MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS/SP EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE UMA DAS VARAS FEDERAIS DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do Procurador da República que esta subscreve, em exercício na Procuradoria da República no Município de São José dos Campos-SP, com fundamento nos artigos 37, caput, 127 e 129, inciso III, todos da Constituição Federal, bem como nos artigos 5º, inciso I, da Lei 7.347/85, e artigo 5º, inciso III, “b” e “d”, e artigo 6º, inciso VII, “b” e “d”, todos da Lei Complementar nº 75/93, vem, respeitosamente, perante esse Juízo Federal promover a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA para defesa de direitos difusos e coletivos, visando a regularização dos imóveis em eventuais terrenos de marinha, de propriedade da União, situados nos municípios de Caraguatatuba, Ilhabela e São Sebastião, todas do litoral do Estado de São Paulo. I:\ESTÁGIO\Rodolfo\Cível\Tutela Coletiva\ACP\1.34.014.000170.2008-67. SPU-SP registro terrenos de marinha.odt Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS em face da: UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público, a ser citada na pessoa do Procurador Seccional da União em São José dos Campos, no endereço Av. Cassiano Ricardo, 521, São José dos Campos, CEP 12.240-540. I – DOS FATOS Foi instaurado nesta Procuradoria da República do Município de São José dos Campos o Inquérito Civil Público nº 1.34.014.00170/2008-67, para apurar a qualidade do serviço público prestado pela SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO-SPU por meio de sua SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO EM SÃO PAULO, no que tange a identificação, demarcação e cadastramento de terrenos de marinha, propriedade da União, bem como inscrição dos imóveis localizados nestes terrenos de marinha, com o fito de promover a utilização ordenada dos referidos bens imóveis de domínio da União. A presente ação tem por fim condenar a União para que proceda à identificação e cadastramento dos terrenos de marinha e seus acrescidos, pertencentes à União, conforme disposto no art. 20, inciso VII, da Constituição da República, sendo que para tal desiderato é essencial a demarcação definitiva e homologação da linha do preamar-médio de 1981. De acordo com o órgão responsável por tais tarefas -gestão dos bens da União-, a Secretaria do Patrimônio da União -SPU-, há 2 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS inúmeros imóveis sitos nas cidades de Caraguatatuba, Ilhabela e São Sebastião, todas do litoral do Estado de São Paulo, que apesar de serem, efetivamente, terrenos de marinha, ainda não foram identificados como tal. Dessa dissonância, é possível afirmar que ao interesse público não está sendo conferida a devida supremacia, ante a não defesa do patrimônio público visto a renúncia ilícita de receitas (cobrança de foro, taxa de ocupação e laudêmio) e a falta de segurança jurídica em razão da inexistência de informação relevante nos cartórios de registro de imóveis, que, em tese, devia ser fornecida pela Secretaria de Patrimônio da União em São Paulo. O comando constitucional -art. 20, VII, CF/88- sobre terrenos de marinha é regulamentado, em síntese, pelo Decreto-Lei n. 9.760/46, o qual aduz que são terrenos de marinha as áreas, em faixa de 33 metros: 1. situadas na costa marítima; 2. que contornam as ilhas; 3. as margens dos rios e lagoas. A conceituação jurídica de terrenos de marinha e acrescidos está insculpida nos arts. 2º e 3º do referido Decreto-Lei (que dispõe sobre os bens imóveis da União): SEÇÃO II DA CONCEITUAÇÃO Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés. Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano. 3 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha. Com o fito de delimitar o alcance dos 33 metros a partir da costa marítima, margens dos rios e lagoas, e dos contornos de ilhas, é pressuposto indispensável a demarcação da linha preamar média de 1831 -marco referencial instituído precisamente para tal fim. Tal atividade, por definição legal, conforme o retromencionado Decreto-Lei n. 9760/46, arts. 9º e 10, é de competência da Secretaria de Patrimônio da União -SPU-, órgão federal vinculado ao Ministério do Planejamento. É o seguinte o teor dos dispositivos em comento: SEÇÃO II DA DEMARCAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA Art. 9º É da competência do Serviço do Patrimônio da União (S.P.U.) a determinação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias. Art. 10. A determinação será feita à vista de documentos e plantas de autenticidade irrecusável, relativos àquele ano, ou, quando não obtidos, a época que do mesmo se aproxime. Temos, ainda, o art. 11 do referido Decreto-Lei: Art. 11. Para a realização da demarcação, a SPU convidará os interessados, por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo plantas, documentos e outros esclarecimentos 4 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcando. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007) Cabe ainda citar a Lei 9.636/98, in verbis: CAPÍTULO I DA REGULARIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO ORDENADA Art. 1o É o Poder Executivo autorizado, por intermédio da Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, a executar ações de identificação, demarcação, cadastramento, registro e fiscalização dos bens imóveis da União, bem como a regularização das ocupações nesses imóveis, inclusive de assentamentos informais de baixa renda, podendo, para tanto, firmar convênios com os Estados, Distrito Federal e Municípios em cujos territórios se localizem e, observados os procedimentos licitatórios previstos em lei, celebrar contratos com a iniciativa privada. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007) Art. 2o Concluído, na forma da legislação vigente, o processo de identificação e demarcação das terras de domínio da União, a SPU lavrará, em livro próprio, com força de escritura pública, o termo competente, incorporando a área ao patrimônio da União. Parágrafo único. O termo a que se refere este artigo, mediante certidão de inteiro teor, acompanhado de plantas e outros documentos técnicos que permitam a correta caracterização do imóvel, será registrado no Cartório de Registro de Imóveis competente. Art. 3o A regularização dos imóveis de que trata esta Lei, junto aos órgãos municipais e aos Cartórios de Registro de Imóveis, será promovida pela SPU e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN, com o concurso, sempre que necessário, da Caixa Econômica Federal - CEF. 5 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS Parágrafo único. Os órgãos públicos federais, estaduais e municipais e os Cartórios de Registro de Imóveis darão preferência ao atendimento dos serviços de regularização de que trata este artigo. No Estado de São Paulo, a delimitação -posicionamentodas Linhas do Preamar Médio -LPM- de 1831 resta incompleta. Nos municípios de Caraguatatuba, Ilhabela e São Sebastião há regiões inteiras que não possuem linha preamar demarcada, o que impossibilita saber quais áreas são terrenos de marinha, ou não, e gera insegurança jurídica. Conforme Ofício n. 771 / GRPU/ GAB/ SP, enviado a esta Procuradoria pela SPU -fls. 17/85- em 18 de agosto de 2008: 1. o município de Caraguatatuba possuía 04 (quatro) quilômetros de LPM aprovada e homologada de um total de 35 (trinta e cinco) quilômetros; 2. o município de Ilhabela possuía 0.9398 de quilômetro de LPM aprovada e homologado de um total de 126 (cento e vinte e seis) quilômetros; 3. o município de São Sebastião possuía 03 (três) quilômetros de LPM aprovada e homologada de um total de 100 (cem) quilômetros -vide fls. 22. O mesmo referido ofício informa, quanto à quantidade de imóveis em eventuais terrenos de marinha cadastrados à época - fls. 22: 1. Caraguatatuba possuía 1.504 imóveis cadastrados; 2. Ilhabela possuía 146 imóveis cadastrados; e 3. São Sebastião possui 1.095 imóveis cadastrados. 