EDUCAÇÃO INCLUSIVA E LAICIDADE: ESTUDO SOBRE CONCEPÇÕES
RELIGIOSAS DE ESTUDANTES DE PEDAGOGIA
Vitor Hugo Rinaldini Guidotti*
Elizabete Velter Borges**
RESUMO: Problematizando a formação dos professores alicerçada numa perspectiva cidadã, inclusiva e
consoante à concepção de direitos humanos, está pesquisa procurou discutir, a partir das visões de
laicidade do Estado e por consequência da educação, quais são as implicações das concepções
religiosas de estudantes de Pedagogia em relação a sua futura atuação docente. Para tanto,
primeiramente foi realizada uma pesquisa teórica explorando as contribuições da Sociologia, mais
precisamente a Sociologia da Religião, no intento de compreender como se procede à relação entre
religião e as motivações dos atores em agir sobre determinadas orientações dotadas de sentido. Em
seguida, expomos um panorama sobre a questão da educação escolar laica, sua necessidade diante de
uma proposta em que a diversidade seja respeitada no processo educativo, e ao término da discussão de
literatura, traçamos um entendimento sobre a formação dos professores, no que tange sua pertinência em
busca de um ensino que valorize a dignidade humana. Balizado pela discussão teórica, foi realizado uma
pesquisa de campo, onde acadêmicos do curso de Pedagogia responderam um questionário em que as
respostas propuseram arguir sobre as concepções religiosas dos/as estudantes e seus entendimentos
sobre atuação na escola e as diversidades possíveis nesse campo, explorando de que modo tais
concepções implicam na atuação docente. Conclui-se que ao pensarmos na formação de professores,
uma condição essencial é tomar como processo formativo as concepções que os futuros profissionais em
educação possuem, para que seja analisada no sentido de propiciar uma formação que atenda os anseios
das proposições laicas, indo de encontro com uma educação que respeite a diversidade cultural, sexual e
religiosa.
ABSTRACT: Problematizing teachers formation hold in a citizen perspective, inclusive and in line with
humans right, this research seek to discus, in the perspective of state and education secularism, the
implications of pedagogy students religious beliefs in their future work as teaches. So, theoretical
research was done in the sociology of religion, trying to comprehend how religion relates with the
students motivation to act accordingly in some orientations. After, a background about secular school
tuition was exposed along with the necessity of it in a perspective of respecting diversity inside
educational processes, then ending literature discussion, we delineated a stand about teacher’s formation
in a tuition aimed to human dignity. Supported by theoretical discussion, a field research was done were
Pedagogy students answered questions that allowed us to infer about their religious beliefs and practice
in school about diversity, exploring how this conceptions influence their performance in class. In
conclusion, it’s essential to see future teacher’s conceptions as formation process in the subject of their
training, so we can analyze and propitiate a formation were secular propositions are respected, as well
cultural, sexual and religious diversity.
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PALAVRAS-CHAVE: Laicidade. Religião. Formação docente.
KEYWORDS: Secularity. Religion. Teacherformation.
INTRODUÇÃO
Ao pensarmos uma Educação Básica que dentre suas obrigações curriculares e
articulações organizativas haja o espaço para se discutir e propor um ambiente propício
à promoção da dignidade humana, faz-se necessário analisar o além-muro da escola, isto
é, transcender “a escola por ela mesma”, o que implica numa interpretação macro de
como se dá os processos educacionais.
Considerando a história da humanidade até os dias atuais, é evidente que a religião
contribuiu positiva ou negativamente para o respeito à dignidade humana. No entanto,
ao vermos como impasse os valores perpetrados pelas instituições religiosas
contemporâneas, é possível considerar que seus fiéis carreguem consigo tais concepções
para além do âmbito religioso, afetando as esferas mundanas, incluindo então a
educação “formal”. Portanto, consideramos que o problema dessa pesquisa é a forma
como concepções religiosas, que muitas vezes pregam o ódio e a discriminação, podem
incutir dentro dos espaços escolares, por meio do corpo docente, representações de
mundo excludentes, diametralmente opostas ao que se espera nesse espaço. Dessa
maneira, elaboramos a seguinte pergunta: como as concepções religiosas dos/as
acadêmicos/as podem influenciar na forma como lidam com questões relacionadas aos
direitos humanos?
Nosso intuito em pesquisar as formas como futuros docentes da Educação Infantil
percebem os direitos humanos, tendo em vista as religiões que seguem, é analisar como
tal fenômeno pode ser ocorrente nas práticas pedagógicas. Para isso, investigar quais
são os valores que os estudantes carregam é uma forma de perceber se estes têm uma
noção de que a defesa dos direitos humanos está intimamente ligada com a atuação
docente. Desse modo, podemos esclarecer como a presença das concepções religiosas
interfere, seja de maneira caótica ou benéfica, nas formas de se legitimar o combate à
discriminação e a busca pelo respeito as diversidades no âmbito escolar.
