KARINA ROSSA FRITZEN
ESTUDO DO SISTEMA CONCEITUAL DE TRIGONOMETRIA
CRICIÚMA,2004
2
KARINA ROSSA FRITZEN
ESTUDO DO SISTEMA CONCEITUAL DE TRIGONOMETRIA
Monografia apresentada à Diretoria de PósGraduação da Universidade do Extremo Sul
Catarinense – UNESC, para a obtenção do
título de especialista em Educação
Matemática.
Orientador: Dr. Ademir Damazio.
CRICIÚMA,2004
3
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida e pelas oportunidades.
Ao professor Dr. Ademir Damazio, orientador deste trabalho, pela
dedicação incentivo e apoio.
Ao meu marido Márcio Fritzen, pela sua compreensão, paciência e
companheirismo.
Ao meu filho Matheus Fritzen, pelo jeito carinhoso que me ajudou muito a
enfrentar as dificuldades.
Aos meus familiares e amigos, pelo apoio e carinho, fundamentais para
que eu conseguisse concluir essa especialização.
4
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo fundamental interligar o conceito de trigonometria
no campo aritmética x algébrica x geométrica, fundamentando-se na teoria
histórico-crítica que tem despontado nos meios acadêmicos e escolares como uma
possibilidade mais efetiva para o progresso e melhoria do processo de ensino e de
aprendizagem da matemática. A pretensão foi buscar subsídios para uma reflexão
diante das dificuldades pedagógicas e aprendizagem que se apresentam
cotidianamente na educação matemática escolar. Especificamente, a preocupação
foi identificar e analisar os fatores que contribuiem para superar as dificuldades
básicas que os alunos apresentam em relação ao sistema conceitual de
trigonometria. Para tal foi proposta uma série de atividades de ensino-aprendizagem
pressupondo superar aquelas idéias normalmente apresentadas pelos livros
didáticos e que contribuiria para a apropriação das significações referentes ao
sistema conceitual. Subsidiou teoricamente o estudo de uma análise das tendências
pedagógicas no ensino da matemática em especial sobre as diversas concepções
de aprendizagem. Na elaboração das atividades de ensino-aprendizagem foi levada
em consideração ação que desenvolvessem, reflexivamente, o pensamento
aritmético, o algébrico e o geométrico. A inferência extraída é de que devemos
propiciar um processo-aprendizagem da trigonometria de forma integrada com os
conceitos matemáticos já elaborados pelos alunos e em consonância com o seu
desenvolvimento cognitivo. As ações que o professor propõe deve primar por
5
procedimentos graduais que incitem os alunos a ela transitar por significações que
constituem as noções essenciais, produzidas historicamente do conceito.
6
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
05
1.1 Justificativa
05
1.2 Problema
06
1.3 Tema
07
1.4 Objetivo de Estudo
07
1.4.1 Objetivos Específicos
07
2 APRENDIZAGEM MATEMÁTICA
08
2.1 Tipos de aprendizagem
08
3 TRIGONOMETRIA CONCEITO E HISTÓRIA
12
3.1 Ensino da trigonometria no Brasil
15
3.2 O livro didático predominante na região do extremo sul
16
4 ASPECTOS METODOLÓGICOS
17
4.1 O sujeito da pesquisa
17
4.2 Tipo de investigação
17
4.3 Procedimentos: as atividades propostas aos alunos
19
5 OS ALUNOS: SUAS APRENDIZAGENS E DIFICULDADES
33
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
43
7
1 INTRODUÇÃO
1.1 Justificativa
A superficialidade em que são desenvolvidos os conceitos matemáticos
nas escolas, o descaso com o ensino da trigonometria em nossa formação inicial e
as dificuldades que encontramos em abordar tal conceito em sala de aula nos levou
a desenvolver o presente trabalho. O princípio norteador é que em toda atividade
proposta aos alunos deve-se considerar, além do conceito em si, o sistema
conceitual na qual se insere.
Assim sendo, ao apresentarmos uma atividade de ensino-aprendizagem,
subjacente a qual estão noções e princípios do conceito trigonometria, parece
necessária a interligação de significações: 1)geométricas, 2) algébricas, 3)
aritméticas. Por exemplo, o aritmético no momento que sugerimos o cálculo das
razões trigonométricas; o algébrico, quando generalizamos esses cálculos e o
geométrico quando desenvolvemos e visualizamos na circunferência e no triângulo.
Contudo, devemos ter a precaução para não adotar a seqüência de muitos livros
didáticos que apresentam definições rápidas, seguidas de exercícios de fixação.
Outro aspecto a considerar é apresentação de atividades com imagens visuais
geométricas como elemento mediador para o processo de apropriação das múltiplas
significações do referido conceito. Acreditamos que assim, os alunos vão
8
percebendo e entendendo a lógica dos conceitos e, conseqüentemente, vão
elaborando suas próprias idéias e ressignificações dos mesmos. Nossa afirmação
tem respaldo em Vygotsky (1989) quando diz que: os seres humanos, não se
apropriam de conceitos, mas de significações do conceito.
1.2 Problema
Os atuais livros didáticos apresentam o conceito de trigonometria de
forma superficial, fragmentada, reduzindo-a fórmulas prontas, desprovidas dos
significados produzidos historicamente. Conseqüentemente, essa realidade é
reproduzida no processo de ensino–aprendizagem, em todos os níveis de ensino.
Tal conceito aparece pela primeira vez nos livros da 8ª série do ensino
fundamental, envolvendo as relações métricas no triângulo retângulo. Normalmente,
o foco é a noção de seno, cosseno e tangente dos ângulos de 30º, 45º e 60º. O
estudo na circunferência de todas as relações (seno, cosseno, tangente, cotangente,
secante e cossecante) no o ciclo trigonométrico é apresentado no Ensino Médio que,
dependendo do livro didático ou da apostila adotada, aparece em uma das três
séries.
A preocupação que temos é com a forma simples e restrita de
significações que são tratados o referido conceito, com ênfase ao conjunto de
fórmulas e indiferente aos processos e as características das idéias que as
fundamentam. Como abordar os conceitos trigonométricos de forma significativa,
envolvendo o sistema conceitual no qual se insere?
9
Entretanto, demos especial atenção para a elaboração de significações a
respeito das razões trigonométricas como valores “zero” ou “não existe”.
1.3 Tema
O estudo do sistema conceitual trigonométrico no Ensino Médio.
1.4 Objetivo de Estudo
Elaborar e desenvolver atividades de ensino-aprendizagem, abordando a
idéia de sistema conceitual trigonométrico, numa visão algébrica, geométrica e
aritmética.
1.4.1 Objetivos Específicos
- Investigar as dificuldades que os alunos apresentam no processo
ensino-aprendizagem da trigonometria.
