Educação,
revoluções e
seus direitos
ISBN 978 - 85 - 64537 - 00 - 2
Índios isolados do estado de Acre, apontando flechas ao verem
helicóptero, 2010. Foto de Gleison Miranda.
2011
Instituto de Tecnologia Social ITS BRASIL
SESC SP
Douglas F. Barros
Silvio Carneiro
Revoluções e Direitos Humanos:
Educação, revoluções e seus direitos
páginas seguintes: As formas severas. Me. Poirier de Dunkerque, 1795.
French Political Cartoon Collection/Library of Congress
“Desde o momento em que nascemos, temos
direitos: saúde, moradia, educação, uma alimentação adequada, trabalho, ter uma renda
suficiente, entre outros requisitos básicos para
viver com dignidade. Eles fazem parte da nossa legislação e são inegociáveis. As pessoas e
comunidades, historicamente, têm se organizado — em movimentos, fóruns, associações, sindicatos etc.— para lutar e fazer com que esses
direitos aconteçam na prática, não fiquem só no
papel. Às vezes pode parecer que, nessa luta, os
direitos de diferentes grupos entram em conflito.
De fato, a convivência humana é cheia de conflitos e, muitas vezes, eles podem levar a atos de
desespero, intolerância, violência e uma sensação de incapacidade para solucionar os problemas que afetam as pessoas naquilo que é mais
fundamental a elas. Conhecer os direitos humanos e estar preparado para buscar soluções para
os conflitos que podem ser mediados, com base
no diálogo, respeito, tolerância e solidariedade,
são ferramentas poderosas de cidadania”.*
* Disponível em: http://www.itsbrasil.org.br/projetos/ead-direitos-humanos-e-mediacaode-conflitos. Acessado em: 10/02/2011.
Douglas F. Barros
Silvio Carneiro
Revoluções e Direitos Humanos:
Educação, revoluções e seus direitos
Caderno de apoio para o curso
Revoluções
Danilo Santos de Miranda
Diretor Regional do SESC São Paulo
Se, à exceção das ditaduras, a política não inspira
mais a mobilização popular, à qual revolução aspiramos no século XXI? O que levaria a um engajamento
contra a descrença e o ceticismo com as instituições
e a coisa pública?
No Brasil, onde a democracia tem garantido eleições livres há pouco mais de duas décadas, ainda
nos falta fazer a revolução do conhecimento contra a
ignorância. Aquela que transformaria radicalmente
as perspectivas de desenvolvimento de nosso país e
a vida de cada cidadão, em particular, descartando,
por exemplo, o analfabetismo funcional que assola
20,3% de nossa população.
Cabe-nos realizar a revolução da cultura, com
ações voltadas diretamente à valorização e ao acesso aos bens culturais, sejam eles produzidos no Brasil, tenham sido eles acumulados pela humanidade.
Uma revolução cultural em que a estratégia fosse
Protesto de mulheres, Petrogrado, 1917. Foto de Mark Steinberg.
livrar, tanto de preconceitos quanto de estereótipos,
as culturas popular e erudita, material e imaterial,
fazendo-as chegar às pessoas, de modo que estas
pudessem apreciar, criar sobre e fruir bens que lhes
pertencem.
A revolução da ética, da qual igualmente necessitamos, nos livraria de intermediários, atravessadores,
dubiedades e qualquer ordem de relações escusas,
garantindo-nos maior seriedade, auto-estima e certeza de que o esforço cotidiano no sentido de fazer o
que é certo, honestamente, não é uma batalha perdida, uma tentativa vã.
Juntas, essas revoluções nos assegurariam a liberdade. Ultrapassaríamos o impasse existente entre o individualismo vil e a tirania do coletivismo.
Abandonaríamos a prisão dos autoritarismos de esquerda e de direita. Deixaríamos de consentir com a
unanimidade, que tantas vezes nos ilude e conduz ao
erro. Voltaríamos, pois, a pensar na política, libertos
da apatia.
O projeto Revoluções, realizado em parceira pela
Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, pelo Instituto de Tecnologia Social (ITS — BRASIL), Boitempo Editorial e pelo SESC
São Paulo coloca em xeque a relação entre alguns
movimentos que uniram pessoas e transformaram
realidades ao longo da história e a luta pelos direitos humanos, tendo como panorama a representação
desses processos no cinema e na fotografia.
Para o SESC São Paulo, trata-se da oportunidade de refletir sobre o passado e, sobretudo, sobre o
quanto nos engajaremos em um futuro mais próspero e digno para todos.
Projeto Revoluções
Coordenação do projeto
Qual o significado da palavra “revolução”? Se acrescentarmos o adjetivo “social”, o que a expressão “revolução social”, hoje, pode significar para nós?
Passado o bicentenário de comemoração da Revolução Francesa e passado o breve século das revoluções marxistas, o que nos resta desses eventos históricos? Lembremos como Rússia, Hungria, México,
China e tantas outras revoluções tiveram seus dias
contados. E mesmo Cuba parece anunciar o final de
uma era.
Ainda assim, a palavra revolução não deixa de
povoar o imaginário contemporâneo, sendo evocada para provocar e trazer à tona questões cruciais de
uma sociedade em conflito e transformação.
Contudo, o projeto não visa à simples propagação
das posições revolucionárias de outra hora, mas procura pensar uma questão essencial para os nossos
dias: “Viver e educar para qual sociedade?”
É com essa perspectiva que o projeto Revoluções:
Educação, História, Direitos Humanos, Cinema
e Fotografia será desdobrado, de março a julho de
2011, em um curso, um seminário, oficinas, apresentação teatral, exibição de filmes, exposição de fotos e
um site.
O conjunto de nossas atividades está pensado a
partir de dois temas: os direitos humanos e o embate
entre arte e política. Duas frentes que estão intimamente ligadas à ideia de uma revolução que não se
reduz a um ato de transformação política, social, filosófica ou formal, mas sim produz uma “revolução humana”. A promessa da construção de novas formas
de estar no mundo e de expressá-lo, uma nova vida
para indivíduos e para a comunidade em uma revolução vivida que se torna “uma arte de viver”.
Revoluções, Resistência e Reinvenção
Instituto de Tecnologia Social — Its Brasil
As crises costumam ser a manifestação de momentos
de desequilíbrio, quando se faz necessário apontar
novos caminhos.
No que diz respeito à democracia, dois fenômenos
contraditórios marcam o início do século XXI. As
instituições encarregadas da representação parecem
esvaziadas. Embora continue havendo diferenças
importantes entre governos e partidos, o leque de
políticas consideradas possíveis aparece-nos como
estreitado. Não havendo escolhas reais, os cidadãos
parecem não se sentir representados.
Ao mesmo tempo, outra cultura política emerge.
Multiplicam-se as iniciativas de cidadãos que se articulam para alcançar, por meio de sua própria mobilização, objetivos comuns. A preservação da natureza
(ou de uma espécie particularmente ameaçada); a
garantia dos direitos humanos vistos em sua acepção
mais ampla (ou, por exemplo, os direitos ameaçados
de um grupo muito específico); a promoção de formas
alternativas de produzir, circular e trocar riquezas.
É como se, desencantados com o antigo padrão de
democracia — que implicava uma transferência das
decisões para os eleitos —, os seres humanos procurassem alcançar, eles mesmos, os objetivos que julgam justos e relevantes.
Coloca-se então a questão: onde se encontram
hoje, em nossa sociedade, as forças e estruturas capazes de dar sentido e legitimar o espaço de construção política, quando o sentimento de desencanto e
de esgotamento das formas tradicionais de produção
e exercício do poder parece imperar? Como “reencantar” a política? Por que a discussão sobre a “coisa
pública” parece esvaziada, reduzindo-se a questões
administrativas, e encontrando imensa dificuldade
em mobilizar para a construção coletiva de um destino comum?
Tomar essa discussão a partir do tema “revoluções” tem uma grande vantagem, que vai além de
uma questão meramente histórica. Os momentos
de revolução caracterizam-se, sem dúvida, por mudanças rápidas e profundas de certo estado de coisas.
Isso, numa visão de conjunto. Se nos aproximarmos
das pessoas, veremos que são momentos em que
um profundo arrebatamento por uma vontade de
liberdade, um entusiasmo e um sentimento de que
as ações participam da construção da história são
evidentes. Quer dizer, são momentos de grande “encantamento” pelas grandes causas públicas, quando
cada ato se vê embebido em um sentido pleno.
Assim, compreendemos que a mais importante conquista das revoluções está no direito das
sociedades de não ser espectadoras de seu destino;
mas a participar, ativamente, de sua construção.
Sob este escopo, nos colocamos algumas questões:
Como pensar os valores fundantes da ordem social contemporânea?
Que lugar têm os Direitos Humanos hoje na construção de um projeto coletivo de liberdade universal e de um viver em comum digno e justo, desde o
âmbito local até o planetário, quando se completam
222 anos da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão (e após 62 anos da Declaração dos Direitos
Humanos Universais pela ONU)?
Quais os meios para se reinventar e ressignificar
as estruturas políticas institucionalizadas, de modo
que o Estado possa de fato ser o representante de um
projeto de nação? Como pensar hoje a relação entre
sociedade civil e Estado? Como ampliar os espaços de participação política
para que as pessoas sintam estes espaços como legítimos para os seus anseios de realização enquanto
seres humanos?
Esperamos que o Projeto Revoluções, que o Instituto de Tecnologia Social — ITS Brasil, em parceria com
a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República; o Serviço Social do Comércio do
Estado de São Paulo e a Boitempo Editorial trazem ao
público, possa ser um momento importante de contribuição para pensarmos os desafios políticos que estão
postos nesta que parece ser uma questão política essencial: o que desejamos construir em comum?
Enfim, “como viver junto”?
Bom trabalho a todos!
Pela memória coletiva dos povos
Boitempo Editorial
As revoluções nunca se repetem, cada qual é uma
invenção, uma criação do povo oprimido que se
revolta. Por mais que se possa aprender, se inspirar
com as anteriores, sempre há um processo de
inovação que é imprevisível.
— Michael Löwy, em entrevista para a revista
Caros Amigos, dezembro de 2007
Criada em 1995, a Boitempo se firmou no mercado
editorial brasileiro produzindo obras de qualidade,
com um catálogo consistente e opções editoriais claras. Preocupada com a reflexão política e a difusão
cultural para além das ações restritas ao mundo dos
livros, a editora consolidou ao longo de seus 16 anos
de existência uma tradição em promover eventos condizentes com o espírito crítico de suas publicações.
Desde o lançamento da edição brasileira de Revoluções (2009), coletânea de ensaios e documentos
fotográficos de inestimável valor, organizada por Michael Löwy, a Boitempo vem buscando formas de intensificar o debate acerca das revoluções socialistas
que impulsionaram nossa história, suas conquistas
e derrotas. Por esse e outros motivos, a editora abraçou com entusiasmo esse grande projeto, em parceria com ITS e SESC.
Assembleia na Vila Euclides, São Bernardo do Campo. 1 de maio de 1980.
Foto de Ricardo Alves.
As revoluções determinam mudanças fundamentais na política, na economia e na cultura, perpetuando um legado de esperança entre os mais diversos
povos. Diante disso, nada é mais necessário para
destruir os mitos sobre formas “naturais” e absolutas da sociedade do que revisitar os precedentes históricos que marcaram os séculos passados e o início
do atual, como a recente convulsão árabe. Adentrar
na memória coletiva dos oprimidos, dos explorados
e dos trabalhadores é se fazer inteiro no mundo em
que vivemos, um dever de cada um e de todos que
almejam mudanças.
Ambicioso, o Projeto Revoluções contribui para o
fortalecimento das discussões acerca da importância
dos levantes populares ao abordar o tema em multimídias, com a exibição de fotografias, filmes, videoconferências com renomados especialistas, cursos,
lançamentos de livros e palestras sobre a história e
os desafios de nosso tempo. Esperamos que os registros aqui apresentados iluminem a reflexão em torno
dos rumos tomados pela humanidade e inspirem a
transformação social.
Pai e filho na Rocinha, Rio de Janeiro. Foto André Cypriano.
