
50
De acordo com Braga (2002, p.242), em uu, a oração em destaque pode ter uma
―leitura aditiva ou modal‖ e, em vv, a oração em itálico pode ter uma leitura
―concessiva, ou modal ou temporal‖.
Ainda, segundo Braga (2002, p.243), diferentemente de Moura Neves (2000), a
relação de modo ―tende a ser transmitida quase categoricamente por meio de orações
reduzidas‖.
Para reforçar o pensamento de que orações reduzidas de gerúndio podem
expressar a relação de modo, apresenta-se a seguir outro exemplo, desta vez, fornecido
por Braga (2007, p.182) – cf. ex. ww.
ww. ―Entre 18h30 e 19h30 a dentista prefere ir à Tijuca usando o Jardim Botâncio,
apesar da distância maior, para evitar os engarrafamentos.‖
Observa-se que, em ww, o verbo ―usando‖ inicia uma oração com noção de
modo, pois explica a maneira como a dentista prefere ir à Tijuca.
Como fora comentado anteriormente, Moura Neves (2000) não considera a
existência de orações modais reduzidas de gerúndio. As formas de articulação
apresentadas pela pesquisadora são desenvolvidas com SEM QUE (cf. ex. xx) e COMO
(yy) e com verbo no infinitivo precedido da preposição SEM (zz).
xx. ―Contudo, esse crescimento se realizava SEM QUE houvesse modificações
sensíveis na estrutura do sistema econômico.‖
yy. ―Se continuarei a ‗enganar‘ Carlos, como o fiz nesse primeiro momento de
‗reencontro‘ carnal, não sei.‖
zz. ―O jovem tentou respirar SEM fazer ruído.‖
Note-se que os exemplos xx e zz, além de expressarem o conteúdo de modo,
possuem um valor negativo, de exclusão (cf. exemplo semelhante, em hh).
Segundo Moura Neves (2000, p.929), o exemplo apresentado aqui como yy
―conserva um matiz conformativo‖.
Azeredo (2008) faz uma abordagem semântica das orações subordinadas
adverbiais. O autor propõe quatro grupos que envolvem relações diferentes, a saber: de
causalidade – causa, condição, consequência e finalidade -, de temporalidade – tempo e
proporção -, de contraste – adversidade e concessividade – e de modo / comparação.
51
A relação de contraste já foi vista anteriormente (cf. ex. ii e jj) e nesta Azeredo
(2008) fornece exemplos que também possuem a noção de modo.
Ao estabelecer a relação de modo / comparação, Azeredo (2008, p.336) explica
os processos de ―qualificação‖ e ―quantificação‖ e assevera que ―a ‗qualificação‘
apresenta uma subdivisão de sentidos: meio ..., instrumento ..., medida ..., companhia ...,
frequência ..., modo‖.
Para Azeredo (2008, p.337), ―a ‗qualificação‘ e a ‗quantificação‘ também podem
ser construídas a partir de matrizes proposicionais, dando origem a ‗orações
subordinadas‘ adverbiais modais e comparativas‖. O autor analisa a expressão verbal da
qualificação de base não comparativa e, sem utilizar, neste momento, a nomenclatura
―adverbial modal‖, cita exemplos do que poderia ser considerada tal estrutura por meio
de: gerúndio (cf. ex. aa‖), SEM + infinitivo (cf. ex. bb‖) e SEM QUE (cf. ex. cc‖).
aa‖. ―Enriqueceu comercializando antiguidades.‖
bb‖. ―Saiu sem se despedir.‖
cc‖. ―Prendeu os assaltantes sem que desse um só tiro.‖
Azeredo (2008) também destaca a noção de modo em um dos tipos propostos
por ele de comparação – a comparação modal. Segundo o estudioso (2008, p.338), ―o
instrumento sintático típico da comparação modal é a conjunção como (cf. ex. dd‖).
dd‖. ―Ela nadava como um peixe.‖
Dessa forma, verifica-se que, em dd‖, há concomitantemente as relações de
comparação e de modo. Pelo fato de os dois membros da comparação estarem explícitos
e o que está sendo comparado é o mesmo tipo de ação – ―nadar‖, parece mais
apropriado analisar o exemplo dd‖ exclusivamente como comparativa. Se for
considerada a noção de modo, provavelmente, a maioria dos casos de orações
comparativas poder-se-ia incluir no rol das modais.
Um caso especial de comparação modal tratado por Azeredo (2008) é o expresso
por COMO SE, que já foi mostrado neste trabalho (cf. ex. mm).
De acordo com Castilho (2010, p.371), oração modal é sinônimo de oração
conformativa (cf. ex. ee‖).
52
ee‖. ―Maria falou alto, como costumava fazer.‖
O exemplo ee‖ assemelha-se ao exemplo yy, fornecido por Moura Neves (2000).
De fato, os dois exemplos veiculam as circunstâncias de modo e de conformidade ao
mesmo tempo. Entretanto, ao colocar as modais como sinônimo das conformativas,
Castilho (2010) desconsidera estruturas que expressam a noção de modo e que se
articulam por meio de gerúndio, SEM seguido de verbo no infinitivo e SEM QUE;
estruturas estas que, de forma alguma, podem indicar a ideia de conformidade.
2.4. Orações correlatas
No que concerne às orações que envolvem correlação, é possível dividir os
autores não-tradicionais em dois grupos: o primeiro, constituído pelos que incluem a
correlação em um processo sintático distinto da coordenação e da subordinação –
Oiticica (1952) e Castilho (2010) – e o segundo, constituído pelos que diluem a
correlação nos processos sintáticos de subordinação e coordenação – Moura Neves
(2000) e Azeredo (2008).
No que tange ao primeiro grupo, verifica-se que Castilho (2010) retoma as ideias
de Oiticica (1952) e de Módolo (2008). Acredita-se que a análise das estruturas
correlatas deve se iniciar por Oiticica (1952), já que ele foi o primeiro estudioso a
defender explicitamente esse ponto de vista.
A seguinte constatação apresentada por Oiticica (1952, p.13) deixa bem clara a
posição deste autor:
―Já em sua Evolução da análise sintática portuguêsa, expunha a
professôra fluminense Jacira de Mello, separando as fases evolutivas
da análise sintática, o seguinte: ‗O quarto grupo tem um só
representante, o professor José Oiticica. Êste reconhece quatro tipos
de estrutura do período: coordenação, subordinação, correlação e
justaposição...‘‖
Portanto, Oiticica (1952) propõe que determinadas estruturas, em vez de serem
denominadas coordenadas ou subordinadas, por envolverem correlação, sejam
classificadas como orações correlatas.
53
Por alguns exemplos fornecidos pelo autor, observa-se que as orações correlatas
podem ser aditivas, comparativas e consecutivas.
Em relação às orações correlatas aditivas, Oiticica (1952, p.20) apresenta o
seguinte exemplo (cf. ex. ff‖).
ff‖. ―Não sòmente Marilda socorreu a pobre família, mas também adotou as duas
órfãs.‖
Em ff‖, nota-se que há um par correlativo – ―não somente ... mas também‖ -, que
contribui para expressar a relação de adição. Oiticica (1952, p.21) observa que ―Quando
inicio a primeira oração por não sòmente (denotativo negativo de restrição), sou
forçado a iniciar a segunda pela expressão mas também (ou outra equivalente: mas
ainda, ..., como também, etc.)‖.
Oiticica (1952, p.24) acrescenta que há uma diferença semântica entre
coordenação e correlação: ―Note-se o valor de encarecimento expresso por essas
correlações e que desaparece com a coordenação‖.
Em relação às orações correlatas comparativas, Oiticica (1952) reconhece a
existência da comparação de igualdade que se refere à qualidade (cf. ex. gg‖) e à
intensidade (cf. ex. hh‖).
gg‖. ―Tal fôra o pai, tal é o filho.‖
hh‖. ―Tanto tocava um, tanto dançava o outro.‖
Em gg‖, a(s) qualidade(s) que existiu(ram) no pai, atualmente é(são)
percebida(s) no filho. Em hh‖, a intensidade de tocar de um assemelha-se à intensidade
de dançar de outro.
Além das orações correlatas comparativas de igualdade referentes à qualidade e
à intensidade, Oiticica (1952) também aborda as orações correlatas comparativas de
igualdade, modal (cf. ex. ii‖).
ii‖. ―Assim ditava o mestre, assim escrevia o discípulo.‖
Segundo Oiticica (1952, p.32), em exemplos como ii‖, a comparação é ―feita
entre os modos pelos quais se opera ou realiza o fato‖.
54
Ainda na comparação, Oiticica (1952, p.34) mostra alguns exemplos de orações
correlatas que envolvem a comparação de superioridade (cf. ex. jj‖).
jj‖. ―César lê mais, que escreve.‖
Para reforçar o argumento de que, em jj‖, há correlação, e não subordinação,
Oiticica (1952, p.35) destaca:
―Impossível prender a segunda oração diretamente a algum verbo
como ocorre na subordinação das substantivas e adverbiais, ou a um
substantivo qual sucede com as adjetivas. A segunda oração apoia-se
exclusivamente no intensivo mais. A conjunção é, sabidamente,
correlativa‖.
Em relação às orações correlatas consecutivas, Oiticica (1952) mostra alguns
exemplos que merecem ser comentados (cf. ex. kk‖, ll‖ e mm‖).
kk‖. ―Tanto o animei, que êle publicou o trabalho.‖ (p.40)
ll‖. Eles falavam de maneira tal, que ninguém os entendia.‖ (p.46)
mm‖. ―Eles falavam de maneira que ninguém os entendia.‖ (p.47)
Em kk‖, Oiticica (1952, p.41) considera que ―a conseqüência resulta de uma
ênfase referida ao fato causador. Essa ênfase, sempre constante, encarna-se numa
palavra intensiva (tão, tanto, tal)‖.
Em ll‖, Oiticica (1952, p.46) afirma que ―a correlação está bem clara‖ e que ―de
maneira tal é o adjunto adverbial de modo‖.
Em mm‖, segundo Oiticica (1952, p.47), o intensivo ―tal‖ não está explícito,
mas, ainda assim, trata-se de uma estrutura correlata. Esta ideia difere do que
comumente é encontrado em gramáticas tradicionais e não-tradicionais: ―Não
percebendo isso e desconhecendo a autonomia das correlatas, fizeram os gramáticos
uma locução conjuntiva de modo que, de maneira que, de forma que, etc‖ (Oiticica,
1952, p.47).
Oiticica (1952, p.49) também contempla os casos de correlação em que é
empregada uma preposição no segundo membro seguido de verbo no infinitivo: ―de
55
modo a, de maneira a, de molde a, de forma a, etc‖. Para o autor (1952, p.50), o uso
comum desses itens deve-se ao ―absoluto desamparo oficial à língua padrão‖.
Oiticica (1952, p.53) apresenta alguns exemplos retirados dos Lusíadas, de
Camões, em que ocorre uma comparação modal (cf. ex. nn‖, oo‖ e pp‖).
nn‖. ―Bem como entre os mancebos recolhidos em Canúsia ... destarte a gente força e
esforça Nuno.‖
oo‖. ―Mas, qual no mês de maio o bravo touro ... destarte Afonso súbito mostrado ...‖
pp‖. ―Assim como a seu pai acontecera
Quando tomou Lisboa, da mesma arte,
Do Germano ajudado, Silves toma.‖
Em nn‖, o par correlativo é ―bem como ... destarte‖; em oo‖, é ―qual ... destarte‖
e, em pp‖, é ―assim como ... da mesma arte‖.
De fato, nos três exemplos citados anteriormente, percebe-se que as noções de
comparação e de modo coexistem.
Além de Oiticica (1952), Castilho (2010) também estuda a correlação,
analisando-a como um processo sintático distinto da coordenação e da subordinação.
Castilho (2010, p.386) fornece o seguinte exemplo (cf. ex. qq‖).
qq‖. ―Fazemos saber que o aluno não somente estuda como também aprende.‖
De acordo com Castilho (2010, p.386), ―a conjunção se desdobrou em duas
expressões, atirando uma para a primeira sentença e outra para a segunda‖ e ―essas
sentenças não são, portanto, ligadas por coordenação nem por subordinação, e sim por
correlação‖.
Castilho (2010, p.387) retoma Oiticica (1952) e apresenta o que este autor inclui
na correlação: correlação aditiva, correlação comparativa e correlação consecutiva.
Estas estruturas foram observadas anteriormente. Além disso, Castilho (2010) afirma
que Oiticica (1952), em uma pesquisa posterior, acrescenta à correlação a estrutura
alternativa (cf. ex. rr‖).
rr‖. ―Você ou estuda ou trabalha, as duas coisas ao mesmo tempo serão muito difíceis.‖
(Castilho, 2010, p.386)
56
Constata-se que, em rr‖, o par correlativo é ―ou ... ou‖.
Módolo (2008; apud Castilho, 2010, p.388-390), de forma semelhante a Oiticica
(1952) divide as estruturas correlatas em aditivas, alternativas, comparativas e
consecutivas.
Módolo (2008, p.1094; apud Castilho, 2010, p.388) enumera algumas
conjunções correlatas aditivas, entre elas ―não só ... como, não somente ... como, não
somente ... mas também e não somente ... como também‖. Um uso em língua falada da
correlação aditiva que envolve o par ―não somente ... mas também‖ foi encontrado por
Módolo (2008; apud Castilho, 2010, p.388), que vincula a correlação ao discurso: ―as
correlatas são favorecidas pelo discurso argumentativo‖.
Entre as expressões encontradas em correlatas alternativas, Castilho (2010,
p.388) cita ―ou ... ou, ora ... ora, seja ... seja, quer ... quer‖.
Segundo Módolo (2008, p.1096; apud Castilho, 2010, p.389), ―a comparação
correlativa pode manifestar-se estabelecendo uma igualdade (tanto ... quanto), uma
superioridade (mais ... que ou do que), uma inferioridade (menos ... que ou do que) entre
duas realidades ou conceitos‖.
No que tange às orações correlatas consecutivas, Módolo (2008, p.1099; apud
Castilho, 2010, p.390) afirma que ―formas substantivas entram na composição do
primeiro membro, com o elemento tal + substantivo antecedido de preposição: ―de tal
sorte ... que, em tal maneira ... que, ...‖ e que, em algumas estruturas o intensivo ―tal‖
pode não aparecer explicitamente, como em ―de forma ... que, de jeito ... que, de
maneira ... que, de modo ... que, de sorte ... que, por forma ... que, por maneira ... que,
por modo ... que‖.
Com isso, verifica-se que há semelhanças entre o tratamento dado à correlação
por Oiticica (1952), Castilho (2010) e Módolo (2008; apud Castilho).
Abordagem distinta encontra-se em Moura Neves (2000) e Azeredo (2008).
Estes autores analisam as estruturas correlatas no âmbito da coordenação e da
subordinação.
Pelos exemplos mostrados e as análises de Moura Neves (2000) e de Azeredo
(2008), no âmbito da subordinação adverbial, pode-se concluir que as orações passíveis
de ocorrer na forma correlata são as seguintes (cf. quadro 2).
57
Quadro 2: Orações subordinadas adverbiais na forma correlata – Moura Neves (2000)
e Azeredo (2008)
ORAÇÕES ADVERBIAIS
MOURA NEVES
AZEREDO (2008)
CORRELATAS
(2000)
Comparativas
X
X
Consecutivas
X
X
Proporcionais
X
___
Condicionais
___
X
Finais
___
X
Moura Neves (2000, p.898-899) apresenta alguns exemplos de orações
comparativas na forma correlata (cf. ex. ss‖ e tt‖).
ss‖. ―Tenho MAIS coragem DO QUE muito homem safado.‖
tt‖. ―ASSIM COMO o sistema se diferencia (na modernidade) em dois subsistemas
(economia e Estado), TAMBÉM ocorrem diferenciações no interior do mundo vivido.‖
Em ss‖, pode-se observar o par correlativo ―mais ... do que‖ e uma comparação
de superioridade. Em tt‖, o par correlativo é ―assim como ... também‖, que, de acordo
com Moura Neves (2000, p.899) ―implica uma adição comparativa‖ e aparece ―a
conjunção comparativa COMO precedida pelo indicador fórico modal ASSIM
(ASSIM COMO)‖. O esquema proposto pela autora é o seguinte:
―do mesmo modo que o sistema se diferencia em dois subsistemas
do mesmo modo também ocorrem diferenciações no interior do mundo vivido‖
Pelo esquema mostrado anteriormente, nota-se que a estrutura comparativa em
tt‖ implica as noções de adição e de modo. Esta estrutura assemelha-se à comparação de
igualdade modal de Oiticica (1952).
No que tange às orações consecutivas que ocorrem na forma correlata, Moura
Neves (2000, p.913-914) mostra exemplos em que há quantificação ou intensificação de
um termo da oração que antecede a consecutiva (cf. ex. uu‖) e em que há uma
qualificação de um termo da oração anterior à consecutiva (cf. ex. vv‖).
uu‖. ―Essa idéia me dominou e excitou DE TAL MANEIRA / QUE mal ouvi o que
Orion dizia.‖
58
vv‖. ―Os planos de incisão e divulsão devem ser feitos DE TAL MODO QUE ocorra
uma perfeita cicatrização.‖
Em uu‖, segundo Moura Neves (2000), ―essa idéia me dominou e excitou‖ é o
estado de coisas, ―de tal maneira‖ possui uma intensificação e ―que mal ouvi o que
Orion dizia‖ é a consequência.
Em vv‖, Moura Neves (2000) afirma que há qualificação, e não quantificação,
de um termo da oração antecedente da consecutiva.
Tanto em uu‖ quanto em vv‖, verificam-se substantivos de natureza modal –
―maneira‖ e ―modo‖, respectivamente.
No que tange às orações proporcionais, Moura Neves (2000, p.928) destaca que
―é possível a expressão da relação proporcional por uma construção correlativa‖ (cf. ex.
ww‖).
ww‖. ―QUANTO MAIS conhecimento o cético adquiria das filosofias, TANTO MAIS
conflitantes elas lhe iam parecendo.‖
Em ww‖, o par correlativo que aparece é ―quanto mais ... tanto mais‖.
Como observado no quadro 2, há algumas semelhanças entre as abordagens de
Moura Neves (2000) e de Azeredo (2008) quanto à correlação nas orações subordinadas
adverbiais. Este autor apresenta exemplos de orações comparativas de igualdade,
superioridade e inferioridade em que é constatada a presença de pares correlativos.
Entretanto, não menciona a correlação quando aborda essas orações. Ao analisar
orações que expressam a noção de consequência, Azeredo (2008, p.328) afirma que ―a
expressão gramatical típica da consequência se concretiza na conjunção que,
ordinariamente antecedida de uma expressão de intensidade‖ e fornece exemplos como
xx‖.
xx‖. ―Estava tão cansado, que dormiu de sapato e tudo.‖
Nota-se que, em xx‖, o par correlativo é ―tão ... que‖. Apesar de a correlação ser
encontrada, Azeredo (2008) não a explicita ao estudar as orações consecutivas.
Uma diferença existente entre Moura Neves (2000) e Azeredo (2008)
concernente à correlação nas orações subordinadas adverbiais é o fato de este autor
apresentar alguns exemplos de orações com valor de condição e de finalidade que
sugerem o processo de correlação (cf. ex. yy‖).
59
yy‖. ―Vocês só podem usar o salão para o ensaio, se deixarem tudo arrumado
novamente.‖
Apesar de não ser necessária a presença da palavra ―só‖, em yy‖, Azeredo
(2008, p.326) atenta para o fato de que ―para exprimir condição com ... contundência ...,
a conjunção se tem de vir reforçada por palavras que acentuem sua exclusividade‖.
Outro caso de oração com ideia de condição que envolve correlação é destacado
por Azeredo (2008, p.328): ―às vezes estas construções vêm reforçadas por pares
correlativos do tipo por um lado ... por outro‖ (cf. ex. zz‖).
zz‖. ―Se, por um lado, são justas as reivindicações das empregadas, por outro também
é verdade que as donas de casa não são empresas.‖
No que tange às orações que expressam a circunstância de finalidade, Azeredo
(2008, p.329) ressalta que ―somente as orações finais admitem a ‗focalização‘ por meio
de só, ser que, apenas‖ (cf. ex. aa”).
aa”. ―Eles só estão trabalhando em dobro para compensar os dias parados.‖
Em aa”, de forma similar ao exemplo yy‖, o uso da palavra ―só‖ não é
obrigatório. Entretanto, ao ser utilizada, a palavra ―só‖ contribui para um reforço, uma
ênfase à ideia de finalidade.
Azeredo (2008, p.351) deixa bem claro o seu ponto de vista quanto ao status do
processo de correlação: ―a correlação é um expediente retórico, de rendimento enfático
no discurso, e não um processo sintático distinto da coordenação e da subordinação‖.
Contemplada a correlação em orações rotuladas como subordinadas adverbiais, a
seguir, apresentam-se as considerações de Moura Neves (2000) e Azeredo (2008)
relativas à correlação nas orações coordenadas. Ambos abordam a correlação nas
orações coordenadas aditivas e alternativas.
Nas orações coordenadas aditivas, Moura Neves (2000, p.742) estuda as
construções aditivas correlativas, em que pode ser encontrado o par correlativo ―não só
... como também‖ e constata que há uma ―flutuação entre comparação e adição‖, o que é
confirmado pelo uso dos ―marcadores alternantes: mas também (mas: coordenador) e
como também (como: comparativo)‖.
Moura Neves (2000, p.752) também destaca o uso de NEM na correlação:
―diferentemente do e, o NEM pode construir-se em correlação, e, assim, ocorrer já no
60
primeiro dos (dois ou mais) segmentos negativos postos em relação de adição‖ (cf. ex.
bb”).
bb”. ―NEM ela me ofereceu a mão da amizade e do bom conselho NEM eu jamais
respondi com quatro pedras na mão.‖
Para Moura Neves (2000, p.752), o exemplo bb” envolve a ―correlação aditiva
negativa‖.
Azeredo (2008, p.302), no âmbito da coordenação, cita os exemplos dos pares
―não só ... mas também, não apenas ... mas ainda‖ e propõe que sejam analisados como
―adjuntos conjuntivos de valor aditivo‖ e afirma que ―se empregam assinalando cada
um dos sintagmas ou orações coordenados, a fim de dar realce a ambos‖. A definição
para adjuntos conjuntivos de Azeredo (2008, p.288) é a seguinte: ―são utilizados como
recurso de coesão textual. Estes sintagmas pressupõem alguma porção de sentido
precedente no discurso ou texto‖. Nota-se, portanto, que o conceito de adjunto
conjuntivo está intimamente ligado ao de correlação, visto que, neste processo, a porção
de sentido precedente no discurso ou texto é imprescindível para que um enunciado
estabeleça comunicação.
Nas orações coordenadas alternativas, Moura Neves (2000, p.771) cita o par
correlativo ―ou ... ou‖ e atenta para o fato de que ―pode ocorrer um reforço da
correlação, por exemplo o elemento bem‖ (Moura Neves, 2000, p.775) – cf. ex. cc”.
cc”. ―OU bem dava de comer aos filhos, OU bem comprava milho para as galinhas.‖
Azeredo (2008, p.304) apresenta os seguintes exemplos de adjuntos conjuntivos
relacionados à coordenação alternativa: ―ora ... ora, quer ... quer, seja ... seja, quer ... ou,
seja ... ou‖. Segundo Azeredo (2008, p.304), ―estes adjuntos conjuntivos empregam-se
para dar realce a todas as alternativas do enunciado‖.
61
2.5. Orações coordenadas
No que tange à coordenação, poderiam incluir-se exemplos que, para outros
autores, envolveriam o processo sintático de correlação.
Quanto ao processo sintático de coordenação sem envolver correlação e tendo,
de certa forma, a circunstância de modo presente, merece destaque um comentário de
Azeredo (2008, p.309) acerca dos conectivos ―de modo que, de sorte que, de maneira
que, daí que‖. De acordo com o autor, ―estes conectivos são de coordenação quando,
anunciando um efeito ou conclusão do fato anterior, introduzem uma oração com verbo
no modo indicativo‖ (cf. ex. dd”).
dd”. ―O enterro foi no Chile, após o golpe, de modo que nossos livros e discos
possivelmente caíram nas mãos da polícia.‖
Em dd”, é encontrado um exemplo muito semelhante ao de uma oração
adverbial consecutiva (cf. ex. rr, na seção 2.3). A diferença que se verifica é que, em
dd”, na oração em destaque o verbo está no indicativo, enquanto que, em rr, na oração
consecutiva, o verbo está no subjuntivo.
A relação estabelecida entre as orações em dd” é de consequência e se constata
a presença de uma palavra de valor modal – ―modo‖. Nota-se que há uma linha tênue
entre uma oração coordenada conclusiva e uma subordinada consecutiva.
Com este comentário referente à coordenação, encerram-se as considerações que
levam em conta a abordagem de autores não tradicionais.
Um aspecto percebido na análise dos corpora foi a relação existente entre
finitude de cláusulas8 e integração entre elas. Por este motivo, a seguir, apresentam-se
algumas abordagens relativas à integração entre cláusulas.
8
O termo ―cláusulas‖ será utilizado a partir deste capítulo, por se tratar de uma nomenclatura condizente
com a perspectiva funcionalista, que é a adotada neste estudo.
62
3.
INTEGRAÇÃO ENTRE CLÁUSULAS
Neste capítulo, destacam-se as contribuições das abordagens de Lehmann
(1985), Hopper e Traugott (1993), Halliday (2004), Gonçalves et alii (2007) e Givón
(1983) para a análise dos dados dos corpora.
3.1 Abordagem de Lehmann (1985)
Lehmann (1985, p.1) estabelece uma tipologia de ligação entre cláusulas
(―clause linkage‖) e, para isso, lança mão de alguns conceitos básicos como os de
dependência, encaixamento, hipotaxe e coordenação. O autor afirma que o conceito
mais geral dentre estes é o de dependência.
Segundo Lehmann (1985, p.2), ―a hipotaxe é entendida como a subordinação de
uma cláusula e esta definição não impõe nenhuma exigência sintática ou morfológica no
elemento
subordinado,
correspondendo,
dessa
forma,
ao
uso
comum‖9.
O
encaixamento, para o autor, é ―a dependência de um constituinte subordinado‖10. A
partir dessas definições, considera-se que ―hipotaxe e encaixamento são dois tipos
particulares de subordinação em que o primeiro é delimitado pelo tipo de elemento
subordinado e o segundo é delimitado pelo tipo de relação de subordinação‖11. De
acordo com Lehmann (1985, p.2), a parataxe é a coordenação de cláusulas, em que não
há restrições impostas ao tipo de estrutura de coordenação, podendo ser sindética ou
assindética.
Após apresentar as conceituações de hipotaxe, encaixamento e parataxe,
Lehmann (1985) discorre sobre os parâmetros semântico-sintáticos relevantes para a
subordinação e para a ligação entre cláusulas.
O primeiro parâmetro é o da integração da cláusula subordinada na cláusula
principal. Esta integração é identificada a partir de dois aspectos: o sintagma
subordinado pode ter uma relação independente, associativa (―sociative‖) ou uma
relação dependente com a cláusula principal e este sintagma pode estar subordinado à
9
―Hypotaxis will be understood as the subordination of a clause. The definition does not impose any
further syntactic or morphological requirements on the subordinate element and thus corresponds fairly
well to common usage‖.
10
―... the dependency of a subordinate constituent‖.
11
―... we get hypotaxis and embedding as two particular types of subordination, the former delimited with
respect to the kind of the subordinate element, the latter delimited with respect to the kind of the relation
of subordination‖.
63
cláusula principal como um todo ou a um constituinte dela. Lehmann (1985) fornece
alguns exemplos que mostram uma hierarquia de integração entre cláusulas partindo da
parataxe, passando por exemplos que envolvem cláusulas adjuntas (―adjoined‖),
cláusulas que apresentam uma relação de ―cossubordinação‖, o que se assemelha a
casos em que se tem uma coordenação sintática e uma subordinação semântica, e
atingindo um grau maior de integração, que é a relação de encaixamento. Uma
propriedade importante de cláusulas subordinadas mencionada pelo autor é a da
variabilidade posicional. Ele acredita que cláusulas subordinadas frequentemente
encontram suas posições sujeitas a restrições gramaticais.
O segundo parâmetro é o da dessentencialização da cláusula subordinada. Este
parâmetro se refere ao grau em que uma cláusula subordinada é elaborada ou reduzida.
De um lado, há a expansão de um constituinte nominal ou adverbial em uma construção
totalmente desenvolvida e, de outro, há a condensação, ou seja, a redução de uma
cláusula em um constituinte nominal ou adverbial da cláusula principal. De acordo com
Lehmann (1985, p.10), isto implica uma derivação de sentenças complexas que começa
de um grupo de cláusulas completas, as reduz através de uma nominalização e as
combina em uma sentença complexa encaixando uma na outra.
O terceiro parâmetro é o da gramaticalização do verbo principal. A
gramaticalização, em termos gerais, é um processo diacrônico e um continuum
sincrônico que envolve itens lexicais que passam a itens gramaticais. Dessa forma,
verbos plenos transformam-se em verbos modais e verbos auxiliares. Lehmann (1985)
propõe um continuum que ilustra a gramaticalização do verbo principal. A escala parte
de um predicador independente (verbo lexical e verbo evidencial), passa pelo verbo
modal e no lado do uso mais gramatical do verbo, encontra-se o operador gramatical,
que envolve auxiliares e afixos gramaticais ou derivacionais.
O quarto parâmetro é o do entrelaçamento (―interlacing‖). Este parâmetro possui
um componente semântico e um sintático. O primeiro refere-se ao fato de que duas
proposições compartilham alguns elementos de seus significados e o segundo refere-se
à não-especificação de elementos em comum nas duas proposições. Neste
entrelaçamento, as duas proposições podem compartilhar seus predicadores, o tempo e o
modo verbais, e os actantes. Para Lehmann (1985), o ponto central está relacionado ao
compartilhamento de actantes, o que envolve o fenômeno de mudança de referência. O
autor previne que, em muitas línguas, há uma distinção na flexão de um verbo não-final
dependendo se o verbo da cláusula seguinte tem o mesmo sujeito ou sujeito diferente.
64
O quinto parâmetro é o da explicitação da ligação, ou seja, se as cláusulas são
ligadas por meio de elementos como conjunções ou não. Mais uma vez, há um
continuum que parte da presença explícita de conjunção, passa por um continuum de
decréscimo de explicitação e termina com a ausência de conjunção. Lehmann (1985)
ressalta que a explicitação de elos tem uma estrutura interna anafórica, isto é, de uma
certa forma, se refere ao texto precedente. A partir do continuum mencionado, pode-se
chegar à conclusão de que o dispositivo conectivo ou subordinativo é maximamente
elaborado no início e gradualmente reduzido ao zero. Isto é ilustrado pelo autor através
de um esquema que envolve os seguintes elementos, respectivamente: cláusula
subordinada anafórica, verbo no gerúndio, sintagma preposicional, advérbio conectivo,
conjunção específica, conjunção subordinativa universal e forma infinitiva do verbo.
Nesta pesquisa, observa-se, entre outros aspectos, a relação que se pode fazer
entre este continuum e a mudança de referência em estruturas oracionais com noção de
modo.
Após abordar separadamente cada parâmetro, Lehmann (1985) estabelece as
relações que podem ser percebidas entre eles.
A alta integração de um elemento subordinado na cláusula principal
correlaciona-se com sua dessentencialização, ou seja, construções subordinadas
nominalizadas adquirem propriedades de uma expressão nominal e se tornam mais
dependentes. A gramaticalização forte de um predicador pressupõe ou uma
dessentencialização ou um forte entrelaçamento, pois a gramaticalização transforma o
predicador em um operador gramatical na construção subordinada. O entrelaçamento de
cláusulas pressupõe integração da cláusula subordinada e leva à dessentencialização
desta. Isto pode ser mais bem explicado pelo fato de que o controle de sujeito
dependente significa não-finitude do verbo dependente e isto significa forte
dessentencialização. A explicitação de um elo tem algum vínculo com a
dessentencialização. Isto pode ser explicado pelo fato de uma conjunção explícita, seja
coordenativa seja subordinativa, ter uma função adverbial na cláusula a que se liga
enquanto que subordinadores puros são apenas operadores aplicados à cláusula em que
se encontram. Por fim, a não-explicitação de um elo correlaciona-se com o controle de
sujeito dependente e, consequentemente, com o entrelaçamento.
Todas essas relações contribuem para o estudo pretendido aqui, pois serão
analisadas estruturas que podem ter diferentes níveis de integração e isto pode estar
relacionado a outros fatores como a explicitação ou não de um elo, isto é, se as cláusulas
65
ocorrem na forma desenvolvida ou reduzida e a mudança ou não de referência, ou seja,
se o sujeito da cláusula subordinada é igual ou diferente do encontrado na cláusula
principal. Aos comentários de Lehmann (1985) somem-se os de Hopper e Traugott
(1993) com algumas especificidades.
3.2. Abordagem de Hopper e Traugott (1993)
Hopper e Traugott (1993), ao estudarem a gramaticalização por meio das
cláusulas, abordam a interligação delas.
Os pesquisadores afirmam que o discurso não é constituído de elocuções
isoladas, mas sim de unidades informacionais que estão interligadas. Para eles, todas as
línguas possuem dispositivos para interligar as cláusulas no âmbito do que se chama de
períodos complexos.
Hopper e Traugott (1993) analisam o
fenômeno de
gramaticalização e, diferentemente de alguns autores, não o restringem a itens, mas o
ampliam e o incluem no processo de combinação oracional.
Givón (1979; apud Hopper e Traugott, 1993, p.168) propõe a seguinte escala:
discurso > sintaxe > morfologia > morfofonêmica > zero. Seguindo a sugestão de Givón
(1979; apud Hopper e Traugott, 1993, p.168), há um declive unidirecional no que tange
à combinação de cláusulas, que vai da justaposição relativamente livre à combinação
sintática e morfológica dentro dos limites da estrutura da gramaticalização amplamente
interpretada.
Hopper e Traugott (1993) fornecem definições de parataxe, hipotaxe e
subordinação ou encaixamento, tal como Lehmann (1985). Para estes autores, esses são
três ―pontos de aglomeração‖ (Hopper e Traugott, 1993, p.169). A parataxe refere-se à
independência relativa e a hipotaxe refere-se à interdependência, em que há um núcleo e
uma ou mais cláusulas que não podem ficar sozinhas. Consequentemente, as cláusulas
são relativamente dependentes, mas sem se incluírem completamente em qualquer
constituinte do núcleo. A subordinação ou o encaixamento, que é a sua forma extrema,
refere-se à dependência completa, em que uma margem está completamente incluída no
constituinte de um núcleo.
Hopper e Traugott (1993), ao estabelecerem a distinção entre parataxe, hipotaxe
e subordinação, desconstroem a tradicional visão bipartida constituída pela coordenação
66
e pela subordinação. Os autores propõem um esquema que será reproduzido a seguir,
sob a forma de esquema 1.
Esquema 1: Combinação de cláusulas (Hopper e Traugott, 1993)
Parataxe
>
Hipotaxe
>
Subordinação
- dependente
+ dependente
+ dependente
- encaixada
- encaixada
+ encaixada
Pelo esquema 1, percebe-se que a distinção entre parataxe, hipotaxe e
subordinação é feita segundo o critério sintático, considerando a maior ou menor
dependência sintática e o maior ou menor encaixamento também sintático.
Hopper e Traugott (1993) abordam a dessentencialização de cláusulas, ao
explicitarem que o processo mínimo na combinação de cláusulas é a unificação e a
integração, pelo menos, pragmaticamente. Para os autores, esta integração é
frequentemente acompanhada da dessentencialização e da gradação hierárquica. Hopper
e Traugott (1993) asseveram que o declive da dependência se correlaciona com um
declive da integração gramatical, em que a finitude estaria à esquerda, ou seja,
representando menor integração e a não-finitude estaria à direita, ou seja, representando
a maior integração. Os autores discutem a existência de um paralelismo cognitivo entre
forma e função: ―Quanto mais integrados semanticamente ou pragmaticamente forem
dois conteúdos, mais as cláusulas que os codificam estarão integradas gramaticalmente‖
(Givón, 1990, p.826; apud Hopper e Traugott, 1993, p.171).
Langacker (1991, p.439; apud Hopper e Traugott, 1993, p.171) fornece
exemplos para explicar a relação entre explicitação morfossintática e integração entre as
cláusulas. Hopper e Traugott (1993) concluem que os dispositivos mais explícitos estão
relacionados à mínima integração semântico-pragmática e os menos explícitos à
máxima integração semântico-pragmática. Tomando-se como base os exemplos
apresentados pelos autores, se aceita que há um continuum que parte da menor
integração semântico-pragmática para a maior integração semântico-pragmática e que
uma cláusula desenvolvida seria menos integrada com a cláusula principal do que uma
cláusula reduzida de infinitivo, que, por sua vez, seria menos integrada com a cláusula
67
principal do que uma cláusula reduzida de gerúndio. A partir dessas assertivas, Hopper
e Traugott (1993, p.171) apresentam um esquema que será reproduzido a seguir, sob a
forma de esquema 2.
Esquema 2: Propriedades relevantes para a combinação de cláusulas (Hopper e
Traugott, 1993)
Parataxe-------------------------------- Hipotaxe--------------------------Subordinação
núcleo-------------------------------------------------------------------------margem
integração mínima------------------------------------------------------integração máxima
máxima combinação explícita-----------------------------mínima combinação explícita
3.3 Abordagem de Halliday (2004)
Halliday (2004) considera a organização interna da cláusula como um construto
multifuncional. A partir da noção de cláusula complexa, pode-se entender que nem
sempre uma cláusula relaciona-se apenas com outra cláusula. As relações são mais
amplas e pode haver um bloco de informação representado por várias cláusulas
interligadas, cujo significado total articula-se com o discurso precedente ou
subsequente.
Com isso, não se limita à dependência entre cláusulas, pois, em vez de haver
dependência de uma cláusula em relação à outra, trabalha-se com a possibilidade de
uma cláusula ser dependente de um bloco formado por mais de uma cláusula. Esta
ampliação das relações de dependência evidencia a construção de um texto. Sabe-se que
um texto não é formado por frases isoladas e que cada parágrafo relaciona-se com outro
para formar um todo coerente semântica e sintaticamente.
O autor, portanto, combina um tipo de relação que está no âmbito da sintaxe
com um que está no âmbito da semântica. O primeiro é o que Halliday (2004) denomina
TAXIS e é dividido em parataxe e hipotaxe, e o segundo envolve as relações lógicosemânticas, que se dividem nos processos de expansão e projeção.
No que tange ao nível de interdependência (TAXIS), Halliday (2004) define
parataxe como a relação entre dois elementos de status igual, um que inicia e outro que
68
continua, e a hipotaxe como a relação entre dois elementos com status diferente, em que
há um dependente e um dominante. De um modo geral, poder-se-ia estabelecer uma
equivalência entre parataxe e coordenação de um lado, e hipotaxe e subordinação de
outro. Entretanto, não é tão simples assim, pois nem todas as orações coordenadas se
comportam da mesma forma assim como nem todas as orações subordinadas têm
comportamento igual. Além da parataxe e hipotaxe, Halliday (2004) também explica
um terceiro processo: o encaixamento. Para o autor, este processo não envolve relações
entre cláusulas, mas um mecanismo em que uma cláusula ou um sintagma funciona
como um constituinte dentro da estrutura de um grupo. Halliday (2004) fornece alguns
exemplos de estruturas que, tradicionalmente, são chamadas orações adjetivas restritivas
para ilustrar isso.
No que tange às relações semântico-pragmáticas, Halliday (2004) apresenta dois
mecanismos fundamentais: o da expansão e o da projeção. O primeiro relaciona
fenômenos como sendo da mesma ordem de experiência e o segundo relaciona
fenômenos de uma ordem maior de experiência, que se referem aos atos de falar e
pensar. Para o autor, uma cláusula expande outra por meio de três processos:
elaboração, extensão e realce, e uma cláusula é projetada através de outra, o que a
instancia como uma locução (ligada ao ato de dizer, falar) ou como uma ideia (ligada ao
ato de pensar).
