La arquitectura construida en tierra,
Tradición e Innovación
Congresos de Arquitectura de Tierra en Cuenca de Campos
2004/2009.
Coord.: José Luis Sáinz Guerra, Félix Jové Sandoval
Editor: Cátedra Juan de Villanueva, Escuela Técnica Superior
de Arquitectura de Valladolid
ISBN: 978-84-693-4554-2
D.L.: VA-648/2010
Impreso en España
Valladolid
Septiembre de 2010
Publicación online.
Para citar este artículo:
SILVA SEIXAS, María da Luz. “Actualizar a tradição”. En: Arquitectura construida en tierra, Tradición e
Innovación. Congresos de Arquitectura de Tierra en Cuenca de Campos 2004/2009. [online]. Valladolid:
Cátedra Juan de Villanueva. Universidad de Valladolid. 2010. P. 229-238. Disponible en internet:
http://www5.uva.es/grupotierra/publicaciones/digital/libro2010/2010_9788469345542_p229-238_silva.pdf
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ACTUALIZAR A TRADIÇÃO
III Congreso de Tierra en Cuenca de Campos, Valladolid, 2006
Maria da Luz Silva Dias Seixas
Instituição/Empresa: Arquisol – Arquitectura e
Planeamento
Lda. Betão e Taipa – Construção e
Recuperação de Edifícios
Serpa, Portugal
Introdução
O Alentejo é uma das regiões de Portugal
onde podemos encontrar um dos mais ricos e
vastos patrimónios arquitectónicos em terra
crua. Edifícios religiosos, torres, muralhas,
muros rurais e habitações mais ou menos
modestas foram, durante séculos, construídos em taipa e adobe, com complemento de
alguns materiais de terra cozida, designadamente a tijoleira usada nos pavimentos e a
telha usada nas coberturas. Zona de verões
muito quentes e com acentuadas amplitudes
térmicas anuais, o Alentejo desenvolveu um
tipo de construção que tenta evitar a entrada
de calor durante o Verão e conservá-lo duran-
te o Inverno. Daí as paredes espessas e com
pequenas aberturas, tão características das
habitações tradicionais alentejanas.
Apesar das reconhecidas vantagens que a
construção em terra crua apresenta, vários
factores fizeram com que, a partir dos anos
50, a actualmente designada «construção
corrente» (em cimento Portland, ferro e tijolo
industrial) se generalizasse e as técnicas e
materiais de construção tradicionais fossem
abandonados. Como corolário, o saber necessário à sua concretização perdeu utilidade e a
sua linha de transmissão foi interrompida. Os
taipeiros aprendiam a dominar a sua arte de
forma empírica, através da observação, dos
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ARQUITECTURA CONSTRUIDA EN TIERRA
ensinamentos dos mais velhos – os «mestres» – e da execução na obra. O fim da sua
prática equivaleu, portanto, à perda de um
saber que nem a etnografia se esforçou muito
por salvar1.
Contudo, nas últimas décadas, tem-se verificado um movimento no sentido de recuperar
esses saberes e actualizá-los; por um lado,
porque só dessa forma se pode preservar o
nosso património arquitectónico, já que a
recuperação e manutenção de edifícios em
terra crua não pode efectuar-se com base nos
materiais e nas técnicas utilizadas na construção corrente; por outro, porque se ganhou
consciência das inúmeras vantagens da utilização da terra como material de construção,
na condição de os materiais que com ela se
conjugam e das técnicas que se utilizam para
o seu manuseamento serem repensados e
actualizados. Encontrar soluções construtivas
que revalidem os aspectos positivos da tradição e que ao mesmo tempo dêem resposta
às exigências actuais, e muito particularmente às que se prendem com o conforto, a sustentabilidade e a segurança, parece-nos ser,
hoje, um dos principais desafios da «arquitectura de terra».