Sumário
01 O curso Revoluções e Direitos Humanos: Educação, revoluções e
seus direitos no Projeto Revoluções
07 Os palestrantes
Revoluções
09
23
41
57
69
Direitos Humanos e Atualidade
Revoluções e Seus Direitos
Direitos e desejos
Direitos Humanos, Instituições e Educação
Imaginário, Futuro e Utopia
83 Bibliografia geral do curso
87 Ficha de avaliação
O curso Revoluções e Direitos Humanos:
Educação, revoluções e seus direitos no Projeto Revoluções
Comissão Organizadora
Prezados,
O curso Revoluções e Direitos Humanos: Educação,
revoluções e seus direitos pretende realizar uma investigação crítica sobre a nossa compreensão deste
tema na atualidade. Seu objetivo é justamente apontar os limites que envolvem a ideia de que os princípios dos direitos humanos, por defenderem as mais
nobres causas em favor da vida humana, são uma
força de contenção suficiente contra a opressão, em
seus mais diversos níveis e modalidades.
O marco a partir do qual pensamos os direitos humanos se pauta por sua relação com as revoluções.
Desde seu surgimento na Revolução Francesa, com
a Declaração Universal dos Direitos Humanos e
do Cidadão, os direitos humanos sempre estão misturados com estes momentos históricos que levaram a humanidade às transformações econômicas,
Assembleia na Vila Euclides, São Bernardo do Campo. 1 de maio de 1980.
Foto de Ricardo Alves.
1
jurídicas ou culturais. Seriam as revoluções modernas porta-vozes dos direitos humanos ou o contrário? Dúvidas como esta justificam este curso no
coração do Projeto Revoluções, que busca redefinir
este termo um pouco usurpado com tantos anos de
ideologias anticíclicas, que não tinham mais a oferecer do que a dura retórica de que a história chegava
a seu fim. Contrariando este pensamento, a associação proposta entre Revoluções e Direitos Humanos
busca lembrar os diversos paradoxos que herdamos
até então. Uma posição que nos exige uma profunda
reflexão para pontuarmos as dimensões reais destes
termos aparentemente desgastados.
O curso vai aprofundar o tema tanto em uma
perspectiva histórica quanto para entender as implicações filosóficas, antropológicas e jurídicas que o
envolvem. Para tanto, se divide em quatro unidades.
A primeira delas vai embrenhar-se na relação entre os direitos humanos e as revoluções. Investigaremos em que sentido as grandes transformações
sociais trazem em seu bojo demandas por justiça e
alteração nas relações dos homens entre si e destes
com as instituições sociais em geral.
A segunda unidade tratará da relação entre Desejos e Direitos. Acima mencionamos que a versão moderna dos direitos humanos estava relacionada com a
historicização das leis e dos princípios fundadores do
direito. Isto quer dizer que em vez de pensarmos que
os direitos humanos são a expressão de princípios
atemporais, imutáveis, devemos pressupor que eles
expressam nossos mais profundos desejos de realização da autonomia. Nesse sentido, os direitos humanos não podem ser pensados em separado da noção
Revoluções
de sujeito e da perspectiva de que este é construído
e reconstruído historicamente, e que a expressão da
subjetividade nos direitos envolve uma dimensão
da experiência humana além da materialidade, isto
é, a linguagem, os universos simbólico e dos sonhos.
Ao trabalharmos os Mecanismos dos Direitos Humanos, na terceira unidade, investigaremos o que
pode tornar esses direitos concretizados. O principal
objetivo aqui é mostrar que sem instituições e programas dedicados a essa causa e dispostos a se empenhar para realizar os princípios mencionados acima,
toda a retórica em favor dos direitos humanos corre
o risco de se tornar vazia e sem sentido para os indivíduos que realmente sofrem as consequências da
opressão. Nesta parte daremos especial atenção para
a educação.
Na quarta unidade, o objetivo é pensar os direitos
humanos sob a relação entre Imaginário, Futuro e
Utopia. Que horizonte a defesa e o pensamento sobre os direitos humanos nos reservam? A incorporação de práticas de violência contra seres humanos
como instrumento de manutenção do poder político
por democracias supostamente impermeáveis aos
dispositivos de governos autoritários torna cada vez
mais sombria a perspectiva de realização dos direitos
humanos. Além disso, notamos um desenvolvimento
científico e tecnológico que fornece novos patamares
para se repensar o que é afinal de contas o humano e
seus direitos. Novas crises, novas demandas, qual seria o horizonte utópico que os direitos humanos têm
a nos oferecer?
Com a intenção de aprofundarmos o debate, preparamos esta sequência de textos. Pequena série de
3
ensaios provocativos que não pretendem esgotar o
debate, mas fornecer elementos para este, munindo
o aluno com Declarações, Leis e Ensaios, próximos
aos temas do curso. Elementos que também estarão
disponíveis no site www.revolucoes.org.br.
Por fim, gostaríamos de agradecer a presença de
vocês e, na esperança de conduzir um bom processo,
obter o retorno de suas expectativas através do questionário, pelo qual avaliaremos as potencialidades de
nosso curso.
Bem-vindos e bom curso!
Os palestrantes
Prof. Costas Douzinas Professor de Direito e diretor do Instituto de Ciências Humanas de Birkbeck
na London University; professor visitante nas Universidades de Atenas, Paris, Tessalonica e Praga. Em
1998, foi professor visitante na Universidade de Princeton e na Escola de Direito de Cardozo. Em 2002,
foi pesquisador visitante nas Universidades de Griffith, Pequim e Nanquim. Conhecido por seu trabalho
em direitos humanos, estética, jurídica pós-moderna, teoria e filosofia política, fez parte da equipe que
criou a Escola de Direito de Birkbeck. Em 1997 foi
premiado com a bolsa Jean Monnet pelo Instituto
Europeu de Florença.
Prof. Alysson Leandro Barbate Mascaro Professor da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo e dos cursos de Mestrado e Doutorado
em Direito Político e Econômico e da Graduação em
Revoluções
5
Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É
Professor Livre-Docente em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo, com
a tese Da ontologia jurídica da utopia: Ernst Bloch,
esperança e direito. Membro do Conselho Pedagógico da Escola de Governo — USP. Publicou Utopia
e Direito — Ernest Bloch e a Ontologia Jurídica da
Utopia, Crítica da Legalidade Jurídica e do Direito
Brasileiro.
Profa. Olgária Matos Bacharel em Filosofia pela
Universidade de São Paulo (1970), mestre em Filosofia — Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) (1974)
e doutora em Filosofia pela Universidade de São
Paulo (1985). Atualmente é professora titular da Universidade de São Paulo e professora visitante do curso de Filosofia da Universidade Federal de São Paulo.
Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em
História da Filosofia, atuando principalmente nos
seguintes temas: tempo, filosofia, razão, democracia
e história. Publicou Benjaminianas: Cultura Capitalista e Fetichismo contemporâneo, Contemporaneidades, Discretas Esperanças: reflexões filosóficas
sobre o mundo contemporâneo, Os arcanos do inteiramente outro: A Escola de Frankfurt, a melancolia,
a revolução (vencedor do Prêmio Jabuti).
Avançados (IEA-USP); atua ainda na área de formação de professores em direitos humanos, com projeto
vinculado à Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH); desenvolve projeto de pesquisa sobre
Hannah Arendt, modernidade e educação, com financiamento do CNPq.
Deputado Federal Paulo Teixeira Deputado Federal reeleito pelo Partido dos Trabalhadores
(PT) e atual líder da bancada de seu partido, Paulo
Teixeira foi membro titular da Constituição de Justiça e de Cidadania (2007) e integrou a Comissão
de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São
Paulo (2005/2006). Enquanto Deputado Estadual
foi membro da Comissão de Direitos Humanos da
Assembleia Legislativa (1999–2001). Em 2006, defendeu a dissertação de mestrado em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito (USP), com o
título “O Direito à Moradia na Constituição Brasileira, o Sistema de Garantia na Legislação e a Experiência de São Paulo”.
Prof. José Sérgio F. Carvalho Pesquisador e professor em programas de graduação e pós-graduação
da Universidade de São Paulo (USP); membro da
cátedra USP/Unesco de educação para os direitos
humanos e do grupo de estudos em temas atuais de
educação, ambos sediados no Instituto de Estudos
Revoluções
7
I
Direitos Humanos e atualidade
Revoluções
9
Por que os direitos humanos são importantes hoje?
O que poderá haver de comum entre os seguintes
acontecimentos: a criação das Delegacias da Mulher
no Brasil (1986) e o empenho do movimento feminista para fazer valer a lei da violência doméstica contra
a mulher — a lei Maria da Penha (2006); o movimento
da população egípcia para derrubar o ditador Hosni
Mubarak (2011); o movimento contra a carestia que,
em 1972, conseguiu reunir mais de 1 milhão de assinaturas em pleno período militar no Brasil, contrapondo-se ao desemprego, ao arrocho salarial, e exigindo
a realização da reforma agrária; a condenação dos
políticos sérvios (a partir de 1996), no Tribunal Penal Internacional, pelos crimes contra a humanidade,
ocorridos na guerra da Bósnia (1992–1995)?
Não importa que sejam eventos ocorridos em países diferentes, épocas distintas, motivações absolutamente diversas. O que há de comum entre eles é que
todos diziam respeito à luta de seres humanos oprimidos ou em nome deles, no caso do Tribunal, contra
a opressão e a eliminação dos direitos fundamentais
de proteção ao indivíduo. Nos eventos citados acima há o esforço de deter e reverter a dominação que
mira a eliminação desses direitos e extermínio da
própria vida humana. Essas lutas de resistência contra a opressão sem medidas, em todas as suas formas,
lugares, matrizes ideológicas e históricas são a causa
fundamental da ação de grupos, instituições, Estados
e indivíduos a favor dos direitos humanos.
Não são poucos os fatos que amparam o historiador Eric Hobsbawm em sua avaliação de que o século
XX é a “era dos extremos” (HOBSBAWM, 1995). A
Revoluções
11
eficácia das inovações vistas nesse período, se comparadas às de outros do passado, surpreende principalmente se levarmos em conta que foi entrecortado
por guerras e revoluções, que provocaram um grau
de destruição e de transformações jamais experimentado pela, assim chamada, civilização. Há quem
considere que as invenções tecnológicas mais decisivas do século não teriam vingado sem as guerras;
muitas sequer teriam sido criadas e/ou aperfeiçoadas — o avião, o telefone, a eletricidade etc.
Há quem afirme, todavia, que nesse período a tal
civilização experimentou os piores horrores da barbárie, causados pelos homens contra os seus próprios
semelhantes. O Holocausto, campos de extermínio
humano em massa, campos de concentração e trabalho forçado, exploração do trabalho humano, violência contra mulheres e crianças, fome, são os eventos
que marcaram a primeira metade do século, mas que
foram revividos em outra dimensão em inúmeras
guerras, ou fora delas, também na segunda metade.
Por isso, um dos extremos que fixaram a identidade
do século XX foi o quanto indivíduos foram oprimidos e explorados mundo afora, tanto por governos
quanto por organizações políticas estatais ou não estatais, religiosas e até empresariais.
De um lado, observam-se nesse período da história maravilhas da criação que elevaram a nossa condição humana e tornaram a vida mais fácil. Por outro,
vê-se a exploração humana causada por próprias
mãos, engenho e esforço humanos. Se esses eventos são complementares ou contraditórios entre si
não podemos responder neste momento. Mas, como
afirma Costas Douzinas, o reconhecimento de que o
Revoluções
século XX “é o século do massacre, do genocídio, da
faxina étnica...” pode nos levar a entender por que é
também “a era dos direitos humanos” (DOUZINAS,
2009). Por mais que nos pareça paradoxal essa conclusão, é no momento em que constatamos que enormes contingentes de população experimentaram as
mais inimagináveis privações, que mais se ouviram
falar pomposamente nos “direitos do homem”, na
integridade inviolável da pessoa humana, no direito à vida digna e saudável, no direito à liberdade de
pensamento, crença e expressão, entre outros tantos belos temas. O triunfo dos direitos humanos, na
acepção de Douzinas, deve-se em parte à emergência
destas catástrofes cuja autoria se deve aos próprios
homens. Mas por quê?
a. Direitos Humanos como punição e
freio à barbárie
Como definir e pensar os direitos humanos, tomando por
base justamente aquilo a que se contrapõe?