Uma cláusula expande outra por elaboração quando há reafirmação do conteúdo
em
outras
palavras,
especificação
em
maiores
detalhes,
comentários
ou
exemplificações; uma cláusula expande outra por extensão, quando há acréscimo de
algum elemento novo, quando há exceções ou alternativas e uma cláusula expande outra
por realce, quando há embelezamento ou a qualificação de uma característica
circunstancial. Uma cláusula é projetada para outra por locução, quando há uma
construção textual, ou seja, representa o que uma pessoa diz, passando anteriormente
pelo processo de pensar e uma cláusula é projetada para outra por ideia, quando há a
construção de significados, isto é, está no âmbito do pensamento.
Como já fora comentado, Halliday (2004) une as relações de parataxe, hipotaxe
e encaixamento com as relações de expansão e projeção. A seguir, apresentam-se as
possíveis combinações dessas relações a partir de exemplos fornecidos por Halliday
(2004).
A parataxe de elaboração produz três tipos de relações: exposição,
exemplificação e clarificação (cf. quadro 3).
69
Quadro 3: Três tipos de relação na parataxe de elaboração
Relações na parataxe de elaboração
Exposição
Exemplificação
Clarificação
Funções
Re-elaboração da tese presente na primeira
cláusula
Desenvolvimento de uma tese por meio de
uma especificação maior
Clarificação da tese presente na primeira
cláusula por meio de um comentário
adicional
Na exposição, uma cláusula re-elabora a tese presente na primeira cláusula com
outras palavras, isto é, apresenta a informação sob um outro ponto de vista (cf. ex. I) 12.
I. ―Eu provavelmente precisei daquilo; era muito saudável.‖13
Em I, a cláusula ―era muito saudável‖ apresenta um comentário que diz, por
meio de outras palavras, o que está presente na primeira cláusula – ―eu provavelmente
precisei daquilo‖.
Na exemplificação, a cláusula secundária, ou seja, a segunda que aparece no
segmento, desenvolve a tese da primeira por meio de uma especificação maior (cf. ex.
II).
II. ―Nós tínhamos corridas – nós tínhamos corridas de revezamento.‖14
Em II, a cláusula secundária – ―Nós tínhamos corridas de revezamento‖ representa um exemplo do que foi mencionado na cláusula primária – ―nós tínhamos
corridas‖.
Na clarificação, a cláusula secundária clarifica uma tese presente na cláusula
primária, retornando a ela e fornecendo alguma explanação ou comentário adicional (cf.
ex. III).
12
Os exemplos dos autores representantes da perspectiva funcionalista que ilustram os conceitos de
integração entre cláusulas e mudança de referência (cap. 3) são apresentados por meio de algarismos
romanos.
13
―I probably needed that; it was very healthy.‖ (Halliday, 2004, p.398)
14
―We used to have races – we used to have ralays.‖ (Halliday, 2004, p.398)
70
III. ―Ele nunca disse nada para ela; na verdade, seu último comentário foi para uma
árvore.‖15
Em III, a cláusula secundária – ―na verdade, seu último comentário foi para uma
árvore‖ - apresenta um fato que explica melhor o que foi dito na cláusula primária –
―Ele nunca disse nada para ela‖.
A hipotaxe de elaboração origina o que tradicionalmente denomina-se de
orações subordinadas adjetivas explicativas, pois a função destas é explicar melhor o
conteúdo presente na cláusula primária. Elas podem ocorrer na forma finita (cf. ex. IV),
ou seja, desenvolvida, ou na forma não-finita (cf. ex. V), ou seja, reduzida.
IV. ―A inflação, que foi necessária para o nosso sistema, tornou-se letal.‖16
V. ―Ele era um verdadeiro homem, perseguindo o sonho de explorar as selvas.‖17
Tanto em IV como em V, as cláusulas destacadas funcionam como um
comentário à parte em relação a um antecedente: em IV, ―inflação‖ e, em V,
―verdadeiro homem‖. Em IV, há o pronome relativo ―que‖ e, em V, é utilizado o
gerúndio – perseguindo.
A parataxe de extensão origina o que tradicionalmente denomina-se de
coordenação de cláusulas. Há três subtipos de parataxe de extensão: adição (cf. ex. VI),
variação (cf. ex. VII) e alternativa (cf. ex. VIII) – cf. quadro 4.
15
―He never said anything to her; in fact his last remark was evidently addressed to a tree.‖ (Halliday,
2004, p.399)
16
―Inflation, which was necessary for the system, became also lethal.‖ (Halliday, 2004, p.401)
17
―He was an absolute loner of a man, pursuing some dream of exploration in the jungles.‖ (Halliday,
2004, p.403)
71
Quadro 4: Três subtipos de parataxe de extensão
Subtipos de parataxe de extensão
Adição
Variação
Alternância
Funções
Simples adição de informação
Substitui o conteúdo da cláusula primária
Um fato exclui o outro
VI. ―Ele tinha sido um aluno de História Medieval na faculdade e eu era interessado
em Literatura Medieval, também.‖18
VII. ―O vortex não é um cilindro uniforme, mas tem um formato que varia com a
altitude.‖19
VIII. ―Eu posso ir ao computador ou comer alguma coisa.‖20
Em VI, há uma simples adição de informação; em VII, a cláusula em destaque
tem uma função substitutiva, isto é, toda a informação nela presente substitui o
conteúdo da cláusula primária; em VIII, há a relação de alternância, em que um fato
exclui o outro.
A hipotaxe de extensão é uma combinação rara e também envolve adição (cf. ex.
IX), variação (cf. ex. X) e alternativa (cf. ex. XI). Elas podem ocorrer na forma finita ou
não-finita.
IX. ―Enquanto os pais de muitas crianças trabalhavam no escritório, meu pai
trabalhava no estúdio.‖21
X. ―A câmera recua para mostrar Kane e Susan exatamente nas mesmas posições de
antes, exceto que eles estão mais velhos.‖22
XI. ―Se você não o perdeu, então está no armário.‖23
18
―He‘d been a medieval history student in college and I was interested in medieval literature, too.‖
(Halliday, 2004, p.406)
19
―The vortex is not a uniform cylinder but has a shape that varies with altitude ...‖ (Halliday, 2004,
p.407)
20
―Can I go on the computer, or have something to eat.‖ (Halliday, 2004, p.408)
21
―Whereas most children‘s fathers worked at an office, my father worked at the studio …‖ (Halliday,
2004, p.408)
22
―Camera pulls back to show Kane and Susan in much the same positions as before, except that they
are older.‖ (Halliday, 2004, p.408)
23
―If you haven‘t lost it, then it‘s in that cupboard.‖ (Halliday, 2004, p.409)
72
Em IX, pode-se dizer que há uma relação adversativa e esta dificuldade de
estabelecer uma distinção entre adição e adversidade é comentada por Halliday (2004).
Em X, a cláusula em destaque tem uma função substitutiva e, em XI, a cláusula
destacada expressa uma relação de alternância, pois há duas alternativas: ou a pessoa
perdeu um objeto ou ele este está no armário. Note-se que a relação de alternância é
expressa por uma estrutura que, tradicionalmente, é denominada oração subordinada
adverbial condicional.
A parataxe de realce origina o que é conhecido como coordenação. Entretanto,
as orações coordenadas em questão têm uma característica circunstancial incorporada a
elas. Isto é importante para esta pesquisa, pois aqui o objeto de estudo são as orações
que têm a noção de modo, isto é, que expressam essa circunstância. Por este motivo,
será apresentado um exemplo em que a oração coordenada possui um matiz modal (cf.
ex. XII).
XII. ―Continue subtraindo as diferenças e dessa forma você chegará onde quer.‖24
A hipotaxe de realce gera as chamadas cláusulas adverbiais e, portanto, também
é relevante para este trabalho, pois uma maneira de a noção de modo ser veiculada é por
meio das orações subordinadas adverbiais modais. Ressalte-se, ainda, que, na hipotaxe
de realce, as cláusulas podem ocorrer na forma finita e na forma não-finita.
No que se refere à expansão encaixada, pode-se dizer que as cláusulas têm a
função de definir, delimitar ou especificar. Portanto, a expansão encaixada característica
é a chamada cláusula adjetiva restritiva. A elaboração encaixada é representada por
cláusulas adjetivas restritivas introduzidas por QUE, O QUAL (cf. ex. XIII).
XIII. ―ela disse: ‗você sabe de mais alguém que tirou algumas fotos minhas no
vestido bacana?‖25
O único sentido de extensão que produz cláusulas encaixadas é o de posse. Estas
cláusulas podem ser introduzidas, por exemplo, por CUJO (cf. ex. XIV).
24
―Keep on subtracting the difference, and in that way you will arrive at the correct figure.‖ (Halliday,
2004, p.414)
25
―she said ‗Do you know of anyone else who‘s taken any photos of me at the fancy dress?‘‖ (Halliday,
2004, p.429)
73
XIV. ―Eu recentemente li uma história incrivelmente bem escrita sobre um casal cujo
filho de trinta e tantos anos morre de uma doença.‖26
No que concerne ao encaixamento de realce, a relação entre a cláusula encaixada
e o nome núcleo (―head noun‖) é uma circunstância de tempo, lugar, modo, causa ou
condição. Este sentido circunstancial pode estar localizado na própria cláusula
encaixada (cf. ex. XV) ou no nome funcionando como núcleo (cf. ex. XVI).
XV. Alguns podem precipitar diretamente da água do mar em áreas onde o vulcanismo
libera sílica em grande quantidade.27
XVI. ―Nós compartilhamos um lugar na Itália no verão em que estava trabalhando.‖28
Em XV, a cláusula destacada é encabeçada pelo item ONDE e expressa a
circunstância de lugar. Já em XVI, é o nome núcleo ―verão‖ que expressa a
circunstância de tempo.
Já foram explicitadas as relações entre os tipos de expansão e os processos de
parataxe, hipotaxe e encaixamento. Resta apresentar alguns comentários acerca da
relação lógico-semântica de projeção.
A projeção é uma relação lógico-semântica em que uma cláusula funciona como
uma representação de uma representação linguística. De um modo geral, pode-se dizer
que a projeção refere-se ao pensamento e ao ato de dizer. Com isso, pode-se relacionar a
citação com a parataxe (cf. ex. XVII) e o discurso reportado com a hipotaxe (cf. ex.
XIII). Esta é a tradicional diferença entre discurso direto e discurso indireto.
XVII. ―‗Nós temos que ter cadeados de gatilho de segurança obrigatórios para criança e
identidade com foto para a compra de novas armas‘, [Gore disse à multidão].‖29
XIII. ―Nakisha Johnson, 17, disse [que viu um homem jovem atirar depois que uma
discussão entre jovens tornou-se violenta].‖30
26
―I recently read an incredibly well-written story about a couple whose thirty-something-year-old son
dies of an illness.‖ (Halliday, 2004, p.432)
27
―Some may precipitate directly from sea water in areas [ where volcanism releases abundant silica].‖
(Halliday, 2004, p.433)
28
―We shared a place in Italy the summer I was working on it.‖ (Halliday, 2004, p.435)
29
― ‗We really have to have mandatory child safety trigger locks, and photo license Ids for the purchase
of new handguns‘, Gore told the crowd‖ (Halliday, 2004, p.443)
30
―Nakisha Johnson, 17, said she saw one young man open fire after a feud between youths became
violent.‖ (Halliday, 2004, p.442)
74
Halliday (2004) ainda mostra a combinação de locuções e ideias com
encaixamento. Observe o exemplo XIX, que ilustra uma locução encaixada e o exemplo
XX, que ilustra uma ideia encaixada.
XIX. ―Líderes tanto de um projeto público como de uma companhia privada
competidora divulgaram afirmações na sexta-feira [que eles juntamente anunciariam o
status do trabalho deles na segunda-feira].‖31
XX. ―O pensamento [de que ela um dia possa ser uma rainha] ...‖32
Percebe-se que, em ambos os exemplos, há um nome e uma oração que funciona
como complemento deste nome.
3.4 Abordagem de Gonçalves et alii (2007)
O estudo de Gonçalves et alii (2007) refere-se a orações que manifestam relação
de temporalidade. Tentar-se-á fazer algo semelhante, neste estudo, com orações que
manifestam relação de modo, com base nas estruturas encontradas pelos autores. Tal
fato justifica a utilização deste trabalho aqui.
Gonçalves et alii (2007, p.149) observaram orações de tempo combinadas por
parataxe e as dividiram em ―estruturações justapostas‖ e ―estruturações intermediárias
1‖. A primeira estrutura representa orações que estão lado a lado sem um conectivo
explícito (cf. ex. XXI) e a segunda representa orações que estão acompanhadas de
sequenciadores narrativos (cf. ex. XXII).
XXI. ―Ela ... o cachorrinho morreu ... ela enterro encostadinho na parede nossa
aí.[POP/SP]‖
XXII. ―Aí eu estava jogando bola, ele me chamou para mim ir. [PEUL 62]‖
Os autores pesquisaram também orações de tempo combinadas por hipotaxe.
Esta estrutura equivale à hipotaxe de realce apresentada por Halliday (2004) e às
orações subordinadas adverbiais da perspectiva tradicional. Gonçalves et alii (2007)
analisam orações de tempo finitas (cf. ex. XXIII) e não-finitas (cf. ex. XXIV).
31
―Leaders of both a publically-funded Project and a competing private company issued statements
Friday that they jointly would announce the status of their work on Monday.‖ (Halliday, 2004, p.467)
32
―the thought that she might one day be a queen.‖ (Halliday, 2004, p.470)
75
XXIII. ―Ela fica apavorada quando a gente sai. [PEUL 56]‖
XXIV. ―Passando o cemitério ... o ônibus faz aquelas voltinha. [POP/SP]‖
Assim como Halliday (2004), os autores consideram um terceiro processo: o
encaixamento. Para Gonçalves et alii (2007, p.151), o encaixamento refere-se às
orações que ―reclamam um complemento, que será fornecido em outra estrutura
oracional‖. Existem, para eles, uma estruturação intermediária 2 e uma estruturação de
encaixamento prototípico.
A estruturação intermediária 2 engloba as orações adjetivas restritivas e
explicativas que têm como pronome relativo a palavra QUANDO. As orações adjetivas
restritivas deste tipo são chamadas pelos autores de determinativas (ex. XXV) e as
orações adjetivas explicativas são chamadas pelos autores de apositivas (ex. XXVI). As
primeiras equivalem à cláusula encaixada de realce de Halliday (2004) e as segundas à
hipotaxe de elaboração de Halliday (2004).
XXV. Antigamente ... quando um cara falava assim ... ela já pensava que era verdade
mesmo. [POP/SP]
XXVI. Antigamente ... quando eu vim pra São Paulo ... naquele tempo os campeonato
era só sábado e domingo né? e era só no Pacaembu ... eu ia todo sábado e domingo
[POP/SP]
A estruturação de encaixamento prototípico é dividida por Gonçalves et alii
(2007) em encaixamento prototípico com função substantiva (cf. ex. XXVII) e
encaixamento prototípico com função adjetiva (cf. ex. XXVIII). O primeiro assemelhase à locução encaixada de Halliday (2004) por envolver uma palavra ou oração que pede
um complemento e o segundo equivale ao encaixamento de elaboração de Halliday
(2004).
XXVII. Mas é ruim demais quando a gente descobre. [POP/SP]
XXVIII. A hora que eles chega ... aí eles roba [POP/SP]
Em XXVII, a oração destacada exerce a função sintática de sujeito da oração
principal. Segundo Gonçalves et alii (2007), existe também o encaixamento prototípico
76
com função sintática de objeto direto. Em XXVIII, a oração em destaque tem como
pronome relativo ―a partícula polifuncional que‖ (Gonçalves et alii – 2007, p.153). De
acordo com os autores, a oração adjetiva pode ocorrer também na forma não-finita.
A proposta de Gonçalves et alii (2007) parece ser mais apropriada à proposta
deste estudo do que a da abordagem tradicional, pois não se trabalha mais com a
dicotomia coordenação versus subordinação.
Com isso, a distribuição das orações com noção de tempo elaborada por esses
autores assim como as combinações propostas por Halliday (2004) entre parataxe,
hipotaxe e encaixamento contribuem para o estudo das orações que manifestam relação
de modo (cf. subcapítulo 6.2, seção 6.2.1).
3.5. Mudança de referência
Como já foi dito, o entrelaçamento, caso especial de integração, abordado por
Lehmann (1985), é estudado por Givón (1983) sob o nome de mudança de referência.
Givón (1983) explicita esse fenômeno no âmbito do domínio funcional
complexo da continuidade tópica. Com isso, o autor amplia a definição de mudança de
referência, a fim de abarcar o maior número de usos possíveis em línguas diferentes.
Para Givón (1983), há três níveis de continuidade no discurso: a continuidade
temática, que se refere ao parágrafo temático; a continuidade de ação, que se refere ao
encadeamento de verbos e predicações; e a continuidade de participantes ou tópicos,
que se refere à manutenção ou mudança de referência em relação aos participantes de
uma ação.
A primeira liga-se ao modo como as cláusulas se combinam para formar um
parágrafo e à contribuição desta combinação para a manutenção ou não de tópico,
assunto dentro de um parágrafo.
A segunda relaciona-se à cadeia de verbos e predicações dentro de um parágrafo
e ao tempo, aspecto e modo verbais que se mantêm ou não para dar uma coerência
temporal ou causal em um texto.
A terceira concerne à organização dos parágrafos temáticos em que um nominal
é um tópico recorrente e, ao longo do texto, tem diferentes valores de continuidade.
Segundo Givón (1983), o discurso humano costuma ter uma continuidade tópica
e a descontinuidade tópica é um caso marcado, ou seja, menos frequente. Há alguns
fatores que afetam a continuidade do discurso como o afastamento entre as menções e a
77
entrada de outros tópicos. O autor estabelece uma escala que parte da alta continuidade
para a alta descontinuidade, como pode ser observado no esquema 3 a seguir.
Esquema 3: Escala de continuidade tópica (Givón, 1983)
ALTA CONTINUIDADE
a. Anáfora zero
b. Pronomes átonos / dependentes ou concordância gramatical
c. Pronomes tônicos / independentes
d. SN definido deslocado à direita
e. SN definido simples
f. SN definido deslocado à esquerda
g. Duplo contraste / topicalização contrastiva
h. Construções clivadas / de foco
ALTA DESCONTINUIDADE
Nesta pesquisa, destaca-se a continuidade em cláusulas principais e
subordinadas bem como os níveis de dependência em cláusulas finitas e não-finitas.
De acordo com Givón (1983), em geral, cláusulas principais tendem a carregar
informação sequencial e de ação contínua enquanto que cláusulas subordinadas tendem
a carregar informação não-sequencial, não-contínua. Há uma certa tendência de os
tópicos e sujeitos das cláusulas principais serem contínuos, ou seja, terem o mesmo
referente, e os das cláusulas subordinadas serem descontínuos, ou seja, terem referente
distinto.
Em relação à finitude das cláusulas, nas cláusulas finitas, há mais codificação e,
nas cláusulas não-finitas, tanto o verbo como o sujeito recebem menos codificação e o
sujeito tende a ser expresso como zero, o que confere à cláusula uma continuidade de
referente e de ação. Este contraste entre cláusulas finitas e não-finitas pode funcionar
como uma forma de codificar a mudança ou manutenção de referência. Givón (1983)
ilustra essa ideia com os seguintes exemplos em inglês:
78
XXIX. Before he left, John talked to Bill. (Antes de ele ter partido, John falou com
Bill)
XXX. Before leaving, John talked to Bill. (Antes de partir, John falou com Bill)
No exemplo XXIX, apesar de o pronome he geralmente ser correferencial com o
sujeito John, há a possibilidade de ele se referir a outro participante, enquanto que, no
exemplo XXX, o uso do verbo na forma não-finita leaving contribui para a única
interpretação possível: a de que o ato de partir (leaving) só pode se referir ao sujeito
John.
Givón (1983, p.67) aplica o princípio de iconicidade à continuidade de sujeitos e
afirma que ―quanto mais contínuo / previsível é o SN tópico / sujeito / referente, menos
expressão explícita ele precisa receber‖. Isto pode ser conferido na escala apresentada
no esquema 3, em que, no extremo da alta continuidade, está a anáfora zero e, no
extremo da alta descontinuidade, estão as construções clivadas.
O fenômeno da mudança de referência tratado por Givón (1983) relaciona-se à
manutenção ou mudança de referência em cláusulas modais com a finitude dessas.
79
4.
TIPOS SEMÂNTICOS DE VERBO
Um dos aspectos aplicados à análise dos corpora foi o tipo semântico de verbo.
Este aspecto está correlacionado ao da integração semântico-pragmática, comentado em
3, pois parece haver uma relação entre verbos dos tipos ―material‖ e ―verbal‖ e
cláusulas mais integradas – não-finitas – e entre verbos dos tipos ―relacional‖,
―existencial‖ e ―sensitivo‖, e cláusulas menos integradas – finitas.
Levaram-se em conta os tipos semânticos de verbo propostos por Halliday
(1994; apud Scheibman, 2001, p.67), baseados em três experiências humanas: ser, sentir
e fazer. As categorias são as seguintes: cognitivo, existencial, sensitivo, material,
perceptivo, relacional e verbal. Além desses sete tipos de verbo, acrescentaram-se o
corpóreo, proposto por Dixon (1991; apud Scheibman, 2001, p.67) e o possessivo /
relacional baseado em Scheibman (2001). Os tipos semânticos referem-se ao verbo
principal, portanto, se um verbo modal ou auxiliar for utilizado, o que será analisado
semanticamente não é ele, mas sim o verbo principal a ele associado.
Verbos do tipo ―cognitivo‖ aplicam-se ao ato de pensar, raciocinar; verbos do
tipo ―existencial‖ referem-se ao fato de algo existir, estar presente, acontecer; verbos do
tipo ―sensitivo‖ relacionam-se a sentimentos e sensações; verbos do tipo ―material‖ são
verbos de ação; verbos do tipo ―perceptivo‖ referem-se à percepção, observação; verbos
do tipo ―relacional‖ são os verbos de ligação das gramáticas tradicionais; verbos do tipo
―verbal‖ exprimem o ato de dizer, falar; verbos do tipo ―corpóreo‖ manifestam ações
relacionadas ao corpo, ao organismo; e verbos do tipo ―possessivo / relacional‖ referemse à ideia de posse, da capacidade de obter algo.
No quadro 5, são enumerados alguns exemplos para ilustrar os tipos semânticos
verbais utilizados.
80
Quadro 5: Tipos semânticos verbais
TIPOS SEMÂNTICOS DE VERBO
EXEMPLOS
Cognitivo
Presumir, saber, entender, pensar,
verificar
Corpóreo
Repousar
Existencial
Acontecer, estar, haver
Sensitivo
Prezar, sofrer, querer, sentir
Material
Fazer, ir, proceder
Perceptivo
Ver33
Possessivo / Relacional
Ter, conter, conseguir
Relacional
Ser, tornar-se
Verbal
Dizer, sublinhar34
33
O verbo ―ver‖, geralmente quando seguido da conjunção integrante QUE, pode ser considerado um
verbo do tipo ―cognitivo‖.
34
Nesse caso, o verbo está sendo utilizado com o significado de ―salientar‖.
81
5.
ORAÇÕES MODAIS: BREVE APRESENTAÇÃO
Silva (2007), ao pesquisar as orações subordinadas adverbiais modais, analisou
aspectos importantes do comportamento destas orações e alguns deles serão retomados
neste capítulo: as formas de articulação, os gêneros textuais em que foram mais
frequentes e o confronto entre orações modais e orações fronteiriças.
No que se refere às chamadas orações fronteiriças, há também a necessidade de
se repensarem alguns critérios utilizados no cotejo entre modais e outras orações que se
assemelham a elas bem como refinar a definição das orações analisadas.
Para a análise de dados, este autor utilizou o corpus VARPORT, já comentado, e
obteve alguns resultados que serão elucidados a seguir.
No que diz respeito às formas de articulação, verificou-se que 189 (72%)
orações apresentaram-se na forma reduzida com o verbo no gerúndio (cf. ex. I35); 54
(20%) ocorreram com a presença da preposição SEM seguida de verbo no infinitivo (cf.
ex. II) e 21 (8%) apareceram na forma desenvolvida (cf. ex. III, IV e V), perfazendo
um total de 264 orações.
I. ―[Cantando] espalharei por toda parte / Fazendas, Modas e roupas brancas.‖
(E-B-83-JA-016)
II. “Geléa Americana de oleo de fígado de bacalhao // preparada por E.H. Treux // Para
moléstias do peito / Toma-se, como indicada a instrução, [sem sentir-se o menor gosto
de óleo]‖.
(E-B-83-JA-001)
III. ―Joaquim José Pereira noticia saber cura Herneas no escroto com toda a perfeição
[sem que fique defeituoso]‖.
(E-B-81-JA-026)
IV. ―Esperamos na espectativa sympathica, para applaudil-o e julgal-o [como merece]‖.
(E-B-83-JN-045)
V. ―A Inspectoria, esquecida da velha legislação Brasileira, entra, [como se fora sua
casa], em todos os bancos, indagando pormenorizadamente de contas particulares [como
se estivera relacionando os fundos alheios para uma próxima e eqüitativa partilha]‖.
(E-B-92-JE-004)
Em I, a oração destacada explica o modo como alguém espalhará uma notícia
por toda parte, o verbo encontra-se no gerúndio e a oração modal está anteposta em
relação à oração principal.
35
Os exemplos retirados de Silva (2007) são apresentados por algarismos romanos em negrito.
82
Em II, a oração em destaque indica o modo como a geleia deve ser tomada,
contém a preposição SEM seguida de verbo no infinitivo e está na posição mais
frequente das orações modais, isto é, posposta.
Em III, a oração entre colchetes explica o modo como Joaquim José Pereira
sabe curar Herneas no escroto, está articulada à outra por meio da locução conjuntiva
SEM QUE e se encontra posposta à oração principal.
Em IV, a oração destacada indica o modo como alguém pode ser aplaudido e
julgado, está articulada à outra por meio da conjunção subordinativa COMO e também
está posposta à oração principal.
Em V, a oração explica o modo como a Inspetoria entra em todos os bancos, está
articulada à outra pela locução conjuntiva COMO SE e aparece posposta à oração
principal.
No que tange aos gêneros textuais em que as orações modais foram encontradas,
obtiveram-se os seguintes resultados: 83 (31,4%) apareceram em anúncios; 77 (29,2%)
ocorreram em editoriais; 73 (27,7%) foram encontradas em notícias e 31 (11,7%)
apareceram em entrevistas, perfazendo um total de 264 dados.
Os exemplos III, V e IV contêm, respectivamente, orações modais em anúncio,
em editorial e em notícia. O exemplo VI, a seguir, contém uma oração modal retirada de
uma entrevista.
VI. ―Morrerei [dizendo] que ela estava verde.‖
(OC-B-70-3F-001)
Em VI, a oração modal explica o modo como alguém morrerá e o verbo está no
gerúndio.
Os resultados referentes aos gêneros textuais puderam, àquela altura da pesquisa,
levar à conclusão de que as orações modais, no corpus analisado, são mais frequentes
em textos de língua escrita.
Um ponto importante da descrição proposta por Silva (2007) que auxiliou na
análise das orações modais neste estudo foi o confronto estabelecido entre estas orações
e outras semelhantes a elas, seja pela forma de articulação, seja pela possibilidade de
mais de uma interpretação semântica.
O quadro a seguir resume as ideias apresentadas referentes ao cotejo
supracitado (cf. quadro 6).
83
Quadro 6: Formas de articulação das orações modais propriamente ditas e orações
fronteiriças
FORMAS DE ARTICULAÇÃO
CONSTRUÇÕES ORACIONAIS
SEM QUE
Concessiva, condicional, consecutiva e MODAL
SEM + INFINITIVO
Concessiva, condicional e MODAL
COMO
Conformativa, comparativa e MODAL
DE MODO QUE (EXPLÍCITO)
Consecutiva
DO MODO COMO (IMPLÍCITO)
MODAL
GERÚNDIO
Coordenada, condicional e MODAL
No quadro 6, observa-se que há vários tipos de oração capazes de se articular da
mesma forma e isto favorece a existência de uma proximidade entre elas e a oração
subordinada adverbial modal.
O primeiro tipo de oração subordinada adverbial com o qual a modal pode ser
confundida é a conformativa. A confusão advém do fato de ambas serem ―introduzidas
pela conjunção COMO‖ (Silva, 2007, p.66). O autor retoma uma afirmação de Barreto
(1999, p.201) que auxilia na diferenciação de um caso do outro: ―a relação de
conformidade se refere a algo, isto é, a algum fato que induz a realização de outro; há
uma conformidade entre o pensamento expresso na oração subordinada e o da oração
principal‖. Em seguida, Silva (2007) fornece dois exemplos de conformativa para
mostrar que esta pode i) induzir a realização do fato que ocorre na oração principal e ii)
confirmar este fato. Um desses exemplos pode ser conferido em VII. Estas duas
constatações não podem ser verificadas na oração modal e, por isso, a esta é atribuído o
traço [- poder indutivo] (cf. ex. VIII).
VII. ―Se continuarmos a tentar esquecer casos como esse, o regime vai ter que aprender
a conviver com esses ‗fantasmas‘ ou então chamar a Polícia para apurar tudo direitinho,
[como sugeriu o Ministro].‖
(E-B-94-JE-004)
VIII. ―A Hespanha com a sua povoação de onze milhões de almas póde, sendo [como
tem sido], ajudada pela Grã-Bretanha, que lhe fornece cabedal e armas, apresentar pelo
menos 300 soldados.‖
(E-B-81-JN-012)
84
Em VII, a oração conformativa em destaque induz a realização do fato que
consta na oração principal, pois o que terá que acontecer (fato presente na oração
principal) depende da sugestão dada pelo Ministro e é induzido por ela.
Em VIII, mostra-se que, na oração modal, não há indução nem uma confirmação
do fato presente na oração principal, o que a diferencia de uma conformativa.
Assim como verificado com as conformativas, a linha tênue entre modal e
comparativa também se deve ao conectivo que as encabeça: ambas podem ser
introduzidas por COMO. Um critério utilizado por Silva (2007) para distingui-las foi o
fato de que, em uma comparação, é necessário haver dois termos explícitos para serem
comparados, mas o aspecto que serve de comparação pode se fazer elíptico no segundo
termo (cf. ex. IX)
IX. Ele é inteligente [como o irmão].
Em IX, os dois termos comparados são ―ele‖ e ―o irmão‖, e o aspecto que serve
de comparação é a inteligência. Portanto, pode-se tornar elíptico, no segundo termo, o
verbo e a palavra ―inteligente‖. O exemplo pode ser reescrito como IX’36:
IX’. Ele é inteligente [como o irmão é inteligente].
A elipse capaz de ocorrer em uma comparação não acontece em uma modal,
pois, segundo Silva (2007, p.68), ―em uma modal, não há comparação envolvida, logo,
não há dois termos a serem comparados. Consequentemente, não há o que tornar
elíptico‖. Um dos exemplos apresentados pelo autor pode ser encontrado em X:
X. ―O seguro propiciou a que em breve a família reunida pudesse de novo continuar
[como se nada houvera acontecido].‖
(E-B-93-JA-027)
Nota-se que é necessário fazer uma reformulação quanto ao pensamento de Silva
(2007, p.68), visto que, na verdade, também há comparação envolvida em uma modal
introduzida por COMO SE. Isto pode ser ratificado pelo fato de alguns autores
interpretarem estruturas como X com valor comparativo-hipotético. Entretanto, a
comparação em X envolve uma situação real e uma situação irreal e, em grande parte
desses casos, o verbo usado na oração principal é diferente do utilizado na oração
36
As reescrituras de exemplos são acompanhadas por aspas simples.
85
subordinada. Por este motivo, geralmente, não ocorre elipse como em uma comparativa
prototípica.
Em X, a oração em destaque expressa a noção de modo em relação ao fato
presente na oração principal e não há elipse. Por isso, à modal foi atribuído o traço [possibilidade de elipse].
Um outro tipo de oração subordinada adverbial que foi contrastado com a modal
é a concessiva. As duas construções oracionais em questão podem ser encabeçadas pela
locução conjuntiva SEM QUE e pela preposição SEM, seguida de verbo no infinitivo e,
por isso, em alguns casos, podem causar dificuldades ao leitor para a interpretação de
uma oração como sendo de um tipo ou de outro. García (1994; apud Silva, 2007, p.68)
afirma que a concessiva consiste em uma restrição que é abandonada em seguida (cf. ex.
XI).
XI. ―... o commandante da força, [sem ter intimado a dispersão do grupo formado á
porta da redação], como a lei lh‘o exige, deu ordem de <> barbaramente crenças
indefezas;
A oração destacada entre colchetes representa, em princípio, uma restrição, um
obstáculo para a realização do fato expresso na oração principal. Mesmo assim, este fato
ocorre. Por isso, diz-se que a concessiva é uma restrição que é abandonada em seguida,
ou seja, o obstáculo não é tão forte a ponto de impedir o acontecimento do fato que
consta na oração principal.
Na oração modal, não há restrição alguma e isto serve como uma forma de
distingui-la de uma concessiva. Silva (2007, p.69) afirma que as modais introduzidas
por SEM QUE ou SEM + infinitivo ―explicam o modo como algo acontece com a
ausência ou negação de um fato, que é representado pela preposição SEM‖ (cf. ex. XII).
XII. ―Alliviar a guarda nacional do serviço ordinario [sem prejudicar os fins elevados]
para que foi instituida, é uma necessidade cuja satisfação não deve ser demorada‖.
(E-B-82-JN-011)
Em XII, o fato de aliviar a guarda nacional ocorre com a ausência de prejuízo
dos fins elevados, sem haver restrição ou obstáculo algum para o acontecimento. Dessa
forma, a oração modal recebe o traço de [- restrição abandonada].
Outra oração subordinada adverbial passível de se imbricar com a oração modal
é a condicional. Eventualmente estes dois tipos de oração podem ser confundidos,
86
principalmente, pela forma em que se apresentam: ambos são capazes de ser
introduzidos pela locução conjuntiva SEM QUE, pela preposição SEM, seguida de
verbo no infinitivo e no gerúndio. Silva (2007) usa o critério de mobilidade posicional
para distinguir a modal da condicional. O autor fornece exemplos que demonstram que
a mudança de posição das modais em relação à oração principal não causa
estranhamento ao leitor (cf. ex. XIII) ao passo que, principalmente, as condicionais
introduzidas por SEM + infinitivo e reduzidas de gerúndio (cf. ex. XIV), ao mudarem
de posição em relação à oração principal, causam um estranhamento à compreensão do
leitor e a estrutura passa a ser menos aceitável por ele.
XIII. ―Paiz vastíssimo, inculto, despovoado, onde tudo ainda se acha por fazer, o Brasil
está a exigir de seus filhos, de todos quantos aqui encontram nova patria, que dêem
exemplo de actividade quase sobre-humana, [multiplicando suas forças], [aproveitando
avaramente o tempo, hora por hora, minuto por minuto]‖.
(E-B-91-JN-012)
XIV. ―A diversidade, a variedade e a maleabilidade do EXPRESSO dão-lhe
possibilidades quase inesgotáveis de adaptação a situações novas e de resposta a
necessidades diferentes. E já provamos que tudo isto pode ser feito [conservando a
fidelidade dos leitores], [garantindo a identidade do projecto] e [respeitando a matriz da
fundação]‖.
(E-P-95-JE-008)
Em XIII, se as orações modais destacadas forem antepostas à oração principal,
não haverá problemas quanto à aceitabilidade do enunciado por parte do leitor (cf. ex.
XIII’).
XIII’. Paiz vastíssimo, inculto, despovoado, onde tudo ainda se acha por fazer, o Brasil
está a exigir de seus filhos, de todos quantos aqui encontram nova patria, que,
[multiplicando suas forças], [aproveitando avaramente o tempo, hora por hora, minuto
por minuto], dêem exemplo de actividade quase sobre-humana.
Isto pode comprovar que as modais têm maior mobilidade posicional do que as
condicionais, visto que, em XIV, se as orações condicionais em destaque forem
antepostas, possivelmente o leitor consideraria o enunciado um pouco estranho (cf. ex.
XIV’).
XIV’. A diversidade, a variedade e a maleabilidade do EXPRESSO dão-lhe
possibilidades quase inesgotáveis de adaptação a situações novas e de resposta a
necessidades diferentes. E já provamos que tudo isto, [conservando a fidelidade dos
leitores], [garantindo a identidade do projecto] e [respeitando a matriz da fundação]
pode ser feito .
87
O resultado obtido em XIV’ não é totalmente impossível, mas a aceitabilidade
da estrutura por parte do leitor provavelmente seria menor.
Outro critério utilizado por Silva (2007) para opor uma modal a uma condicional
é o fato de que esta, quando encabeçada por SEM QUE e por SEM + infinitivo, pode ser
substituída por ―SE NÃO‖ seguida de verbo no futuro do subjuntivo (cf. ex. XV e XV’).
XV. ―Não comprem leques, luvas, perfumarias, chapeos de senhora, fórmas, culetes,
grampes, veos, lenços, meias, carteiras, gravatas, joias de fantasia e artigos para
presentes, [sem primeiro ver os preços baratíssimos] por que vende a casa‖.
(E-B-91-JA-017)
XV’. Não comprem leques, luvas, perfumarias, chapeos de senhora, fórmas, culetes,
grampes, veos, lenços, meias, carteiras, gravatas, joias de fantasia e artigos para
presentes, [se não vir primeiro os preços baratíssimos] por que vende a casa.
Nestes casos, a condição está atrelada a uma negação, que é indicada
formalmente pela preposição SEM.
Já nas modais introduzidas pelos mesmos elementos, não há a possibilidade de
se fazer uma substituição por ―SE NÃO‖, pois, apesar de a ideia de negação também
estar presente, não há condição envolvida (cf. ex. XVI e XVI’).
XVI. ―Graças á Divina Providencia, que com tantas forças productivas dotou o paiz,
esperi que, mediante a severa economia e fiscalização em que proseguirá o governo,
alcançaremos em breve tempo extinguir o déficit dos annos passados, sem a menor
quebra do nosso credito e [sem paralysar o progresso nacional].‖
(E-B-82-JN-010)
XVI’. *Graças á Divina Providencia, que com tantas forças productivas dotou o paiz,
esperi que, mediante a severa economia e fiscalização em que proseguirá o governo,
alcançaremos em breve tempo extinguir o déficit dos annos passados, sem a menor
quebra do nosso credito e [se não paralysar o progresso nacional].
A substituição por SE NÃO torna a estrutura em XVI’ inaceitável pelo leitor.
A partir da oposição estabelecida entre modal e condicional, atribui-se àquela
oração os traços [+ mobilidade posicional] e [- substituição por SE NÃO].
Estas são as principais ideias de Silva (2007) relativas às diferenças entre uma
oração modal e uma oração condicional. Cabe, neste momento, contudo, sugerir uma
reformulação quanto ao critério [+ mobilidade posicional], proposto por ele.
Os critérios utilizados por Silva (2007) para caracterizar uma oração modal
resultaram em uma matriz de traços, calcada em uma dicotomia, isto é, o traço [+
mobilidade posicional] das modais acarretaria o traço [- mobilidade posicional] das
88
condicionais. Isto levaria à interpretação de que as orações condicionais não possuem
mobilidade, interpretação esta errônea, já que tanto as modais quanto as condicionais
possuem mobilidade posicional. O que se pretendia reforçar em Silva (2007) era que as
modais teriam maior mobilidade do que as condicionais.
A oração subordinada adverbial modal também se aproxima da consecutiva.
Ambos os tipos de oração podem ser introduzidos pela locução conjuntiva SEM QUE.
Entretanto, as estruturas encabeçadas por esta locução não causam tantos problemas de
interpretação quanto as introduzidas por locuções do tipo DE MODO QUE e DE
MANEIRA QUE, visto que estas contêm palavras do campo semântico de ―modo‖.
Silva (2007) atenta para o fato de Barreto (1999) afirmar que as modais podem ser
introduzidas por estas locuções. Apesar disso, no corpus analisado pelo autor, as
orações que apresentaram as locuções supracitadas expressavam a circunstância de
consequência, e não de modo.
