O DESAFIO DA INCLUSÃO DE ALUNOS COM SURDEZ NO ENSINO
FUNDAMENTAL
SANTOS, Amanda Carlou Andrade1 - UERJ
Grupo de Trabalho – Diversidade e Inclusão
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este estudo relata a trajetória de uma aluna incluída no sistema de ensino regular dentro da
perspectiva de educação inclusiva e tem como objetivo revelar como um caso específico de
inclusão pode mudar a história de um aluno, de sua família e de sua escola, a partir de um
trabalho perseverante e consciente. Utilizou-se como método a observação participante, troca
de informações e reuniões com toda a equipe da escola, sua família e entrevistas recorrentes
com a aluna, o que tornou possível inferir algumas hipóteses a partir da análise crítica do
relato de uma experiência prática de inclusão de uma aluna com surdez dentro do sistema de
ensino regular. Como este estudo vem mostrar, apesar de tão complexas as redes e atuações
que devem ser realizadas entre os profissionais envolvidos, família e escola, os benefícios
desta prática para inclusão escolar e social dos alunos com deficiência é notável. É
interessante perceber o quanto este tipo de prática pedagógica modifica todo o contexto
escolar colocando a inclusão em plano principal, mas deixando toda a escola à luz de novas
formas de lidar com os alunos e dos alunos lidarem com seu próprio processo de ensinoaprendizagem. Tendo como referencial teórico o programa federal Educação Inclusiva:
Direito à Diversidade (BRASIL, 2006), a Política de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) e a Declaração da ONU (Convenção Internacional sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência) esse estudo buscou pensar a educação escolar de
pessoas com surdez através da reflexão sobre os limites e dificuldades muitas vezes
impregnados de preconceitos socialmente construídos. Nesse sentido buscamos entender
como a inclusão escolar de alunos com surdez pode oportunizar o desenvolvimento da
aprendizagem através de práticas pedagógicas fundamentadas nos princípios da educação
inclusiva.
Palavras-chave: Inclusão. Surdez. Práticas pedagógicas.
1
Mestranda em Educação: Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil. Pedagoga responsável pelos
Núcleos de Apoio às Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNE) do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) - Brasil. E-mail: [email protected].
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Introdução
Nosso atual momento histórico é marcado pela intensificação das políticas de inclusão
social e educacional no Brasil. Desde 1990 estas medidas vêm sendo ampliadas através de um
conjunto de ações em âmbito federal que passaram a ser formalizadas através de várias
diretrizes e leis. Mas foi em 2006 que a política de educação inclusiva ganha maior
visibilidade em todo país, com o lançamento do programa federal Educação Inclusiva: Direito
à Diversidade (BRASIL, 2006).
Em 2007, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) estabelecia metas para o
acesso e a permanência no ensino regular de alunos com necessidades educacionais especiais.
Em consonância com o PDE, foi lançado em 2008, a Política de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). Este documento prevê o Atendimento
Educacional Especializado (AEE) e seus pressupostos para a inclusão orientando as redes de
ensino a se transformarem em sistemas educacionais inclusivos de acordo com os princípios
estabelecidos na Declaração da ONU (Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência) através do Decreto nº 6949 de 25 de agosto de 2009. Esta declaração
estabelece que: “as pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral
sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino
fundamental gratuito e compulsório, sob a alegação de deficiência”. O AEE fica, portanto,
definido como: “o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos
organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação
dos alunos no ensino regular” (Art. 1º, § 1º)
O Art. 2º da Resolução CNE/CEB nº 04/2009 aponta que: “O AEE tem como função
complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços,
recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação
na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem.”
A partir deste novo cenário de leis e políticas inclusivas os sistemas de ensino devem
se reconfigurar para atender às demandas de uma educação para todos. Assim, escolas de todo
Brasil tem ampliado os números de matrículas de alunos com necessidades educativas
especiais no sistema regular de ensino. Por isso, alunos com vários tipos de dificuldades,
transtornos e deficiência começam a fazer parte do ambiente educacional outrora reservado
apenas aos alunos ditos “normais”. E nesse bojo encontram-se as pessoas com deficiência
auditiva e surdez.