Em certo sentido, os direitos humanos são desde
sempre “a experiência política da liberdade, a expressão da luta para libertar os indivíduos da repressão externa e permitir sua autorrealização”
(DOUZINAS, 2009). Não por outro motivo, a luta
pelos direitos humanos esteve, desde o século XVIII,
diretamente relacionada às revoluções, embora não
somente a estas. Sempre que homens se insurgiram
contra governos fundados na opressão, na exploração, na violação de justiças, na prática da violência
como instrumento de justificação e manutenção do
13
poder, em qualquer lugar onde tais movimentos
se deram, pode-se dizer que em alguma medida os
direitos humanos estavam entre o conjunto das demandas por parte dos insurgentes. Nas revoluções
modernas, desde a Revolução Francesa, as causas
são também econômicas, sociais, mas, em todas elas,
a contestação da exploração e da opressão pelo poder a ser convulsionado está presente.
b. Do Direito Natural aos Direitos
Humanos
Que origem terão os direitos humanos?
O que chamamos hoje de modernidade, tanto em
relação ao pensamento quanto ao período histórico,
acarretou uma mudança radical na concepção do
próprio fundamento do direito, cujas consequências
possibilitaram, entre outras coisas, a atual formulação dos direitos humanos.
Desde a invenção dos códigos jurídicos que influenciaram as leis dos países ocidentais, nas civilizações
grega e romana, o direito natural esteve na base da
concepção das leis. Filósofos como Cícero, Tomás de
Aquino, Hugo Grócio sustentaram, cada um a sua maneira, que os princípios do direito e das leis não deveriam estar em desacordo ao que a natureza nos ensina.
Nenhuma lei humana poderia ter valor caso contradissesse o que é natural. Por isso, observamos em Aristóteles o argumento de que o homicídio é ato contra a
natureza. Civilizações posteriores aos gregos e influenciadas por sua concepção do direito entenderam que
matar um cidadão é ato juridicamente inaceitável.
Revoluções
A reviravolta sobre a concepção do direito, causada pela filosofia moderna, a partir de Thomas Hobbes,
se baseou em que o direito natural não era suficiente
para sustentar os princípios ordenadores da vida civil, que se organiza no Estado. Assim, os direitos civis
deveriam ser criados pelos homens em acordo com o
que prescrevia o direito natural, mas nunca restritos
a ele. Posteriormente, a partir do século XVIII, filósofos defenderam que o direito e as leis só poderiam
ser concebidos a partir da experiência histórica humana e não com base em princípios — como a natureza — cuja vaidade era atemporal. Essa historicização
dos princípios do direito possibilitou a incorporação
ao campo das leis e do direito, em sentido amplo,
uma série de reivindicações históricas, calçadas em
movimentos e ideias forjados pelos homens e mulheres que experimentaram condições muito específicas.
Por exemplo, as reivindicações que fundamentaram a Revolução Francesa: liberdade, igualdade e
fraternidade.
É nesse contexto que, do ponto de vista do direito,
se passa a falar naqueles direitos que diziam respeito à conservação dos homens contra a opressão, a
exploração e a dominação, contra, enfim, o que os
impedia de ser indivíduos autônomos e senhores
de suas próprias vidas, de direitos humanos. Estes
passaram a ser expressos até mesmo em documentos e declarações. O objetivo destes foi, desde o início, nortear os governos e as instituições políticas
ou não, assim como aquelas em que se inseriram os
cidadãos para acusarem como inaceitável qualquer
situação de opressão e de violação da dignidade da
vida humana.
15
c. As Declarações e a universalidade
dos Direitos Humanos
Mas que documentos são esses? Princípios Universais dos Direitos Humanos
Um dos resultados que melhor expressaram a radicalidade das mudanças ensejadas pela Revolução Francesa foi a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão. Publicada em 1789, ela representa a inauguração simbólica da moderna acepção dos direitos
humanos. Os princípios que deram origem a essa declaração, assim como aqueles que ela congrega, são
por si mesmos revolucionários, se compararmos o
ideário que funda esse texto com aquele que sustenta
as bases do Antigo Regime francês. Contra a ideia de
que por natureza há homens aptos a mandar e outros a obedecer, uns nascidos para o ócio e outros
para o trabalho, uns para o comando e outros para
a escravidão, os revolucionários, em assembleia, declararam no artigo 1° que: “Os homens nascem e vivem livres e iguais em direitos. As diferenças sociais
só podem ser fundamentadas no interesse comum”.
Veja-se que as diferenças sociais, quando existirem,
se prestam à realização de interesses dos cidadãos.
E para consumar o princípio dos direitos humanos
em acordo com os interesses comuns dos cidadãos, o
artigo 2° da Declaração estabelece primeiro que: “O
fim de toda associação política é a conservação dos
direitos naturais e imprescritíveis do homem”. E define que tais direitos são: “a liberdade, a propriedade,
a segurança e a resistência à opressão”. Este último
direito constitui nada mais do que o fundamento de
Revoluções
toda e qualquer reivindicação em nome dos direitos
humanos. É a resistência à opressão que sustenta ser
incondicional a defesa da inviolabilidade da dignidade humana, em quaisquer situações sociais e políticas e circunstâncias históricas.
Após a experiência de horrores e de barbárie que
nos propiciaram os domínios imperiais de países europeus sobre a África, na segunda metade do século
XIX, e, principalmente, as duas Guerras Mundiais,
na primeira metade do século XX, outra Declaração
veio firmar o caráter insubstituível e incondicional
dos direitos humanos. É a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, assinada em 1948 pelo conjunto
de países que subscreveu a criação da Organização
das Nações Unidas (ONU). Esta nos possibilitou confirmar o século passado como aquele em que triunfou o discurso em defesa dos direitos humanos. Se
de fato essa Declaração orientou e forçou os países a
aplicarem os seus princípios é algo que deve ser posto em questão.
Qual a intenção destas declarações?
A superação de fronteiras territoriais e ideológicas pelos direitos humanos
As suas intenções envolvem o desejo de reconhecimento de que são inalienáveis a dignidade e a igualdade humanas. É claríssima aqui a oposição aos
princípios fundadores da ideologia da supremacia
racial e social, que constituíram a gênese do regime nazista e do fascista na Europa e do, então, seu
apoiador na Ásia. Também essa Declaração procurou reafirmar especificamente o que constituem as
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violações aos direitos humanos. Estas resultam em:
“atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade”. Ao mesmo tempo, se procurou estabelecer que os direitos humanos, em todos os países da
comunidade de nações congregadas na ONU, que esses direitos estivessem expressos claramente nas leis
e fossem protegidos por elas “para que o ser humano
não seja compelido, como último recurso, à rebelião
contra a tirania e a opressão”.
Indiretamente, a constatação acima reconhece
que a insurgência contra a exploração humana, embora possa não consistir em ato legal, é por definição
dos direitos humanos um ato legitimamente justificável. O que demarca o caráter abrangente desta
Declaração é que, em seu parágrafo 2, do artigo 2°
não se considera para a defesa dos direitos humanos
nenhuma “distinção fundada na condição política,
jurídica ou internacional do país ou território a que
pertença uma pessoa, quer se trate de um território
independente, sob tutela, sem governo próprio, quer
sujeito a qualquer outra limitação de soberania”. São
firmados como crimes imprescritíveis a escravidão, a
servidão, o tráfico de escravos, tortura e tratamento
cruel. Estabelecem-se como inaceitáveis atos como a
prisão, a detenção e o exílio arbitrários. A presunção
da inocência até a consumação do julgamento também é princípio que ao ser ferido constitui afronta
aos direitos humanos.
A divulgação desta última Declaração veio pôr em
destaque o caráter paradoxal da defesa e da efetivação dos direitos humanos, desde a segunda metade
do século passado. Sem dúvida esse texto representou avanço na defesa dos direitos humanos e sua
Revoluções
subscrição por um número expressivo de países
possibilitou que se vislumbrassem práticas menos
desumanas de governos, instituições e dos próprios
homens contra os homens. Contudo, a divisão em
blocos de poder em torno dos Estados Unidos e da
então União Soviética e eventos derivados desta conjuntura bipolar pós-Segunda Guerra na Europa e
suas consequências na Ásia, bem como a posterior
derrocada do bloco comunista, além da persistência
das disputas territoriais e étnicas na África e religiosas no Oriente Médio, eventos como esses e outros
vinculados à exploração humana em benefício da
acumulação de riquezas legais ou ilegais, a persistência do racismo, tudo isso vem contestar a eficácia da
formulação de acordos retóricos em favor dos direitos humanos.
De fato, são eficazes os documentos em defesa dos direitos
humanos?
Primeiro, em pleno século XXI, cabe levantar as
questões: a defesa dos direitos humanos é um posicionamento factível aos governos, aos Estados, a
instituições religiosas? Por que a defesa dos direitos
humanos é um propósito que ultrapassa os limites
dos governos e das instituições oficiais? Haverá limites instrumentais e políticos para uma real proteção
da dignidade humana?
Antes que nos afundemos no pessimismo ou nos
iludamos com a eficácia de ações isoladas, que denotam doação e boa vontade dos cidadãos em favor
de causas que pouco incomodam os lugares onde
se gestam as violações aos direitos humanos, propomos aqui que essas questões sejam avaliadas e
19
aprofundadas. É necessário que confrontemos o pensamento atual sobre os direitos humanos com nosso presente e com as práticas históricas que têm se
mostrado muito ou pouco eficazes para a realização
e a defesa desses direitos. Como afirma Douzinas, o
desafio que comporta a defesa dos direitos humanos
está em que esta nos põe diante de incertezas e nos
faz confrontar problemas que vinculam, ao mesmo
tempo, os aspectos mais íntimos de nossa vida àqueles mais universais que envolvem toda a humanidade
e sua história. Por que não tentar conhecer melhor os
contornos desse desafio?
O caráter paradoxal dos direitos humanos
A aprovação aos ideais dos direitos humanos tem, nesta primeira década do século XXI, adquirido adeptos
e inspirado consensos. Depois que as utopias do século XX tiveram seu fim decretado, uma nova retórica de mobilização em defesa do ser humano seduziu
ou foi utilizada para seduzir os corações e as mentes
mundo afora. Ideólogos de esquerda, centro e direita; políticos de países centrais e periféricos, do Norte
e do Sul; dirigentes de governos identificados com
as mais díspares correntes ideológicas reconhecem a
importância de se apoiar os direitos humanos.
O que poderia ser princípio de libertação da opressão e da dominação sobre homens e mulheres, crianças e idosos em todas as regiões da Terra, veio se
apresentar como retórica capaz de encobrir interesses, antes disfarçados por discursos ideológicos mais
nítidos. Embora possam se apresentar como defensores das mais nobres causas humanitárias, haverá
alguma diferença entre o discurso de um presidente
Revoluções
da República e o de ativistas políticos. Um pode justificar a promoção da liberdade e do humanitarismo
quando invade um país, acarretando a morte de cidadãos inocentes; outro pode incentivar os movimentos feministas a exigirem o fim da violência sexual
contra meninas adolescentes. Qual destes, de fato,
promove e defende os direitos humanos?
Como vimos acima e constata Douzinas, o envolvimento com este tema na atualidade comporta desafios. De um lado, o debate e os estudos que
o concernem estão entre as preocupações centrais
da filosofia e da jurisprudência, que congregam as
aspirações de conservação da vida, da liberdade, da
emancipação e da autonomia do ser humano. De
outro, a retórica sobre os direitos humanos se desenvolve permeada por interesses de dominação e
exploração que se mascaram nos argumentos defensores do humanitarismo.
Entre os desafios que se apresentam aos que se
envolvem com essa causa hoje está o de compreender
que o seu desenvolvimento na história não se dá descolado das mais importantes formulações teóricas da
filosofia e do direito, entre outras áreas de conhecimento. Também é insubstituível que os direitos humanos sejam levados à crítica, tendo em vista que o
alinhamento de grupos os mais diversos às suas causas mais importantes não nos tornam claros os interesses escondidos nessa adesão. Afirma Douzinas:
os direitos humanos “só têm paradoxos a oferecer”
(DOUZINAS, 2009). Mais do que um desestímulo ou
prenúncio do fim de um novo horizonte de combate,
tal constituição paradoxal nos dá a exata dimensão
do problema a ser enfrentado pelos que, de fato, têm
21
compromissos não apenas discursivos, estéticos e comerciais com os direitos humanos.