Para caracterizar uma oração modal em confronto com a consecutiva, o autor
adota a proposta de Decat (1995), que afirma que algumas modais podem ser
parafraseadas por uma oração subordinada adjetiva. Silva (2007) comenta que estas
modais seriam introduzidas pela conjunção COMO (cf. ex. XVII). Por outro lado, as
consecutivas têm explicitamente uma locução que possui uma palavra do campo
semântico de ―modo‖ como DE MODO QUE, DE MANEIRA QUE (cf. ex. XVIII).
XVII. ―... cumpre ao sr. Quintino Bocayuva, presidente do Estado tomar as
providencias energicas que o caso exige, mandando submetter as victimas a corpo de
delicto e abrir rigoroso inquerito por uma commisão insuspeita, afim de castigar os
culpados [como elles merecem], e estamos certos de que s.Ex. o fará‖. (E-B-91-JN-002)
Exemplo reescrito:
XVII’. ... cumpre ao sr. Quintino Bocayuva, presidente do Estado tomar as providencias
energicas que o caso exige, mandando submetter as victimas a corpo de delicto e abrir
rigoroso inquerito por uma commisão insuspeita, afim de castigar os culpados [do
modo como elles merecem], e estamos certos de que s.Ex. o fará.
XVIII. ―... administração que vem de terminar o seu mandato e em cujo periodo foi
feita a reforma dos respectivos estatutos, [de modo a attender ás exigências
demonstradas pela pratica e pela experiencia‖.
(E-B-91-JE-004)
Algumas modais introduzidas por COMO podem ter implicitamente a palavra
MODO servindo como antecedente, podendo estas ser parafraseadas por orações
89
adjetivas. A partir desta constatação, atribui-se à modal o traço [+ substituição por
adjetiva].
Há outro tipo de oração subordinada adverbial que merece ser comentado aqui –
as comparativas hipotéticas, introduzidas pela locução conjuntiva COMO SE. Há
autores que consideram que esta locução é formada pela conjunção comparativa COMO
e a conjunção condicional SE. Não se pode negar o valor comparativo e condicional
presente em orações como a destacada em XIX.
XIX. ―Outra moça usando pantalona e não podendo regressar, sem tratar do que
pretendia no STF, procurou um banheiro que fica por fora do palácio, tirou a calça
comprida e, tranqüilamente usando apenas a túnica [como se fosse a minissaia] resolveu
seu compromisso, no recinto do Supremo‖.
(E-B-93-JN-016)
No entanto, é possível perceber que a noção de modo também está presente
nesta estrutura. Com isso, em vez de se considerar que o COMO da locução é uma
conjunção comparativa, pode-se analisá-la como conjunção modal. É esta interpretação
dada por Silva (2007, p.77), que encontra suporte em autores como Gili Gaya (1967;
apud Ayora, 1991, p.9), Ayora (1991) e Rodrigues (1999): ―O valor de modo inerente
ao vocábulo COMO já foi comentado aqui. Além disso, há alguns autores que já
atentaram para o fato de que a locução conjuntiva COMO SE pode introduzir orações
modais‖ (cf. Silva, 2007, p.77).
No âmbito da subordinação adverbial, ou da hipotaxe de realce, nos termos de
Halliday (2004), as orações cotejadas com as modais por Silva (2007) foram as
comentadas até aqui. Em seguida, apresenta-se a distinção entre modais e coordenação.
Silva (2007) observa que há uma estrutura oracional que representa um pouco
mais de dificuldade para ser analisada e isto ocorre porque se pode privilegiar ou o nível
semântico ou o nível sintático. São as orações coordenadas reduzidas de gerúndio com
matiz modal37. No nível sintático, percebe-se que se trata de coordenação, mas no nível
semântico, depreende-se que esta estrutura veicula a circunstância de modo. Por este
motivo, muitos exemplos podem causar dúvidas ao serem analisados.
Silva (2007) aponta, pelo menos, duas diferenças entre as coordenadas e a
oração modal. Primeiramente, enquanto a oração coordenada sindética, geralmente, é
37
Já foi alertado, nesta tese, que esta estrutura não é abordada pela maioria dos autores consultados para a
pesquisa empreendida aqui.
90
posposta à coordenada assindética, tendo, portanto, uma posição mais fixa, a oração
modal possui maior mobilidade posicional.
Em seguida, é usado um critério decisivo para se distinguir as duas estruturas
citadas anteriormente: a simultaneidade. Kury (1987; apud Silva, 2007, p.62) observa
que ―se o acontecimento que ocorre primeiro, isto é, a coordenada assindética, for uma
oração desenvolvida, o gerúndio, denotando fato imediato, equivale a uma oração
coordenada aditiva‖.
Dessa forma, a coordenada reduzida de gerúndio equivale a uma coordenada
aditiva, que expressa um fato que ocorre posteriormente ao fato presente na coordenada
assindética38 (cf. ex. XX). Por outro lado, a oração subordinada adverbial modal ―indica
o modo como um acontecimento se deu e, por isso, representa uma situação simultânea
à representada na oração principal‖ (Silva, 2007, p.65) (cf. ex. XXI).
XX. ―Um belo dia um filho deste, de 8 annos de idade vendo a onça a devorar um
capado, correu a tomal-o, [espantando-a].‖
(E-B-83-JN-054)
XXI. ―Você pode comprar o seu celular digital em qualquer uma de nossas lojas no Rio
de Janeiro, que o Ponto Frio garante a entrega do seu aparelho já habilitado. Você sai
[falando na hora]‖.
(E-B-94-JA-020)
Em XX, o fato presente na oração destacada acontece depois do fato que consta
na oração que a precede, o que caracteriza uma coordenada. Já em XXI, o fato presente
na oração em destaque ocorre ao mesmo tempo que o fato que consta na oração
principal, o que caracteriza uma oração subordinada adverbial modal. A partir desta
oposição, é possível atribuir à oração modal o traço [+ simultaneidade].
Em XX, também se pode analisar a oração entre colchetes como subordinada
adjetiva. Tomando esta interpretação, o período em questão poderia ser reescrito como
XX‘.
XX‘. Um belo dia um filho deste, de 8 annos de idade vendo a onça a devorar um
capado, correu a tomal-o, [o que a espantou].
É preciso tecer alguns comentários acerca do exemplo XXI. O uso do verbo
SAIR seguido de um verbo no gerúndio poderia ser interpretado de outra forma. Esta
combinação pode ser entendida como uma locução verbal em que o verbo auxiliar é
38
O aspecto da sequencialidade é considerado, nesta pesquisa, como característico das orações
coordenadas reduzidas de gerúndio (cláusulas paratáticas não-finitas).
91
SAIR e o verbo principal encontra-se na forma nominal gerúndio. Esta visão pode ser
reforçada pelo fato de que, em alguns casos, o verbo SAIR sofre um desbotamento
semântico no que tange ao seu sentido original, deixando de ter o significado de ―passar
(de dentro para fora)‖ (Luft, 1991) e funcionando como uma ênfase da ação
representada pelo verbo na forma nominal gerúndio.
Entretanto, não se pode desconsiderar que a noção de modo está presente nesta
estrutura. Além disso, pode-se analisá-la como uma oração subordinada adverbial
modal, em que o gerúndio explica o modo como alguém sai de algum lugar. Optou-se
por esta interpretação na análise do corpus.
Alguns traços auxiliam na caracterização e definição das orações modais. Estes
traços foram apresentados anteriormente e foram sistematizados por Silva (2007, p.79)
em um quadro, que será retomado a seguir, com a modificação referente ao critério [+
mobilidade posicional], já comentado neste capítulo (cf. quadro 7):
Quadro 7: Caracterização geral das modais
TRAÇOS CARACTERIZADORES DAS MODAIS
[+ simultaneidade]
[- poder indutivo]
[- possibilidade de elipse]
[- restrição abandonada]
[maior mobilidade posicional]
[- substituição por SE NÃO]
[+ substituição por ADJETIVA]
Estes traços caracterizam a oração subordinada adverbial modal e servem como
ponto de partida para se estabelecer um continuum das orações com noção de modo no
português. Este, por questões didáticas, se inicia nas cláusulas mais encaixadas e
termina nas cláusulas sem encaixamento, visto que uma cláusula mais encaixada pode
ser compreendida como mais ligada sintaticamente e parece ser mais fácil iniciar a
explicação e a análise de uma estrutura oracional pelo encaixamento do que pelo nãoencaixamento (cf. esquema 4).
92
Esquema 4: Continuum das cláusulas com noção de modo em português39
Cláusulas encaixadas
Cláusulas
Cláusulas
Cláusulas
com função substantiva --------- hipotáticas ---------- correlatas --------- paratáticas
e adjetiva
+ Encaixamento ----------------------------------------------------------------- - Encaixamento
Menor Integração ------------------------------------------------------------- Maior Integração
Semântico-pragmática
Semântico-pragmática
Verificam-se, no continuum proposto, de um lado, as estruturas mais encaixadas,
do outro lado, as sem encaixamento algum e, em um nível intermediário, cláusulas que
apresentam um grau de vinculação com outras cláusulas, sem envolver encaixamento.
Observa-se que as cláusulas mais encaixadas – cláusulas encaixadas com função
substantiva e adjetiva – são menos integradas semântico-pragmaticamente, as
cláusulas não encaixadas – cláusulas paratáticas – são mais integradas semânticopragmaticamente e as cláusulas que estão em um nível intermediário no que se refere ao
grau de vinculação – cláusulas hipotáticas e cláusulas correlatas – são encontradas
também em um nível intermediário no que diz respeito à integração semânticopragmática.
O continuum, no esquema 4, será mais bem explicado ao final do item 6.2.2.4.
A definição de oração modal proposta por Silva (2007, p.131), em pesquisa
realizada no Mestrado, como ―toda oração que indica e explica o modo como a ação
contida na oração principal ocorre‖ também precisa ser revista.
O problema desta definição reside na palavra ―ação‖. Nem sempre uma oração
subordinada adverbial modal expressa a ideia de modo em relação a uma ação. Para
ilustrar isso, têm-se os exemplos XXII, XXIII e XXIV.
39
Por questões didáticas, apresenta-se o continuum, partindo-se das estruturas mais encaixadas / mais
sintaticamente vinculadas até as estruturas menos vinculadas / menos sintáticas.
93
XXII. ―No silencio da prisão, diz a Gazeta dos Tribunaes, Clementina ouvia de
continuo os ultimos gritos de sua desditosa mãi, e quando chegava a noite, seu cadaver
ensanguentado se lhe apresentava diante dos olhos, [accusando-a da sua morte].‖
(E-B-81-JN-022)
XXIII. ―Lá verá V.S. que usamos da linguagem lhana, [sem fazermos monopolio da
verdade], nem servirmos de cobertura aos criminosos.‖
(E-B-83-JE-008)
XXIV. ―Quantas vezes lá, sua esposa chegou a V.S. alarmada para contar-lhe um sonho
em que ella o viu envolvido em circumstancias tragicas, em que ella sentiu, [como se
fosse real], a oppressão de um grande perigo a ameaçar a felicidade da familia...‖
(E-B-92-JA-035)
Em XXII, a oração modal explica o modo como o cadáver ensanguentado se
apresentava diante dos olhos de Clementina. Nota-se que o verbo que aparece na oração
principal é ―apresentava‖, ou seja, um verbo do tipo ―existencial‖. Com isso, pode-se
afirmar que se apresentar ou aparecer em algum lugar não é uma ação propriamente
dita.
Em XXIII, a oração entre colchetes explica o modo como se usou uma
linguagem lhana. Em princípio, poder-se-ia considerar que o verbo da oração principal –
―usamos‖ – é um verbo que indica ação. Entretanto, fazendo-se uma análise mais
cuidadosa do exemplo, observa-se que o verbo ―usar‖ está relacionado à palavra
―linguagem‖, sugerindo que, na verdade, houve um ato de dizer, e não uma ação efetiva.
Em XXIV, a oração modal indica o modo como alguém sentiu a opressão de um
perigo. Verifica-se que o verbo usado na oração principal é ―sentiu‖, que indica
sensação, sentimento e, dessa forma, é interpretado como um verbo do tipo ―sensitivo‖.
Pelos exemplos XXII, XXIII e XXIV, constata-se que uma oração modal, além
de explicar o modo como uma ação ocorre, pode explicar também o modo como i) a
existência ou o aparecimento de alguém; ii) a fala de alguém; iii) o sentimento de
alguém, entre outros eventos, acontecem.
Feitas as considerações anteriores, propõe-se uma reformulação da definição de
oração modal de Silva (2007). A alteração pode parecer sutil, mas a torna
semanticamente mais adequada:
―Oração subordinada adverbial modal é toda oração que
indica e explica o modo como o evento apresentado na
oração principal ocorre‖.
94
Talvez, o vocábulo ―evento‖ ainda não seja o mais apropriado, mas, com
certeza, engloba outros processos que não indicam uma ação propriamente dita. Em
Luft (1991), um dos significados de ―evento‖ é ―acontecimento‖, que também é mais
abrangente do que a palavra ―ação‖.
Neste capítulo, apresentaram-se os comentários pertinentes à pesquisa realizada
por Silva (2007), bem como algumas reformulações das ideias do autor. Acredita-se que
estas reformulações contribuirão para a análise das estruturas oracionais com noção de
modo em português, que se verá a seguir, em 6.2.
95
6.
METODOLOGIA E ANÁLISE DOS CORPORA
Os dados analisados foram obtidos a partir de dois corpora: VARPORT (corpus
do Projeto de Variação Contrastiva do Português) e D&G (corpus do Projeto Discurso
& Gramática), e foram contabilizados manualmente porque a pesquisa empreendida não
utiliza a sociolinguística como pressuposto teórico e metodológico, e porque, apesar de
se realizar também uma análise quantitativa, o objetivo principal deste estudo é analisar
os dados qualitativamente.
6.1. Descrição dos corpora
O corpus VARPORT encontra-se disponível no site www.letras.ufrj.br/varport e
contém textos pertencentes às modalidades escrita e falada do português e às variedades
brasileira e europeia. Os textos de língua escrita são divididos em três gêneros:
anúncios, editoriais e notícias, e os textos de língua falada são entrevistas do tipo DID
(Diálogo entre Documentador e Informante). Além disso, os textos são divididos por
séculos (XIX e XX).
Na pesquisa empreendida no Mestrado por Silva (2007), ao abordar as orações
subordinadas adverbiais modais, o autor utilizou fatores como sincronias distintas
(séculos XIX e XX) e variedades linguísticas (Português Brasileiro e Português
Europeu). Esses fatores não se mostraram relevantes para a análise realizada.
Entretanto, no estudo feito aqui, optou-se por manter os fatores supracitados, a fim de se
verificar se eles contribuiriam para a análise das cláusulas com noção de modo.
Para melhor entendimento dos corpora da pesquisa, adota-se a definição de
gêneros textuais proposta por Marcuschi (2002). Segundo o autor, os gêneros
―caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais
do que por suas peculiaridades linguísticas e estruturais‖ (cf. Marcuschi, 2002, p.20).
Essa caracterização permite que se distinga gênero de tipo textual. O primeiro apresenta
características sócio-comunicativas, enquanto que o segundo é definido pela natureza
linguística, isto é, por características como tempo verbal e aspectos sintáticos utilizados.
Além disso, os gêneros textuais constituem um grupo mais aberto ao passo que os tipos
textuais constituem um grupo mais fechado e facilmente identificado como: narração,
argumentação, exposição, descrição e injunção (cf. Marcuschi, 2002, p.22).
96
O corpus D&G, disponível no site www.uff.br/d&g, contém textos de língua
escrita e língua falada produzidos por informantes que cursavam a 4ª série e a 8ª série
do ensino fundamental no ano de 1993.
A quantidade de cláusulas que expressam o conteúdo de modo encontrada neste
corpus foi reduzida, se comparada à observada no corpus VARPORT. No entanto,
acredita-se que é importante contrastar os dois corpora mencionados, visto que uma
mesma estrutura, no caso, as cláusulas modais, pode apresentar funções comunicativas
distintas a depender do corpus em que é verificada.
Tanto os textos escritos como as entrevistas são divididos pelos organizadores
do corpus em narrativa de experiência pessoal, narrativa recontada, descrição de local,
relato de procedimento e relato de opinião. Nota-se que, nas nomenclaturas propostas
pelos organizadores, há uma mistura de conceitos: o de gênero textual e o de tipo
textual. Narrativa de experiência pessoal e narrativa recontada referem-se, de certo
modo, ao tipo textual ―narração‖ e descrição de local está relacionada ao tipo textual
―descrição‖. Já o relato de opinião e o relato de procedimento caracterizam-se mais
como gêneros do que como tipos textuais. O primeiro provavelmente contém
predominantemente sequências narrativas e argumentativas, enquanto que o segundo
parece envolver mais frequentemente sequências narrativas e injuntivas.
Por este motivo, preferiu-se analisar os dados do corpus D&G, nesta pesquisa,
levando-se em consideração as sequências tipológicas. Eventualmente, são feitas
menções às nomenclaturas encontradas neste corpus. Para o presente estudo, foram
considerados apenas dados referentes a informantes do Rio de Janeiro.
Apesar de ter sido detectada essa inadequação na nomenclatura utilizada no
corpus D&G, percebe-se que foi uma tentativa, por parte dos organizadores, de abarcar
textos com diferentes características e com diferentes funções comunicativas. Isto já foi
uma grande contribuição na época para que pesquisas em que são analisados corpora
constituídos de textos diversificados se aprimorassem.
Os pressupostos teóricos utilizados neste trabalho são os do Funcionalismo, pois
se apresenta um estudo tomando como base textos que representam o uso real da língua,
um dos principais interesses desta perspectiva teórica. Além disso, levam-se em conta
os diferentes contextos comunicativos em que a língua é usada e se entende a linguagem
como um ―instrumento de interação social‖ (Cunha, 2008, p.157). Nesse sentido,
buscaram-se subsídios em autores funcionalistas como Lehmann (1985), Hopper e
Traugott (1993), Halliday (2004) e Gonçalves et alii (2007), só para citar alguns.
97
6.2. Análise de dados no corpus VARPORT
Os dados obtidos a partir da leitura dos textos que constituem os dois corpora –
VARPORT e D&G – possibilitam evidenciar que, em português, no nível oracional, a
noção de modo manifesta-se por meio de diferentes estruturas, que envolvem graus de
encaixamento, que podem ser dispostos em um continuum (cf. esquema 4), partindo das
estruturas mais encaixadas até as menos vinculadas, e as que não envolvem
encaixamento algum.
Os níveis de vinculação considerados na constituição do continuum estão, de
certa forma, relacionados aos graus de integração entre cláusulas (cf. cap. 3).
O encaixamento, verificado nas cláusulas encaixadas com função substantiva e
adjetiva, é abordado de forma semelhante pelos autores Lehmann (1985), Hopper e
Traugott (1993), Halliday (2004) e Gonçalves et alii (2007). Para Lehmann (1985), o
encaixamento é a dependência de um constituinte subordinado. Segundo Hopper e
Traugott (1993), se refere à dependência completa, em que uma margem está
completamente incluída no constituinte de um núcleo. De acordo com Halliday (2004),
envolve um mecanismo em que uma cláusula ou um sintagma funciona como um
constituinte dentro da estrutura de um grupo. Para Gonçalves et alii (2007, p.151), o
encaixamento refere-se às orações que ―reclamam um complemento, que será fornecido
em outra estrutura oracional‖. Neste estudo, analisaram-se cláusulas encaixadas com
função substantiva, que são consideradas por Gonçalves et alii (2007) como
encaixamento prototípico com função substantiva, e com função adjetiva, que são
interpretadas pelos mesmos autores como estruturação intermediária 2, inserida no
processo de encaixamento.
A hipotaxe constatada na análise dos corpora se assemelha à hipotaxe de realce
de Halliday (2004, p.416), em que ―a combinação de realce com hipotaxe origina o que
é conhecido na gramática tradicional como ‗cláusulas adverbiais‘‖.
Dos autores citados em 3, apenas Lehmann (1985) estabelece um continuum que
contempla a correlação (cf. esquema 5). Para o autor, considerando-se a integração entre
cláusulas, a correlação estaria em um nível hierárquico entre a parataxe e a hipotaxe.
Contudo, não são fornecidas maiores explicações a respeito da disposição deste
processo sintático no nível sugerido. Nesta pesquisa, porém, apresentam-se as
motivações para o continuum estabelecido no que tange às cláusulas com noção de
modo em português.
98
Esquema 5: Continuum de integração entre cláusulas por Lehmann (1985)
PARATAXE
DÍPTICO CORRELATIVO
HIPOTAXE
COSSUBORDINAÇÃO
ENCAIXAMENTO
A parataxe, neste trabalho, envolve algumas orações coordenadas sindéticas da
tradição e a coordenação por meio de verbo no gerúndio. O primeiro caso relaciona-se
com o conceito de parataxe de realce de Halliday (2004, p.413), pois, segundo o autor,
―a combinação de realce com parataxe origina um tipo de coordenação, mas com um
traço circunstancial incorporado a ela‖. Pelos exemplos apresentados por ele, constatase que a parataxe de realce inclui apenas cláusulas introduzidas por conjunções ou
grupos conjuncionais.
No conceito de parataxe de Hopper e Traugott (1993), explicita-se que não há
dependência nem encaixamento no nível sintático. Entendida dessa forma, a parataxe,
na perspectiva desses autores, distancia-se da parataxe encontrada na análise dos
corpora, nesta tese, visto que não mencionam a dependência semântica e que os dados
de cláusulas paratáticas possuem um matiz modal e, consequentemente, uma
dependência semântica.
O caso da parataxe que envolve cláusulas reduzidas de gerúndio não é abordado
pela maioria dos autores tradicionais nem pelos autores mencionados em 3. Apenas Said
Ali (1969), Kury (1987) e Bechara (1994) constatam que a coordenação pode ser
expressa por meio do gerúndio. Entretanto, no exemplo fornecido pelos autores, não é
contemplado o fato de que esta estrutura pode veicular alguma circunstância. Dessa
forma, as cláusulas paratáticas reduzidas de gerúndio com noção de modo não são
estudadas em nenhum dos autores pesquisados para a feitura deste trabalho.
Para que a análise torne-se mais adequada e mais coerente, é necessário
distinguir dois níveis – o sintático e o semântico. Dessa forma, evita-se a mistura de
critérios no momento em que os dados são analisados. Com isso, em 6.2.1, apresenta-se
a abordagem sintática das cláusulas com noção de modo e, em 6.2.2, a abordagem
semântica das cláusulas com noção de modo.
99
6.2.1. Abordagem sintática das cláusulas com noção de modo
Ao se empreender uma análise estritamente sintática das cláusulas com noção de
modo, encontraram-se as estruturas discriminadas nos gráficos 1 e 2. Vale ressaltar que
se parte de estruturas mais encaixadas (mais sintaticamente ligadas) para estruturas
menos vinculadas ou sem encaixamento (menos sintaticamente vinculadas), a fim de
que, desta forma, a descrição se torne mais compreensível e didática.
Enc. Subst.
Enc. Adj.
Hip. Fin.
Hip. N. Fin.
Correlata
Par. Fin.
Par. N. Fin.
12
53
136
23
11
7
242
Total: 484
Gráfico 1: Estruturas encontradas no corpus VARPORT
Enc. Subst.
Enc. Adj.
Hip. Fin.
Correlata
Par. Fin.
Par. N. Fin.
8
Hip. N. Fin.
17
4
50
Total: 79
Gráfico 2: Estruturas encontradas no corpus D&G
100
Pelos gráficos 1 e 2, verifica-se que, no corpus VARPORT, detectou-se um total
de 484 cláusulas com a circunstância de modo e, no corpus D&G, um total de 79
cláusulas com esta noção. Esta discrepância deve-se ao fato de a quantidade de textos
analisados no corpus VARPORT ser superior em relação à quantidade de textos
analisados no corpus D&G.
Pela análise dos dados, constatou-se que, em ambos os corpora, a estrutura mais
frequente foi a cláusula hipotática não-finita. Esta estrutura equivale às orações
subordinadas adverbiais modais reduzidas, que foram estudadas por Silva (2007). Notase, nos gráficos 1 e 2, que há diferenças entre os corpora analisados. No corpus
VARPORT (cf. gráfico 1), a segunda estrutura mais frequente foi a cláusula paratática
não-finita, enquanto que, no corpus D&G (cf. gráfico 2), foi a cláusula encaixada com
função substantiva. Provavelmente, este resultado deve-se às diferenças na composição
dos textos provenientes de cada corpus.
Para cada tipo de cláusula, controlou-se a modalidade linguística (língua escrita
e língua oral), a manutenção do referente (sujeito), os tipos semânticos de verbo, as
sequências tipológicas (narrativa, descritiva, argumentativa e injuntiva) e o gênero
textual.
A modalidade linguística foi observada a fim de identificar se há alguma
estrutura prototípica40 da fala ou da escrita. Com isso, seria possível afirmar que a noção
de modo manifesta-se de maneiras diferentes se consideradas as variedades escrita e
falada da língua.
Os aspectos ―manutenção de referente (sujeito)‖ e ―tipos semânticos de verbo‖
foram levados em conta com os seguintes objetivos: i) ratificar a hipótese de que
cláusulas não-finitas são mais integradas semântico-pragmaticamente do que cláusulas
finitas e ii) constatar que há uma relação direta entre tipos semânticos de verbo e
integração semântico-pragmática.
As sequências tipológicas e os gêneros textuais em que as cláusulas com noção
de modo ocorreram foram controlados, a fim de verificar se um gênero textual
específico favoreceria um tipo de cláusula modal, ou se o comportamento de cada tipo
40
Na pesquisa empreendida aqui, entende-se o termo ―prototípico‖ com base no conceito de ―protótipo‖
da Linguística Cognitiva, que engloba ―exemplares típicos, mais representativos, ou, melhor,
representações mentais destas entidades‖ (Silva, 1997, p.66) e ―aparecem como os membros da categoria
que mais refletem a estrutura redundante da categoria como um todo‖ (Rosch, 1978 a:37, apud Mondala e
Dubois, 2003, p.41-42)
101
de cláusula é influenciado pelas sequências tipológicas, independentemente do gênero
textual utilizado.
Antes de analisar cada estrutura separadamente, convém apresentar, de uma
forma geral, a distribuição das cláusulas pelos gêneros textuais em que foram
encontradas. Como no corpus D&G, as cláusulas serão descritas em termos de
sequências tipológicas (cf. 6.1), neste momento, leva-se em consideração apenas o
corpus VARPORT (cf. tabela 1).
Na tabela 1, são apresentados todos os tipos de estrutura oracional modal
extraídos do corpus VARPORT. Na primeira coluna, são encontrados os tipos de
cláusulas modais; a segunda coluna contém a frequência com que cada estrutura
oracional ocorreu nos gêneros textuais de língua escrita – anúncios, notícias e editoriais;
na terceira coluna, verificam-se as frequências com que cada cláusula ocorreu nos
gêneros textuais de língua falada – entrevistas e, na última linha, observa-se o total de
cláusulas retirado de cada gênero textual analisado.
Tabela 1: Distribuição das cláusulas modais pelos gêneros textuais no corpus
VARPORT
LÍNGUA
LÍNGUA
ESCRITA
ANÚNCIOS
NOTÍCIAS
EDITORIAIS
ENTREVISTAS
11 (7,3%)
12 (8,5%)
4 (3,2%)
26 (38,2%)
____
6 (4,2%)
4 (3,2%)
2 (2,9%)
Hipotáticas
82 (54,7%)
69 (48,6%)
79 (63,7%)
35 (51,5%)
Correlatas
1 (0,7%)
2 (1,4%)
3 (2,4%)
1 (1,5%)
Paratáticas
56 (37,3%)
53 (37,3%)
34 (27,5%)
4 (5,9%)
TOTAL
150 (100%)
142 (100%)
124 (100%)
68 (100%)
GÊNEROS
FALADA
CLÁUSULAS
Encaixadas com
função substantiva
Encaixadas com
função adjetiva
Pela tabela 1, percebe-se que, nos gêneros textuais de língua escrita (anúncios,
notícias e editoriais), os resultados se assemelham, visto que as duas estruturas mais
frequentes nos três foram as cláusulas hipotáticas e as cláusulas paratáticas,
102
respectivamente. Parece, portanto, que o gênero textual não se constitui no principal
aspecto para distinguir o comportamento das estruturas analisadas nesta tese. Há
evidências de que as sequências tipológicas exercem mais influência no comportamento
destas estruturas (cf. tabela 5, em 6.2.1.1; tabelas 12 e 13, em 6.2.1.3.2; tabela 18, em
6.2.1.5.2; tabela 22, em 6.3.1; e tabela 23, em 6.3.2.2).
Todavia, percebe-se uma diferença entre os gêneros textuais de língua escrita em
conjunto em relação ao gênero textual de língua falada. Nas entrevistas, a segunda
estrutura mais frequente foi a cláusula encaixada com função substantiva. Há indícios
de que textos de língua falada favorecem este tipo de estrutura (cf. 6.2.1.1).
Em 6.2.1.1, são analisadas as cláusulas encaixadas com função substantiva.
6.2.1.1. Cláusulas encaixadas com função substantiva
A estrutura encaixada com função substantiva equivale ao que, na tradição, se
denomina oração subordinada substantiva. No corpus VARPORT, as cláusulas
encaixadas com função substantiva, que veiculam a noção de modo, apresentam-se na
forma finita e são introduzidas pelo item COMO isoladamente, como parte integrante de
uma locução conjuntiva ou combinado com um verbo no gerúndio.
Os dados referentes às variedades brasileira e europeia foram agrupados e,
quando houver diferenças substanciais entre estas variedades linguísticas, elas serão
elucidadas.
No gráfico 3, apresentam-se as formas de articulação das cláusulas encaixadas
com função substantiva na língua escrita. Vale ressaltar que, de um total de 484
cláusulas encontradas no corpus VARPORT, 27 eram encaixadas com função
substantiva nesta modalidade linguística.
103
COMO
COMO QUE
2
COMO + Ger.
COMO SE
1
2
22
Total: 27
Gráfico 3: Formas de articulação das cláusulas encaixadas com função substantiva na
língua escrita
Pelo gráfico 3, verifica-se que a forma de articulação mais frequente das
cláusulas encaixadas com função substantiva na língua escrita foi com o item COMO
isoladamente (cf. ex. 141).
1. ―O Illustrado ministro sabe [como na Inglaterra se defende a liberdade e se pune a
violação da lei]‖.
(E-B-82-JN-015)
Em 1, a cláusula destacada exerce a função sintática de objeto direto do verbo
―saber‖ e o item COMO favorece a interpretação desta estrutura como passível de
veicular a circunstância de modo.
A locução COMO QUE, neste tipo de cláusula, só ocorreu no Português
Europeu (cf. ex. 2) e a locução COMO SE só ocorreu no Português Brasileiro (cf. ex.
3).
41
Os exemplos retirados do corpus VARPORT são representados por algarismos arábicos.
104
2. ―Ao alcançarmos a posição (2) vemo-lo [como que a andar para trás], para, depois da
posição (6), retomar o normal sentido de deslocamento‖.
(E-P-95-JN-011)
3. ―Dado, além de tudo, que a vida pública nacional tomou direções inteiramente novas,
como efeito da grandiosa obra administrativa do govêrno, e que perspectivas mais
vastas e fascinantes do que nunca se abrem dos olhos de todos os brasileiros, os
derradeiros acos dos velhos conflitos há muito morreram no mais distante socavão da
nossa sensibilidade coletiva. Tão límpido é nesta parte como em outras, o horizonte
institucional que só, na verdade, por um esforço de memória conseguimos reconstituir
indecisamente os penosos episódios de tão forte repercussão, há anos. É um pouco
[como se falassemos da nossa pre-hitória democrática]‖.
(E-B-93-JE-003)
Em 2, a cláusula entre colchetes explica o modo como o objeto, representado
pelo pronome ―lo‖, é visto e exerce a função sintática de predicativo do objeto, pois
indica o estado em que o objeto se encontra quando é visto.
Em 3, a cláusula destacada encontra-se em um segmento que retoma todo o
discurso precedente. Poder-se-ia, inclusive, utilizar o pronome ―isto‖ para resumir tudo
que é apresentado anteriormente e, dessa forma, este pronome exerceria a função
sintática de sujeito do verbo ―é‖ em ―É um pouco como se falassemos da nossa prehitória democrática‖. Além disso, pode-se perceber que a cláusula matriz contém um
verbo de ligação (―ser‖) e a cláusula encaixada exerce a função sintática de predicativo
do sujeito. Nota-se que a cláusula encaixada é encabeçada pela locução COMO SE, que,
para alguns autores, introduz uma estrutura comparativo-hipotética. Não se está
descartando esta interpretação. Entretanto, considera-se que, além de existirem as
noções de comparação e de hipótese ou condição na estrutura em foco, a nuance de
modo sobressai. Esta interpretação encontra respaldo nas ideias de Ayora (1991) e
Rodrigues (1999).
Comentadas as formas de articulação das cláusulas encaixadas com função
substantiva, consideram-se, neste momento, os aspectos relacionados à integração
semântico-pragmática: a manutenção de referente e os tipos semânticos de verbo.
Conforme já visto, de acordo com Hopper e Traugott (1993), há uma relação
entre cláusulas reduzidas, isto é, mínima combinação explícita, com máxima integração.
Sendo assim, presume-se que as cláusulas encaixadas com função substantiva, em sua
maioria, são menos integradas semântico-pragmaticamente, pois, no corpus analisado,
105
todos os dados referentes a esta estrutura apresentam uma combinação explícita – o item
COMO isolado ou acompanhado por outros itens.
Para confirmar esta hipótese, utilizou-se o critério de manutenção do referente
(sujeito). Segundo este critério, se as cláusulas que estão articuladas entre si apresentam
o mesmo sujeito, há maior integração entre elas e se apresentam sujeitos distintos, há
menor integração entre elas. No corpus VARPORT, no que tange aos dados retirados de
textos de língua escrita, apenas 6 (22,2%) das 27 cláusulas encaixadas apresentaram o
mesmo referente (sujeito) em relação à cláusula matriz, o que sugere que estas cláusulas
encaixadas são menos integradas semântico-pragmaticamente (cf. ex. 4).
4. ―Só assim os de um país conseguiram saber com amplitude e segurança [como eram
as outras nações] e o que nos seus territórios se passava‖.
(E-P-94-JE-001)
Em 4, o sujeito da cláusula matriz – ―os de um país‖, podendo ser interpretado
como ―os cidadãos de um país‖ – é diferente do da cláusula encaixada – ―as outras
nações‖. Isto sugere que, de um modo geral, cláusulas encaixadas em que há um item
conector são menos integradas semântico-pragmaticamente.
O outro aspecto que pode estar relacionado à integração semântico-pragmática é
o tipo semântico de verbo que ocorre na cláusula com conteúdo semântico de modo.
Analisando-se todos os tipos de cláusulas com noção de modo, parece que o tipo
de verbo ―material‖ é uma forma não-marcada, isto é, aparece frequentemente tanto em
cláusulas mais integradas quanto em cláusulas menos integradas. Entretanto, parece
haver uma tendência de verbos do tipo ―material‖ e ―verbal‖ ocorrerem em cláusulas
mais integradas e de verbos do tipo ―relacional‖, ―existencial‖ e ―sensitivo‖ ocorrerem
em cláusulas menos integradas.
As noções de marcado e não-marcado foram introduzidas na Linguística pela
Escola de Praga. Para Cunha (2008, p.170), ―um entre dois elementos que se opõem é
considerado marcado quando exibe uma propriedade ausente no outro membro,
considerado
não-marcado‖.
Cunha
(2008,
p.170)
ainda
apresenta
algumas
características de formas consideradas não-marcadas: ―maior freqüência de ocorrência
nas línguas em geral e em uma língua particular; contexto de ocorrência mais amplo;
forma mais simples ou menor; aquisição mais precoce pelas crianças‖.
É desta maneira que se entende que o verbo do tipo ―material‖ é uma forma nãomarcada nas cláusulas modais: por ser um tipo de verbo que indica uma ação
propriamente dita, é mais comum de ocorrer nas cláusulas com circunstância de modo,
106
independente do nível de vinculação que estas possuem com outras cláusulas. Parece
que verbos de ação também são adquiridos mais precocemente pelas crianças, pois, em
um primeiro momento, as crianças usam este tipo semântico de verbo para descrever as
ações que elas realizam ou que o outro realiza. Só em um momento posterior, elas usam
verbos do tipo ―cognitivo‖, por exemplo, em situações em que avaliam algo.
A tabela 2 apresenta os tipos semânticos de verbo encontrados nas cláusulas
encaixadas com função substantiva. Na primeira coluna, encontram-se os tipos
semânticos de verbo; na segunda coluna, as frequências com que cada um ocorreu e, na
última linha, o total de ocorrências.
Tabela 2: Tipos semânticos de verbo e integração semântico-pragmática nas cláusulas
encaixadas com função substantiva na língua escrita
TIPOS SEMÂNTICOS DE VERBO
FREQUÊNCIA
Material
10 (37%)
Relacional
5 (18,6%)
Existencial
4 (14,8%)
Verbal
3 (11,1%)
Sensitivo
3 (11,1%)
Cognitivo
1 (3,7%)
Possessivo
1 (3,7%)
TOTAL
27 (100%)
Pela tabela 2, constata-se que o tipo semântico de verbo mais frequente foi o
―material‖ (cf. ex. 5), seguido dos tipos ―relacional‖ (cf. ex. 4) e ―existencial‖ (cf. ex.
6). Os dois últimos parecem estar relacionados a uma menor integração semânticopragmática. Provavelmente, a frequência deles nas cláusulas introduzidas por um item
conector é um indício disto.
5. ―Ninguém sabe explicar bem [como foi que aquilo começou]‖.
(E-B-93-JA-027)
6. ―Você já reparou [como entre tantas pessoas / que fazem exatamente a mesma coisa /
sempre existem aquelas] que encontram uma maneira de fazer melhor?‖
(E-B-94-JA-015)
107
Em 5, a cláusula entre colchetes expressa o modo como algo começou, exerce a
função sintática de objeto direto do verbo ―explicar‖ e contém um verbo do tipo
material, ou seja, que indica uma ação propriamente dita – ―começou‖. Vale frisar que o
sujeito da cláusula matriz – ―ninguém‖ – é diferente do sujeito da cláusula encaixada –
―aquilo‖.
No exemplo 4, que fora apresentado anteriormente, a cláusula destacada indica o
modo como as nações eram, exerce a função sintática de objeto direto do verbo ―saber‖
e contém um verbo do tipo relacional, ou seja, um verbo de ligação da tradição –
―eram‖. Verifica-se, ainda, que o sujeito da cláusula encaixada é diferente do da
cláusula matriz, o que fora explicado anteriormente.
Em 6, a cláusula em destaque expressa o modo como existem alguns tipos de
pessoas, exerce a função sintática de objeto indireto do verbo ―reparar‖ e contém um
verbo do tipo existencial – ―existem‖. Constata-se que o sujeito da cláusula encaixada –
―aquelas pessoas‖ – é diferente do sujeito da cláusula matriz – ―você‖.
Todas estas observações servem para mostrar que os verbos do tipo ―existencial‖
e ―relacional‖ aparecem com mais frequência em cláusulas com sujeito diferente do das
cláusulas com as quais se articulam. Em outras palavras, os verbos do tipo ―relacional‖
e ―existencial‖ estão associados a cláusulas com menor integração semânticopragmática.
Dois outros aspectos considerados na descrição dos dados são as sequências
tipológicas e os gêneros textuais em que as cláusulas com noção de modo aparecem.
Nos gêneros textuais referentes aos textos de língua escrita encontrados no
corpus VARPORT, constatou-se que as cláusulas encaixadas com função substantiva
ocorreram
predominantemente
em
notícias
e
anúncios,
respectivamente.
Contabilizaram-se 12 cláusulas em notícias (44,5%), 11 (40,7%) em anúncios e 4
(14,8%) em editoriais, perfazendo um total de 27 dados.