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Pensar a educação escolar de pessoas com surdez nos leva a pensar sobre seus limites
e dificuldades através de reflexões muitas vezes impregnadas de preconceitos socialmente
construídos. Esses indivíduos enfrentam diversas dificuldades para participarem da educação
escolar, oriundas das especificidades do limite que a perda auditiva ocasiona e ainda, através
da forma como as propostas educacionais das escolas são estruturadas. Muitos alunos com
surdez acabam sendo prejudicados pela falta de estímulos adequados ao seu potencial
cognitivo, sócio-afetivo, lingüístico e político-cultural. Isto pode acarretar perdas
consideráveis no desenvolvimento da aprendizagem, deixando esses alunos em defasagem em
relação aos demais colegas de escola. (DAMÁZIO, 2005)
Considerando que Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva apresenta um novo paradigma em relação à deficiência, colocando a pessoa em
lugar de destaque, é preciso frisar que os sistemas de ensino deverão discutir seu lugar e
significado, para que de acordo com esta perspectiva, oportunizem culturas e práticas
pedagógicas que considerem o indivíduo e todas as suas potencialidades e possibilidades, e
não apenas sua deficiência.
A escolarização de pessoas com surdez no paradigma inclusivo apresenta-se como
uma forma de superar os estigmas a que estas pessoas são submetidas. Considerar a pessoa
prioritariamente é conceber o ser humano através de todas as suas potencialidades e
capacidades, entendendo que este é dotado de várias características que não só a surdez
propriamente dita (DAMÁZIO, 2007). Assim como, desconsiderar marcadores identidários
que reforcem e caracterizem principalmente a deficiência (o surdo, língua surda, sujeito surdo,
deficiente auditivo). Incorporar uma nova concepção que compreenda a pessoa completa
significa assumir outra postura e uma nova política realmente comprometida com a educação
inclusiva das pessoas com surdez.
Alguns autores entendem que:
O fracasso do processo educativo das pessoas com surdez é um problema resultado
das concepções pedagógicas de educação escolar adotadas pelas escolas e de suas
práticas. O foco do trabalho deve ser a transformação das suas práticas pedagógicas
excludentes em inclusivas, pois se compreende o homem como um ser dialógico,
transformacional, inconcluso, reflexivo, síntese de múltiplas determinações num
conjunto de relações sociais, com capacidade de idealizar e de criar. (ALVEZ,
DAMÁZIO e FERREIRA, 2010, p. 17)
Ou seja, o fracasso escolar da pessoa com surdez, como em tantos outros casos, está
muito mais pautado na qualidade das práticas educativas, e não tem necessariamente relação
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direta com sua diferença característica, relacionada ao uso da LIBRAS ou de formas
alternativas de comunicação, ou quem sabe a alguma diferença cultural.
Nesse sentido considera-se então que promover a inclusão da pessoa com surdez é,
antes de tudo, olhar a pessoa, partilhar com ela, conhecê-la e senti-la em toda sua plenitude.
Se a escola de hoje pensar sua prática a partir de tais pressupostos teremos enormes
possibilidades educacionais inclusivas para o sucesso de todos os alunos. A transformação da
escola e de suas práticas pedagógicas está intimamente ligada com a apropriação do conceito
daquilo que é essencialmente humano, o ser como um todo, emaranhado numa rede de
significados multivariada que torna impossível uma visão simplificada e preconceituosa sobre
essa ou aquela característica de um indivíduo. (DAMÁZIO, 2007)
Consideramos fundamental a escolha de práticas pedagógicas inclusivas que
possibilitem o amplo desenvolvimento das capacidades e habilidades dos alunos com
propostas que estejam fundamentadas na aquisição dessas possibilidades para a inserção real
na vida em comunidade. Para tanto há de se fazer um debate mais aprofundado sobre algumas
questões específicas relacionadas à inclusão das pessoas com surdez, dentre elas: oralismo,
bilinguismo e comunicação total.
Oralismo: prática que apresenta como objetivo principal capacitar a pessoa com
surdez para a utilização da língua em sua modalidade oral, privilegiando a língua portuguesa
no padrão do ouvinte, considerando esta como sua melhor possibilidade lingüística. Adquirese através de técnicas que permitam o desenvolvimento da voz e da leitura labial em situações
de aprendizagens pautadas na lógica da reabilitação e da naturalização biológica.
(DAMÁZIO, 2007)
Em algumas escolas ainda encontramos práticas que utilizam o oralismo em sua
proposta pedagógica, colocando a pessoa com surdez em ampla desvantagem no processo
ensino- aprendizagem já que esta tendência não é significativa para esse aluno por não haver
compreensão da lógica grafema/fonema.