De fato, os direitos humanos são utopia ou a sua
realização pertencerá a algum momento de nosso
futuro?
II
Revoluções e seus Direitos
Revoluções
23
Declaração Universal dos Direitos
Humanos
Adotada e proclamada pela Resolução n° 217 A (III)
da Assembleia Geral das Nações Unidas em
em 10 de dezembro de 1948. Assinada pelo Brasil na
mesma data.
DOCUMENTOS
Considerando que o reconhecimento da dignidade
inerente a todos os membros da família humana e de
seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da
liberdade, da justiça e da paz no mundo, Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos
direitos humanos resultam em atos bárbaros que ultrajam a consciência da humanidade e que o advento
de um mundo em que os homens gozem de liberdade
de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a
mais alta aspiração do homem comum,
Considerando essencial que os direitos humanos
sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o
homem não seja compelido, como último recurso, à
rebelião contra a tirania e a opressão,
Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, Considerando que os povos das Nações Unidas
reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos
fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das
25
Revoluções
mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade
mais ampla,
Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as
Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância
desses direitos e liberdades,
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância
para o pleno cumprimento desse compromisso,
A Assembleia Geral proclama:
A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos
os povos e todas as nações, com o objetivo de que
cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo
sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de
medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a
sua observância universal e efetiva, tanto entre os
povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre
os povos dos territórios sob sua jurisdição.
Artigo 1° Todas as pessoas nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com
espírito de fraternidade.
Artigo 2° Toda pessoa tem capacidade para gozar os
direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça,
cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
Não será tampouco feita qualquer distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional
do país ou território a que pertença uma pessoa, quer
se trate de um território independente, sob tutela,
sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra
limitação de soberania.
Artigo 3° Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo 4° Ninguém será mantido em escravidão ou
servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão
proibidos em todas as suas formas.
Artigo 5° Ninguém será submetido à tortura,
nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante.
Artigo 6° Toda pessoa tem o direito de ser, em todos
os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei.
Artigo 7° Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei.
Todos têm direito a igual proteção contra qualquer
27
a. Revoluções e a ideia dos direitos
de um homem universal
discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo 8° Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para
os atos que violem os direitos fundamentais que lhe
sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.
Artigo 9° Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo 10° Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de
um tribunal independente e imparcial, para decidir
sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de
qualquer acusação criminal contra ele.
(Documento completo no site www.revolucoes.org.br)
Que relações haverá entre as revoluções e os direitos
humanos?
Revoluções e direitos universais
O fato de as revoluções modernas e contemporâneas envolverem os propósitos mais nobres dos direitos humanos é revelador não apenas do caráter
eminentemente político desses eventos, mas denota
que são movimentos cuja origem é a vontade popular. Os franceses exigiam nada menos do que a reconfiguração completa das relações entre o poder e
o povo, pretendiam reestruturar o Estado para que
este estivesse permeável e pudesse responder a suas
demandas — igualdade, liberdade, justiça, bens materiais. Por esta razão se afirma que nesses movimentos deflagradores das transformações radicais o que
está em jogo é a emancipação, isto é, o desejo de que
o indivíduo se torne o único senhor de sua vida e de
suas decisões.
Mesmo que consideremos as diferenças entre as
revoluções francesa e americana, veremos que, em
ambas, nunca se perde o horizonte de libertação da
opressão e de realização de demandas sobre problemas como inseguranças sociais, econômicas e físicas. Do ponto de vista programático, as distinções
entre esses dois eventos residem em que, na francesa, os interesses estão mais relacionados a uma
noção genérica de homem, de natureza humana. Os
aspectos mais específicos das demandas por libertação — problemas de gênero, raça, igualdade de bens
29
materiais — não constaram das declarações. Tais ausências tornam a possibilidade de sua concretização
algo distante do momento revolucionário. Um importante exemplo é que na mesma França, o direito
ao voto foi concedido às mulheres apenas em 1944.
Também o direito das mulheres à educação pública
e universal e ao trabalho não foi reconhecido pelas
instituições estatais até o século XX.
Cabe perguntarmos, então, que homem terá sido esse da
Declaração dos Direitos do Homem?
Certamente não era aquele que habitava regiões
além do território francês. Enquanto a escravidão
fora abolida na região metropolitana de Paris em
1792, ela foi restaurada pelo império, nas suas colônias, em 1802. A superioridade do homem francês
em relação àqueles habitantes do Caribe — o Haiti
é o exemplo maior — permaneceu garantida por decretos legais até 1848.
Os críticos da Revolução Francesa sustentaram
que garantir o direito desse homem abstrato é o mesmo que nada fazer. O conservador Joseph de Maistre
afirmava que “conheci italianos, russos, espanhóis,
ingleses, franceses, mas não conheço o homem em
geral” (DOUZINAS, 2009). Marx, também crítico,
afirmava que ao contrário de vazio, o “homem” da
Declaração é repleto de conteúdo. Trata-se do indivíduo atomizado “o homem burguês orientado ao
mercado cujo direito à propriedade é transformado
em fundamento de todos os demais direitos e embasa o poder econômico do capital e o poder político
da classe capitalista” (DOUZINAS, 2009). Se esta
Revoluções
revolução veio cumprir ou não as demandas populares que a originaram não é discussão que poderemos desenvolver aqui. O fato relevante é que com ela
o Estado adquire nova configuração e se torna mais
permeável, mesmo que não para todos os homens
igualmente, às demandas populares.
b. Revoluções e realização do
indivíduo concreto
Quando as revoluções se referem ao indivíduo concreto e
não ao homem universal?
Revolução, liberdade e felicidade
A Revolução Americana (1776) também se localiza entre aquelas que instituíram entre os direitos
elementos que estão diretamente relacionados aos
direitos humanos. Duas Declarações foram produzidas pelos norte-americanos revolucionários: Declaration of Independence (1776) e Bill of Rights (1791).
Apesar de se distinguir da francesa, cujos protagonistas eram efetivamente vindos de camadas menos
favorecidas da população, a Revolução Americana
também trouxe em seu bojo o desejo de libertação
das estruturas de poder e sociais estabelecidas pela
monarquia; no caso, a inglesa. Porém, o fato marcante dessa revolução, do ponto de vista dos direitos,
está justamente em que procura favorecer e expressar os interesses mais específicos do homem, este
também muito mais concreto do que aquele que observamos na declaração francesa. Por exemplo, além
da emancipação, a Declaração americana introduz o
direito à felicidade.
31
Há quem defenda que o que hoje se chama de “sonho americano” da realização pessoal e da satisfação
advinda do esforço individual já está implícito nestas
linhas. O que ali se encontra é a “crença de que os
indivíduos são capazes de desenvolver seus poderes
inatos imaginativos e criativos por meio da melhoria
econômica e da participação na vida científica, literária e cultural” (DOUZINAS, 2009). Também estão
expressos como direitos a segurança às pessoas, casas, papéis, e o de portar e manter armas. Sem que
estabeleçamos juízos de valor sobre tais direitos, o
que nos cabe destacar aqui é justamente a especificidade e a concretude deles em relação àqueles criados
pela Revolução Francesa.
c. E no Brasil?
Revoltas e contrarrevoltas da elite conservadora
O Estado no passado colonial e imperial do Brasil, até 1888, foi impermeável a qualquer demanda
popular por liberdade e contrária à opressão. Um
fato contrastante de nosso país em relação a França, Inglaterra e Estados Unidos é que esses Estados
se constituíram, em sua versão moderna, a partir
de revoluções que aspiravam, entre outros aspectos, à emancipação dos cidadãos. No Brasil, em que
a escravidão dos negros e dos índios era um dos pilares de sustentação da economia voltada à exportação 1 — extrativista da madeira e cana, depois do ouro
e cafeeira — os poderes políticos e o Estado se constituíram, ou legitimando a violência da exploração de
mão de obra, ou eles mesmos se associando a essa
forma viabilizadora do acúmulo de riqueza.
Revoluções
Não podemos dizer que não existiram movimentos de contestação à exploração no período colônia
e império da história do Brasil, isto é, antes da abolição da escravatura, em 1888. Porém, eles jamais
adquiriram proporções revolucionárias, como as citadas acima. Há quem chame de revolução aos eventos que se deram em 31 de março de 1964. De fato,
o que experimentamos naquele momento — veremos
adiante — foi um golpe militar clássico, com todas
as características dos movimentos conservadores
que visam à restauração da ordem conservadora e
interditam o processo de mudanças resultantes de
demandas populares. Aliás, esses movimentos de interdição das demandas populares são uma constante
na história do Brasil.
Desde o século XVII, na região Nordeste brasileira
se deram inúmeras revoltas, a maioria delas associada
a disputas comerciais e/ou territoriais. Uma das primeiras revoltas que envolvem membros do povo contra elites governantes foi chamada de Balaiada, entre
1838 e 1841. Na outra ponta do país, podemos destacar os propósitos antimonarquistas dos partidários
da Revolução Farroupilha (1835–1845) e sua tentativa de implantação de uma República Rio-Grandense.
Porém, nenhuma delas atingiu maior repercussão
para a totalidade do território brasileiro e criou marcas em favor da liberdade e dos direitos civis em geral.
O movimento que cumpriu melhor esses objetivos na
história do Brasil antes da abolição foi a Inconfidência Mineira, que se deu na segunda metade do século
XVIII e não era propriamente de origem popular.
Os Inconfidentes eram um grupo da elite intelectual e comerciante instalado em Minas Gerais, na
33
cidade de Vila Rica, hoje Ouro Preto, e arredores. Estabeleceram reivindicações frontalmente contrárias
aos interesses da Coroa portuguesa; então, fartamente beneficiada pelo pagamento de enormes somas
de impostos junto aos mineradores e comerciantes.
Contra a expropriação, chamada Derrama, os insurgentes planejaram chamar a atenção da população
e sensibilizar para a necessidade de romperem relações políticas com Portugal. Entre as reivindicações
dos Inconfidentes estavam: constituir uma República, instalar uma Universidade, desenvolver manufaturas no país, estimular a agricultura doando terras
públicas às famílias pobres. Tanto quanto essa pauta
liberal e emancipatória, é preciso aqui destacar a reação dos partidários da Coroa contra o movimento
dos Inconfidentes. A violência teve sua marca mais
evidente com a prisão e condenação de Joaquim José
da Silva Xavier, o Tiradentes. Enforcado, seu corpo
foi exposto em partes colocadas sobre postes e a cabeça exposta em público.
No século XIX, várias revoltas se associaram ao
desejo de libertação dos escravos. A Revolta dos
Malês, negros islâmicos que exerciam atividades livres (alfaiates, carpinteiros, artesãos), foi um exemplo entre outras várias que se deram até 1888, ano
da abolição da escravidão. O movimento se deu em
Salvador e pretendeu libertar negros escravizados
em engenhos de cana. Todavia, foi nos Quilombos,
desde o século XVII, que os negros exerceram por
suas próprias mãos a resistência contra a exploração. Os escravos fugidos do domínio dos senhores se
refugiavam em locais no interior das matas. Tais locais se estenderam por localidades onde hoje são os
Revoluções
estados de Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Pernambuco, Goiás, entre outros. Em 1630, o Quilombo dos
Palmares, em Alagoas, chegou a contar com mais de
40 mil negros que buscavam se proteger. Zumbi dos
Palmares, mesmo tendo nascido livre, em 1655, resolveu viver no Quilombo e, desde os 25 anos, se tornou o grande líder daquele local. Depois de enfrentar
grandes batalhas contra os fazendeiros e membros
da elite que não aceitavam a atitude de resistência à
escravidão, Zumbi foi capturado e degolado, em 20
de novembro de 1695.
