Anne Karpf é escritora, socióloga da saúde e jornalista premiada.
É colaborada da revista Cosmopolitan, e escrevia uma coluna semanal na seção de família do Guardian, para o qual agora contribui
com colunas sobre assuntos sociais, políticos e culturais. Também
escreve para o Independent on Sunday e outras publicações. Locutora, escreve e apresenta um programa na BBC Radio 4 e é autora de
três livros, incluindo The Human Voice (2007). Karpf é professora
adjunta de redação profissional e pesquisa cultural na London Metropolitan University.
The School of Life se dedica a explorar questões fundamentais
da vida: Como encontrar satisfação no trabalho? É possível compreender nosso passado? Por que é tão difícil administrar relacionamentos?
Se pudéssemos mudar o mundo, deveríamos mudá-lo? Com sede em
Londres e escritórios em vários países, The School of Life oferece
aulas, terapias, livros e outras ferramentas para ajudá-lo a ter uma
vida mais plena. Não temos todas as respostas, mas guiaremos você
a uma variedade de ideias relacionadas às ciências humanas — da
fi losofia à literatura, da psicologia às artes visuais — para estimular,
provocar, nutrir e consolar.
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Como envelhecer
Anne Karpf
Tradução: Michele Gerhardt
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Copyright © Anne Karpf, 2014
Publicado primeiramente em 2014 por Macmillan, um selo da Pan
Macmillan, uma divisão da Macmillan Publishers Limited.
Todos os direitos reservados.
Todos os direitos desta edição reservados à
Editora Objetiva Ltda.
Rua Cosme Velho, 103
Rio de Janeiro — RJ — Cep: 22241-090
Tel.: (21) 2199-7824 — Fax: (21) 2199-7825
www.objetiva.com.br
Título original
How to Age
Capa
Adaptação de Trio Studio sobre design original de Marcia Mihotich
Projeto gráfico
Adaptação de Trio Studio sobre design de seagulls.net
Revisão
Tamara Sender
Ana Grillo
Fatima Fadel
Editoração eletrônica
Trio Studio
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
K28c
Karpf, Anne
Como envelhecer / Anne Karpf ; tradução Michele
Gerhardt. – 1. ed. – Rio de Janeiro : Objetiva, 2015.
192p. (The School of Life)
Tradução de: How to Age
ISBN 978-85-390-0655-7
1. Sucesso. 2. Comportamento humano. I. Título. II.
Série.
14-18871
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Sumário
Introdução
1. O que é envelhecer?
9
23
2. Medo de envelhecer
39
3. Abraçando a idade
67
4. Entre as idades
93
5. Idade e gênero
123
6. Um capítulo bem curto sobre a morte
147
7. Arco da vida
155
Conclusão
173
Dever de casa
181
Agradecimentos
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Para Peter
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“Oh, Deus! Possa eu estar vivo quando morrer.”
Donald Winnicott
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Introdução
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É a manhã do trigésimo aniversário de Gina, o que seus cabelos
gentilmente não a deixam esquecer: ela encontra o segundo fio
branco. No trabalho, há dois cartões de aniversário sobre a sua
mesa. O primeiro diz: “Não precisa se torturar só porque está fazendo 30 anos… a vida se encarregará disso!” O segundo não tem
nada escrito, traz apenas uma reprodução do quadro O grito de
Edvard Munch com o número 30 sobreposto.
O namorado de Gina, Jack, não ajuda muito. No seu aniversário de 40 anos no mês anterior, o cartão do melhor amigo dele
dizia: “Tem 40 anos? Bem… você ainda é jovem o suficiente para
viver um pouco… mas se apresse!”, e a mensagem do cartão que o
irmão dele enviou era: “Feliz aniversário… e alegre-se! Logo você
vai amar ter 40… daqui a dez anos quando descobrir que está
fazendo 50!”
Nem Gina nem Jack falaram para seus amigos e familiares
como se sentiram constrangidos com esses cartões; sabiam que
só serviria para motivar aqueles mantras dos passivo-agressivos:
“Onde está seu senso de humor?” ou “Não aceita uma brincadeira?”. Mas você não precisa ter lido Os chistes e sua relação com o
inconsciente de Freud (mas se não leu, leia — está cheio de boas
piadas) para saber que o humor é uma forma pela qual lidamos
com a ansiedade e a controlamos.
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Como envelhecer
Os pais de Gina também não ajudam muito. Sua mãe, Sara, de
56 anos, entre as aulas de Pilates e as consultas para aplicação de
colágeno, está arrumando as malas para passar o fi m de semana
em um spa, enquanto seu pai, Clive, de 62 anos, vai sair para andar
de jet ski, após assistir à palestra do autor de Generation Ageless
[Geração sem idade].