Neste sentido, o objeto de pesquisa escolhido para este estudo foi o corpo discente de
um Curso de Pedagogia de uma faculdade particular instalada no município de
Amambai – MS, no intuito de analisar se as concepções religiosas influenciam a forma
como os/as futuros/as pedagogos/as compreendem os direitos humanos. Escolhemos o
seguinte objeto por termos um contato constituído com a faculdade, haja vista que
lecionamos nos cursos oferecidos pela instituição. Além disso, em nossas experiências
em sala de sala, já foi possível constatar algumas relações entre as convicções religiosas
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dos estudantes em relação ao que eles pensam sobre os direitos humanos e como este
tema deve ter tratado na escola, assim que estiverem aptos a lecionar.
Portanto, consideramos como relevância científica a contribuição que a pesquisa
proporciona para os debates acadêmicos – sociológicos e pedagógicos, sobretudo –
sobre laicidade e direitos humanos em educação. Já como relevância social tem-sea
proposta de investigar as possíveis dinâmicas das discriminações oriundas do
fundamentalismo religioso que permeia o espaço escolar, objetivando assim um aporte
empírico para se pensar uma educação „em‟ e „para‟ os direitos humanos.
Assim sendo, no intuito de compreender de que forma pode se configurar as práticas
pedagógicas no que diz respeito a uma educação „em‟ e „para‟ os direitos humanos, a
formação de professores/as da educação infantil se mostra como um viés investigativo,
pois é possível captar a percepçãodos/as futuros/as pedagogos/as sobre temas sociais
relacionados à diversidade religiosa.
Tais indivíduossão também membros de uma sociedade onde fundamentalmente se
configura por apresentar ações e relações sociais, explicadas por uma série de razões, à
luz de Max Weber, com motivações distintas. Ao nos basearmos na teoria weberiana e
demais autores influenciados por este teórico, consideramos que a religião possa
exercer, a partir de seus agentes, uma dominação que possivelmente afeta a
configuração das formas como outros indivíduos consideram os direitos humanos. Esta
possibilidade não exclui, portanto, os discentes dos cursos de Pedagogia.
1. SENTIDOS RELIGIOSOS DA AÇÃO SOCIAL, LAICIDADE E FORMAÇÃO
DOCENTE
Refletindo sobre uma educação que priorize a formação de indivíduos conscientes,
críticos e que respeitem a diversidade de vivência e pensamento, a Sociologia mostra-se
como um campo do saber humano a qual pode contribuir numa análise do que ocorre
em instituições escolares, além de, através das teorias sociológicas, pensar uma
educação emancipadora (FREIRE, 1996). Portanto, uma linha possível de raciocínio é
compreender quais as formas e porque as pessoas agem de acordo com certos sentidos.
A contribuição de Max Weber (1999; 2010a; 2010b) à Sociologia, de um modo geral,
nos dá algumas pistas para a compreensão das relações sociais entre indivíduos e de que
modo isso é orientado e/ou relacionado a certas características intrínsecas aos tipos de
ação social. Já as contribuições para a Sociologia da religião, o autor propicia uma
leitura que possibilita compreender as relações sociais de sentido religioso, de tal modo
que ultrapassa o espaço da igreja, do culto, da reza, de maneira que a religião apresenta-
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se como um elemento de configuração social tão presente como outros, por exemplo, a
economia, a cultura e a ciência.
Para Weber (2010a, p. 7), a ação social é “[...] aquela em que o sentido intentado pelo
agente ou pelos agentes está referido ao comportamento de outros e por ele se orienta
no seu curso”. Diferentemente de uma simples ação, que seria possível individualmente,
a ação social sempre ocorre quando há mais do que um indivíduo envolvido, isto é, na
perspectiva weberiana é ação social quando existe interlocução com outrem. Dessa
forma, é possível aferir os sentidos subjetivos de uma ação social, pois todo indivíduo
age socialmente pelos sentidos que considera pertinente.
Por sentido, podemos compreender que se trata de algo subjetivamente intentado por
um agente ou agentes ou um tipo puro construído por um agente ou agentes que orienta
suas ações sociais (WEBER, 2010a), isto é, o sentido construído pelo agente que é
motivação1 de suas ações sociais. Portanto, o sentido não é meramente uma influência
de uma pessoa ou instituição, para Weber, o sentido é o que motiva o agente a agir de
acordo com seus próprios fundamentos, ainda que tais fundamentos sejam oriundos da
dominação de agentes ou instituições.
Pelo conceito de dominação, entendemos “a probabilidade de encontrar obediência a
uma ordem de determinado conteúdo em dadas pessoas”, “[...] pode significar a
probabilidade de encontrar submissão a uma ordem” (WEBER, 2010a, p. 102). Desse
modo, diverge o sentido de uma simples influência externa, mas sim de que os
fundamento construído pelo agente em que a obediência a alguma dominação é
incorporada e aceita subjetivamente.
Em suma, o conceito de ação social desenvolvido por Weber assume que os indivíduos
agem de acordo com certos sentidos que são os fundamentos criados subjetivamente.
Essas ações sociais são classificadas em quatro tipos diferentes:
Como toda a ação, também a ação social pode ser: 1) racional em ordem a
fins, determinada por expectações do comportamento de objetos do mundo
exterior e dos outros homens, utilizando estas expectações como “condições”
ou “meios” para fins próprios racionalmente intentados e ponderados como
resultado; 2) racional quanto a valores, determinada pela crença
consciente no valor – ético, estético, religioso ou de qualquer outra forma
que se interprete – específico e incondicionado de uma determinada
conduta puramente como tal e independentemente do resultado; 3)
afetiva, sobretudo emocional, determinada por afetos e estados sentimentais
atuais; 4) tradicional, determinadacomo um hábito vital (WEBER, 2010a,
p. 44, grifo nosso).