- Estudar o desenvolvimento histórico e as relações da trigonometria no
circulo trigonométrico.
- Sugerir atividades para o ensino e aprendizagem da trigonometria,
baseando-se na teoria histórico-crítica.
10
2 APRENDIZAGEM MATEMÁTICA
2.1 Tipos de Aprendizagem Matemática
Segundo Fiorentini (1995), subjacente a cada modo de ensinar, escondese uma particular concepção de aprendizagem, de ensino, de Matemática e de
Educação. Para efeito do presente estudo, faremos uma síntese apenas das
concepções de aprendizagem nas diversas tendências que se manifestaram no
ensino da matemática, no Brasil. De acordo com o referido autor (1995, p. 6-32) são
elas:
Tendência Formalista Clássica – a aprendizagem do aluno era considerada passiva
e consistia na memorização e na reprodução (imitação/repetição) precisa dos
raciocínios e procedimentos ditados pelo professor ou pelos livros. O professor
transmite e o aluno recebe conteúdos.
Tendência Empírico-Ativista – enfatiza as atividades experimentais, o processo, a
pesquisa, a descoberta, a resolução de problemas e o método científico.Tem como
pressuposto básico que o aluno “aprende fazendo”.
Tendência Formalista Moderna – o processo ensino–aprendizagem autoritário,
centrado no professor que expõe/demonstra rigorosamente tudo no quadro negro.
Aprender significava a apreensão das estruturas da matemática para aplicá-las em
todos os domínios do conhecimento humano.
11
Tendência Tecnicista – a aprendizagem consiste, basicamente, no desenvolvimento
de habilidades e atitudes computacionais e manipulativas, como forma de habilitar o
aluno para resolver, individualmente, exercícios ou problemas-padrão.
Tendência Construtivista - a aprendizagem é resultante da ação interativa/reflexiva
do homem com o meio ambiente e/ou com atividades; não é tão importante o
conteúdo, mas sim, aprender a aprender e desenvolver o pensamento. A apreensão
das estruturas de um conceito ocorre pela interação tendo por base as abstrações
reflexivas oriundas das relações estabelecidas, inicialmente, com objetos.
Tendência Sócioetnocultural
- o processo ensino–aprendizagem parte dos
problemas da realidade, identificados e estudados conjuntamente pelo professor e
pelos alunos. A aprendizagem só é significativa e efetiva se as atividades
matemáticas estão relacionadas com o cotidiano e a cultura dos alunos. Enfim,
aprender matemática é “compreender e sistematizar o modo de pensar e saber dos
alunos”. (p. 26).
Tendência Histórico-crítica – O aluno aprende, quando consegue atribuir sentido e
significado às idéias e sobre elas é capaz de pensar, estabelecer relações, justificar,
analisar, discutir e criar.
Tendência Sóciointeracionista-semântica - fundamenta-se no modo como os
conhecimentos, signos e proposições matemáticas são produzidos e legitimados
historicamente pela comunidade científica ou grupos culturais situados sóciohistoricamente.
Aprender é significar as idéias matemáticas por meio do
estabelecimento de relações entre fatos e suas representações, signos.
Das tendências atuais, uma que parece atender nossas expectativas e
colaborar para a reflexão de uma aprendizagem significativa é a tendência histórico-
12
crítica. Acena para caminhos diferentes daqueles propostos pela escola mais
tradicional.
Nessa tendência, segundo Damazio (2000:45), a Matemática:
deixa de ser uma qualidade interna do espírito humano, como advogam os
idealistas, bem como uma relação de causa e efeito, como afirmam as
teorias mecanicistas. Nessa concepção, o conhecimento matemático é
uma forma de refletir a realidade, o qual foi sendo construído ao longo do
desenvolvimento sócio-histórico.
É na perspectiva sócio-histórica da escola vygotskyana que buscaremos
elucidar a relação entre desenvolvimento e aprendizagem. Segundo Vygotsky
(1989), a aprendizagem tem papel fundamental para o desenvolvimento do saber,
do conhecimento. Todo e qualquer processo de aprendizagem é ensinoaprendizagem, incluindo aquele que aprende, aquele que ensina e a relação entre
eles.
Para explicar a relação entre desenvolvimento e aprendizagem apresenta
o conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP). Define como sendo à
distância entre os níveis de desenvolvimento potencial - isto é, capacidade do ser
humano aprender com outra pessoa - e o nível de desenvolvimento real - adquirido
ou formado. A ZDP se constitui nas relações sociais estabelecidas entre sujeitos
mais experientes com aquele que está disposto a aprender algo novo.
Sendo assim, a ZDP tem sua existência originária em uma necessidade.
Trazendo para a pedagogia, significa que sua constituição só ocorrerá se as
atividades de ensino-aprendizagem propostas pelo professor fornecer subsídios
para desafiar as possibilidades do aluno. Portanto, ela ocorre diante de situações
em que o aluno precisa se apropriar de significações conceituais e realidades que
se apresentam como novas. A meta é chegar a saberes até então ignorados, por ter
um processo interativo, em que o aluno tenha oportunidade de sugerir resposta,
analisar e fazer generalizações. É nessa trajetória de diálogo com o professor ou
13
colegas que os alunos fazem elaborações que lhes permitem alcançar novos níveis
de conhecimento, informação e raciocínio.
14
3 TRIGONOMETRIA: CONCEITOS E HISTÓRIA
A palavra Trigonometria vem do grego TRI – três, GONO – ângulo e
METRIEN – medida. Portanto, etimologicamente significa medida de três ângulos.
Trata-se, assim, do estudo das relações entre os lados e os ângulos de um
triângulo.
A origem da trigonometria é anterior à era cristã. No séc V a.C, já se
encontrou estudos das relações entre arcos de circunferência e respectivas cordas,
constituindo-se num passo importante para a trigonometria no círculo.
No séc.III a.C., Arquimedes de Siracusa determinava o perímetro de um
círculo, dado o respectivo raio. Calculava o comprimento de grande número de
cordas e estabeleceu algumas fórmulas trigonométricas.
Apesar dos babilônios e dos egípcios terem utilizado as relações
existentes entre lados e ângulos dos triângulos, foi o fascínio pelo movimento dos
astros que impulsionou a evolução da trigonometria. Foram importantes os
fenômenos astronômicos e geográficos que levou à determinação de eclipses, fases
da lua, distâncias inacessíveis e rotas de navegação.
As medições e os resultados dos cálculos efetuados pelos astrônomos
eram
registrados
em
tábuas.