Comunicação total: considera as características da pessoa com surdez na busca pela
potencialização do ser social nos aspectos cognitivo, lingüístico e afetivo, utilizando todo tipo
de recurso necessário para a promoção da comunicação, porém de forma associada ao
oralismo e não valorizando a Língua de Sinais. Este tipo de comunicação é bastante
incentivada partindo-se da premissa que, dessa forma, os alunos se entendem “do seu jeito”,
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discurso que lamentavelmente ainda se escuta por parte de muitos profissionais que atuam
junto a estes alunos.
Bilinguismo: prima por oportunizar uma comunicação estruturada e inclusiva da
pessoa com surdez, no ambiente escolar e na vida em comunidade. Promovendo a utilização
das duas línguas: língua de sinais e da comunicação ouvinte, em uma proposta fundamentada
no respeito à língua natural, de uma maneira que possibilite a aprendizagem em ambientes
acadêmicos.
Como prática pedagógica inclusiva para a pessoa com deficiência auditiva, o AEE
deve ser ofertado privilegiando as potencialidades e capacidades do aluno, de forma a
promover o desenvolvimento e aprendizagem através de uma proposta de educação bilíngue
que perpasse todo o processo educativo, viabilizando a construção dos saberes, tendo como
parceiros os professores de turma regular e demais envolvidos no processo pedagógico.
Este estudo relata a trajetória de uma aluna incluída no sistema de ensino regular
dentro desta perspectiva e tem como objetivo revelar como um caso específico de inclusão
pode mudar a história de um aluno, de sua família e de sua escola, a partir de um trabalho
perseverante e consciente.
Método
Este estudo é o relato e a análise crítica de uma experiência prática de inclusão de uma
aluna com surdez dentro do sistema de ensino regular do município do Rio de Janeiro.
Através de observação participante, troca de informações e reuniões com toda a equipe da
escola, sua família e entrevistas recorrentes com a aluna, foi possível inferir algumas
hipóteses e avaliar os resultados obtidos.
Resultado
Janaína é uma menina tranquila de 17 anos de idade, com surdez e que foi incluída em
turma regular depois de freqüentar a classe Especial durante cinco anos. Com 13 anos de
idade, começou o 4º ano do ensino fundamental. Atualmente está no 8º ano, ainda na mesma
unidade.
É a filha mais velha de um total de quatro irmãs. Sendo a única pessoa com surdez na
família, seus familiares não compreendem a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e por isso,
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têm dificuldade em se comunicar com ela. A mãe relatou ainda que tentou fazer um aborto
quando estava grávida da menina com remédios.
A decisão de incluir a aluna em uma turma regular foi tomada em conjunto com a
professora da classe especial, a equipe pedagógica da unidade e a equipe de educação especial
da 3ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) ligada ao Instituto Helena Antipoff. Esta
decisão teve como pano de fundo a intensificação da política de educação inclusiva no
município do Rio de Janeiro a partir do ano de 2009.
Inicialmente a aluna apresentou algumas dificuldades tanto pedagógicas quanto de
socialização: “Na escola gosta de participar de todas as atividades embora não goste de ficar
em evidência diante da turma, prefere não apresentar os trabalhos junto com o grupo. Aceita
participar e colabora de forma significativa na produção das mesmas, mas resiste em se
colocar diante de todos os alunos. Aparenta ter insegurança em relação a sua forma de
comunicação (a aluna se comunica através de LIBRAS- Linguagem Brasileira de Sinais), mas
esta insegurança não a impede de se comunicar com os outros alunos da turma, em especial o
grupo com quem realiza os trabalhos, são 3 meninas com quem a aluna tem bastante afinidade
sendo que uma delas também tem surdez mas sem o uso de LIBRAS.” Este trecho do relato
da professora que realizava o AEE da aluna no seu primeiro ano de inclusão no ensino regular
mostra que apesar de compreender o uso de LIBRAS a aluna tem apresentado alguma
dificuldade na fluência dessa língua pois não convive com outras pessoas a utilizem.
Durante o primeiro semestre a aluna continuou apresentando dificuldades e um fator
que chamava a atenção era a “vontade de aprender” e a aparente satisfação em participar deste
novo ambiente. Sua professora registra que: “Na sala de recursos muitas vezes a aluna pede
que lhe explique os conteúdos que não compreendeu durante as aulas, diante dessas
necessidades criou o hábito de procurar a sala de recursos sempre, mesmo fora do seu horário,
utiliza para isso o horário da merenda e os tempos vagos (quando tem). É uma aluna que
expressa muita vontade de aprender, fato este que a faz receber elogios de muitos
professores.”