Embora os pais de Gina possam aparentar terem dissipado
quaisquer ansiedades sobre envelhecer — removendo-as a laser junto com as rugas de suas testas —, na verdade, Gina e Jack e os pais
dela estão sofrendo da mesma dolorosa condição: um medo profundo de envelhecer.
Se as previsões demográficas estiverem certas, Gina e Jack podem muito bem viver até os 100 anos: isso significa que ainda vão se
preocupar por muito tempo. Os pais de Gina, porém, se convenceram de que, tendo nascido na geração dos baby boomers, extirparam
o envelhecimento, seu pai sempre insistindo — igual a Mick Jagger
— que seus pés de galinha são apenas linhas de expressão causadas
pelo riso. (Ele claramente nunca ouviu falar da resposta do escritor e
músico George Melly a Jagger: “Nada é tão engraçado assim.”)
Ambas as gerações dessa família monitoram seus corpos em
busca de sinais de envelhecimento: para se sentir bem, a mãe de
Gina se compara com aquelas pessoas que aparecem nas listas dos
sites de Celebridades que Não Envelheceram Bem, enquanto Gina
está apreensiva de que seu aniversário marque o começo de um processo inexorável de declínio. Os pais negam o fato de que estão envelhecendo; a fi lha tem pavor disso.
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Introdução
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Uma terceira abordagem para o envelhecimento
Essa família, porém, não inventou todas essas narrativas punitivas
do nada: elas foram historicamente determinadas e culturalmente moldadas. E até nas culturas ocidentais existe hoje uma terceira forma de ver o processo de envelhecimento, em que se começa
questionando a própria ideia da idade avançada como uma entidade
homogênea — um planeta Velho, do qual uma pessoa se torna automaticamente cidadã em seu aniversário de 50 ou 60 anos ou, se você
é pessimista, uma ou duas décadas antes.
É um absurdo da nossa parte encarar os 40 ou 50 ou 60 até os
100 anos como uma coorte única — não menos ridículo do que entender as idades entre 0 e 40 da mesma forma! Ah, você pode discordar, mas essas primeiras quatro décadas são de imensa mudança. E
aqui esmiuçaremos um dos preconceitos mais arraigados sobre o
envelhecimento — de que é um momento de estagnação. Ou, se não
de estagnação, de mudança em apenas um sentido: o do declínio. De
fato, como veremos, envelhecer pode ser altamente enriquecedor,
uma época de enorme crescimento.
Além disso, em uma coisa todos os mais importantes pesquisadores concordam: que nos tornamos mais, e não menos, distintos
conforme envelhecemos. A idade não apaga nossas características
individuais e identidades — pelo contrário, ela as engrandece. Na
verdade, existem muito mais diferenças entre indivíduos de um mesmo grupo etário do que entre os grupos etários: um homem londrino saudável, branco, de classe média, com 72 anos, provavelmente
tem mais em comum com um homem londrino, branco, de classe
média, com 32 anos, do que com uma mulher negra, de 72 anos,
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subnutrida, que mora na zona rural de alguma cidade do Equador, que tenha oito fi lhos e cuide de quatro netos. E nenhum deles
certamente vê a idade como sua característica mais significativa.
(De fato, renda, raça e classe social são provavelmente muito mais
expressivas.)
Isso pode surpreender Gina, que acha que, ao receber seu passe livre de ônibus, se tornará nada além de velha — que todas as
suas outras características, idiossincrasias e história pessoal serão
apagadas ou subordinadas à carapaça asfi xiante de VELHA, que já
começou a lançar sombra sobre a sua vida de trintona. Quem não
teria medo?
Se a idade é tudo para Gina, não é nada para a mãe dela, que se
recusa a fazer qualquer concessão à idade, como se o menor sopro
de reconhecimento do processo pudesse, de alguma forma mágica,
acelerá-lo. Portanto, condena a si mesma a gastar vasta quantidade
de energia na luta contra o envelhecimento, energia que ela poderia
dedicar a viver de forma mais plena.
Mas a terceira abordagem, explicada com detalhes neste livro, é
muito mais positiva e sedutora. Ela vê o envelhecimento como um
processo que dura a vida toda, não algo confinado aos seus estágios
mais avançados, e como uma oportunidade para se desenvolver —
na realidade, uma parte verdadeiramente intrínseca da vida. Para
começarmos a trilhar esse caminho, precisamos quebrar o tabu do
envelhecimento e aceitar que envelhecer é inevitável — se tivermos
sorte. Uma vida longa significa que somos privilegiados, pelo acaso
genético, pela afluência ou por mera sorte. Woody Allen insistia em
dizer que não tinha nada contra o envelhecimento “já que ninguém
tinha descoberto uma forma melhor de não morrer jovem”.