As
tábuas
babilônicas
revelavam
algumas
semelhanças com as tábuas trigonométricas atuais. Hiparco de Nicéia (180-125
a.C), fortemente influenciado pela matemática da Babilônia, acreditava que a melhor
base de contagem era a 60. Não se saiba exatamente quando se tornou comum
15
dividir a circunferência em 360 partes, entretanto, a hipótese mais provável é que se
deva a Hiparco. O mesmo ocorre com a atribuição do nome arco de 1 grau a cada
parte em que a circunferência ficou dividida, também a divisão de cada arco de 1°
em 60 partes obtendo o arco de 1 minuto. Ele construiu o que foi presumidamente
foi a primeira tábua trigonométrica, por isso é considerado o pai da trigonometria.
Porém, foi Ptolomeu (séc II) que influenciou o desenvolvimento da
trigonometria, durante muitos séculos. A sua obra Almagesto contém uma tabela de
cordas correspondentes a diversos ângulos, por ordem crescente e em função da
metade do ângulo, que é equivalente a uma tabela de senos. A relação da
Astronomia com a Trigonometria fez com que esta se desenvolvesse de forma
aplicada a triângulos curvos de lados curvilíneos que se formam sobre a superfície
esférica. Assim, a Trigonometria Esférica desenvolveu-se anteriormente à
Trigonometria Plana, o que se deveu ao fato de a primeira ser muito utilizada nos
cálculos astronômicos e na navegação, sendo sistematizada por árabes e hindus
até meados do séc .XIII. A contribuição destes novos foi bastante grande, tendo
calculado tabelas de senos para intervalos com variação de 15º. É no séc.XV com
Johannes Muller Regiomontano,e no seu trabalho De Triangulis Omnimodis Libri
Quinque que a Trigonometria liberta-se da Astronomia. O recurso sistemático ao
círculo trigonométrico e à aplicação da Trigonometria na resolução de problemas
algébricos é feita por Viète– séc. XVI – que estabeleceu também alguns resultados
importantes.
Contudo, foi Euler (séc. XVIII) que, ao usar sistematicamente o círculo de
raio um, introduziu o conceito de seno, e co-seno e tangente como números, bem
como as notações atualmente utilizadas. Os conceitos de seno e cosseno foram
16
originados pelos problemas relativos à Astronomia, enquanto que o conceito de
tangente, surgiu da necessidade de calcular alturas e distâncias.
A palavra seno vem do latim sinus que significa seio, volta, curva,
cavidade. Edmund Gunter foi o primeiro a usar a abreviação sen ,em 1624. Num
desenho, já o primeiro uso de sen em um livro foi em 1634 pelo matemático francês
Hérigone.
A palavra cosseno surgiu somente no século XVII, como sendo o seno do
complemento de um ângulo.
A função tangente tinha idéias associadas a sombras projetadas por uma
vara colocada na horizontal. Assim, a tangente e a cotangente vieram por um
caminho diferente daqueles das cordas. Foram conceitos desenvolvidos juntos e
não foram primeiramente associados a ângulos, mas procedimentos para calcular o
comprimento da sombra que é produzida por um objeto. O nome tangente foi
primeiro usado por Thomas Fincke, em 1583, enquanto o termo cotangente foi
primeiro usado por Edmund Gunter, em 1620.
A secante e a cossecante não foram usadas pelos antigos astrônomos ou
agrimensores. Surgiram quando os navegadores por volta do século XV,
começaram a preparar tabelas. Copérnico sabia da secante que ele chamou de
hipotenusa.
Viéte
conhecia
os
resultados
cot gx.sec x
1
= cot gx =
sec x
tgx
e
1
cos x
=
= senx .
cos .sec x cot gx
Percebe-se que foi um longo caminho percorrido pela Humanidade para
chegar até a trigonometria que hoje ensinamos aos nossos alunos. Essa pequena
referência histórica representa apenas parte dessa trajetória. Entretanto, ela
anunciar ao professor que ao ensinar trigonometria, de alguma forma, discuta com
17
os alunos questões que os levem a perceber que o conhecimento matemático não
“caiu do céu”, ou surgiu pronto e acabado. Talvez ao reviver a evolução possa trazer
subsídios para a aprendizagem.
3.1 Ensino de trigonometria no Brasil
O ensino da trigonometria no Brasil foi fortemente marcado, segundo
Nacarato (2002,p.29) por três enfoques:
- Enfoque geométrico: havia uma total integração entre trigonometria e geometria
plana; todos os teoremas eram demonstrados com a utilização da geometria
euclidiana. Essa tendência se fez presente até 1929.
- Enfoque de geometria vetorial: tendência resultante de um movimento nacional
que postulava a necessidade de uma matemática mais experimental e aplicada. A
física foi apontada como o grande ponto de aplicação da matemática. Essa
tendência dominou dos anos 1930 a 1960.
- Enfoque de funções circulares: tendência resultante do movimento da matemática
Moderna. Essa tendência dominou até meados dos anos 80.
O autor citado anteriormente destaca que nesses três períodos havia
uma consonância total entre as orientações curriculares oficiais e os livros didáticos
editados. O mesmo não ocorreu a partir do final dos anos 80, quando houve todo
redimensionamento do ensino da Matemática, priorizando a resolução de problemas
ou propostas interdisciplinares, como consta no atual documento de orientação
curricular nacional. No entanto, os livros didáticos destinados ao Ensino Médio não
18
acompanharam esse movimento, priorizando excessivas fórmulas e transformismos
algébricos sem nenhum significado histórico e práticos.
3.2 O livro didático predominante na região do extremo sul
O livro didático, Matemática Fundamental dos autores José Rui Giovanni,
José Roberto Bonjorno e José Rui Giovanni Filho é um dos livros mais utilizado
pelos professores da região. Essa preferência talvez se deve ao fato de ser muito
utilizado no curso de formação inicial dos professores da região.
Os autores apresentam a história, como curiosidade, apenas para
introduzir o conceito e não como desenvolvimento das idéias matemáticas. Iniciam
com
as
razões
trigonométricas
no
triângulo
retângulo
com
o
enfoque
predominantemente algébrico sobre o geométrico e é abordado só nos exemplos.
Ou seja, os autores iniciam o conceito em seu nível mais alto de abstração e
generalização para posteriormente aplicarem as fórmulas. Após um intervalo de 66
páginas são abordadas as funções trigonométricas. As funções seno, cosseno e
tangente são abordados apenas no sentido positivo e para as funções cotangente,
secante e cossecante os autores dedicam metade de uma página para as suas
definições.
Em nenhum momento percebemos a preocupação dos autores em
atribuírem significadas as fórmulas apresentadas. Dessa forma, os alunos são
levados a memorizarem mecanicamente as mesmas, pois propõem um número
expressivo de exercícios repetitivos que enfatizam o fazer em detrimento do pensar.
Ou seja, que primam pelo desenvolvimento de habilidade técnicas e algorítmicas.