Em princípio, poder-se-ia afirmar que estas cláusulas são mais frequentes em
sequências narrativas e descritivas, pois, geralmente, associam-se notícias a narrativas,
por se tratarem de relatos de acontecimentos, e anúncios a descrições, por apresentarem
um produto ou um estabelecimento sendo detalhado. É fato que estas estruturas também
ocorreram em sequências narrativas e descritivas. Entretanto, parece que sua função
principal é argumentativa, independentemente do gênero textual em que se encontram.
O que confirma esta ideia são os percentuais de cláusulas encaixadas com
função substantiva distribuídos pelas sequências tipológicas: 20 (74%) em sequências
108
argumentativas, 5 (18,6%) em sequências narrativas e 2 (7,4%) em sequências
descritivas. A seguir, listam-se os exemplos 7, 8 e 9, respectivamente cláusulas
encontradas em notícia, anúncio e editorial.
7. ―O Ministro Júlio Bierrembach cobra do IPM:
- [como foi encontrado o carro do sargento] e rebocado;
- [como pode um oficial não conhecer um sargento pelo nome], se trabalham juntos‖.
(E-B-94-JN-013)
8. ―Nós sabemos [como você se sente confuso com tantas tecnologias diferentes]
prometendo a última palavra em celular‖.
(E-B-94-JA-006)
9. ―Hoje, que se estão multiplicando os vehiculos que nos hão de transportar no arbalão, aeroplano, monoplano, biplano – e que este problema pretende entrar no campo
pratico, começa a ser interessante estudar-se [como os seres humanos se encontrarão
nesse meio alborotado e interminavel] a que não estão habituados‖.
(E-P-91-JE-001)
Em 7, as duas cláusulas destacadas exercem a função sintática de objeto direto
do verbo ―cobrar‖ e representam uma lista das cobranças que o Ministro faz. Essas duas
cláusulas foram encontradas em uma notícia e têm como função servir como
argumentos apresentados pelo autor que indicam que o Ministro desconfia de que algo
esteja errado. Além disso, estes argumentos convidam o leitor a pensar junto ao autor do
texto sobre as indagações do Ministro. Isto contribui para a interpretação de que as
cláusulas encaixadas com função substantiva destacadas configuram interrogações feitas
de forma indireta. Este exemplo pode, ainda, dar margem à outra interpretação, como a
de que as cláusulas entre colchetes funcionam como aposto em relação à cláusula que as
antecede (cf. 7‖).
7‖. O Ministro Júlio Bierrembach cobra do IPM duas coisas:
- [como foi encontrado o carro do sargento] e rebocado;
- [como pode um oficial não conhecer um sargento pelo nome], se trabalham juntos.
Em 8, a cláusula entre colchetes exerce a função sintática de objeto direto do
verbo ―saber‖ e representa um diálogo entre o autor e o leitor, a fim de utilizar o
sentimento de confusão deste como argumento contra a forma de outras operadoras
venderem celular e, consequentemente, como argumento a favor da forma diferenciada
que a operadora anunciada procede na venda.
Em 9, a cláusula em destaque exerce a função sintática de objeto direto do verbo
―estudar‖ e expressa o ponto de vista do autor em relação a um determinado assunto.
109
Com isso, a cláusula encaixada encontra-se em uma sequência argumentativa de um
editorial. A opinião do autor é a de que é interessante estudar o meio ao qual os seres
humanos ainda não estão acostumados.
Analisadas as cláusulas encaixadas com função substantiva encontradas nos
textos de língua escrita provenientes do corpus VARPORT, faz-se agora uma breve
descrição desta estrutura encontrada nos textos de língua falada provenientes do mesmo
corpus. Como há bastantes semelhanças entre as duas modalidades linguísticas nesse
aspecto, dar-se-á ênfase ao que houve de diferente entre elas.
Quanto às formas de articulação, verificou-se que, nos dados de língua falada,
houve uma menor variedade de uso(s), pois só foram encontradas cláusulas introduzidas
por COMO (22 – 84,6%) – cf. ex. 10 e por COMO SE (4 – 15,4%) – cf. ex. 11, em que
estas apareceram apenas nos dados referentes ao Português Brasileiro.
10. ―#D: Sei. Agora, me diz uma coisa, e as mulheres, você tem idéia?
#I: Como assim? Do ... Como é que é essas etapas? Não faço a mínima idéia de
[como é que é]‖.
(OC-B-70-1M-001)
11. ―Então a impressão era, mais ou menos [como se você pudesse nadar] na Lagoa
Rodrigo de Freitas‖.
(OC-B-9C-1F-001)
Em 10, a cláusula em destaque exerce a função sintática de complemento
nominal, porque complementa o nome ―ideia‖ e, em 11, a cláusula destacada exerce a
função sintática de predicativo do sujeito. O exemplo 10 poderia ser reescrito como em
10‘.
10‘. #D: Sei. Agora, me diz uma coisa, e as mulheres, você tem idéia?
#I: Como assim? Do ... Como é que é essas etapas? Não faço a mínima idéia do
modo [como é].
Dessa forma, fica mais evidente a noção de modo. Entretanto, mudou-se a
estrutura, pois, em 10, tem-se uma cláusula encaixada com função substantiva e, em
10‘, tem-se uma cláusula encaixada com função adjetiva. A ideia de modo em 10 é
reforçada pelo uso do item COMO.
Em 11, é encontrada uma estrutura que já foi explicada (cf. 1.3, ex. b e 2.3, ex.
kk, ll e mm) e que pode ter também uma leitura comparativo-hipotética.
Quanto à manutenção de referente (sujeito), apenas 4 (15,4%) cláusulas
encaixadas possuem o mesmo sujeito do da cláusula matriz e quanto aos tipos
semânticos de verbo, os três mais frequentes foram os mesmos das cláusulas
110
encontradas nos textos de língua escrita: material – 14 (53,8%), relacional – 7 (27%) e
existencial – 2 (7,8%). Esses resultados ratificam o fato de cláusulas finitas serem
menos integradas semântico-pragmaticamente.
No que tange às sequências tipológicas e os gêneros textuais, há considerações
relevantes a serem feitas.
Como todos os dados foram retirados de entrevistas do tipo DID – diálogo entre
informante e documentador, não houve diferentes gêneros textuais a serem observados.
Entretanto, no que diz respeito às sequências tipológicas, foram encontradas diferenças
entre a modalidade escrita e a falada.
A tabela 3 mostra as sequências tipológicas em que as cláusulas encaixadas com
função substantiva foram encontradas mais frequentemente nas entrevistas. Na primeira
coluna, são apresentadas as sequências tipológicas; na segunda coluna, são apresentados
os percentuais das cláusulas encaixadas em cada sequência e, na última linha, é
fornecido o total de cláusulas analisadas.
De um total de 484 cláusulas com relação de modo encontradas no corpus
VARPORT, 26 eram encaixadas com função substantiva na modalidade falada da
língua.
Tabela 3: Cláusulas encaixadas com função substantiva e sequências tipológicas em
entrevistas do tipo DID
SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS
FREQUÊNCIA
Descritiva
12 (46,2%)
Argumentativa
9 (34,6%)
Narrativa
5 (19,2%)
TOTAL
26 (100%)
Pela tabela 3, verifica-se que as cláusulas encaixadas com função substantiva
encontradas em textos de língua falada ocorreram mais frequentemente em sequências
descritivas (cf. ex. 12). Este resultado é diferente do que foi constatado nos textos de
língua escrita.
12. ―... pode até ser porque há anos atrás a enxova ficava ainda grossa na beira da praia
né? ninguém sabia ainda [como fazer] co / co / [como lidar] né?
(OP-B-90-1M-005)
111
Em 12, as cláusulas destacadas exercem a função sintática de objeto direto do
verbo ―saber‖ e são parte de uma descrição que o informante faz acerca da maneira
como proceder e como lidar com a ―enxova‖.
Vale notar, portanto, que uma mesma estrutura, a depender da modalidade
linguística em que é empregada – língua escrita ou língua falada, pode ser utilizada com
finalidades diferentes. No corpus analisado, de um modo geral, pode-se afirmar que as
cláusulas encaixadas com função substantiva estão a serviço da argumentação na língua
escrita e a serviço da descrição na língua falada.
Descritas as cláusulas encaixadas com função substantiva relativas ao corpus
VARPORT, analisam-se a seguir as cláusulas encaixadas com função adjetiva que
apresentam a noção de modo.
6.2.1.2. Cláusulas encaixadas com função adjetiva
A estrutura encaixada com função adjetiva equivale ao que, na tradição, se
denomina oração subordinada adjetiva restritiva. No corpus VARPORT, as cláusulas
encaixadas com função adjetiva, que veiculam a noção de modo, apresentam-se na
forma finita e são introduzidas pelo item COMO isoladamente (cf. ex. 13); fazendo
parte da locução COMO QUE seguida de verbo na forma finita (cf. ex. 14) ou no
gerúndio (cf. ex. 15) e tendo como antecedente os nomes MODO (cf. ex. 16) e
MANEIRA (cf. ex. 17).
13. ―Na verdade, a varanda [como é feita no Brasil hoje], ela é uma espécie de um
mirante‖.
(OC-B-9R-2F-001)
14. ―No campo da tática, a nova articulação de um exército viria permitir a divisões,
marchando por itinerarios paralelos, percorrerem etapas muito mais longas, ao mesmo
tempo que tornava mais facil e rapida sua concentração para o choque decisivo na
região e no momento em que o comando superior julgasse oportuno esse admiravel
instrumento tatico – a divisão – Carnot [como que preparou], para entregar às mãos
habeis do grande estrategista Napoleão‖.
(E-B-93-JE-001)
15. ―Brasília Capital nominal da República, continua a situar-se como um dos
problemas a serem resolvidos: admite-se, mesmo no seio dos mais ferrenhos
oposicionistas, a sua realidade irreversível, mas não se consegue a sua humanização, o
que provoca ainda a periódica fuga de habitantes e de congressistas, êstes [como que
institucionalizando uma falta de quorum parlamentar inquietante‖.
(E-B-93-JE-004)
16. ―Não é fácil explicar o modo [como se formou a enorme depressão de terreno] onde
se precipita o rio‖.
(E-P-83-JN-003)
112
17. ―O tema não é inédito. O que reveste tôda a obra de vivo interesse e, por vezes,
intensa expectativa, é a maneira [como], sem cair na minucia, [a acção decorre no
sentido] de evidenciar o caracter de um homem que oculta o que se passa na sua alma
para se votar á tarefa de executar as proezas sem deixar rasto‖.
(E-P-92-JN-011)
Em 13, a cláusula destacada tem como antecedente o nome ―varanda‖ e é
introduzida pelo item COMO. Poder-se-ia, apesar de mudar a estrutura, subentender a
palavra ―modo‖ antes do pronome relativo COMO. A cláusula entre colchetes, em 13,
também poderia ter uma interpretação conformativa. Dessa forma, este exemplo pode
ser considerado um caso fronteiriço entre os matizes de modo e de conformidade.
Em 14 e, em 15, a leitura como encaixadas com função adjetiva das cláusulas
entre colchetes não é tão clara e subentender a palavra ―modo‖ antes do item COMO
tornaria as estruturas não aceitáveis em português. Entretanto, o motivo que levou a
interpretá-las como encaixadas com função adjetiva foi o fato de elas estarem
intimamente ligadas a antecedentes com valor nominal: em 14, tem-se o substantivo
―Carnot‖ e, em 15, tem-se o pronome ―estes‖. Em ambas as cláusulas, a noção de modo
é reforçada pelo item COMO. A cláusula em destaque, em 15, também poderia ter uma
interpretação comparativa. Com isso, este exemplo pode ser analisado como um caso
híbrido, em que os conteúdos semânticos de modo e de comparação co-ocorrem.
Em 16 e, em 17, a noção de modo está presente tanto nos antecedentes – ―modo‖
em 16 e ―maneira‖ em 17 – quanto no pronome relativo utilizado – COMO.
Os dados referentes às variedades brasileira e europeia, e às modalidades escrita
e falada foram agrupados devido ao número pequeno de dados e às poucas diferenças de
comportamento entre eles.
No gráfico 4, são apresentadas as frequências das cláusulas encaixadas com
função adjetiva no que se refere às formas de articulação. Das 484 cláusulas com matiz
modal encontradas no corpus VARPORT, 12 eram encaixadas com função adjetiva.
113
MODO COMO
MANEIRA COMO
COMO QUE + Ger.
COMO
COMO QUE
1
1
5
2
3
Total: 12
Gráfico 4: Formas de articulação das cláusulas encaixadas com função adjetiva no corpus VARPORT
Pelo gráfico 4, verifica-se que as cláusulas encaixadas com função adjetiva mais
frequentes foram aquelas que possuíam como antecedente um nome pertencente ao
campo semântico de MODO. Com isso, pode-se afirmar que, mais frequentemente, o
conteúdo de modo nas cláusulas encaixadas com função adjetiva foi verificado não só
pela presença do pronome relativo COMO, mas também pelo uso de um antecedente
que expressa tal circunstância.
Comentadas as formas de articulação das cláusulas encaixadas com função
adjetiva, consideram-se, neste momento, os aspectos relacionados à integração
semântico-pragmática: a manutenção de referente e os tipos semânticos de verbo.
Há muitas semelhanças entre as cláusulas encaixadas com função substantiva e
as com função adjetiva no que tange aos aspectos mencionados anteriormente.
Quanto à manutenção do referente (sujeito), apenas 4 (33,3%) cláusulas com
função adjetiva possuem o mesmo sujeito da cláusula matriz, o que ratifica o fato de as
cláusulas finitas serem menos integradas semântico-pragmaticamente. Em 18, tem-se
um exemplo em que o sujeito da cláusula encaixada é distinto do da cláusula matriz.
18. ―Hontem, de madrugada, os secretarios do sr. Governador civil percorreram de
automovel os mercados, informando-se da maneira [como estavam sendo dirigidos os
serviços de abastecimento da cidade]‖.
(E-P-91-JN-011)
Em 18, o sujeito da cláusula matriz é ―os secretários do sr. governador civil‖ e o
sujeito da cláusula encaixada é ―os serviços de abastecimento da cidade‖. O antecedente
114
―maneira‖ é o complemento do verbo ―informar‖ e, por isso, considera-se que, em 18,
há mudança de referente (sujeito).
Quanto aos tipos semânticos de verbo, os mais comuns nas cláusulas encaixadas
com função adjetiva foram o material (6 – 50%) – cf. ex. 19 (exemplo 13 repetido aqui)
e o existencial (2 – 16,8%) – cf. ex. 20. Já foi mencionado que o tipo de verbo
―material‖ pode ser considerado não-marcado por ter sido o mais frequente tanto em
cláusulas finitas como em cláusulas não-finitas. Já o tipo ―existencial‖ parece estar
relacionado a cláusulas finitas e, consequentemente, a cláusulas menos integradas
semântico-pragmaticamente.
19. ―Na verdade, a varanda [como é feita no Brasil hoje], ela é uma espécie de um
mirante‖.
(OC-B-9R-2F-001)
20. ―O tema não é inédito. O que reveste toda a obra de vivo interesse e, por vezes,
intensa expectativa, é a maneira [como, /sem cair na minucia, / a acção decorre no
sentido] de evidenciar o caracter de um homem que oculta o que se passa na sua alma
...‖
(E-P-92-JN-011)
Em 19, o verbo principal que aparece na cláusula encaixada é ―fazer‖, um verbo
de ação e, portanto, do tipo ―material‖. O verbo que se emprega na cláusula encaixada,
em 20, é ―decorrer‖, um verbo que poderia ser substituído por ―acontecer‖ e, portanto,
um verbo do tipo ―existencial‖.
Em seguida, abordam-se as sequências tipológicas e os gêneros textuais em que
as cláusulas encaixadas com função adjetiva ocorreram.
No que tange à língua escrita, notou-se que não houve cláusulas com função
adjetiva em anúncios. Provavelmente, outras estruturas são utilizadas neste gênero
textual para contribuírem na argumentação e na descrição. Os anúncios retirados do
VARPORT originam-se de jornais como ―Gazeta do Rio de Janeiro‖ e ―O Globo‖ e
poderiam ser divididos em subtipos como, por exemplo, classificados, propagandas,
―achados e perdidos‖ e ―passo o ponto‖.
O gênero textual em que as cláusulas encaixadas com função adjetiva ocorreram
mais frequentemente foi a notícia (6 – 50%) - cf. ex. 21 e o editorial (4 – 33,3%) – cf.
ex. 22.
21. ―O modo, diz a folha citada, [como certas pessoas / que occupam posição official na
Belgica / se occupam por diferentes vezes nos assumptos internos da Prussia e da
Allemanha]; o modo [como os bispos elogiaram em suas pastoraes o alto clero
prussiano] que se revoltou contra os poderes do estado e o alentaram em sua attitude
115
illegal (como fez uma associação belga que dispõe de grandes recursos, animando com
mensagem o bispo de Paderboro, condemnado pela lei); essa intervenção de dignitarios
belgas e de cidadãos influentes não podia ser acceita em silencio‖.
(E-P-83-JN-009)
22. ―Impressionou-nos particularmente o modo [como certas pessoas / que se dizem
historiadores, que pretendem ter uma opinião credível sobre o passado, ... / assumiram a
postura] de quem faz ajustes de contas com a História‖.
(E-P-94-JE-005)
Em 21, as duas cláusulas encaixadas entre colchetes têm como pronome relativo
o item COMO e como antecedente o nome ―modo‖; foram utilizadas em uma notícia e
servem como argumentos para a opinião do autor de não aceitar em silêncio a
intervenção de dignatários belgas e de cidadãos influentes.
Em 22, a cláusula em destaque tem como pronome relativo o item COMO e
antecedente o nome ―modo‖; foi empregada em um editorial e é argumento para o
sentimento provocado no autor - o de se impressionar com a postura tomada por
algumas pessoas.
Percebe-se, então, que as cláusulas encaixadas com função adjetiva, de um modo
geral, são utilizadas com o intuito de contribuir para a argumentação de um texto. No
corpus VARPORT, a maioria delas, de fato, ocorreu em sequências argumentativas – 8
(66,6%), enquanto que 2 (16,7%) apareceram em sequências descritivas e 2 (16,7%) em
sequências narrativas.
Esta ocorrência, nestes dois últimos tipos de sequência, pode ser explicada,
provavelmente, pelo fato de as cláusulas encaixadas com função adjetiva terem sido
utilizadas em algumas notícias. Neste gênero textual, no momento em que um fato
propriamente dito está sendo relatado, as sequências narrativa e descritiva aparecem.
Examinadas as cláusulas encaixadas com função adjetiva considerando-se o
corpus VARPORT, analisam-se a seguir as cláusulas hipotáticas que apresentam a
noção de modo.
116
6.2.1.3. Cláusulas hipotáticas
As estruturas hipotáticas equivalem ao que, na tradição, se denomina oração
subordinada adverbial. Entretanto, a circunstância veiculada pelas cláusulas hipotáticas,
nesta tese, não é contemplada no âmbito do período composto pela NGB nem por
alguns autores considerados tradicionais, como foi demonstrado no capítulo 5 – orações
modais: breve apresentação.
No corpus VARPORT, detectaram-se cláusulas hipotáticas com noção de modo
finitas e não-finitas. Pelo fato de cada grupo apresentar comportamento distinto, as
análises a seguir explicitarão as especificidades de cada tipo de cláusula hipotática.
6.2.1.3.1. Cláusulas hipotáticas não-finitas
No corpus VARPORT, a quantidade de cláusulas hipotáticas não-finitas – 242
(91%) - foi maior do que a de cláusulas finitas – 23 (9%), de um total de 484 cláusulas
indicando a circunstância de modo. Por este motivo, optou-se por, primeiramente,
abordar as cláusulas não-finitas. Os aspectos que permitiram a junção das cláusulas
finitas e não-finitas em um mesmo grupo foram os gêneros textuais e as sequências
tipológicas em que as cláusulas se inseriam. Estes aspectos serão apresentados ao final
da análise das cláusulas hipotáticas finitas.
Destaque-se, contudo, que os dados referentes à língua escrita – 230 (86,8%) –
são superiores aos referentes à língua falada – 35 (13,2%).
Os dados relativos ao Português Brasileiro e ao Português Europeu também
foram agrupados e, quando necessário, serão explicitadas as diferenças entre estas duas
variedades da língua.
No que tange à língua escrita, as cláusulas hipotáticas não-finitas podem ser
distribuídas por 6 (seis) formas de articulação, totalizando 210 dados, como o gráfico 5
evidencia.
117
A + Inf. NEM + Inf.
2
1
COM + Inf. POR + Inf.
1
1
SEM + Inf.
37
Ger.
168
Total: 210
Gráfico 5: Formas de articulação das cláusulas hipotáticas não-finitas na língua escrita
Pelo gráfico 5, verifica-se que o gerúndio foi a forma de articulação mais
frequente das cláusulas hipotáticas não-finitas na língua escrita. A seguir, exemplificase cada forma sob a qual essas cláusulas apresentaram-se: gerúndio (cf. ex. 23), SEM +
infinitivo (cf. ex. 24), A + infinitivo (cf. ex. 25), NEM + infinitivo (cf. ex. 26), COM +
infinitivo (cf. ex. 27) e POR + infinitivo (cf. ex. 28).
23. ―José Gonçalves de Oliveira Sanches, recebeu dos Estados Unidos da America um
sortimento de ventiladores para café, os mais perfeitos que há, os quaes ventilão
rapidamente o café, [soprando-o] e com as differentes peneiras que tem, podem limpar
toda a qualidade de grãos.‖
(E-B-82-JA-060)
24. ―Graças á Divina Providencia, que com tantas forças productivas dotou o paiz,
esperi que, mediante a severa economia e fiscalização em que proseguirá o governo,
alcançaremos em breve tempo extinguir o déficit dos annos passados, sem a menor
quebra do nosso credito e [sem paralysar o progresso nacional].‖
(E-B-82-JN-010)
25. ―Depois de assassinar a esposa, o criminoso teve de sustentar luta com um dos seus
criados, que entrou no quarto e conseguiu dominar [a desarmar o patrão]‖.
(E-P-92-JN-006)
26. ―Lá verá V.S. que usamos da linguagem lhana, sem fazermos monopolio da
verdade, [nem servirmos de cobertura aos criminosos].‖
(E-B-83-JE-008)
118
27. ―Está publicado o 8° relatório do Socorro Social, documento elucidativo, que mostra
que o Fundo, no ano de 1.954, foi inteiramente provido por contribuições de
particulares. Da importancia dele na nossa vida assistencial afere-se [com dizer] que as
suas receitas totais, no ano findo, somaram 40.734 contos.‖
(E-P-93-JN-004)
28. ―Ao encerrar essa reunião, que decorreu com o maior entusiasmo, o sr. prof.
Lumbrales pronunciou um importante discurso, em que começou [por fazer o elogio da
Madeira e da sua gente]. Era a primeira vez que visitava a ilha. E acrescentou: ...‖
(E-P-93-JN-006)
Em 23, a cláusula destacada explica o modo como os ventiladores para café
ventilam e se utilizou o gerúndio sem item algum próximo a ele.
Do exemplo 24 ao 28, percebe-se que há a utilização de algum item, seja
preposição seja conjunção, acompanhado de um verbo no infinitivo. Em 24, encontra-se
a preposição SEM; em 25, a preposição A; em 26, a conjunção NEM; em 27, a
preposição COM e, em 28, a preposição POR. Em 24, a cláusula entre colchetes explica
o modo como o autor pensa que ―alcançaremos em breve tempo extinguir o déficit dos
annos passados‖. Em 25, a cláusula em destaque elucida o modo como um dos criados
―conseguiu dominar o patrão‖. Em 26, a cláusula hipotática esclarece o modo como o
autor junto com o grupo responsável pelo editorial usou ―da linguagem lhana‖. Em 27, a
cláusula modal evidencia o modo como se pode aferir a importância do Fundo. Em 28, a
cláusula destacada explicita o modo como ―o sr. prof. Lumbrales‖ começou seu
discurso.
Quanto ao uso de articuladores seguidos de verbo no infinitivo nas cláusulas
hipotáticas não-finitas na língua escrita, podem-se notar diferenças entre o Português
Brasileiro e o Português Europeu. O uso da conjunção NEM seguida de verbo no
infinitivo só foi constatado no PB e os usos das preposições COM e POR seguidas de
verbo no infinitivo só foram detectados no PE. Apesar do número pequeno desses
dados, já se pode sugerir alguma diferença entre o PB e o PE quanto a esse aspecto.
No concernente à língua falada, os resultados assemelham-se aos da língua
escrita, pois a forma de articulação mais frequente das cláusulas hipotáticas não-finitas
também foi o uso do gerúndio (17 – 53,1%) – cf. ex. 29; seguido, respectivamente de
SEM + infinitivo (8 – 25%) – cf. ex. 30; A + infinitivo (4 – 12,5%) – cf. ex. 31;
infinitivo (2 – 6,3%) – cf. ex. 32 e ASSIM + gerúndio (1 – 3,1%) – cf. ex. 33.
119
29. ―...acho que hoje as crianças ... de classes médias se divertem muito mais com ...
com vídeo games ... coisas desse tipo ... do que ... [jogando futebol na rua].‖
(OC-B-9C-1M-002)
30. ―Eh, há pouco tempo eu comecei a, a me preocupar um pouco mais com o cabelo. E
eu normalmente, eu cortava assim [sem escolher muito o barbeiro], inclusive nunca tive
um barbeiro certo.‖
(OC-B-70-1M-001)
31. ―... eu bêbado, cheio de sono, o outro comigo, vinha a falar comigo [...], já ali [a
moer as palavras]. Os outros vinham no porta-bagagens, a ressonar.‖(OC-P-90-1M-005)
32. ―sou mergulhador profissional dantes era amador de maneira que tirei um curso de
profissional e hoje ganho a vida – [tirar por exemplo barcos do fundo] [tirar cabos das
hélices] serviços mesmo de coisas que caíram no mar não é?‖
(OP-P-70-2M-005)
33. ―Mas aí quando você foi pra lá, você não foi mais assim [pensando em vocação] ...
em alguma coisa que você tivesse vontade de fazer, se foi por que ...‖
(OC-B-9C-3M-002)
A cláusula em destaque, em 29, integra uma comparação entre o que diverte
mais e o que diverte menos as crianças de classes médias. Ela apresenta o modo como
as crianças se divertem menos.
A cláusula entre colchetes, em 30, explica o modo como o informante cortava o
cabelo. Note-se que, neste exemplo, é utilizado um elemento catafórico, o item ASSIM.
O uso deste item poderia favorecer a interpretação da cláusula destacada como tendo a
função de um aposto.
A cláusula modal, em 31, é usada pelo informante para descrever uma situação
específica para o entrevistador: o modo como outra pessoa ia falar com ele.
Em 32, vale ressaltar a forma como as cláusulas hipotáticas estão articuladas
com a cláusula núcleo. Geralmente, quando se usa o verbo no infinitivo, este é
precedido por uma preposição, como, por exemplo, SEM e A. Em 32, o verbo no
infinitivo é utilizado sem uma preposição precedente. Como este exemplo representa
uma fala masculina popular, de acordo com a categorização proposta pelo corpus
VARPORT, o verbo no infinitivo sem preposição sugere um uso característico da fala
popular.
Em 33, a cláusula em destaque explicita o modo como a pessoa com quem o
informante está falando pode ter ido para algum lugar. Cumpre ressaltar o emprego do
item ASSIM. Ele pode ter um uso anafórico, ou seja, retomando tudo o que foi dito
antes. Esta interpretação só é válida se, em um momento anterior, o assunto sobre o qual
se falava era vocação, coisas que se tinha vontade de fazer. Fazendo-se esta leitura,
120
poder-se-ia analisar a cláusula entre colchetes, em 33, como exercendo a função de
aposto, de forma semelhante ao exemplo 30.
Quanto à forma de articulação das cláusulas hipotáticas na língua falada,
também se percebem diferenças entre o Português Brasileiro e o Português Europeu. O
uso de ASSIM + gerúndio só foi registrado no Português Brasileiro e os usos de
infinitivo e A + infinitivo só foram detectados no Português Europeu. Este último pode
ser explicado, provavelmente, pelo uso comum em Portugal de uma estrutura
denominada infinitivo gerundivo, em que se verifica o uso da preposição A seguida de
verbo no infinitivo e que, no Brasil, comumente é equivalente ao gerúndio. Isto pode ser
comprovado pela reescritura de 31 como 31‘.
31‘. ... eu bêbado, cheio de sono, o outro comigo, vinha a falar comigo [...], já ali
[moendo as palavras]. Os outros vinham no porta-bagagens, a ressonar.
Em 31‘, o verbo utilizado no gerúndio é ―moendo‖ e corresponde, no Português
Brasileiro, a ―a moer‖, utilizado no Português Europeu.
Discriminadas as formas de articulação das cláusulas hipotáticas tanto na língua
escrita quanto na língua falada, em seguida, ressalta-se outro aspecto: a manutenção de
referente.
Esperava-se que este aspecto fosse crucial para se distinguir uma cláusula finita
de uma não-finita, porque, como já foi explicitado, cláusulas não-finitas tendem a estar
mais integradas semântico-pragmaticamente com outras cláusulas e a manutenção de
referente poderia ser um critério para comprovar tal hipótese. De fato, a hipótese foi
confirmada e os resultados obtidos serão mostrados a seguir.
Tanto nos dados relativos à língua escrita quanto à língua falada, pôde-se
verificar que há uma tendência de as cláusulas hipotáticas não-finitas apresentarem o
mesmo referente (sujeito) do da cláusula núcleo. Isto ratifica a premissa de que elas são
mais integradas com a cláusula núcleo do que as cláusulas hipotáticas finitas. Para
ilustrar isto, têm-se os exemplos 34 e 35 (25 repetido), 36 (26 repetido) e 37 (28
repetido) referentes à língua escrita e 38, 39 e 40 referentes à língua falada.
121
34. ―O sulfureto de carbono, Cruzeiro do Sul, é o único que, sendo preparado
especialmente para a lavoura, é puro, e por isso mesmo extingue os insetos, [sem
offender as plantas], nem estragar os terrenos.‖
(E-B-83-JA-047)
35. ―Depois de assassinar a esposa, o criminoso teve de sustentar luta com um dos seus
criados, que entrou no quarto e conseguiu dominar [a desarmar o patrão]‖.
(E-P-92-JN-006)
36. ―Lá verá V.S. que usamos da linguagem lhana, sem fazermos monopolio da
verdade, [nem servirmos de cobertura aos criminosos].‖
(E-B-83-JE-008)
37. ―Ao encerrar essa reunião, que decorreu com o maior entusiasmo, o sr. prof.
Lumbrales pronunciou um importante discurso, em que começou [por fazer o elogio da
Madeira e da sua gente]. Era a primeira vez que visitava a ilha. E acrescentou: ...‖
(E-P-93-JN-006)
38. ―... no final do período procurei falar com a senhora, ah, pedir-lhe uma opinião, ah,
aliás [mostrando-me aberto mesmo a uma crítica] que porventura me focasse
determinados aspectos ...‖
(OC-P-70-2M-001)
39. ―Há quatro ou cinco anos, aquelas que ainda não tinham tido a iniciação musical na,
nas primárias nem havia ainda isto do c [...], do ciclo já a entrarem com ensino musical,
entravam com bastante relutância e [sem saber absolutamente nada].‖(OC-P-70-3F-003)
40. ―... e depois fazemos o p [...], pela, por, por essas cidades e, e pronto, este ano, ah,
portanto, fomos à Noruega já, um outro ano fomos à República Checa, fomos já à
Hungria, e este ano então fomos à Croácia, passámos, o nosso obje [...], o objetivo era a
Croácia, mas, entretanto fizemos Portugal, Espanha, França, Itália, tudo, tudo [a correr],
para chegar então à Eslovénia, passámos por exemplo pela Eslovénia, ficámos
encantados com a Eslovénia.‖
(OC-P-90-2F-008)
Quanto aos exemplos relativos à língua escrita, pode-se dizer que, em 34, o
sujeito da cláusula não-finita é correferencial ao da cláusula núcleo – ―o sulfureto de
carbono, Cruzeiro do Sul‖; em 35, também há manutenção de referente (sujeito), pois
tanto a cláusula núcleo quanto a cláusula hipotática têm como sujeito o termo ―um dos
seus criados‖; em 36, a cláusula entre colchetes tem como sujeito o pronome ―nós‖, que
pode ser reconhecido pela desinência do verbo ―servirmos‖ e a cláusula núcleo tem o
mesmo sujeito, que também pode ser reconhecido pela desinência verbal em ―usamos‖;
em 37, o sujeito da cláusula núcleo e da cláusula hipotática é ―o sr. prof. Lumbrales‖.
Quanto aos exemplos referentes à língua falada, pode-se afirmar que, em 38, o
sujeito da cláusula núcleo e da cláusula hipotática é a primeira pessoa do singular, que
não se encontra totalmente explícito; em 39, há manutenção de referente (sujeito), que é
―aquelas‖, que pode ser entendido como ―aquelas pessoas‖ e, em 40, o sujeito da
122
cláusula núcleo também é o mesmo da cláusula hipotática – ―nós‖, que é marcado
naquela pela desinência verbal em ―fizemos‖.
Os exemplos anteriores confirmaram a hipótese de que as cláusulas não-finitas
tendem a ter o mesmo sujeito da cláusula com a qual se articulam e a ser mais
integradas.
A tabela 4, a seguir, resume os resultados comentados anteriormente. A primeira
coluna apresenta as formas de articulação das cláusulas hipotáticas; a segunda coluna
contém as frequências em relação à manutenção de referente nos dados de língua
escrita; a terceira coluna contém o total de dados de língua escrita em relação a cada
forma de articulação das cláusulas; a quarta coluna apresenta as frequências em relação
à manutenção de referente nos dados de língua falada e, na quinta coluna, é encontrado
o total de dados de língua falada em relação a cada forma de articulação das cláusulas.
Na última linha, fornece-se o total geral de cláusulas hipotáticas não-finitas da
seguinte maneira: primeiramente, considerando as cláusulas encontradas em textos de
língua escrita e, em seguida, as cláusulas encontradas em textos de língua falada no
corpus VARPORT. Apresenta-se o total geral de cláusulas hipotáticas não-finitas que
apresentaram manutenção de referente e o total geral de cláusulas hipotáticas não-finitas
coletadas, respectivamente. De um total de 484 (100%) cláusulas que expressam a
circunstância de modo encontradas no corpus VARPORT, 265 (54,8%) eram cláusulas
hipotáticas. Dessas 265 cláusulas hipotáticas, 242 se apresentaram na forma não-finita
(reduzida) e 23 na forma finita ( desenvolvida).
Como fora observado, a quantidade de cláusulas hipotáticas não-finitas foi maior
do que a de finitas. No que diz respeito às modalidades linguísticas, pode-se afirmar que
as cláusulas hipotáticas não-finitas foram mais frequentes em textos de língua escrita.
Encontrou-se um total de 210 cláusulas hipotáticas não-finitas nesta modalidade
linguística e um total de 32 em textos de língua falada. A distribuição pelas formas de
redução (não-finitude) no que tange à manutenção de referente é apresentada na tabela
4, a seguir.
123
Tabela 4: Formas de articulação e manutenção de referente das cláusulas hipotáticas
não-finitas no corpus VARPORT
FORMAS DE ARTICULAÇÃO LÍNGUA
ESCRITA
TOTAL
LÍNGUA
TOTAL
(LÍNGUA
FALADA
(LÍNGUA
ESCRITA)
FALADA)
Gerúndio
163 (97%)
168 (100%)
17 (100%)
17 (100%)
SEM + Infinitivo
35 (94,6%)
37 (100%)
7 (87,5%)
8 (100%)
A + Infinitivo
2 (100%)
2 (100%)
4 (100%)
4 (100%)
Infinitivo
____
____
2 (100%)
2 (100%)
ASSIM + Gerúndio
____
____
1 (100%)
1 (100%)
NEM + Infinitivo
1 (100%)
1 (100%)
____
____
COM + Infinitivo
1 (100%)
1 (100%)
____
____
POR + Infinitivo
1 (100%)
1 (100%)
____
____
TOTAL GERAL
203 (96,7%) 210 (100%)
31 (96,9%)
32 (100%)
.
Pela tabela 4, verifica-se que, de um modo geral, as cláusulas hipotáticas nãofinitas ocorreram mais frequentemente com o mesmo referente (sujeito) do das
cláusulas núcleos com as quais se articulam.
Um aspecto que parece relacionar-se a uma maior integração semânticopragmática é o tipo semântico de verbo. Tinha-se como hipótese inicial que os tipos
―material‖ e ―verbal‖ apareceriam nas cláusulas com manutenção de referente, isto é,
mais integradas, porque tudo indica que, ao explicar o modo como uma ação acontece,
por meio da cláusula hipotática se explica como a pessoa envolvida na ação (sujeito)
realizou propriamente dita esta ação (verbo do tipo ―material‖) ou falou determinadas
palavras (verbo do tipo ―verbal‖) para que a ação fosse efetuada.
De fato, as hipóteses foram comprovadas nos dados referentes à língua escrita e,
parcialmente, na língua falada. Para ilustrar isto, seguem-se os exemplos 41 e 42,
respectivamente, contendo verbos do tipo ―material‖ e ―verbal‖ em cláusulas hipotáticas
não-finitas encontradas em textos de língua escrita e o exemplo 43, que contém verbo
do tipo ―material‖ em cláusula hipotática não-finita encontrada em texto de língua
falada.
124
41. ―Embora o ministro do SNI tenha garantido que vai cumprir a nova constituição,
[liberando as informações pessoais requeridas pelos cidadãos vivos - de acordo com o
habeas data] – ele próprio admitiu restrições segundo os interesses de ‗segurança da
sociedade e do Estado‘‖.
(E-B-94-JE-004)
42. ―No mesmo dia 27, da uma para as duas horas da tarde, ouviu-se na Carriça, estrada
de Braga, um grande trovão, que aterrou os moradores daquelle lugar, e muitos que
andavam nos seus misteres fogiram para casa espavoridos, [gritando misericordia]‖.
(E-P-81-JN-010)
43. ―... após a operação ... eu passei ... a :: a fazer uso disso tudo DAÍ que eu engordei
dessa forma né ... e :: ahn /o/ ultimamente eu :: estou procurando controlar isso
[adquirindo éh esses produtos sem gordura ...]‖
(OC-B-9C-2F-001)
Em 41, o verbo da cláusula hipotática não-finita é do tipo ―material‖ ―liberando‖ – e se encontra em uma cláusula cujo referente (sujeito) é o mesmo da
cláusula núcleo – ―o ministro do SNI‖. Em 42, o verbo da cláusula hipotática não-finita
é do tipo ―verbal‖ – ―gritando‖ – e se encontra em uma cláusula cujo referente (sujeito)
é o mesmo da cláusula núcleo – ―os moradores daquelle lugar‖. Em 43, o verbo
utilizado na cláusula hipotática não-finita é do tipo ―material‖ – ―adquirindo‖ – e há
manutenção de referente (sujeito), que é o pronome ―eu‖, que está elíptico na cláusula
hipotática.
Com isso, confirma-se a hipótese de haver uma relação entre tipos semânticos de
verbo, manutenção de referente e, consequentemente, maior integração da cláusula nãofinita.
O tipo semântico de verbo que ocorreu mais frequentemente em cláusulas
hipotáticas não-finitas introduzidas por SEM + infinitivo nos textos de língua falada foi
o ―cognitivo‖ (cf. ex. 44).
44. ―Ora, pra quem tinha levado uma vida inteira, até os dezoito, dezenove anos [sem
saber] gastar dinheiro, porque não tinha como, papai não dava mesada, não tinha nada
disso.‖
(OC-B-9C-3M-002)
Em 44, o verbo empregado na cláusula hipotática não-finita é do tipo
―cognitivo‖ – ―saber‖ – e está em uma cláusula cujo referente (sujeito) é o mesmo do da
cláusula núcleo. Entende-se que o sujeito seja o próprio informante, que está
representado pelo pronome ―quem‖.