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Introdução
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Esse reconhecimento do envelhecimento envolve luto, porque
existem perdas inevitáveis associadas a ele, devido à função (nenhuma pessoa de 50 anos de idade vai vencer Wimbledon, e logo depois
dos 35 anos provavelmente já não terá mais chances), ou à morte de
amigos e familiares, ou ao reconhecimento da própria condição de
mortal. Mas, embora o luto seja doloroso — significa tolerar a tristeza —, a ideia de que o envelhecimento não é nada além de uma
trajetória de declínio é extremamente equivocada.
Os ganhos da idade
De fato, uma vez que nos livramos do modelo “deficitário” do envelhecimento, fica claro que a natureza costuma ser mais equitativa
do que supúnhamos: recentes pesquisas neurológicas mostram que
o cérebro da meia-idade — aproximadamente entre os 35 e os 65, ou
até mais — é muito mais elástico do que a maioria de nós acreditava.
A memória de curto prazo pode diminuir, mas as conexões entre o
que retemos se tornam melhores. Winston Churchill se tornou primeiro-ministro aos 66 anos e o arquiteto Frank Lloyd Wright concluiu o projeto de sua obra-prima, o museu Solomon Guggenheim,
em Nova York, quando tinha 80 anos.
A história mundial está cheia de desenvolvedores tardios —
não necessariamente indivíduos excepcionais em busca de feitos
que quebrem recordes, mas pessoas comuns que encontraram
formas originais de desenvolver novas capacidades e novos relacionamentos, que compreendem que podemos continuar crescendo enquanto continuamos a respirar, e que alguns aspectos
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do nosso ser, como crescimento espiritual, levam tempo. Sem
dúvida, para muitos de nós, esse tipo de crescimento é uma das
inesperadas recompensas do envelhecimento, e que pode começar a se desenvolver até quando somos jovens adultos. Na pesquisa para este livro, entrevistei pessoas de todas as idades. O
impressionante é como quase todos se sentem engrandecidos, e
não diminuídos, com o envelhecimento.
O envelhecimento, se permitirmos, nos fornece um panorama
em constante mudança, algo que as caricaturas da idade obscurecem ou simplificam. Por exemplo, não somos simplesmente fi lhos
e depois adultos: as relações com os pais e a luta para se separar
deles podem se arrastar pelos 20 e poucos anos e até por mais tempo que isso. Ainda assim, não existe uma palavra para designar a
descendência adulta. É como se não concebêssemos que o laço paifi lho perdure além da infância, e por isso não existe a necessidade
de uma palavra além de “fi lhos adultos”, um termo que soa como
um paradoxo.
Apesar do título deste livro, que tem a intenção de desafi ar a
ideia de que a única forma boa de envelhecer é não envelhecer,
ele não fornece uma receita de bolo ou uma prescrição médica;
pelo contrário, este livro se desenvolve a partir da crença de que
precisamos nos libertar das ideias predeterminadas de como
uma pessoa mais velha, ou mesmo mais jovem, deve parecer,
soar ou viver. O psicanalista Donald Winnicott afi rmou que viver
criativamente envolve reter algo pessoal que seja inequivocamente você. A visão de envelhecimento que este livro encoraja e sobre
a qual reflete, embora nunca esconda algumas das indignidades
e desafios da idade avançada, vê a continuidade do nosso eu mais
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Frank Lloyd Wright concluiu o projeto de sua obra-prima, o museu Solomon
Guggenheim, em Nova York, quando tinha 80 anos.
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jovem e mais velho: continuamos sendo nós mesmos por toda a
vida, apenas mais velhos. Ainda mais importante, o envelhecimento nos dá a oportunidade — que foi identificada pela escritora May Sarton em seu esclarecedor livro de memórias At Seventy
[Aos setenta], em que fez uma crônica do ano que começou no
seu aniversário de 70 anos — de sermos totalmente nós mesmos:
mais, e não menos, indivíduos. Envelhecer, em cada estágio da
vida, pode ser altamente enriquecedor.
Se Gina conseguir superar o medo, irá perceber que isso já começou a acontecer: que ela, na verdade, está mais satisfeita com
sua vida aos 30 do que aos 20 — entende melhor a si mesma, seus
relacionamentos estão mais sólidos. O medo que Gina tem de envelhecer é direcionado a alguma mudança sem forma, assustadora
e maligna, que a impede de apreciar os benefícios que ela já colheu
do processo de envelhecimento. É como se houvesse uma dissonância cognitiva acontecendo, que leva Gina a assumir simultaneamente duas atitudes contraditórias: ela está com medo do que
já começou, de forma um tanto benigna, a acontecer. Ela está envelhecendo com vitalidade, mesmo temendo ficar mais velha.
Winnicott também afi rmava que a vida criativa acabava surpreendendo. A capacidade de se surpreender, de ser curioso e
dedicado não é uma prerrogativa de pessoas jovens (devemos
recusar o termo “os jovens” com a mesma veemência que nos
recusamos a falar “os velhos” — é uma forma de resistir à tendência de homogeneização), e pode, sim, se intensificar conforme
ficamos mais velhos.
