OS ANOS DE CHUMBO DE GEORGE HARRISON E GLAUBER ROCHA NO
CONTO “A HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO”, DE ANDRÉ SANT’ANNA
Aluna: Annalice Del Vecchio de Lima (UFPR)
Orientadora: Raquel Illescas Bueno (UFPR)
Ficção histórica: uma reinvenção
Este trabalho tem como objetivo demonstrar de que maneira o conto “A história
da revolução”, que integra o livro O Brasil é Bom, publicação mais recente do escritor
mineiro radicado em São Paulo André Sant’Anna, insere-se na produção literária
contemporânea do Brasil que, mesmo que não se autodenomine “ficção histórica”,
pode ser considerada herdeira da modalidade surgida no século XIX por ficcionalizar a
história de modo renovado. Também pretende perscrutar a maneira como o autor
recupera um determinado período da história do país, no caso a ditadura militar, pela
visão de um narrador-personagem desenvolvido com claras tintas autobiográficas.
No artigo O romance histórico ainda é possível?, o teórico Fredric Jameson,
como o próprio título anuncia, lança a indagação sobre a possibilidade da persistência,
no quadro atual da literatura, de um gênero (o romance histórico) que tem como
grande elemento definidor a capacidade de entrecruzar as dimensões do tempo
histórico e do tempo existencial dos indivíduos e seus destinos. Diante dessa
característica, afirma (mais como uma provocação) a inviabilidade do romance
histórico no período modernista, marcado por um subjetivismo que impede discernir-se
a objetividade da dimensão histórica. (JAMESON, 2007, p. 200) E, no entanto, é com
espanto que percebe o ressurgimento do gênero nas narrativas pós-modernas.
(JAMESON, 2007, p. 201), insinuando-se a possibilidade de um “sim” como resposta à
pergunta que intitula o artigo. O próprio Jameson conclui seu texto afirmando a
persistência do romance histórico: “(...) a necessidade irá produzir mais invenção, de
modo que insuspeitadas novas formas do gênero inevitavelmente irão abrir seus
caminhos” (JAMESON, 2007, p. 203).
Em Trajetos de uma forma literária, Perry Anderson apresenta alguns
argumentos contrários a ideias apresentadas por Jameson em seu artigo e investiga
as razões pelas quais o romance histórico atualmente se difundiu como nunca nos
âmbitos superiores da ficção. Ele analisa (2007), ampliando o raciocínio de Jameson,
que ao contrário das ideias de progresso e de verossimilhança que moviam o clássico
romance histórico, o persistente pano de fundo da ficção histórica do período pós-
moderno está justamente em seus antípodas: ditaduras militares, assassinatos raciais,
vigilância onipresente, guerra tecnológica e genocídio programado.
Não a emergência da nação, mas as devastações do império; não o progresso como
emancipação, mas a catástrofe iminente ou consumada. Em termos joycianos, a
história como um pesadelo do qual ainda não conseguimos despertar (ANDERSON,
2007, p. 219).
Formas, segundo o autor, originadas na ficção metahistórica que se espalharia
pela América Latina dos anos 1970 como fruto da própria experiência da derrota no
continente, que amargou a repressão da democracia, a expansão das ditaduras e os
desaparecimentos e torturas.
No Brasil, o quadro era semelhante, como analisa o pesquisador Silviano
Santiago em seu texto “Prosa literária atual no Brasil”. Ele vê a anarquia formal como
uma característica da prosa produzida no país nos anos 70 e 80 e, no entanto,
percebe um ponto em comum entre os escritores: a tendência ao memorialismo ou à
autobiografia. Se o texto modernista pendia para o memorialismo, abordando a família
e o clã, os jovens políticos, ex-exilados, encontravam na narrativa de cunho
autobiográfico a expressão mais adequada a um novo tipo de engajamento, numa
ficção que se relaciona à luta contra o regime repressivo. (SANTIAGO, 2002, p. 36-37)
Em meados da década de 80, romances como Boca do inferno (1989), de Ana
Miranda, vão retomar temas tradicionais da fundação da nação e da história brasileira,
ao passo que apresentam, como analisa o pesquisador Karl Erik Schollhammer, em
seu livro Ficção brasileira contemporânea, “uma reescrita da memória nacional da
perspectiva
de
uma
historiografia
metaficcional
pós-moderna,
valendo-se
frequentemente da irreverência” (SCHOLLHAMMER, 2009, p. 29).
O conto “A história da revolução”, de André Sant’Anna, um autor que começou
a publicar na década de 1990, contém características das narrativas memorialísticas e
autobiográficas de cunho político dos anos 1970 e 80 de que fala Silviano Santiago –
mas, ao contrário daquelas escritas pelos ex-exilados, inscreve-se na categoria de
ficção histórica por ser uma obra na qual “a inscrição dos fatos narrados em um
determinado tempo passado é decisiva para que eles tenham ocorrido como tal e, de
modo explícito ou não, o texto dialoga com o discurso histórico, ou melhor, com
discursos históricos” (WEINHARDT, 2006, p.137). Também realiza, em certa medida,
a metaficção histórica pós-moderna irreverente produzida no Brasil nas duas últimas
décadas, comprovando a capacidade de se reinventar da ficção histórica ao longo do
tempo, já mencionada por Jameson.
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Antes de dar início à análise do conto, no entanto, é importante traçar um
panorama geral do livro O Brasil é bom como um todo.