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Motivo “quer dizer uma conexão de sentido que surge ao próprio agente ou ao observador como
„fundamento‟ significativo de um comportamento” (WEBER, 2010a, p. 20).
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Não se comprometendo a tratar da teoria weberiana da ação detalhadamente, mas a
tomando como perspectiva metodológica neste momento para estudo do nosso
problema, temos na ação tradicional e na racional quanto a valores as formas as quais a
religião pode exercer domínio efetivo quanto a construção dos sentidos da ação social
dos agentes. Isto porque a religião exerce a dominação, em que o agente religioso
encontra obediência mediante a dominação tradicional, onde os indivíduos respeitam o
“sacerdote” de uma instituição religiosa burocrática, ou a partir da dominação
carismática, em que o “profeta”, pela força de sua profecia, consegue obediência de
certo grupos de indivíduos. Deste modo, compreende-se como a religiosidade dos
agentes pode ser um fator fundamental para a formação dos sentidos de suas ações
sociais (WEBER, 1999; 2003; 2010a).
A questão que assume relevância para nós, em termos de compreensão das concepções
religiosas de futuros docentes pedagogos, está em que esse sentido atribuído as ações
sociais possivelmente imbuídas de dominação religiosa podem hipoteticamente destoar
das proposições teóricas e práticas dos direitos humanos e de uma educação laica. Isto
porque Weber (2010b) explica em seu texto intitulado rejeições religiosas do mundo e
suas direções, que é possível que a esfera religiosa entre em tensão com várias esferas
mundanas, quais sejam, a econômica, política, estética, erótica e intelectual.
Para Weber, as religiões racionalizam o modo de vida de indivíduos que, em
determinado ponto, criam uma tensão entre o religioso e o mundano – o que não é
aceito como conduta digna de salvação – a partir do esforço das religiões “em assegurar
um estado sagrado para os salvos e, com isso, um hábito que assegure a salvação”
(2010b, p. 54).
Essa tensão se manifesta nas esferas da vida social, sendo que isso hipoteticamente pode
ser visualizado na escola, nosso interesse neste momento, pois, sempre que um
indivíduo vestir-se, comportar-se sexualmente e manifestar conhecimento antagônico às
bases religiosas, esta última por sua vez, representada pelos alunos fiéis, proporcionará
um significativo embate:
A religião de fraternidade sempre esteve em antagonismo com as ordens e
valores mundanos e este antagonismo ficou pior tanto mais quando mais
firmemente se colocou em prática suas exigências. Em geral, a ruptura se
aprofundou ao progredir a racionalidade e sublimação dos valores mundanos,
em termos de sua própria legalidade (WEBER, 2010b, p. 57).
Sendo assim, parte-se aqui do pressuposto que tudo o que for contrário ao modo de vida
religioso sofrerá rejeição por parte dos fiéis, como exemplo a sexualidade, mais
diretamente aqueles que não se considerarem heterossexuais, as vestimentas
inapropriadas para uma “pessoa de fé” e a concepção de vida, baseada na
intelectualidade do agente (WEBER, 2010b).
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Partindo das contribuições originais de Weber, estendemos a reflexão com base em
outros autores(as). Conforme Silva (2004, p.5) “religiões, religiosidades, experiências
religiosas se expressam em linguagem e formas simbólicas”. Tais simbologias emanam
um poder, que segundo Bourdieu (1989), fazem com que o dominante – nesse caso, as
religiões cristãs – através da confirmação dos seus ideais tidos como verdadeiros por
serem predominantes, consiga determinar suas vontades e seus valores, resultados
equivalentes àqueles obtidos pelo uso da força física, porém, com um agravante, este
poder simbólico nem sempre é identificado porque o agente dominado (nesse caso,
aquele que não possui os mesmos ideais ou particularismos do cristianismo) não se
pronuncia, mantendo-se neutro, justamente porque esse poder não é palpável nem
visível, por estar nas entrelinhas das palavras e nos significados dos símbolos da classe
dominante. Este fenômeno, nesta conjuntura, pode ser também interpretado como
violência simbólica, segundo Bourdieu:
É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de
conhecimento que os sistemas simbólicos cumprem sua função política de
instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem
para assegurar uma classe sobre outra (violência simbólica) dando o reforço
de sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo
assim, segundo a expressão de Weber, para a domesticação dos dominados
(1989, p. 11).
Ainda conforme o autor, a cultura dominante através do poder simbólico tem a
capacidade de unir, como também tem a faculdade de separar as diferentes culturas
existentes. Isto ocorre de acordo com os seus agentes dominantes, que utilizam deste
poder simbólico para tornarem a realidade sempre de acordo com interesses da classe
dominante (BOURDIEU, 1989).