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Introdução
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Acolhendo a idade em si
Ao tentar não associar idade a uma patologia, precisamos fazer uma
importante diferença entre resistir à discriminação com base na idade e resistir à idade em si. A primeira abre a porta para um caminho
com um rico potencial, nos libertando para que continuemos nos
desenvolvendo e mudando, enquanto a segunda fecha essa porta,
nos condenando a uma tentativa inútil de recuperar o irrecuperável.
Também precisamos compreender como, segundo a autora Margaret Morganroth Gullette, somos “envelhecidos pela cultura”. Nas
sociedades ocidentais, temos a tendência a pensar no envelhecimento em termos biomédicos, como uma condição fisiológica. E é claro
que somos criaturas corpóreas, o estado de nosso corpo tornando
certas atividades possíveis e impossibilitando outras. Mas um fator
igualmente, se não mais, crucial que modela a forma como envelhecemos é a cultura em que vivemos: não apenas a sua atitude em
relação ao envelhecimento, mas também sua política. Para um grande número de pessoas, envelhecer significa empobrecer, o que, por
sua vez, impede os mais velhos de viver os prazeres e a plenitude da
vida. Quanto mais sonoramente promovermos a terceira abordagem
ao envelhecimento, aquele que o adota e o enxerga como um processo de toda a vida, mais evidente ficará que a pobreza não é intrínseca
ao envelhecimento, e sim o resultado de políticas e práticas que expressam desprezo e indiferença às pessoas mais velhas e ao próprio
processo de envelhecimento — e ao qual todos nós podemos resistir,
independentemente da idade.
Nos capítulos a seguir, apresento a ideia de envelhecimento
como um processo que dura a vida toda e que deve ser comemorado,
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e falo sobre o medo do envelhecimento — encarnado em Gina e em
seus pais — que impregna nossos pensamentos. Em seguida, ofereço exemplos estimulantes de pessoas que aceitam o envelhecimento
e reflito sobre como podemos seguir seus passos. Também descrevo mudanças históricas e culturais em relação às posturas em face
do envelhecimento e mostro como a segregação devido à idade está
sendo desafiada. Dedico um capítulo às formas nas quais nossas
experiências de envelhecimento são separadas de acordo com o sexo
e a recente expansão da autoanálise masculina. Logo em seguida,
apresento um capítulo que debate, nas palavras do rabino Zalman
Schachter-Shalomi, que “morte não é um erro cósmico” e que, se
nos esforçarmos para integrá-la à nossa compreensão de vida desde
a mais tenra idade, isso pode paradoxalmente reduzir o medo do
envelhecimento. A morte, então, se torna parte do que chamo no último capítulo de “o arco da vida”, que nos permite conectar as nossas
experiências de vida a uma cadeia significativa.
“A idade nos pega de surpresa”, observava Goethe. Simone de
Beauvoir não pôde acreditar quando se colocou em frente a um espelho pela primeira vez e disse: “Tenho 40 anos.” Gloria Steinem
registrou que “Um dia acordei e havia uma mulher de 70 anos na
minha cama”. (Interessante como isso é muito menos citado do que
sua resposta a um repórter que disse que ela não parecia ter 40: “É
assim que uma pessoa de 40 anos fica.”) O processo de envelhecimento é tão caricaturado e repudiado que as pessoas mais velhas
costumam dizer, surpresas: “Não me sinto velha, ainda me sinto
como se tivesse 18 anos por dentro.” Elas ainda têm 18 anos por dentro — e 8, e 28, 38, 48 e 58: todas essas idades anteriores não são estripadas pela idade, e sim cobertas umas pelas outras, como anéis no
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O aniversário de 30 anos de Maggie Kuhn foi o pior de sua vida, lembrou ela —
quando tinha 85 anos.
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tronco de uma árvore. A compreensão de que, conforme envelhecemos, não precisamos ser despejados de nossas predileções e paixões,
interesses e sensações — em realidade, do nosso corpo, independentemente das limitações físicas que possamos experimentar; que
não somos arremessados em uma categoria homogênea chamada
“velho” da qual todos os indícios de nossa identidade anterior foram
expulsos; que o gosto da vida pode sobreviver às inevitáveis reduções
e privações que sofremos ao longo do caminho —, isso tudo, certamente, torna o envelhecimento algo muito menos assustador.
Maggie Kuhn, fundadora do movimento American Gray Panther, um grupo intergeracional contra a discriminação etária, mostrou empatia pela infelicidade de Gina ao deixar para trás seus 20
e poucos anos. O aniversário de 30 anos de Kuhn foi o pior de sua
vida, lembrou ela — quando tinha 85.
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1. O que é envelhecer?
