“TEACHING FOR THE WORLD”: REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE A
EDUCAÇÃO BILÍNGUE EM UMA ESCOLA DE ELITE DE GOIÂNIA
Valéria Rosa da Silva (UEG/Faculdade de Tecnologia SENAC)
[email protected]
Carla Conti de Freitas (UEG)
[email protected]
Tornou-se lugar comum dizer que o mundo contemporâneo é o mundo da
globalização. E, como afirma o sociólogo Ortiz (2006, apud COX e ASSISPETERSON, 2007), a língua que detém posição privilegiada nessa sociedade
globalizada é, apesar da presença de outros idiomas, o inglês. Por essa razão, o inglês é
a língua estrangeira mais estudada no mundo.
Para situar esta discussão, recorremos ao sociólogo francês Bourdieu (1982),
para o qual a língua é vista como capital simbólico. Para este estudioso, a língua é
considerada uma forma de capital cultural ou simbólico que está disponível para ser
trocada no mercado da interação social. No entanto, o valor atribuído às línguas pode
ser diferente, dependendo do mercado. Acreditamos que essa visão sociológica sobre a
linguagem ajuda a explicar como certas línguas e tipos de ofertas de ensino têm maior
prestígio do que outras.
Em resposta a essa exigência mercadológica do mundo contemporâneo, surge
um novo tipo de indústria: a indústria do ensino de línguas. São inúmeras as ofertas de
ensino de inglês oferecidas tanto por cursos livres de idiomas quanto por escolas
regulares numa perspectiva bilíngue em todo o mundo.
Por se tratar do ensino de uma língua de prestígio internacional, o tipo de
bilinguismo adotado por tais escolas é o que a literatura convencionou chamar
bilinguismo de elite (PAULSTON, 1975; SKUTNABB-KANGAS, 1981, apud MEJÍA,
2002), que se refere a uma situação de educação bilíngue em que uma língua de
prestígio internacional serve como meio de instrução para alunos que falam como
primeira língua (L1) a língua oficial e dominante do país.
Diante disso, com um enfoque diferente da maioria das pesquisas sobre
educação bilíngue que se centram em situações de minorias linguísticas, este artigo é
parte de uma pesquisa que investiga uma situação em que as crianças da sociedade
majoritária, neste caso, a cidade de Goiânia, estão adquirindo uma língua minoritária,
porém de prestígio internacional, em contexto de imersão escolar.
A educação bilíngue é um campo de pesquisa bastante controvertido (MELLO,
2002), pois sua definição, bem como seus objetivos, orientações, modelos e tipos de
programas podem variar de região para região. Mejía (2002) aponta para a crescente
influência de fatores contextuais e históricos específicos no desenvolvimento de
programas bilíngues que atendam as necessidades de alunos em situações diversas.
A educação bilíngue de elite é um campo de pesquisa riquíssimo para
investigação de questões de ensino e aprendizagem de segunda língua/língua estrangeira
(L2/LE). Trata-se ainda de um assunto pouco explorado em seus contextos específicos,
notadamente no contexto brasileiro. Vale ressaltar que há na literatura uma quantidade
significativa de estudos sobre os programas de imersão em contextos bilíngues, como é
o caso do Canadá (MEJÍA, 2002). Em se tratando do Brasil, Mello (2002, p. 29) pontua
que há estudos sobre educação bilíngue, porém “entre estes, a grande maioria focaliza
contextos indígenas ou de outras minorias linguísticas, a exemplo dos contextos de
fronteira, bidialetais/rurbanos e das comunidades de surdos”.
1
O discurso associado às escolas que oferecem educação bilíngue de elite está,
geralmente, voltado para atrair futuros clientes. Trata-se de um propósito persuasivo,
similar às propagandas comerciais. Como grande parte das escolas que oferecem ensino
bilíngue dessa natureza é particular, de alto custo, é preciso atrair aqueles que estão
dispostos a pagar pelo tipo de ensino que oferecem. Os programas de educação bilíngue
de elite são geralmente iniciados para atender às necessidades de grupos ou indivíduos
particulares, que de certa forma, buscam uma educação dessa natureza.
Posto isso, objetivou-se fazer uma reflexão crítica sobre o Projeto Político
Pedagógico (PPP) e os textos informativos disponíveis no site da escola, considerando
uma perspectiva mais ampla de língua como prática social (FAIRCLOUGH, 1999), com
o intuito de conhecer e analisar a concepção de educação bilíngue da escola, de acordo
com esses documentos. Desta forma, este artigo considera as seguintes categorias: 1)
objetivos e finalidades da educação bilíngue e 2) importância da educaçao bilíngue na
formação do indivíduo.
Para tanto, recorremos às teorias sobre bilinguismo e educação bilíngue, e à
literatura sobre reflexão crítica como referencial teórico, conforme registros que seguem.
1 Fundamentação teórica
1.1 Bilinguismo e Educação Bilíngue – Conceitos
O conceito de bilinguismo, bem como o de educação bilíngue é complexo e
pode envolver várias dimensões ao se definirem. Na visão popular, ser bilíngue é ser
capaz de falar duas línguas fluentemente. O critério de fluência é refletido também na
definição clássica proposta por Bloomfield (1933), que define como bilíngues os
indivíduos que têm controle de duas ou mais línguas de maneira semelhante à dos
nativos.