Objetivando explicitar a violência simbólica no âmbito escolar de maneira concisa,
considerando os processos pedagógicos e os agentes da educação, o fator que a
denomina violência simbólica é compreendido por Vasconcellos que procura interpretar
o conceito de Bourdieu:
Através do uso da noção de violência simbólica ele tenta desvendar o
mecanismo que faz com que os indivíduos vejam como “natural” as
representações ou as idéias sociais “dominanantes” [sic]. A violência
simbólica é desenvolvida pelas instituições e pelos agentes que as animam e
sobre a qual se apóia o exercício da autoridade. Bourdieu considera que a
transmissão pela escola da cultura escolar (conteúdos, programas, métodos de
trabalho e de avaliação, relações pedagógicas, práticas lingüísticas), própria à
classe dominante, revela uma violência simbólica exercida sobre os alunos de
classes populares (VASCONCELLOS, 2002, p. 80-81).
Bourdieu ainda pode nos ajudar com a noção de campo, que pode ser aplicado nas
escolas. Segundo Lahire (2002, p. 47-48 apud CATANI, 2011, p. 192), campo “[..] é
um espaço de lutas entre os diferentes agentes que ocupam as diversas posições”, ou
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seja, a escola, definida como um campo, pode abarcar uma série de entraves pelos
indivíduos que a compõe, procurando sempre manter o seu capital cultural
preponderante, isso pode, então, ocorrer a partir da religiosidade dos agentes. Há ainda a
teoria do habitus, que também pode ser vista como outra forma de compreender a
influência da religião no âmbito escolar. Por habitusse entende:
[...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas
as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de
percepções, de apreciaçõese de ações – e torna possível a realização de
tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de
esquemas [...] (BOURDIEU, 1983, p. 65 apud SETTON, 2002 p. 62, grifos
do autor).
Nesse sentido, tal conceito pode nos auxiliar quando percebermos a reprodução de
determinados valores (religiosos) estruturados, que são incutidos, funcionando de modo
estruturante dentro dos indivíduos que coordenam as ações educativas nas escolas.
Conforme ressaltam Nogueira e Nogueira:
A partir de sua formação inicial em um ambiente social e familiar que
corresponde a uma posição específica na estrutura social, os indivíduos
incorporariam um conjunto de disposições para a ação típica dessa posição
(um habitusfamiliar ou de classe) e que passaria a conduzi-los ao longo do
tempo e nos mais variados ambientes de ação(2002, p. 20).
Tais proposições sociológicas são instrumentos teóricos e metodológicos essenciais para
compreendermos que a religião pode orientar determinados comportamentos sociais na
perspectiva do agente, isto é, podemos conjecturar possíveis relações com as ideias
religiosas e a forma como professores irão agir religiosamente orientados diante de
determinadas situações em que a laicidade pode ser objeto da ação ou da representação.
A laicidade, isto é, a neutralidade em matéria religiosa do Estado e suas instituições,
incluindo a escola, é uma prerrogativa que possibilita a educação estar comprometida
com os valores fundamentais da dignidade da pessoa humana. Não respondendo a
nenhum dogma ou doutrina de uma religião específica, a laicidade é condição
inexorável de um espaço público condizente com a pluralidade de ideais e crenças,
respeitando a diversidade de pertença religiosa tão evidente em nosso país. A educação,
enquanto instituição laica, oferece – ou deveria oferecer – possibilidades para o combate
a todas as formas de discriminação, seja ela religiosa ou de outra natureza, pois se
orienta pela matriz epistemológica dos direitos humanos e da cidadania, e não pela
intuição teológica de uma determinada religião (CUNHA 2013, 2014; FISCHMANN,
2012; DINIZ, LIONÇO E CARRIÃO, 2010).
Algumas pesquisas que se propuseram a analisar as interfaces entre religião e educação
nos apresentam resultados que ratificam a hipótese de que é possível o espaço escolar
estar permeado por concepções religiosas que tendem a se opor à perspectiva dos
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direitos humanos, seja pelo seu uso como modo de moralizar os alunos, no
questionamento de disciplinas que se opõem aos mitos de criação religiosos e até
mesmo a discriminação presente em livros didáticos distribuídos em escolas públicas
(CUNHA, 2013; SANTOS, 2011; DINIZ e LIONÇO, 2010; LIMA e MENIN 2010;
MALACARNE, 2009; SILVA, LAVAGNINI e OLIVEIRA 2009; CORSINO e
BRANCO, 2006). Tais estudos são constatações da realidade da educação escolar
brasileira, e pensar na formação de professores atentando-se e esta problemática deve
ser, no mínimo, algo a ser suscitado.
Conforme Saviani (2009) a história da formação de professores no Brasil apresenta uma
trajetória marcada por paradigmas que, diante de novas propostas teóricas, foram
substituídos, em vista das novas configurações educacionais.
O autor afirma que existe um dilema teórico vigente das matrizes, sendo os “conteúdos
de conhecimento” e os “procedimentos didáticos pedagógicos”, estes que são assumidos
nas diversas instituições de ensino superior do país. O primeiro concebe uma visão de
formação em que o docente está mais estrito às questões culturais e cognitivas, já o
segundo volta-se a um ensino fechado à prática pedagógica. Saviani (2009) afirma que
diante desse dilema, escolher um ou outro pouco surtirá efeito em termos de resolução
de problema. A saída, justamente, é apreciar ambas as perspectivas de modo sinérgico,
pois separá-las em caminhos distintos incide numa formação que não aprecia todas as
necessidades do educador.