Iniciado o segundo semestre a escola recebeu um instrutor de Libras que passou a
ajudar a aluna no aprofundamento dessa língua, fato este que contribuiu para alguns avanços
comunicacionais. A aluna passou então a solicitar constantemente um intérprete, já que o
instrutor (pessoa com surdez) a auxiliava no aprofundamento de LIBRAS, mas ainda havia
problemas para Janaína compreender o que os professores falavam, o que demandava ajuda
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constante dos amigos para realização das atividades. Os professores também relatavam que a
barreira da comunicação era um complicador no aprendizado da aluna e para tentar solucionar
a questão utilizavam a sala de recursos como apoio de suas aulas, descaracterizando um pouco
a função desse atendimento.
Observou-se ainda que ao frequentar mais constantemente a sala de recursos, também
fora dos horários reservados para o seu atendimento, Janaína recusava-se a participar dos
momentos de interação junto a sua turma nos intervalos, tempos vagos, etc. A professora do
AEE percebeu que isso acontecia devido aos problemas de comunicação entre ela e o restante
do grupo. E acabava por aumentar essa barreira, visto que a comunicação acontecia mais
raramente.
No primeiro ano no ensino regular a aluna frequentava o atendimento fonoaudiológico
no posto de saúde próximo à escola e anteriormente chegou a ser atendida por psicólogo, mas
interrompeu o tratamento por “não entender nada que ele falava”.
O AEE elaborou um plano de atendimento individualizado para a aluna de forma a
oportunizar suporte necessário e adequado às suas condições e necessidades. A partir de
habilidades observadas pela professora do AEE foi possível construir estratégias de ação
fundamentais para o progresso escolar da aluna. Segue trecho do relatório de observação
inicial da aluna: “As atividades que a aluna mais gosta são as relacionadas às aulas de
matemática e artes, tem muitas habilidades manuais, gosta de pintar, confeccionar maquetes e
cartazes, adora usar o computador tanto para as atividades como também para
entretenimento.”
No último bimestre chegou à escola, contratada pela Prefeitura do Rio de Janeiro, uma
profissional intérprete de LIBRAS para atuar junto a aluna nas aulas regulares. Essa
profissional passou a atuar diariamente em todas as disciplinas, sua função era interpretar o
que os professores falavam e oralizar as informações que a aluna desejasse durante as aulas.
A modificação da aluna passou a ficar cada vez mais evidente. Agora frequentando o
8º ano do ensino fundamental, a aluna se mostra mais confiante e segura em todas as
atividades e momentos vivenciados na escola. Toda essa mudança de atitude levou a aluna a
se encorajar e concorrer a uma vaga no Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE),
atualmente a aluna faz parte de um projeto da empresa Nova Rio de inserção do jovem no
mercado de trabalho, frequenta nesta instituição um curso de auxiliar administrativo, duas
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vezes por semana e trabalha utilizando os conhecimentos aprendidos, uma vez por semana
também nessa mesma empresa.
Segue um trecho do relatório final de desempenho da aluna ao final do 6º ano: “O
progresso da aluna tem sido evidente, iniciou o ano letivo com conceito global I (insuficiente)
porém, após começar a freqüentar a sala de recursos e, além disso, obter também o apoio do
instrutor de LIBRAS, a aluna vem aumentando o seu conceito. No segundo bimestre foi
avaliada como regular (R) e no terceiro bimestre obteve conceito B (Bom), agora está na
expectativa de aumentar ainda mais.”
Os outros alunos da turma começaram a se interessar pela linguagem utilizada pela
aluna e demonstram interesse em aprender LIBRAS. Em virtude deste fato, foi implementado
na escola um curso de LIBRAS para os alunos da turma de Janaína e a adesão foi imensa. Isso
tem contribuído muito para a melhora da auto-estima da aluna.
Um dado importante a ser considerado nesse processo é a família da aluna que,
embora muitas vezes demonstrasse satisfação com o progresso de Janaína, tentou por muito
tempo uma vaga no INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos) pois acreditavam que
ela estaria melhor numa escola “especial”, termo usado pela mãe. Nesses momentos sempre
foram apresentados todo o empenho pedagógico em favor da aluna nos últimos anos e a
melhoria real do seu desenvolvimento. Este ano a aluna é uma aluna considerada com bom
desempenho pela maioria dos professores. Seu exemplo tem motivado os alunos a se
dedicarem mais nas suas atividades. Os professores relatam que sempre fazem discursos
motivacionais junto aos alunos da escola como um todo pontuando o exemplo da Janaína. E
sua família entendeu que a escolha de deixá-la na escola regular foi mais acertada para ela.