Entretanto, acatar essa definição de bilíngues perfeitos seria descartar a maioria
dos falantes bilíngues. Nos termos de Baker (2006), essa definição mostra-se extrema e
maximalista, além de ambígua, uma vez que o que se entende por controle e quem
forma o grupo de alusão mencionado como nativo pode não estar claramente definido.
No outro extremo, tem-se o conceito de bilinguismo incipiente adotado por
Diebold (1964). Tal conceito inclui na categoria de bilíngues pessoas com um nível de
proficiência mínima em uma segunda língua, por isso mostra-se minimalista.
A questão que se coloca é se diante desses dois extremos existe um meio-termo.
Uma alternativa é mudar o foco para o uso que os falantes fazem das duas línguas, ao
invés de ter como base a dimensão da competência. Pensando dessa forma, autores
como McLaughlin, 1978; Grosjean, 1982, 1994; Romaine, 1995; Mello, 1999 e outros,
adotam uma definição mais funcional de bilinguismo, como “o uso regular de duas
línguas” (GROSJEAN, 1982, p. 230). Mackey (1972, apud MELLO, 1999, p. 47),
corrobora essa ideia ao defender que o “bilinguismo não é um fenômeno da língua; é
uma característica de seu uso. Não é um elemento do código, mas da mensagem. Não
pertence ao domínio da língua, mas ao da fala”.
Entender o bilinguismo nessa perspectiva funcional exclui a noção de bilíngues
equilibrados 1 , isto é, indivíduos que dominam igualmente as duas línguas. Fishman
1
De acordo com Mello (1999), os termos balanced bilinguals e nonbalanced bilinguals surgiram dos
resultados de testes com indivíduos bilíngues, cuja finalidade era detectar o grau relativo de dominância
de uma língua sobre a outra em áreas específicas do conhecimento. No entanto, a validade desses testes é
questionada por vários estudiosos, pois têm como parâmetro o falante monolíngue, além de
desconsiderarem as situações nas quais o indivíduo atual como bilíngue.
2
(1971) argumenta que raramente alguém será igualmente competente nas duas línguas
em todas as situações, uma vez que a maioria dos bilíngues usa suas duas línguas para
finalidades diferentes e com pessoas diferentes.
Sobre as diferentes funções desempenhadas pelas línguas que fazem parte do
repertório linguístico do bilíngue, bem como sobre o grau de proficiência dos falantes
nas diferentes habilidades da língua, como falar, ouvir, ler e escrever, Fishman (1972)
propõe uma classificação inicial em domínios, que ajuda a compreender as relações
entre a escolha da língua a ser usada, quem usa a língua, com quem, e para que
propósitos. Dessa forma, este pesquisador afirma que algumas situações de fala podem
ser agrupadas em cinco domínios básicos que incluem família, trabalho, vizinhança,
igreja e o domínio público mais geral (atividades formais e informais).
Outro fator que contribui para a compreensão das questões ligadas ao
bilinguismo é o entendimento dos conceitos de bilinguismo aditivo e subtrativo. De
acordo com Baker (2006), o uso mais amplo dos termos bilinguismo aditivo e subtrativo
está associado ao enriquecimento ou perda da língua minoritária. Dessa maneira, uma
situação de bilinguismo aditivo é aquela em que a adição de uma segunda língua não
tem a intenção de ocupar o lugar da primeira, pois é vista como adicional e
enriquecedora. A situação de bilinguismo subtrativo, por outro lado, envolve a perda da
primeira língua, em detrimento da língua da sociedade dominante. Tornar-se bilíngue,
nesse caso, pode estar associado a sentimentos negativos.
Essa diferença entre bilinguismo aditivo e subtrativo leva-nos a considerar outra
distinção muito comum na literatura sobre bilinguismo, o bilinguismo de elite e o
bilinguismo popular. O bilinguismo de elite está ligado ao acesso de línguas de prestígio
internacional para indivíduos que queiram ou precisem se tornar bilíngues (MEJÍA,
2002). Tornar-se bilíngue para muitos alunos que vêm de grupos de status
socioeconômico mais altos significa a possibilidade de ser capaz de interagir com
falantes de línguas diferentes diariamente, e de ganhar acesso a oportunidades de
emprego no mercado global, preparando-os para serem “cidadãos do mundo” (MEJÍA,
2002, p. 5). O bilinguismo popular, por sua vez, está associado aos grupos minorizados,
forçados a aprender a língua do grupo dominante, por meio de pressões internas ou
externas.
Como se pode notar, há na literatura vários termos utilizados para tentar explicar
o bilinguismo e a educação bilíngue, sob diferentes pontos de vista. Contudo, pensando
no contexto desta pesquisa 2 , adota-se um conceito mais abrangente de bilinguismo,
entendido como a habilidade de uma pessoa de processar duas línguas ao interagir com
seus pares no seu contexto social (MELLO, 2002). Essa definição abarca tanto os
indivíduos que usam regularmente as duas línguas quanto aqueles que estão em
processo de desenvolvimento da competência bilíngue, como é o caso dos alunos da
escola pesquisada.
Do mesmo modo, a expressão educação bilíngue, neste estudo, é usada num
sentido mais amplo, abarcando as situações em que duas ou mais línguas estão em
contato no contexto escolar. Hornberger (1991) entende educação bilíngue como aquela
em que duas línguas são usadas como meio de instrução.