Ainda conforme o autor, a realidade das tendências pedagógicas no Brasil caminha de
modo contrário a resolução desse dilema e pouco comprometidas estão em firma-se
como pedagogia crítica, isto é, uma formação que caminhe para a reflexão do cidadão.
Se a formação de professores não é contemplada com a devida criticidade, pior será em
termos de sua atuação na educação básica. Não obstante, pouco resta aos educadores
individualmente respostas às dificuldades encontradas na sua formação. Caso estes
iniciem a vida docente, Saviani afirma que a diminuta valorização do professor incide
em educadores que não pesquisam, que não aderem à uma formação continuada,
estagnando os processos educacionais. Tentar reverter esse quadro, segundo o autor, é a
saída para objetivar uma concepção de educação/ensino voltada ao enfrentamento dos
problemas sociais, inclusive o preconceito e a discriminação, nodal aos intentos de
nosso trabalho.
O reflexo da formação de professores não voltada à criticidade é a visão da escola como
reprodutora das desigualdades sociais e de todas as formas de desvalorização da
dignidade da pessoa humana. Bourdieu e Passeron (2008) apostam nessa ideia na obra
“A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino”. Analisando o sistema
de educação francês, chegam a uma conclusão importante para se pensar a formação de
professores: a escola, configurada do modo vemos na modernidade ocidental, mais
contribui para a permanência de desigualdade e discriminação sociais do que para a
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transformação, diametralmente oposto ao que Paulo Freire proferiu ao longo de sua
vida. Portanto, ao termos uma escola que se afirma como um eixo da sociedade que
coaduna com os problemas sociais, mais reproduzindo do que transformando, é
necessário que os esforços políticos e acadêmicos insistam numa mudança de
concepção do ensino e da educação de modo geral (SAVIANI, 2009).
Nesse sentido, Cunha (2013; 2014) afirma que uma possível forma de reavermos essa
situação é analisar a gestão educacional, isto é, investigar as secretarias de educação e as
proposições dos gestores. A gestão educacional é a que traça os caminhos da educação e
são as próprias que devem ser as mais “transformadas” se quisermos conceber uma
proposição educativa voltada para a ausência de discriminação e combate às
desigualdades sociais, necessário tanto para a formação docente quanto para a educação
básica.
Na escola pública, se defrontarão com a tarefa de defender a posição de pais e
alunos contra a ação particularista de diretores e professores, que tomam a
instituição de ensino como coisa privada e a utilizam para impor suas
próprias crenças. Idem, com a defesa dos professores que não são cumplices
dessa manipulação. Finalmente, os Conselhos de Educação – o nacional, os
estaduais e os municipais – terão de deixar de ser instâncias da representação
direta do clero, ou da cessão de lugares cativos para seus representantes
dissimulados. [...] No processo de descolonização religiosa da escola pública,
os Conselhos de Educação desempenharão papel de relevo e insubstituível,
para o que sua composição terá de ser reconfigurada (CUNHA, 2013, p. 103104)
Assumimos que a consideração de Cunha (2013) seja importante para se pensar também
a formação de professores. Deve-se inserir a questão da laicidade no currículo da
formação superior, não como mero conteúdo, mas como temática inerente aos direitos
humanos, dada a realidade que a educação brasileira apresenta quanto à influência da
religião nas escolas. Apostar numa formação que contemple uma educação e ensino
laicos, em que os Conselhos e os gestores contribuam para isso, é um caminho para
combater a discriminação religiosa nas escolas públicas.
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ANÁLISE
DAS
CONCEPÇÕES
RELIGIOSAS
DE
ESTUDANTES
DE
PEDAGOGIA
Neste item iremos expor os resultados da pesquisa empírica realizada em uma faculdade
particular instalada no município de Amambai – Mato Grosso do Sul, que oferece o
curso de Pedagogia. Foram analisados o Projeto Pedagógico (PP) do curso e as
concepções dos estudantes a partir da aplicação de um questionário.
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Quanto ao PP do curso, podemos afirmar que embora este apresente sinais para assumir
uma formação docente que privilegie tratar de questões como cidadania, que engloba
temas como discriminação e preconceito, não é evidente que temas como laicidade,
educação laica ou discriminação religiosa sejam tratados. As palavras “laicidade”,
“laico” ou “laica” não estão presentes no documento. Isso não significa que não são
temas de interesse da instituição, mas que, diante de outras temáticas como racismo,
esta fique esquecida.
Boa parte dos princípios dispostos no PP do curso afirmação que a formação acadêmica
oferecida pela instituição deve atender a noção de que os indivíduos são iguais em
dignidade e direitos, e que o respeito à pluralidade de ideias presente na sociedade é a
algo a ser preservado, além disso, dispõe quanto ao oferecimento de oportunidades em
que os alunos/as possam apresentar a consciência da diversidade. Portanto, o PP do
curso, indiretamente, afirma que a diversidade religiosa e de crença, aqui incluindo
como irredutível a pluralidade de ideais e diversidade, deva ser considerado durante a
formação acadêmica.
Não obstante, o PP no momento da análise estava passando por processo de atualização,
o que nos impossibilitou uma análise aguçada do documento. De todo modo, a pesquisa
aponta menos para a pertinência do que diz a proposta pedagógica da instituição e mais
para as concepções dos acadêmicos. Vejamos.
