n. 174, 14 de setembro de 2010. Ano IV.
"o senhor é um produto imperfeito do escravo. Se acabasse a sujeição, a dominação tinha os
dias contados" (max stirner).
estado e terror: produção das vítimas
Não há Estado democrático sem uma enorme produção da miséria. Não há Estado que não esteja fundado no terror.
No século XX, as constituições nacionais dos Estados criaram o estado de exceção como predicado do soberano,
mantendo o que os juristas chamam de atributo não jurídico do exercício da soberania. Diferente da criação de um
direito especial, o estado de exceção apenas inscreveu no Direito o exercício soberano que cria um novo direito nos
regimes autoritários e totalitários, em especial, o nazismo na Alemanha. Direito constitucional utilizado por Hitler para
dar resposta ao povo alemão que se sentia vitimizado pela guerra: humilhado pela perda de seu querido exército e
avassalado pela inflação. O terror e os campos de concentração criaram seus alvos preferenciais em nome da pureza
da raça, da saúde do Estado e de sua população: prenderam, torturaram e mataram.
democracia e terror hoje.
Com o 11 de setembro de 2001 os EUA dimensionam o uso do estado de exceção como dispositivo de governo na
democracia com o Patrioctic Act. Mais uma incontável produção de vítimas e algozes reitera a centralidade do exercício
do poder governamental. A democracia contemporânea não abre mão do Direito, de direitos e do Direito penal. Seu
uso seletivo hoje se elastifica tornando todos suspeitos em nome de melhorias da vida numa idílica democracia
aperfeiçoável.
11 de setembro, estados unidos
Cinco homens, acusados de planejar e executar os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, encontram-se
presos em Guantánamo há oito anos aguardando julgamento. A demora é justificada pelo governo estadunidense
como efeito de um conflito de competências: julgá-los perante um Tribunal Federal, segundo as leis do direito comum,
ou entregá-los ao Tribunal Militar de Exceção. “O estudo das opções continua”, afirma um funcionário do Estado.
Paralelamente a essa polêmica, que envolve diplomacia, forças armadas, entidades de direitos humanos, democratas
e republicanos, seguem as investidas bélicas no Oriente Médio, o acirramento da política contra imigrantes e o
exercício da tolerância do governo e de seus cidadãos. Administram-se ressentimentos, postergam-se interpelações. O
que interessa para a democracia na América é a continuidade de suas instituições e tecnologias de governo para
realização de seu destino manifesto.
11 de setembro, chile
Há 37 anos, no Chile, militares davam início a mais uma ditadura na América do Sul. Hoje, vinte anos depois do fim da
ditadura, certas mulheres decidiram revelar publicamente as marcas, os efeitos destruidores das torturas no corpo, na
existência. “Foi atroz, o pior dia da minha vida” relembra uma destas mulheres, presa em Santiago e levada para um
centro de tortura na Praça da Constituição onde foi amarrada em colchonetes situados num porão e torturada
sistematicamente durante onze dias consecutivos diante do namorado, detido na cela em frente. A tortura sobre
mulheres consideradas subversivas e perigosas tornou-se prática comum, ubíqua, em boa parte da América Latina
durante os anos 1970 -— “sabemos de camponesas guatemaltecas submetidas a humilhações inomináveis” afirmou
um escritor —, mas ainda hoje ela ocorre com frequência em delegacias, porões, becos, pelos cantos. Assim como é
preciso ouvir estas mulheres corajosas para não esquecer o passado, é preciso ouvi-las também para combater e
abolir esta prática insuportável agora, no presente.
11 de setembro, um outro papo
O teatro da PUC, o TUCA, seria inaugurado no dia 11 de setembro de 1965, com a estreia da peça “Morte e vida
Severina”. Foi inventado em plena ditadura militar por estudantes e amantes do teatro que, após 1964, escolheram
viver e experimentar um teatro livre. O Tuca, segundo Roberto Freire, diretor geral do espaço na época, “encontrou
logo o apoio da Reitoria da Universidade e de parte de seu corpo docente”. “Apesar de tudo preparado para a estreia”,
completa Roberto, “o grupo tinha muitas incertezas. Mas, ao final o público aplaudiu de pé durante dez minutos e foi
difícil a cortina fechar definitivamente”. Em 2010, este espaço de resistências e de invenção de liberdades completou
35 anos. Que ele viva mais, livre, com a memória das práticas que o fizeram!
entulho e escombros
Em São Paulo, entre escombros e restos de edifícios perambulam centenas de maltrapilhos fumando cachimbos de
crack. Quarteirões foram desapropriados e demolidos pelo Poder Público para abrir espaços para a “revitalização” da
área. Desconsiderou-se que ali havia um cotidiano e moradores. Os terrenos arrasados que esperam por investimentos
e grandiosos projetos, por ora são refúgio de esfarrapados que buscam uma nesga de sensação de vida. Estes não
esperam nada, apenas o fugaz prazer da próxima pedra. Tal qual entulho de feiosos edifícios que insistiam em se
manterem em terrenos valiosos, esses miseráveis serão empurrados por aí pelos investimentos e grandiosos projetos.
“não haverá teatro livre até que deixemos de ser prisioneiros neste mundo” (julian beck).
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flecheira libertária 174