O Estado e o patrimonialismo brasileiro
Hélio Duque
Na história brasileira, desde a independência, diferentes
modelagens constitucionais foram votadas democraticamente e outras paridas
pelos regimes ditatoriais. As diferentes Constituições, elaboradas por
constituintes ou as impostas pelo autoritarismo, tem um consenso: o Estado
burocrático e patrimonialista é intocável. O notável escritor latino-americano
Octávio Paz definiu que “patrimonialismo é a vida privada incrustada na vida
pública.” No Brasil, patrimonialismo é secular. Muito bem caracterizado pelo
jurista e historiador Raymundo Faoro em “Os Donos do Poder”. Demonstra que
a herança ibérica ao lançar as bases para a formação do Estado tutor nele “o
governo tudo sabe, administra e provê, distribuindo riqueza e qualificando os
opulentos”.
Na mesma perspectiva, o historiador Sérgio Buarque de Holanda,
em “Raízes do Brasil”, comprova que o patrimonialismo brasileiro tem profunda
resistência à meritocracia e impessoalidade na administração da gestão
pública. Certamente havia lido “Economia e Sociedade” de Max Weber,
adaptando o seu pensamento à realidade brasileira. Nele, Weber afirma que o
patrimonialismo é quando o governo adona-se dos recursos do Estado,
distribuindo para grupos poderosos na economia. O interesse público e o
privado torna-se aliado intocável na dominação e usufruto da máquina do
Estado. O populismo, com diferentes roupagens ideológicas, é a sua principal
fornalha alimentadora.
Os predadores da riqueza estatal tem caminho livre para
transformar a administração pública em extensão dos seus próprios negócios.
O aparelhamento da estrutura pública consolida o tráfico de influência, gerando
a corrupção incontrolada. A “Operação Lava Jato”, traduz com indiscutível
clareza o enorme poder do patrimonialismo brasileiro. Dependesse da
apuração dos ilícitos, a ação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,
tudo continuaria como d’antes no quartel de Abrantes. Coube ao Ministério
Público Federal e à Polícia Federal, órgãos de Estado, com autonomia
assegurada pela Constituição, deflagrarem a operação que denunciou a
dilapidação da Petrobrás, pela incompetência dos seus dirigentes, gerando a
corrupção que hoje envergonha os brasileiros. Aliado ao fato de um juiz sério,
ético e competente como Sérgio Moro, ser o julgador.
A privatização dos bens públicos gerando o enriquecimento rápido
de agentes estatais e de grandes grupos empresariais é comportamento aceito
pelos governos brasileiros, independente de suas filiações ideológicas. A
política patrimonialista é um sólido alicerce do nosso Leviatã tupiniquim. A antimodernidade nas áreas políticas, econômicas e sociais permeia a formação do
poder nacional. E a grande vítima é o brasileiro anônimo que, com o seu
trabalho empreendedor, é o principal gerador das riquezas expropriadas pelo
clientelismo patrimonialista. Um exemplo: na última década, o Tesouro
Nacional transferiu recursos de R$ 435 bilhões para o BNDES, pagando taxas
de mercado. São emprestados a juros negativos, a TJLP, para empresas
“apelidadas” de campeões nacionais do desenvolvimento. Hoje o grupo JBS
(Friboi) tem 25% de participação do banco e outros como Eike Batista deram
com “os burros n’água”. A fila é gigantesca. Hoje a TJLP - Taxa de Juros de
Longo Prazo é de 6% ao ano.
A rigor, o populismo econômico é parte indissociável dos
governos amantes do populismo político. Nos governos Lula da Silva e Dilma
Rousseff atingiu-se o nível máximo. Consolidando um padrão diferenciado,
extremamente nocivo para os brasileiros. Emergiu um patrimonialismo inovador
aliançando sindicalismo e uma parcela da elite larápia, dona de apetite
pantagruélico em cima dos recursos públicos. Traindo a própria história do PT,
que pregava um “projeto de Brasil” na sua origem e no governo o renegou,
buscando consolidar um “projeto de poder” a qualquer custo.
O contubérnio de interesses públicos e privados é obstáculo ao
verdadeiro desenvolvimento econômico. A crise econômica e social que vem
atingindo os brasileiros, após a euforia do “nunca antes na história desse país”,
é o resultado gerado pelo populismo clientelista-patrimonialista dos últimos
anos.
Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade
Estadual Paulista (Unesp). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de
vários livros sobre a economia brasileira.
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