O questionário aplicado continha um total de doze interrogações, onde cinco eram de
múltipla escolha e sete perguntas abertas. As perguntas de múltipla escolha se referiam
à idade, sexo, semestre em que está matriculado no curso, religião e se atuava como
docente no ensino fundamental ou educação infantil. As outras questões inquiriam de
um modo geral sobre as concepções religiosas dos estudantes em relação à educação e à
escola.
Foi colhido um total de cinquenta (50) questionários, o que é parcela significativa dos
estudantes do curso de Pedagogia da Faculdade de Amambai (FIAMA/UNIESP), visto
que a instituição possui apenas três salas que corresponde ao terceiro, quinto e sétimo
semestre. O total de alunos estudantes de Pedagogia nessa instituição é noventa e dois
(92), portanto, nossa amostra corresponde a 54,34% aproximadamente do total. Ainda
que nossa pesquisa não queira partir de uma análise quantitativa, o que queremos
apresentar é que os dados são significativos para iniciar a reflexão aqui proposta.
A média geral de idade é de 29,12 anos, com um desvio padrão de 7,49, significando
que há a presença de um público jovem e adulto em termos gerais. Há 36 mulheres e 14
homens, representando 72% e 28% respectivamente. Quanto aos semestres em curso, 9
estão no terceiro semestre (18% do total), 13 no quinto (26%) e 28 no sétimo (56%),
indicando que a maioria das respostas são de formandos, o que implica que suas
concepções potencialmente comporão o espaço educacional e escolar em breve.
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Quanto à pertença religiosa, 27 se declaram evangélicos (54%), 16 católicos (32% do
total), 2 agnósticos (4%), um ateu (2%) e 2 com múltipla religiosidade (4%), sendo um
católico, evangélico e espírita e outro católico e evangélico. O interessante é que os
dados revelam um percentagem elevada de evangélicos e significativa de católicos, indo
de contra-mão ao Censo 2010 quanto às estatísticas das religiões no Brasil (IBGE,
2010). De todo modo, os dados revelam que, somando católicos, evangélicos e os dois
que aderem a mais de uma religião, temos um total de 90% de cristãos, o que coaduna
com os argumentos de Pierucci (2011) sobre a pouca diversidade religiosa no Brasil.
Desse total de acadêmicos, 22 já atuam em escolas (44% do total) e 28 não (56%). Isso
indica que quase metade está desenvolvendo trabalhos em escolas, significando que
suas concepções são presentes.
Um dado que deve ser considerado em nossa pesquisa é que dos 50 acadêmicos, 21 são
indígenas (42% do total) e 29 não indígenas (58%). Como as escolas indígenas, bem
como sua cultura, possuem especificidades, portanto é importante analisar
separadamente os dados. Não queremos aqui cogitar uma discriminação estatística,
dividindo os acadêmicos como se houvesse diferenças raciais entre indígenas e não
indígenas, mas sim propiciar uma análise dos dados que contemple as características da
cultura e educação diversificada no espaço escolar indígena.
Iniciando a apresentação dos dados dos não indígenas, temos uma média de idade de
31,8 anos aproximadamente, com desvio padrão de 8,14, um pouco acima da média dos
entrevistados em geral, indicando que o publico que atua nas escolas não indígenas
possuem mais idade em relação aos indígenas. Quanto ao sexo, 26 são mulheres
(89,65% do total) e 3 são homens (10,40%). Quanto ao semestre em que estão
matriculados, 3 estão no terceiro (10,34%), 4 no quinto (13,79%) e 22 no sétimo
(75,86%). Sobre a adesão religiosa, 12 são católicos (41,37%), 16 evangélicos (55,17%)
e um com múltipla religiosidade (católico, evangélico e espírita). Assumindo que o
espiritismo historicamente advém de um sincretismo com o cristianismo, chegamos a
constatação que 100% dos acadêmicos não indígenas são cristãos. Sobre se atuam ou
não na educação, 6 disseram que sim (20,68%) e 23 não (79,31%), o que significa que
poucos participam do processo educacional.
Para fins de contraste e análise individual dos dados, a média de idade dos estudantes
indígenas é de 25,38 anos com desvio padrão de 4,39, portanto um público
relativamente jovem. Há certa paridade quanto ao sexo, onde 10 são mulheres (47,61%
do total) e 11 homens (52,38%), mas o dado é interessante, pois o número de homens
sobe consideravelmente, sendo maioria, em relação aos acadêmicos em geral. Quanto à
matricula no curso, 6 estão no terceiro (28,57%), 9 no quinto (42,85%) e 6 no sétimo
(28,57%), portanto a maioria ainda não estaria prestes a possivelmente ingressar o
ensino básico, se não fosse a revelação estatística quanto a já atuação nas escolas, onde
de um total de 21 indígenas, 16 já atuam como professor (76,19%) em relação à 5 que
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ainda não atuam (23,80%), podendo significar que há um considerável número de
professores indígenas ainda não formados ou em formação atuando nas escolas
indígenas. Há mais diversidade religiosa do que em relação aos acadêmicos não
indígenas, pois 11 se declaram evangélicos (52,38%), 4 católicos (19,04%), 2
agnósticos (9,52%), 2 denominados “cultura indígena” (9,52%), um com múltipla
religiosidade (4,76%) e um ateu (4,76%), o interessante aqui é que mais da metade dos
indígenas são cristãos e menos de 10% assumem a cultura indígena como religiosidade,
além disso, salta aos olhos que o ateísmo e agnosticismo estão presentes entre os
indígenas, cuja posição geralmente é relacionada com a cultura ocidental. De todo
modo, acreditamos que a noção de religiões universais e religiões étnicas proposta por
Pierucci (2006) seja uma explicação desse fenômeno, em que as religiões universais
tendem a separar os indivíduos e alcançar a maior número de fiéis que puder, muitas
vezes denegrindo e demonizando outras religiosidades, o que prejudica as religiões
étnicas que possuem a função de fortalecer a comunidade, nesse caso, indígena.
