XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção
Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.
ENTRE EXPERIÊNCIAS DE CONSUMO
E IDENTIFICAÇÃO DE SIGNIFICADOS:
TEORIA E PRÁTICA NO ESTUDO DO
COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR
Solon Bevilacqua (UFG)
[email protected]
A experiência de consumo tem sido preconizada como um dos grandes
apelos de marketing nos últimos 30 anos, a partir de autores como
Holbrook e Hirschman (1982), que entenderam o consumidor como um
indivíduo concentrado na busca de experiências hedônicas e de
práticas vivenciais e significacionais. Nesse sentido, este estudo
objetiva discutir o conceito de shopping experience a partir de um
estudo prático e de dois contraexemplos, atestando a importância em
ter-se como norte o estudo da cultura do consumidor. Campbell
(1987), Arnould e Thompson, (2005), McCracken (2003) e Douglas e
Isherwood (2006) constituem as principais abordagens desse estudo.
Os principais resultados evidenciam que a Psicologia cognitiva não
consegue identificar aspectos importantes de consumo, como aqueles
observados por técnicas como a Etnografia e outras práticas
vivenciais.
Palavras-chave: Ssignificados, comportamento, consumidor
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1. Introdução
O conceito de shopping experience não é novidade para acadêmicos de marketing, entretanto,
em virtude de seu emprego atualmente estar centrado no universo dos produtos de luxo, tornase relevante discutir o tema de forma ampliada. Esse interesse teve início nos anos 1980, a
partir de publicações como Holbrook e Hirschman (1982), que entenderam o consumidor
como um indivíduo concentrado na busca de experiências hedônicas e de práticas vivenciais.
Por conseguinte, o consumidor abandona o status de um indivíduo que calcula prazer e
sofrimento (visão intrapsíquica) e/ou encontra-se imerso entre cestas utilitárias de
preferências (visão microeconômica).
A partir de abordagens como as de Campbell (1987), Arnould e Thompson, (2005),
McCracken (2003) e Douglas e Isherwood (2006), tem-se que o consumidor está envolvido
em significados culturalmente constituídos e não apenas em necessidades, conforme é
comumente aceito. Nesse sentido, prevendo tais abordagens, este estudo objetiva discutir o
conceito de shopping experience a partir de um estudo prático e de dois contraexemplos. Tais
autores não contemplam o consumo a partir do gerenciamento de necessidades básicas e
supérfluas, seriam essas carências orgânicas, conforme McCracken (2003). O consumidor é,
inerentemente, um ser social, que não quer o consumo para si mesmo, mas para dividir. O
consumo é o processo de converter mercadorias em bem-estar e os bens não são vistos como
produtos, mas, sim, como um lugar na sociedade (DOUGLAS, 2007).
A partir de tais pressupostos, este texto está organizado da seguinte forma: discute-se a
experiência de consumo a partir da construção de significados; apresenta-se a metodologia do
estudo e, finalmente, encaminham-se os resultados e considerações finais.
2. Significado: do mundo para o bem e do bem para o indivíduo
No contexto do consumo de produtos de luxo, é comum recorrer aos cinco sentidos para a
criação de um ambiente prazeroso, que evoque o requinte e promova o valor de um produto
de investimento elevado. Torna-se relevante reforçar que a shopping experience não se refere
somente a uma experiência em lojas, mas em todo o consumo. Assim ocorre em test drives e
em degustações, em que profissionais de marketing gerenciam significados. A questão é
prevista por McCracken (2003), que contempla a estrutura de um produto que, além das
propriedades físicas, características funcionais, possui também significados culturais. O autor
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exemplifica o consumo de um veículo 4x4, que é concebido na categoria SUV. Os
consumidores não querem um veículo robusto como esse para andar fora de boas estradas ou
porque irão realizar uma prova off road, mas, sim, porque desejam viver uma experiência de
desenvoltura e de extraordinariedade. Um exemplo pertinente seria o de um veículo 4x4 com
apelo centrado no Rally, como é o caso do utilitário Mitsubishi brasileiro. Uma gerência de
Rally vinculada ao departamento de Marketing da empresa se encarrega de criar e de divulgar
provas profissionais e de regularidade, para que seus consumidores vivam o mundo do 4x4.
Esse entendimento confere à empresa um conceito diferenciado, um convite à aventura
conforme a divulgação em seu site: “[...] em 2014, a divisão de competições em Mogi Guaçu
passa a receber o nome de Ralliart Brasil, se tornando sinônimo da mais avançada tecnologia
e desempenho para os veículos Mitsubishi em competições na terra e no asfalto”
(www.mitsubishimotors.com.br).