A república das elites conservadoras
Mesmo no período após a proclamação da República, em 1889, o Brasil não seguiu o roteiro daqueles
Estados modernos pós-revolucionários, que responderam mais e mais aos anseios de autonomia e
liberdade da população. Os embates que se deram
entre camadas populares e o Estado não foram suficientes para que este incorporasse grande número de
demandas contra a exploração e as arbitrariedades
do poder político. Vale apontar que, nas primeiras
décadas da experiência republicana, o poder central
no Brasil era francamente ocupado pelas elites regionais, principalmente de São Paulo, do Rio de Janeiro
e Minas Gerais. Com a ascensão de Getúlio Vargas
ao poder central, não pelo voto, em 1930, vão ao primeiro plano da política nacional as elites políticas
e militares do Rio Grande do Sul. Esta ascensão foi
considerada por muitos estudiosos no Brasil como
Revolução Tenentista. Todavia, esta repete um roteiro segundo o qual as mudanças, quando consumadas, se deram por um acordo de elites governantes
35
e não como decorrência de mudanças estruturais na
relação entre o Estado e o povo. Como avanços ou
concessões estabelecidas pelo novo governo temos
que neste momento é instituído o voto secreto, universal e inviolável. Em 1932, as mulheres poderiam
votar e ser votadas e fora regulamentado o trabalho
feminino.
Nenhum período é mais ilustrativo de quanto o
Estado brasileiro foi resistente à incorporação de direitos provenientes de demandas populares do que
aquele que antecedeu o golpe militar de 1964. Desde
que Jânio Quadros renunciou à Presidência e João
Goulart assumiu o poder, partidos políticos, sindicatos e grupos de cunho popular, organizações estudantis, entre outros, todos estes pensavam estar a um
passo de implantar as reformas de base do Estado
brasileiro, que envolviam: as reformas urbana, administrativa, agrária e universitária. Além disso, defendiam a necessidade de estender o direito de voto
aos analfabetos e às patentes subalternas das forças
armadas, como marinheiros e os sargentos. Porém, o
que causou mais descontentamento aos setores conservadores da sociedade brasileira, que encontraram
respaldo em instituições do próprio Estado, como o
exército, foi a defesa da reforma agrária.
O objetivo desta medida seria eliminar os conflitos
pela posse da terra e garantir o acesso à propriedade de milhões de trabalhadores rurais. João Goulart
fora visto pelas elites conservadoras como político de
orientação marxista, que teria entre outras intenções
implantar no Brasil o regime comunista. Em discurso
por ocasião do encerramento do 1° Congresso Camponês, realizado em Belo Horizonte em novembro
Revoluções
de 1961, Goulart defendeu a importância da reforma agrária e — o mais importante para atender às
demandas por direitos — alterações na Constituição
brasileira. O golpe militar, em 31 de março de 1964,
veio abortar essas intenções de incorporar ao Estado
aspectos diretamente relacionados aos direitos humanos e à emancipação dos cidadãos brasileiros. O
exílio, a morte de militantes, a tortura, a proibição às
organizações partidárias, a censura, entre outras medidas de cunho repressivo e de negação dos direitos
civis básicos, marcaram o grau de violência com que
atuavam os ditadores no Brasil.
Redemocratização e reconhecimento das demandas populares
Foi o movimento pela redemocratização, iniciado em
fins dos anos 1970, que retomou as pressões pelo restabelecimento da liberdade e dos direitos civis plenos. A reorganização de grupos políticos em volta de
lideranças que retornavam do exílio, a retomada das
greves de trabalhadores, a reorganização partidária, sindical e dos movimentos sociais, o movimento
pelas eleições diretas para presidente adensaram as
demandas pelo fim da ditadura. A promulgação da
Constituição Federal em 1988 é um marco na consolidação dos direitos civis e humanos no âmbito
das leis. Os objetivos que constam do artigo 3° nos
dão a exata medida do esforço para se fixar na Carta
Magna, com clareza, os direitos mais fundamentais
do homem: 1. construir uma sociedade livre, justa e
solidária; 2. garantir o desenvolvimento nacional; 3.
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; 4. promover o bem
37
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A Constituição de 1988 é considerada não apenas
um avanço, mas um marco em favor dos direitos civis e humanos no Brasil. Não por outro motivo foi
chamada de a “constituição cidadã”. Porém, Marilena Chauí adverte que fatos do presente não nos
permitem considerar tais avanços como definitivos
e, menos ainda, que a sociedade brasileira tenha se
livrado de sua índole autoritária. Um exemplo: a persistência da exploração de mão de obra em regiões de
plantações extensivas, como cana-de-açúcar, onde se
encontram trabalhadores em condições análogas às
da escravidão.
Chauí insiste que, no Brasil, a forma de exploração do trabalho e a reação conservadora contra
quaisquer demandas dos explorados são dos traços
mais marcantes de uma sociedade autoritária desde
a sua gênese. Desde o período colonial, o Brasil padece de uma recusa “tácita (e às vezes explícita) de
operar com os direitos civis e a dificuldade para lutar
por direitos substantivos e, portanto, contra formas
de opressão social e econômica” (CHAUÍ, 2000). O
recurso à lei e aos fóruns de justiça é visto como um
privilégio cabível às classes favorecidas. Por esse motivo, as leis são necessariamente abstratas e parecem
inócuas, inúteis ou incompreensíveis, feitas para serem transgredidas e não para serem cumpridas por
todos os cidadãos igualmente.
Outro traço característico das instituições políticas do Brasil é a eficácia com que conseguem “bloquear o trabalho dos conflitos e das contradições
sociais, econômicas e políticas, uma vez que conflitos
Revoluções
e contradições negam a imagem da boa sociedade indivisa, pacífica e ordeira”. A ideologia do país ordeiro
e pacífico, que agrada parcelas expressivas da população em todas as classes sociais, no Brasil tem implícita a ideia de que as demandas e conflitos contra a
exploração “são sinônimo de perigo, crise, desordem
e a eles se oferece como resposta única a repressão
policial e militar, para as camadas populares, e o desprezo condescendente, para os opositores em geral”
(CHAUÍ, 2000).
Todos esses elementos históricos nos dão a medida de quão necessária é a militância em favor dos
direitos humanos no Brasil atual. Também nos ensinam que esse trabalho requer empenho contínuo,
persistente e em várias frentes. Isto porque ele implica não apenas alterar a dinâmica de funcionamento
das instituições e do Estado como um todo, mas se
instaurar uma cultura de negação, em todos os âmbitos sociais e institucionais, da violência, da exploração e da dominação que impregna a história do país,
desde a sua gênese.
Nota
1 Cf. Fernando Novais. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777–1888). São Paulo: Hucitec, 1979. p. 68 e 70–1. Para melhor compreensão do tema, consultar Raymundo Faoro, que destaca a
complexidade da agricultura no período colonial: “...nem só de cana
vive o homem colonial”. In: Os Donos do Poder. vol. 1. São Paulo: Globo, 2000. p. 245.
39
III
Direitos e desejos
Revoluções
41
Lei Maria da Penha
Lei 11.340 de agosto de 2006
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
DOCUMENTOS
TÍTULO I
Disposições Preliminares
Art. 1° Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a vio­lência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8° do art. 226 da Constituição
Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar
a contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela Re­pública Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece
medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Art. 2° Toda mulher, independentemente de classe,
raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível
educacional, idade e reli­gião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver
sem violência, preservar sua saúde física e mental e
seu aperfei­çoamento moral, intelectual e social.
43
Revoluções
Art. 3° Serão asseguradas às mulheres as condições
para o exer­cício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimen­tação, à educação, à cultura,
à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer,
ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignida­de, ao
respeito e à convivência familiar e comunitária.
§ 1° O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no
âmbito das relações domés­ticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de ne­gligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.
§ 2° Cabe à família, à sociedade e ao poder público
criar as con­dições necessárias para o efetivo exercício
dos direitos enunciados no caput.
Art. 4° Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições pecu­liares das mulheres em situação
de violência doméstica e familiar.
(Documento completo no site www.revolucoes.org.br)
Lei Paulo Delgado
Lei 10.216, de 6 de abril de 2001
Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona o
modelo assistencial em saúde mental.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
Art. 1° Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são
assegurados sem qualquer forma de discriminação
quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião,
opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de
evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.
Art. 2° Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos
enumerados no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de
transtorno mental:
I — ter acesso ao melhor tratamento do sistema de
saúde, consentâneo às suas necessidades;
II — ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando
45
A felicidade como ordem política
moderna
alcançar sua recuperação pela inserção na família, no
trabalho e na comunidade;
III — ser protegida contra qualquer forma de abuso e
exploração;
IV — ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V — ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
VI — ter livre acesso aos meios de comunicação
disponíveis;
VII — receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;
VIII — ser tratada em ambiente terapêutico pelos
meios menos invasivos possíveis;
IX — ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
Art. 3° É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência
e a promoção de ações de saúde aos portadores de
transtornos mentais, com a devida participação da
sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as
instituições ou unidades que ofereçam assistência
em saúde aos portadores de transtornos mentais.
(Documento completo no site www.revolucoes.org.br)
A felicidade pode ser universalizável como os direitos do
cidadão?
A relação entre direitos e desejos na Modernidade se
desdobra em paradoxos. Em sua origem, Saint-Just
(1767–1794), em meio aos acalorados debates franceses de 1791–1793 acerca dos direitos sociais, reconhece que a “felicidade é uma ideia nova na Europa”.
Alguns poderiam afirmar que a felicidade não seria
uma questão exclusivamente moderna, lembrando
então da Ética dos Antigos, envolvida pelas questões
da felicidade, da vida boa e do supremo bem. Contudo, na perspectiva de Aristóteles (384-322 a.C.), a
felicidade estaria na realização plena da natureza de
cada ser existente, de modo que, na ordem do mundo, a felicidade de um escravo seria diversa de seu senhor. As bases da modernidade são outras.
Há, pois, uma verdade na declaração de Saint-Just:
um modo novo de colocar a felicidade no centro do
cenário político europeu. Em meio à sociedade que
surge com as revoluções modernas, a felicidade adquire ares de direito, tornando-se palavra constante
em declarações de liberdade, igualdade e fraternidade. Na América, Thomas Paine (1737–1809), em sua
“Declaração dos Direitos dos Homens” (1792), afirma
que direitos naturais como “agir conforme um indivíduo para seu próprio conforto e felicidade, que não
sejam prejudiciais aos direitos naturais dos outros”
(apud ISHAY, 1997, p. 237), são fundamentos essenciais para a formação social. Afinal, se cada um tem
47
as condições de possibilidade para ser feliz, então a
felicidade se realiza em toda a sociedade.
Assim, na versão moderna da felicidade, é imperativo que os indivíduos sejam reconhecidos como pessoas jurídicas em sua particularidade. Não importa a
natureza de sua origem, classe, religião — todos, em
suas particularidades, são iguais perante a Lei.
Com isso, inaugura-se o paradoxo que permeia a
relação moderna entre desejos e direitos. O desejo é
a marca da singularidade que mobiliza os indivíduos
a suprir suas carências. Os direitos, por sua vez, habitam o mundo da Lei. Ou seja, se, por um lado, o
indivíduo é reconhecido enquanto tal, como detentor
de capacidades e desejos que lhes são próprios, por
outro, é necessário que tais particularidades se coloquem “perante a Lei”. Enfim, o campo universal dos
direitos é necessário para que as particularidades sejam reconhecidas como tais, de modo que o direito
de um não prejudique o de outro.
Enfim, a particularidade dos desejos está submetida à
igualdade de direitos?
Ora, o desejo adquire cidadania perante a Lei, mas
disputa a todo instante por um espaço de reconhecimento que confere ao indivíduo seu lugar na sociedade. Afinal de contas, até onde vai o direito e o dever
de cada um?
O filósofo Kant seria um dos primeiros a responder ao desafio das revoluções modernas, considerando o paradoxo em seus limites. A faculdade humana
de desejar repousa na capacidade que cada sujeito
tem em gozar a felicidade. Assim, cada um apostaria
Revoluções
sua felicidade naquilo que, de acordo com sua opinião particular, pode proporcionar mais prazeres e
menos sofrimento. O desejo, portanto, carece de critérios objetivos; e, apesar de humano, não consegue
oferecer uma base universalmente reconhecida para
pautar as práticas e o convívio social. A ordem das
práticas sociais deve seguir outros critérios que condicionem a humanidade para o reino da liberdade.
Seria, pois, a Lei moral, e não mais a felicidade,
que ofereceria critérios universalmente reconhecidos
para as ações dos indivíduos: deve-se, pois, submeter o desejo particular à vontade da Lei — eis o que
Kant opera em seu imperativo categórico, pelo qual
se deve agir de tal maneira que a vontade de cada um
possa valer como princípio de uma legislação universal. Em uma linguagem mais prática, alguém pode,
em vez de cometer uma injustiça por defesa própria,
optar livremente por arriscar sua vida em prol da
justiça. Isso porque, na visão de Kant, a Lei moral — e
não o desejo subjetivo — fornece bases para a deliberação deste indivíduo.
