O ius postulandi e os honorários contratuais
Raul Moreira Pinto
Juiz aposentado
A 1ª. Vara do Trabalho de Passos, em recente
decisão, afinada com corrente jurisprudencial esmagadoramente majoritária,
não acolheu pedido de indenização, em favor do empregado-reclamante,
pelo gasto com honorários advocatícios com seu procurador judicial.
A sentença, da lavra do Dr. Paulo Eduardo Queiroz
Gonçalves, como de hábito, revela o zelo e a capacidade de seu autor.
A tese abraçada pela sentença é no sentido de que se
torna incabível o ressarcimento dos honorários contratados pelo litigante
trabalhista, em decorrência da possibilidade de estar a parte em juízo, sem
patrocínio de advogado. Se valer ou não a parte de advogado, seria “mera
opção e não condição para a sua defesa no processo”. O não atendimento do
pleito seria fatal conseqüência do ius postulandi conferido aos
jurisdicionados que se valem da Justiça do Trabalho.
Esse entendimento – com a licença concedida ao
autor desses escritos pela opinião - tem uma ótica desviada da questão dos
honorários.
O enfoque, ao que parece ao articulista, deve ser
no sentido de uma fundamental distinção entre o direito de não ter
advogado, isto, é usufruir da condição de poder de estar em juízo sem –
regra geral – a obrigatória assistência do profissional, e o direito de ter
advogado, esse como resposta à garantia constitucional da ampla defesa.
Não há dúvida que o artigo 395, do C. civil, veio
dar maior garantia à incolumidade do patrimônio do credor inocente em face
do devedor em mora, ao instituir o direito de exigir reparação em
decorrência imediata do ilícito obrigacional, sem sofrer danos, e,
mediatamente, pela iniciativa mesma de busca pela reparação. Quanto a
essa interpretação, crê o autor desses escritos inexistir disputas.
Entretanto, não se atina com motivo razoável que
justifique o alijamento do credor trabalhista dessa cobertura legal, gerando
para ele uma verdadeira deminutio capitis em relação ao credor de obrigação
de direito comum.
Não se pode ver, no caso do Direito do Trabalho, a
regra de direito material que dispense a presença do advogado no processo
como privilégio insuperável, cujo fim único seria livrar o trabalhador dos
incômodos na contratação do causídico e dos sempre contestados honorários
advocatícios. Vantagem considerável, sim, é ter o obreiro uma assistência
jurídica, sobretudo boa, na sua defesa técnica.
Se é indisputável que o empregado tem direito de
contratar advogado para defendê-lo e, segundo famoso processualista
italiano, o autor tem de obter no provimento exatamente aquilo que teria se
cumprida espontaneamente a obrigação, não se pode aceitar que o
empregado não tenha recomposto integralmente o seu patrimônio, no
desenlace final do processo, desfalque decorrente, repita-se, da própria
iniciativa de receber o seu crédito. Enfim, o empregado tem o direito de se
valer de advogado e o seu exercício não pode ser causa de dano ao seu
patrimônio.
Ainda no tema, observa-se que, na prática, o ius
postulandi no âmbito da Justiça do Trabalho, é limitado; aliás, limitadíssimo.
Na verdade, não vai além do comparecimento do obreiro ao serviço de
atermação do Tribunal para a elaboração da inicial; para o empregador, tão
somente ver suas alegações defensivas registradas na ata da audiência.
Dali em diante, pouco ou nada sobra para a
atuação direta dos litigantes no processo.
Pode-se afirmar que a instituição do ius postulandi
para as partes no processo trabalhista se deu em época em que a
simplicidade das questões postas em juízo era a tônica do processo; as
normas de direito material eram simples, na doutrina, na mesma linha,
também não se exigiam grandes estudos; no procedimento, a simples
impulsão de ofício do juiz era suficiente para se chegar a uma resposta
adequada ao jurisdicionado.
Hoje, como é sabido, as questões envolvendo o
direito substantivo são de altíssima complexidade; disposições legais de
múltiplos ramos do direito são invocadas para solucionar a lide; o processo,
extremamente técnico, exige apurado conhecimento e habilidade no
manuseio de suas regras.