19
4 ASPECTOS METODOLÓGICOS
4.1 Os sujeitos da Pesquisa
A pesquisa, em sua parte empírica, contou com participação de 56 alunos
do Ensino Médio de duas escolas: uma de Criciúma e outra de Siderópolis. A
escolha dos alunos (as) e das escolas deu em virtude da pesquisadora ter essa
atividade profissional diretamente ligada a eles. Da escola de Criciúma participaram
36 alunos assim caracterizados: 16 masculinos e 20 femininos, com a faixa etária
compreendida entre 15 e 17anos de idade. Da escola de Siderópolis, estiveram
envolvidos: 11 alunos e 9 alunas cujas idades variam de 15 e 17anos.
4.2Tipo de investigação
A participação efetiva da pesquisadora e dos alunos para entender o
processo de apropriação de significados referentes ao conceito de trigonometria se
tornou uma característica fundamental para definir a pesquisa como qualitativa.
A preocupação foi com o processo de aprendizagem e não com os
aspectos quantitativos. Por isso, na análise dos dados, demos ênfase às
manifestações dos alunos que indicavam suas compreensões e suas dificuldades
sobre as noções e idéias referentes à trigonometria.
20
A opção pelo referido conceito se deve ao fato de ser o que mais
encontramos dificuldades em abordar em sala de aula. Em nossa formação inicial, a
trigonometria que estudamos foi aquela que se apresenta nos livros didático de 8ª
série do ensino fundamental, como estamos lecionando no ensino médio, sentimos
necessidade em aprofundar tal conceito.
Nossa preocupação era entender geometricamente o que havíamos
decorado algebricamente, como razão entre a medida (lado de um triângulo
retângulo) de um segmento com outro. Inicialmente, estudamos o seno, cosseno,
tangente, cotangente, secante e cossecante para um ângulo de 45º. Partíamos do
pressuposto que entendendo tais relações para o ângulo de 45º, os demais era
suficiente aumentar ou diminuir a abertura, uma vez que, as idéias são as mesmas.
Tal hipótese foi confirmada em partes, pois, ao diminuirmos a abertura para zero
grau ou aumentamos para 90º a visualização geométrica exigia um grau maior de
abstração dos conceitos.
O ponto de partida para a discussão sobre os conceitos de cada relação
trigonométrica foi a figura a seguir:
s
t
A’
N
P
c
B
M’’
M
O•
45º M’
A N’ P’
21
4.3 Procedimentos: as atividades propostas aos alunos
Na elaboração das atividades tivemos a preocupação de pensar nos
detalhes fundamentais que intermediasse nossa interlocução com os alunos para
que eles se apropriassem das significações, das noções e propriedades peculiares
dos conceitos trigonométricos.
Para a construção do ciclo trigonométrico, propomos as ações:
- Com o auxílio do compasso e régua construa uma circunferência de raio 1 cm.
- Trace dois diâmetros na circunferência, um horizontal e outro vertical que se
interceptam nos respectivos pontos médios.
- Marque o ponto médio (M) do arco AÕB e trace um segmento de reta do ponto O
ao ponto M.
- Prolongue os segmentos de reta OM e AO e trace duas paralelas à MM’
interceptando os segmentos prolongados.
- Trace um segmento de reta paralelo ao diâmetro BB’ passando pelo ponto A.
- Trace um segmento de reta paralelo ao diâmetro AA’ passando pelo ponto B.
- Trace um segmento de reta passando pelo ponto M formando um ângulo de 90º ao
segmento de reta OM e prolongue o diâmetro BB’ interceptando a reta traçada.
O ciclo trigonométrico e o conjunto de retas e segmentos produzidos
pelos alunos, intermediado pelo conjunto de nossas proposições ou ajuda, pode ser
visto na figura a seguir?
22
t
s
P
N
B
M
M”
A’
O•
45°
M’
A
N’ P’
B’
Depois de construído o ciclo, foi proposto o cálculo das razões entre as
medidas dos segmentos de retas que iriam indicar as primeiras significações e idéias
dos conceitos de seno, co-seno, tangente, cotangente, secante e co-secante. Nesse
momento, nossa preocupação foi evidenciar aspectos fundamentais para que os
alunos apreendessem as noções que fundamentam cada um daqueles conceitos:
segmento, razão entre medidas dos segmentos e igualdade das razões.
Para se ter noção das nossas intervenções e proposições, transcrevemos
algumas delas:
- Com uma régua meça os segmento: MM’, OM, N’, ON, P’ e OP.
- Calcule as razões entre os segmentos MM’ e OM; NN’ e ON; PP’ e OP.
MM ' 0,71
=
= 0,71
OM
1
NN ' 1,48
=
= 0,71
ON 2,08
PP' 1,90
=
= 0,71
OP 2,67
Naquele momento, sugerimos que o alunos observassem os resultados
numéricos obtidos para as razões obtidas e a igualdades delas independente da
23
medida dos lados do triângulo , porém tendo como constante a medida do ângulo.
Em seguida interrogamos?
- Qual segmento do diâmetro vertical que tem a medida da constante encontrada
anteriormente:
- Crie um modelo matemático, uma fórmula, para calcular a medida do segmento
OM” de qualquer triângulo semelhante ao triângulo em estudo.
Usando a linguagem dos alunos apresentamos a fórmula:
OM ' ' = lado em pé
lado inclinado
Para evitar a rotina de nossas intervenções orais, propusemos uma
consulta aos livros:
- Pesquise a nomenclatura matemática da razão entre os lados dos triângulos
anteriores em relação ao ângulo α, traduzindo o seu modelo matemático.
Após a pesquisa, os alunos apresentaram:
senα = cateto oposto
hipotenusa
Essa atividade e outras que a seguiram tiveram por referência a figura
apresentada na página seguinte.
24
t
s
N
c
B
M
M
A
O•
45°
M
A N P
B
Proposições similares as anteriores, referentes ao conceito seno de 45º,
foram propostas para que os alunos se apropriassem das primeiras noções do
conceito de co-seno:
- Meça e calcule as razões entre os segmentos: OM , e OM ; ON , e ON ; OP , e
OP.
Os resultados obtidos pelos alunos foram:
-
MM ' 0,71
=
= 0,71
OM
1
NN ' 1,48
=
= 0,71
ON 2,08
PP' 1,90
=
= 0,71
OP 2,67
As novas Indicações foram:
- Qual segmento do diâmetro horizontal tem a medida da constante encontrada
anteriormente?
- Crie um modelo matemático para calcular a medida do segmento OM’ de qualquer
triângulo semelhante ao triângulo em estudo.
25
Usando sua linguagem espontânea foi feita a seguinte indicação:
OM ' = lado deitado
lado inclinado
Novamente propusemos:
- Pesquise a nomenclatura matemática dos lados dos triângulos em relação ao
ângulo
α e da razão que representa a medida do segmento OM , .