6 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS O Inquérito Civil Público que trata do objeto da presente ação foi prorrogado por três vezes, totalizando três anos de prorrogação (fls. 108, 235 e 264) - já próximo de completar o quarto aniversário. Neste tempo, diversas reuniões -ata da reunião entre Prefeitura de Caraguatatuba, SPU/SP e MPF a fls. 253/256- ocorreram entre os Procuradores da República em São José dos Campos, Gerentes e Representantes da SPU, e respectivas Prefeituras, das quais resultaram: a) compromissos e prazos por parte da Prefeitura de Caraguatatuba e SPU/SP, com relação ao ordenamento e regularização das praias de Tabatinga, Martim de Sá, Centro, Aruan, Mococa e Massaguaçu; b) proposta de Termo de Ajustamento de Conduta enviado pela SPU/SP à Prefeitura de São Sebastião – modelo a fls. 266/279; c) termo de Cooperação Técnica entre SPU/SP e Prefeitura de Ilhabela -fls. 280/288- com o fito de regularizar a situação dos eventuais terrenos de marinha; d) Projeto de Gestão Integrada -ou Projeto Orla- da Prefeitura de Ilhabela frente à SPU, a ser efetivado após audiências públicas ainda não realizadas (vide fls. 225, 252/256, 262, 265, 292, 302, 303, 311/312), entre outras tratativas. Vale lembrar que o quanto consta do retromencionado art. 1º, parte final, da Lei 9.636/98, é regulamentado pelo Decreto 3.725/01, que preleciona: Art. 1o A identificação, a demarcação, o cadastramento, a regularização e a fiscalização das áreas do patrimônio da União poderão ser realizadas mediante convênios ou contratos celebrados pela Secretaria do Patrimônio da União, que observem os seguintes limites para participação nas receitas de que trata o § 2o do art. 4o da Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998, a serem fixados, 7 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS em cada caso, em ato do Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão: I - para Estados, Distrito Federal e Municípios, e respectivas autarquias e fundações, considerado o universo de atividades assumidas: de dez a cinqüenta por cento; e II - para as demais entidades: de dez a trinta por cento. Parágrafo único. Excepcionalmente, em decorrência da complexidade, do volume e dos custos dos trabalhos a realizar, poderá ser estipulado regime distinto na participação das receitas de que trata este artigo. Ainda 070/2012/DIIFI/SPU/SP, assim, em resposta recente -Ofício n. a fls. 317-, a SPU/SP informa: 1. Caraguatatuba possui 04 (quatro) quilômetros de LPM aprovada e homologada; 2. Ilhabela possui 01(um) quilômetro de LPM aprovada e homologada; e 3. em São Sebastião não há trecho de LPM homologado. E, no que tange a quantidade de imóveis em eventuais terrenos de marinha cadastrados -dados de dezembro de 2011-, informa a SPU/SP no retromencionado ofício: 1. Caraguatatuba possui 1.375 imóveis cadastrados; 2. Ilhabela possui 187 imóveis cadastrados; e 3. São Sebastião possui 1.144 imóveis cadastrados. O cotejo das informações a fls. 317 com as que constam a fls. 22 evidencia que pouco evoluiu a demarcação das Linhas de Preamar Médio nas referidas municipalidades, permanecendo a situação irregular da utilização de inúmeros potenciais imóveis de propriedade da União e a insegurança jurídica 8 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS generalizada, ante as dificuldades enfrentadas pela Secretaria de Patrimônio da União em São Paulo em efetivamente cumprir suas obrigações institucionais, oriundas de norma cogente. Cabe aqui também mencionar que através do ofício nº 0509/2012/JUR/SPU/SP (fl. 324), a Secretaria do Patrimônio da União informa que somente dois funcionários, sem dedicação exclusiva, atualmente trabalham na demarcação da linha preamar de 1831, sem especificar se o quantitativo é para os municípios do litoral norte ou para todo o estado de São Paulo. No mesmo ofício, somos informados que não haverá licitação para a realização do trabalho, sendo que a demarcação deverá ocorrer com recursos próprios da SPU. Assim sendo, resta clara a decisão da Secretaria do Patrimônio da União em continuar se omitindo na questão. E ainda há que se considerar que é também mister a identificação dos terrenos de marinha localizados em áreas ainda não urbanizadas dos referidos municípios, mesmo que não mencionadas pela SPU/SP. Evita-se, assim, o transtorno e a insegurança jurídica, vez que muitos adquirem