Tais dados contribuem para a compreensão das respostas das questões abertas. Não
iremos discorrer separadamente os indígenas e não indígenas, no entanto, sempre que
necessário falaremos sobre a relevância da dinâmica distinta entre as instituições de
ensino em relação com as respostas apresentadas pelos discentes do curso de Pedagogia,
com breves apontamentos entre as respostas de índios e não índios.
A primeira pergunta aberta procurou identificar se os estudantes consideravam algum
tema trabalhado nas escolas ou proposto pelas orientações educacionais impróprios para
o espaço escolar. Nosso interesse era identificar se havia temáticas que pudessem não
ser assumidas como pertinentes à educação pelos estudantes por conta de suas
percepções religiosas de mundo.
Três dos estudantes afirmaram que são contrários ao tema “sexo” nas escolas,
afirmando que os estudantes entram em contato com esse tema muito cedo, o que não é
“proporcional” para a idade, além de que tal temática deve ser trabalhado pelos pais. A
questão é que a educação sexual é tema transversal que contribui para a prevenção de
doenças sexualmente transmissíveis, por exemplo. De um modo geral os alunos
consideram que todos os conteúdos são pertinentes ao ambiente escolar, porém, o
detalhe é que por ser a primeira questão e não mencionar coisa alguma sobre religião,
estes tenderam a responder que são favoráveis à todos os conteúdos. A segunda questão
se propôs a identificar se os alunos consideraram as orações em sala algo positivo para
as escolas. Abaixo algumas respostas dos acadêmicos:
“Toda oração é bem vinda, pois atribui as crianças um caráter melhor e
temor a Deus. Se todos tivessem temor a Deus, o mundo não estaria nesse
[sic] violência, nessa falta de amor ao próximo” (Questionário nº12).
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“Sim. Pois Deus vem em primeiro lugar, mas esse assunto tem que se [sic]
tratado sem questionar a religião de cada um, apenas respeitar para não
gerar conflito” (Questionário nº09).
“Não pois a escola e o ensino é laico e creio que orações de rotina em sala
não acarreta em melhoria ou regresso na educação” (Questionário nº15).
As duas primeiras respostas representam a maioria da opinião dos estudantes, dizendo
que a oração deve ser feita de tal modo que não desrespeite nenhuma religiosidade. A
última é a única que mencionou a laicidade educacional e certa minoria diz que não
concorda com oração em sala pois pode gerar transtorno. A questão é que, para a
maioria dos estudantes, a noção de diversidade religiosa só é vista em se tratando das
religiões cristãs, pois tanto os que aprovam quanto os que rejeitam as orações em sala
fizeram ponderações sempre recapitulando que se deve respeitar todas as religiões, visto
que “Deus é um só”. Isso reitera que outras religiosidades de matriz não cristã, ateísmo
e agnosticismo são simplesmente esquecidos quando se debate a questão das orações
em sala.
Esse questionamento vai de acordo com o restante das respostas oferecidas pelos
estudantes quanto a questionamentos semelhantes, quais sejam, perguntamos se eles
aprovavam a presença de líderes religiosos nas escolas e se eles podem contribuir para a
educação; como deveria ser o relacionamento entre escolas e as religiões; e se achavam
que seria importante a presença da religião nas escolas.
Nesse sentido, as maiorias dos acadêmicos colocaram-se em favor da presença de
líderes religiosos nas escolas, que deveria haver uma relação entre igrejas e escolas e a
presença da religião nas escolas é necessária, onde muitos sempre apontavam sobre o
respeito a outras religiões, mas sempre apontando para a diversidade religiosa cristã,
esquecendo-se de inserir nessa proposta de tolerância religiões de outras matrizes e os
que não possuem crença. Uma parcela minoritária se prestou contrária à presença de
líderes e a religião no espaço escolar, apontando para a questão da religião como caráter
privado do ser humano e menos ainda foram aqueles que argumentaram a justificativa a
partir dos pressupostos da laicidade.
Duas questões apontaram respostas com raciocínio semelhante, mas sobre temas que
divergem dos anteriores. A primeira destas sobre a reação dos estudantes caso algum
aluno manifestasse opinião religiosa diferente da que professam mostra que
os/asfuturos/as pedagogos/as apresentam uma indicação a tolerância, no entanto, alguns
discursos se mostram como apologéticos, em que s acadêmicos disseram que tentariam
“convencer” os alunos que estão de posicionando de forma errônea. A afirmação de
respeito continua a ser entre as religiões cristãs, em que o respeito seria existente nessa
situação, mas com o discurso relacionado sempre a diversidade do cristianismo. Isto é,
por nenhum acadêmico foi mencionado um possível conflito e opinião diversa de outra
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percepção religiosa que não fosse à cristã, ratificando que sequer outras matrizes são
consideradas na discussão.