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Rugas, sapatos anatômicos e Alzheimer — essas palavras, ou algo
parecido, é o que a maioria de nós diria se nos pedissem para fazermos uma livre associação sobre o tema “envelhecimento”. Mas elas
são totalmente equivocadas, porque confundem envelhecer com velhice ou doença. Na verdade, todos nós começamos a envelhecer no
momento em que nascemos: pode-se dizer que o nascimento provoca o envelhecimento — este não é possível sem aquele. Assim que
você compreende o envelhecimento como algo presente por todo o
ciclo de vida, como algo que está ocorrendo neste instante com todos
nós, independentemente da idade, começa a vê-lo por uma perspectiva diferente daquele padrão no qual somos jovens e, de repente,
quando chegamos a determinado limiar (25, 30, 40, 50 — pode escolher), cruzamos a barreira do “envelhecimento”.
É difícil se desvencilhar desse ponto de vista tão culturalmente
arraigado. Os jovens anseiam por ficar mais velhos — eles associam
o envelhecimento à liberdade de fazer as coisas que até então eram
proibidas. Quando vou poder ficar acordado até as dez da noite?
Quando vou ter permissão para ir a um show sozinho? Mal posso esperar completar 18 anos para poder comprar bebida alcoólica
legalmente. Quando se é jovem, envelhecer significa se libertar da
tirania dos pais, fazer as próprias escolhas e ganhar mais controle
sobre a própria vida. Envelhecer, quando se é criança, é inteiramente
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visto como o meio através do qual suas capacidades (andar, falar,
escrever e raciocinar) se desenvolvem e é celebrado como a rota para
a independência. É no 180 aniversário que se grita: “Finalmente!”
Mas então, de forma quase imperceptível, essa visão do envelhecimento começa a mudar: para a maioria de nós, provavelmente aos
20 e poucos anos, a antecipação e o otimismo passam a vir acompanhados, às vezes até substituídos, por ansiedade e até medo. O breve
interlúdio de liberdade sem responsabilidades termina, e as exigências da vida adulta, como precisar se sustentar, começam a aparecer.
A perspectiva de uma vida sem férias de seis semanas é um rito de
passagem realmente chocante. As pessoas agora esperam que você
se comporte de acordo com as ideias que elas têm de um adulto,
sem parecer levar em consideração que talvez você não se sinta um
adulto, ou nem mesmo saiba o que é se sentir um adulto. Ficar mais
velho começa a parecer mais uma perda do que um ganho, algo a
que devemos resistir. Por volta dos 25 anos, as pessoas têm o direito
de fazer praticamente tudo pelo que ansiaram antes, e agora o resto
da vida começa a se desenrolar assustadoramente. Alexa, de 16 anos,
estudante londrina, contou para a tia que acorda no meio da noite
preocupada se saberá preencher uma declaração de imposto de renda quando for o momento.
De fato, muitos jovens veem os 25 como a idade em que a vida
adulta realmente começa. Não é um número totalmente arbitrário,
já que apenas aos 25 anos nossos lobos frontais estão completamente
desenvolvidos e a necessidade de gratificação imediata é modificada pela maturidade cognitiva, trazendo maior capacidade de empatia e perspectiva de longo prazo. Vinte e cinco anos, assim como
Becky, de 24, sinaliza um pouco alarmada, é um quarto de século.
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O que é envelhecer?
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É quando ela planeja parar de fumar, como se ela de repente fosse
ficar mais suscetível à mortalidade na manhã do seu 25o aniversário.
Ou talvez nesse dia ela finalmente se torne inegável.
Como nossos atos mudam completamente no espaço de uma década ou duas: de olhar com desdém para os mais jovens (na família,
no colégio) a olhar com desdém para os mais velhos…
Envelhecer hoje
Envelhecer no século XXI é algo particularmente confuso. Hoje,
é comum pessoas de 34 se parecerem com as de 24 de meros cinquenta anos atrás, e as de 44 se parecerem com as de 34. Mas
parecer não significa ter.
Tradicionalmente, crescer significava sair de casa: você precisava
se separar dos adultos antes de se tornar um. Isso, porém, se tornou
um processo cada vez mais prolongado. Podemos comemorar o fato
de que algumas ideias sobre envelhecimento se tornaram menos
rígidas, e que a maioria de nós se sente menos programada para
conseguir um emprego, se casar, comprar um apartamento e ter filho — cada um deles, nessa ordem, em uma determinada idade.
Mas as mensalidades escolares, o alto índice de desemprego e
o custo exorbitante dos imóveis significam que os jovens acabam
ficando financeiramente dependentes dos pais por mais tempo. A
juventude costumava ser uma breve fase de transição entre a infância e a idade adulta: hoje em dia pode se estender até os 30 e poucos
anos. Os pais estão tendo de investir tanto dinheiro nos fi lhos que
alguns esperam um retorno. E também acreditam que têm direito
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Como envelhecer
a um nível maior de participação nas decisões dos fi lhos — afinal,
estão pagando —, embora possam não estar preparados para dar
conselhos sobre as novas e sem precedentes realidades sociais que
os fi lhos estão enfrentando.