De acordo com Baker (2006), para entender uma educação bilíngue é necessário
relacionar e integrar dados, contextos, processos e rendimentos, em qualquer modelo
que se apresente. Mello (2002, p.122) acredita que “a educação bilíngue está
diretamente relacionada à história, à ideologia e à organização sociopolítica de um povo
2
Vale lembrar que este artigo é parte de uma pesquisa maior, que se insere no paradigma qualitativo, de
cunho etnográfico, e investiga a educação bilíngue infantil em uma escola de Goiânia. Este artigo, no
entanto, limita-se à análise de textos documentais apresentados pela escola.
3
e, por isso, segue caminhos diferentes”. Assim, surgem os modelos diferenciados de
programas de educação bilíngue, que serão descritos a seguir.
1.2 Programas de Educação Bilíngue
Como foi dito anteriormente, só é possível entender a educação bilíngue à luz de
fatores contextuais específicos, por isso escolas em vários países apresentam
organizações diferentes e denominam-se escolas de educação bilíngue. Baker (2006)
enfatiza que uma importante distinção entre as propostas está nas finalidades educativas.
Enquanto algumas escolas têm como foco ensinar a língua oficial do país aos
grupos minoritários, por exemplo, o ensino de inglês nos Estados Unidos aos imigrantes
de países latinos, outras escolas, como algumas no Canadá, propõem o ensino de duas
línguas majoritárias, ambas com prestígio cultural – o inglês e o francês. Além disso,
Mejía (2002) enumera vários países, das diversas partes do mundo (Marrocos e
Tanzânia, na África; Brasil, Argentina e Colômbia, na América do Sul; Japão, Hong
Kong e Brunei Darussalam, na Ásia; Finlândia, Suécia, Bélgica e Catalônia, na Europa
e Austrália, na Oceania) que também propõem educação bilíngue, cada um de acordo
com suas características locais.
Adotamos, neste estudo, a tipologia proposta por Hornberger (1991) por ser mais
esclarecedora e abarcar as diversas variações de ensino bilíngue. Esta autora identifica
três modelos3 de educação bilíngue: transicional, de manutenção e de enriquecimento.
O modelo transicional tem objetivos assimilacionistas, ou seja, encoraja a perda
da primeira língua (L1), nesse caso língua minoritária4 , em detrimento da língua da
sociedade dominante, língua majoritária 5 . Mello (2002, p. 123) acrescenta que “o
objetivo principal desses programas não é o bilinguismo, mas o monolinguismo na
língua majoritária”. Como exemplo desse tipo de modelo, pode-se considerar o que
ocorre nos Estados Unidos, onde o grupo de imigrantes hispânicos é muito grande,
porém, o espanhol tem menos prestígio na sociedade do que o inglês, que é o idioma
oficial.
O modelo de manutenção é caracterizado por seus objetivos pluralísticos. Visa o
desenvolvimento da L1 e a aquisição da L2. Portanto, ao contrário dos modelos
transicionais, os de manutenção têm uma orientação aditiva de línguas, visto que é
esperado que os alunos tenham proficiência na L1 e na L2.
Assim como o modelo de manutenção, o modelo de enriquecimento também
apresenta objetivos pluralísticos e propõe uma orientação aditiva de línguas, porém
difere-se quanto ao valor dado à língua minoritária. O modelo de enriquecimento visa
não só a manutenção da L1, mas seu desenvolvimento. Além disso, os programas que
seguem essa orientação são destinados tanto à população minoritária quanto à
majoritária.
Sobre a relação entre modelos e tipos de programas 6 bilíngues dentro dessa
classificação, Mello (2002, p. 25) pontua que
essa classificação sugere que esses modelos podem dar origem a
diferentes tipos de programas de ensino bilíngue, assim como
3
Hornberger (1991) define modelos de programas bilíngues em termos dos objetivos dos planejamentos
linguísticos e das orientações ideológicas em relação à diversidade linguística e cultural na sociedade.
4
Entende-se por língua minoritária aquela que tem menor prestígio em uma sociedade.
5
Por sua vez, língua majoritária é a língua que tem maior valor na sociedade, geralmente é a língua
oficial.
6
Em comparação aos modelos, os tipos de programas de educação bilíngue são entendidos num nível
mais específico, norteados pelas características contextuais e estruturais específicas (HORNBERGER,
1991, apud MELLO, 2002).
4
qualquer tipo de programa pode ter orientações do tipo
transicional, de manutenção ou de enriquecimento. Isso significa
que um programa do tipo de imersão pode ser incluído em
qualquer um desses modelos, dependendo de suas orientações,
objetivos e características.
Uma questão importante que se coloca, independente do modelo de educação
bilíngue, é refletir sobre como criar condições que preparem os alunos para uma
vivência multicultural de forma ampla e qualificada. Por essa razão, nota-se que os
modelos de enriquecimento são mais adequados quando o objetivo é o desenvolvimento
de uma proficiência bilíngue de fato.
1.3 O contexto brasileiro
Cavalcanti (1999, apud MELLO, 2002) afirma que falar de educação bilíngue no
Brasil causa certa estranheza, para a qual ela enumera três razões. Em primeiro lugar,
existe no Brasil o mito do monolinguismo, capaz de silenciar a diversidade de línguas
minoritárias existentes no país, como as línguas indígenas, das comunidades de
imigrantes e da comunidade de surdos. Segundo, o acesso às línguas de prestígio
internacional é privilégio de poucos e por isso revela um caráter mais elitista de
educação. Em terceiro lugar, aos olhos da sociedade, esses contextos são neutralizados,
ou seja, são tornados invisíveis.