De modo geral, o significado é absorvido do mundo culturalmente constituído e repassado
para um bem de consumo. Nesse sentido, não parece lógico classificar segmentos a partir de
padrões psicográficos. “Algumas pessoas podem parecer “jovens modernos” ou “pais ricos
com filhos crescidos” por fora, mas essa quase sempre não é a forma pela qual eles se
enxergam”, conforme McCracken (2003). Em outras palavras, de acordo com o autor, o
significado se localiza em três lugares: no universo culturalmente constituído, no bem de
consumo e no consumidor individual, deslocando-se em uma trajetória com dois pontos de
transferência: do mundo para o bem e do bem para o indivíduo. Essa transferência de
significado dos bens se daria por meio dos rituais de troca, de posse, de dedicação e de
descarte, a partir de quatro representações.
[1] tempo: o uso de cores, logotipos, embalagens e formas em geral, por exemplo, pode ser
utilizado para reportar a algum momento da sociedade. Tal estratégia sugere uma “viagem”
no tempo para o consumidor, como as estratégias vintage e clássica, utilizadas com
frequência pela Arquitetura, que vigoram na contemporaneidade;
[2] espaço: o espaço tem apelo de posicionamento geográfico, como o atestado de origem
para um produto ou serviço. Assim ocorre com uma receita ou com uma bebida, que é
originária de determinada região, como o Champanhe ou o Bourbon, por exemplo;
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[3] autenticidade: nessa representação, o bem possui atestado fornecido por uma marca. Seu
preço e imagem são comprovantes de atributos como qualidade, conforto, status e garantia;
[4] sofisticação: aqui é o status que provoca essa representação. Para McCracken (2003) a
sofisticação é promovida por uma “marca invisível”, que desloca o significado quando não
pertencente a um consumidor, como ocorre com os “novos ricos”, por exemplo, que estão
posicionados à margem de uma tradição de posse. O exemplo de uma cachaça brasileira, a
seguir, contempla essa questão.
O que distingue de imediato a Ypióca das demais aguardentes é o revestimento com
palha de carnaúba de sua garrafa, confeccionado por artesãs cearenses reproduzindo
um trançado típico do artesanato indígena da região. O rótulo preto com letras
douradas da versão ouro apresenta a figura de um senhor saboreando um copo de
aguardente junto a um barril. A data de fundação da empresa é declarada junto à
marca: “Desde 1846”. Esta referência também é feita em letras garrafais no rótulo
que ornamenta o pescoço da garrafa. Entre duas cruzes de Malta, pode-se ler:
“Produtores desde 1846” [...] A Ypióca, na versão não empalhada, apresenta no
centro do rótulo uma elipse com o desenho do engenho à época da fundação e logo
abaixo a inscrição: “Desde 1846”. Traz também, afixado ao pescoço da garrafa, um
cartão justificando o posicionamento do produto como aguardente orgânica,
oferecendo os seguintes argumentos: “Cultivada com adubo orgânico; corte da cana
sem queima da palha; utilização de fermento natural; envelhecida em tonéis de
Freijó”. Nesta versão a palavra “envelhecida” aparece junto à marca (ALMEIDA;
ROCHA, 2008, p. 112).
McCracken (2003) sugere a ideia da “pátina” como sendo a propriedade simbólica mais
importante da cultura material no que diz respeito à representação de status. A pátina é
conceituada como uma propriedade da cultura caracterizada por pequenos sinais de idade, que
se acumulam na superfície dos objetos. Esse sinal da passagem do tempo inscrito nos objetos
é visto como propriedade simbólica, que possibilita sua utilização para propósitos de
classificação social.
A função da pátina consiste em autenticar o status do usuário. Para o autor, a pátina garante
maior proteção contra a perda de valor de um objeto, por três processos distintos: [1] uma
categoria simbólica de status, reconhecível por todos e que facilita o processo de sanção
social; [2] como uma “tinta invisível”, sendo mais bem reconhecida por aqueles indivíduos
que já possuíssem tal status; [3] a pátina faria sentido quando verificada em objetos de valor
financeiro e, portanto, a posse de tais objetos refletiria com certa precisão o status do
possuidor. Tal estratégia da pátina permite ao observador ratificar a autenticidade por parte do
indivíduo.