imóveis onde não consta, no registro do mesmo, a menção de pertencer à UNIÃO -ou de, ao menos em parte, ser composto de terreno de marinha, propriedade da União. A ausência de demarcação definitiva das Linhas de Preamar Média, e a dúvida quanto à presença de terrenos de marinha, de 9 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS propriedade da União, é a constante em inúmeros Procedimentos Administrativos Cíveis, bem como dificultam ações de usucapião, entre outras que visam a regularização fundiária de interesse social – a verdadeira missão da SPU. A demarcação dos terrenos de marinha, no âmbito da SPU/SP, é regulamentada pela Instrução Normativa n. 02, de 12 de março de 2001, e pela Orientação Normativa SPU n. 02 (ON-GEADE-002). A referida Orientação Normativa foi aprovada pela Portaria n. 162, de 21 de setembro de 2001, publicada no Boletim de Pessoal e Serviço n. 9.15, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. A fundamentação legal destas normas infralegais é o art. 9º do retromencionado Decreto-Lei n. 9760/46, já transcrito. A Orientação Normativa SPU n. 02 (ON-GEADE-002), ao tratar dos procedimentos administrativos e legais de demarcação dos terrenos de marinha (item 4.17), dispõe sobre o registro da demarcatória junto ao Cartório de Registro Geral de Imóveis (subitem 4.17.18). É o teor de tal dispositivo: 4.17.18. Concluídas todas as providências e esgotados todos os recursos cabíveis, quando interpostos, a Gerência Regional [atual Superintendência do Patrimônio da União] providenciará o registro da Demarcatória junto ao Cartório de Registro Geral de Imóveis. A providência referida no dispositivo acima é de suma importância para garantir segurança jurídica aos cidadãos que intentam habitar ou dar utilidade social a imóveis sitos em terrenos de marinha. O cidadão, ao registrar 10 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS sua propriedade em cartório de registro de imóveis, busca a certeza de que o imóvel adquirido será de sua propriedade. II – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL A legitimidade do Ministério Público Federal para o ajuizamento da presente ação civil pública para defesa de direitos difusos e coletivos – nesse caso o direito social à moradia, à propriedade, ao meio ambiente - visando a regularização dos imóveis de propriedade da União, por meio da demarcação das Linhas de Preamar Médio das municipalidades de Caraguatatuba, Ilhabela e São Sebastião, e consequente delimitação dos terrenos de marinha, de propriedade da União, advém dos artigos 5º, II, “d” e III, “b” e “d” e artigo 6º, VII, “b” e “d”, XIV “g” e XIX “b” todos da Lei Complementar nº 75/93, c/c o art. 129, inciso III, da Constituição Federal. Considerando os direitos defendidos na presente ação, a defesa de direitos difusos e coletivos, fica evidenciada a legitimidade do Ministério Público Federal no presente caso, conforme dispõe o art. 129, inciso III da Constituição federal, in verbis: Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público: (...) III - Promover o inquérito civil e ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. (g.n) (...) 11 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS A Lei Complementar Federal n.º 75/93, ao dispor sobre a organização, as atribuições e o Estatuto do Ministério Público da União, estabelece o seguinte: Art. 5.º São funções institucionais do Ministério Público da União: III – a defesa dos seguintes bens e interesses: (…) b) o patrimônio público e social; (...) e) os direitos e interesses coletivos, especialmente das comunidades indígenas, da família, da criança, do adolescente e do idoso; (g.n) Art. 6.º Compete ao Ministério Público da União: (...) VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para: (…) b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; (...) d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos; Pelo exposto, resta evidenciada a legitimidade ativa do Parquet Federal para promover a presente ação civil pública. DA LEGITIMIDADE PASSIVA Os terrenos de marinha, conforme já exposto, são, por força de disposição constitucional, bens da União. 