Oficialmente, no Brasil, a educação bilíngue para as comunidades indígenas
tornou-se uma realidade, a partir do reconhecimento e da conquista do direito de ensino
da língua indígena como língua materna pela Constituição Federal de 1988 (MELLO,
2002). No entanto, a oficialização do ensino das diversas línguas indígenas faladas
regularmente no país não é suficiente para que o Brasil seja considerado um país
bilíngue ou multilíngue de fato. Por se tratar de línguas minoritárias, principalmente no
sentido de apresentarem menor prestígio social, político e econômico no contexto
brasileiro, o uso dessas línguas, em geral, está restrito ao uso doméstico entre os nativos
das tribos indígenas. Estes, por sua vez, são compelidos a aprender a língua majoritária
para que possam interagir com os grupos linguísticos dominantes. Infelizmente, em
muitos casos, isso implica na substituição da L1 pela língua dominante (português).
Além disso, pode-se notar também o crescente incentivo em relação à
aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), língua utilizada pela
comunidade de surdos, possibilitando o acesso das pessoas surdas à educação. No
entanto, em relação às diversas comunidades de fala existentes no país (imigrantes
italianos, alemães, asiáticos, libaneses e outros), pode-se afirmar que não há uma
política linguística e educacional multilíngue no Brasil.
Quanto à educação bilíngue de elite, foco deste estudo, nota-se um crescente
interesse da população brasileira por um ensino de inglês numa perspectiva bilíngue
desde a infância. O aprendizado do inglês, por ser uma língua de reconhecido prestígio
mundial, é visto pelas famílias como um meio de assegurar aos seus filhos sucesso
acadêmico, profissional e econômico no futuro. No entanto, na maioria dos casos, o
acesso a formas particulares de educação bilíngue é restrito a quem pode pagar.
As escolas bilíngues no Brasil são encontradas, principalmente em grandes
centros, como Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. A maioria delas oferece bilinguismo
português – inglês. Além disso, Mejía (2002) salienta que, diferente dos outros países
da América do Sul, há no Brasil um número muito grande de institutos particulares que
oferecem ensino de inglês. A autora organiza esses institutos em três grupos: os Centros
5
Binacionais Americanos7, as Culturas Inglesas e as escolas que fazem parte do grupo
LAURELS8, União latino-americana de escolas registradas de língua inglesa.
Diante desse cenário, é interessante notar que embora o Brasil seja um país rico
em diversidades linguísticas (uma vez que nele coexistem comunidades linguísticas que
fazem uso regular de outras línguas que não a oficial, nesse caso o português), é tido
como monolíngue 9 . Todavia, o país parece caminhar rumo ao bilinguismo, quando
constata-se que a sociedade valoriza o ensino de línguas de prestígio mundial e
desconsidera as minorias linguísticas. Por isso, seja nas regiões de fronteiras, como é o
caso do sul do país, ou nas regiões centrais, como é o caso da cidade de Goiânia,
podemos notar que há uma grande ênfase na necessidade de aprender inglês para
propósitos de estudo ou trabalho.
1.4 Inglês e globalização
Como já foi mencionado na introdução, o mundo contemporâneo é o mundo da
globalização, que por sua vez “declina-se preferencialmente em inglês” (ORTIZ, 2006
apud COX e ASSIS-PETERSON, 2007, p. 6). Como salienta este estudioso, apesar das
outras línguas que fazem parte da sociedade contemporânea, é o inglês que ocupa lugar
de destaque.
A ampla difusão da língua inglesa tem recebido diferentes interpretações que
vão desde leituras ingênuas, que atribuem tal fenômeno à neutralidade do inglês como
meio de comunicação entre as pessoas, até leituras mais críticas, que afirmam ser fruto
dos interesses capitalistas e do imperialismo americano (PHILLIPSON, 1992, apud
COX e ASSIS-PETERSON, 2007). Ou ainda, de acordo com a visão de Pennycook
(1995, apud COX e ASSIS-PETERSON, 2007), por trás da aparente naturalidade,
neutralidade e benefício da língua inglesa, agem interesses capitalistas advindos do
colonialismo e neocolonialismo de instituições britânica e norte-americana.
Moita Lopes (2003, p. 36) não é menos crítico em relação à invasão da língua
inglesa. Segundo este estudioso,
paralelamente aos discursos da diversidade e da diferença que
varrem o mundo, há o discurso de uma única lógica neoliberal
e global, do interesse de um capitalismo global, que transforma
tudo em mercadorias e as pessoas em clientes.
Seja qual for o ponto de vista acerca dos interesses que subjazem à difusão do
inglês no mundo, percebe-se que há uma busca cada vez maior por parte da população
em aprender a língua inglesa. Em alguns casos, a iniciativa é oficial, decretada pelo
governo, como em Brunei Darussalam. Nesse pequeno sultanato multilíngue e
multirracial, localizado na costa noroeste da ilha de Borneo, foi instituído, em 1980, o
programa bilíngue dwibahasa (malaio – inglês). O malaio, língua nativa de quase 70%
da população, é a língua usada nas interações sociais. As movimentações financeiras e
transações comerciais conseguidas graças à grande quantidade de petróleo existente no
local, por sua vez, acontecem em inglês (MEJÍA, 2002). Reafirmando a ideia já
apresentada anteriormente de que o domínio da língua inglesa é sinal de poder e
7
US Binational Centers.