Traduza a fórmula
anterior para a linguagem matemática.
Ou seja, os alunos encontraram no livro pesquisado:
cosα = cateto adjacente
hipotenusa
A síntese anterior foi elaborada tendo por base a análise da figura que
segue:
t
s
N
c
B
M
M
A
45°
O•
M
A N P
.
B
Na seqüência, sugerimos:
- Calcule as razões entre os segmentos: MM ,, e OM , ; NN , e ON , ; PP , e OP , .
As produções dos alunos foram:
-
MM ' 0,71
=
= 0,71
OM , 0,71
NN ' 1,48
=
=1
ON , 1,48
PP' 1,90
=
=1
OP , 1,90
26
Em seguida, interferimos com questionamentos dirigidos para o conceito
de tangente:
- Qual segmento da reta t tem a medida da constante encontrada anteriormente?
- Crie um modelo matemático para calcular a medida do segmento AD de qualquer
triângulo semelhante aos triângulos em estudo.
Na linguagem espontânea:
-
AD = lado em pé
lado deitado
Sugerimos, novamente, que pesquisassem a nomenclatura matemática
da reta t e traduzissem em o modelo matemático produzido por eles para a
linguagem matemática:
tgα = cateto oposto .
cateto adjacente
A figura que aparece a seguir foi alvo de análise para as primeiras idéias
do conceito de tangente.
P
s
t
N
c
B
M
D
M’’
45°
M` A
A`
N,
P,
B`
Nossa próxima proposição visava as noções conceituais de cotangente:
- Calcule as razões entre os segmentos: OM , e MM , ; ON , e NN ,, ; OP , e PP ,, .
27
Os alunos apresentaram como solução:
--
OM ' 0,71
=
= 0,71
MM , 0,71
ON ' 1,48
=
=1
NN , 1,48
OP' 1,90
=
=1
PP , 1,90
Sucederam os questionamentos e sugestões:
- Qual segmento da reta c tem a medida da constante encontrada anteriormente?
- Crie um modelo matemático para calcular a medida do segmento BD a partir de
qualquer triângulo semelhante ao triângulo focalizado na figura abaixo.
A essas alturas, muitos alunos imediatamente, propuseram:
BD = lado deitado
lado em pé
Ao solicitarmos que pesquisassem a nomenclatura matemática correta,
encontraram:
cot gα = cateto adjacente .
cateto oposto
Como referência para análise foi adotada a figura:
P
s
t
c
N
B
M D
M’’
45°
M` A
A`
B`
N,
P,
28
Ainda restavam duas relações trigonométricas, ou seja, secante e
cossecante, referentes ao ângulo de 45º. Continuamos a propor procedimentos e
interrogações semelhantes aquelas até então adotadas.
-
Calcule as razões entre os segmentos: OM e OM , ; ON e ON , ; OP e OP , .
As medidas notações dos alunos foram:
-
OM
1
=
= 1,41
,
OM
0,71
ON
2,08
=
= 1,41
,
ON
1,48
OP 2,67
=
= 1,41
OP , 1,90
Em seguida, perguntamos e propomos:
- Qual segmento no eixo x tem a medida da constante encontrada anteriormente?
- Crie um modelo matemático para calcular a medida do segmento ON’ de qualquer
triângulo semelhante aos triângulos em estudo.
Eles continuam usando a linguagem adotada para os conceitos já
estudados:
ON ' = lado inclinado
lado deitado
Novamente pesquisaram na bibliografia recomendada a nomenclatura
matemática que traduz a referida relação matemática, isto e:
secα = hipotenusa
cateto adjacente
O suporte para a análise foi a figura a seguir:
29
t
s
P
N
c
B
M
M
A
O•
45°
M
A N P
.
B
Para concluir o estudo das relações trigonométricas do ângulo de 45º, reiniciamos
nossa indagações visando o conceito de cossecante.
- Calcule as razões entre os segmentos OM e MM ,, ; ON e ON , ; OP e OP , .
OM
1
=
= 1,41
,
OM
0,71
ON
2,08
=
= 1,41
,
ON
1,48
OP 2,67
=
= 1,41
OP ,
1,9
- Qual segmento de reta do eixo y que tem a medida da constante encontrada
anteriormente?
- Crie um modelo matemático para calcular a medida do segmento AD de qualquer
triângulo semelhante aos triângulos em estudo.
A linguagem espontânea:
AD = lado inclinado
lado em pé
Em seguida, com base na pesquisa bibliográfica, os alunos traduziram
para a linguagem matemática:
cos secα = hipotenusa
cateto oposto
30
A base de analise foi à figura:
t
s
N
c
B
M
M
A
O•
45°
M
A N P
B
Na seqüência , o estudo voltou-se para a relações trigonométricas para o
ângulo de 0º . Inicialmente, para Seno e a sua inversa co-secante. Os quadros a
seguir apresentados traduzem a síntese das nossas preocupações e das
aprendizagens dos alunos.
Observe os quadros nas páginas seguintes.
31
Seno
Geometricamente
Algebricamente
Aritmeticamente
Seno 0º =
Seno 0º =
cateto .oposto
hipotenusa
Seno 0º = 0
Seno é a projeção do
arco até o eixo das
ordenadas.
Como a abertura do
ângulo é 0 a projeção
(seno 0º) também será
zero.
0
=0
1
0 → abertura é zero
1 → o raio no ciclo
trigonométrico
mede
1
unidade. Portanto, a medida
da hipotenusa para qualquer
abertura do ângulo será 1
unidade.
Co - secante
Geometricamente
Algebricamente
Nunca
vai
tocar
Co-sec 0º =
Co-sec 0º =
Co-secante é a linha que
sai
do
centro
até
encontrar o eixo do seno.
Aritmeticamente
hipotenusa
cateto.oposto
1
= não existe
0
0 → abertura é zero, portanto
o cateto oposto será zero
1 → o raio no ciclo
trigonométrico
mede
1
unidade. Portanto, a medida
da hipotenusa para qualquer
abertura do ângulo será 1
unidade.
32
Cosseno e a sua inversa secante para um arco de 0º:
Co-seno
Geometricamente
Algebricamente
Aritmeticamente
co-seno 0º =
Co-seno 0º =
cateto ⋅ adjacente
hipotenusa
Co-seno é a projeção
do arco até o eixo das
abscissas.
abertura
é
Como
a
zero
a
1
=1
1
→
medida do cateto
adjacente
e
medida
da
hipotenusa. Quando a abertura
do ângulo for de zero grau, a
hipotenusa está sobreposta ao
cateto adjacente.
1
projeção (co-seno 0º)
do arco será um.