O respeito às diferenças estabelece um relativismo moral
ou é uma ampliação dos direitos?
Todavia, como se diz, “na prática, a regra é outra”.
Por mais que a resposta kantiana da Lei universal se
desvie do relativismo moral e seus conflitos (e a história das revoluções modernas está repleta de exemplos de tais discórdias), a particularidade do desejo
ainda permanece. As diferenças socioculturais ainda insistem em adquirir a igualdade de direitos. É
o que se comprova no decorrer de nossa história:
49
continuamente a particularidade de um grupo ou a
monstruosidade de um ato colocam em xeque a ordem social estabelecida.
A luta pela efetivação dos desejos em busca de reconhecimento social mobiliza o terreno aparentemente
intacto dos direitos. De modo que podemos nos questionar: será que a ordem dos desejos é tão inadequada
ao direito? Haveria uma dinâmica possível em que desejos e direitos operem não mais como opostos? Qual
estabilidade social é fornecida ao direito quando se
emancipa a variedade dos desejos humanos?
Tais questões são recorrentes entre as décadas
de 1950 e 1970, na chamada Revolução Sexual. Da
“juventude rebelde” aos profetas do “paz e amor”,
buscou-se uma reorganização cultural com valores
diversos aos de um mundo das Grandes Guerras. Os
corpos reivindicavam seus direitos e enfrentariam o
padrão comportado da vida do lar. Mais do que ícones cinematográficos, direitos e manifestações de
uma nova cultura surgiriam em diversos cantos do
planeta. A recusa da velha ordem se expressou na
busca de uma nova moda, de um novo ensino, de
uma nova ciência e tecnologia, de uma nova relação entre povos e raças, ou de uma nova expressão
da sexualidade. O direito de uma nova organização
cultural reivindicava não apenas a igualdade civil entre brancos e negros, como também modos livres e
autônomos de amar. Movimento que conquistou sua
expressão em 1968.
Se, neste período, a imaginação ocupou o poder,
junto com ela estaria o desejo. O filme Bem-vindos
(direção de Lukas Moodysson, 2000) seria sensível aos tipos de questões que esta nova ordem traz.
Revoluções
Nele, Elisabeth encontra um modo diferente de vida,
no qual todas as decisões são debatidas e todos os
conflitos são expostos. Crianças fazem seus protestos, a sexualidade floresce sem limites e o modo de
vida passa a ser tema constante das mesas de jantar.
Trata-se de um quadro interessante que coloca à ordem do dia os debates da revolução sexual da metade
do século passado. Discursos que ainda hoje aparecem nas reivindicações mais humanas pelos direitos
da mulher ou também pelas críticas aos regimes de
isolamento em presídios e hospícios. Vejamos estes
casos mais recentes e seus paradoxos.
Os direitos das mulheres:
a igualdade das diferenças
Dos paradoxos atuais, é recorrente a questão: Como dispositivos jurídicos podem estabelecer uma nova ordem cultural?
Em 2006, passou a vigorar no Brasil a Lei Maria da
Penha que cria “mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher”. Com o surgimento da lei, alguns juristas levantaram dois grupos
de objeções.
Primeiro, partindo de pressupostos culturais, alegou-se que a lei enfraqueceria a ordem “masculina”
do mundo, contrariando um problema que viria de
“Adão e Eva”. Tais declarações questionam o fato de
uma lei poder intervir nos costumes e deliberações
do casal, ignorando os altos índices oficiais de violência doméstica na família brasileira.
Um segundo argumento contrário à Lei parte de
aspectos formais. Trata-se de um artifício recorrente
51
entre os críticos dos direitos humanos: a Lei Maria
da Penha seria anticonstitucional na medida em que,
ao qualificar um modo específico de violência de gênero, fere o artigo 5° da Constituição, que rege sobre
a igualdade de direito.
Apoiados em costumes ou no formalismo da Lei,
em nome da liberdade privada ou da igualdade de direitos, estes argumentos são apenas alguns exemplos
de uma longa trajetória que contrapõe a ordem dos
direitos e a singularidade dos desejos humanos. Casos como a Lei Maria da Penha, apoiada não apenas
nas antigas reivindicações feministas, mas também
em princípios elementares dos direitos humanos,
evidenciam aspectos ocultados pelo pretenso caráter
universal da Lei.
Das várias lições que a luta feminista oferece, uma
das mais evidentes é a de que, aliado à emancipação
dos desejos, o direito passa a ter um significado distinto. Mais do que uma declaração formal de princípios, o direito se mostra como elemento vivo que
acompanha o contínuo movimento dos desejos e a
ordem de liberdade correspondente.
Afinal, de que adianta a igualdade formal de direitos entre homens e mulheres, se tal conquista
significa uma identificação de todos os gêneros em
uma ordem social que ainda reprime as potencialidades de todos? Em outros termos, a luta digna
por igualdade salarial pouco significa quando a mulher ainda acumula uma dupla jornada de trabalho,
mantendo os papéis sociais de trabalhadora e dona
de casa. Tampouco, se esta luta significa a manutenção de uma árdua dupla jornada bem repartida
entre o casal.
Revoluções
De outro modo, a luta feminista abre uma nova
série da ordem do direito, que redimensiona o corpo humano e seus gêneros em uma ordem cultural
distinta do patriarcado que ainda hoje persiste nas
instituições públicas ou nas relações sociais mais íntimas. Enfim, o feminismo aponta para um modo de
direito associado ao desejo, capaz de compreender a
igualdade das diferenças: um direito tão dinâmico
quanto nossas pulsões. Nova dinâmica que implica
novos impasses.
Perversões & Crimes: o que fazer quando o desejo é mais
forte do que a Lei?
Na relação estabelecida entre o direito e o desejo, é
legítimo questionar: o que fazer quando a singularidade de um ato pode ser algo que fere o tecido social?
O que fazer quando o estado mental e físico de alguém propicia sofrimentos não apenas ao próprio indivíduo como também àqueles com os quais convive?
Enfim, o que fazer quando a singularidade do desejo
é caracterizada como algo possivelmente mais forte
do que a Lei?
A resposta da modernidade encontra seu maior
símbolo na guilhotina. Ali se executavam diante de
olhos curiosos, em nome da Lei, monarcas e aristocratas, antigos partidários e radicais extremistas.
Método rápido e eficiente, distinto das longas horas
de tortura e sofrimento das fogueiras da Inquisição,
embora não menos espetacular e cruel. Há no registro simbólico da guilhotina uma marca de poder
que se articula com os paradoxos da relação entre
direitos e desejo. Não apenas a guilhotina expressa
53
o corte entre o universo mental e o corporal, como
também expressa a vontade de poder que classifica
e delimita a singularidade dos desejos. Registro simbólico que atravessa os tempos e ainda encontra ecos
nos regimes de internação e disciplinarização pelos
quais a sociedade moderna se organiza.
Neste sentido, o Direito à Preguiça (1883) de Paul
Lafargue (1842 –1911) registra o paradoxo do capitalismo nascente: na França da Revolução e dos Direitos Humanos a produção se organizava em jornadas
de trabalho de dezesseis horas com uma hora e meia
para as refeições. Algo que contrasta com as dez horas para os trabalhos forçados nas galés ou as nove
horas de trabalho aos escravos das Antilhas (2011, p.
18). Nesta comparação, Lafargue ataca os regimes de
internação das fábricas, onde os trabalhadores (homens, mulheres e crianças) passavam o dia. O corpo
social estaria, digamos, “guilhotinado” entre o mundo do trabalho e das penas e o mundo das riquezas e
dos prazeres.
Pode-se afirmar que o regime de trabalho desde
então foi modificado, em parte pelas novas exigências
do capitalismo e em grande parte por organização
dos movimentos operários. No entanto, o ponto a ser
considerado aqui é outro: a lógica da internação ainda
persiste, mesmo que suas personagens sejam outras.
Foucault apresenta estudos pioneiros para compreendermos esse fenômeno moderno do isolamento, encontrado, por exemplo, nas prisões e hospícios
modernos. Entre um espaço e outro, o isolar aquilo que excede à ordem social é contínuo. Tudo se
passa como se o valor moderno do reconhecimento
das liberdades individuais provocasse seus “efeitos
Revoluções
colaterais”: os corpos que perturbam a margem consentida socialmente não podem circular pelas ruas.
O direito não permite perversões. Contra isso, a modernidade oferece saberes e forças que contenham,
isolem ou aniquilem aquilo que é considerado ameaçador ao modo de vida estabelecido.
As análises de Foucault apontam para a crítica
deste sistema e alimentaram as lutas de movimentos sociais contra tais regimes de internação, muito
fortes nos anos 1970. Um exemplo clássico é o movimento antimanicomial. Suas reivindicações apoiadas
nos direitos humanos obtiveram conquistas recentes
no Brasil, como a Lei Paulo Delgado de 2001. Nela,
o saber médico passa a reconhecer a voz do paciente
como determinante nos destinos terapêuticos. Diante deste reconhecimento, o isolamento dos ditos
“loucos” torna-se inviável.
Mais do que isso, o limite de convivência entre o
humano e o inumano é revisto. Para além da relação
médico-paciente, o “louco” ganha espaço na convivência social, representação política e, sobretudo,
uma nova significação.
Pode ser que esta condição, como alguns afirmam,
propicie uma irresponsabilidade do Estado com seus
doentes; ou ainda, é fato que o sofrimento subjetivo não se elimina nesta abertura. Contudo, é preciso reconhecer que, nesta luta, a “guilhotina” entre a
loucura e a normalidade perde seu fio. O que nos faz
indagar: surgem aqui novos desafios aos paradoxos
da relação entre desejos e direitos, que abram caminho para uma melhor compreensão do sofrimento
humano e a realização da felicidade?
55
IV
Direitos Humanos,
Instituições e Educação
Revoluções
57
Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988
TÍTULO I
Dos Princípios Fundamentais
Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
I — a soberania;
II — a cidadania;
III — a dignidade da pessoa humana;
DOCUMENTOS
Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I — homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
II — ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei;
III — ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV — é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
59
Revoluções
a. Instituições e realização dos
direitos humanos
CAPÍTULO III
Da Educação, da Cultura e do Desporto
SEÇÃO I
Da Educação
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos
seguintes princípios:
I — igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II — liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
(Documento completo no site www.revolucoes.org.br)
Que instituições podem efetivar os direitos humanos?
A prática institucional dos Direitos Humanos
Desde a publicação da Declaração dos Direitos do
Homem, após a Revolução Francesa, essa pergunta ocupou as preocupações daqueles que trabalham
pela concretização dos propósitos dos direitos humanos. Pode-se afirmar que, desde a publicação das
declarações que consumavam os propósitos revolucionários, tanto instituições do Estado quanto sociais,
as mais variadas, em diversos países procurou-se positivar os direitos humanos. Não é absurdo dizer que
o grande esforço tem se dado no sentido de tornar
globais os direitos humanos. E nesse sentido desafios
se apresentaram.
Primeiro porque essa positivação que dosa direitos
humanos não é suficiente para produzir libertação e
autonomia aos cidadãos se a isso não se junta a pressão pela efetivação desses direitos. Vários exemplos
ilustram isso. Se tomarmos a realidade de trabalho
das mulheres no século XIX e notarmos que até hoje
elas são francamente desfavorecidas nessa dimensão
da vida social em vários países, como o Brasil, se verá
quão importante são as pressões desenvolvidas por
grupos e movimentos feministas pela libertação das
mulheres e pela equalização dos direitos civis.
Desde a primeira greve realizada apenas por
mulheres, em 08 de março de 1857, a pauta pela
equiparação dos direitos parece teimar em não se resolver. Naquele momento, as grevistas reivindicavam
61
melhores condições de trabalho, tais como redução
na carga diária de trabalho para dez horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação
de salários com os homens (as mulheres chegavam a
receber até um terço do salário de um homem, para
executar a mesma tarefa) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho. No Brasil, hoje, essas
reivindicações não nos parecem tão absurdas e ultrapassadas se considerarmos a realidade por que
passam muitas mulheres em regiões onde as leis não
fazem parte da realidade das relações de trabalho, ou,
menos ainda, se considera que o trabalho doméstico
e com o cuidado de filhos, netos e afins, seja, de fato,
um trabalho. Desse modo cabe perguntarmos: como
falar em igualdade dos sexos ou de gênero se não é
difícil encontrar no Brasil mulheres que trabalham
em tripla jornada — manhã e tarde na profissão, parte
da noite no doméstico?