Latin American Union of Registered English Language Schools.
9
O Brasil é considerado, por razões históricas, políticas e ideológicas, um país monolíngüe, visto que
todo e qualquer falante tem o português como primeira língua. Porém, tal consideração não leva em conta
as inúmeras línguas indígenas faladas no país.
8
6
prestígio, nota-se que em Brunei, assim como em Hong Kong, Índia, Colômbia e outros
países ao redor do mundo10, ser bilíngue em inglês confere alto status social.
Posto isso, é importante notar o papel que a educação vem desempenhando,
como meio poderoso de acesso a essas fontes simbólicas valiosas, como o bilinguismo
em línguas de prestígio mundial, notadamente o inglês. Os pais acreditam que os filhos
terão acesso ao poder por meio da educação e aprendizado de línguas.
Diante desse cenário, Magalhães (2004) argumenta que é preciso compreender a
escola dentro de um contexto cultural, social e político e não como um local de
transmissão de conhecimentos neutros e desvinculados da sociedade mais ampla. Moita
Lopes (2003) corrobora essa visão, enfatizando a necessidade de considerar questões
relativas à natureza sociopolítica dos processos de ensino-aprendizagem de línguas e a
relevância de o professor de línguas, principalmente o de inglês, tomar consciência do
mundo em que está situado.
Fairclough (1999), seguindo esse mesmo raciocínio, pontua que uma consciência
crítica sobre a linguagem deveria ser uma preocupação básica no ensino de línguas.
Propondo uma mudança discursiva em relação à mudança social e cultural, esse autor
entende o discurso como “o uso de linguagem como forma de prática social e não como
atividade puramente individual ou reflexo de variáveis situacionais” (FAIRCLOUGH,
1999, p. 90). Para o autor, o discurso deve ser entendido como um modo de ação,
implicando em uma relação dialética com a estrutura social. Dessa forma, o discurso, ao
mesmo tempo, constitui e constrói o mundo em significado.
Entendendo que a prática discursiva carrega uma ideologia, Fairclough (1999)
aponta para a questão da naturalização do discurso ideológico, que chega a atingir o
status de senso comum, tornando-se inconsciente e imperceptível. As pessoas nem
sempre estão conscientes daquilo que está por trás de suas ações. Faz-se necessário,
dessa forma, adotar uma consciência crítica em relação à linguagem para que se possa
enxergar além dos discursos já existentes para então avançar o conhecimento.
2 Análise dos dados
Como já foi dito na introdução, este artigo é parte de uma pesquisa maior, que
investiga a educação infantil bilíngue (português – inglês) em uma escola de elite de
Goiânia. A pesquisa, ainda em fase de desenvolvimento, enquadra-se no paradigma
qualitativo, de cunho etnográfico e investiga as concepções de educação bilíngue da
escola, que foi fundada em 2003 e apresenta uma proposta de ensino de inglês numa
perspectiva bilíngue para alunos de educação infantil e ensino fundamental e atende
crianças a partir de um ano e cinco meses de idade.
Neste contexto, propõe-se investigar a concepção de educação bilíngue da
escola, bem como sua pertinência ao contexto sociocultural em que se insere. Para tanto,
faz-se necessário, primeiramente, analisar os documentos e informativos da escola, com
o intuito de entender a proposta bilíngue, para depois partir para questões específicas da
sala de aula.
Consideramos, neste artigo, que o trabalho educacional é representado também
em textos produzidos institucionalmente, os quais veiculam prescrições ao trabalho
educacional. Por isso, procuramos reconhecer no PPP e nos textos informativos da
escola, aspectos que norteiam a prática pedagógica, considerando as seguintes
10
Para uma abordagem mais ampla sobre os países em que o bilinguismo em inglês está associado a
prestígio social, consultar Mejía, 2002.
7
categorias: 1) objetivos e finalidades da educação bilíngue e 2) importância da educaçao
bilíngue na formação do indivíduo.
Para tanto, como referencial teórico, além das teorias sobre bilinguismo e
educação bilíngue, recorremos à literatura sobre reflexão crítica na formação de
professores de língua inglesa, uma vez que esta propõe uma abordagem mais crítica
acerca dos fenômenos linguísticos, considerando uma perspectiva mais ampla de língua
como prática social (FAIRCLOUGH, 1989), além de problematizar questões ligadas ao
ensino de línguas estrangeiras.
2.1 Objetivos e finalidades da educação bilíngue e suas implicações na formação do
indivíduo
As finalidades da educação bilíngue da escola podem ser percebidas no próprio
slogan “Teaching for the world /Ensinando para o mundo” (página inicial do site oficial
da escola). Formar para o mundo ou, como quer Bingham (1998, apud MEJÍA, 2002, p.
5), “formar cidadãos do mundo” em um mundo cada vez mais interconectado é uma das
características mais marcantes do tipo de educação bilíngue valorizada hoje, que é,
como já foi dito, o bilinguismo de elite.
Os objetivos da proposta pedagógica também estão ligados à ideia de preparar
para o mundo, conforme o excerto 1.