Na maioria das causas trabalhistas, também
discutem-se temas de Direito constitucional, obrigacional, tributário,
previdenciário, empresarial, passando ainda pela hermenêutica; tudo a gerar
a inviabilidade do exercício do ius postulandi na obtenção, via de um
provimento, de um resultado otimizado.
As alegações se lastreiam em teses jurídicas de
geração recente, coisa totalmente inatingível pelo leigo, e carregam alto
grau de complexidade; a sustentação delas exige, continuamente, pesquisa
doutrinária e jurisprudencial.
A produção de prova, como revelação máxima do
caráter duelístico da disputa judicial, também tem sua estratégia, cobrando o
savoir faire dos profissionais envolvidos. Uma antecipação de prova, uma
prova emprestada, uma lavratura de protesto pelo indeferimento de sua
produção exigem do profissional bom manejo da experiência e de regras
processuais.
Registra-se mais que o artigo que dá lastro ao
pedido de indenização pelo valor dos honorários contratados tem maior
compreensão e extensão do que entende os que sustentam a inexistência ao
direito a ela pelo só fato da presença do ius postulandi.
O citado artigo 395, do C. civil, não vincula o
ressarcimento de juros moratórios, correção monetária e honorários de
advogado à existência de processo judicial. Vale dizer, tais reparações
independem da cobrança do principal judicialmente; não são legitimadas
pelo ajuizamento da ação.
É óbvio que o credor pode exigir do devedor, cuja
mora deu causa a danos pelo primeiro, a composição deles, por assim dizer,
“administrativamente”
Um interessante e antigo costume no meio dos
advogados e hoje em desuso, mas de grande importância na solução dos
litígios longe dos fóruns, era o de tentar o causídico um contato prévio com a
outra parte, numa tentativa de evitar a sempre complicada judicialização da
pendência.
Era comum, nessa situação, o advogado, quando
frutífera a empreitada, receber do devedor honorários, em complemento aos
que cobraria do seu cliente. Ninguém, ao que se saiba, teve a ousadia de,
questionando o pagamento desses honorários, pretender sua repetição.
Contratos bancários, inclusive o velho pacto adjeto
nas promissórias, também previam pagamento de honorários, em caso de
mora; nesses casos, na hipótese de ir o credor à Justiça, o máximo que
obtinha o devedor, na Justiça, era a dedução dos honorários sucumbenciais
daqueles objeto de ajuste. Não custa lembrar que na Justiça do Trabalho que
esses últimos sã cabíveis em restritíssimas hipóteses.
Também é de se registrar que o referido artigo 395,
do C. civil, certamente agasalha outras situações, como as dos honorários
cobrados na redação e formalização de uma transação, de uma dação em
pagamento, ou de uma interpelação extrajudicial para interrupção da
prescrição. O só fato de não intervenção do Judiciário não elimina o direito
ao ressarcimento das despesas com advogado efetivadas pelo credor
inocente.
Com o entendimento de que os honorários
contratuais são indenizáveis, mesmo fora do âmbito judicial, tem-se
recentíssimo julgado do Colendo S.T.J. (Resp 1274629, Ap 2011/02045994, julgado 20.06.13) que expressa, na ementa, que “os honorários
decorrentes de serviços extrajudiciais são passíveis de ressarcimento”, na
esteira do mencionado artigo 395, do C. civil.
Como se vê, os honorários tratados no multicitado artigo
395, do C. civil, não possuem qualquer ligação com o processo judicial ou
têm como gênese a judicialização da lide, como ocorre com os honorários de
sucumbência, sendo, por isso, ininvocável o ius postulandi para afastar a
indenização dos gastos do credor com seu advogado.
Seria defensável a tese de negativa da indenização
se se sustentasse, com ironia, que a parte, em um gesto de magnanimidade,
poderia dispensar os serviços do advogado apenas para desonerar o ex
adverso.
Finalmente, faz-se lembrar que também o fato da
existência dos honorários de sucumbência, cuja vida é atrelada à lide
judicializada, acaba por levar a entender-se, erradamente, que os honorários
contratados pelos litigantes trabalhistas se vinculariam à mesma regra do
ajuizamento, excluindo-os, contudo, pela inexistência mesma daqueles
sucumbenciais no processo do trabalho.
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