Segundo, a prática dos direitos humanos não é tarefa comum às instituições nem em países ricos e menos ainda naqueles pobres. Não obstante essa prática
institucional ser o reflexo de todas as lutas travadas
em favor dos direitos humanos, a normalidade das
instituições tende a não incorporá-la como algo importante ou prioritário. Como afirma Douzinas, os direitos
humanos constituem “simultaneamente um princípio
de engrandecimento do Estado e um princípio protetor
contra o poço sem fundo do desejo do Estado” (DOUZINAS, 2009). Os direitos humanos funcionam como
mecanismo para a defesa do indivíduo e a promoção
de sua autoafirmação; eles são fundamentalmente um
instrumento de proteção e resistência. Mas é possível
realizá-los sem que instituições os promovam?
Revoluções
Vários outros exemplos poderiam ser aprofundados
aqui para que vejamos o quanto são distantes do que
está nas leis sobre os direitos humanos e a experiência
dos direitos feita pelos mais diversos grupos sociais.
Como, então, viabilizar a efetivação dos direitos humanos?
b. Instituições e Educação para os
direitos humanos
Afora o Estado, um sem-número de instituições trabalham para promover e realizar os princípios dos
direitos humanos. Não é o caso aqui de mencioná-las
especificamente, mas convém lembrar como algumas
realizam trabalhos que suplantam o trabalho do Estado, quando não, em alguns casos, essas mesmas instituições funcionam complementando os órgãos estatais.
A Anistia Internacional, por exemplo, é organização que tem por missão “realizar pesquisas e desenvolver ações com o objetivo de prevenir e de pôr
fim aos mais graves abusos dos direitos humanos,
bem como exigir justiça para as pessoas cujos direitos foram violados”.1 Para realizar esses objetivos, a
Anistia incentiva que seus membros procurem “influenciar governos, organismos políticos, empresas
e grupos intergovernamentais”. Seus ativistas são
estimulados a se envolver com questões de direitos
humanos e desenvolver mobilizações que sensibilizem a opinião pública: manifestações, vigílias, ações
de pressão aos governos, campanhas pela internet,
entre outros subsídios.
O Tribunal Penal Internacional foi estabelecido
pela ONU, em 1993, e tem a competência, enquanto
63
tribunal permanente, de julgar os crimes mais graves para a comunidade internacional, que atentem
contra os princípios dos direitos humanos, independente do lugar em que foram cometidos. O Brasil é
um dos países signatários do Tribunal. São estabelecidos como crimes que podem ser julgados pelo TPI
aqueles definidos como crimes de guerra: os atos de
agressão sexual, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez à força, esterilização à força ou qualquer outra forma de violência sexual; utilização de
crianças com menos de 15 anos para participar ativamente nas hostilidades, humilhação e subjugação de
inválidos ou incapazes.
Também o genocídio cometido em suas mais inimagináveis variações é entendido como crime que
compete ao julgamento do TPI. Assim, qualquer
atentado que busque destruir, no todo ou em parte,
um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, é considerado passível de julgamento. O aspecto inovador
e que é fonte das restrições de vários países à assinatura do acordo de aceitação do TPI é que este é um
tribunal que se coloca acima dos Estados e das suas
constituições específicas. Os tribunais nacionais dos
países signatários continuam exercendo função de
julgamento sobre seus cidadãos, mas o TPI reserva
para si o direito de avaliar se um indivíduo cometeu
ou não os crimes previstos como passíveis de pena.
Os tribunais especiais, que tratam de eventos específicos (guerra da Bósnia, Ruanda), não substituem
os trabalhos desenvolvidos pelo TPI. Basta que um
procurador de um Estado-membro signatário do TPI
conclua que um Estado não possa realmente ou não
deseje julgar os supostos criminosos de guerra que
Revoluções
estejam sob sua jurisdição. Para serem beneficiados
com esse princípio, entretanto, os Estados necessitam
de uma legislação adequada que lhes permitam julgar
esses criminosos. Porém, tudo isto é suficiente para
que os direitos humanos sejam, de fato, respeitados?
A resposta não é tão simples. O aspecto para o
qual os especialistas em direitos humanos mais têm
chamado a atenção, que torna eficaz o pensamento,
as demandas e a aplicação dos princípios dos direitos
humanos, é a importância da promoção da Educação.
É imprescindível o estímulo para que a população se
forme e se informe segundo parâmetros educacionais estabelecidos por organismos comprometidos
com a defesa dos direitos humanos, sejam eles nacionais — a Secretaria Nacional de Direitos Humanos — e
internacionais — a Unesco. Oficialmente, não são
poucos os Estados que procuram atender esses parâmetros no nível das instituições governamentais. A
própria Constituição do Brasil estabelece que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho”. Em seu artigo 206
estabelece como princípios:
I — igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II — liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.
No artigo 214, Capítulo III, a lei estabelece que no
plano nacional de educação devem constar como
princípios insubstituíveis elementos que dizem respeito diretamente aos direitos humanos:
65
I — erradicação do analfabetismo;
II — universalização do atendimento escolar;
III — melhoria da qualidade do ensino;
IV — formação para o trabalho;
V — promoção humanística, científica e tecnológica
do país.
Como garantir, no nível da prática, que esses princípios
norteiem a ação de professores, supervisores, escolas e promotores da Educação em todos os níveis?
Desafios da Educação para os direitos humanos
A Educação, formal e não formal, em todos os seus
níveis — desde os básicos até aqueles relacionados
à pesquisa acadêmica —, tem papel imprescindível
para a efetivação dos direitos humanos. Primeiro,
porque pela educação é que se poderá criar uma cultura de respeito e de vigília aos princípios invioláveis
da dignidade humana. Trata-se de introduzir nos
costumes, nos hábitos cotidianos das populações a
promoção dos direitos básicos à vida, sem apelar a
uma uniformização dos valores e, menos ainda, insistir na padronização das ações que promovam os
direitos humanos e possibilitem as denúncias contra
as violações a eles.
Segundo, a educação para os direitos humanos
supõe que os cidadãos sejam estimulados a mobilizar-se pela liberdade; que atentem para a importância de realizarem mudanças estruturais visando
à transformação de instituições do poder que favorecem a opressão, a dominação, a destruição da
igualdade de direitos. Porém, o maior desafio em um
país em que os direitos parecem ser historicamente
Revoluções
reservados às elites econômicas é fazer os cidadãos,
qualquer cidadão, despertarem para o fato de que
são sujeitos de direitos. Como afirma Vera Candau,
“esta consciência é muito débil, as pessoas — até por
ter a cultura brasileira uma impronta paternalista
e autoritária — acham que os direitos são dádivas”
(CANDAU, 2007). Assim, é necessário defender que
os cidadãos liberem o poder, sua potência individual,
de grupos minoritários, ou de maiorias silenciosas e
oprimidas — o caso das mulheres em muitos lugares e
dos negros no Brasil até há poucos anos — de ser sujeito de sua vida e ator social.
Outro aspecto imprescindível que concerne à
Educação é a recuperação da memória de exploração,
dominação e afronta aos princípios dos direitos humanos. Não por outro motivo, as populações para as
quais a educação formal é negligenciada ou negada,
as referências históricas, o passado de opressão não
é conhecido para ser revisto, fato que as torna mais
vulneráveis à dominação. Também nessas mesmas
sociedades, direitos como a liberdade de expressão e
de manifestação da opinião não figuram no horizonte de princípios basilares que devem regular a relação entre o Estado e os cidadãos. Apenas a Educação
pode fazer com que os cidadãos vejam sua opinião e
o seu pensamento como elementos indissociáveis de
sua individualidade. Esses motivos fazem com que
os defensores dos direitos humanos sejam também
militantes a favor da universalização da educação.
Nota
1 Disponível em: http://br.amnesty.org/?q=quem_ai. Acesso em:
07/02/2011
67
V
Imaginário, Futuro e Utopia
Revoluções
69
Declaração Universal dos Direitos da Mãe
Terra
Elaborado na Conferência Mundial dos Povos sobre
Mudança Climática e Direitos de Pacha Mama, Cochabamba, Bolívia, abril de 2010.
Preâmbulo
Nós, os povos da Terra:
DOCUMENTOS
Considerando que todos e todas somos parte da Mãe
Terra, uma comunidade indivisível e vital de seres
independentes, inter-relacionados e com um destino
comum;
Reconhecendo com gratidão que a Mãe Terra é fonte
de vida, alimento e ensinamento, e provê tudo o que
necessitamos para viver bem;
Reconhecendo que o sistema capitalista e todas as
formas de depredação, exploração, abuso e contaminação tem causado grande destruição, degradação e
alteração da Mãe Terra, colocando em risco a vida
como hoje a conhecemos, produto de fenômenos
como a mudança climática;
Convencidos de que em um sistema interdependente não é possível reconhecer direitos somente aos
seres humanos, sem provocar um desequilíbrio na
Mãe Terra;
Afirmando que para garantir os direitos humanos é
necessário reconhecer e defender os direitos da Mãe
71
Revoluções
O campo imaginário dos direitos
humanos
Terra e de todos os seres que a compõem, e que há
culturas, práticas e leis que o fazem;
Conscientes da urgência de agir coletivamente para
transformar as estruturas e sistemas que causam as
mudanças climáticas e outras ameaças à Mãe Terra,
Proclamamos esta Declaração Universal dos Direitos
da Mãe Terra, e fazemos um chamado à Assembleia
Geral das Nações Unidas para adotá-la, como propósito comum para todos os povos e nações do mundo,
a fim de que tanto os indivíduos quanto as instituições se responsabilizem por promover — mediante
ensinamento, educação, conscientização — o respeito a esses direitos reconhecidos nesta Declaração, e
assegurar com medidas e mecanismos imediatos e
progressivos, de caráter nacional e internacional, seu
reconhecimento e aplicação universais e efetivos entre todos os povos e Estados do mundo.
(Documento completo no site www.revolucoes.org.br)
Em que os direitos humanos alteram a imagem que fazemos
de nós mesmos?
Como nos lembra Douzinas, os direitos consistem
em uma técnica que opera no imaginário. Com isto,
compreende-se que direitos constituem identidades,
de modo que, com eles, os indivíduos se reconhecem
e são reconhecidos socialmente mediante uma imagem que detém as características contidas naquele
corpo jurídico.
Operar no imaginário significa então recorrer
a uma dupla função que resulta na constituição de
identidades. Primeiramente, o indivíduo aparece perante a lei como um todo a ser desmembrado.
Ou seja, a boca não tem mais o significado amplo e
variado que cada indivíduo poderia conferir a ela,
enquanto parte constitutiva de seu próprio Eu. Mediante o artifício do direito, a boca torna-se parte da
“liberdade de expressão” (DOUZINAS, 2009, p. 328).
O que leva a um segundo movimento, que sintetiza
o corpo imaginário do indivíduo no corpo simbólico das leis, enquanto pessoa jurídica. Tudo se passa como se, mediante as leis, o modo como imagino
meu próprio corpo fosse “traduzido” para uma nova
linguagem, em que sou reconhecido como sujeito
pleno de direitos e deveres.
Isso nos remete a diversos conflitos próprios
às disputas legais. Conflitos que se acentuam, por
exemplo, nos casos de aborto, em que as decisões das
mulheres partem do vínculo imaginário com valores
73
religiosos, sociais ou econômicos, nos quais sua identidade é apresentada. É a partir daí que a mulher expressa sua decisão à junta médica, que enxerga sua
paciente, por sua vez, como um corpo jurídico (um
conjunto relativo seja aos direitos de culto, seja ao
direito à vida, etc.). Entre os dois polos da relação,
por vezes ocorrem divergências no que se refere à
imagem que cada grupo terá sobre o corpo feminino
e seus direitos. Assim, o aborto pode transmitir significados jurídicos diversos entre os lados da decisão,
proporcionando conflitos de interpretação.