Excerto 1
A proposta pedagógica da escola tem então como objetivo despertar a criança
para uma postura crítica do mundo que a cerca, não apenas de forma cultural,
mas também política, social e econômica.
Tal proposta sugere que é preocupação da escola formar indivíduos críticos,
munidos de forças que os possibilitem se colocar no mundo em todas as esferas. Além
disso, tais indivíduos estarão preparados para enfrentar a competitividade do mundo
atual, conforme o excerto 2:
Excerto 2
(...) com muito respeito, possam viver em um mundo moderno e competitivo,
conhecendo seus direitos e deveres, praticando o exercício da cidadania.
No excerto acima, o status privilegiado dos alunos está ligado às
responsabilidades sociais como cidadãos do mundo, preocupados com os direitos
humanos. Entretanto, podemos notar que o mundo, para o qual a escola prepara,
equivale ao mundo do progresso científico e tecnológico e a todas as implicações
trazidas por ele. No entanto, outras características do mundo moderno como destruição
do meio-ambiente, fome, pobreza, novas formas de escravidão produzidas pelo
capitalismo selvagem, entre outros, não ocupam lugar de destaque no mundo para o
qual a escola ensina. Percebemos que há uma ênfase maior nos aspectos mercadológicos
ligados à globalização da sociedade atual, como no excerto 3.
Excerto 3
As transformações sociais, culturais e os avanços tecnológicos do momento,
exigem do homem criação de novos paradigmas, bem como uma flexibilidade
de pensamentos e ações para viver o futuro.
8
A preocupação com a formação desse cidadão do mundo justifica-se por meio da
apresentação de verdades universais tidas como certas, pois cabe à escola preparar o
indivíduo para atuar nesse mundo. Tais preocupações, todavia, não estão voltadas para o
momento atual, conforme se pode notar na última linha do excerto 3. Trata-se de
preparar o aluno para a vida futura, esquece-se o hoje e em decorrência disso, transferese para o futuro, a importância da escola na constituição do sujeito no momento atual.
Considerando mais uma vez as verdades universais, que, por sua vez, estão
intimamente ligadas ao capitalismo, o texto faz alusão às exigências de flexibilidade,
versatilidade, habilidades comunicativas e tecnológicas requeridas pela sociedade atual,
conforme o excerto 4.
Excerto 4
A sociedade atual necessita de pessoas flexíveis e versáteis e com boa
capacidade de comunicação. (...) Devem dominar tecnologias de informações e
possuir conhecimento de outras línguas e culturas.
O texto recorre novamente ao uso de verdades universais. Trata-se da repetição
daquilo que já é dado como certo. Todavia, a insistência nesse tipo de repetição leva a
crer que a proposta da escola reafirma a visão do ser humano voltado para as
concepções capitalistas. Sendo assim, possuir conhecimento de outras línguas equivale
a possuir conhecimento de línguas de prestígio internacional, nesse caso, notadamente o
inglês.
De acordo com o PPP, a escola surgiu por causa do interesse dos pais em
oferecerem a seus filhos uma educação bilíngue, o que as outras escolas da cidade não
ofereciam na época. A escola vê na educação bilíngue sua razão de ser, como expresso
no excerto 5.
Excerto 5
Entretanto, ao nosso ver, a maior vantagem da educação bilíngue – aquela que se
constitui na mola propulsora do projeto da escola, (...)
Considerando o aspecto linguístico, o texto deixa a impessoalidade e passa a
adotar um estilo mais personalizado devido ao uso da primeira pessoa do plural. Assim,
o texto apresenta aquilo que a escola considera as maiores vantagens da educação
bilíngue, conforme o excerto 6.
Excerto 6
Entretanto, ao nosso ver, a maior vantagem da educação bilíngue – aquela que se
constitui na mola propulsora do projeto da EB11, é o fato de que, ao contrário da
criança monolíngüe, ao ser confrontada com outros valores culturais, a criança
bilíngue percebe o relativismo cultural e adquire um conceito pluralista e
dinâmico da cultura, abandonando assim o egocentrismo e abrindo mais espaço
à objetividade e à harmonia em grupo. De outro modo, a educação bilíngue
ajuda a criança a situar-se em uma cultura pluralista, desenvolvendo seus
próprios mecanismos de identidade sem se deixar intimidar pelo diferente,
dissolvendo assim, o sentimento de separatismo tão nocivo à nossa sociedade e
que, em geral ocorre quando a familiaridade com outras línguas e culturas é
negada.
11
As iniciais EB (Escola Bilíngue) serão utilizadas para preservar a identidade da escola pesquisada.
9
De acordo com o excerto 6, as vantagens da educação bilíngue estão ligadas,
principalmente, a razões pluralísticas. Podemos notar ainda neste excerto que a visão
que se tem de uma criança bilíngue, é a de uma criança dotada de habilidades pessoais
que a colocam num patamar diferenciado da criança monolíngue. Desse modo, ser
bilíngue significa ter capacidades de percepção que possibilitam familiarizar-se com o
diferente. Diferentemente, a criança monolíngue é vista como mais propensa ao
sentimento separatista, visto que a familiaridade com outras línguas e culturas lhe é
negada, conforme a última linha do excerto 6. Além disso, são enfatizadas as
habilidades interpessoais do indivíduo, como se pode notar em “abandonando assim o
egocentrismo e abrindo mais espaço à objetividade e à harmonia em grupo”.