Passos de um percurso
Nascer e crescer no Alentejo, habitando em
casas de paredes espessas que no Verão nos
abrigavam dos calores tórridos e cujas irregularidades, suavizadas pelas inúmeras camadas de cal, nos faziam imaginar figuras feéricas como as que costumamos entrever nas
formas cambiantes das nuvens, foram certamente factos e memórias decisivos para o
meu interesse pela arquitectura tradicional do
Alentejo.
assim adquiridos esteve sempre presente ao
longo da minha formação, estimulando-me
para a aquisição de conhecimentos nesta
área. Porém, a nível da concretização em projecto e obra surgiram, desde o início, vários
obstáculos, decorrentes sobretudo do abandono e descrédito em que nas últimas décadas caiu a construção em terra. A oportunidade de passar aqueles conhecimentos à prática surgiu com o convite para integrar o corpo
técnico do Curso de Mestre de Construção
Civil Tradicional da Escola Profissional de
Desenvolvimento Rural de Serpa (EPDRS)2,
onde pude levar a cabo experiências de edificação em taipa, adobe, alvenaria de pedra,
tijolo maciço, BTC’s e construção de abóbadas. Durante a frequência do curso, um grupo
de alunos mostrou-se bastante empenhado
em dar continuidade às temáticas desenvolvidas. Porém, a inexistência de empresas vocacionadas para a construção tradicional obstava à sua entrada no mercado de trabalho. Foi
pois neste contexto que, em parceria com um
mestre experiente na recuperação de edifícios e na construção de abóbadas, o nosso
gabinete de arquitectura (Arquisol –
Arquitectura e Planeamento Lda.) criou a
empresa «Betão e Taipa, Construção e
Recuperação de Edifícios, Lda.»3. Desde a
sua formação, em 2004, a empresa tem trabalhado não só na recuperação de edifícios
antigos com recurso às técnicas tradicionais,
como na construção de raiz, em taipa. A
empresa iniciou a actividade com a execução
do projecto de um edifício a que, por vontade
do cliente, foi atribuído o nome de «Monte da
Taipa». Demos assim os primeiros passos de
um percurso cheio de desafios em que temos
tentado encontrar respostas para os problemas que a arquitectura de terra ainda levanta.
O projecto do «Monte da Taipa»
Assistir ao «nascimento» de uma casa, gerada de terra informe, que a sabedoria dos
homens transformou pacientemente em
salas, quartos e corredores, foi talvez uma
das experiências que mais me marcaram,
revelando-me o fascínio da arte de criar a partir de «quase nada».
Estas memórias de infância foram recuperadas anos mais tarde, em longas conversas
como meu avô que, embora não fosse taipeiro, construiu a sua própria casa e me revelou
muitos dos mistérios desta forma de arquitectar. A vontade de aprofundar os saberes
230 MARÍA DA LUZ SILVA DIAS SEIXAS
O projecto «O Monte da Taipa» surgiu como
resposta ao desejo do cliente de construir um
«monte alentejano» destinado à habitação e
turismo rural no concelho de Serpa.
Tradicionalmente, o monte alentejano é uma
construção rural isolada, constituída por um
ou mais edifícios, implantados sobre uma
suave colina. Apresenta uma volumetria marcadamente horizontal, desenvolvendo-se em
geral num único piso, com telhados de duas
águas pouco inclinados. Os montes de maiores dimensões organizam-se em torno de um
pátio amplo, onde se articulam as diversas
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TRADICIÓN
instalações (habitação dos proprietário, dos
caseiros e dos trabalhadores sazonais, espaços para resguardo das alfaias agrícolas e
abrigos de animais). Estas construções têm
em geral paredes de taipa e alvenaria de
pedra, com algumas divisórias interiores em
adobes ou tijolo de burro; os pavimentos das
habitações são normalmente revestidos a
baldosas; nas construções mais cuidadas, os
tectos são em abóbada ou abobadilha nas
zonas dos corredores e dos quartos, sendo
na «casa do lume»4 e nas restantes instalações constituídos por barrotes de madeira e
caniço ou tabuado, sobre os quais assenta
directamente a telha; as aberturas são poucas e pequenas, por forma a evitar a entrada
de calor – a porta principal e as aberturas
mais generosas são, muitas vezes, protegidas por uma parreira, que sombreia no Verão
e, a partir do Outono, com a queda das folhas, permite aproveitar toda a radiação solar.
Por vezes, nas construções mais modestas,
só as aberturas eram emoldurados por uma
faixa caiada a branco, ficando o resto da taipa
à vista, embora o mais habitual fosse toda a
construção ser caiada.
Independentemente das variantes de um
«monte alentejano» a nível funcional, estético
e construtivo, há elementos e aspectos que
devem ser mantidos, pois constituem a sua
«essência». Um deles é a construção em
terra, o que foi proposto ao cliente e aceite.