Segundo a análise dos dados, é possível compreender a relação entre o tipo de
verbo ―cognitivo‖ com a manutenção de referente e, consequentemente, com uma maior
integração da cláusula. A cláusula hipotática explica o modo como a ação contida na
125
cláusula núcleo aconteceu – em 44, a ação é levar uma vida inteira até os dezoito,
dezenove anos –, o modo como essa ação ocorreu está explicitado na cláusula hipotática
– ―sem saber‖ - e se pode compreender que a mesma pessoa que exerceu a ação pensou,
acreditou ou deixou de pensar e de acreditar em algo. Com isso, o processo mental
refere-se à mesma pessoa que exerceu uma ação.
O verbo do tipo ―material‖ foi o mais frequente nas cláusulas não-finitas
encontradas em textos de língua escrita com as seguintes formas de articulação:
gerúndio – 113 (67,3%) , SEM + infinitivo – 21 (56,8%) , A + infinitivo – 2 (100%) – e
NEM + infinitivo – 1 (100%).
O verbo do tipo ―verbal‖ foi mais recorrente nas cláusulas não-finitas
encontradas em textos de língua falada com as seguintes formas de articulação: COM +
infinitivo – 1 (100%) – e POR + infinitivo – 1 (100%).
O verbo do tipo ―material‖ foi o mais usual nas cláusulas não-finitas encontradas
em textos de língua falada com as seguintes formas de articulação: gerúndio – 12
(70,5%) , A + infinitivo – 2 (50%) – e infinitivo – 2 (100%).
O verbo do tipo ―cognitivo‖ foi o mais comum nas cláusulas não-finitas
encontradas em textos de língua falada com as seguintes formas de articulação: SEM +
infinitivo – 2 (25%) – e ASSIM + gerúndio – 1 (100%).
Abordadas as cláusulas hipotáticas não-finitas considerando-se as formas de
articulação, a manutenção de referente e os tipos semânticos de verbo, analisam-se em
seguida as cláusulas hipotáticas finitas.
6.2.1.3.2. Cláusulas hipotáticas finitas
Conforme explicitado em 6.2.1.3.1, os dados de cláusulas hipotáticas finitas
foram bem menos recorrentes do que os de cláusulas hipotáticas não-finitas.
Da mesma forma que em 6.2.1.3.1, os dados referentes ao PB e ao PE foram
agrupados e, quando necessário, serão ilustradas as diferenças entre estas variedades da
língua.
No que tange à língua escrita, as cláusulas hipotáticas finitas podem ser
distribuídas por 4 (quatro) formas de articulação, como o gráfico 6 evidencia. Como
fora indicado em 6.2.1.3.1, detectaram-se 23 cláusulas hipotáticas finitas no corpus
VARPORT, sendo 20 em textos de língua escrita.
126
COMO SE
SEM QUE
COMO
COMO QUE
1
3
9
7
Total: 20
Gráfico 6: Formas de articulação das cláusulas hipotáticas finitas na língua escrita
Pelo gráfico 6, verifica-se que as cláusulas hipotáticas finitas empregadas em
textos de língua escrita podem ser introduzidas por COMO SE (cf. ex. 45, ex. V
repetido), SEM QUE (cf. ex. 46), COMO (cf. ex. 47, ex. IV repetido) e COMO QUE
(cf. ex. 48).
45. ―A Inspectoria, esquecida da velha legislação Brasileira, entra, [como se fôra sua
casa] em todos os bancos, indagando pormenorizadamente de contas particulares ...‖
(E-B-92-JE-004)
46. ―Esta pomada tem a vantagem de não se misturar com cabellos, e de fixar o chinó
por espaço de dous ou tres mezes, [sem que a mais abundante transpiração o
despegue].‖
(E-P-82-JA-005)
47. ―Esperamos, na expectativa sympathica, para applaudil-o e julgal-o [como
merece].‖
(E-B-83-JN-045)
48. ―A casa suspende as transações por alguns dias e depois ... recomeça no mesmo
gosto, mas [como que pertencendo a outro] ...‖
(E-B-83-JE-003)
Em 45, a cláusula destacada explica o modo como a Inspetoria entra em todos os
bancos; em 46, a cláusula entre colchetes indica o modo como a pomada fixa o chinó;
em 47, a cláusula em destaque explicita o modo como alguém deve ser aplaudido e
julgado e, em 48, a cláusula hipotática elucida o modo como a casa recomeça as
transações.
As cláusulas destacadas nos exemplos 45 e 48 poderiam ser interpretadas como
comparativo-hipotéticas. Entretanto, nesta tese, considera-se que a noção de modo
127
sobressai em relação às noções de comparação e de hipótese / condição. Nota-se que,
em 48, a locução COMO QUE é utilizada com um verbo no gerúndio. Apesar de o
verbo estar em uma das formas nominais, optou-se, devido ao uso de uma locução
conjuntiva, por incluir este caso nas cláusulas hipotáticas finitas.
A cláusula em destaque, em 47, também pode ser interpretada como
conformativa. No entanto, parece que não há, na cláusula entre colchetes um fato que
induza os aplausos e o julgamento de alguém. Para diferenciar uma cláusula
conformativa de uma modal, Silva (2007) utilizou como um dos critérios a presença de
um poder indutivo naquela e a ausência nesta (cf. cap. 5).
Constatou-se uma pequena diferença entre o Português Brasileiro e o Português
Europeu. O único dado de cláusula hipotática encabeçada por COMO QUE ocorreu em
um texto escrito referente ao PB.
No que tange à língua falada, identificaram-se apenas 3 (três) cláusulas
hipotáticas finitas: 2 (66,7%) introduzidas por COMO SE – cf. ex. 49 e 1 (33,3%)
introduzida por COMO – cf. ex. 50. Ressalte-se que esses dados são relativos apenas ao
PE, pois não foram encontradas cláusulas hipotáticas finitas em língua falada no PB.
49. ―... acabam por la [...], por lidarem com as bonecas [como se fossem pessoas].‖
(OC-P-70-1F-004)
50. ―A gente sente que cá para o sul ... há muito, eh, muito maior dificuldade em a
pessoa se aceitar [como é].‖
(OC-P-70-3M-002)
Em 49, a cláusula em destaque explica o modo como algumas pessoas lidam
com as bonecas e, em 50, a cláusula entre colchetes acrescenta a noção de modo ao fato
de as pessoas se aceitarem.
Descritas as formas de articulação das cláusulas hipotáticas finitas tanto na
língua escrita quanto na língua falada, em seguida, enfatiza-se outro aspecto: a
manutenção de referente.
A hipótese de que cláusulas finitas tendem a apresentar mudança de referente e a
ser menos integradas do que cláusulas não-finitas comprovou-se, pois, de um modo
geral, as cláusulas hipotáticas finitas apresentaram mudança de referente (sujeito) em
relação à cláusula núcleo. Vejam-se os exemplos 51 e 52, ambos relativos à língua
escrita.
128
51. ―O Brasil tem sido, nas fases negativas do seu desenvolvimento político, um país
sujeito, e por assim dizer condenado, à repetição cíclica dos mesmos erros, [como se
fossemos um povo vítima de alguma dessas psicoses] que impedem o homem de
aprender com a sua experiência.‖
(E-B-93-JE-003)
52. ―A cada momento temos noticia de gastos extraordinarios que attingem centenas e
milhares de contos, [sem que se possa determinar a verba] por que foram effectuados.‖
(E-B-91-JN-006)
Em 51, a cláusula destacada tem como sujeito o pronome ―nós‖, que é
reconhecido pela desinência verbal em ―fôssemos‖, enquanto que o sujeito da cláusula
núcleo é ―o Brasil‖. Apesar de estarem relacionados, consideram-se os sujeitos
distintos.
Em 52, a cláusula entre colchetes permite duas interpretações no que diz respeito
a seu sujeito: a primeira é analisar como sujeito ―a verba‖, levando-se em conta a
estrutura de voz passiva sintética; a segunda é analisar que há um sujeito indeterminado,
tendo em vista que alguém não pode determinar a verba. Com essas duas possibilidades
de interpretação, verifica-se que o sujeito da cláusula núcleo é diferente do da cláusula
hipotática, porque o sujeito daquela é o pronome ―nós‖, que pode ser identificado pela
desinência verbal em ―temos‖.
Como foram encontradas poucas cláusulas hipotáticas finitas na língua falada, a
análise baseia-se nos exemplos 49 e 50 supracitados.
Em 49, a cláusula em destaque tem como sujeito ―as bonecas‖ e a cláusula
núcleo tem como sujeito ―algumas pessoas‖, que pode ser inferido pelo contexto.
Em 50, o sujeito da cláusula hipotática é o mesmo do da cláusula núcleo – ―a
pessoa‖, o que contraria a expectativa, que era a de encontrar mudança de referente
(sujeito) em cláusulas finitas. Entretanto, não se pode afirmar que todas as cláusulas
finitas têm sujeito diferente do da cláusula núcleo. O que se pode constatar é que há
uma tendência de isso ocorrer.
A tabela 5 apresenta a frequência de cláusulas finitas distribuídas pelos itens que
as encabeçam e que possuem o mesmo sujeito em relação à cláusula núcleo. Na
primeira coluna, indicam-se os itens que encabeçam as cláusulas finitas; na segunda
coluna, tem-se a frequência com que cada cláusula encontrada na língua escrita ocorreu
com manutenção de referente (sujeito); na terceira coluna, se fornece o total de dados de
língua escrita; na quarta coluna, apresenta-se a frequência com que cada cláusula finita
129
empregada na língua falada ocorreu com manutenção de referente (sujeito) e, na quinta
coluna, mostra-se o total de dados de língua falada.
De um total de 484 (100%) cláusulas que expressam a circunstância de modo
encontradas no corpus VARPORT, 265 (54,8%) são cláusulas hipotáticas. Dessas 265
cláusulas hipotáticas, 242 estão na forma não-finita (reduzida) e 23 na forma finita
(desenvolvida).
Coletou-se um total de 20 cláusulas hipotáticas finitas na modalidade escrita e
um total de 3 cláusulas em textos de língua falada. A distribuição pelas formas de
articulação (itens que encabeçam as cláusulas) no que tange à manutenção de referente é
apresentada na tabela 5.
Tabela 5: Cláusulas finitas e manutenção de referente no corpus VARPORT
FORMAS
DE MANUTENÇÃO
ARTICULAÇÃO
TOTAL – MANUTENÇÃO
TOTAL –
DE REFERENTE LÍNGUA
DE REFERENTE LÍNGUA
–
–
LÍNGUA ESCRITA
ESCRITA
LÍNGUA FALADA
FALADA
COMO SE
1 (11,1%)
9 (100%)
1 (50%)
2 (100%)
SEM QUE
1 (14,3%)
7 (100%)
____
____
COMO
1 (33,3%)
3 (100%)
1 (100%)
1 (100%)
COMO QUE
1 (100%)
1 (100%)
____
____
Percebe-se que, com exceção das cláusulas encabeçadas por COMO QUE, na
língua escrita, e por COMO, na língua falada, são poucos os dados de cláusulas
hipotáticas finitas que possuem o mesmo referente (sujeito) do da cláusula núcleo, o que
poderia ser um indício de que cláusulas que contêm uma marca explícita de conexão são
menos integradas do que cláusulas sem marca explícita de conexão.
Os dados que poderiam ser considerados exceção são poucos e provavelmente
não invalidam os resultados obtidos no que concerne à relação entre cláusulas finitas e
mudança de referente. Outro aspecto que pode estar relacionado à manutenção de
referente e, consequentemente, à integração semântico-pragmática é o tipo semântico de
verbo.
Parece que os verbos do tipo ―relacional‖ e ―existencial‖ estão associados a
cláusulas finitas e a uma menor integração semântico-pragmática. É o que se verifica
por meio dos exemplos 53 e 54.
130
53. ―Estamos n‘um perfeito regimen absolutista, sem a dignidade da franqueza, porque
se mascara com os imbroglios d‘um liberalismo de contrabando, e sem a magestade do
prestígio, perdido em funambulescas correrias de allucinados, que seriam simplesmente
cômicas no palco d‘um theatro, mas que são criminosas na rua porque denunciam o
nenhum respeito que nas regiões superiores se tem pelas leis do paiz, [como se acaso
aquelles / que estão nas culminancias do poder / não devessem ser os primeiros] a
render culto ao dever, para uma salutar exemplificação social.‖
(E-P-83-JE-009)
54. ―O seguro propiciou a que em breve a família reunida pudesse de novo continuar
[como se nada houvera acontecido].‖
(E-B-93-JA-027)
Em 53, o verbo principal da cláusula hipotática, que se encontra no infinitivo, é
―ser‖ e, portanto, é do tipo ―relacional‖. Em 54, o verbo principal da cláusula em
destaque está no particípio, ―acontecido‖ e, portanto, é do tipo ―existencial‖.
Na língua escrita, o tipo ―relacional‖ foi o mais frequente nas cláusulas
introduzidas por COMO SE (5 – 55,6%) e, na língua falada, nas cláusulas encabeçadas
por COMO SE (2 – 100%) e por COMO (1 – 100%).
Nota-se, por todos os exemplos fornecidos nesta seção, que outros tipos
semânticos de verbo também ocorreram em cláusulas hipotáticas finitas. O tipo
―relacional‖, que parece se associar a cláusulas finitas foi empregado nos exemplos 49,
50, 51 e 53. O tipo ―material‖ ocorreu no exemplo 46, o tipo ―sensitivo‖, em 47, o tipo
―possessivo‖, em 48 e o tipo ―cognitivo‖ ocorreu no exemplo 52.
Na língua escrita, o tipo ―sensitivo‖ foi utilizado em todos os dados com COMO
(3 – 100%); o tipo ―possessivo‖ foi empregado no único dado com COMO QUE e
parece não ter um uso preferencial com cláusulas introduzidas por SEM QUE, pois
foram utilizados os seguintes tipos semânticos de verbo: material (2 – 28,5%),
relacional (1 – 14,3%), cognitivo (1 – 14,3%), corpóreo (1 – 14,3%), sensitivo (1 –
14,3%) e existencial (1 – 14,3%).
Um critério de análise adotado e que permitiu a reunião de todos os tipos de
cláusulas hipotáticas - finitas e não-finitas - foi o gênero textual. Esta junção se justifica
pelo fato de o gênero não determinar diferenças entre as formas de articulação das
cláusulas (cf. 6.2.1.3.1).
Acreditava-se
que
as
cláusulas
hipotáticas
modais
ocorressem
mais
frequentemente em notícias em geral, gênero cujas sequências predominantes são as
narrativas e em que há o relato de um acontecimento. Além disso, Clóvis Rossi (2005;
apud Dias, 2006, p.112) considera que os jornalistas têm ―que contar bem boas
131
histórias‖. Em uma notícia, portanto, o mais importante não é o relato do acontecimento
em si, mas sim como o relato é feito. Uma das maneiras de envolver o leitor é
apresentar riqueza de detalhes.
A definição de notícia da Fundação Darcy Ribeiro (2004, p.58) ratifica os
comentários antes elucidados:
―A notícia é o puro relato de fatos ou acontecimentos atuais,
geralmente de importância e interesse para a comunidade, sem
comentários pessoais, opiniões ou interpretações por parte de quem a
escreve. Os títulos são chamativos (manchetes) para atrair a atenção
do leitor. No início do texto, costuma aparecer um pequeno resumo
com as informações essenciais do fato noticiado (lide)‖.
Vê-se, então, que há informações básicas sobre a notícia, como a menção do
lead. Parece haver uma preocupação em mostrar tanto o propósito comunicativo como
as características linguísticas do gênero em questão.
Como as cláusulas hipotáticas modais caracterizam-se por acrescentar a noção
de modo estabelecendo uma relação de adjunção ao verbo da cláusula núcleo e como a
circunstância de modo, assim como as de tempo e lugar, é essencial para uma notícia,
acreditava-se que este gênero favorecesse seu uso. De fato, as cláusulas hipotáticas
modais foram frequentes em notícias, mas não houve preferência pelo uso destas
estruturas neste gênero textual.
No corpus analisado, nos textos referentes à língua escrita, houve simetria entre
os usos das modais nos três gêneros analisados: anúncios, editoriais e notícias (cf. tabela
6). A tabela 6 mostra os gêneros textuais, na primeira coluna; as frequências das
cláusulas hipotáticas em cada gênero textual, na segunda coluna; e o total de cláusulas
encontradas em língua escrita, na última linha.
132
Tabela 6: Cláusulas hipotáticas e gêneros textuais na língua escrita
GÊNEROS TEXTUAIS
FREQUÊNCIA
Anúncio
79 (34,3%)
Editorial
82 (35,7%)
Notícia
69 (30%)
TOTAL
230 (100%)
Embora haja indícios de que o gênero em que as cláusulas hipotáticas foram
menos frequentes foi a notícia, os percentuais entre cada gênero são muito semelhantes,
não permitindo, assim, que se estabeleça uma generalização quanto à relação entre os
usos dos gêneros e das cláusulas hipotáticas. A seguir, apresentam-se alguns exemplos:
55, retirado de um anúncio; 56, extraído de um editorial e 57, coletado de uma notícia.
55. ―Francisco José de Oliveira Basto tira Patentes pelo modico preço de $6400 reis, e
cuida em todos os requerimentos, dependentes de todas as Secretarias Superiores: quem
se quizer servir do seu prestimo o pode procurar na sua casa rua de S. Joaquim, [indo
para Santa Anna ao lado direito casa número 40]. Os que forem moradores fóra desta
cidade, como em Lisboa, Bahia, etc, podem corresponder-se com elle pelo correio,
[dirigindo-lhe as suas ordens].‖
(E-B-81-JA-024)
56. ―Tão condenável que os jornalistas se sentiram na obrigação de respeitar a
confidencialidade do relatório, [não divulgando os nomes dos agentes] ou [tapando-os
nas reproduções << fac-similadas >>].‖
(E-P-95-JE-007)
57. ―Os marinheiros e soldados navaes empunhando sempre as facas e as navalhas,
fugiram, [correndo em diversas direções].‖
(E-B-91-JN-005)
Em 55, as duas cláusulas entre colchetes são hipotáticas com noção de modo. A
primeira expressa a maneira como alguém pode procurar Francisco José de Oliveira
Basto e a segunda indica o modo como algumas pessoas podem corresponder-se com
ele. Ambas foram retiradas de um anúncio, integrando uma sequência descritiva.
Em 56, as duas cláusulas em destaque estão coordenadas entre si e explicam a
maneira como os jornalistas respeitaram a confidencialidade do relatório. Ambas foram
extraídas de um editorial e encontradas em uma sequência argumentativa.
Em 57, a cláusula entre colchetes elucida o modo como os marinheiros e
soldados navais fugiram, foi coletada de uma notícia e se insere em uma sequência
narrativa.
133
Os três exemplos anteriormente explicitados representariam o uso prototípico
das cláusulas hipotáticas em cada gênero textual. Assim, parecia haver uma relação
entre anúncio e sequência descritiva; editorial e sequência argumentativa e notícia e
sequência narrativa. É claro que houve alguns dados em que estas correspondências
foram identificadas. Entretanto, os resultados indicam que, nos três gêneros textuais
referentes à língua escrita, as cláusulas hipotáticas foram utilizadas predominantemente
em sequências argumentativas (cf. tabela 7).
Na tabela 7, a primeira coluna contém as sequências tipológicas em que as
cláusulas hipotáticas foram usadas, a segunda coluna apresenta a frequência destas
cláusulas em cada sequência e a última linha mostra o total de cláusulas analisadas.
Tabela 7: Cláusulas hipotáticas e sequências tipológicas na língua escrita
SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS
FREQUÊNCIA
Argumentativa
168 (73%)
Narrativa
28 (12,2%)
Descritiva
30 (13%)
Injuntiva
4 (1,8%)
TOTAL
230 (100%)
Pela tabela 7, verifica-se que 73% (168 dados) das cláusulas hipotáticas
ocorreram em sequências argumentativas e 1,8% (4 dados) em sequências injuntivas. A
seguir, ilustram-se três exemplos: 58 - que elucida uma cláusula em sequência injuntiva
em anúncio, 59 – que indica uma cláusula em sequência argumentativa em notícia e 60
– que representa outro caso de cláusula encontrada em sequência injuntiva.
58. ―Inglês em 3 Meses – Cursos individual, duplo e triplo. Melhore rápido e
seguramente a sua situação financeira e social, [inscrevendo-se, até 11 de Setembro, no
unico curso racional e especialmente feito para portugueses] de modo a ficar em
Dezembro apto a falar, compreender, ler e escrever inglês.‖
(E-P-93-JA-009)
59. ―O governo neste districto não tem satisfeito aos pagamentos mensaes dos
empregados, andando todos a morrer de fome, e de penuria e ainda quando ordena o
pagamento de algum mez, passão dois e trez mezes [sem que o contador lhes
satisfaça].‖
(E-P-82-JN-010)
134
60. ―... em apenas 3 segundos prepare [sem bater] um leite muito mais gostoso!‖
(E-B-93-JA-029)
Em 58, a cláusula hipotática elucida o modo como uma pessoa pode melhorar
rápida e seguramente a sua situação e se encontra em uma sequência injuntiva, pois são
dadas as instruções para que o leitor faça o curso de inglês e melhore a vida financeira
Em 59, a cláusula destacada indica o modo como os empregados passam dois e
três meses, e se insere em uma sequência argumentativa, porque o autor, além de estar
relatando um fato, expressa claramente sua opinião ao utilizar expressões como ―morrer
de fome‖, ―penúria‖.
Em 60, a cláusula entre colchetes explicita a maneira de se preparar um leite
muito gostoso e integra uma sequência injuntiva, já que o autor do anúncio utiliza uma
estrutura, cujo principal objetivo é levar alguém a realizar uma tarefa.
Pela análise empreendida, parece não haver um gênero textual favorecedor do
uso das cláusulas hipotáticas, visto que, no corpus utilizado, houve um equilíbrio entre
os usos das modais nos gêneros anúncio, editorial e notícia.
Quanto às sequências tipológicas, apesar de as cláusulas hipotáticas modais
poderem ser empregadas em sequências descritivas, em anúncios; em sequências
argumentativas, em editoriais; e em sequências narrativas, em notícias, conforme o
esperado, parece que esta estrutura contribui bastante para a argumentação
independentemente do gênero textual em que é encontrada.
Resultado diferente foi obtido ao se analisarem as cláusulas hipotáticas na língua
falada. A tabela 8 mostra a distribuição das cláusulas hipotáticas coletadas nos textos de
língua falada pelas sequências tipológicas. Na primeira coluna, apresentam-se as
sequências tipológicas; na segunda coluna, mostram-se as frequências dessas estruturas
em cada sequência e, na última linha, indica-se o total de cláusulas analisadas.
135
Tabela 8: Cláusulas hipotáticas e sequências tipológicas na língua falada
SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS
FREQUÊNCIA
Narrativa
21 (60%)
Descritiva
12 (34,3%)
Argumentativa
2 (5,7%)
TOTAL
35 (100%)
Pela tabela 8, verifica-se que as cláusulas hipotáticas em língua falada,
diferentemente do resultado conseguido em língua escrita, ocorreram mais
frequentemente em sequências narrativas e descritivas, respectivamente.
Este resultado já era esperado, pois, nas entrevistas do tipo DID encontradas no
corpus VARPORT, o documentador conversa sobre um determinado assunto e o
informante conta uma história em que ele esteve envolvido ou que aconteceu com
alguém conhecido. Em alguns momentos das entrevistas, o documentador pede para o
informante explicar algo melhor e este realiza a tarefa por meio de descrições de um
lugar ou de uma atividade específica a ser feita.
Em seguida, tem-se um exemplo de cláusula hipotática em sequência narrativa
(cf. ex. 61), um exemplo em sequência descritiva (cf. ex. 62) e um em sequência
argumentativa (cf. ex. 63 – exemplo 29 repetido).
61. ―... é óbvio que eu tenho que me voltar TAMBÉM ... para a alimentação né ... éh ...
se possível :: [eliminando esse consumo da CARNE] né ... que é tão prejudicial à
SAÚDE ... éh / ah / tenho procurado fazer isso ... e [consumindo coisas lights ... né
queijo LIGHT né] ... [procurando] não comprar mais tanta MUZZARELA pra fazer
pizza [comprando ... ((tomou fôlego para continuar falando)) queijo de minas mais :: ...
éh / tem uns éh mais lights né ...‖
(OC-B-9C-2F-001)
62.
―#I: ... mas, eh, vieram para aqui umas meninas, para a faculdade, não sei para que
andar, qualquer coisa, e quando passavam por mim diziam: ‗olá‘. É porque tinha razão.
Não, mas eu estava a dizer destas ta [...], tais que me diziam, ‗olá‘, [como ( ] )
#D: pois
#I: [se fossem as tais catatuas, cacatuas, cacatuas, tatatuas].‖
(OC-P-RE-3F-011)
63. ―...acho que hoje as crianças ... de classes médias se divertem muito mais com ...
com vídeo games ... coisas desse tipo ... do que ... [jogando futebol na rua].‖
(OC-B-9C-1M-002)
136
Em 61, há três cláusulas que explicam o modo como a informante deve se
preocupar com a alimentação e como ela procura fazer isso. A informante está relatando
um fato e as cláusulas hipotáticas contribuem para a progressão da narrativa.
Em 62, a cláusula em destaque elucida a maneira como umas meninas falavam
com a informante. Esta está descrevendo como eram as meninas e, com isso, a cláusula
hipotática faz parte desta descrição. Observa-se que a informante começa a descrever a
maneira de as meninas falarem e é interrompida pelo documentador, cuja fala é
representada pela palavra ―pois‖. Em seguida, a informante conclui seu pensamento.
Em 63, a cláusula entre colchetes indica o modo como o informante acha que as
crianças se divertem menos hoje. Por se tratar de uma opinião sendo expressa, a
cláusula hipotática está a serviço da argumentação.
Pode-se dizer que uma mesma estrutura, no caso, as cláusulas hipotáticas com
noção de modo, pode ter funções e exercer papéis diferentes, dentro de um texto, a
depender da modalidade linguística em que são encontradas. No corpus analisado,
constatou-se que, na língua escrita, esta estrutura exerceu um papel mais importante na
argumentação, enquanto que, na língua falada, contribuiu mais para a narração.
6.2.1.4. Cláusulas correlatas
As estruturas correlatas equivalem ao que alguns autores tradicionais incluem no
âmbito da coordenação, mais especificamente das coordenadas aditivas.
Neste estudo, distingue-se coordenação, ou parataxe, de correlação. No primeiro
processo sintático, há independência sintática entre as cláusulas, enquanto que, no
segundo processo, há interdependência sintática, visto que as duas cláusulas envolvidas
no processo de correlação não subsistem sintaticamente uma sem a outra.
Alguns autores abordam a correlação como uma das formas de as cláusulas
coordenadas ou subordinadas se articularem. Nesta tese, segue-se além do pensamento
de autores como Oiticica (1952), já explicitado (cf. 2.4), o de Rodrigues (2007, p.231)42,
que consideram a correlação um processo sintático diferente da coordenação e da
subordinação.
No corpus VARPORT, detectaram-se poucas cláusulas correlatas com noção de
modo. Entretanto, optou-se por incluí-las na análise dos dados tendo em vista o
42
―... correlação, em que as duas orações seriam formalmente interdependentes, relação materializada por
meio de expressões correlatas‖.
137
principal objetivo deste trabalho, ou seja, descrever as cláusulas que podem manifestar a
relação de modo a fim de englobar, portanto, todos os processos sintáticos que
envolvem a noção de modo em português.
Coletaram-se apenas 7 (sete) cláusulas correlatas com noção de modo, em um
total de 484 cláusulas modais analisadas no corpus VARPORT e, por este motivo,
agruparam-se os dados provenientes de textos representativos do Português Brasileiro e
do Português Europeu bem como das modalidades escrita e falada.
Os pares correlativos encontrados são apresentados no gráfico 7.
NÃO SÓ ... COMO
NÃO SÓ ... COMO AINDA
NÃO APENAS ... COMO
1
2
4
Total: 7
Gráfico 7: Formas de articulação das cláusulas correlatas no corpus VARPORT
Pelo gráfico 7, é possível perceber que o par correlativo mais frequente foi NÃO
SÓ ... COMO (cf. ex. 64), seguido de NÃO SÓ ... COMO AINDA (cf. ex. 65) e NÃO
APENAS ... COMO (cf. ex. 66).
64. ―Em sua próxima viagem a Portugal, o ministro da Fazenda [não só ultimará
entendimentos para a instalação de uma agência do Banco do Brasil em Lisboa, como
tratará de questões relacionadas com a penetração econômica do nosso País na África
Portuguesa]‖.
(E-B-93-JE-006)
65. ―É publico e notorio de que a commissão apresentou o parecer no dia 12 de outubro
do anno passado, e tendo decorrido mais de quatro mezes V. Exª. [não só não tem dado
publicidade desse parecer, como ainda o não apresentou ao Monarcha], como é do seu
rigoroso dever ...‖
(E-B-82-JE-003)
138
66. ―A seguir, Prestes disse que falta atacar os problemas de fundo, que, a seu ver, [não
apenas persistiram ao longo de 15 anos de ditadura, como se agravaram]. ‗Aumentou o
número de latifundiários‘, frisou‖.
(E-B-94-JN-007)
Ressalte-se que, nos três exemplos anteriores, o primeiro membro da correlação
contém uma palavra negativa – ―não‖ – e um advérbio de intensidade – ―só‖, ―apenas‖,
e o segundo membro da correlação, em 65, contém a palavra ―ainda‖, indicando que a
informação contida na segunda cláusula correlativa acrescenta algo à primeira.
A noção de modo está presente nos exemplos 64, 65 e 66, e é enfatizada pela
presença do item COMO. Em 64, pode-se entender que DO MESMO MODO que ―o
ministro da Fazenda ultimará entendimentos para a instalação de uma agência do Banco
do Brasil em Lisboa tratará de questões relacionadas com a penetração econômica do
nosso País na África Portuguesa‖. Em 65, interpreta-se que DO MESMO MODO que
―V. Exª. não tem dado publicidade de um parecer, não o apresentou ao monarca‖. Em
66, entende-se que DO MESMO MODO que ―os problemas de fundo persistiram ao
longo de 15 anos de ditadura se agravaram‖.
É importante distinguir aqui as cláusulas correlatas com noção de modo das
cláusulas correlatas comparativas. O emprego da expressão DO MESMO MODO para
justificar a existência da noção de modo em algumas estruturas pode levar o leitor a
uma interpretação destas envolvendo também um matiz comparativo. Esta interpretação
é possível, mas, nesta tese, entende-se como comparativa apenas a cláusula em que i) os
atos comparados são os mesmos, ou seja, o verbo que aparece no primeiro termo da
comparação é o mesmo que aparece no segundo e ii) o sujeito utilizado na primeira
parte da comparação é do mesmo campo semântico que o sujeito empregado na segunda
parte da comparação (cf. Rodrigues, 2007).
No que tange à manutenção de referente, no corpus analisado, todas as cláusulas
correlatas apresentaram mesmo referente (sujeito). Este resultado, em princípio,
contraria a expectativa, pois se esperava que as cláusulas correlatas, por estarem na
forma finita, conteriam sujeitos diferentes, configurando isto um índice de menor
integração semântico-pragmática.
Parece haver um motivo capaz de explicar o resultado obtido. Em 64, 65 e 66, as
cláusulas que contêm o segundo membro do par correlativo acrescentam, adicionam
uma informação acerca de um mesmo sujeito, seja ele uma pessoa, um lugar, um objeto,
entre outros. Dessa forma, pode-se dizer que, nas cláusulas correlatas com noção de
modo, o sujeito é correferencial.
139
Esta especificidade das cláusulas correlatas provavelmente contribui para que a
correlação seja considerada um processo sintático diferente da coordenação e da
subordinação. Para comprovar o comportamento distinto de cláusulas correlatas, tem-se,
a seguir, um comentário de Rodrigues (2007, p.233) acerca de um exemplo de cláusulas
correlatas comparativas, mas que se adequa aos exemplos 64, 65 e 66, anteriormente
apresentados.
―A segunda oração não se relaciona diretamente a algum verbo da primeira
como ocorre com as substantivas, já que aqui a relação não é de
complementação; ela também não se liga semanticamente ao verbo como
ocorre com as adverbiais, já que a relação não é de adjunção; a segunda oração
não se relaciona, ainda, a um substantivo numa estrutura de modificação, como
sucede com as adjetivas. ... as duas orações são interdependentes.‖
No que tange ao gênero textual, verificou-se que as cláusulas correlatas foram
utilizadas um pouco mais frequentemente em editoriais (3 – 42,9%) – cf. ex. 67,
seguidos das notícias (2 – 28,5%) – cf. ex. 68, dos anúncios (1 – 14,3%) e das
entrevistas (1 – 14,3%).
67. ―A verdade é que o senador pelo Piauhy [não só engatilhou um requerimento sobre
as verbas do senado e os gastos da mesa dessa casa legislativa, como está armado de
informações e documentos extremamente serios sobre as graves irregularidades de
dinheiro, ocorridas na alta direcção da casa], a que pertence‖.
(E-B-92-JE-002)
68. ―O Dia da Liberdade de Imprensa é uma periódica oportunidade para que, [não só
se celebre uma das conquistas fundamentais à vida democrática moderna, como ainda
se tome essa prerrogativa como uma das formas inalienáveis] em que devem viver os
governos livres do mundo de hoje‖.
(E-B-92-JN-037)
Em 67, a noção de modo está presente na estrutura correlata porque DO
MESMO MODO que ―o senador pelo Piauhy engatilhou um requerimento está armado
de informações‖. As cláusulas correlatas fazem parte dos comentários e das reflexões do
autor a respeito de um determinado assunto.
Em 68, a nuance de modo está presente na estrutura correlata porque se afirma
que ―o Dia da Liberdade é uma oportunidade‖ para duas ações serem realizadas DO
140
MESMO MODO. As cláusulas correlatas estão sendo utilizadas para contribuir na
exposição do ponto de vista do autor.
Pelo exposto anteriormente, pode-se compreender que as cláusulas correlatas
com noção de modo estão a serviço da argumentação. De fato, no corpus analisado, 5
(71,4%) cláusulas correlatas ocorreram em sequências argumentativas, 1 (14,3%) em
sequência descritiva e 1 (14,3%) em sequência narrativa.
Este uso de cláusulas correlatas em sequências argumentativas pode ser
favorecido pelo uso dos advérbios ―só‖ e ―ainda‖, que parecem anunciar que a
informação que será fornecida na segunda cláusula é um argumento mais forte do que o
que aparece na primeira para que se expresse uma opinião.
Além disso, parece haver uma relação entre a constatação do uso deste tipo de
cláusula na argumentação e um comentário de Rocha Lima (1998, p.261): ―Para dar
mais vigor à coordenação, valemo-nos de uma fórmula correlativa (não só ... mas
também; não só ... mas ainda ...‖. Provavelmente, o termo ―vigor‖ relacionado à
coordenação refira-se a uma maior força argumentativa. Os pares correlativos
encontrados no corpus analisado assemelham-se aos listados por Rocha Lima (1998):
―não só ... como‖, ―não só ... como ainda‖ e ―não apenas ... como‖.
Abordadas as cláusulas correlatas considerando-se o corpus VARPORT,
analisam-se, a seguir, as cláusulas paratáticas que apresentam a noção de modo.
6.2.1.5. Cláusulas paratáticas
As estruturas paratáticas equivalem ao que, na tradição, se denomina oração
coordenada. Entretanto, as formas de articulação das cláusulas paratáticas que foram
encontradas no corpus analisado, em sua maioria, não são contempladas por grande
parte das gramáticas tradicionais. Além disso, nesta tese, se consideram cláusulas
paratáticas
aquelas
que
são
independentes
sintaticamente,
mas
dependentes
semanticamente de outra, ou seja, veiculam uma circunstância, mais especificamente, o
conteúdo de modo.
No corpus VARPORT, encontraram-se cláusulas paratáticas com noção de
modo finitas e não-finitas43. A seguir, analisam-se as especificidades de cada tipo de
cláusula paratática – as não-finitas e as finitas.
43
Como já mencionado, nesta tese, a análise de cláusulas paratáticas não-finitas vai ao encontro da
constatação de Said Ali (1969, p.147) de que ―se o acontecimento ocorrido em primeiro lugar for
141
6.2.1.5.1. Cláusulas paratáticas não-finitas
No corpus VARPORT, o número de cláusulas paratáticas não-finitas - 135
(92,5%) - foi maior do que o de cláusulas finitas – 11 (7,5%). Por este motivo, optou-se
por abordar primeiramente as cláusulas não-finitas. Assim como na análise das
cláusulas hipotáticas, levando-se em conta a junção das cláusulas finitas e não-finitas
consideram-se os gêneros textuais e as sequências tipológicas em que as cláusulas foram
encontradas.
Vale ressaltar que os dados referentes à língua escrita – 142 (97,3%) – são
superiores aos referentes à língua falada – 4 (2,7%).
Os dados relativos ao Português Brasileiro e ao Português Europeu foram
reunidos e, quando necessário, serão explicitadas diferenças entre estas duas variedades
da língua.
No que tange à língua escrita, as cláusulas paratáticas não-finitas podem ser
distribuídas por 2 (duas) formas de articulação, como o gráfico 8 mostra.
De um total de 484 (100%) cláusulas com matiz modal coletadas no corpus
VARPORT, 146 (30,2%) eram paratáticas. Dentre as 146 cláusulas paratáticas, 135
eram não-finitas (reduzidas) e 11 eram finitas (desenvolvidas). No gráfico 8, verifica-se
que 134 cláusulas paratáticas não-finitas integram textos de língua escrita.
enunciado por uma oração explícita, o gerúndio, denotando fato imediato, equivalerá a uma oração
coordenada iniciada pela conjunção e.‖
142
Gerúndio
SEM + Inf.
3
131
Total: 134
Gráfico 8: Formas de articulação das cláusulas paratáticas não-finitas na língua escrita
Pelo gráfico 8, nota-se que as cláusulas paratáticas não-finitas mais frequentes
são as que se articulam por meio do gerúndio. Vejam-se os exemplos 69 e 70, cláusulas
paratáticas articuladas, respectivamente, por meio de verbo no gerúndio e pela
preposição SEM seguida de infinitivo.
69. ―TRASPASSA-SE uma casa de seccos e molhados, [fazendo um bom negocio].‖
(E-B-82-JA-050)
70. ―No incendio da nau Santa Rosa interessantes produções se perderam, que eram
remmetidas para imprimir em Lisboa [sem se haver dellas deixado copias].‖
(E-B-83-JN-039)
Em 69, a cláusula entre colchetes acrescenta uma informação à cláusula anterior,
sendo possível verificar que a noção de modo emerge desta cláusula, visto que a ação de
transpassar uma casa de secos e molhados ocorre de um determinado modo: ―fazendo
um bom negócio‖. A interpretação como paratática justifica-se pelo fato de haver, em
69, uma sequência de eventos, em que, primeiramente transpassa-se uma casa e, em
seguida, se faz um bom negócio. A não-simultaneidade caracteriza a parataxe, neste
caso, em confronto com a hipotaxe. Além disso, 69 pode ser reescrito como 69‘.
69‘. TRANSPASSA-SE uma casa de seccos e molhados [e se faz um bom negocio].
Em 70, a cláusula destacada adiciona uma informação à cláusula que a antecede
e possui uma negação, isto é, indica que algo não foi feito: deixar cópias das produções.
143
O fato de não se ter deixado cópias das produções é uma característica, um estado em
que tudo ficou depois do incêndio. É dessa forma que se atribui à cláusula paratática a
noção de modo. O exemplo 70 também pode ser reescrito (cf. ex. 70‘).
70‘. No incendio da nau Santa Rosa interessantes produções se perderam, que eram
remmetidas para imprimir em Lisboa [e não foram dellas deixadas copias].
Em 70, a ideia de negação é veiculada pela preposição SEM e, em 70‘, pelo
advérbio ―não‖.
No que concerne à língua falada, encontrou-se apenas uma cláusula paratática
não-finita, retirada de um texto referente ao Português Brasileiro. Esta cláusula tem
como forma de articulação a preposição SEM seguida de verbo no infinitivo (cf. ex. 71).