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Esse processo de entrega de valor, segundo Terblanche e Boshoff (2006), consiste em um
construto de cinco dimensões: interação com a equipe comercial (personnel interaction), a
qualidade dos produtos ofertados (value of merchandise), o ambiente interno do
estabelecimento (internal store environment), a variedade de produtos oferecida (merchandise
variety and assortment) e as políticas de tratamento em relação às reclamações e expectativa
dos consumidores (handling complaints). Trata-se de uma entrega plena de valor que acarreta
na fidelização do consumidor. O resultado é ilustrado por Aaker (1998), a partir da loja de
artigos de caça e pesca, Bass Pro Shop. Nesse estabelecimento, vivencia-se uma situação
próxima da realidade de uma aventura, com direito a animais mecânicos em escala natural;
cachoeiras artificiais, paredes de escalada e um ambiente que simula tal ambiente de consumo
esportivo (ver http://www.basspro.com).
Em consideração a Aaker (1998), Terblanche e Boshoff (2006) e McCracken (2011), haveria
possibilidades de ir além de suas propostas. Seria possível promover o estímulo dos sentidos
no consumo, tal como degustar, tocar, ouvir e respirar o ambiente, a partir de uma verdadeira
experiência sensorial e hedônica.
A seguir será discutido o procedimento para a transmissão de significados e dificuldade em se
informar o valor no universo dos bens.
3. Um universo elaborado a partir de significados
O homem vive em um universo construído a partir da atribuição de significados. Geertz
(1989) afirma que o homem é um animal unido a teias de significados que ele mesmo teceu.
Por conseguinte, não se trata de pesquisar a partir de uma ciência experimental, mas em
função de uma ciência interpretativa, à procura do significado. Para tanto, recorre à Etnografia
para evidenciar significados e não a experimentos ou aplicação de instrumentos padronizados.
A psicologia cognitiva cede espaços para uma prática vivencial de estudo de culturas.
Nesse exemplo de estudo empírico, prevendo a comparação de seis marcas de cerveja, tem-se
a percepção de atributos por meio da escolha entre similaridades e dissimilaridades. Percebese a dificuldade em se nomearem as dimensões do mapa de posicionamento. Em outras
palavras, a dificuldade, nesse caso, está justamente em saber como os consumidores percebem
a diferenciação entre marcas.
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A Figura 1, a seguir, esclarece melhor essas ideias. Duas marcas, variáveis 4 e 5 estão
próximas, consideradas similares, entretanto, em virtude de quais significados foram
classificadas? A ferramenta de análise multivariada utilizada corresponde ao Escalonamento
Multidimensional e a dificuldade está presente nas dimensões numeradas de dois a quatro, nos
três eixos de análise. A partir do referencial teórico, algumas questões como representações de
significação estão descobertos (tempo, espaço, autenticidade e sofisticação). Uma cerveja
como as previstas com a numeração de um a seis, perderam sua interpretação de pátina,
quando não se sabe informações como sabor, qualidade, contexto histórico, procedência e
experiência de consumo.
Figura 1 – Escalonamento Multidimensional
Fonte: Bevilacqua, (2004)
Em outro contraexemplo de emprego de Análise Conjunta de Atributos, orientada para a
identificação de atributos em produtos, tem-se uma cesta de consumo, prevista por conforto,
velocidade e preço na escolha de um veículo multiuso. Os atributos relacionados e dispostos a
partir de suas utilidades parciais são relacionados conforme o Quadro 1.
Quadro 1 – Utilidades Parciais
Conforto (1)
0,786
Conforto (2)
0,504
1,29
66,43%
Fonte: Bevilacqua, (2013)
Velocidade (1)
0,074
Velocidade (2)
0,252
0,326
16,79%
Preço (1)
0,111
Preço (2)
0,215
0,326
16,79%
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É possível depreender, a partir do Quadro 1, que os atributos mais relevantes para a escolha
do veículo é conforto (66,43% de preferência), contra Velocidade e Preço. Diante do exposto,
sabe-se que o veículo multiuso é consumido por percentuais que são significativos nessa cesta
de opções. Cabe questionar o que tais indicadores significam como efetivo valor nas
experiências de consumo. Conforme já ressaltado, um estudo de etnografia centrado em
marketing busca evidenciar tais limitações a partir de práticas vivenciais e culturais.