No local de implantação do edifício, podemos
encontrar a «talisca», terra xisto-argilosa que
os taipeiros antigos consideravam a melhor
terra da região para construir em taipa – facto
que se pode comprovar pela observação de
algumas casas abandonadas há décadas,
cujas paredes têm resistido às várias formas
de erosão. Verificámos também que este tipo
de terra é indicado para o fabrico de BTC’s.
Optámos assim por recorrer à construção em
taipa e BTC’s, conjugando uma técnica tradicional e outra mais recente. Porém, conscientes dos problemas inerentes ao processo de
construção, utilização e manutenção dos edifícios em terra crua, tentámos tornar os sistemas construtivos tradicionais mais eficientes,
empenhando-nos, através de opções de projecto e construtivas, potenciar as capacidades da taipa e resolver os problemas relacionados com as fragilidades desta técnica.
O projecto foi surgindo como um exercício em
que procurámos articular tradição e modernidade e desenvolver uma arquitectura sustentável do ponto de vista ecológico. De entre os
E INNOVACIÓN
vários aspectos relacionados com a sustentabilidade no projecto de arquitectura, tivemos
especial preocupação com as questões relacionadas com o conforto e a eficiência energética do edifício.
Tradição e «modernidade» no «Monte da
Taipa»
À semelhança do «monte alentejano», a construção implanta-se numa colina, desenvolvese na horizontal, à volta de um pátio interior,
apresenta aberturas na sua maioria contidas,
telhados longos com beirados tradicionais e
telha de canudo. No interior, utilizaram-se os
caniços e as abóbadas e pavimento de tijoleira artesanal. Quanto à cor, optou-se por manter a tradicional caiação a branco no exterior
e, no interior, utilizar o pigmento ocre, azul e
vermelho, embora variando a gama dos seus
tons.
Porém, esta linguagem basicamente tradicional articulou-se com signos retirados de
outros contextos e com técnicas e materiais
Figuras 1 y 2
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ARQUITECTURA CONSTRUIDA EN TIERRA
característicos da construção «moderna».
Entre esses signos destacamos o pátio, que
se desenvolve em «L» e integra uma pérgola
com parreiras, um espelho de água e um
pequeno aqueduto com sete bicas que constituem o sistema de rega de um jardim situado na cota inferior. Este conjunto inspira-se
no sistema de rega tradicional utilizado nas
hortas locais, mas também nos pátios de
arquitectura mediterrânica, caracterizados
pela presença de água e vegetação. Para
além do aspecto estético, a sua concepção
teve como objectivo criar um microclima em
que se promove a evaporação da água, de
forma a diminuir a temperatura do ar e
aumentar a humidade relativa. Pelo efeito da
ventilação natural, no Verão, esse ar fresco e
húmido penetra nos compartimentos interiores, contribuindo para manter as temperaturas dentro da gama de conforto. Com o
mesmo objectivo, projectámos um sistema de
ventilação que canaliza o ar fresco do jardim,
através de uma conduta subterrânea, para o
interior da habitação. Durante o Inverno, a
grelha de ventilação deverá, naturalmente,
ser fechada. Entretanto, as parreiras terão
perdido as folhas, permitindo a incidência
directa dos raios solares nos envidraçados. A
Figuras 3, 4 y 5
232 MARÍA DA LUZ SILVA DIAS SEIXAS
utilização de vidros duplos e de isolamento
térmico na cobertura foram outras opções que
pretenderam contribuir para melhorar as condições de conforto térmico. No mesmo sentido, as aberturas foram orientadas a nascente
e a poente, de forma a permitir ganhos solares durante os períodos do ano em que as
temperaturas atingem valores mais baixos.
No Verão, os vãos do alçado nascente são
sombreados por parreiras, enquanto a poente
um alpendre e uma pérgola protegem as
paredes e os envidraçados da radiação directa durante uma boa parte do dia.
De salientar o facto de termos construído
paredes de taipa não só no exterior mas também no interior, com o objectivo de aumentar
a massa de armazenamento térmico do edifício.
Sendo a massa térmica proporcionada pelas
paredes de taipa elevada, uma parte considerável do calor que entra no edifício – pela
acção da radiação ou simplesmente devido à
diferença de temperatura entre o exterior e o
interior – é armazenada nas paredes e devolvida ao ambiente mais tarde, quando a temperatura do ar for inferior à da massa térmica.