A última questão procurou aferir a relação entre temas de direitos humanos e a religião
a partir da seguinte pergunta: “Alguns temas sobre direitos humanos, como a defesa de
direitos dos homossexuais, das mulheres, de minorias religiosas (fiéis de religiões não
cristãs, como o Candomblé e a Umbanda) e daqueles que não professam religião muitas
vezes acabam sendo contrários ao que é propagado pelas religiões. Nesse sentido, caso
algum tema fosse contrário ao que sua religião prega viesse a ser trabalhado na escola
em que você atua/atuará, qual seria seu ponto de vista a respeito?”. Algumas respostas
podem elucidar a explicitação:
“Devemos respeitar as opiniões dos outros, por isso nesse caso eu aceitaria,
mas isso não significa mudar o meu pensamento ou minha religião pela
estudada” (Questionário nº 8).
“Não teria problema algum sobre falar, trabalhar e explicar, caso não fosse
a minha religião, iria me preparar melhor para cumprir bem meu papel de
educadora” (Questionário nº 18)
“É uma situação bem complicada. Não saberia como lidar ou aceitar. Se
tivesse algum poder dentro da escola não aceitaria, tentaria pelo menos
barrar” (Questionário nº 20).
“Seria contrária a esse trabalho, mas trabalharia pois hoje nas escolas são
estudadas as religiões por livre e espontânea vontade” (Questionário nº 26).
“O professor não deve se aprofundar em determinados temas, mas se fosse o
caso faria o trabalho defendendo o que penso a respeito” (Questionário nº3)
Tais respostas são representativas das oferecidas pelos acadêmicos. Houve maior
aceitação por parte dos estudantes quantos aos temas de direitos humanos, mas uma
parcela afirma que trabalharia por conta da imposição da escola; que não mudariam de
opinião; que colocariam sua percepção sobre o tema. Isso significa que, mesmo que seja
minoria, há a possibilidade por parte dos estudantes em apresentar sua opinião religiosa
sobre a temática. Outra constatação é que os indígenas se mostraram visivelmente mais
propensos a trabalhar os temas sem haver divergência com a crença, sendo que os não
indígenas apresentaram, de forma diminuta, alguma resistência às temáticas de direitos
humanos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A problemática levantada por essa pesquisa, a nosso ver, a partir da discussão teórica e
posteriormente dos dados empíricos, contribuiu para compreender de que forma a
formação de professores deve ater-se as dinâmicas sociais relacionadas ao pensamento
dos indivíduos, e principalmente nesse momento, em como essa configuração influência
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a forma como futuros/as pedagogos/as irão participar como atores sociais da educação
no que tange as considerações dos direitos humanos. Esta reflexão mostra-se como um
aporte para a legitimação do respeito à dignidade humana e progresso do combate à
discriminação, a integração da pauta da diversidade religiosa e a laicidade do Estado no
ensino universitário, inexoravelmente indispensáveis ao âmbito educacional.
Os dados apresentam que umas parcelas significativas dos acadêmicos simplesmente
não mencionam que a diversidade religiosa está para além das várias religiões de matriz
cristã. Talvez num posterior trabalho enfocar essa questão seja produtivo para conseguir
compreensões importantes à temática que buscamos na presente pesquisa.
Mesmo que não houve a ocorrência de manifestações propriamente fundamentalistas ou
discriminatórias, alguns discursos proferidos apontam a força da percepção religiosa dos
acadêmicos, em especial quando há a discussão sobre as pautas defendidas. Não
obstante, há também parcela significativa de estudantes que se mostraram favoráveis ao
respeito às opiniões e à diversidade, seja ela qual for.
Entretanto, poucos foram os alunos que mencionaram a laicidade da educação para
fundamentar suas justificativas. Isso é importante para se constatar que essa
especificidade da educação pública, tão defendida historicamente, pouco é conhecida
pelos acadêmicos. Fomentar os debates em disciplinas que tratam da gestão escolar,
políticas educacionais, filosofia, história e sociologia da educação pode se mostrar uma
proposição inerente à busca de uma educação efetivamente laica.
Assim sendo, não apenas pensar a formação de professores, mas todo o processo
educacional, especialmente os Conselhos de Educação e a Gestão Pública, seja o
caminho para conceber um ensino, uma proposta pedagógica e um espaço escolar que
estejam comprometidos com a dignidade da pessoa humana e ao combate de todas as
formas de discriminação e preconceito, no intento de uma educação crítica, tolerante e
humana.
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*Graduando em Pedagogia pelo Centro Universitário da Grande Dourados
(UNIGRAN); mestrando em Sociologia pela Universidade Federal da Grande Dourados
(PPGS/UFGD); bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES).
**Mestre em Educação pela Universidade Federal da Grande Dourados
(PPGEdu/UFGD); professora do curso de Pedagogia do Centro Universitário da Grande
Dourados (UNIGRAN), nas modalidades presencial e a distância.
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