Os conceitos pluralistas, que de acordo com o excerto 6 são conseguidos por
meio de uma educação bilíngue, são entendidos pela escola como consequência do
mundo globalizado, conforme o excerto 7.
Excerto 7
No mundo atual, onde predominam os intercâmbios internacionais, seja no
âmbito turístico, econômico, político ou demográfico, requer cada vez mais um
tipo de educação que melhor corresponda ao pluralismo cultural que esse
processo de globalização vem impondo à nossa sociedade.
Dessa maneira, a escola busca oferecer um ensino que atenda às exigências de
pais que, mesmo vivendo em um país tido como monolíngue, sentem a necessidade de
acrescentar ao repertório linguístico de seus filhos uma língua de prestígio internacional
como o inglês.
Apoiando-se na abordagem humanista de educação, que, segundo o excerto 8,
apresenta forte tendência sociointeracionista, a escola apresenta suas considerações
sobre a estruturação de um projeto bilíngue.
Excerto 8
De acordo com a abordagem humanista de educação, com forte tendência
sociointeracionista, adotada pela Escola, um projeto bilíngue deve
necessariamente ser estruturado com bases no contexto sociocultural e que os
alunos se inserem. Em se tratando da EB, este contexto caracteriza-se por uma
sociedade não bilíngue, com predominância da língua portuguesa.
Por se tratar de questões complexas que requerem tempo e espaço que
extrapolam os limites deste trabalho, não serão discutidas questões ligadas à teoria
sociointeracionista, tampouco sua relação ou pertinência com as teorias de educação
bilíngue. Entretanto, vale ressaltar o tom enfático com que o texto apresenta a tendência
sociointeracionista adotada pela escola, reforçada no excerto 9.
Excerto 9
Diante desta realidade e de tais necessidades é que se opta por uma Pedagogia
adotando os pressupostos desenvolvimentais e de aprendizagem numa
perspectiva sociointeracionista. Tal postura educacional possibilita a formação
deste cidadão, já que pressupõe que o sujeito constrói seu conhecimento na
interação com o meio social, num processo de mediação permeado pela
linguagem.
10
A realidade e necessidades referidas na primeira linha do excerto 9 são aquelas
já mencionadas anteriormente (excertos 3, 4 e 7), ou seja, trata-se de uma sociedade
globalizada que exige indivíduos aptos a atuarem nela com autonomia. O cidadão que a
perspectiva sociointeracionista ajuda a formar, de acordo com o excerto 9, refere-se ao
cidadão do mundo, pronto a atuar na sociedade globalizada, adequando-se às suas
exigências. Em relação às últimas linhas do excerto 9, onde a interação social por meio
da linguagem é mencionada, cabe questionar como essa interação é concretizada num
contexto bilíngue (português – inglês), visto que a competência linguística em inglês
dos alunos, pelo menos nas séries iniciais, é limitada. Porém, as tentativas de encontrar
respostas para esse questionamento ligado às questões da prática pedagógica serão
deixadas para as fases posteriores do desenvolvimento da pesquisa em que este artigo se
insere. Por ora, o foco é refletir criticamente sobre a concepção de educação bilíngue
presente nos textos informativos da escola.
Mesmo não sendo o foco deste trabalho discutir com profundidade questões
específicas das teorias sobre bilinguismo e educação bilíngue, como modelos ou tipos
de programa de educação bilíngue, o papel das duas línguas no ambiente escolar, a
distribuição das línguas no currículo, e outras, parece importante traçar, mesmo que
superficialmente, uma visão geral do programa bilíngue da escola. Conforme o PPP, o
programa bilíngue se organiza da seguinte forma:
Excerto 10
Nosso programa visa à construção de um bilingüismo que leve em conta a
realidade de nossos alunos, buscando “gradualmente” um bilingüismo
equilibrado – onde a competência lingüística é equivalente em ambas as línguas.
Este perfil de educação bilíngüe compreende dois tipos de instrução que o aluno
recebe em seu percurso escolar:
1 - nas turmas de Baby e Pre K (crianças de 1,5 a 03 anos de idade), o Inglês é
usado como imersão. A língua é usada durante todo o tempo, evitando o uso do
Português.
2 - nas turmas de Kinder 1, inicia-se a alfabetização em Português (língua
materna na maioria dos alunos), dando continuidade no Kinder 2 e sedimenta-se
no 1º ano.
3 - A partir do 2º ano do Ensino Fundamental, inicia-se a alfabetização na língua
inglesa e com conteúdos das disciplinas curriculares específicas (História e
Geografia, Ciências, Matemática, etc), apresentados em ambas as línguas:
Português e Inglês. Caso contrário, estaríamos apenas oferecendo um curso
paralelo de aprendizagem do idioma Inglês. Tal procedimento, ao mesmo tempo
em que promove o conhecimento de áreas específicas, auxilia o processo de
aquisição do Inglês e facilita a alfabetização no idioma.
Analisando as primeiras linhas do excerto 10 e o excerto 8, pode-se inferir que a
escola considera o contexto sociocultural em que os alunos estão inseridos, ponto
fundamental na estruturação do programa bilíngue. Dessa forma, acredita que, nesse
contexto, é possível conseguir um bilinguismo equilibrado, ou seja, que os alunos
tenham competência linguística equivalente em português e em inglês.