71. ―... e... também... todas as conduções que eu usei... circularam livremente [sem
passar em cima de buracos]... porque eu não vi também nenhum buraco nas estradas.‖
(OC-B-9C-3F-001)
Em 71, a cláusula em destaque indica o modo como as conduções circularam.
Por este motivo, poder-se-ia fazer uma confusão entre cláusula paratática e cláusula
hipotática com noção de modo.
Acredita-se que o advérbio ―livremente‖ acrescenta a ideia de modo e
caracteriza suficientemente a ação representada pelo verbo ―circularam‖. Interpreta-se,
portanto, a cláusula entre colchetes como uma adição de informação em que a relação
entre ela e o verbo da cláusula anterior não é a de adjunção, como ocorre nas cláusulas
hipotáticas. Pode-se considerar que há uma sequência de eventos, assim como em 70, o
que pode ser ratificado em 71‘.
71‘. ... e... também... todas as conduções que eu usei... circularam livremente [e não
passaram em cima de buracos]... porque eu não vi também nenhum buraco nas estradas.
Assim como em 70 e em 70‘, as cláusulas paratáticas em 71 e em 71‘ possuem a
ideia de negação, que é veiculada naquele pela preposição SEM e, neste, pelo advérbio
―não‖.
O próximo aspecto abordado na análise é a manutenção de referente. Como
esperado, as cláusulas paratáticas não-finitas articuladas por meio de gerúndio
ocorreram mais frequentemente com manutenção de referente (sujeito) – 114 (87%), o
que pode ser conferido no exemplo 72.
144
72. ―... mesmo porque o Supplicado faz da injuria objeto principal do interesse do seu
jornal, [não poupando o próprio chefe do Estado, digno de todo o respeito e
consideração, não só pela sua posição, como ainda pelas virtudes] que o distinguem.‖
(E-B-82-JN-018)
Em 72, a cláusula em destaque acrescenta uma informação à cláusula que a
antecede e forma, com ela, uma sequência de eventos, característica básica de uma
cláusula paratática prototípica. A circunstância de modo está presente, pois se pode
interpretar que o fato de não poupar ―o próprio chefe do Estado‖ reforça o modo como
―o Suplicado faz da injúria objeto principal de interesse‖.
No que diz respeito à manutenção de referente, percebe-se que o sujeito da
cláusula paratática, em 72, assim como o sujeito da cláusula que a antecede, é ―o
Supplicado‖. Este resultado vai ao encontro do que era esperado, isto é, cláusula nãofinita tende a ter o mesmo referente (sujeito) do da cláusula com a qual se articula.
O resultado referente às cláusulas paratáticas não-finitas encabeçadas pela
preposição SEM seguida de verbo no infinitivo em texto de língua escrita contraria a
expectativa de que houvesse dados que apresentassem manutenção de referente. Todos
os dados apresentaram mudança de referente (cf. ex. 73).
73. ―A direcção das cartas será provisoriamente para Pariz [sem ser necessario]
franquear a carta.‖
(E-P-81-JA-024)
Em 73, a cláusula paratática destacada indica o modo como as cartas serão
dirigidas para Paris e acrescenta uma informação à cláusula que a antecede. O exemplo
73 pode ser reescrito como 73‘.
73‘. A direcção das cartas será provisoriamente para Pariz [e não será necessário]
franquear a carta.
No que tange à manutenção de referente, verifica-se que o sujeito da primeira
cláusula é ―a direcção das cartas‖ e que a cláusula em destaque possui um sujeito
oracional – ―franquear a carta‖. Portanto, constata-se mudança de referente (sujeito).
Este resultado contraria a expectativa porque a hipótese era a de que as cláusulas nãofinitas possuiriam manutenção de referente.
Apesar de o número total de dados de cláusulas paratáticas introduzidas pela
preposição SEM seguida de verbo no infinitivo ser pequeno, pode-se observar que o
fato de haver mudança de referente em cláusulas não-finitas não anula a tendência a
ocorrer mesmo referente neste tipo de cláusulas.
145
No único dado de cláusula paratática não-finita encontrado em língua falada, a
hipótese de que há um paralelismo entre manutenção de referente e cláusulas não-finitas
foi confirmada. Para ilustrar isto, tem-se o exemplo 71, em que o sujeito tanto da
cláusula paratática com noção de modo quanto da cláusula que a antecede é ―todas as
conduções que eu usei‖.
Outro aspecto relacionado à integração semântico pragmática é o tipo semântico
de verbo. No tocante às cláusulas não-finitas articuladas por meio de gerúndio
identificadas em língua escrita, o resultado obtido corresponde ao esperado, visto que
87 (66,4%) delas ocorreram com verbo do tipo ―material‖ (cf. ex. 74).
74. ―... tudo isso obedece ao mesmo plano: rasgar folha a folha a constituição do paiz,
até que o povo, seguindo-lhes o exemplo, entenda que não merece mais respeito um
regimen que começa por se negar a si mesmo, [calcando as suas disposições
fundamentaes], e arroje par o monturo o governo que n‘elle começara a despenhar-se.‖
(E-P-83-JE-009)
Em 74, a cláusula entre colchetes expressa o modo como um regime nega a si
mesmo e indica uma sequência de eventos, visto que há a possibilidade de se
compreender que, primeiramente, o regime começa a se negar e, em um momento
posterior, ―calca as suas disposições fundamentaes‖. O verbo utilizado na cláusula em
destaque é ―calcar‖, um verbo do tipo ―material‖, pois indica uma ação propriamente
dita – a de acabar com algo, esmagar algo.
No que tange às cláusulas paratáticas não-finitas articuladas por meio da
preposição SEM seguida de verbo no infinitivo em língua escrita, o resultado obtido não
era esperado, pois 2 (66,7%) cláusulas ocorreram com verbo do tipo ―relacional‖ (cf. ex.
75), o que, em princípio, estava associado a cláusulas finitas.
75. ―Um Marchante que tem bastante gado, e muito dele muito bom para trabalho, não
duvida entregar a pessoas capazes uma ou mais juntas de bois, para com eles se
servirem pelo tempo que se ajustar, com certas condições, e [sem ser preciso] compralos.‖
(E-P-81-JA-054)
Em 75, a cláusula em destaque acrescenta uma informação à cláusula que a
antecede e indica o modo como pessoas capazes podem se servir dos bois.
No que se refere ao tipo semântico de verbo, percebe-se que o verbo utilizado na
cláusula com nuance de modo foi ―ser‖, um verbo de ligação da tradição, que equivale
ao que, nesta pesquisa, é denominado verbo ―relacional‖.
146
Apesar de contrariar o que era esperado, já que não foi utilizado um verbo do
tipo ―material‖ na cláusula não-finita, o resultado obtido não invalida a tendência de
verbos do tipo ―relacional‖ associarem-se a cláusulas finitas.
No que concerne à única cláusula paratática não-finita detectada em língua
falada, o resultado conseguido era esperado, tendo em vista que o verbo utilizado foi do
tipo ―material‖. Para ilustrar esta ideia, tem-se, a seguir, o exemplo 76, que é a repetição
do exemplo 71.
76. ―... e... também... todas as conduções que eu usei... circularam livremente [sem
passar em cima de buracos]... porque eu não vi também nenhum buraco nas estradas.‖
(OC-B-9C-3F-001)
Em 76, o verbo utilizado na cláusula com noção de modo foi ―passar‖, que indica
uma ação propriamente dita e, consequentemente, configura um verbo do tipo
―material‖.
Abordadas as cláusulas paratáticas não-finitas considerando-se as formas de
articulação, a manutenção de referente e os tipos semânticos de verbo, segue-se a
análise das cláusulas paratáticas finitas.
6.2.1.5.2. Cláusulas paratáticas finitas
O número de cláusulas paratáticas finitas, como fora comentado em 6.2.1.5.1, é
menor do que o de cláusulas paratáticas não-finitas.
Nos textos de língua escrita, constataram-se 3 (três) formas de articulação das
cláusulas finitas: introduzidas por BEM COMO (cf. ex. 77 e 78), ASSIM COMO (cf.
ex. 79, 80, 81 e 82) e SEM QUE (cf. ex. 83).
77. ―A voz publica geralmente acusa á Palhares por ter desfraudado a fasenda publica
na venda de pistolas, sapatos, correames para o arcenal de guerra sendo estes generos de
pessima qualidade, [bem como tendo mandado baetilha por casemira] & quando na
administração de um de seus antecessores prohibiu-se que o arsenal comprasse genero
algum na casa de Lourenço & Compª.‖
(E-B-82-JE-003)
78. ―O Contra-almirante Jorge Dodsworth Martins, o Capitão de Mar e Guerra Renato
de Almeida Guilhobel e o Capitão de Fragata Osvaldo Osiris Storino, foram designados
para examinar quais os serviços adiados no Edifício do Ministerio que necessitam
ampliação, [bem como relacionar aqueles] que devem ser removidos e incluidos os que,
estando instalados em outros Edificios, devem ser agrupados em um único a ser
construido no recinto do Arsenal de Marinha no rio d Janeiro.‖
(E-B-92-JN-029)
147
79. ―Houve que adaptar variedades de trigo á diversidade de condições ecologicas,
[assim como se verificaria o tempo mais conveniente para as semeaduras e a maneira
mais util] de orientar o trabalho agricola.‖
(E-B-92-JE-006)
80. ―Começou hontem a importante liquidação de superiores calçados de todas as
qualidades para homens, senhoras e crianças, [assim como tem um importante
sortimento de calçados de S. Paulo], que é na realidade uma superioridade.‖
(E-B-91-JA-003)
81. ―Na mesma Loja se vendem todos os Livros precisos para estudo de primeiras
Letras, [assim como se apromptão quaesquer encomendas, tanto de livros em branco,
como Impréssos].‖
(E-P-81-JA-030)
82. ―Neste mesmo armazem se recebeu novo sortimento de musica moderna tanto para
pianno como para outros instrumentos, [assim como se publicou a cavatina da dança da
nova opera].‖
(E-P-82-JA-003)
83. ―A experiencia demonstra aos doentes a rasão da preferencia, porque a agua de
Sedlitz quando legitima (frascos com rotulos em portuguez, rolha e capsula com a
marca das fontes) não tem rival no seu effeito certo e suave, [sem que o seu uso /,
embora prolongado, / fadigue sequer os organismos os mais delicados].‖
(E-P-83-JA-049)
Do exemplo 77 ao 82, verifica-se que, além da circunstância de modo, há a ideia
de ADIÇÃO, pois é acrescentada uma informação em relação à cláusula que antecede a
cláusula paratática com nuance de modo. Além disso, não se pode descartar a existência
de um matiz comparativo nos exemplos supracitados. Dessa forma, constata-se que os
exemplos de 77 a 82 são híbridos e podem veicular os conteúdos semânticos de modo,
adição e comparação simultaneamente.
A noção de modo nos exemplos citados ocorre de forma semelhante ao das
cláusulas correlatas (cf. 6.2.1.4), ou seja, compreende-se que uma ação ocorre DO
MESMO MODO que outra. A distinção entre correlatas e paratáticas reside no fato de
que naquelas há um par correlativo, em que cada membro encontra-se em uma cláusula
diferente44, enquanto que nestas há um item ou uma locução que se encontra em uma
das cláusulas. Além disso, nas correlatas, há interdependência sintática e, nas
paratáticas, há independência sintática entre as cláusulas.
O exemplo 77 contém a expressão BEM COMO, mas o verbo auxiliar encontrase no gerúndio. Optou-se por incluir este caso nas cláusulas finitas pela presença de uma
expressão que serve para ligar uma cláusula à outra.
44
―A correlação apresenta conjunções que vêm aos pares, cada elemento do par em uma oração‖
(Rodrigues, 2007, p.233).
148
Em seguida, explicitam-se quais fatos ocorreram de modo semelhante em cada
exemplo.
Em 77, Palhares é acusado DO MESMO MODO ―por ter fraudado a fazenda
pública‖ e por ter ―mandado baetilha por casemira‖; em 78, o contra-almirante, o
capitão de mar e guerra e o capitão de fragata foram designados para exercer duas ações
DO MESMO MODO: ―examinar quais os serviços adiados no Edifício do Ministério
que necessitam ampliação‖ e ―relacionar os que devem ser removidos ou incluídos‖; em
79, a adaptação das ―variedades de trigo à diversidade de condições ecológicas‖ deveria
ser feita DO MESMO MODO que a verificação do ―tempo mais conveniente para as
semeaduras‖; em 80, em um determinado estabelecimento, ―começou uma liquidação de
superiores calçados‖ e há ―um importante sortimento de calçados de São Paulo‖; em 81,
em uma loja, são vendidos ―livros precisos para estudo de primeiras Letras‖ DO
MESMO MODO que se fazem encomendas de ―livros em branco ou impressos‖ e, em
82, em um armazém, DO MESMO MODO que ―se recebeu novo sortimento de música
moderna se publicou a cavatina da dança da nova ópera‖.
O exemplo 83 é diferente dos demais tanto pelo introdutor da cláusula paratática
– não contém o item COMO – quanto pela interpretação que se lhe pode atribuir. Podese reescrever 83 como 83‘.
83‘. A experiencia demonstra aos doentes a rasão da preferencia, porque a agua de
Sedlitz quando legitima (frascos com rotulos em portuguez, rolha e capsula com a
marca das fontes) não tem rival no seu effeito certo e suave, e o seu uso /, embora
prolongado, / não fadiga sequer os organismos os mais delicados].
Em 83‘, fica mais evidente a adição de informação em relação às propriedades e
vantagens da água de Sedlitz. Pode-se interpretar que DO MESMO MODO que a água
―não tem rival no seu efeito‖, não fadiga o organismo.
No concernente aos aspectos relacionados à integração semântico-pragmática –
manutenção de referente e tipos semânticos de verbo, poder-se-ia afirmar que o
resultado era esperado, pois as cláusulas finitas ocorreram predominantemente com
mudança de referente em relação às cláusulas com as quais se articulam.
Das cláusulas finitas apresentadas nos exemplos supracitados, em quase metade
delas verifica-se manutenção de referente – ex. 77, 78 e 80 – e em mais da metade delas
verifica-se mudança de referente – ex. 79, 81, 82 e 84.
149
Em 77, o sujeito tanto da cláusula paratática com noção de modo quanto o da
cláusula que a antecede é ―Palhares‖; em 78, o sujeito que se mantém é ―o Contraalmirante Jorge Dodsworth Martins, o Capitão de Mar e Guerra Renato de Almeida
Guilhobel e o Capitão de Fragata Osvaldo Osiris Storino‖; em 80, é possível interpretar
que ―a importante liquidação‖ é o sujeito em relação ao verbo ―começou‖ e ao verbo
―tem‖, pois a liquidação possui os sortimentos de calçados de São Paulo.
Os exemplos 79, 81, 82 e 83 confirmariam a hipótese de que cláusulas finitas
tendem a apresentar um sujeito diferente do da cláusula com a qual se articulam.
Em 79, pode-se considerar o sujeito da primeira cláusula como indeterminado e,
na cláusula destacada, é possível compreender que há uma estrutura de voz passiva, em
que o sujeito paciente é ―o tempo mais conveniente para as semeaduras e a maneira
mais util de orientar o trabalho agrícola‖.
Em 81, também é possível observar estruturas de voz passiva, em que o sujeito
da cláusula entre colchetes é ―todos os Livros precisos para estudo de primeiras Letras‖
e o sujeito da cláusula que a antecede é ―quaesquer encomendas‖.
Em 82, assim como em 79 e em 81, há uma estrutura de voz passiva, o sujeito da
cláusula com noção de modo é ―a cavatina da dança da nova opera‖ e o sujeito da
cláusula que a antecede é ―novo sortimento de musica moderna tanto para pianno como
para outros instrumentos‖.
Em 83, apesar de estarem relacionados, os sujeitos da cláusula com nuance de
modo e da cláusula que a antecede são diferentes, aquele é ―o seu uso‖ e este é ―a agua
de Sedlitz‖.
No que diz respeito aos tipos semânticos de verbo, o tipo ―material‖ ocorreu em
mais da metade das cláusulas paratáticas finitas em língua escrita, ou seja, podem ser
encontrados verbos de ação como ―mandado‖, em 77, ―relacionar‖, em 78, ―aprontam‖,
em 81 e ―publicou‖, em 82. Os outros tipos de verbo que ocorreram foram ―perceptivo‖,
em 79 – ―verificaria‖, ―possessivo‖, em 80 – ―tem‖ e ―corpóreo‖, em 83 – ―fadigue‖.
Portanto, o tipo mais frequente de verbo foi o ―material‖.
Nos textos de língua falada, também se detectou um número muito pequeno de
dados – apenas 3 (três) cláusulas finitas: uma introduzida por COMO (cf. ex. 84), uma
iniciada por COMO, POR EXEMPLO (cf. ex. 85) e uma introduzida por COMO
TAMBÉM (cf. ex. 86).
150
84. ―#I - precisamente tenho levado a vida toda à parte de mar gosto muito de desportos
náuticos e precisamente logo em miúdo comecei a praticar a natação que essa coisa de
natação levou-me logo a fazer várias coisas na vida que gostei como por exemplo
mergulhar livre à vontade quando era miúdo e vá lá continuei e que hoje faço estes
trabalhos de mergulhador porque quer dizer segui a profissão praticamente não é? hoje
sou mesmo profissional no no dantes era amador fazia os trabalhos de amador e então
proibiram-me de eu fazer os trabalhos de de profissional através do do do amador não
é? mas hoje tive que tirar um curso para ter a mesma coisa a vantagem dos outros
#D- e depois chamam-no para trabalhos ( )
#I - chamam aqui da capitania [como há pessoas] que me conhecem de fora das
agências - outros sabem qualquer coisa outros não sabem mas perguntam a outras
pessoas ...‖
(OP-P-70-2M-005)
85. ―... precisamente logo em miúdo comecei a praticar a natação que essa coisa de
natação levou-me logo a fazer várias coisas na vida que gostei [como por exemplo
mergulhar livre à vontade] ...
(OP-P-70-2M-005)
86. ―porque também dezassete com vinte e sete alunos, em média são dois alunos por
computador, pronto. e, e, e então, eh, eh, podem ir à internet pesquisar, [como também
há CD-roms com, com certos programas],...‖
(OC-P-90-2F-008)
Em 84, pode-se entender que DO MESMO MODO que pessoas da capitania
chamam o informante para fazer os trabalhos de profissional, há pessoas ―de fora das
agências‖ que o chamam com a mesma finalidade; em 85, a cláusula em destaque serve
como uma exemplificação das coisas de que o informante gosta de fazer na vida. A
ideia de modo está presente no fato de que as várias coisas das quais o informante gosta
de fazer podem apresentar-se ou desmembrar-se de alguns modos e um deles é o
exemplo fornecido entre colchetes; em 86, se encontra a informação de que DO
MESMO MODO que ―os alunos podem ir à internet pesquisar, há Cd-roms com certos
programas‖.
Vale ressaltar que, em 85, o verbo da cláusula paratática com noção de modo
está em uma das formas nominais, o infinitivo. Entretanto, optou-se por incluir este caso
nas cláusulas finitas pela presença do item COMO, que serve para ligar uma cláusula à
outra.
No que concerne aos aspectos relativos à integração semântico-pragmática –
manutenção de referente e tipos semânticos de verbo, pode-se afirmar que o resultado,
embora representado apenas por 3 (três) dados, confirmou as hipóteses iniciais, pois,
nas três cláusulas finitas presentes nos exemplos 84, 85 e 86, há mudança de referente.
Em 84, o sujeito da cláusula paratática modal é inexistente pelo fato de ser
utilizado o verbo ―haver‖ com sentido de ―existir‖, isto é, um verbo impessoal, e o
151
sujeito da cláusula que a antecede é indeterminado e o verbo está na 3ª pessoa do plural
– ―chamam‖.
Em 85, na cláusula em destaque, a ação de ―mergulhar livre à vontade‖ refere-se
às coisas de que o informante gosta de fazer e, na cláusula que a antecede, o sujeito é a
primeira pessoa do singular, identificada pela desinência verbal em ―gostei‖. O uso de
COMO POR EXEMPLO na cláusula entre colchetes pode levar à interpretação de uma
cláusula comparativa com exemplificação. Com isso, em 85, pode-se ter um caso
híbrido, em que os matizes de modo, comparação e exemplificação coexistem.
Em 86, o sujeito da cláusula destacada é inexistente por que se está utilizando
um verbo impessoal – o verbo ―haver‖ com sentido de ―existir‖, enquanto que o sujeito
da cláusula que antecede a cláusula paratática modal é ―alunos‖.
A mudança de referente em 84, 85 e 86 sugere a menor integração semânticopragmática de cláusulas finitas.
No que se refere aos tipos semânticos de verbo, em 84 e em 86, o verbo
empregado foi o verbo ―haver‖, que é do tipo ―existencial‖. Parece que, de um modo
geral, este tipo semântico de verbo está associado a cláusulas finitas e,
consequentemente, a cláusulas menos integradas. Já no exemplo 85, o verbo utilizado
na cláusula finita foi do tipo ―material‖, visto que ―mergulhar‖ indica uma ação
propriamente dita.
Comentadas as cláusulas paratáticas com noção de modo não-finitas e finitas no
que se refere às formas de articulação, à manutenção de referente e aos tipos semânticos
de verbo, cabe, neste momento, analisar as cláusulas paratáticas como um todo em
relação a dois aspectos: gênero textual e sequências tipológicas.
Acreditava-se que as cláusulas paratáticas fossem ocorrer preferencialmente em
notícias porque, neste gênero textual, faz-se um relato de um acontecimento e é um
gênero em que predominam as sequências narrativas. Em uma narrativa, a ordem
cronológica dos fatos é relevante para a coerência do texto como um todo e as cláusulas
paratáticas estão relacionadas também a uma sequência de eventos.
De fato, as cláusulas paratáticas foram bastante frequentes em notícias.
Entretanto, o que surpreendeu foi a frequência maior ainda destas cláusulas em
anúncios. Provavelmente, isto pode ser explicado porque, dentre as cláusulas paratáticas
identificadas, há aquelas que adicionam uma informação ao que foi dito anteriormente e
há aquelas que exemplificam algo já mencionado.
152
Em um anúncio, em alguns momentos, são fornecidas informações a mais,
extras, relativas a um produto ou a um estabelecimento com o objetivo de mostrar as
vantagens deste ou daquele. Além disso, também, são encontradas exemplificações do
modo como um produto funciona ou como um estabelecimento está à disposição dos
clientes.
Na tabela 9, a primeira coluna contém os gêneros textuais de língua escrita em
que as cláusulas paratáticas foram encontradas; a segunda coluna apresenta a frequência
com que esta estrutura ocorreu em cada gênero textual e, na última linha, indica-se o
total de cláusulas analisadas.
Tabela 9: Cláusulas paratáticas e gêneros textuais na língua escrita
GÊNEROS TEXTUAIS
FREQUÊNCIA
Anúncio
56 (39,2%)
Notícia
53 (37,1%)
Editorial
34 (23,7%)
TOTAL
143 (100%)
Pela tabela 9, nota-se que há uma distribuição complementar entre o uso de
cláusulas paratáticas em anúncios e em notícias. O emprego desta estrutura em
editoriais é um pouco menor. Em seguida, fornece-se um exemplo de cláusula paratática
em anúncio (cf. ex. 87) e um em notícia (cf. ex. 88).
87. ―O agrado dos Clientes pela grande ‗performance‘ das velas Motorcraft Super vai
reflectir-se no seu volume de vendas. Pense já em abastecer-se [aproveitando as óptimas
condições oferecidas pela Ford].‖ (E-P-95-JA-018)
88. ―Três audaciosos e perigosos gatunos introduziram-se, esta manhã, numa residência
da Amadora, na rua 9 de Abril, 37, e, depois de amarrarem e amordaçarem a locatária,
que estava na altura ainda deitada, revolveram toda a casa, [apoderando-se de objectos
vários], ainda não totalmente inventariados, e da quantia de 2.500 escudos.‖
(E-P-94-JN-004)
Nos exemplos anteriores, o que favorece a leitura modal das estruturas
destacadas é o gerúndio. Entretanto, percebe-se que as cláusulas estão em uma
sequência de eventos e há uma ordem dos fatos que deve ser respeitada. Sendo assim, a
noção de modo é veiculada por cláusulas paratáticas.
153
Em 87, a cláusula paratática foi retirada de um anúncio e integra uma sequência
argumentativa, porque ―as óptimas condições oferecidas pela Ford‖ são um argumento a
favor do abastecimento por parte dos clientes.
Em 88, a cláusula destacada foi extraída de uma notícia e se insere em uma
sequência narrativa, visto que faz parte do fato principal que é relatado e não configura
uma opinião do autor da notícia.
Pelos comentários anteriores, verifica-se que parece haver uma relação entre
anúncios e sequências argumentativas, e notícias e sequências narrativas. De fato, a
maior parte das cláusulas paratáticas identificadas em textos de língua escrita ocorreu
em sequências argumentativas, correspondendo a uma boa parte dos usos em anúncios e
editoriais. Algumas cláusulas paratáticas ocorreram em sequências narrativas,
equivalendo a alguns usos nas notícias. Encontraram-se também cláusulas paratáticas
em sequências descritivas, equivalendo a alguns usos em anúncios (cf. ex. 89).
89. ―Essa pelicula viscosa que sente sobre os dentes é o seu maior inimigo. Com os
velhos methodos uma grande parte fica agarrada e em breve perde a côr [formando
manchas escuras] e dentes como perolas tornam-se nublados.‖
(E-B-92-JA-017)
Em 89, a cláusula entre colchetes indica o modo como a ―película viscosa‖ fica
quando perde a cor. Esta cláusula foi coletada de um anúncio e integra uma sequência
descritiva, pois se está descrevendo o que acontecia quando se utilizavam ―velhos
métodos‖ para cuidar dos dentes.
A seguir, mostra-se a frequência das cláusulas paratáticas retiradas de textos de
língua escrita em relação às sequências tipológicas (cf. tabela 10). Na tabela 10, a
primeira coluna apresenta as sequências tipológicas; a segunda coluna mostra a
frequência das cláusulas paratáticas em cada sequência e, na última linha, tem-se o total
de cláusulas analisadas.
154
Tabela 10: Cláusulas paratáticas e sequências tipológicas na língua escrita
SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS
Argumentativa
Narrativa
Descritiva
TOTAL
FREQUÊNCIA
92 (64,3%)
35 (24,5%)
16 (11,2%)
143 (100%)
Pela tabela 10, verifica-se o que fora comentado anteriormente, isto é, que as
cláusulas paratáticas em língua escrita ocorreram mais frequentemente em sequências
argumentativas.
No que tange à língua falada, juntando-se as cláusulas paratáticas não-finitas e
finitas, encontra-se um total de apenas 4 (quatro) cláusulas. Apesar do número pequeno
de dados, constata-se que há indícios de que o comportamento destas cláusulas nos
textos de língua falada é diferente em relação aos textos de língua escrita.
Enquanto nestes as cláusulas paratáticas ocorreram predominantemente em
sequências argumentativas, naqueles, elas ocorreram predominantemente em sequências
narrativas – 3 (75%). Houve um caso, em língua falada, de cláusula paratática que
ocorreu em sequência descritiva e nenhum em sequência argumentativa. Isto aconteceu,
provavelmente, porque as entrevistas são predominantemente narrativas, ou seja, o
informante relata algo que aconteceu com ele e descreve como as ações foram
realizadas. Os exemplos que correspondem às cláusulas paratáticas encontradas em
língua falada são 76 (cláusula não-finita), 84, 85 e 86 (cláusulas finitas).
Nesta seção, analisaram-se dados coletados do corpus VARPORT considerandose prioritariamente o nível sintático. Na seção seguinte, em 6.2.2, pretende-se descrever
o comportamento das cláusulas com noção de modo priorizando o nível semântico.
155
6.2.2. Abordagem semântica das cláusulas com noção de modo
Em 6.2.1, analisaram-se as cláusulas modais tomando como base o nível
sintático, isto é, as diferentes estruturas capazes de veicular a noção de modo, desde as
que envolvem encaixamento – com função substantiva e com função adjetiva, passando
pelas que são integradas sintática e semanticamente com outras, mas que não envolvem
encaixamento – hipotaxe e correlação – até as que se distanciam mais do encaixamento
e que podem depender de outras semanticamente, mas são independentes sintaticamente
– parataxe.
Alguns aspectos abordados em 6.2.1 podem estar relacionados a aspectos
semânticos que serão tratados aqui. Um exemplo é a manutenção de referente, que
mostra indícios de que uma estrutura possui maior ou menor integração semânticopragmática com outra cláusula.
Pretende-se, na abordagem semântica, i) verificar quais estruturas veiculam
apenas o conteúdo de modo e quais estruturas veiculam a ideia de modo e outra(s) a
ela(s) associada(s); ii) relacionar aspectos sintáticos e semânticos, e iii) propor um
continuum das cláusulas modais de acordo com o comportamento de cada uma delas.
Durante a coleta de dados, detectou-se a existência de estruturas exclusivamente
modais, ou seja, que expressam somente a circunstância de modo e de estruturas que,
além da noção de modo, permitem outra(s) leitura(s). Além disso, parece existir uma
ligação entre o comportamento sintático e o comportamento semântico das cláusulas
modais. Assim, na análise semântica, as cláusulas modais também podem ser divididas
em encaixadas, hipotáticas, correlatas e paratáticas. Dentro do grupo das encaixadas, há
aquelas com função substantiva e aquelas com função adjetiva.
Os resultados obtidos não são muito diferentes se comparados com os das
cláusulas encontradas em língua escrita e em língua falada. Por este motivo, não há
divisões na análise quanto às modalidades linguísticas. Também não há diferenças
relevantes entre os dados pertencentes ao Português Brasileiro e ao Português Europeu.
Por isso, também, não serão feitas divisões levando-se em conta estas duas variedades
linguísticas.
156
6.2.2.1. Cláusulas encaixadas
Em 6.2.1, constatou-se que as cláusulas encaixadas com função substantiva
tiveram um comportamento semelhante ao das cláusulas encaixadas com função
adjetiva. Pôde-se perceber que, em ambos os casos, as cláusulas i) ocorreram
categoricamente com um item que serve para ligar a cláusula modal à cláusula matriz, o
que levou à interpretação de que elas apareceram somente na forma finita; ii) ocorreram
predominantemente com mudança de referente (sujeito) e iii) foram consideradas menos
integradas semântico-pragmaticamente.
Todas estas propriedades parecem estar relacionadas ao comportamento
semântico destas cláusulas, pois elas permitiram somente uma leitura modal. Com isso,
elas podem ser inclusas em um grupo de cláusulas exclusivamente modais (cf. ex. 90 e
91).
90. ―Apesar da manutenção do sigilo pela comunidade de informações, uma brasileira
não perde a esperança de saber [como seu marido desapareceu numa viagem de
regresso ao País, nos idos de 70].‖
(E-B-94-JE-004)
91. ―O ministro Miguel Cadilhe deu a conhecer ao Governo o modo [como decorreu a
reunião dos responsáveis da Economia e das Finanças da CEE], que se realizou na
passada segunda-feira, no Luxemburgo.‖
(E-P-95-JN-005)
Em 90, tem-se uma cláusula encaixada com função substantiva e a única
circunstância que ela expressa é a de modo, podendo o exemplo 90 ser reescrito como
90‘.
90‘. Apesar da manutenção do sigilo pela comunidade de informações, uma brasileira
não perde a esperança de saber o modo [como seu marido desapareceu numa viagem de
regresso ao País, nos idos de 70].
Em 90‘, subentende-se a palavra ―modo‖, pois só é possível subentender uma
palavra pertencente ao campo semântico de ―modo‖ como ―maneira‖, ―forma‖.
Entretanto, acrescentando-se a palavra ―modo‖, a estrutura passa a ter uma função
adjetiva, o que comprova a semelhança tanto sintática quanto semântica entre estes dois
tipos de estrutura.
Retomando-se alguns aspectos sintáticos, identifica-se, em 90, uma cláusula
finita com mudança de referente, visto que o sujeito da cláusula matriz é ―uma
brasileira‖ e o sujeito da cláusula encaixada é ―seu marido‖.
157
Em 91, tem-se uma cláusula encaixada com função adjetiva e a única
circunstância que ela expressa, assim como 90, é a de modo. Isto é confirmado pelo uso
do antecedente ―modo‖.
Retomando-se alguns aspectos sintáticos, observa-se, em 91, uma cláusula finita
com mudança de referente, pois o sujeito da cláusula matriz é ―o ministro Miguel
Cadilhe‖ e o sujeito da cláusula encaixada é ―a reunião dos responsáveis da Economia e
das Finanças da CEE‖.
Com isso, nota-se que a mudança de referente está relacionada à menor
integração semântico-pragmática, que, por sua vez, liga-se a cláusulas com uma única
interpretação, que veicula uma única ideia – a de modo.
6.2.2.2. Cláusulas hipotáticas
As cláusulas hipotáticas, conforme 6.2.1.3, ocorreram tanto na forma finita
quanto na forma não-finita. O tipo de relação que elas estabelecem com a cláusula
núcleo é a de adjunção, e não de encaixamento. Verificou-se, ainda, que as cláusulas
hipotáticas finitas têm um comportamento distinto do das não-finitas.
O aspecto sintático relacionado ao comportamento semântico das cláusulas
hipotáticas é a manutenção de referente, pois se constatou que há a tendência de as
cláusulas não-finitas possuírem mesmo sujeito do da cláusula núcleo e que estas
estruturas são mais integradas semântico-pragmaticamente e, por outro lado, observouse que as cláusulas finitas tendem a possuir sujeito diferente do da cláusula núcleo e a
ser menos integradas semântico-pragmaticamente.
No que tange às cláusulas hipotáticas, parece que ocorre o oposto em relação às
cláusulas encaixadas, porque as cláusulas finitas, as que são tidas como menos
integradas semântico-pragmaticamente, são as que permitem outras leituras além da
modal.
Com isso, parece mais conveniente relacionar níveis de encaixamento sintático
com possibilidades de apresentar outros matizes. Em outras palavras, quanto menos
encaixadas, isto é, mais frouxas sintaticamente as cláusulas, mais fluidez semântica,
mais possibilidades de ideias a serem expressas.
No que concerne à abordagem semântica, pode-se afirmar que as cláusulas
hipotáticas não-finitas, com exceção das introduzidas pela preposição SEM seguida de
verbo no infinitivo, expressam somente a ideia de modo e as cláusulas finitas podem
158
expressar, além da noção de modo, outras circunstâncias (cf. tabela 11). Na tabela 11, a
primeira coluna apresenta os outros matizes que as cláusulas hipotáticas modais podem
veicular; a segunda coluna mostra os itens que favorecem cada matiz; na terceira
coluna, confere-se o total de cada cláusula e, na última linha, o total de cláusulas
hipotáticas encontradas, considerando-se língua escrita, língua falada, Português
Brasileiro e Português Europeu.
De 265 cláusulas hipotáticas com noção de modo, como fora verificado em
6.2.1.3, 242 eram não-finitas e 23 eram finitas. Das 242 cláusulas não-finitas, como
mostra a tabela 11, 45 – introduzidas pela preposição SEM seguida de verbo no
infinitivo - possuem também o matiz de negação. Das 23 cláusulas finitas, 18
expressam, além da circunstância de modo, outros matizes: 11 indicam a noção de
comparação-hipótese e 7 veiculam o conteúdo de negação.
Tabela 11: Outros matizes das cláusulas hipotáticas com noção de modo
MATIZES
ITENS QUE ENCABEÇAM
FREQUÊNCIA
Comparação – hipótese
COMO SE
11 (17,5%)
Negação
SEM QUE
7 (11,1%)
SEM + INFINITIVO
45 (71,4%)
____
63 (100%)
TOTAL
Pela tabela 11, constata-se que apenas 63 das 265 cláusulas hipotáticas coletadas
permitem outras possibilidades de leitura (cf. ex. 92, 93 e 94).
92. ―A mulher, em quanto todos os da freguesia estavam consternadissimos pela morte,
ella andava muito fresca arranjando os negocios da casa, [como se não houvesse um
cadaver em casa!]‖
(E-P-82-JN-022)
93. ―Consta-nos que o Governo tomára algumas prevenções, não despresando o
annuncio dos inimigos; e sabemos que a revista se passou, como é costume, [sem que
ouvesse a mais leve alteração do socego].‖
(E-P-81-JN-006)
94. ―Um seu superior recorda que ele se limitava a fazer recortes de jornais, [sem
recolher informações directas].‖
(E-P-95-JE-010)
Em 92, a cláusula entre colchetes permite a interpretação como modal, pois se
pode entender que ela indica o modo como a mulher andava arranjando os negócios da
casa. Entretanto, esta não é a única leitura possível. A locução COMO SE, para alguns
autores, é a combinação da locução comparativa COMO com a conjunção condicional
159
SE, ou seja, permite uma leitura comparativo-hipotética. Isto pode ser confirmado pelo
fato de haver duas situações sendo comparadas: uma real – que é o fato de a mulher
arranjar ―os negócios da casa‖ – e uma hipotética – que é o fato de não existir cadáver
na casa.
Em 93, a cláusula destacada explica o modo como a revista se passou. Dessa
forma, ela é interpretada como modal. Contudo, outra interpretação pode ser feita e o
que contribui para isso é a presença da preposição SEM, que intrinsecamente indica
ausência, negação de algo. Com isso, além da nuance de modo, a cláusula hipotática,
em 93, possui a ideia de negação. Pode-se utilizar um recurso, que não é aconselhável a
depender do autor tradicional que se tome como base, para facilitar a compreensão desta
interpretação: o de considerar que a contraparte não-finita é equivalente à cláusula
finita. Para isso, é necessário fazer algumas modificações (cf. ex. 93‘).
93‘. Consta-nos que o Governo tomára algumas prevenções, não despresando o
annuncio dos inimigos; e sabemos que a revista se passou, como é costume, [não
havendo a mais leve alteração do socego].
Em 93‘, percebe-se que, ao se substituir a cláusula hipotática finita por nãofinita, utilizou-se o advérbio de negação ―não‖, a fim de que o conteúdo da frase não
fosse alterado. Fica mais nítida, assim, a ideia de negação veiculada pela cláusula
destacada.
Em 94, a cláusula hipotática não-finita indica o modo como alguém ―se limitava
a fazer recortes de jornal‖, permitindo a leitura desta estrutura como modal. Fazendo-se
uma analogia com o exemplo 93, em 94, também é encontrada a preposição SEM,
levando a crer que o matiz de negação está presente. De fato, isto acontece e se pode
alterar a forma nominal do verbo para que se compreenda melhor este fato (cf. ex. 94‘).
94‘. Um seu superior recorda que ele se limitava a fazer recortes de jornais, [não
recolhendo informações directas].
Em 94‘, emprega-se a forma nominal ―gerúndio‖ e o advérbio de negação ―não‖.
A presença deste advérbio reforça que, em 94, as duas circunstâncias – modo e negação
– coexistem.
Percebe-se, até agora, que, as cláusulas hipotáticas, que são mais frouxas que as
cláusulas encaixadas, estão mais suscetíveis a veicular outras nuances além da noção de
modo.
160
6.2.2.3. Cláusulas correlatas
Em 6.2.1.4, indiciou-se que as cláusulas correlatas possuem um comportamento
diferenciado. Este tipo de estrutura, quando veicula a noção de modo, apresenta pares
correlativos que, na maioria das gramáticas tradicionais, introduzem cláusulas
coordenadas. Dessa forma, poder-se-ia dizer que há semelhanças entre a correlação e a
coordenação. No entanto, naquela, há interdependência sintática e, nesta, há
independência sintática.
O processo de correlação também é incluso, por gramáticos tradicionais, como
uma das formas de articulação de cláusulas subordinadas adverbiais, como os seguintes
pares correlativos: ―tanto ... quanto‖ em comparativas, ―tanto ... que‖ em consecutivas e
―quanto mais ... tanto mais‖ em proporcionais‖ 45. Com isso, identificam-se algumas
semelhanças entre a correlação e a subordinação adverbial, ou hipotaxe. Por outro lado,
estes dois procedimentos sintáticos diferem-se entre si pelo fato de, em alguns casos de
estruturas hipotáticas, haver uma dependência sintática que ocorre da cláusula hipotática
em relação à cláusula núcleo, e não necessariamente da cláusula núcleo em relação à
cláusula hipotática (cf. ex. A46).