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TRADICIÓN
Ao serem desfasadas no tempo, estas trocas
de calor entre as paredes de taipa e o ar permitem obter amplitudes térmicas inferiores às
de edifícios com uma massa térmica reduzida. Esta estratégia bioclimática que permite
obter conforto térmico sem gastos energéticos é um aspecto importante de uma arquitectura que pretende ser ecologicamente sustentável.
Aspectos construtivos
Entre os aspectos inovadores do projecto do
«Monte da Taipa» devemos também referir a
introdução de materiais e técnicas recentes
no processo de construção em terra. Na verdade, utilizar apenas os métodos construtivos
e materiais tradicionais deixou de ser viável,
já que é necessário cumprir requisitos regulamentares no que se refere ao conforto e à
resistência mecânica da construção. Sendo
as principais fragilidades da taipa a fraca
resistência mecânica e a sensibilidade à
água, pareceu-nos que algumas das opções
para as contrariar poderiam passar pela introdução de elementos de betão armado, pela
impermeabilização e drenagem do terreno
envolvente e pela utilização de meios mecânicos na compactação da terra.
Fundações
As fundações executaram-se em betão ciclópico, mais resistente e económico que a alvenaria de pedra tradicional. Foram elevadas
acima do nível do terreno entre 40 a 50 cm,
de forma a evitar a infiltração da água por
capilaridade. Com o mesmo objectivo, procedeu¬se à impermeabilização das fundações
através de uma emulsão betuminosa e à
introdução de um sistema de drenagem constituído por uma película plástica drenante, um
geodreno, gravilha e uma manta geotêxtil.
A fim de melhorar a ligação entre a taipa e as
fundações, foram-lhes introduzidos varões
metálicos previamente envolvidos em betão,
deixados salientes cerca de 30 cm.
Execução da taipa
Tradicionalmente o processo de extracção e
preparação da terra, bem como o seu transporte até aos taipais era feito manualmente.
As várias camadas eram compactadas pelos
taipeiros com maços ou pisões de madeira.
Os taipais e as restantes peças de cofragem,
E INNOVACIÓN
como os costeiros, as comportas e o côvado
também eram de madeira, sendo as agulhas5
as únicas peças metálicas utilizadas. Por considerarmos todo este processo moroso e desadequado, decidimos que tanto a extracção
como a preparação e compactação da terra
seria feita por meios mecânicos, o que implicou a substituição do taipal tradicional por
outro tipo de cofragem. O apiloamento mecânico, executado com compactadores pneumáticos permite avançar mais rapidamente na
execução de cada taipal, tornando a realização a obra bastante mais célere e, ao mesmo
tempo, menos onerosa, já que permite diminuir os custos de mão-de-obra e torná-la mais
eficaz. Pudemos também constatar ser psicologicamente mais motivador para os taipeiros
executarem o trabalho com os meios técnicos
modernos, sobretudo porque estão conscientes de que o método de apiloamento tradicional não constitui uma mais-valia para o resultado final do trabalho. Pelo contrário, a simples observação permite verificar que a taipa
compactada por meios mecânicos é mais
resistente. Essa constatação empírica é, aliás,
confirmada pelos estudos efectuados pelo
CRATerre, que apontam para um acréscimo
da resistência mecânica da taipa batida com
compactadores pneumáticos para valores
entre 3 e 5 vezes superiores à da taipa apiloada de forma manual6, factor determinante
para o seu comportamento face aos sismos e
à presença de água, o que contribui decisivamente para a segurança e longevidade da
construção.
Quanto aos taipais, continuamos a usar taipais de madeira, pois as experiências com taipais metálicos efectuadas EPDRS revelaram
que o seu peso excessivo os tornava de difícil
manuseamento em obra7. Entre as madeiras
possíveis, optámos pelo contraplacado vulgarmente usado em cofragens, que tem a
vantagem de ser leve mas muito resistente e
apresentar uma superfície bastante regular,
permitindo obter paredes com um óptimo acabamento. Os costeiros foram substituídos por
peças metálicas com agulhas roscadas. Estes
e outros elementos metálicos introduzidos nos
taipais permitem um maior número de utilizações e suportam uma energia de compactação superior.
É importante notar que, apesar das alterações
que introduzimos no processo de execução
da taipa, mantivemos a espessura tradicional
das paredes (cerca de 50 cm).