Secante:
Geometricamente
Algebricamente
Aritmeticamente
secante 0º =
secante 0º =
Secante é a linha que
sai
do
centro
até
encontrar a tangente.
hipotenusa
cateto ⋅ adjacente
1
=1
1
medida do cateto
→
adjacente
e
medida
da
hipotenusa. Quando a abertura
do ângulo for de zero grau a
hipotenusa está sobreposta ao
cateto adjacente.
1
33
Tangente e a sua inversa co-tangente para um arco de 0°
Tangente:
Geometricamente
Algebricamente
Aritmeticamente
t
tangente 0º =
tangente 0º =
A tangente no ciclo
trigonométrico
é
a
projeção do arco até
uma linha imaginária
que tangencia o ciclo
trigonométrico no 0º
0
=0
1
cateto ⋅ oposto
medida do cateto
1 →
e
medida
da
cateto ⋅ adjacente adjacente
hipotenusa. Quando a abertura
do ângulo for de zero grau a
hipotenusa está sobreposta ao
cateto adjacente.
0 → medida do cateto oposto.
Co-tangente:
Geometricamente
Algebricamente
c
Co-tag 0º =
Co-tag. 0º =
A co-tangente no ciclo
trigonométrico
é
a
projeção do arco até
uma linha imaginária
que tangencia o ciclo
trigonométrico no 90º
( Nunca irá tocar)
Aritmeticamente
cateto ⋅ adjacente
cateto ⋅ oposto
1
= não existe
0
1 →
medida do cateto
adjacente
e
medida
da
hipotenusa. Quando a abertura
do ângulo for de zero grau a
hipotenusa está sobreposta ao
cateto adjacente.
34
Para o estudo das relações trigonométricas dos demais ângulos não há
grandes problemas, pois a divisão aritmética é sempre um número decimal que não
envolve divisão por zero. Por isso, não trataremos no presente estudo.
35
5 OS ALUNOS: SUAS APRENDIZAGENS E DIFICULDADES
Nossa preocupação, como já explicitamos anteriormente, não era atribuir
apenas significado geométrico para as fórmulas da trigonometria que são
apresentadas nos livros didáticos. Para, além disso, nossa pretensão foi vivenciar
uma experiência pedagógica contemplando as significações dos três campos da
Matemática:
álgebra,
aritmética
e
geometria.
Para
tal
foi
necessário
o
enfrentamento de diversas questões: 1) as nossas limitações, enquanto
professores, do conhecimento matemático, de pedagogia, de psicologia 2) a
defasagem de conhecimento dos alunos, conseqüência das nossas defasagens
apontadas no item anterior; 3) as condições objetivas e subjetivas da escola para
propiciar um ambiente favorável a aprendizagem dos alunos.
Concebemos a escola como parte de um projeto mais amplo da
sociedade que, muitas vezes, atende determinados interesses políticos e éticos que
não são aqueles que concebemos na qualidade de professores preocupados com a
aprendizagem matemática como uma das conquistas sociais para a formação do
aluno cidadão.
Enquanto vivenciávamos a experiência do processo de estudo escolar
dos conceitos trigonométricos, dificuldades e dúvidas foram surgindo,
que se
apresentaram como caminhos que não havíamos traçado quando planejamos o
presente estudo. Tendo como pressuposto de que aprender significa atribuir
36
significado e sentido as idéias conceituais, elaboramos uma seqüência de
atividades que pressupomos essencial para a apropriação das primeiras noções
dos conceitos de trigonometria. Tínhamos consciência que era apenas um
planejamento e que, assim como o nosso processo de aprendizagem, o dos alunos
nos levaria a novas ações, as novas dificuldades de aprendizagem. Estas, por sinal,
foram impulsionadoras para que não desistíssemos e voltássemos a rotina do uso
do livro didático no trabalho com os alunos em sala de aula.
Aplicamos as atividades com os nossos alunos no período regular das
aulas. Por isso, estávamos sujeitos a múltiplas determinações didáticas e de tempo.
Segundo Pais (1999, p. 32) o processo de ensino aprendizagem é condicionado
pelo tempo didático (exigência legal) e pelo tempo de aprendizagem (caracterizado
por toda a complexidade do ato de aprender).
Pela seqüência de atividades apresentadas na seção anterior pode-se
observar que o ponto de partida para estudo da trigonometria se caracterizou com
as noções e idéias dos conceitos de seno, co-seno, tangente, cotangente, secante e
co-secante do ângulo de 45°.
Durante as nossas intervenções e diálogos com os alunos propúnhamos
uma série de ações e questionamentos que levavam os alunos a pensar, medir,
calcular, estabelecer relações, identificar regularidades, formular e adotar uma
linguagem
matemática
coerente
com
o
conhecimento
científico.
Foram
fundamentais explicações e questionamento do tipo: O que acontece quando a
abertura aumenta? Ou então, o que acontece quando a abertura do ângulo diminui?
Com o auxílio de duas réguas (uma régua representa a abertura do
ângulo e a outra formava um ângulo de 90° com abertura do ângulo – secante e cosecante) movimentávamos o ângulo diminuindo e aumentando sua abertura.
37
Esse processo não foi suficiente e dependendo das perguntas que
fazíamos apareciam dúvidas por parte dos alunos, surgindo a necessidade de
retomar algumas questões com a sugestão de novos procedimentos e novas
análises.
Mesmo com o nosso esforço e expectativa de uma participação efetiva
dos alunos, nem todos se envolveram nas discussões. Alguns deles não gostaram
da forma que apresentamos os conteúdos e resolveram esperar as convencionais
aulas de reforço para apenas para “recuperar a nota”. Atitudes desses é comum
nas escolas e se constitui num desafio para o professor que pretenda estabelecer
uma prática pedagógica reflexiva e participativa.
Quando comunicamos que a trigonometria seria o tema do bimestre
inteiro, os referidos alunos se envolveram um pouco mais, porém o objetivo não era
aprendizagem, mas a nota. Acreditávamos que tudo estava resolvido e com o
tempo iríamos fazer com que todos os alunos se envolveriam efetivamente,
superando a visão de aprendizagem como conquista de nota.
Entretanto, não éramos ingênuos e perguntávamo-nos: O que poderia
atrapalhar? Alguns esqueciam os materiais (régua, transferidor e compasso) e os
que levaram esses instrumentos para sala de aula, sem exceção, não sabiam
utilizá-los.
Outro aspecto que dificultou a aprendizagem dos conceitos de
trigonometria foi a percepção restrita de número, basicamente, o de número natural.
Isso gerava obstáculo, pois a trigonometria se fundamenta em medidas e,
conseqüentemente, envolve o domínio dos números reais.