(Nos carros da Ford, existe agora um dispositivo que permite
que os pais controlem antecipadamente a velocidade em que os filhos vão dirigir, além de poderem programar avisos insistentes para
usar o cinto de segurança e encher o tanque. É como se os pais estivessem dentro do carro com você — um tipo de acordo. Além da
frase “me deixe em paz”, os adolescentes agora poderão também
acrescentar “me deixe dirigir em paz”.)
Um número crescente de pessoas com 20 e poucos e 30 e poucos
anos agora teme crescer. O homem-criança se agarra aos seus video
games e gibis e se recusa a mudar. Ele associa crescer com falta de
alegria. Mas talvez seja menos sobre pagar uma hipoteca ou uma
pensão e mais sobre aprender a assumir a responsabilidade sobre
seus gastos; sobre ser capaz de adiar uma gratificação, em vez de insistir no “Eu quero agora”; sobre não dizer a primeira coisa que vem
à cabeça e pensar nos outros da mesma forma que em si mesmo?
Talvez crescer seja outra maneira de dizer que sua perspectiva se
expandiu. Precisamos repensar nossas ideias sobre o que o envelhecimento significa em cada idade, e não apenas na velhice.
Retrocedendo na idade?
Ainda assim, se recebesse a oferta de reviver sua adolescência, até
mesmo o eterno adolescente provavelmente a recusaria. Tudo bem,
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O curioso caso de Benjamin Button: rearranjando as idades, este personagem
nasce com a aparência e as enfermidades de um velho e fica mais jovem com o
passar dos anos.
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Como envelhecer
resmungam aqueles que desprezam o processo de envelhecimento:
talvez o envelhecimento traga alguns prazeres, talvez ter 15 anos não
seja a utopia que nostalgicamente imaginamos que seja. Mas não
seria maravilhoso voltar para aquela idade com todo o conhecimento
conquistado em todos esses anos? Ser mais jovem e mais sábio —
existe alguma fantasia mais comum do que essa? Ou mais absurda?
É como querer que seu filho nasça sabendo andar, ou que saiba recitar a Odisseia de Homero em latim aos 3 anos — um desejo infantil
e arrogante, porém compreensível, de apagar o tempo.
Filmes variados reimaginaram o ciclo da vida e rearranjaram
as idades: desde Quero ser grande (1988), em que Tom Hanks interpreta um garoto de 12 anos de idade colocado no corpo de um
homem de 30; até De volta aos 18 (1988), em que um homem de 81
anos, interpretado por George Burns, troca de corpo com o neto de
18; ou O curioso caso de Benjamin Button (2008), baseado no conto
de Scott Fitzgerald, no qual o personagem de Brad Pitt nasce com a
aparência e as enfermidades de um velho e fica mais jovem com o
passar dos anos.
Podemos interpretar nessas fantasias da cultura popular uma
geração lutando contra o significado de envelhecer. Esses fi lmes
terminam ou de forma triste ou com o protagonista voltando à idade verdadeira — claro que sim, porque envelhecemos junto com
o nosso grupo de iguais (estar sozinho como uma exceção é uma
experiência solitária), e em um determinado período histórico. Somos um emaranhado de memórias pessoais, mas também sociais e
culturais. É uma experiência completamente diferente ser jovem no
começo do século XXI, por exemplo, em que isso significa um estado distinto, invejável e prolongado, do que era, digamos, na década
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O que é envelhecer?
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de 1940, antes do lançamento de roupas e cultura para adolescentes, quando a idade adulta era tão admirada e os jovens mal podiam
esperar para desfrutar de todos os direitos da vida adulta — para
parecer e soar como um adulto de verdade.
Houve todo tipo de razão para essa mudança cultural, incluindo
o desenvolvimento do mercado. Antes da década de 1960, você era
criança ou era adulto — não havia muita coisa entre os dois — e isso
se refletia nos tipos de roupas e nas oportunidades de lazer disponíveis. Mas o crescimento econômico e a invenção da adolescência deram à luz uma categoria de consumo totalmente nova, segmentada
por idade. Ao mesmo tempo, a juventude passou a ser tão apreciada
que, hoje em dia, às vezes parece que os pais querem se parecer com
os fi lhos e agir como eles.