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ARQUITECTURA CONSTRUIDA EN TIERRA
Coberturas
A cobertura tradicional de caniço ou tabuado,
sobre o qual assentam directamente as telhas, revela-se ineficaz do ponto de vista térmico e da impermeabilização da cobertura.
Optámos, por isso, pela introdução de isolamento térmico (poliuretano projectado) e de
uma sub-telha (chapa ondulada de fibrocimento).
Para além disso, o facto de os barrotes tradicionais só permitirem pequenos vãos levounos a incluir uma estrutura metálica tubular
que suporta o peso da sub-telha e da telha.
Esta estrutura é amarrada a uma viga de
betão armado, encastrada na parede de taipa
em todo o perímetro da cobertura. A viga perimetral tem como função receber e distribuir
as cargas – diminuindo assim as forças horizontais – e constitui uma ligação resistente
entre a cobertura e a parede.
No interior do edifício, os barrotes tradicionais, encastrados nas paredes de taipa, servem apenas de apoio ao caniço, tendo perdido a sua função estrutural, mas preservandose como um signo fundamental da linguagem
arquitectónica da região. A cobertura, revestida com telha de canudo recuperada de vel-
Figura 6.
234 MARÍA DA LUZ SILVA DIAS SEIXAS
has construções demolidas, permitiu também
manter o aspecto dos telhados dos montes
antigos.
Outro elemento tradicional que incorporámos
foi uma abóbada de arestas, executada em
«tijolo de burro» deixado à vista.
Reboco e caiação
Geralmente, as paredes exteriores dos «montes alentejanos» eram rebocadas e caiadas,
embora alguns fossem apenas caiados –
podendo até, como já atrás referimos, a caiação limitar-se às zonas das aberturas. No projecto do «Monte da Taipa», tentámos articular
essas duas imagens bem diferenciadas,
dando predominância às paredes brancas,
mas deixando algumas com a taipa à vista.
Esta última opção levou-nos a aplicar um produto à base de silicato de potássio, dada a
necessidade de proteger a taipa dos agentes
erosivos. Nas paredes caiadas, a taipa foi previamente revestida com um reboco de cal
aérea em pasta. De notar que a determinação
do tipo de reboco a aplicar para cada tipo de
taipa é de extrema importância para o seu
desempenho, devendo cumprir os seguintes
requisitos: 1) apresentar uma boa aderência à
parede, de forma a evitar descolamentos, 2)
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TRADICIÓN
possuir uma resistência mecânica inferior à
do suporte, para impedir o aparecimento de
fissuras e 3) ser permeável ao vapor de água,
para evitar condensações.
A nossa experiência tem revelado a importância da qualidade da cal aérea a utilizar no
reboco. De facto, a cal em pasta confere ao
reboco maior resistência do que a cal em pó
produzida industrialmente. Daí que tenhamos
optado por recuperar os métodos tradicionais
de produção de cal, aproveitando a oferta de
cal em pedra que ainda subsiste na nossa
região. Adquirimo-la, pois, em pedra, e apagamo-la em água, adicionando-lhe gordura
(velas de sebo de Holanda, sebo de borrego
ou óleo de linhaça). No final do processo,
deve obter-se uma mistura homogénea. Esta
pasta repousa no mínimo dois meses e é utilizada no reboco, conferindo-lhe maior resistência à água, dada a presença da gordura.
Adicionando água à pasta de cal, obtém-se o
chamado leite de cal, utilizado na caiação das
paredes, que contribui para a consolidação
do reboco. De notar que também neste caso
a gordura funciona como elemento hidrófugo
e ajuda a fixar a cal à parede.
Apesar das vantagens que a caiação apresenta para a manutenção e desempenho das
E INNOVACIÓN
paredes de taipa, a necessidade de repetir a
pintura anualmente constitui um factor de desencorajamento à sua aplicação. Como alternativa, recorre-se habitualmente à pintura
com tintas de silicato, que apresentam características semelhantes e têm uma durabilidade muito superior.
Considerações Finais
Entrar no mundo da construção em terra crua
foi para nós um desafio e levou-nos a uma
reflexão profunda sobre a integração da arquitectura num contexto regional. Não há dúvida
de que recuperar alguns métodos construtivos
e saberes seculares e tentar manter a essência da linguagem arquitectónica local constitui
uma justa valorização do património local, dos
espaços, das gentes e das memórias, representando um contributo importante para a preservação da identidade cultural da região.