Devido as limitações de tempo, vamos nos deter apenas a uma dessas
dificuldades, que é a proximidade de significado, entre “zero” e “não existe”. Tal
38
proximidade contribuiu para sedimentar ainda mais os obstáculos para apropriação
das razões trigonométricas, principalmente quando seu valor se aproxima de zero e
por envolver o conceito de divisão.
As dificuldades se acentuam quando se busca o entendimento de que
não é possível dividir um número por zero, por exemplo, 1
0
. Depois de muitas
tentativa e situações de análise, a explicação mais plausível foi: devemos encontrar
um número que multiplicado por zero de um. Isto não é possível, pois o produto de
dois fatores, sendo um deles zero, é sempre igual a zero.
Criar o zero talvez tenha sido o passo mais difícil e mais importante da
história da matemática. E é importante notar que essa dificuldade
encontrada pela humanidade em relação ao zero se reflete no aprendizado
dos educandos, pois existe quase sempre uma certa dificuldade na
aprendizagem de números e operações envolvendo o zero. É uma etapa
histórica que reflete na aprendizagem do educado independente de o
educador programar seu aparecimento. Aliás, o educador precisa
justamente programar seu fazer pedagógico no sentido oposto, no sentido
de minimizar essa dificuldade ao máximo, pois se o educando não
compreender a função do zero no sistema de numeração, ele não
entenderá a lógica desse sistema. (DUARTE, 1987, p. 66).
Um dos objetivos ao desenvolver o presente trabalho foi evitar ou
minimizar as dificuldades do processo ensino-aprendizagem do sistema conceitual,
em relação as experiências de anos anteriores. Por isso, elaboramos um problema
de construção geométrica, em que a solução não se limitou exclusivamente a
utilização de régua, compasso, transferidor e esquadro. Os alunos também tinham
que se apropriar das significações algébricas, geométricas e aritméticas. Além disso,
deveriam justificar por meio da linguagem coloquial o porquê dos resultados e a
validade de suas respostas.
Na inter-relação entre a linguagem matemática e a linguagem coloquial
podemos elucidar aspectos fundamentais da aprendizagem dos alunos. A linguagem
matemática foi parâmetro para identificar alguns erros e por meio da linguagem
39
coloquial os erros e acertos. O foco passou a ser a análise, o que poderia ter levado
os alunos a cometerem tais erros. Como já mencionamos anteriormente nosso olhar
se voltou ao seguinte erro: 1 = 0 . Ao interrogarmos os alunos sobre o raciocínio
0
que leva a cometerem tal erro, as justificativas foram do tipo: “como o ângulo
diminuiu e o cateto oposto ficou zero e a hipotenusa fica sempre um a co-secante
fica zero pois 1 = 0 ” .
0
Mesmo com a visualização geométrica apontando a inexistência de
determinadas funções trigonométricas para os ângulos de 0° e 90°, alguns alunos
colocaram zero. Percebemos que o significado de zero e não existe estão muito
próximos ou se confundem, como se pode perceber nas falas abaixo:
A co-tangente de 0° é zero, pois não tem abertura e não tem seno, portanto
não tem como o alongamento do ângulo tocar a co-tangente.
A fala anterior explicita uma dificuldade ao afirmar erroneamente que cotangente de 0° é zero. Ao justificar sua resposta, enuncia que não tem seno, o que
entendemos como sendo que “não existe”. Na realidade o seno existe e é zero.
Quanto a cotangente do ângulo de zero grau, alguns alunos, como revela a fala a
seguir, a explicitam a idéia de que “não existe”.
A co-tangente de 0° não existe, porque é encontrada com a divisão do
cateto adjacente pelo cateto oposto, o cateto adjacente é um o cateto
oposto não existe, não seria possível dividir algo por uma coisa inexistente.
Na fala anterior percebemos que o aluno se apropriou de algumas
significações do conceito de tangente. Porém, concebe o zero apenas como
ausência de algo e não como localização geométrica. E essa idéia o leva a concluir
que o cateto oposto não existe. A mesma idéia pode se apresentar entre alunos das
três escolas. Algumas das falas transcrevem a seguir:
40
- Como o ângulo é de 0° não tem inclinação, então o cateto oposto não
existe, é zero, e o cateto adjacente um, então a tangente é zero.
- Não tem seno, pois o ângulo de 0° não existe cateto oposto, portanto, não
tem seno.
- O seno não existe, pois não existe abertura no ângulo.
- O co-seno é igual a zero, porque não existe, o seno é um.
- O seno é zero porque a hipotenusa está reta e vale um, nesse caso, o
cateto oposto não existe e é zero 0
1
= 0.
Encontramos também, justificativas semelhantes para interpretações
diferentes, tais como:
A secante não existe, pois um dividido por zero, não vai dividir para
ninguém.
A secante é um, pois um dividido por zero, não vai dividir para ninguém.
Ao questionar o aluno da segunda resposta, ele argumenta: se eu tenho
um real e não divido com ninguém, fiquei com um real, dividi um por zero e deu um.
Chama-nos atenção a explicação deste aluno, pois ela remete à relação entre o
conhecimento matemático prático/cotidiano com o conhecimento científico. O
primeiro nos leva a incorrer em compreensões que parecem plausíveis que,
cientificamente seria impossível explicar. Dito de outra maneira, praticamente parece
correto, dizer que dividir alguma quantidade com ninguém, se obteria como resultado
a referida quantidade. Entretanto, tal raciocínio é revelador de equívocos na própria
compreensão do conceito de divisão de números naturais. No conceito divisão, o
quociente se refere a quantidade que coube, na partilha, ao divisor e não para o
dividendo como indica a explicação do aluno.
Durante a análise dos dados recorremos a literatura, mas nada
encontramos sobre tais equívocos interpretativos. Inclusive duas pesquisas
realizadas recentemente no programa de iniciação científica da UNESC, uma que
analisa as dificuldades com o conceito específico de divisão e outra com as
dificuldades de aprendizagem em matemática.