4. Descrição dos objetos
Nesse estudo prático, buscou-se analisar um grupo de consumidores frequentes de produtos
orgânicos, em feiras “sem veneno”. Após o trabalho de três meses e apontamentos em diários
de campo, constatou-se que há uma diferença entre o previsto e o realizado. Em outras
palavras, o consumidor que adquire orgânicos em feiras, em sua falta, recorre também ao
supermercado. Abandona, portanto, o conceito de “produto verde”. Em entrevistas realizadas,
preocupa-se de forma declarada com o meio ambiente, qualidade e preço baixo.
Eu sempre venho a essa feirinha e o que me atrai a vir até a feirinha, é que são
produtos diretamente da roça sem química e são naturais. Eu me preocupo com a
questão da saúde e também do meio ambiente. Eu me considero um consumidor
sustentável, é muito bom a sustentabilidade, e eu me sinto saudável, pois sempre
morei na fazenda, então sempre me alimentei de produtos naturais aqui na cidade
também (Consumidor João).
Nós compramos porque é sem veneno e por trazerem benefícios à saúde, você
compra com veneno e o veneno é prejudicial a saúde ne?! E o índice e câncer
está muito grande e a maior parte é pelo que consumimos ne?! Toda quinta feira
nós viemos aqui na feirinha. A importância dos produtos sem veneno é que ela
não causa mal a saúde, para você ver, você vai ao mercado e você percebe a
diferença das verduras, é bem visível. Falam assim: ah, é pequena, ta?! Você
sabe que a cenoura é pequena, mas você compra da grande, mas você sabe que
ela não tem tanta vitamina quanto essa aqui, sem contar que têm agrotóxicos. A
beterraba, por exemplo, comparando o sabor desta beterraba com as compradas
em mercados, você nota a diferença, essa daqui é bem mais saborosa e bem
melhor. É melhor pra saúde de quem compra e de quem está plantando. E daí,
nós nos preocupamos com a qualidade do alimento e não com a estética do
alimento. Em questão de qualidade, para mim, essa cenoura pequena vale muito
mais (Consumidor Pedro).
Observa-se também nos discursos de João e Pedro a construção do conceito “qualidade”. Esse
atributo, para o consumidor é construído de forma abstrata, centrada na aparência do produto
e no discurso de produto “verde” e “orgânico”. Em alguns relatos, como percebido no
discurso do produtor Mateus, o consumidor não tem consciência de que o produto orgânico
tem a bela aparência de um produto tratado com agrotóxico. Mesmo em consumo, por falta de
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informação, o consumidor aprecia a estética do alimento, atributo esse erroneamente
relacionado à qualidade.
A cenoura tem mais saída, a couve sem veneno ela tem uns furinhos de vez em
quando e as pessoas veem os furinhos e já não querem, elas querem aquelas que
são bonitinhas sem furinhos. O meu preço é o mesmo em relação ao dos outros
comerciantes. Nós esperávamos ter uma diferenciação no preço por conta dele
ser sem veneno, mas não há essa diferença não. A gente trazia os produtos e
colocava um preço diferente, porém nós não conseguíamos vender tudo, então
mudamos o preço para igual aos concorrentes (Produtor Mateus).
É perceptível também, nas entrevistas, que o consumidor não busca informações a respeito do
produto orgânico, mas se vale da mensagem informal para a construção do quadro de
consumo do orgânico. Não houve, por exemplo, nos relatos observações específicas sobre
qual veneno é mais prejudicial ou se todos causam mal a sua saúde, ou, ainda, qual produto
seria mais afetado pelo uso do agrotóxico.
Em consideração às percepções dos entrevistados, também é possível depreender que a
preocupação principal nesse consumo ainda está relacionada ao bem-estar pessoal e com a
saúde da família. A preocupação com o meio ambiente é recorrente, mas a prática dos
discursos não necessariamente comprova essa questão.
A complexidade dos eventos denota que apenas uma abordagem não atende à demanda de
análise e que métodos quantitativos não são apropriados para evidenciar significados e
construções culturais. Conforme Miles (1979), não se deve considerar que métodos
qualitativos estão no contraponto de métodos quantitativos. O autor indica, portanto,
complementariedade entre e intra-técnicas.
No caso específico do consumo de orgânicos, de forma frequente, aquele participante que
buscava o “produto verde” e sem agrotóxico, representava o mesmo individuo que reclamava
do tamanho da hortaliça e de que possuía furos em suas folhas, geralmente provocados por
pragas, como lagartas. Cabe, portanto, relacionar os aspectos significacionais aqui
evidenciados.