Porém, a construção em terra permite muito
mais do que isso, pois vai ao encontro do que
há de mais actual em termos de conceitos de
desenvolvimento: a sustentabilidade. Com
efeito, podemos encontrar na construção em
terra uma dimensão ambiental, económica e
social, fortemente relacionada com o desenvolvimento local e regional e, ao mesmo
Figura 7.
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ARQUITECTURA CONSTRUIDA EN TIERRA
Figura 8.
tempo, com a protecção da paisagem natural
e construída. A recuperação desta forma de
construção tradicional permite criar uma dinâmica local, promovendo a formação e o
emprego não só para aqueles que participam
directamente no processo como para os que,
de forma mais indirecta, nele se podem implicar. É, além disso um bom exemplo em termos de eficiência energética, pois ao utilizar
materiais directamente saídos da natureza,
requer muito menos energia que a construção
corrente; esse ganho energético não se limita
ao período da construção: prolonga-se no
tempo de utilização do edifício, já que permite um conforto térmico derivado da utilização
de métodos solares passivos e do desenvolvimento de uma arquitectura bioclimática.
Entre os desafios que a aplicação do conceito de sustentabilidade levanta, foram estes
aspectos relacionados com o consumo de
energia, o conforto e a utilização de materiais
com bom desempenho ecológico que mais
mereceram a nossa atenção. Do conjunto das
soluções possíveis para concretizar essa
orientação, optámos sempre por aquelas que
podiam ser integradas no edifício de forma
imperceptível do ponto de vista da linguagem
arquitectónica.
236 MARÍA DA LUZ SILVA DIAS SEIXAS
Estamos conscientes de ter descurado aspectos igualmente importantes para uma arquitectura sustentável, como são o aproveitamento das fontes energéticas renováveis, a
gestão do ciclo da água no edifício e o tratamento dos resíduos domésticos. No entanto,
pretendemos que os nossos próximos projectos integrem também soluções nesses vários
domínios, de forma a consolidar um caminho
que pretendemos orientar no sentido de uma
arquitectura atenta às questões ambientais e,
ao mesmo tempo, sensível ao contexto histórico-cultural em que se insere. Isso implica a
procura de respostas actuais do ponto de
vista da optimização do processo construtivo,
da utilização e do aproveitamento dos materiais, mas também do respeito pela dimensão
regional de cada projecto. Porém, por entendermos que o futuro não é um regresso ao
passado, procuraremos encontrar propostas
actuais também ao nível da linguagem arquitectónica. O equilíbrio entre a tradição local e
a «contemporaneidade» parece-nos essencial, pois uma tradição que não se actualiza
acaba por desaparecer.
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TRADICIÓN
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Notas al pie
1
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2
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35-41.
3
Desde o início da actividade, a empresa integra
alunos da EPDRS. Numa primeira fase, quatro dos
quinze trabalhadores eram estagiários da escola
(sendo dois do sexo feminino); actualmente a
empresa conta com vinte e quatro funcionários,
sendo cinco antigos alunos (três pertencentes ao
quadro e dois estagiários).
4 Tradicionalmente a divisão mais importante da
habitação, de dimensões generosas e várias funções, em que o elemento dominante é uma lareira a
toda a largura do compartimento, mantida acesa
ACTUALIZAR A TRADIÇAO
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ARQUITECTURA CONSTRUIDA EN TIERRA
durante todo o dia no Inverno, para cozinhar, aquecer as águas e a casa.
5 Peças que atravessam o taipal inferiormente e
têm por função a sua fixação.
6
Eusébio, António Paulo Jacinto – Reabilitação e
melhoramento de paredes de terra crua – taipa
(Dissertação para Obtenção do Grau de Mestre em
Construção). Lisboa, UTL – Instituto Superior
Técnico, 2001, p. 46.
238 MARÍA DA LUZ SILVA DIAS SEIXAS
7
Experiências realizadas no âmbito do trabalho de
estágio de Arquitectura efectuado por Rogério
Pereira Galante, que deu origem ao relatório intitulado A construção em taipa e a reciclagem de materiais. Lisboa, UTL – Instituto Superior Técnico,
2004, 96 pp.
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Actualizar a tradição - Universidad de Valladolid