Mas é claro que não podemos voltar atrás. A existência humana é temporal; como afirmam os zen-budistas, o ser não pode estar
dissociado do tempo. Nós vivemos inseridos no tempo: não apenas
da nossa vida individual, mas também da nossa geração e da era
em que nascemos. Envelhecer nem sempre é apenas um processo
fisiológico, mas também psicológico, intelectual, social e cultural —
a ideia de que é simplesmente um caso de troca da brincadeira por
responsabilidades é uma injustiça com a complexidade e a riqueza
da experiência. Nossos corpos mudam, mas, ao mesmo tempo (a
não ser que repitamos rígida e compulsivamente velhos padrões),
nós amadurecemos; envelhecer, portanto, é menos sobre o velho e
mais sobre o novo. Nossos cérebros, nossas mentes, nossas capacidades de relacionamento — quando são oferecidos alimento, amor,
saúde e estímulo suficientes — se desenvolvem e crescem. De fato,
a capacidade de brincar (principalmente entre aqueles a quem isso
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foi limitado na infância) pode florescer com a idade. Como podemos
considerar isso algo além de um motivo para celebração?
Se você quiser brincar do jogo de troca de décadas, em vez de
imaginar-se mais jovem, mas com o nível atual de conhecimento e maturidade, tente brincar de outra maneira: o que o meu eu
mais jovem acharia do meu eu agora? Exceto naqueles que nutriram expectativas absurdamente exageradas quando mais jovens, a
maioria das pessoas que tentam essa mudança de idade chega ao
mesmo “se”: “se eu soubesse disso naquela época, a minha vida
teria sido melhor”.
Orgulho de ser mais velho
Pais sentem um enorme prazer ao verem seus fi lhos se desenvolvendo. Seria possível obter satisfação de um processo similar
em si mesmo — observando a forma como superamos as difi culdades da vida, por exemplo? Isso não é narcisismo: é autoajuda
no sentido mais verdadeiro da palavra. Para a maioria de nós,
crescimento e maturidade são conquistados com dificuldade, e
também são uma fonte de satisfação — não iríamos querer abrir
mão deles. Gostamos do nosso eu mais velho; somos gratos por
poderem se desenvolver. Envelhecer, aos 10, 20, 30 ou 40, é gratificante, ou pode ser. Em contrapartida, aquelas pessoas que intimidam as mais jovens com superficialidades sobre a época de
colégio ser a mais feliz de suas vidas revelam mais sobre suas
próprias vidas e sua triste falta de habilidade de mudar do que
sobre o envelhecimento em si.
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Antes da década de 1960, você era criança ou era adulto — não havia muita
coisa entre os dois.
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Como envelhecer
É claro que pessoas diferentes são mais felizes em diferentes
épocas de suas vidas, mas o que dizer de uma pessoa que aponta o
dedo para os mais jovens e diz de forma reprovadora que as coisas
nunca foram tão boas para ela? Ou se fala, mesmo que com irreverência, que está “do lado errado dos 30”? E que posições estereotipadas ficam evidentes quando uma pessoa mais jovem pergunta à
mais velha como era “na sua época”? Lucy, uma professora de 63
anos de Manchester, gentilmente informou ao filho que “na verdade, hoje é a minha época, assim como amanhã também será”.
Não existe modelo para “envelhecer bem”. Pode ser um clichê
usado para confortar famílias de luto, mas é verdade: algumas pessoas que morrem jovens acumularam mais “vida” em sua curta expectativa de vida do que outras que viveram até idades avançadas.
De modo similar, cada um de nós cresce e amadurece de formas
idiossincráticas: pessoas jovens podem ser sábias e pessoas velhas,
idiotas, e vice-versa; a maioria de nós é alternadamente sábio e idiota — na mesma semana, no mesmo dia, às vezes na mesma hora.
A vida é um fluxo constante, mas estereótipos de idade o interrompem, enfraquecendo-nos como flores prensadas. A ideia, por exemplo, de que os jovens são hedonistas incansáveis, sempre em busca
da próxima dose de prazer, cirurgicamente anexada à mídia social,
contradiz totalmente o fato de que os jovens são mais propensos a
lutar pelo significado e o propósito de vida do que os mais velhos,
e geralmente mais céticos. Frequentemente interpretada e ridicularizada como temores da juventude, na realidade, as questões que
eles levantam são as mesmas para as quais indivíduos sensíveis e
reflexivos voltam durante suas vidas.
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Cultivando o que é importante
Podemos auxiliar o processo se pensarmos em nós mesmos como
conhecedores de vinho deitando garrafas que melhorarão com a idade; da mesma forma, podemos tentar estimular dentro de nós qualidades que se tornem mais profundas e ricas com o passar dos anos.
Essas qualidades diferem para cada um de nós, mas, para a maioria
das pessoas, elas incluem encontrar fontes duradouras de significado
— no trabalho ou por meio de relacionamentos, interesses ou fazendo uma contribuição social; conhecendo-se melhor; fazendo contato
genuíno com outras pessoas; e desenvolvendo a capacidade de amar
— pessoas, ideias ou experiências. Esses são recursos essencialmente
internos que podem ser cultivados e traçados por toda a vida. Se pensarmos em toda a duração de nossa vida, como sugiro no Capítulo 7,
embora seja assustador, é mais fácil ver quais recursos são necessários para a jornada e começar a compreender como administrá-los.