41
Como
trigonométricos,
nosso
as
estudo
respostas,
estava
mesmo
diretamente
ligado
equivocadas,
aos
eram
conceitos
justificadas
trigonometricamente. Por esse motivo propomos para alguns alunos de outras fases
do ensino médio, e que não estavam estudando trigonometria, a seguinte atividade:
Resolva a operação abaixo e justifique sua resposta:
1
=
0
No desenvolvimento da operação, percebemos que alguns alunos
utilizaram a calculadora. Não proibimos o uso, pois essa atividade estaria,
enriquecendo ainda mais o presente trabalho. Alguns alunos responderam que era
1, mas, a grande maioria respondeu que a solução para a operação era zero. Como
estávamos investigando o porque do zero como resposta, dirigimos o nosso olhar,
para as justificativas mais comuns:
- Porque todo número multiplicado ou dividido por zero é zero;
- Porque se não é dividido por nada, também vai resultar em nada;
- Se uma pessoa tem qualquer coisa e vai dividir com ninguém, ninguém vai
ficar com nada, esse dinheiro vai voltar para pessoa;
- Se eu tenho uma bala e divido com ninguém, eu fico com a bala, resta um,
mas, a lei matemática é que todo número dividido por zero é zero;
- Porque esse resultado foi me ensinado na escola, até hoje eu aprendi as
contas e os resultados que já vinham pré-estabelecidos
A cada sala que propomos essas atividades, após resolverem e
entregarem, explicávamos qual era a resposta matematicamente correta utilizando a
definição apontada por Caraça 1984:246; “o resultado da divisão do números real
a ≠ 0 pelo número real b ≠ 0 , quaisquer, pode ser sempre apontado a priori como um
número real único c = a que multiplicado por b da um produto igual a.”
b
Os comentários que os alunos fizeram nessa etapa foram do tipo:
Tá professora, foi inventado quando essa explicação? Ou, mudou quando?
Por que nos ensinaram que era zero então?
42
No início não havíamos acreditado que alguns professores estavam
realmente equivocados. Porém, ouvirmos o seguinte comentário de um professor: o
fulano (aluno) está ferrado comigo, vou fazer as provas de recuperação, mas como
zero mais zero é zero e zero dividido por zero também é zero, ele irá com zero na
média. Ou seja, nem para os professores de matemática está claro essa questão da
divisão pro zero, mesmo sendo zero por zero, como aponta a fala do professor
anterior.
Houve também um número considerável de alunos que mesmo colocado
como resposta zero, explicava em suas na justificativas a idéia da impossibilidade,
tais como:
- Se quer dividir uma coisa com alguém e não tem ninguém para dividir, não
vai ter como;
- Por que o zero significa nada, não tem como dividir o zero para nada;
- Por que não tem como dividir por zero. Ex: se você tem uma laranja e quer
dividir para zero pessoas não tem como, porque zero é neutro;
- Por que não tem como dividir uma coisa para ninguém;
- Não podemos dividir algo por zero é impossível;
- É igual a zero, pois não há divisão, portanto não existe;
- O resultado deu zero, porque se eu tenho uma maçã, eu só posso dividir
essa maçã com outra pessoa;
- Em primeiro lugar, porque a calculadora acusa e em segundo, se eu não
tenho ninguém para dividir, vai ser zero, ou seja, eu não tenho ninguém
para dividir.
Todos os alunos que recorreram a calculadora colocaram zero, mesmo
aparecendo ao lado direito do visor o zero e ao esquerdo o E, que os alunos não
perceberam ou se perceberam acharam insignificante.
43
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na implementação desta proposta para o ensino da trigonometria,
podemos afirmar que o conhecimento somente será internalizado se ele for
significativo para o sujeito (aluno).
Procuramos estabelecer relações entre o conhecimento que os alunos
possuem e os conceitos básicos e relevantes da trigonometria. Além disso,
propiciamos a apropriação das significações dos conceitos envolvidos, por meio de
atividades que estimulam o pensamento reflexivo ao promovermos a participação
ativa dos alunos na exploração de relações, nas perguntas e nos questionamentos.
Mesmo com o entendimento geométrico de alguns conceitos, uma questão
da qual chamou nossa atenção, foram às várias justificativas que os alunos
descreveram em relação ao “não existe”. Por exemplo, quando a abertura do ângulo é
zero o cateto oposto não existe, é zero. Tudo bem que esse zero significa a
localização no ciclo trigonométrico, mas se tirá-lo do ciclo?ou seja, se levarmos para
as relações no triângulo retângulo. Para ser triângulo tem que ter três lados e três
ângulos, então existem triângulos para os ângulos de zero e noventa? Essas
interrogações só ocorreram como conseqüência da realização da presente pesquisa.
Eles não haviam apresentado nem durante a nossa vida como estudante e nem
profissional. Isso significa dizer que as atividades ou o modo como conduzimos as
aulas propiciaram aprendizagem, não só para os alunos como também para nós. Tal
44
afirmação é respaldada pela reafirmação de nossa concepção de aprendizagem
como: apropriação de significados e dar sentido as idéias elaboradas. Isso significa
dizer que a aprendizagem é processo que envolvem certezas, dúvidas, erros e
obstáculos a serem superados. Diante dessa compreensão vale trazer à tona, um
aspecto fundamental da pesquisa.
Algumas situações que levam os alunos a concluírem que 1 = 0 são:
0
Quando a abertura do ângulo é zero grau e o cateto oposto não existe,
portanto é zero.
Quando a abertura do ângulo é noventa graus e o cateto adjacente não
existe, portanto é zero.
Portanto, a maioria dos alunos que colocaram zero como resposta,
concebiam-no como: Não existe; Impossibilidade; Elemento neutro.
Embora as respostas não sejam as corretas cientificamente, mesmo assim
elas revelam, que os alunos estão em processo de elaboração conceitual. Também
nos dá indicativos de novas ações devem ser propostas aos alunos para a superação
dos equívocos conceituais. Acreditamos nesta estratégia de trabalho, pois, favorece
uma relação amistosa entre alunos e professor. As maiorias dos alunos ficam
motivadas e envolvidas, manifestando interesse pela descoberta das relações
fundamentais dos conceitos e pela aprendizagem matemática.
Contudo, há muitas lacunas a serem preenchidas, entre tantas valem ser
destacadas: o aprofundamento teórico sobre aspectos epistemológicos/ pedagógicos/
psicológicos/ matemáticos.
45
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DAMAZIO, A. O desenvolvimento de Conceitos Matemáticos no Contexto do
Processo Extrativo de Carvão. Florianópolis: UFSC, 2000. Tese de Doutorado.
DUARTE, Newton. A Relação entre o Lógico e o Histórico no ensino da
Matemática Elementar. São Carlos: UFSCAR,1987. Dissertação de Mestrado.
FIORENTINI,Dario. Alguns modos de ver e conceber o ensino de Matemática
no Brasil.Revista Zetetiké.Campinas,n.4, 1995, p. 1-37.
NACARATO,M. O Ensino de trigonometria: tendência e perspectivas. In: VI
Reunión de Didáctica de la Matemática Del Cono Sur. Buenos Aires,2001.
OLIVEIRA, Martha Kohl de. Vygostsky: Aprendizado e desenvolvimento: um
processo sócio- histórico/ Martha Kohl de Oliveira. São Paulo: Scipione, 1997. –
(Pensamento e ação no magistério).
SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta
Curricular de Santa Catarina: Florianópolis. GOGEN,1998.
VYGOTSKY,Lev S. A formação Social da mente. São Paulo: Martins Fontes,1989.
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1 INTRODUÇÃO - Universidade do Extremo Sul Catarinense