12 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS Portanto, é dever legal da União o cadastramento de todos os terrenos de marinha, e acrescidos, bem como dos imóveis neles situados, propriedade da União, que estão sob a guarda da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), órgão responsável por dar a destinação adequada aos terrenos de marinha gerenciado a utilização social dos mesmos e a consequente arrecadação por parte da União. É também interesse da União, bem como da coletividade que representa, a pacificação social, obtida por meio da segurança jurídica conferida ao delimitar-se quais são os terrenos de marinha, nas referidas localidades. DO DIREITO Na presente demanda, busca-se prestação jurisdicional que condene a União a demarcar todos os terrenos de marinha e acrescidos localizados no território das municipalidades de Caraguatatuba, Ilhabela e São Sebastião -todas do litoral do Estado de São Paulo-, conforme os regramentos previstos na Instrução Normativa n. 02, Orientação Normativa SPU n. 02 (ONGEADE-002), Decreto-Lei 9.760/1946, Lei 9.636/98 e Decreto 3.725/01, e, ao final de todas as medidas pleiteadas, a proceder ao registro da Demarcatória junto aos respectivos Cartórios de Registro Geral de Imóveis, bem como de todos os imóveis cadastrados como terreno de marinha nos respectivos registros imobiliários. A delimitação dos terrenos de marinha e acrescidos localizados nas referidas municipalidades é direito coletivo, não só dos cidadãos que intentam habitar imóveis potencialmente cadastráveis como terrenos de 13 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS marinha -ou acrescidos- bem como da coletividade, cujos interesses são representados pela União, em defesa do patrimônio público. Em razão de sua verdadeira titularidade -todos o brasileiros-, os terrenos de marinha, de propriedade da União, patrimônio público, não podem permanecer na obscuridade jurídica. A Zona Costeira -terrenos de marinha aí inclusos- é patrimônio nacional, conforme disposto no art. 225, §4 º, da Constituição da República. E ainda, preleciona o referido dispositivo: Art. 225, § 4º, C.R. - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. Além disso, a gritante omissão da SPU/SP, in casu, com relação aos procedimentos para delimitação dos terrenos de marinha nas referidas municipalidades, não contribui para com a pacificação social, bem como dá causa a um enorme prejuízo aos cofres da União -ausência de cobrança de taxas de marinha, visto os imóveis em terrenos de marinha não serem cadastrados, etc.-, sendo, por conseguinte, o objetivo de conferir função social à propriedade imóvel, missão institucional da SPU, totalmente frustrado. E ainda, o ordenamento jurídico brasileiro considera que a transcrição do título em registro de imóveis tem presunção relativa, ou seja, admite prova em contrário. 14 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS Assim, ao confrontar uma propriedade registrada em cartório de imóveis com uma propriedade da União, oriunda de regular demarcação de terreno de marinha, esta última prevalece, pois o registro de imóvel, neste caso, não tem validade alguma -isto é, títulos de propriedade de bem imóvel sito em terreno de marinha não tem validade jurídica. Nesse sentido, o STJ: ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. 1. Os terrenos de marinha, discriminados pelo Serviço de Patrimônio da União, com base em legislação específica, só podem ser descaracterizados pelo particular por meio de ação judicial própria. 2. Cobrança de taxa de ocupação pela União. 3. Ação de nulidade da exigência do pagamento da taxa sob alegação dos autores de serem proprietários do bem imóvel, em face de doação feita pelo Estado do Rio Grande do Sul. 4. Reconhecimento pelo acórdão de que os bens estão situados em faixa considerada de terreno de marinha. 5. Impossibilidade, em face do posicionamento do acórdão, de ser revertido esse convencimento. Matéria de prova. 6. Em nosso direito positivo, diferentemente do sistema alemão, a transcrição do título no registro de imóvel tem presunção "juris tantum". 