Isso tudo soa preocupante, como se a frivolidade e a diversão
desaparecessem com o passar do tempo — não é de se espantar que
pessoas tentem enfiá-las nos anos de juventude. Mas a capacidade de
rir, como qualquer outra habilidade emocional, se desenvolve com o
uso, e ver uma pessoa se acabando de rir, décadas depois da infância
quando é tão comum, é realmente adorável.
Avançando para o envelhecimento
Como seria saborear o envelhecimento? Continuar, após os 25 anos,
dizendo: “Eu quero ficar mais velho. Eu quero ficar velho”? Ficar
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genuinamente ansioso por envelhecer e não, na melhor das hipóteses, apenas tolerar o fato? A esta altura, os céticos mandarão você ler
Cândido, de Voltaire, em que o mentor, Pangloss, costuma anunciar
que “tudo acontece para o melhor”. Mas, embora Voltaire estivesse
satirizando as tolices dos otimistas desenfreados, ele não enaltece o
pessimismo, em vez disso concluindo que “devemos cultivar nosso
jardim”. Otimismo pragmático como esse é tudo o que estou defendendo aqui. É muito mais fácil adotar essa perspectiva de mundo
se não dermos nossa expectativa de vida como certa, mas reconhecermos que ela não é dada para a maioria das pessoas do mundo,
principalmente nos países em desenvolvimento: que envelhecer, de
fato, é uma bênção. A ideia do envelhecimento como um privilégio
parece radical em uma cultura que costuma vê-lo como um fardo,
mas é um lembrete inestimável de como a longevidade difundida é
relativamente recente e limitada.
As pessoas que envelhecem melhor são aquelas que viajam carregando menos coisas, que são capazes de se livrar das ideias fi xas
às quais se apegaram em uma etapa da vida quando veem que não
são mais adequadas. É necessária certa flexibilidade de espírito. Mas
os mantras de autoajuda, embora fluam com facilidade, invariavelmente fazem as coisas parecerem mais fáceis do que realmente são.
Desapegar-se de velhas narrativas pode ser extremamente doloroso;
envolve luto pelo que nunca aconteceu assim como pelo que aconteceu, e admitir fracasso, pontos de vista errados e decisões equivocadas. Ainda mais imperdoável, exige que reconheçamos que não
controlamos o desenrolar da vida.
Freud fez a distinção crucial entre “repetição” — a repetição
compulsiva do trauma — e “elaboração”, na qual a pessoa se lembra
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de eventos traumáticos, perdas ou privações, mas chega a uma acomodação com eles, permitindo que eles mudem e, assim, restaurando a vitalidade. Às vezes, precisamos de ajuda profissional para
realizar isso. Mas é um aspecto de enorme importância do processo
de envelhecimento porque é o meio pelo qual nos livramos da bagagem extra conforme passamos pela vida.
Como o ciclo de vida pareceria diferente se substituíssemos a
palavra envelhecimento por “crescimento”. A palavra envelhecer se
tornou tão contaminada pelo desdém e pelo medo que é tentador
prescindir completamente de seu uso. Melhor, porém, é tentar recuperá-la, desintoxicá-la e vinculá-la ao ciclo de vida como um todo,
em vez de transferir a ideia de envelhecer apenas para a velhice.
Envelhecer é viver e viver é envelhecer, e ser anti-idade (como muitos
produtos, cheios de orgulho, dizem ser) é o mesmo que ser antivida.
Ao abraçar o envelhecimento, abraçamos o processo da vida em si,
com toda a sua dor, alegria e dificuldade. Se pudermos cultivar um
respeito pelo nosso próprio crescimento, e desenvolver a capacidade
de conhecer o nosso envelhecimento com prazer e realismo, e sem
a necessidade de idealizar ou ridicularizar sua encarnação mais jovem, então estaremos adquirindo importantes capacidades que nos
serão úteis por toda a vida.
O próximo capítulo mostra como a vida moderna pode ter preconceito contra o envelhecimento, então pode parecer estranho dizer que pensar sobre o processo de envelhecimento nunca foi tão
animador. Um grande órgão de incentivo se chama “New Dynamics
of Ageing” [Novas dinâmicas do envelhecimento] e, como a experiência do envelhecimento é cada vez mais desafiada e levada ao escrutínio público, é um bom nome — já que as possibilidades de uma
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nova dinâmica de envelhecimento estão emergindo tanto coletiva
quanto individualmente. As páginas a seguir trazem exemplos de
pessoas que envelhecem com criatividade. Isso não significa necessariamente se engajar em uma atividade criativa, mas sim usar a
imaginação e a capacidade de adaptação em prol do envelhecimento,
e encontrar formas de viver com prazer enquanto passam pelas diferentes etapas da vida, apesar das decepções e perdas com que se
deparam ao longo do caminho.
Envelhecer com prazer — não é um lema ruim.
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