Atualmente a aluna tem feito planos para o Ensino Médio, pretende realizar o curso de
formação de professores e atuar no magistério das séries iniciais.
O curso de LIBRAS continua acontecendo na escola, quatro vezes na semana. Ao
longo da trajetória inclusiva da Janaína foram matriculados mais três alunos com surdez nesta
escola e optaram por esta unidade por terem recebido informações sobre a forma como a
inclusão da aluna vem acontecendo.
Este ano a unidade escolar iniciou com quatro professores para atuarem em suas duas
Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), um instrutor de LIBRAS em horário integral, uma
intérprete e quatro alunos incluídos com deficiência auditiva na unidade e mais uma aluna de
uma escola vizinha. A equipe ainda busca conseguir um novo profissional intérprete para
20760
atender sua demanda. Também em 2013, foi agraciada com Pólo de Libras que a torna
referência na região e busca ampliar seu projeto intensificando o curso de LIBRAS para toda
a comunidade e levando seus alunos a participar dos eventos escolares sempre com
apresentações que agregam a música, a dança e a Língua Brasileira de Sinais.
Discussão
Em virtude da problemática da aluna: sua dificuldade de comunicação com colegas,
professores e até mesmo sua família, sendo surda num contexto em que todos são ouvintes e
não tem acesso às formas de comunicação que Janaína compreenderia, destaca-se a dedicação
e a consciência de seus professores que iniciaram uma parceria que iria mudar a vida e os
relacionamentos da aluna. Mais ainda, que modificou a história da escola e da comunidade a
que ela pertence.
O eficiente trabalho do tripé necessário ao atendimento da pessoa com surdez no
sistema regular de ensino (AEE, instrutor e intérprete) possibilitou significativo avanço no
desenvolvimento da aluna. Estes três profissionais passaram a atuar em conjunto, planejando
e discutindo as etapas do processo pedagógico vivenciadas pela aluna bem como questões
relacionadas as suas dificuldades, necessidades e potencialidades.
Entendendo que devem ser disponibilizados ao aluno com surdez no AEE três
momentos que serão norteadores deste atendimento (DAMÁZIO & FERREIRA, 2010): AEE
de LIBRAS, AEE em LIBRAS e AEE em Língua Portuguesa, podemos inferir de que forma
estes atendimentos foram significativos para a melhora no desempenho escolar da aluna como
um todo.
O AEE de Libras viabiliza a aquisição e aprofundamento da língua através de práticas
significativas e motivadoras. O profissional planeja o ensino da língua utilizando diferentes
estratégias e oportunidades de aprendizado tais como: referência visual, anotação em Língua
Portuguesa, dactilologia, parâmetros primários e secundários, classificadores e sinais. É
importante também a elaboração e preparação do material didático para que este atenda as
necessidades de apoio visual e vivências práticas concretas dos temas trabalhados, além da
avaliação inicial e o respeito ao estágio de desenvolvimento na língua pelo aluno.
O AEE em Libras prioriza as habilidades e possibilidades dos alunos para promover o
desenvolvimento das estruturas de aprendizagem em todo seu potencial, em consonância com
a avaliação inicial e através da parceria com os professores para discussão constante sobre os
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conteúdos curriculares, objetivando o estudo de termos específicos e ampliação do
vocabulário com a oferta de recursos didáticos apropriados para a efetivação do aprendizado.
Assim como o AEE de Libras, deverá ocorrer no horário oposto ao da escolarização e
orientar-se pela concepção bilíngue, contribuindo desta forma para maior participação do
aluno junto a sua turma.
O AEE em Língua Portuguesa tem como objetivo a aquisição da leitura e escrita da
língua objetivando o desenvolvimento da competência linguística e textual da pessoa com
surdez, oportunizando o bom desempenho das aprendizagens acadêmicas e maior participação
na vida social. Deverá ser ofertado no turno oposto ao da turma regular, em parceria com o
corpo docente, permitindo inclusive a leitura labial (quando desenvolvida) como canal de
comunicação junto a leitura e escrita em seus diferentes níveis de letramento.