7. É sem qualquer validade título de propriedade outorgado a particular de bem imóvel situado em área considerada como terreno de marinha. 8. Taxa de ocupação devida. 9. Recurso especial improvido. (STJ, 1.a Turma, REsp 409.303/RS, rel. Min. José Delgado, unânime, julgado em 27/08/2002, DJ 14/10/2002) 15 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS Desta feita, a demarcação das LPM, LTM (Linha Limite dos Terrenos de Marinha), e dos terrenos de marinha nas referidas municipalidades é medida necessária à manutenção da paz social, conferindo segurança jurídica ao direito social à moradia, à propriedade e ao meio ambiente -direitos dos cidadãos. Finalmente, é também medida que se impõe o registro da Demarcatória, conforme já exposto, após os procedimentos de demarcação dos terrenos de marinha e acrescidos, nos respectivos Cartórios de Registro Geral de Imóveis, conforme a ON-GEADE-002, subitem 4.17.18, para tornar público a delimitação dos terrenos de marinha nas referidas municipalidades, bens da União insuscetíveis de transferência de propriedade, salvo por meio de título outorgado pela própria União. Segundo o então Ministro do STF Ilmar Galvão: A ressalva contida no art. 20, IV, às áreas, nelas situadas, que estiverem no domínio dos Estados, tem sentido explicativo quanto à possibilidade de parcelas de tais ilhas terem sido, no passado, e virem a ser, no futuro, transferidas para os Estados, Municípios ou particulares, pelos meios regulares de direito, já que as terras públicas dominicais não são insuscetíveis de alienação 'nos casos e forma que a lei prescrever' (art. 67 do CC) [hoje arts. 100 e 101 do CC de 2002]; sendo elas, ao revés, vocacionadas à passagem do patrimônio público para o patrimônio privado, como um imperativo do progresso. (Ação Cível Originária n. 317-2, DJ 22/11/1992) Mesmo que tarefa hercúlea, a identificação e demarcação 16 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS de todos os terrenos de marinha e acrescidos, nas referidas localidades, deve prosseguir em ritmo condizente com as reais necessidades da população das municipalidades paulistas objeto desta. Atualmente, extrai-se do que consta dos autos do Inquérito Civil Público nº 1.34.014.00170/2008-67, a tarefa foi, em verdade, abandonada. Ainda que considerados os limites práticos, seja pela responsabilidade fiscal, seja pela limitação orçamentária, é tempo de retomar as referidas atividades, com ainda mais vigor, pelo bem comum. Não podemos esquecer que o Decreto-Lei n. 9760/46 já previa a obrigação da União em demarcar a linha preamar-média do ano de 1831 na sua redação original. Assim sendo, a União está em mora há incríveis 66 (sessenta e seis anos), sendo não vemos como é impossível justificar tal demora. V – DO PEDIDO LIMINAR E DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA: É patente que a falta da demarcação definitiva da linha preamar-média do ano de 1831 vem causando lesões graves e de difícil reparação. Com efeito, há insegurança jurídica quanto à titularidade dos imóveis no litoral, já que os proprietários não sabem muitas vezes se têm ou não o domínio, e se o imóvel adquirido pode ou não ser registrado em cartório. 17 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS Por outro lado, pessoas podem estar pagando indevidamente as taxas de ocupação à União, e outros deixam de ser cobrados quando deveriam. Em todas as ações de usucapião, instaura-se uma controvérsia para separar o terreno de marinha do terreno alodial, sendo que até os peritos judiciais muitas vezes tem dificuldade para tratar a matéria. Todos os pedidos formulados nesta ação civil pública dependem da demarcação definitiva da linha preamar-média do ano de 1831 para correto cumprimento, sendo inequívoca a obrigação legal da União em realizar a demarcação. A demora injustificável da Secretaria de Patrimônio da União foi cabalmente comprovada, sendo certo que é um absurdo que atualmente só 2 (dois) servidores do referido órgão estejam trabalhando na demarcação sem dedicação exclusiva. Salta aos olhos que a questão da demarcação definitiva da linha preamar não pode