Por isso, é possível afirmar com Douzinas que o direito geralmente cria conflitos em vez de resolvê-los.
Ao considerar o direito para além de uma declaração
de princípios, estática no tempo e no espaço, mas
como um tecido vivo em que os indivíduos podem ou
não se reconhecer como iguais, o campo imaginário
mostra-se como território de disputas, pelos quais o
significado de personalidade jurídica se altera historicamente. Daí a perspectiva de que os significados
jurídicos da mulher, da propriedade, ou mesmo do
ser humano sofram variações históricas.
Mais uma vez, refletir sobre o direito nos leva a
paradoxos que estão presentes nas bases do agir jurídico. Através da relação com o imaginário, o direito
propicia ao indivíduo uma identidade reconhecida
socialmente. Os sujeitos se apresentam perante a lei
enquanto trabalhador, proprietário, homossexual,
consumidor, etc. — garantindo-se em seu grupo legal.
Contudo, o imaginário é um elemento móvel pelo
qual os corpos jurídicos se enfrentam, solidarizamse ou se transformam no decorrer das relações sociais. De modo que, como afirma Douzinas, quanto
Revoluções
mais direitos eu tenho, maior meu desejo de “ainda
mais” (DOUZINAS, 2009, p. 330), ou seja, a luta por
reconhecimento entre os diversos grupos jurídicos se
amplia, rearticulando o solo pelo qual a identidade
se afirmava. Assim, o imaginário do trabalhador não
reside apenas nos direitos da fábrica, mas também
enquanto membro de uma família, com demandas
de consumo e opções culturais diversas. Seus direitos se estendem a campos que seguem além de sua
composição jurídica.
E os direitos humanos operam nesta peculiaridade. Mais do que fixado em um grupo de direitos de
um campo simbólico constituído, os direitos humanos se vinculam de modo imediato ao jogo imaginário. Na visão de Douzinas, eles não são um “direito
dos direitos”, como um terreno mais profundo a ser
desvendado pela máquina jurídica; mas, sim, são direitos que operam no jogo livre do imaginário e, por
isso mesmo, atuam em camadas sociais mais dinâmicas que as postas pelo direito positivo.
Mas o que isto implica? Isto não confirma a tese dos críticos
dos direitos humanos, ao apontar para a fragilidade de suas
declarações? Não significa considerá-los como relativos e,
por isso, limitados quanto à defesa de seus sujeitos jurídicos?
Talvez. É impossível negar que por vezes os direitos
humanos sustentam paradoxalmente um discurso
de barbárie. Lembremos os debates do “11 de Setembro” em que se justificava a violação de direitos
humanos pelos próprios direitos humanos. Uma lei
como o USA Patriot Act, aprovada pelo Congresso
Americano, estabelecia, em nome da defesa nacional
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e com consentimento de grande parte da população,
violações de direitos básicos como a invasão dos lares. Mais do que um exercício de retórica, exemplos
como este demonstram o quanto os direitos humanos ocupam um terreno do imaginário. Contra a imagem sem face do terror, estrutura imaginária típica,
uma cadeia de direitos é fortificada ou enfraquecida
em nome da defesa do que há de humano em nós. É
como se o “ainda mais” desejado pelo direito encontrasse conforto na “guerra” contra ameaças, ainda
que em detrimento de outra série de direitos.
Porém, é possível compreender esta associação
dos direitos humanos ao imaginário conforme uma
perspectiva de alargamento dos direitos. Movimento
constante se analisarmos a história dos direitos humanos. Para Douzinas, é necessário que se reconheça o perigo do artifício dos direitos humanos. Mas,
também, é preciso reconhecer neles a recuperação de
um campo utópico perdido nas duas últimas décadas.
Entretanto, em que sentido recuperar uma linguagem empoeirada da utopia responderia às acusações
dos críticos dos direitos humanos?
O “não-lugar” dos direitos humanos
Quando alguém como Francis Fukuyama apresenta o
mundo Pós-Guerra Fria como o “fim da história”, representa também o mundo como determinado pela
realidade sem alternativas. O jogo político passou a
ser caracterizado como um tabuleiro, cujas regras
eram dadas de antemão e os “jogadores” deveriam se
acostumar com a crueza destas determinações. Decretou-se com isso o fim das utopias no discurso político.
Revoluções
Contudo, a imaginação é uma aliada ou uma fraqueza nas
demandas sociais?
Utopias surgem na história da humanidade como um
alerta crítico da realidade estabelecida. Científicas
como a Atlântida de Francis Bacon (1561–1626) ou
irônicas como os exageros do país da Cocanha (de
autor anônimo, século XIII), os autores nos remetem a um não-lugar em que as possibilidades estavam abertas. Mas tal exercício crítico estaria fadado
ao fracasso quando não houvesse mais polaridades,
quando a realidade única se tornasse hegemônica.
Entretanto, não se trata deste modelo de utopia
que alimenta os direitos humanos. Ernest Bloch
(1880–1956) apontaria para a “utopia concreta”, o
que parece mais um dos paradoxos de nossa leitura. Ao associar os termos aparentemente contrários,
Bloch quer afirmar um movimento pelo qual aquilo
que poderia ter sido, mas não foi, deixa suas mensagens para as futuras gerações. Na utopia reside um
“ainda não” que deixa uma “reminiscência do futuro”.
Como se algo no presente articulasse mensagens do
passado que anunciam o futuro. Como se na história
dos derrotados estivesse não a história das vítimas,
a história da humanidade que ainda não se realizou.
E os direitos humanos apontam para este não-lugar:
em seu imaginário impera a ordem da humanidade
que ainda não é, de um lugar que ainda está para
ser desvendado, embora nunca de maneira completa. Operar junto ao imaginário, como vimos, significa ocupar-se continuamente com a constituição de
identidades que se alargam ou se atrofiam. Dinâmicas que revelam uma luta em camadas profundas da
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história da humanidade. É no imaginário que estão
registradas estas “reminiscências do futuro”, a humanidade que ainda não é.
Desafios para o nosso imaginário,
exigências para os direitos
humanos: novos sujeitos
Mergulhar os direitos humanos no registro do imaginário utópico talvez possa desbloquear alguns impasses que nosso mundo atual nos coloca. Afinal, muitas
das descobertas científicas, muitas das catástrofes
sociais e naturais atingem diretamente o imaginário
do que nos identifica como humanos.
Que desafios as novas descobertas científicas trazem aos direitos humanos?
Há quem nos afirme que vivemos atualmente o tempo do “pós-humano”. Paula Sibilia acompanha este
discurso em seu Homem Pós-Orgânico, quando
aponta sobretudo para os avanços da ciência no que
diz respeito aos limites do que outrora poderíamos
afirmar vivos ou mortos. Mais do que uma ciência
do controle dos efeitos naturais, o que se apresenta
no cenário é a transformação ou mesmo criação de
elementos naturais nunca dantes imaginados pelo
homem, salvo nos livros de ficção científica. Em outras palavras, o pós-humano possibilita um debate
acerca do quanto o homem é, ou não, mais do que
um código genético a ser descoberto. Código este que
está inscrito de maneira diversa entre as espécies naturais. Códigos que podem ser traduzidos entre os
Revoluções
seres, como nos apresentam as técnicas de manipulação genética. Neste registro, desponta um campo
imaginário com novas referências do significado da
humanidade, diante das quais se posicionam os direitos humanos.
Por outro caminho, por vezes crítico ao discurso
científico do pós-humano, movimentos ecológicos
também demandam um alargamento do campo imaginário. É notável que na Declaração Universal dos
Direitos da Mãe Terra (Bolívia, setembro de 2006),
os signatários do documento tenham como principal base a consideração da Natureza como um corpo
jurídico. Não se trata, como registrado nos tempos
medievais, de condenar ratos mediante o tribunal de
humanos. Ao contrário, trata-se de, ao reconhecer a
Natureza como sujeito — e os seres humanos como
parte deste ecossistema —, poder criar mecanismos
de controle e defesa da conduta humana enquanto
ser vivo entre os demais.
Ora, apesar das diferenças, algo reside entre os
discursos do “pós-humano” e dos “ecologistas em
defesa da Mãe Natureza”: em ambos os casos, é notável que o imaginário acerca do humano foi alargado
e, em sua nova vizinhança, uma ideia de natureza se
torna tema obrigatório para as proclamações dos direitos humanos.
Estaria aqui uma das reminiscências do futuro?
Nada mais antigo e tão cheio de significados do que
a relação entre homem e natureza. Se há algo ignorado pela pretensão do “fim da história” são os processos que esta correspondência tem demonstrado
com cada vez maior intensidade a cada giro do mundo. Estariam aqui alguns sinais do imaginário e uma
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revitalização do utópico que alimenta os direitos humanos após a primeira década do século XXI?
A qualidade de vida e os desafios do
milênio
Neste território, os direitos humanos não se colocam
como um único solucionador de conflitos, mas, certamente, como um modo de compreendê-los. E não
apenas naqueles existentes entre homem e natureza,
mas sobre o próprio modo como vivemos até hoje.
A atualização dos direitos humanos é uma recuperação ou
uma renovação de valores?
O alargamento imaginário exigido pelos direitos humanos no início do século XXI não apenas coloca
a natureza como pessoa jurídica de direitos, como
também provoca variações no significado da vida
social. São particularmente recentes os esforços governamentais e supragovernamentais em explicitar
índices comparativos entre as nações, como o IDH
(índice de desenvolvimento humano), apreendendo
não apenas o nível econômico, mas o conjunto de
serviços básicos oferecidos à população (como educação, saúde, alimentação). Além disso, não podemos esquecer a Declaração do Milênio (2000), em
que muitos países se comprometeram com lutas históricas, como a erradicação da miséria.
No entanto, mais de uma década se passou e
ainda continuamos girando no mesmo ponto. Conflitos por comida, muitos deles levados ao extremo,
como os de 2008 — não apenas nos países africanos
Revoluções
e asiáticos, mas também no Leste Europeu, e em
países da América Latina, como a Bolívia –, não são
cenários descartados em nossa atualidade pelos analistas políticos. Talvez tenhamos que operar em novos territórios de nosso imaginário social.
Questões que apontam para a complexidade de valores que um ato consensual, como a erradicação da
miséria, pode carregar. Afinal, do que se trata ao se
dizer “erradicar a miséria”? Partindo do imaginário
liberal, o fim da miséria seria efetuado pelo fortalecimento dos sistemas de produção, que gera empregos
para a população e, por conseguinte, riqueza social.
Partindo do imaginário igualitário, as riquezas sociais já existem, mas precisam ser distribuídas de
modo que não haja mais miséria na sociedade.
Talvez Maria Benevides tenha razão ao interpretar que os direitos humanos do século XXI exigem
não mais um regime igualitário que confere todo poder ao Estado para assegurar a economia forte; muito menos, um regime liberal que coloca as exigências
de mercado como valor absoluto para assegurar ao
cidadão sua liberdade privada. Ambos os modelos
têm seus custos e as experiências históricas anunciaram seus limites.
Em contrapartida aos dois modelos modernos da
liberdade e da igualdade, a autora indica a necessidade de atualizar a solidariedade como valor maior dos
direitos humanos (SILVEIRA, 2007, p. 349). Menos
do que o sentido romântico conferido a este conceito, afirmar isso aponta para um imaginário em que o
campo da humanidade não se limita às liberdades individuais nem as exclui, mas que atravessa o regime
das nações, sem excluir sua soberania. Mais do que
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isso, a solidariedade pensa radicalmente os valores
e questiona continuamente a relação que a vida social estabelece cotidianamente. Enfim, o paradigma
dos direitos humanos indica variações, em que a solidariedade é identificada aos processos de reconhecimento social.
Tarefa repleta de paradoxos remetida a quem estabelece ações e ideias a partir dos impulsos dos direitos humanos. Diante do desafio, resta saber se o
caráter utópico e imaginário dos direitos humanos é
para um futuro que está por vir ou para um tempo
que é agora.
Revoluções
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Durante o curso, houve possibilidade de refletir sobre a correspondência entre Revoluções e
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Os debates apresentados em
cada dia contribuíram significativamente para a reflexão sobre
o assunto?
As questões apresentadas e a
forma como foram conduzidas
corresponderam às suas expectativas?
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