A) Eu vou entregar as notas quando todos estiverem em silêncio.
Em A), a cláusula matriz – eu vou entregar as notas – pode existir sem depender
da cláusula hipotática. Em outras palavras, ela pode funcionar como uma sequência
capaz de estabelecer comunicação. Já a cláusula hipotática – quando todos estiverem em
silêncio, para estabelecer comunicação, precisa estar atrelada à outra, no caso, à cláusula
núcleo. Dessa forma, a cláusula hipotática vincula-se sintática e semanticamente à
cláusula núcleo. No exemplo A), a função sintática que a cláusula hipotática exerce em
relação à cláusula núcleo é a de adjunto adverbial e a circunstância que ela veicula pode
ser a de tempo ou a de condição.
De acordo com 6.2.1.4, os resultados obtidos, em princípio, contrariaram as
expectativas, pois as cláusulas correlatas são introduzidas por itens que ligam uma
cláusula à outra e, portanto, são finitas. Isto levaria à conclusão de que elas são menos
45
Santos (2009, p.101) identificou, em cláusulas de consequência, estruturações nos processos de
parataxe, hipotaxe e encaixamento. Neste, ela propõe a estruturação intermediária 1, que corresponde às
cláusulas correlatas.
46
Exemplo de minha autoria é representado por letra do alfabeto maiúscula em negrito.
161
integradas semântico-pragmaticamente. Todavia, todos os dados de cláusulas correlatas
com noção de modo possuem sujeito correferente. Este aspecto levou à interpretação de
que esta estrutura está bastante integrada semântico-pragmaticamente.
Com base em uma análise semântica, constatou-se que todos os dados coletados
do corpus VARPORT de cláusulas correlatas com noção de modo também veiculam a
noção de adição (cf. ex. 95).
95. ―Em sua próxima viagem a Portugal, o ministro da Fazenda [não só ultimará
entendimentos para a instalação de uma agência do Banco do Brasil em Lisboa, como
tratará de questões relacionadas com a penetração econômica do nosso País na África
Portuguesa]‖.
(E-B-93-JE-006)
Em 95, as cláusulas que formam a estrutura correlata indicam que o ministro da
Fazenda DO MESMO MODO que ―ultimará entendimentos para a instalação de uma
agência do Banco do Brasil em Lisboa, tratará de questões relacionadas com a
penetração econômica no nosso país na África Portuguesa‖.
Além da circunstância de modo, verifica-se, ainda, a ideia de adição, o que
provavelmente levou gramáticos tradicionais a incluírem exemplos como 95 dentre as
cláusulas coordenadas sindéticas aditivas. O exemplo 95 pode ser reescrito como 95‘.
95‘. Em sua próxima viagem a Portugal, o ministro da Fazenda ultimará entendimentos
para a instalação de uma agência do Banco do Brasil em Lisboa [e tratará de questões
relacionadas com a penetração econômica do nosso País na África Portuguesa].
Em 95‘, fica evidente a noção de adição, visto que duas ações serão exercidas
pelo ministro da Fazenda e estas ocorrem em uma sequência específica. Apesar de haver
semelhanças entre 95 e 95', há uma maior força argumentativa no uso da correlação e
este procedimento pode estar vinculado a eventos que acontecem em uma gradação.
Segundo Rodrigues (2007, p.233-234), ―o professor deve mostrar ao aluno que as
estruturas correlativas funcionam como recurso expressivo, no sentido de promover, por
exemplo, realce do conteúdo que veiculam‖. Em 95, parece que a primeira atitude a ser
tomada pelo ministro da Fazenda – representada pela primeira cláusula correlata – é
mais simples do que a segunda – indicada pela segunda cláusula correlata. Há, em 95,
portanto, uma gradação em relação ao nível de simplicidade ou facilidade. Esta
gradação não fica muito evidente se for utilizada uma estrutura paratática ou coordenada
prototípica, como em 95‘.
162
Um argumento que pode ser utilizado para explicar que a correlação encontra-se
em um nível intermediário entre a hipotaxe e a parataxe é o fato de a porcentagem de
cláusulas correlatas em relação ao total que apresenta outro matiz além do de modo ser
maior do que a porcentagem de cláusulas hipotáticas que também apresenta outro matiz.
6.2.2.4. Cláusulas paratáticas
Em 6.2.1.5, verificou-se que as cláusulas paratáticas podem ocorrer tanto na
forma finita quanto na forma não-finita. Quanto ao aspecto da manutenção de referente,
em língua escrita, o resultado foi um pouco diferente do que se esperava, pois as
cláusulas não-finitas encabeçadas pela preposição SEM seguida de verbo no infinitivo
ocorreram com referentes distintos dos das cláusulas com as quais elas se articulavam.
Por outro lado, em língua falada, o resultado obtido – as cláusulas paratáticas finitas
apresentaram mais frequentemente mudança de referente - era esperado.
Sintaticamente, as cláusulas paratáticas são as menos integradas, mais frouxas,
independentes. Provavelmente, isto favoreceu a presença de outros matizes além do de
modo (cf. tabela 12).
Das 146 cláusulas paratáticas que expressam a circunstância de modo
encontradas no corpus VARPORT, como fora verificado em 6.2.1.5.1, 135 são nãofinitas e 11 são finitas. Dentre as 135 cláusulas não-finitas, 16 apresentaram outros
matizes: exemplificação, no caso das introduzidas por verbo no gerúndio (12 dados) e
negação, no caso das introduzidas pela preposição SEM seguida de verbo no infinitivo
(4 dados). Dentre as 11 cláusulas finitas, todas apresentaram outros matizes:
exemplificação (1 dado), adição ( 9 dados) e negação (1 dado).
Na primeira coluna da tabela 12, apresentam-se os outros matizes veiculados
pelas cláusulas paratáticas; na segunda coluna, verificam-se as cláusulas não-finitas; na
terceira coluna, mostra-se a frequência de cada cláusula não-finita relativa aos outros
matizes expressos; na quarta coluna, observam-se as cláusulas finitas; na quinta coluna,
fornece-se a frequência de cada cláusula finita relativa aos conteúdos semânticos
indicados, e, na última linha, confere-se o total de cláusulas não-finitas e finitas
coletadas no corpus VARPORT que expressam outras circunstâncias além da de modo.
163
Tabela 12: Outros matizes das cláusulas paratáticas com noção de modo
MATIZES
Exemplificação
NÃOFINITAS
Gerúndio
FREQUÊNCIA
FINITAS
FREQUÊNCIA
12 (75%)
COMO, POR
EXEMPLO
ASSIM COMO
COMO
BEM COMO
COMO TAMBÉM
SEM QUE
1 (9%)
Adição
Negação
________
________
SEM +
INFINITIVO
4 (25%)
TOTAL
16 (100%)
4 (36,4%)
2 (18,2%)
2 (18,2%)
1 (9,1%)
1 (9,1%)
11 (100%)
Pela tabela 12, nota-se que, além da ideia de modo, as cláusulas paratáticas
analisadas podem conter também os matizes de exemplificação (cf. ex. 96), adição (cf.
ex. 97, ex. 81 repetido) e negação (cf. ex. 98, ex. 73 repetido).
96. ―Se o governo não proceder energicamente, [fazendo] cumprir as leis, a agitação
tomará mais vulto e teremos talvez a lamentar mais cedo ou mais tarde, acontecimentos
de maior tomo.‖
(E-P-83-JE-010)
97. ―Na mesma Loja se vendem todos os Livros precisos para estudo de primeiras
Letras, [assim como se apromptão quaesquer encomendas, tanto de livros em branco,
como Impréssos].‖
(E-P-81-JA-030)
98. ―A direcção das cartas será provisoriamente para Pariz [sem ser necessário
franquear a carta].‖
(E-P-81-JA-024)
Em 96, além da noção de modo, a cláusula em destaque também pode veicular a
ideia de exemplificação, visto que fazer cumprir as leis é um exemplo de ―o governo
proceder energicamente‖. O exemplo 96 é um caso de parataxe, ou de coordenação, e a
reescritura de 96 em 96‘ torna melhor essa visualização.
96‘. Se o governo não proceder energicamente, [e não fizer] cumprir as leis, a agitação
tomará mais vulto e teremos talvez a lamentar mais cedo ou mais tarde, acontecimentos
de maior tomo.
Em 96‘, a cláusula entre colchetes é introduzida pelo item E, prototípico das
orações coordenadas sindéticas aditivas.
Vale ressaltar que, na maioria das vezes, faz-se uma associação das coordenadas
aditivas a uma sequência de eventos. Nota-se que, em 96, apesar de se tratar de um caso
de parataxe, não fica tão nítida essa sequência de eventos. Isto permite afirmar que, de
164
fato, se trata de um caso diferente de uma cláusula paratática prototípica. A noção de
exemplificação leva à interpretação de que a cláusula paratática com noção de modo,
em 96, faz parte, pertence à cláusula anterior, pois fazer ―cumprir as leis‖ está inserido
em ―proceder energicamente‖.
Em 97, a cláusula destacada pode envolver, além da circunstância de modo, a de
adição. De forma semelhante às cláusulas correlatas, a adição não é expressa pelo item
E, que caracteriza cláusulas paratáticas prototípicas 47 para os gramáticos tradicionais e
parece haver uma força argumentativa maior do que nas cláusulas paratáticas
prototípicas. Pode-se entender que vender ―todos os livros precisos para estudo de
primeiras Letras‖ é mais simples do que ―aprontar quaisquer encomendas‖. O termo
―quaisquer encomendas‖ é mais abrangente do que os livros mencionados na cláusula
que antecede à cláusula paratática modal.
Em 98, a cláusula em destaque é paratática modal e a presença da preposição
SEM contribui para uma segunda interpretação – a de negação. Encontram-se dois fatos
em 98: as cartas irão provisoriamente para Paris e não é necessário franqueá-las.
Apesar de o percentual de cláusulas paratáticas que permitem outras leituras ser
menor do que o das cláusulas correlatas – 18,5%, a quantidade de circunstâncias
expressas por aquelas – três (exemplificação, adição e negação) - é maior do que a de
expressas por estas – uma (adição). Isto pode ter ocorrido devido ao fato de que as
cláusulas paratáticas são mais frouxas, independentes sintaticamente do que as cláusulas
correlatas. Parece que estruturas menos dependentes sintaticamente favorecem maior
dependência semântica e têm a possibilidade de veicular uma variedade maior de
conteúdos semânticos.
Analisadas sintática e semanticamente as cláusulas com noção de modo, pode-se
estabelecer um continuum, levando-se em consideração os níveis de vinculação
(abordagem sintática) e os matizes que podem emergir da articulação de cláusulas
(abordagem semântica). Os organogramas 1 e 2 sintetizam os tipos de cláusulas modais
encontradas nos corpora utilizados, permitindo a visualização das análises sintática e
semântica empreendidas ao longo deste estudo.
47
Vale lembrar que o termo ―prototípicas‖ é usado, aqui, com base no conceito de protótipo: ―exemplares
típicos‖ (Silva, 1997, p.66). As cláusulas paratáticas prototípicas são, portanto, as introduzidas pela
conjunção aditiva E.
165
Organograma 1: Cláusulas com noção de modo em Português – abordagem sintática
Abordagem
sintática
Cláusulas
hipotáticas
Cláusulas
encaixadas
Com função
substantiva
Cláusulas
correlatas
Cláusulas
paratáticas
Com função
adjetiva
Organograma 2: Cláusulas com noção de modo em Português – abordagem semântica
Abordagem
semântica
Cláusulas
Encaixadas
Matiz
comparação
- hipótese
Cláusulas
correlatas
Cláusulas
hipotáticas
Matiz
negação
Matiz adição
Matiz
exemplifica
ção
Cláusulas
paratáticas
Matiz adição
Matiz
negação
Pelos organogramas 1 e 2, percebe-se que o continuum pôde ser estabelecido
levando-se em consideração os dois níveis de análise. No nível sintático, parte-se das
cláusulas mais encaixadas até as que não possuem encaixamento algum e, no nível
semântico, parte-se das cláusulas que possuem apenas o matiz modal até as que, além
do matiz modal, possuem outros.
166
No subcapítulo seguinte, 6.3, analisam-se os dados coletados no corpus D&G
(Discurso e Gramática).
6.3. Análise de dados no corpus D&G
Considerando-se o corpus D&G, detectaram-se 79 cláusulas com noção de
modo. Isto ocorreu porque, comparando-se com o corpus VARPORT, analisou-se uma
quantidade bem menor de textos – 350. Apresenta-se, a seguir, a distribuição das
cláusulas modais no corpus D&G (cf. tabela 13).
Tabela 13: Distribuição das cláusulas modais no corpus D&G
CLÁUSULAS MODAIS
FREQUÊNCIA
Encaixadas com função substantiva
17 (21,5%)
Encaixadas com função adjetiva
_____
Hipotáticas
54 (68,4%)
Correlatas
_____
Paratáticas
8 (10,1%)
TOTAL
79 (100%)
Algumas semelhanças foram verificadas entre os dois corpora e, por isso, será
dada ênfase às diferenças entre eles. No corpus D&G, não foram encontradas cláusulas
encaixadas com função adjetiva, cláusulas correlatas e cláusulas paratáticas em língua
falada. Assim, em 6.3.1, abordam-se as cláusulas encaixadas com função substantiva.
6.3.1. Cláusulas encaixadas com função substantiva
No corpus D&G, encontraram-se apenas 4 (quatro) cláusulas em língua escrita e
13 em língua falada. Por este motivo, a análise será feita agrupando-se os dados das
duas modalidades linguísticas.
No que tange às formas de articulação, não houve grande diferença comparandose ao corpus VARPORT: 16 cláusulas introduzidas por COMO (cf. ex. 1‘‘48) e 1
cláusula introduzida por COMO seguido de infinitivo (cf. ex. 2‘‘).
48
Exemplos retirados do corpus D&G são representados por algarismos arábicos acompanhados de aspas
duplas.
167
1‘‘. ―Agora vou descrever [como é este lugar]: o Rio da Prata possui várias árvores ...‖
(DL, LE, 8ª série, fem.)
2‘‘. ―... minhas amigas começaram a dar gargalhadas ... né? por causa que ... elas já
sabiam [como andar de cavalo]‖.
(NEP, LF, 4ª série, fem.)
Em 1‘‘, a cláusula entre colchetes foi retirada de uma descrição de local e
pertence à língua escrita. Ela é introduzida pelo item COMO e complementa o verbo
―descrever‖, exercendo a função sintática de objeto direto.
Em 2‘‘, a cláusula destacada foi extraída de uma narrativa de experiência pessoal
e pertence à língua falada. Ela é introduzida pelo item COMO seguido de verbo no
infinitivo. Esta forma de articulação não foi identificada no corpus VARPORT. A
cláusula está encaixada no verbo ―sabiam‖ e exerce a função sintática de objeto direto.
No que diz respeito à manutenção de referente, o resultado obtido é semelhante
ao verificado no corpus VARPORT, isto é, as cláusulas encaixadas são finitas – apesar
de o exemplo 2‘‘ conter uma cláusula com verbo no infinitivo, há um item que serve
para ligar a cláusula encaixada e a cláusula matriz, e, portanto, tendem a possuir sujeito
diferente do da cláusula matriz. Apenas 2 cláusulas introduzidas por COMO
apresentaram manutenção de referente (12,5%), mas o único dado que apresenta o item
COMO seguido de infinitivo também apresentou manutenção de referente (100%).
Provavelmente, o uso do infinitivo favoreceu este resultado. Em 3‘‘, vê-se um exemplo
de cláusula encaixada com mudança de referente.
3‘‘. ―Eu aprendi com meu pai a pintar uma casa; agora vou dizer [como se faz]‖.
(RP, LE, 8ª série, fem.)
Em 3‘‘, a cláusula em destaque foi retirada de um relato de procedimento e
pertence à modalidade escrita. Ela é introduzida pelo item COMO e seu sujeito é
diferente do da cláusula matriz. Esta tem como sujeito o pronome ―eu‖, que está
elíptico, e aquela apresenta um sujeito indeterminado. Como fora observado no corpus
VARPORT, a mudança de referente pode ser um indício de menor integração
semântico-pragmática.
Outro aspecto que se liga à integração semântico-pragmática é o tipo semântico
de verbo utilizado. Na tabela 14, a primeira coluna apresenta os tipos semânticos de
168
verbo utilizados; a segunda coluna contém a frequência com que cada um ocorreu e, na
última linha, indica-se o total de cláusulas analisadas.
Tabela 14: Tipos semânticos de verbo e cláusulas encaixadas com função substantiva
no corpus D&G
TIPOS SEMÂNTICOS DE VERBO
Relacional
Material
Sensitivo
Verbal
Existencial
TOTAL
FREQUÊNCIA
7 (41,2%)
6 (35,2%)
2 (11,8%)
1 (5,9%)
1 (5,9%)
17 (100%)
Pela tabela 14, observa-se que há uma simetria entre o uso do verbo do tipo
―material‖, que foi considerado não-marcado por ocorrer com bastante frequência em
todos os tipos de cláusula, e o do tipo ―relacional‖, que se associa a cláusulas finitas e
menos integradas semântico-pragmaticamente. Em 4‘‘, tem-se um exemplo com o verbo
do tipo ―relacional‖ e, em 5‘‘, com o verbo do tipo ―material‖.
4‘‘. ―... aí eu mas eu acho que ... o Bra ... o Brasil teria ... teria que ... dar uma chance ...
pro sistema mudar ... pra ver [como é que seria]‖.
(RO, LF, 8ª série, masc.)
5‘‘. ―Bom ... vejo ... ele fazendo ... né? aí depois ele vai me dizendo [como é que eu
tenho que fazer] ... contornar ... [como é que eu tenho que mudar a tinta de um pincel]‖.
(RP, LF, 8ª série, masc.)
Em 4‘‘, a cláusula encaixada possui o verbo ―seria‖, que é um verbo de ligação
se consideradas as gramáticas tradicionais e um verbo do tipo ―relacional‖ se
considerado Halliday (2004) e, em 5‘‘, as duas cláusulas entre colchetes possuem os
seguintes verbos principais: ―fazer‖ e ―mudar‖. Estes dois verbos indicam ações
propriamente ditas e, portanto, são do tipo ―material‖.
Os dois aspectos abordados a seguir estão relacionados: gênero textual e
sequência tipológica.
No corpus D&G, tanto os textos de língua escrita quanto as entrevistas são
classificados de acordo com o objetivo principal. Com isso, têm-se os seguintes rótulos:
narrativa de experiência pessoal; narrativa recontada; descrição de local; relato de
procedimento e relato de opinião.
Como as nomenclaturas utilizadas pelos organizadores do corpus D&G mesclam
dois conceitos – o de gênero textual e o de sequências tipológicas (cf. 6.1), optou-se por
169
não considerar a nomenclatura proposta e por fazer uma análise levando-se em conta as
sequências tipológicas em que as cláusulas com noção de modo ocorreram.
Na tabela 15, a seguir, a primeira coluna contém as sequências tipológicas em
que as cláusulas encaixadas com função substantiva ocorreram; a segunda coluna
mostra a frequência das cláusulas encaixadas em cada sequência e, na última linha, há o
total de cláusulas analisadas.
Tabela 15: Sequências tipológicas e cláusulas encaixadas com função substantiva no
corpus D&G
SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS
Narrativa
Descritiva
Argumentativa
Injuntiva
TOTAL
FREQUÊNCIA
5 (29,4%)
5 (29,4%)
4 (23,5%)
3 (17,7%)
17 (100%)
Pela tabela 15, verifica-se que há uma certa harmonia entre as sequências em
que as cláusulas encaixadas com função substantiva ocorreram. Entretanto, percebe-se
que estas cláusulas foram um pouco mais frequentes nas sequências narrativas e
descritivas. Em seguida, são fornecidos exemplos das cláusulas encaixadas em
sequência narrativa (cf. ex. 6‘‘), descritiva (cf. ex. 7‖) e injuntiva (cf. ex. 8‘‘). Já foi
utilizado, em 4‘‘, um exemplo com sequência argumentativa.
6‘‘. ―... aí minha mãe me empurrou ... eu caí no chão ... fiquei com a cara ... toda
arranhada ... aí meu pai aí minha mãe chegou em casa ... não queria que meu pai ... visse
[como é que eu estava]‖.
(NR, LF, 4ª série, fem.)
7‘‘. ―Bom ... o que eu sei fazer ... é pintura em tecido ... quer que eu conte [como é que
é?]‖.
(RP, LF, 8ª série, fem.)
8‘‘. ―... eh:: ... precisa ... papel crepom verde ... e ... e rosa ... vermelho ... se quiser / é
[como quiser] :: ... [como quiser a cor da flor]‖.
(RP, LF, 4ª série, fem.)
Em 6‘‘, a cláusula encaixada foi coletada de uma narrativa recontada que se
insere na modalidade falada. Ela é introduzida pelo item COMO e exerce a função
sintática de objeto direto do verbo ―visse‖. Além disso, ela faz parte da história contada
pela informante e ocorreu em uma sequência narrativa.
170
Em 7‘‘, a cláusula destacada foi retirada de um relato de procedimento, pertence
à língua falada e ocorreu em um trecho em que a informante está introduzindo o relato
e, por isso, considerou-se que a sequência é descritiva, e não injuntiva.
Em 8‘‘, as duas cláusulas entre colchetes foram extraídas de um relato de
procedimento e são de língua falada. Elas são introduzidas pelo item COMO e exercem
a função sintática de predicativo do sujeito. As duas cláusulas ocorreram em sequências
injuntivas, pois aparecem em momentos nos quais a informante explica como proceder
para que alguém, no caso, o entrevistador, realize uma determinada tarefa.
O resultado, no que tange às sequências tipológicas, assemelha-se ao conseguido
na análise das cláusulas encaixadas com função substantiva presentes nos textos de
língua falada do corpus VARPORT. No entanto, se distancia do detectado nos textos de
língua escrita. Isto pode levar à conclusão de que, a depender não só da modalidade
linguística, mas também da constituição do corpus, as cláusulas encaixadas com função
substantiva podem ser utilizadas com diferentes propósitos.
Como não foram encontradas nem cláusulas encaixadas com função adjetiva
nem cláusulas correlatas no corpus D&G, faz-se, em 6.3.2, a análise das cláusulas
hipotáticas.
6.3.2. Cláusulas hipotáticas
Assim como no corpus VARPORT, no corpus D&G, identificaram-se cláusulas
hipotáticas não-finitas e finitas, tanto em textos de língua escrita quanto em textos de
língua falada. De forma semelhante ao corpus VARPORT, também houve uma
quantidade bem maior de cláusulas não-finitas do que de cláusulas finitas. Por este
motivo, a análise inicia-se pelas cláusulas não-finitas.
6.3.2.1. Cláusulas hipotáticas não-finitas
No que tange à língua escrita, encontraram-se 20 cláusulas não-finitas (91%) e
todas ocorreram com o verbo no gerúndio, em um total de 22 cláusulas hipotáticas nesta
modalidade linguística. Em 9‘‘, dá-se um exemplo de cláusula hipotática com noção de
modo não-finita.
171
9‘‘. ―Minha irmã chegou [chorando] desesperada‖.
(NR, LE, 8ª série, masc.)
Em 9‘‘, a cláusula hipotática explica o modo como ―minha irmã chegou‖ e foi
retirada de uma narrativa recontada.
No que concerne à língua falada, houve uma pequena diferença comparando-se
com a língua escrita: em um total de 32 cláusulas hipotáticas, além de as cláusulas nãofinitas aparecerem com o verbo no gerúndio (28 – 93,3%), houve dois casos com a
preposição SEM seguida de verbo no infinitivo (6,7%). Em 10‘‘, exemplificam-se dois
casos, um de cláusula introduzida pela preposição SEM seguida de infinitivo e um de
cláusula articulada por meio de verbo no gerúndio.
10‘‘. ―aí o ônibus deu um pulo ... nisso que deu / que o ônibus deu um pulo ... a minha
mãe ... deu um pulo também e deu um grito ... dentro do ônibus ... saiu ... [sem querer]
... aí os band / nisso o ônibus parou ... né? os bandidos desceram ... [correndo] ...‖
(NEP, LF, 8ª série, fem.)
Em 10‘‘, a primeira cláusula destacada explica o modo como ―a minha mãe‖
saiu do ônibus e é encabeçada pela preposição SEM seguida de verbo no infinitivo. A
segunda cláusula em destaque explica o modo como os bandidos desceram do ônibus e
apresenta verbo no gerúndio. Ambas foram extraídas de uma narrativa de experiência
pessoal.
Os dois aspectos abordados a seguir estão relacionados à integração semânticopragmática: manutenção de referente e tipo semântico de verbo.
No concernente à manutenção de referente, o resultado obtido também foi
semelhante ao encontrado no corpus VARPORT.
No que tange à língua escrita, 20 cláusulas hipotáticas não-finitas (100%)
apareceram com o mesmo sujeito do da cláusula núcleo (cf. ex. 11‘‘).
11‘‘. ―Um dia um menino me contou que foi pegar o ônibus e um cara tentou lhe
asaltar, mas sua carteira na tinha nada de valor, mas ele tentou reagir [dando um
pontape no bandido]‖.
(NR, LE, 4ª série, masc.)
Em 11‘‘, a cláusula hipotática tem o mesmo sujeito do da cláusula núcleo – ―ele‖
(que é correferencial com ―um menino‖) – e foi coletada em uma narrativa recontada.
No tocante à língua falada, 28 cláusulas hipotáticas não-finitas, introduzidas por
verbo no gerúndio (100%), ocorreram com manutenção de referente (cf. ex. 12‘‘).
172
12‘‘. ―eh ... vou começar a história ... [contando] quando minha mãe foi embora‖.
(NEP, LF, 8ª série, fem.)
Em 12‘‘, o sujeito da cláusula hipotática é o mesmo do da cláusula núcleo –
―eu‖, que está elíptico, mas pode ser identificado pela forma verbal ―vou‖. A cláusula
destacada, em 12‘‘, ocorreu com o verbo no gerúndio e foi retirada de uma narrativa de
experiência pessoal.
Em relação às cláusulas hipotáticas não-finitas introduzidas pela preposição
SEM seguida de infinitivo, as duas que ocorreram em textos de língua falada (100%)
apareceram com o mesmo sujeito do da cláusula núcleo. Um exemplo pode ser
conferido em 10‘‘ e outro, a seguir, em 13‘‘.
13‘‘. ―... e eu comecei a chorar no cavalo ... e quase que eu caía ... mas ... tudo bem ...
fui chorando ... assim ... e [sem querer] ..., eu fiquei meia torta‖.
(NEP, LF, 4ª série, fem.)
Em 13‘‘, a cláusula entre colchetes explica o modo como a informante ficou
torta e possui o mesmo sujeito do da cláusula núcleo – ―eu‖, que está elíptico, mas é
recuperado pelo contexto. Esta cláusula foi extraída de uma narrativa de experiência
pessoal.
No que diz respeito aos tipos semânticos de verbo, o resultado alcançado em
relação às cláusulas não-finitas com verbo no gerúndio foi semelhante ao encontrado no
corpus VARPORT.
Nos textos de língua escrita, 16 cláusulas não-finitas com verbo no gerúndio
(80%) ocorreram com verbos do tipo ―material‖ (cf. ex. 14‘‘).
14‘‘. ―Em um dia eu estava brincando tentando tira abacate e derrepente apareceu um
gambar e eu e o cachorro e minha tia entramos [correndo para casa] e o empregado
matou o gambar‖.
(NEP, LE, 4ª série, masc.)
Em 14‘‘, a cláusula hipotática foi retirada de uma narrativa de experiência
pessoal e explica o modo como o informante e a tia dele entraram na casa. O verbo
utilizado foi ―correndo‖, que é um verbo que indica uma ação propriamente dita, ou
seja, é do tipo ―material‖.
173
Nos textos de língua falada, 21 cláusulas não-finitas com verbo no gerúndio
(75%) ocorreram com verbos do tipo ―material (cf. ex. 15‘‘).
15‘‘. ―... a separação dos meus pais ... começou ... porque ... a colega da minha mãe ...
era muito amiga dela ... ia na casa dela ... comia ... bebia lá ... só ... que alguns tempos
ela passou [andando com meu pai]‖.
(NEP, LF, 4ª série, fem.)
Em 15‘‘, a cláusula hipotática explica o modo como a amiga da mãe da
informante passou ou foi vista e esta cláusula foi extraída de uma narrativa de
experiência pessoal. O verbo que apareceu na cláusula hipotática foi ―andando‖, que é
um verbo que indica uma ação propriamente dita e, portanto, é um verbo do tipo
―material‖.
O resultado obtido em relação às cláusulas não-finitas introduzidas pela
preposição SEM seguida de verbo no infinitivo, pertencentes a textos de língua falada, é
diferente do resultado obtido no corpus VARPORT, pois os dois casos (100%)
aparecem com verbos do tipo ―sensitivo‖. Estes dois casos foram apresentados nos
exemplos 10‘‘ e 13‘‘, o verbo que aparece em ambos é ―querer‖, que é um verbo que
indica sentimento, vontade e, por este motivo, é um verbo do tipo ―sensitivo‖.
Abordadas as cláusulas hipotáticas não-finitas, analisam-se agora as cláusulas
hipotáticas finitas.
6.3.2.2. Cláusulas hipotáticas finitas
No corpus D&G, no que tange às cláusulas hipotáticas finitas, houve apenas 4
(quatro) dados, o que permite que a análise seja feita agrupando-se os dados de língua
escrita e os de língua falada.
Quanto à forma de articulação, houve uma menor variedade de itens que
encabeçam as cláusulas hipotáticas finitas no corpus D&G, comparando-se com o
corpus VARPORT: 3 (três) introduzidas por COMO SE (75%) – cf. ex. 16‘‘ e 1 (uma)
introduzida por SEM QUE – cf. ex. 17‘‘.
174
16‘‘. ―... na hora me deu um branco ... aí eu fui virar assim ... [como se fosse falar com
ela]‖.
(NEP, LF, 8ª série, masc.)
17‘‘. ―Na minha casa, a parte onde eu mais gosto de ficar é no meu quarto. Pois nele eu
posso fazer tudo sossegadamente [sem que ninguém me atrapalhe]‖.
(DL, LE, 8ª série, masc.)
Em 16‘‘, a cláusula hipotática indica o modo como o informante foi virar. Notase que há um elemento dêitico – ASSIM, que aponta para algum gesto, algum
movimento feito pelo informante.
Em 17‘‘, a cláusula hipotática explica o modo como o informante pode fazer
tudo no quarto dele. O fato de haver um advérbio expressando a circunstância de modo
em relação à ação de fazer – ―sossegadamente‖ - não impede que a cláusula em
destaque também indique a ideia de modo em relação ao verbo da cláusula núcleo.
Quanto à manutenção de referente, o resultado confirmou a hipótese inicial, que
era a de que cláusulas finitas são consideradas menos integradas semânticopragmaticamente e tendem a possuir um sujeito diferente do da cláusula com a qual se
articulam. No corpus D&G, apenas 1 (uma) cláusula finita (25%) apareceu com o
mesmo sujeito do da cláusula núcleo e isto pode ser observado no exemplo 16‘‘,
apresentado anteriormente. O exemplo 17‘‘, também apresentado anteriormente, ilustra
o que era esperado, isto é, mudança de referente: o sujeito da cláusula núcleo é o
pronome ―eu‖ e o sujeito da cláusula hipotática é o pronome ―ninguém‖.
Quanto aos tipos semânticos de verbo, o resultado obtido também foi ao
encontro do esperado, pois metade das cláusulas ocorreu com verbos do tipo
―relacional‖ (2 – 50%). Uma cláusula ocorreu com verbo do tipo ―verbal‖ e uma com
verbo do tipo ―material‖. Em seguida, exemplificam-se casos de cláusulas finitas que
apareceram com verbos do tipo ―relacional (cf. ex. 18‘‘ e 19‘‘).
18‘‘. ―... de repente minha prima chegou e começou a contar uma história ... era assim ...
que ela tinha ... que ela tinha ... no / em cima do túnel ... lá em Riachuelo ... tinha um
cara um / uma ... uma ... uma mulher ... morto / morta ... esfaqueada ... ela me contou
que foi assim ... ela estava no ... no prédio do amigo dela ... de repente ela viu uma ...
uma / um negócio de sangue ... uma / [como se fosse um monte de pingo de sangue]
seguindo pro túnel‖.
(NR, LF, 4ª série, fem.)
19‘‘. ―Também tem um tipo de barco, que a gente entra e começa a diregir [como se
fosse um carro mesmo]‖.
(DL, LE, 4ª série, fem.)
175
Em 18‘‘ e, em 19‘‘, o verbo que aparece é ―fosse‖, forma no pretérito imperfeito
do subjuntivo do verbo ―ser‖.
O aspecto observado levando-se em consideração as cláusulas hipotáticas finitas
e não-finitas agrupadas foi o da sequência tipológica.
A tabela 16 mostra a frequência das cláusulas hipotáticas em cada sequência
tipológica. A primeira coluna contém as sequências tipológicas; a segunda coluna
mostra a frequência das cláusulas hipotáticas em cada sequência e, na última linha, temse o total de cláusulas analisadas. De um total de 79 cláusulas que expressam a
circunstância de modo, 54 eram hipotáticas.
Tabela 16: Sequências tipológicas e cláusulas hipotáticas no corpus D&G
SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS
Narrativa
Descritiva
Argumentativa
TOTAL
FREQUÊNCIA
48 (88,8%)
3 (5,6%)
3 (5,6%)
54 (100%)
Pela tabela 16, verifica-se que a sequência tipológica em que as cláusulas
hipotáticas ocorreram mais frequentemente, no corpus D&G, foi narrativa. Isto pode ter
acontecido porque, em um primeiro momento, o informante conta oralmente o que o
documentador pede e, em um segundo momento, escreve sobre as informações que
forneceu anteriormente. Ao passar para o registro escrito, o informante, eventualmente,
mantém as sequências narrativas utilizadas no registro oral.
Os três exemplos a seguir ilustram cláusulas hipotáticas que ocorreram em
sequência narrativa de uma narrativa recontada (cf. ex. 20‘‘), em uma sequência
descritiva de uma descrição de local (cf. ex. 21‘‘) e em uma sequência argumentativa de
um relato de opinião (cf. ex. 22‘‘).
176
20‘‘. ―... ele levantou ... na hora que ele levantou as meninas disfarçaram assim ...
olharam pro lado ... saíram [correndo].‖
(NR, LF, 8ª série, fem.)
21‘‘. ―A sala de jogos é um lugar espetacular, lá eu passo horas do fim de semana
[praticando jogos].‖
(DL, LE, 8ª série, masc.)
22‘‘. ―... uma coisa que eu acho errado ... é a gente ter dado um dinheirão naquela /
naquele objeto ... numa coisa que você gosta ... aí vir ... uma pessoa ... chegar ... meter a
mão ... sem pedir ... sem nada ... e sair [levando assim].‖
(RO, LF, 8ª série, fem.)
Em 20‘‘, a cláusula entre colchetes elucida o modo como as meninas saíram de
algum lugar. A sequência em que ela ocorreu é narrativa e a informante está recontando
uma história que foi contada a ela.
Em 21‘‘, a cláusula destacada explica o modo como o informante passa o fim de
semana. A sequência em que ela apareceu é descritiva e o informante está descrevendo
uma sala de jogos e o fim de semana dele.
Em 22‘‘, a cláusula em destaque indica o modo como uma pessoa sai de um
determinado lugar. A sequência em que ela ocorreu é argumentativa e a informante está
expressando a opinião dela em relação a pessoas que levam objetos de outras sem pedir,
como acontece em um assalto.
No que concerne às sequências tipológicas, o resultado conseguido no corpus
VARPORT é um pouco diferente do encontrado no corpus D&G, pois, naquele, as
cláusulas hipotáticas ocorreram mais frequentemente em sequências argumentativas nos
textos de língua escrita e em sequências narrativas em textos de língua falada, enquanto
que neste, tanto nos textos de língua escrita quanto nos textos de língua falada, as
cláusulas hipotáticas apareceram com mais frequência em sequências narrativas.
Estes resultados podem ser explicados tomando-se como base os gêneros
textuais analisados no corpus VARPORT e as diferentes funções comunicativas dos
textos do corpus D&G. No corpus VARPORT, as sequências argumentativas eram as
mais frequentes tanto nos anúncios como nos editoriais e, no corpus D&G, somente nos
relatos de opinião. Já as sequências narrativas, no corpus VARPORT, eram mais
frequentes em notícias – textos de língua escrita - e em entrevistas – textos de língua
falada - e, no corpus D&G, eram mais frequentes em narrativas de experiência pessoal,
narrativas recontadas e podiam aparecer em descrições de local.
177
Analisadas as cláusulas hipotáticas, a seguir, comentam-se os usos das cláusulas
paratáticas no corpus D&G.
6.3.3. Cláusulas paratáticas
No corpus D&G, detectaram-se apenas 8 (oito) cláusulas paratáticas e todos os
dados são relativos a textos de língua escrita. Apesar de o número de dados ser pequeno,
algumas considerações podem ser feitas.
Comparando-se esses 8 (oito) dados com os encontrados no corpus VARPORT,
quanto às formas de articulação, pode-se afirmar que, neste corpus, houve maior
variedade, enquanto que, naquele, houve apenas duas maneiras de essas cláusulas
articularem-se: por meio de verbo no gerúndio (4 – 50%) – cf. ex. 23‘‘ e pelo uso do
item COMO seguido de verbo no infinitivo (4 – 50%) – cf. ex. 24‘‘.
23‘‘. ―Na minha opinião para melhorar a educação o governo deveria pagar melhores
salários reajustados pela inflação para professores e pessoal de apoio, [envestindo mais
em escolas], e mais verbas.‖
(RO, LE, 8ª série, fem.)
24‘‘. ―... gosto muito do meu quarto, porque eu posso me trancar nele e fazer tudo que
quero e gosto de fazer em paz. [Como: ouvir música fank, fitas], [conversar sozinho],
[pensar em alguém ou em alguma coisa errada] que eu tinha feito.‖
(DL, LE, 8ª série, masc.)
Em 23‘‘, a cláusula entre colchetes indica o modo como o governo poderia
melhorar a educação e, ao mesmo tempo, acrescenta uma informação à cláusula que a
antecede, o que é característica de uma cláusula paratática prototípica. Ela foi retirada
de um relato de opinião e pertence à língua escrita. O exemplo 23‘‘ poderia ser reescrito
como 23‘‘a49.
23‘‘a. Na minha opinião para melhorar a educação o governo deveria pagar melhores
salários reajustados pela inflação para professores e pessoal de apoio [e investir mais em
escolas], e mais verbas.
Em 23‘‘a, pode-se compreender melhor a adição de informação que a cláusula
em destaque fornece.
49
As reescrituras dos exemplos coletados do corpus D&G são representadas por uma letra do alfabeto
acompanhando os algarismos arábicos com aspas duplas.
178
Em 24‘‘, as cláusulas destacadas especificam o modo como ―tudo‖ que o
informante gosta de fazer pode ser dividido e, com isso, pode-se afirmar que elas
também servem como exemplificação para todas as atividades a que o informante quer
referir-se. As cláusulas paratáticas foram retiradas de uma descrição de local, pertencem
à língua escrita e funcionam como argumentos que o informante utiliza para tentar
convencer o leitor de que o quarto é o lugar do qual ele mais gosta. Quanto à forma de
articulação, nota-se que o item COMO aparece apenas na primeira cláusula paratática,
podendo ser recuperado nas outras duas, como mostra a reescritura de 24‘‘ em 24‘‘a.
24‘‘a. ... gosto muito do meu quarto, porque eu posso me trancar nele e fazer tudo que
quero e gosto de fazer em paz. [Como: ouvir música fank, fitas], [como conversar
sozinho], [como pensar em alguém ou em alguma coisa errada] que eu tinha feito.