esperar o trânsito em julgado desta ação para começar a ser executada, uma vez que é providência demorada, e que provavelmente demandará a realocação de funcionários pelo governo federal ou a realização de licitação. Destarte, o Ministério Público Federal requer a concessão de medida liminar em antecipação de tutela, após a notificação da União para que apresente resposta preliminar no prazo de 72 horas, determinando o seguinte: 18 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS a) seja a União obrigada a cumprir obrigação de fazer, consistente em demarcar e homologar, de forma definitiva, a linha preamar-média de 1831 nos municípios de São Sebastião, Ilhabela e Caraguatatuba, sendo fixado o prazo de 3 (três) anos para o término dos trabalhos e o prazo de 90 (noventa) dias para apresentação de cronograma de trabalho que deve indicar o número de servidores necessários para a tarefa, o cronograma da demarcação e a previsão de necessidade ou não de licitação para contratação de empresa para término do trabalho no prazo; b) seja fixada multa a ser arbitrada pelo juízo no caso de descumprimento das obrigações determinadas na liminar ou pelo descumprimento do cronograma. VI – DOS PEDIDOS: O Ministério Público Federal formula seus pedidos, nos seguintes termos: a) o recebimento, a distribuição e autuação da presente ação, instruída com os autos do Inquérito Civil Público nº 1.34.014.000170/200867, bem como a confirmação da antecipação de tutela; b) a citação da União Federal na pessoa do Procurador Seccional da União em São José dos Campos, no endereço: Av. Cassiano Ricardo, 19 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS 521, São José dos Campos, CEP 12.240-540, telefones (12) 3797-2077 e 37972100, para, querendo, contestarem a presente ação, no prazo legal e sob pena de revelia, devendo constar, no mandado de citação, a advertência de que, não sendo contestada a ação, presumir-se-ão como verdadeiros os fatos articulados, ensejando o julgamento antecipado da lide, como prescreve o artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil; c) seja a União condenada à obrigação de fazer, consistente em identificar e cadastrar todos os terrenos de marinha e seus acrescidos nos Municípios de Caraguatatuba, Ilhabela e São Sebastião, todos no Estado de São Paulo, de propriedade da União nos termos do art. 20, inciso VII, da Constituição da República, bem como condenada a demarcar e homologar, de forma definitiva, a linha preamar-média de 1831; d) seja a União condenada à obrigação de fazer, consistente em registrar a linha demarcatória dos terrenos de marinha nos Municípios de Caraguatatuba, Ilhabela e São Sebastião, todos no Estado de São Paulo, nos respectivos cartórios de registros de imóveis, conforme a Orientação Normativa da SPU nº 2 (ON-GEADE-002), subitem 4.17.18, com fundamentação legal no art. 9º do Decreto-Lei n. 9760/46; e) seja a União condenada à obrigação de fazer, consistente em registrar todo e qualquer imóvel cadastrado como terreno de marinha nos Municípios de Caraguatatuba, Ilhabela e São Sebastião, todos no Estado de São Paulo, nos respectivos cartórios de registros de imóveis, assegurando, juridicamente, a efetividade do direito social à moradia, à 20 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS propriedade e ao meio ambiente do cidadão e da coletividade que a União representa ; e f) em caso de condenação seja fixado o prazo de 90 dias para o início do cumprimento da sentença, com apresentação de cronograma em igual prazo, com fixação do prazo de 3 (três) anos para o término dos trabalhos, sob pena diária de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a ser revertida em favor do fundo para defesa dos interesses coletivos e difusos criado pelo art. 13 da Lei 7.347/85. Dá-se à causa o valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). São José dos Campos, 31 de maio de 2012. RICARDO BALDANI OQUENDO PROCURADOR DA REPÚBLICA FERNANDO LACERDA DIAS PROCURADOR DA REPÚBLICA ANGELO AUGUSTO COSTA PROCURADOR DA REPÚBLICA 21 Av. Nove de Julho, 765 – 5º andar – SJ Campos/SP – CEP: 12243-000 (012) 3924-2400