Além do trabalho feito diretamente com a aluna em sala de aula e no AEE, os
professores da turma, o instrutor de LIBRAS e as duas professoras da sala de recursos da
escola iniciaram um processo de sensibilização em LIBRAS com todos os alunos da turma da
aluna incluída. E foi tão eficaz que mais tarde esta iniciativa culminou na ampliação do curso
de LIBRAS para outras turmas dessa unidade escolar, que hoje é considerada a escola pólo de
Libras da região. Esta ação foi não só importante para derrubar as barreiras comunicacionais
entre a aluna, os colegas de turma, seus professores e demais funcionários da unidade escolar,
como também para intensificar a discussão sobre inclusão na escola e propor novas práticas
de inclusão.
Pensando em termos específicos do caso estudado, a consolidação do curso de
LIBRAS dentro da unidade escolar também foi outro fator que deu visibilidade para as
habilidades de Janaína que passou a ser percebida como alguém que tinha algo a ensinar. Os
alunos a solicitavam o tempo todo em relação aos sinais aprendidos nas aulas e criavam
estratégias para conversarem sobre diferentes assuntos.
Conclusões
O decreto 7611 de 17 de novembro de 2011 prevê, em seu art. 1º inciso VI, a “adoção
de medidas de apoio individualizadas e efetivas, em ambientes que maximizem o
desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena”.
Neste sentido, o plano de atendimento individualizado se caracteriza como
instrumento orientação para as ações que serão desenvolvidas pelo AEE e servirá de suporte
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também para as intervenções junto aos professores e demais elementos da comunidade
escolar, nesta perspectiva, este instrumento oportunizará que sejam respeitadas as
individualidades dos alunos de forma que suas potencialidades sejam valorizadas e suas
necessidades sejam atendidas a partir dos objetivos estabelecidos dentro do contexto
educacional vivenciado pelo aluno levando-se em consideração toda sua trajetória de
desenvolvimento.
Na construção do Plano de Atendimento individualizado o professor do AEE deverá
obter a maior quantidade de informações possíveis sobre o aluno e seu contexto educacional,
familiar e social a fim de poder elaborar um plano que realmente atenda as características
individuais de cada aluno. É importante destacar que não existe uma receita ou roteiro para se
construir um plano de atendimento individualizado. O professor de AEE deverá eleger pontos
que considera relevantes para a construção do plano a partir da observação inicial e dos
levantamentos de informações que possuir sobre o aluno alvo de sua ação. Alguns aspectos
podem fazer parte da construção do plano, tais como: dados de identificação do aluno,
objetivos gerais e específicos, forma de organização do atendimento, atividades que serão
desenvolvidas, materiais a serem produzidos, materiais e equipamentos a serem adquiridos,
parcerias necessárias, profissionais que receberão orientações, formas de avaliação dos
objetivos e resultados alcançados, entre outros.
Todos estes aspectos não são rígidos ou estabelecem uma ordem, eles podem ser
alterados modificados ou reinventados pelo professor de AEE, que é quem poderá definir com
mais precisão que aspectos serão mais relevantes para a eficiência da sua ação. Os professores
das turmas regulares que atuam junto aos alunos do AEE também são elementos
fundamentais na elaboração de um plano de atendimento educacional individualizado que
realmente contribua para a superação das dificuldades e desenvolvimento das potencialidades
de cada um.
Como este estudo vem mostrar, apesar de tão complexas as redes e atuações que
devem ser realizadas entre os profissionais envolvidos, família e escola, os benefícios do AEE
para inclusão escolar e social dos alunos com deficiência é notável. Mas além disso, é
interessante perceber o quanto este tipo de prática pedagógica modifica todo o contexto
escolar colocando a inclusão em plano principal, mas deixando toda a escola à luz de novas
formas de lidar com os alunos e dos alunos lidarem com seu próprio processo de ensinoaprendizagem.
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REFERÊNCIAS
ALVEZ, C. B., FERREIRA, J. P., DAMÁZIO, M. M. A Educação Especial na Perspectiva
da Inclusão Escolar: abordagem bilíngue na escolarização de pessoas com surdez. Coleção:
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Brasília: MEC/SEESP, 2006.
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________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de
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DAMÁZIO, M. M. e FERREIRA, J. P. Educação Escolar de Pessoas com Surdez–
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________. Educação Escolar Inclusiva das Pessoas com Surdez na Escola Comum: Questões
Polêmicas e Avanços Contemporâneos. In: Seminário Educação Inclusiva: Direito a
Diversidade. Anais... Brasília: MEC, SEESP, 2005.p.108-121
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