O significado de um produto orgânico e “sem veneno” existe para esse consumidor para
resolver um problema de consciência de consumo. Ao comprar esse orgânico em uma feira de
“produtos verdes” o consumidor leva para casa o conceito de saúde e de bem-estar, aspectos
considerados politicamente corretos na contemporaneidade. Dessa forma, seu status de
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contribuição para a luta por melhores práticas de consumo é atingido. Imerso em um ambiente
de consumo vivencial, constituído pela interação entre produtores e consumidores de produtos
orgânicos, esse participante “escuta”, “aspira”, “sente” e “degusta” a feira. Seus sentidos são
convidados a vivenciar essa experiência sensorial, em um convívio próximo às origens das
hortas de produtos sem veneno. Observa-se que, mesmo em desacordo ao que é previsto e
realizado, esse participante pratica um estudo da cultura e dos significados relacionados ao
ciclo de sustentabilidade do século XXI.
De forma análoga ao caso dos orgânicos, é possível perceber essa questão de estudos de
significados, realizado com êxito por uma multinacional do universo de bebidas. Trata-se dos
premiados cases “Puppy Love” e “Lost Dog” da cerveja Budweiser, analisados a seguir.
A Budweiser apostou em uma história de amizade entre um cavalo e um cachorro para vencer
de forma sequencial o Super Bowl AdMeter, premiação anual promovida pelo jornal "USA
Today" para escolher as melhores propagandas exibidas durante a final do campeonato de
futebol americano, o Super Bowl. “A marca voltou a apostar na fórmula que fez sucesso em
2014 e mostrar mais uma aventura do filhote de cachorro e do cavalo que se tornaram amigos
inseparáveis” (G1.GLOBO.COM, 2015). A história trata da amizade e do espirito de luta de
dois animais para viverem juntos em uma fazenda. O comercial extrai o conceito de
significados relacionados ao ambiente vivencial de consumo de cerveja, ou seja, essa bebida
se consome entre amigos. Em vez de explorar diretamente a prática do consumo de álcool,
conforme frequentemente visto em comerciais relacionados, a marca apostou em uma forma
sutil de explorar o assunto. A relação entre cerveja e amizade rendeu bons resultados à
cervejaria Budweiser.
Considerações finais
Uma experiência sensorial de consumo se trata de uma prática vivencial relevante. Perceber
que o tato, o olfato, a visão, a audição e a degustação são relevantes em um consumo é estar
alinhado com o consumo de significados, construídos culturalmente. Trata-se de uma prática
atual de shopping experience que evoca os sentidos, previstos por autores como Holbrook e
Hirschman (1982) e McCracken (2003). Nesse sentido, estudos quantitativos como os
relacionados nesse ensaio, não são apropriados para a revelação dos significados contidos em
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uma experiência como a relatada no consumo de orgânicos ou na elaboração de filmes como
aqueles da Budweiser, ou ainda, como as estratégias elaboradas pela Mitsubishi Motors.
Essas diferenças não são facilmente perceptíveis, mas nesse exemplo de McCraken (2012), é
possível compreender a dinâmica entre uma visão crítica e cultural. Um filme da Disney pode
significar a mais alta manifestação para o consumo, manipulação da mídia e colocar o
consumidor no papel-chave de robô ou servo, ainda cego pelo brilho da mídia, porque a
Disney é a personificação do consumo e do consumismo. Foram seduzidos pela força da
propaganda que vende com o filme um portfólio amplo de outros produtos, recrutando
crianças e adultos ao mesmo consumo. Essa seria uma abordagem centrada na abordagem
crítica, em que o consumidor vive para consumir.
Em uma observação típica de etnografia urbana, ao se observar a dança da Pocahontas junto a
uma família comum, tem-se a oportunidade de realizar um ritual familiar. Para a filha, pode
significar uma das maiores lembranças de sua vida e para o pai, um resgate do que ele fora ou
poderia ter sido. Essa seria uma abordagem centrada na abordagem cultural, em que o
consumidor consome para viver.
Os dois fenômenos são possíveis, que ocorram em paralelo, ou de forma mais intensa como
manipulação ou significados. Essa sem dúvida representa uma oportunidade extra de
pesquisa.
Ressalta-se que se trata de investimentos consideráveis em tempo e recursos financeiros,
relacionando o tempo de vivência e envolvimento de participantes. Quando Malinovsky
(1978) pensou o processo etnográfico, possivelmente não previra que se transformasse em
uma ferramenta acurada para profissionais e acadêmicos de marketing. Ressalta-se que seria
essa a técnica dos antropólogos na busca pelos significados contidos nas práticas de consumo.
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