Percebe-se que, em 24‘‘a, a repetição do item COMO tornou o texto não muito
produtivo em Língua Portuguesa. Cumpre esclarecer que, ao mesmo tempo em que as
cláusulas paratáticas em 24‘‘ são encabeçadas pelo item COMO, os verbos que
aparecem nelas estão no infinitivo. Pode-se considerar que, além do conteúdo de modo,
a circunstância de comparação também está presente nas cláusulas em destaque, em 24‖
e em 24‖a.
Quanto ao aspecto ―manutenção de referente‖, verifica-se que, tanto nas
cláusulas paratáticas articuladas por meio do gerúndio como por meio do infinitivo
precedido pelo item COMO, houve maior frequência de uso do mesmo sujeito em
relação à cláusula com a qual se articulam: 4 (100%) em que o gerúndio aparece e 3
(75%) em que o infinitivo aparece (cf. ex. 24‘‘ citado anteriormente).
Em 25‘‘, tem-se um exemplo de manutenção de referente com o gerúndio e, em
26‘‘, um exemplo de mudança de referente com o infinitivo.
25‘‘. Um dia minha professora contol que estava chovendo e ela estava com um
guardachuva. E ela entrou com o guarda chuva no onibus aberto [pedindo desculpa a
todo mundo].‖
(NR, LE, 4ª série, masc.)
26‘‘. ―... na Barra tem uma praça bonita tem um restaurante chamado tubarão que serve
frutos do mar entre outras coisas [como dormir] ouvindo o quebrar das ondas.‖
(DL, LE, 8ª série, masc.)
179
Em 25‘‘, a cláusula em destaque indica o modo como a professora do informante
entrou no ônibus. Entretanto, pode-se atribuir a esta cláusula a interpretação de que
houve uma sequência de eventos: primeiramente, a professora entrou no ônibus com o
guarda-chuva aberto e, em seguida, pediu desculpa. Esta sequencialidade das ações
caracteriza a cláusula paratática, e não a hipotática. Dessa forma, é possível afirmar que
a cláusula paratática, em 25‘‘, além de indicar a noção de modo, expressa também a
noção de adição.
O sujeito da cláusula que antecede a paratática indicando modo, em 25‘‘, é o
pronome ―ela‖, que retoma ―minha professora‖, e o sujeito da cláusula com ideia de
modo, apesar de estar elíptico, é identificado pelo contexto como sendo também ―a
professora‖.
Em 26‘‘, a cláusula entre colchetes representa uma exemplificação do que se
pode fazer na Barra e indica o modo como as ―outras coisas‖ a serem feitas na Barra
podem ser divididas. Vale ressaltar que, no trecho selecionado, há duas cláusulas em
que o verbo ―ter‖ é usado com o sentido de ―haver‖, ―existir‖ e, portanto, são
consideradas cláusulas com sujeito inexistente.
A cláusula mais próxima à cláusula paratática com nuance de modo é ―que serve
frutos do mar entre outras coisas‖, cujo sujeito é ―um restaurante chamado tubarão‖. Ao
analisar a cláusula ―como dormir‖, observa-se que, apesar de o sujeito não estar
explícito, pode-se interpretar como sendo uma pessoa, qualquer que seja. Com isso,
pode-se considerar que o sujeito da cláusula paratática modal é indeterminado. Isto
resulta na mudança de referente (sujeito) entre as cláusulas paratáticas.
Quanto aos tipos semânticos de verbo, o resultado obtido em relação às cláusulas
com verbo no gerúndio é semelhante ao encontrado no corpus VARPORT, isto é, o tipo
semântico mais frequente foi o ―material‖ (3 – 75%) – cf. ex. 23‘‘, citado anteriormente.
Em relação às cláusulas paratáticas introduzidas por COMO seguido de verbo no
infinitivo, não houve predominância de um tipo semântico de verbo específico.
Em 24‘‘, a primeira cláusula paratática modal possui o verbo ―ouvir‖, que é do
tipo ―perceptivo‖; a segunda emprega o verbo ―conversar‖, que é do tipo ―verbal‖ e a
terceira contém o verbo ―pensar‖, que é do tipo ―cognitivo‖. Em 26‘‘, a cláusula
paratática modal ocorre com o verbo ―dormir‖, que é do tipo ―corpóreo‖.
O último aspecto analisado nas cláusulas paratáticas será ―sequência tipológica‖.
Detectaram-se 4 (50%) cláusulas paratáticas em sequências argumentativas em
descrições de local (cf. ex. 24‖, anteriormente apresentado). A função destas cláusulas
180
foi a de servir como argumento para o informante. Dessa forma, ele convenceria o leitor
de que o quarto dele era o lugar do qual ele mais gostava de ficar.
As cláusulas paratáticas também foram encontradas em sequências injuntivas (2
– 25%) – cf. ex. 27‘‘, em sequência narrativa (1 – 12,5%) – cf. ex. 25‘‘, citado
anteriormente - e em sequência descritiva (1 – 12,5%) – cf. ex. 26‘‘, citado
anteriormente.
27‘‘. ―Depois você coloca estrato de tomate e deixa uns quinze minutos [mexendo].‖
(RP, LE, 4ª série, fem.)
Em 27‘‘, a cláusula entre colchetes indica o modo como se deve deixar o extrato
de tomate junto com o resto dos ingredientes e se encontra em uma sequência injuntiva,
pois a informante, ao explicar o procedimento para preparar uma comida, quer que o
leitor consiga preparar esta comida também. Ao mesmo tempo em que a cláusula nãofinita com verbo no gerúndio indica a ideia de modo, é possível perceber que há uma
sequência de eventos, o que pode ser melhor compreendido pela reescritura de 27‘‘ em
27‘‘a.
27‘‘a. Depois você coloca estrato de tomate e deixa uns quinze minutos [e mexa].
Constata-se que, tanto em 27‘‘ como em 27‘‘a, para que a comida seja feita
corretamente, os passos devem ser seguidos em uma ordem específica: primeiramente,
se coloca o extrato de tomate e, em um momento posterior, mexem-se os ingredientes.
Em seguida, comentam-se rapidamente algumas estruturas encontradas durante a
coleta de dados e que, para a análise, foram desconsideradas, visto que envolvem outros
procedimentos, mais estritamente vinculados ao discurso, que, nesse momento, não se
enquadram aos propósitos deste trabalho.
181
6.4. Estruturas vinculadas ao contexto e ao co-texto
Durante o processo de coleta de dados, identificaram-se algumas estruturas que,
apesar de poderem veicular a noção de modo, parecem estar mais relacionadas i) à
expressão de um ponto de vista do autor do texto, seja sob forma de uma pergunta –
oração interrogativa, seja sob forma de uma exclamação, indicando uma surpresa oração exclamativa; ii) a um texto antecedente e, por isso, são usadas para evitar uma
repetição desnecessária ou iii) a um título de um texto, que tem como função anunciar
ou resumir o texto propriamente dito.
Com o intuito de expressar o ponto de vista, o autor do texto, muitas vezes,
utiliza uma pergunta retórica, a fim de fazer com que o leitor reflita sobre o conteúdo do
texto (cf. ex. A50).
A. ―Ora se o nosso correspondente conhece, que o partido moderado he composto em
grande parte de fementidos, etc, e se alem disso conhece, que este he o partido, que
sustente o Sr. Feijó [como deixará de convir de que elle he igual aos seus
sustentadores?]‖
(E-B-81-JE-006)
Em A, a cláusula entre colchetes representa a real pergunta feita pelo autor do
texto, no caso, do editorial. Esta estrutura foi utilizada pelo autor do editorial para levar
o leitor à conclusão de que ―o Sr. Feijó é igual aos sustentadores‖ de um determinado
partido. Pode-se observar que há o uso do pronome interrogativo COMO. Além disso, é
possível utilizar-se de um artifício para reforçar o fato de que a estrutura destacada, em
A, veicula a noção de modo (cf. ex. A‘).
A‘. Ora se o nosso correspondente conhece, que o partido moderado he composto em
grande parte de fementidos, etc, e se alem disso conhece, que este he o partido, que
sustente o Sr. Feijó [de que modo deixará de convir de que elle he igual aos seus
sustentadores?]
Em A‘, a expressão DE QUE MODO é semelhante semanticamente ao pronome
COMO, em A. Com isso, poder-se-ia considerar que a cláusula em destaque, em A, é
modal. A não inclusão deste tipo de estrutura na análise dos dados deve-se ao fato de, na
verdade, constituir um exemplo de pergunta retórica, estando, portanto, desvinculada
sintaticamente do texto que a antecede.
50
Os exemplos referentes a estruturas vinculadas ao contexto e ao co-texto, que não foram contabilizadas
como dados para análise, são representados por letras do alfabeto maiúsculas sem negrito.
182
Outra estrutura encontrada, no corpus VARPORT, para indicar a opinião do
autor de um texto foi a oração exclamativa. A ocorrência de apenas 1 (um) dado sugere
que a estrutura em questão não é produtiva nos corpora utilizados para esta pesquisa
(cf. ex. B).
B. ―Ao longo do ano, eles mesmos iam procurando desestimular aqueles que eles viam
que não iam ter condições de aprovar, de ser aprovado, eles iam desestimulando. [E
como eles desestimulavam!]‖.
(OC-B-9C-3M-002)
Em B, a estrutura em destaque indica o ponto de vista do informante e o que dá
ênfase a isto é a exclamação, que representa uma surpresa ou até uma reprovação por
parte do informante da situação relatada. Vale notar que o exemplo B foi retirado de um
texto de língua falada, em que a emoção e a expressão explícita de sentimentos são mais
facilmente observadas, visto que, em um texto de língua escrita, principalmente os
analisados neste trabalho, os autores procuram, na medida do possível, se distanciar do
que é relatado, não deixando seu ponto de vista tão explícito 51.
A oração exclamativa, em B, contém um item que favorece o surgimento da
ideia de modo – COMO. Entretanto, por estar principalmente a serviço do discurso e
por estar desvinculada sintaticamente – isto é ratificado pelo uso da estrutura em um
período simples, separado do texto antecedente, não foi contabilizada para efeitos de
análise.
Algumas estruturas encontradas tanto no corpus VARPORT quanto no corpus
D&G, nas modalidades escrita e falada da língua, foram empregadas com o objetivo
principal de evitar uma repetição desnecessária de um discurso antecedente ou
conhecido pelo leitor / ouvinte. São elas: repetição enfática sintática (Ayora, 1991,
p.62), recorrência semântica (Ayora, 1991, p.65) e construção pré-fabricada (DeCarrico,
1993; apud ERMAN, Britt e WARREN, Beatrice, 2001, p.32).
A partir da leitura de Ayora (1991), constatou-se que uma estrutura passível de
expressar a noção de modo é a repetição enfática sintática. Para Ayora (1991, p.61), esta
estrutura ―é uma repetição desnecessária, cujo único objetivo é dar maior ênfase ou
importância à mensagem comunicada. Sua estrutura é a seguinte: VERBO + COMO +
VERBO‖. Além disso, o autor afirma que ―em alguns casos, pode omitir ou suprimir
51
Para sustentar o fato de que a emoção e a expressão de sentimentos estão explícitas em B, seria
necessário realizar uma análise prosódica aprofundada, em que se utilizassem equipamentos adequados.
183
opcionalmente o nexo COMO + verbo que se segue‖. A repetição enfática sintática
pode ser observada em C.
C. ―Velho [como era], e só vivendo para os seus ideais de sábio e de filosofo, em que
poderia ter Czeslaw Bialobrswski incorrido, a ponto de ter sido colocado diante de um
pelotão de soldados para ser fuzilado?‖
(E-B-92-JN-014)
O exemplo C pode ser reescrito como C‘.
C‘. [Sendo velho como era], e só vivendo para os seus ideais de sábio e de filosofo, em
que poderia ter Czeslaw Bialobrswski incorrido, a ponto de ter sido colocado diante de
um pelotão de soldados para ser fuzilado?
Ayora (1991, p.62) inclui esta estrutura em expressões com significado modal, o
que parece ser coerente, e o item COMO, nesta estrutura, pode reforçar a ideia de modo.
No entanto, o autor afirma que a utilização do gerúndio adiciona um ―traço de causa‖52.
Acredita-se que, em C‘, há simultaneamente as noções de modo e de causa.
Em C, a cláusula entre colchetes indica que o fato de ―Czeslaw Bialobrswski ser
velho‖ ou já era de conhecimento do leitor ou, por algum outro motivo, não havia
necessidade de ser explicado detalhadamente.
A repetição enfática sintática não foi inclusa nos dados de cláusulas com noção
de modo, pois parece tratar-se, na verdade, de uma construção fixa, cristalizada. Um
argumento a favor desta constatação é o fato de terem sido encontrados outros dados de
repetição enfática sintática, no corpus VARPORT, em que o tipo de verbo é o mesmo:
relacional. Os verbos mais comuns de aparecerem nesta estrutura são ―ser‖ e ―estar‖. A
parte que poderia ser considerada como variável nesta estrutura é o adjetivo (cf. ex. D).
D. ―... o commandante da força, sem ter intimado a dispersão do grupo formado á porta
da redacção, como a lei lh‘o exige, deu ordem de <> barbaramente crenças indefezas;
que esse mesmo commandante, tendo-nos illegalmente invadido o domicilio, nos fez
ameaças quixotescas, ás quaes todavia não poderíamos responder, coactos [como
estávamos pela presença da força].‖ (E-P-83-JE-009)
Em D, a cláusula destacada enfatiza o fato de algumas pessoas estarem coactas e
o verbo que aparece nesta cláusula pode ser subentendido antes do adjetivo ―coactos‖
(cf. ex. D‘).
52
―rasgo de causa‖ (Ayora, 1991, p.62).
184
D‘. ... o commandante da força, sem ter intimado a dispersão do grupo formado á porta
da redacção, como a lei lh‘o exige, deu ordem de <> barbaramente crenças indefezas;
que esse mesmo commandante, tendo-nos illegalmente invadido o domicilio, nos fez
ameaças quixotescas, ás quaes todavia não poderíamos responder, estando coactos
[como estávamos pela presença da força].‖
Em D‘, assim como em C‘, o gerúndio favorece a interpretação da estrutura
como causal.
Outra estrutura que Ayora (1991) inclui em expressões com significado modal é
a recorrência semântica. Para Ayora (1991, p.66), se considera que a fórmula COMO /
TAL COMO + VERBO tem valor de recorrência semântica quando retoma o
significado de algo já dito ou supostamente conhecido pela(s) pessoa(s) a que se dirige a
mensagem e é uma forma de organizar o discurso.
Tradicionalmente, esta estrutura seria inclusa nas orações conformativas.
Entretanto, parece haver uma diferença entre recorrência semântica e cláusula com valor
de conformidade. A primeira, assim como a repetição enfática sintática, parece ser uma
construção fixa. Um argumento a favor desta ideia é o fato de os tipos semânticos de
verbo utilizados serem predominantemente ―cognitivo‖ e ―verbal‖. Isto pode ocorrer
porque, geralmente, o autor de um texto utiliza a recorrência semântica para retomar e
evitar a repetição de um pensamento já exposto anteriormente ou uma fala já produzida.
Em E, tem-se um exemplo com verbo do tipo ―cognitivo‖ e, em F, um exemplo com
verbo do tipo ―verbal‖.
E. ―As ultimas noticias nos informavão das marchas dos GeneraesHespanhoes para
cortar a retirada dos Francezes; e he bem de crer o tinhão conseguido. Portugal, [como
sabemos], foi acabado de libertar pela batalha de Vimieiro, e deverá empregar as suas
forças unidamente com as dos seus dousalliados para defender a Peninsula, que com
tantas tropas ficará segura de outra invasão‖.
(E-B-81-JN-012)
F. ―... pois é ... bom ... [como eu disse ... anteriormente] ... existem as regras do
futebol‖.
(OC-B-70-2M-001)
Em E, a cláusula em destaque é utilizada pelo autor para indicar que o fato de
Portugal ter ―acabado de libertar pela batalha de Vimieiro‖ faz parte de um
conhecimento compartilhado com o leitor e, por este motivo, não há necessidade de se
185
explicar o fato relatado com detalhes. Nota-se que o verbo usado é ―saber‖, que indica
uma ideia, um processo mental.
Em F, a cláusula com noção de modo tem como função mostrar que o
informante disse algo em um momento anterior que ele acredita que o ouvinte lembra e
que, por isso, não é necessário ser repetido. Nota-se que o verbo usado é ―dizer‖, que
indica uma locução, um processo verbal.
Vale ressaltar que a recorrência semântica (Ayora, 1991, p.65) foi encontrada
tanto na língua escrita quanto na língua falada.
Dois motivos levaram à não inclusão desta estrutura nas cláusulas modais: i) elas
são construções fixas, cristalizadas e ii) elas são parentéticas, isto é, funcionam como
um comentário feito pelo autor sobre o que se disse e isto está evidente em F.
Uma estrutura que parece ser exclusiva da língua falada é a cláusula
interrogativa utilizada para buscar informação ou pedir esclarecimento. Esta estrutura
juntamente com a repetição enfática sintática e a recorrência semântica poderiam ser
agrupadas no que se denomina ―construções pré-fabricadas‖. Esta nomenclatura está
sendo empregada aqui com o mesmo sentido de ―prefabs‖, denominação usada por
DeCarrico (1993, apud ERMAN, Britt e WARREN, Beatrice, 2001, p.32): ―Sintagmas
lexicais são blocos de linguagem (―chunks of language‖) de tamanho variado, estruturas
convencionalizadas que ocorrem mais frequentemente e têm um significado
idiomaticamente determinado‖.
A cláusula interrogativa que pode ser considerada uma construção pré-fabricada
é aquela que o(a) informante utiliza quando esqueceu o que ia dizer ou esqueceu o
significado de alguma palavra, e quando não compreendeu bem o que o entrevistador
perguntou. Esta cláusula contém o advérbio interrogativo COMO, que contribui para a
interpretação modal (cf. ex. G e H).
G. ―... entrou uns grandes lá agora ... que estavam acostumando os pequenos a fazer
besteira ... dá soco ... nas costas ... umas brincadeiras de grande ... mas ... se os
pequenos aprende ... os ... os restos da turma que é ... aqui / inquetado ... quieto ... né?
quieto ... minha turma só ( ) [como é que se diz] ... dois chifres ... foi :: uma coisa
horrível.‖
(RO, LF, 4ª série, masc.)
186
H. ―#I: escoa é boeira é uma coisa só.
#D: que que é vau e lata?
#I: [Como é?]
#D: vau aqui vocês não usam a palavra vau? nem lata?
#I: não.‖
(OP-B-90-2M-001)
Em G, a cláusula interrogativa destacada foi empregada pelo informante porque,
por um momento, ele havia esquecido o que ia dizer e, para buscar esta informação, ele
usou uma cláusula que, apesar de não conter um contorno entonacional interrogativo,
pode ser interpretada como uma pergunta que o informante faz a si mesmo. O verbo que
aparece é ―dizer‖, um verbo do tipo ―verbal‖. Esta parece ser uma construção bem
produtiva em português, pois, no dia a dia, podem-se encontrar pessoas usando-a com
frequência. O trecho de um texto em G foi retirado de um relato de opinião referente à
língua falada, do corpus D&G.
Em H, a cláusula interrogativa em destaque foi usada pelo informante porque ele
não compreendeu bem o que estava sendo perguntado pelo documentador. Isto pode ser
observado também na continuação da entrevista, em que o documentador fala
novamente em ―vau e lata‖ e o informante diz não conhecer esses termos. O trecho de
um texto em H foi retirado de uma entrevista, do corpus VARPORT.
Houve, nos dois corpora analisados, principalmente no corpus D&G, uma
estrutura que tem como função anunciar o que ainda será informado ao leitor. Esta
estrutura tem características de uma cláusula interrogativa, geralmente, aparece
separada, no início do texto e funciona como um título para este. Em I, tem-se um
exemplo retirado do corpus VARPORT e, em J, tem-se um exemplo retirado do corpus
D&G.
I: ―Em Seleções de janeiro você encontrará:
 Meu futuro é hoje;
 [Como parei de fumar];
 Ilhas da imunidade: o mistério mais surpreendente da medicina.‖
(E-B-93-JA-009)
J: ―[Como é o seu quarto]
No meu quarto tem janela, porta, cama, travesseiro, pente, armário, ...‖
(DL, LE, 4ª série, masc.)
187
Em I, verifica-se que há uma lista de assuntos que podem ser encontrados na
edição de janeiro de Seleções. Cada assunto está funcionando como um complemento
do verbo ―encontrar‖. Com isso, poder-se-ia interpretar a cláusula entre colchetes como
encaixada com função substantiva. Entretanto, optou-se por considerá-la uma cláusula
que constitui um título, visto que cada tópico poderia aparecer isolado, separadamente
na revista. Além disso, cada tópico parece funcionar, de fato, como uma sequência
capaz de estabelecer comunicação. Ressalte-se, ainda, que a cláusula em destaque
parece equivaler a uma cláusula interrogativa, pois, na revista ―Seleções‖, o leitor
poderá encontrar a resposta para uma pergunta proposta por alguém: ―como parei de
fumar?‖. Dessa forma, o item COMO seria interpretado como pronome interrogativo.
Em J, a cláusula entre colchetes constitui o título da redação e, apesar de estar
separada, estabelece uma relação de modo com o texto subsequente. Além disso, a
situação de produção do texto deve ser levada em conta. Antes de a redação ter sido
produzida, houve uma entrevista a respeito do mesmo assunto. Provavelmente, o
entrevistador fez uma pergunta de forma direta, do tipo: ―Como é o seu quarto?‖. Dessa
maneira, o informante reproduziu a pergunta e a utilizou como o título de sua redação.
Enquanto a cláusula interrogativa utilizada para buscar informação ou pedir
esclarecimento parece ser exclusiva da língua falada, a cláusula utilizada como título
parece ser exclusiva da língua escrita.
Neste subcapítulo, foram feitos alguns comentários acerca de estruturas que, em
princípio, seriam levadas em consideração na análise de dados, mas que foram
descartadas, após uma observação mais cautelosa, durante a qual foram constatadas
características dessas estruturas que faziam de algumas delas construções cristalizadas
ou pré-fabricadas e de outras passíveis de serem transformadas em período simples ou
colocadas entre parênteses. Isto as tornava sequências capazes de estabelecer
comunicação, sem depender sintática nem semanticamente das cláusulas próximas a
elas.
188
CONCLUSÃO
Com esta tese, pôde-se fazer uma descrição e uma análise das estruturas
oracionais passíveis de veicular a circunstância de modo em português mesclando-se os
critérios sintáticos e semânticos, a fim de identificar usos linguísticos efetivamente
produzidos pelos falantes de língua portuguesa tanto na modalidade falada quanto na
escrita.
A hipótese principal que se pretendia comprovar, neste trabalho, era a de que o
conteúdo semântico de modo em português poderia ser expresso por cláusulas que
envolvessem outros processos sintáticos além da hipotaxe (orações subordinadas
adverbiais modais da tradição), permitindo, assim, que se estabelecesse um continuum
das cláusulas modais adotando os níveis sintático e semântico. Para isso, analisaram-se
as estruturas oracionais que exprimem a noção de modo na língua portuguesa. No nível
sintático, verificaram-se os diferentes graus de vinculação que as cláusulas modais
possuem com outras e, no nível semântico, observaram-se os outros matizes, além do de
modo, que estas cláusulas podem veicular.
Em um primeiro momento, teceram-se algumas considerações a respeito do
tratamento dado por gramáticos tradicionais e por estudiosos representantes de uma
abordagem não tradicional para a coordenação, a subordinação e a correlação.
Em um segundo momento, alguns conceitos relevantes para a análise dos
corpora realizada nesta pesquisa foram apresentados sob a perspectiva funcionalista. No
que tange ao conceito de integração entre cláusulas (cf. cap. 3), serviram de base as
abordagens de Lehmann (1985), de Hopper e Traugott (1993), de Halliday (2004) e de
Givón (1983). Em relação aos tipos semânticos de verbo (cf. cap. 4), foi utilizada a
proposta de Halliday (1994; apud Scheibman, 2001).
A motivação para este estudo advém da proposta de Silva (2007) sobre as
orações subordinadas adverbiais modais, o que justificou a retomada de algumas de suas
ideias em 5. Com base em Silva (2007), pôde-se propor aqui a identificação do
conteúdo semântico de modo, não mais restrito ao âmbito da subordinação adverbial,
mas considerando as possíveis maneiras como as cláusulas articulam-se expressando o
matiz modal, mesmo sendo estas encaixadas, correlatas, paratáticas.
Por isso, a análise dos corpora foi dividida da seguinte maneira: primeiramente,
foi feita uma análise considerando o critério sintático e, em seguida, o critério
semântico. A análise sintática permitiu que se encontrassem as seguintes estruturas
189
oracionais modais em português: i) encaixadas com função substantiva, ii) encaixadas
com função adjetiva, iii) hipotáticas, iv) correlatas e v) paratáticas, partindo-se, portanto
das estruturas mais encaixadas sintaticamente até se chegar às sem encaixamento.
Apesar de os resultados mostrarem poucas diferenças entre a análise do corpus
VARPORT e a análise do corpus D&G, alguns aspectos merecem destaque, como se
verá mais adiante.
As cláusulas encaixadas com função substantiva só ocorreram na forma finita.
Em relação à mudança de referente, estas cláusulas apareceram mais frequentemente
com referente (sujeito) diferente em relação à cláusula matriz (principal), o que
confirmou o esperado. Como as cláusulas encaixadas com função substantiva só
apareceram na forma finita, elas foram tomadas como menos integradas e a mudança de
referente é um argumento que comprovou isto. No que se refere aos tipos semânticos de
verbo, este tipo de cláusula ocorreu com mais frequência com os verbos ―materiais‖,
―relacionais‖ e ―existenciais‖. O primeiro é uma forma não-marcada e os dois últimos
parecem ter uma relação com cláusulas menos integradas, ou seja, tendem a ser
utilizados em cláusulas finitas. No que concerne ao gênero textual, as cláusulas
encaixadas com função substantiva foram encontradas predominantemente em notícias
e em anúncios, respectivamente. No que tange às sequências tipológicas, houve
diferenças entre os textos de língua escrita e os de língua falada do corpus VARPORT.
O resultado conseguido na análise de textos de língua escrita contrariou o esperado, pois
as
cláusulas
substantivas
apareceram
mais
frequentemente
em
sequências
argumentativas, e não em sequências descritivas. Já o resultado referente aos textos de
língua falada foi ao encontro do que se acreditava que fosse acontecer, visto que a
sequência em que predominaram as cláusulas em questão foi a descritiva. Ainda em
relação a esse critério, se comparados os corpora utilizados, percebe-se que houve mais
diferenças. No corpus D&G, tanto nos textos de língua escrita quanto nos de língua
falada, as cláusulas substantivas foram encontradas mais frequentemente em sequências
narrativas e descritivas.
As cláusulas encaixadas com função adjetiva, de forma semelhante às cláusulas
encaixadas com função substantiva, ocorreram apenas na forma desenvolvida:
encabeçadas pelo pronome interrogativo COMO isoladamente retomando palavras
pertencentes ao campo semântico de modo – ―modo‖, ―maneira‖; fazendo parte da
locução COMO QUE ou acompanhado de verbo no gerúndio. Assim como as cláusulas
substantivas, também foram encontradas predominantemente com referente (sujeito)
190
diferente em relação à cláusula matriz (principal), sugerindo que elas são estruturas
menos integradas sintaticamente. No que tange aos tipos semânticos de verbo, os que
apareceram com mais frequência nestas cláusulas foram o ―material‖ e o ―existencial‖.
Como fora observado, o primeiro é uma forma não-marcada e o segundo parece estar
relacionado a cláusulas finitas. No que se refere aos gêneros textuais, as cláusulas
encaixadas com função adjetiva foram mais frequentes em notícias e em editoriais,
respectivamente. Em relação às sequências tipológicas, estas cláusulas ocorreram com
mais frequência em sequências argumentativas. Vale ressaltar que o número de dados
foi pequeno e, por isso, se decidiu analisar os casos de cláusulas adjetivas encontrados
em textos de língua escrita e de língua falada sem haver separação. Além disso, não foi
possível comparar os corpora analisados, pois não foram encontradas cláusulas
encaixadas com função adjetiva no corpus D&G.
As cláusulas hipotáticas apareceram tanto na forma finita quanto na forma nãofinita. Notou-se que, a depender da forma de articulação, este tipo de cláusula possui um
comportamento específico. Verificou-se que houve um número muito maior de dados
de cláusulas hipotáticas não-finitas – 242 (91,3%) no corpus VARPORT e 50 (92,6%)
no corpus D&G - do que de finitas – 23 (8,7%) no corpus VARPORT e 4 (7,4%) no
corpus D&G. Por isso, as cláusulas não-finitas foram analisadas em primeiro lugar.
A quantidade de dados de cláusulas hipotáticas não-finitas em língua escrita –
230 (78,8%) - foi maior do que em língua falada – 62 (21,2%), considerando-se os dois
corpora utilizados. As formas de articulação mais frequentes destas cláusulas foram
introduzidas por verbo no gerúndio e introduzidas pela preposição SEM seguida de
verbo no infinitivo, respectivamente. No que se refere à mudança de referente, o
resultado confirmou as expectativas, pois as cláusulas hipotáticas não-finitas ocorreram
predominantemente com o mesmo referente (sujeito) em relação à cláusula núcleo
(principal), sugerindo maior integração. Os tipos semânticos de verbo utilizados com
mais frequência nestas cláusulas foram ―material‖ e ―verbal‖. Este tende a ocorrer mais
em cláusulas não-finitas. Se comparados os corpora analisados, houve uma diferença
em relação aos tipos semânticos de verbo. No corpus D&G, os dados de cláusulas
hipotáticas não-finitas apresentaram verbos do tipo ―sensitivo‖.
As cláusulas hipotáticas finitas mais frequentes em língua escrita foram as
introduzidas por COMO SE e por SEM QUE e, em textos de língua falada, só
apareceram com a locução COMO SE e com a conjunção COMO. No que tange à
mudança de referente, o resultado foi ao encontro do que se esperava, pois este tipo de
191
cláusula ocorreu mais frequentemente com referente (sujeito) diferente em relação à
cláusula núcleo (principal). No que concerne aos tipos semânticos de verbo, os mais
frequentes nestas cláusulas foram os que se acredita estarem relacionados à finitude de
uma cláusula: ―relacional‖ e ―existencial‖.
Os aspectos ―gênero textual‖ e ―sequência tipológica‖ foram observados nos
dois tipos de cláusulas hipotáticas – finitas e não-finitas - sem haver separação. Em
relação aos gêneros textuais, não houve preferência pelo uso dessa estrutura em um
gênero específico. Houve simetria entre os usos de cláusulas hipotáticas em anúncios,
editoriais e notícias. No que se refere às sequências tipológicas, parece que, a depender
da modalidade linguística, as cláusulas hipotáticas são utilizadas com uma função
comunicativa específica. Nos textos de língua escrita no corpus VARPORT, elas
ocorreram mais frequentemente em sequências argumentativas, enquanto que, nos
textos de língua falada no corpus VARPORT, elas apareceram com mais frequência em
sequências narrativas. Além da modalidade linguística, parece que a constituição de um
corpus também influencia no uso de uma estrutura em uma determinada sequência
tipológica. No corpus D&G, tanto nos textos de língua escrita quanto nos textos de
língua falada, as cláusulas hipotáticas ocorreram predominantemente em sequências
narrativas.
As cláusulas correlatas só foram encontradas no corpus VARPORT. As formas
de articulação observadas foram as seguintes: encabeçadas por ―não só ... como‖, ―não
só ... como ainda‖ e ―não apenas ... como‖. Contrariando o esperado, elas ocorreram
categoricamente com manutenção de referente. Consideraram-se o sujeito do verbo
presente no primeiro membro da correlação e o sujeito do verbo presente no segundo
membro da correlação. Apesar de ter contrariado as expectativas, pode-se entender que
a manutenção de referente deve-se ao fato de que, nas cláusulas correlatas com noção de
modo, adiciona-se uma informação referente a uma mesma pessoa ou a um mesmo
lugar. No que tange aos gêneros textuais, as cláusulas correlatas apareceram mais
frequentemente em editoriais e em notícias, respectivamente. Como era esperado, este
tipo de estrutura ocorreu predominantemente em sequências argumentativas. Alguns
autores já haviam atentado para o uso da correlação quando se quer dar ênfase a uma
ideia. Parece que a correlação é utilizada quando se quer enfatizar um determinado
argumento para convencer alguém a respeito de um ponto de vista.
192
As cláusulas paratáticas53, assim como as cláusulas hipotáticas, ocorreram nas
formas não-finita e finita, sendo a primeira mais frequente que a segunda.
A quantidade de dados de cláusulas paratáticas não-finitas em textos de língua
escrita foi maior do que em textos de língua falada. As formas de articulação
encontradas foram introduzidas por verbo no gerúndio e introduzidas pela preposição
SEM seguida de verbo no infinitivo. Notou-se que, curiosamente, as cláusulas
paratáticas
introduzidas
por
SEM
com
verbo
no
infinitivo
ocorreram
predominantemente com referente (sujeito) diferente em relação à cláusula com a qual
se articulam e com verbo do tipo ―relacional‖. Este comportamento era esperado para
cláusulas finitas, em vez de não-finitas. Provavelmente isto se deve ao uso de um item
que funciona como elo entre cláusulas: a preposição SEM. De certa forma, este item
poderia conferir à cláusula paratática um status de cláusula finita. Já as cláusulas
paratáticas com verbo no gerúndio apresentaram comportamento prototípico, isto é,
ocorreram mais frequentemente com o mesmo referente (sujeito) em relação à cláusula
com a qual se articulam e com verbo do tipo ―material‖.
As cláusulas paratáticas finitas foram encontradas com as seguintes formas de
articulação: introduzidas por BEM COMO; ASSIM COMO; COMO, POR EXEMPLO;
COMO TAMBÉM e SEM QUE. No que tange à mudança de referente, nos textos de
língua escrita no corpus VARPORT, quase metade dos dados apresentou mesmo
referente em relação à cláusula com a qual se articulam e mais da metade apresentou
referente diferente. Nos textos de língua falada, as cláusulas paratáticas finitas também
ocorreram predominantemente com referente diferente. No que concerne ao tipo
semântico de verbo, em textos de língua escrita, este tipo de cláusula apareceu mais
frequentemente com verbo do tipo ―material‖ e, em textos de língua falada, com verbo
do tipo ―existencial‖.
Em relação aos gêneros textuais, os dois tipos de cláusulas paratáticas – finitas e
não-finitas – ocorreram com frequências semelhantes em anúncios e notícias. No que se
refere às sequências tipológicas, assim como fora observado nas cláusulas hipotáticas, a
depender da modalidade linguística, as cláusulas paratáticas podem ter funções
comunicativas distintas. Nos textos de língua escrita, elas foram encontradas com mais
frequência em sequências argumentativas e, nos textos de língua falada, em sequências
narrativas.
53
Nesta tese, no âmbito da parataxe, estão inclusos casos em que a sequência de eventos é verificada seja
por uma cláusula finita seja por uma cláusula não-finita.
193
No que tange à hipótese inicial da tese – a possibilidade de se estabelecer um
continuum das cláusulas modais em português, alguns comentários merecem destaque.
Na análise que levou em conta o nível sintático, pôde-se verificar que há
cláusulas modais com graus diferentes de vinculação ou sem encaixamento algum:
encaixadas com função substantiva e adjetiva, cláusulas hipotáticas, cláusulas correlatas
e cláusulas paratáticas (cf. organograma 1, seção 6.2.2.4).
Na análise que levou em conta o nível semântico, o resultado forneceu indícios
de que há uma relação entre os graus de vinculação sintática e a possibilidade de
veicular outros matizes, outros conteúdos semânticos: as cláusulas mais encaixadas –
com função substantiva e adjetiva – não possuem outros matizes, além do de modo; as
cláusulas hipotáticas possuem outros dois matizes (o de comparação-hipótese e o de
negação); todas as cláusulas correlatas possuem, além do matiz de modo, o de adição; e
as cláusulas paratáticas possuem outros três matizes (exemplificação, adição e negação)
– cf. organograma 2, seção 6.2.2.4.
Observa-se que as cláusulas mais encaixadas são menos integradas semânticopragmaticamente – não veiculam outros matizes – e que as cláusulas que não envolvem
encaixamento são mais integradas semântico-pragmaticamente – possuem três matizes
além do de modo.
A combinação das análises feitas sob o ponto de vista sintático e o ponto de vista
semântico permitiu que se estabelecesse o continuum das cláusulas modais, que parte do
maior encaixamento sintático e menor integração semântico-pragmática até a ausência
de encaixamento sintático e maior integração semântico-pragmática.
As cláusulas encaixadas com função substantiva e adjetiva encontram-se em um
extremo do continumm que representa maior encaixamento e menor integração
semântico-pragmática. O grau de encaixamento vai diminuindo e o nível de integração
semântico-pragmática vai aumentando. Com isso, em um nível intermediário do
continumm, são encontradas as cláusulas hipotáticas e correlatas. Em um outro extremo
do continuum que representa ausência de encaixamento e maior integração semânticopragmática, encontram-se as cláusulas paratáticas (cf. esquema 4, cap. 5).
Este continuum permite afirmar que as cláusulas que manifestam a relação de
modo em português podem envolver diferentes processos sintáticos e podem evidenciar
diferentes graus de integração semântico-pragmática.
A pesquisa desenvolvida viabiliza uma visão mais apurada de cláusulas que
expressam a circunstância de modo. Isto já ajudaria alguns professores a terem um
194
material em que constassem informações a respeito de orações que veiculam esta ideia,
tendo em vista que as orações subordinadas adverbiais modais – um tipo de estrutura
analisada – geralmente não aparecem em livros didáticos. Além disso, este estudo pode
auxiliar no ensino de sintaxe do período composto. Primeiramente, porque ele mostra
que é possível analisar uma estrutura específica do ponto de vista sintático e do ponto de
vista semântico separadamente, assim como se podem estabelecer relações entre estes
dois tipos de análise.
Este trabalho também permite mostrar tanto ao professor quanto ao aluno que,
em muitos livros didáticos e em algumas gramáticas, tradicionais ou não, as
classificações propostas para as orações, por um lado, não esclarecem do ponto de vista
sintático o que deu origem às nomenclaturas utilizadas e, por outro lado, não levam em
conta vários aspectos semânticos que tornariam as análises do período composto mais
atraentes e mais condizentes com o real uso da língua.
Uma outra contribuição para a área da educação é alertar os envolvidos no / pelo
processo de ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa que as orações desenvolvidas
e reduzidas possuem comportamentos distintos. Geralmente, quando se ensina o período
composto, o professor, ao mostrar a diferença entre oração desenvolvida e oração
reduzida, atenta apenas para o que é mais evidente: o uso ou não de um verbo em uma
das formas nominais – infinitivo, gerúndio e particípio. Nesta tese, alguns critérios
foram utilizados para, entre outros objetivos, demonstrar os diferentes comportamentos
entre orações desenvolvidas e reduzidas: manutenção ou mudança de referente (sujeito)
e tipos semânticos de verbo.
Acredita-se que a investigação realizada aqui evidenciou, também, a necessidade
de se trabalhar de uma forma mais eficiente com os gêneros textuais. Muitas vezes, os
gêneros textuais, em sala de aula, são rotulados de acordo com as sequências tipológicas
predominantes. Encontram-se frequentemente comentários como: a notícia é um texto
narrativo, o editorial é um texto argumentativo, a receita é um texto injuntivo. Estas
generalizações deixam de explicitar, por exemplo, que a sequência narrativa pode ser a
sequência predominante em uma notícia. Verificou-se, nesta tese, ainda, que diferentes
tipos de cláusula com a noção de modo foram utilizados em sequências argumentativas,
mesmo tendo sido encontradas em um texto predominantemente narrativo como a
notícia.
195
Com isso, se espera que este estudo auxilie professores e alunos na descrição das
relações estabelecidas pelas orações no texto e co-texto de uso, e que encoraje outras
pessoas a realizar trabalhos semelhantes a este.
196
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Maria Luiza Braga - Faculdade de Letras