Há dois pontos a serem considerados nessa proposta. Primeiramente, estudos
mostram que o conceito de bilinguismo equilibrado é idealizado. Fishman (1971, apud
BAKER, 2006) argumenta que raramente alguém será igualmente competente nas duas
línguas em todas as situações, isto é, a maioria dos bilíngues usa suas duas línguas para
finalidades diferentes e com pessoas diferentes.
11
Em segundo lugar, apesar de a proposta da escola levar em conta a realidade em
que os alunos estão inseridos, ela parece não considerar o fato de o inglês não fazer
parte do repertório dos alunos nos outros “domínios” (FISHMAN, 1971, apud BAKER,
2006), exceto o da escola. É pertinente inferir, portanto, que uma competência
equivalente nas duas línguas é fato pouco provável, considerando o contexto de Goiânia,
onde, em geral, as crianças têm pouca ou nenhuma oportunidade de usar a língua
inglesa fora do contexto escolar.
Com o intuito de promover uma oferta de ensino de inglês diferente da maioria
das escolas, ou até mesmo dos cursos livres de inglês da cidade, o texto enfatiza que
conteúdos de outras disciplinas do currículo como história, geografia, ciências,
matemática serão ministrados em ambas as línguas, para que dessa forma o inglês se
torne instrumento de aprendizagem e não apenas objeto de estudo, facilitando o
processo de alfabetização no segundo idioma.
Há várias considerações a serem feitas sobre a distribuição das línguas no
currículo, bem como sobre a proporção de uso das línguas no ambiente escolar. No
entanto, tais questões serão deixadas para depois. Vale lembrar que há, ainda, outras
questões abordadas nos documentos que não serão tratadas aqui, não por serem menos
importantes, mas porque fogem aos objetivos deste estudo.
Depois de analisar as seleções de trechos dos documentos considerados,
podemos inferir que os objetivos e finalidades do programa bilíngue da escola estão
ligados principalmente à formação de cidadãos do mundo, aptos a atuar criticamente na
atual sociedade globalizada.
Quanto à visão de bilinguismo da escola, podemos afirmar que a educação, mais
especificamente a educação bilíngue, é vista como símbolo de prestígio e poder. Faz-se
importante reafirmar a visão de Bourdieu (1982, 1991, apud MEJÍA, 2002) acerca da
linguagem. Para este autor, como foi dito anteriormente, a língua é considerada uma
forma de capital cultural ou simbólico que pode ser trocada no mercado da interação
social.
No entanto, a língua pode receber diferentes valores, dependendo do mercado.
No caso do mercado brasileiro, além do português, que é a língua nacional, o inglês é
revestido de grande valor, o que não acontece, por exemplo, com as línguas indígenas
que existem no país.
A impressão geral da proposta é de superioridade. A referência de excelência é
feita em todos os níveis: proficiência bilíngue, oportunidades futuras para ganhar
qualificações de valor, e o conseqüente acesso a um estilo de vida privilegiado. As
crianças que fazem parte desse tipo de programa são colocadas como seres humanos
excepcionais, possuindo, por um lado qualidades de liderança fora do comum, e por
outro, a maturidade para apreciar a diversidade, ser tolerante e viver em harmonia.
A proposta da escola trata os alunos como uma superclasse de indivíduos
prontos para atuar criticamente diante das situações inesperadas impostas pela atual
sociedade globalizada, preparados para o sucesso graças à educação bilíngue a eles
oferecida.
Considerações Finais
Com uma visão de língua como prática social, este estudo propôs mostrar como
os textos informativos de uma escola de educação bilíngue foram construídos, e como
eles indiretamente reproduzem e legitimam as relações de poder existentes no mundo
capitalista.
12
Para tanto, além das teorias sobre bilinguismo e educação bilíngue, este artigo
teve como base a literatura sobre reflexão crítica, uma vez que, para as propostas deste
artigo, foram consideradas as implicações ideológicas envolvidas no processo de ensino
e aprendizagem de língua estrangeira. Canagarajah (1999, p. 35) salienta que “a
aprendizagem de uma língua não pode ser considerada uma atividade inocente, pois
possibilita a dominação ideológica e de conflito social”.
Uma proposta de educação bilíngue dessa natureza afirma o desejo dos pais que
aspiram para seus filhos uma educação de excelência, que os prepare para ter “uma
postura crítica do mundo”, tendo a educação bilíngue como “mola propulsora” para
garantir “boa capacidade de comunicação”, com competência linguística “equivalente
em ambas as línguas”. Além disso, tal proposta sugere que o fato de ser bilíngue
possibilita à criança “situar-se em uma cultura pluralista, desenvolvendo seus próprios
mecanismos de identidade sem se deixar intimidar pelo diferente”, além de se tornarem
pessoas “flexíveis e versáteis”, prontas para “viver o futuro”. Tais habilidades são vistas
como exigências que “o processo de globalização vem impondo à nossa sociedade”,
como pré-requisitos básicos para garantir sucesso “em um mundo moderno e
competitivo”. É nesse sentido que a escola está “ensinando para o mundo”.
Vale ressaltar que as seleções de trechos e interpretações feitas neste trabalho
são de caráter subjetivo, adquirindo maior ou menor grau de importância segundo o
olhar da autora. Deixam-se as portas abertas, no entanto, para que o leitor pouco
convencido faça suas próprias leituras.
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Valéria Rosa da Silva