As várias vozes de um Brasil mediocrizado
A coletânea O Brasil é bom, publicada em março de 2014 pela Companhia das
Letras, reúne 22 narrativas curtas que revelam um olhar desencantado pelo Brasil e,
principalmente, pelos brasileiros. Na maior parte dos contos, o autor mineiro emula o
pensamento e a expressão de “imbecis, conservadores ou simplesmente patetas”,
como escreveu Luís Augusto Fischer em crítica publicada no jornal Folha de S. Paulo:
O livro se filia à vertente daquele Rubem Fonseca dos anos 1970, que levou mais de
um crítico a falar de “brutalismo”, em lugar de realismo: nesses textos, como nos de
Sant’Anna, o que se busca é impactar o leitor, ser de classe média e, portanto, acuado
pela violência urbana e pelas mazelas do Estado brasileiro (FISCHER, 2014).
Se em seu romance O paraíso é bem bacana (2006), narrativa cacofônica da
trajetória de um jogador de futebol, Sant’Anna já havia mergulhado no terreno da
crítica social, agora ele se apropria de pontos de vista como o do comunista de classe
média que odeia a classe C por invadir sua praia com som alto; o nacionalista que
culpa os direitos humanos pelo atraso do país; o fã de futebol que atribui a vitória da
seleção brasileira de 70 à ditadura; aquele que se acha superior porque ouve jazz e
planeja uma viagem para uma ilha na Indonésia que só ele conhece; o pastor em
busca do dízimo. Com essas vozes em primeira pessoa, o autor tece com
mordacidade um panorama das mentalidades ultraconservadoras que assolam o
Brasil atual. Para Schollhammer, essa é uma escrita diversa de tudo o que vem sendo
produzido pela geração do autor:
No caso de André Sant’Anna, sua escrita assume a alienação e o estranhamento
depositados na linguagem oral de personagens completamente codificados por seus
papeis sociais. Todos emburrecidos e preconceituosos, falam como se fossem
máquinas, sem profundidade e sem interioridade, valendo-se de clichês e lugarescomuns incessantemente (SCHOLLHAMMER, 2011, p. 71).
“A História da revolução”, no entanto, pertence a um conjunto de cinco contos
finais que fogem, em boa medida, da proposta principal do livro, embora se
mantenham em franco diálogo com ela. São textos de ficção autobiográfica, em que
Sant’Anna assume a persona de um George Harrison bem brasileiro para abordar
temas como o futebol, o rock e, especificamente no conto que será estudado, a
“revolução”, como sarcasticamente denomina a ditadura militar. Por vezes, ele
também é Glauber Rocha e, no conto “A história do futebol”, se traveste de craques
como Jairzinho, Manfrini e Rivelino para contar sua própria história.
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No conto que será analisado, o autor se propõe, já pelo título ambicioso, a
contar a “história da revolução”, como nomeia o Golpe ao longo de todo o texto,
ironizando militares e simpatizantes que até hoje usam o termo para se referir ao
regime militar – “(...) melhor usar a palavra revolução que é mais patética”
(SANT’ANNA, 2014, p. 23). Faz isso a partir de seu próprio umbigo, ou seja,
colocando-se como o narrador que, ora conta sua história em terceira pessoa, sob a
forma de seus duplos George Harrison e Glauber Rocha, ora em primeira pessoa.
Uma data, 1964, une os planos individual e coletivo da narrativa. O ano do nascimento
do autor-narrador, em Belo Horizonte, é o mesmo em que se instaura a ditadura militar
no país, como é explicado logo no início do texto:
Eu nasci em dezembro de 1964, portanto o George Harrison e até mesmo o Glauber
Rocha foram gerados em março de 1964, alguns poucos dias antes do Presidente
Jango ser deposto e uma junta militar assumir o poder executivo da pátria.
(SANT’ANNA, 2014, p. 22)
Neste período mundialmente conturbado e fervilhante, o mesmo “onde George
Harrison estava começando a ficar cabeludo” (SANT’ANNA, 2014, p. 22), nascia outro
George Harrison, na verdade, o próprio André Sant’Anna, que se traveste da persona
de seus ídolos da juventude, o ex-Beatle e Glauber Rocha, como um recurso para, por
meio de figuras que fizeram parte da história cultural do Brasil e do mundo no período
narrado, “amarrar” sua própria trajetória pessoal à trajetória do país. A música dos
Beatles, que revolucionou o rock mundial, e as ideias políticas do cineasta brasileiro
publicadas em jornais e compiladas em livros, foram fundamentais na construção e
organização da visão de mundo do autor – visão que estrutura, inclusive, a narrativa
deste conto.
Se por um lado, discos sensacionais como Abbey Road, dos Beatles, ouvidos
pelos amigos cabeludos dos pais, levaram o narrador a simpatizar com os “inimigos da
pátria, da família, de Deus” (SANT’ANNA, 2014, p. 24), que é como ele se refere com
ironia aos militantes de esquerda, por outro lado, são as ideias de Glauber Rocha
sobre o país que o farão desconfiar das novas esquerdas que, décadas depois da
abertura, “votaram no Eduardo Paes, alegando que o Gabeira era muito Zona Sul”
(idem, p. 26). É Glauber o ponto de inflexão que faz com que o discurso do narrador
não penda para uma defesa apaixonada de todo o ideário das esquerdas brasileiras –
que tratou de tachar o discurso de Fernando Gabeira sobre novas estéticas para uma
nova esquerda no livro O que é isso companheiro? de “viadagem, maconhice e
hipismo” (ibidem, p. 26). Ao fim do conto, um narrador desiludido com os rumos
tomados após a abertura política como, por exemplo, a eleição de um primeiro
presidente eleito democraticamente que “foi uma figura absolutamente ridícula, com
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um discurso altamente fajuto, cínico, de eztetyka mefistofélica”, conclui ser impossível
concretizar “o Brasil do Glauber Rocha e do Darcy Ribeiro e o amálgama brasileiro
que o (Jorge) Mautner diz haver” (ibidem, p.27).
A culpa é de Fidel: aproximações
André Sant’Anna, em seu conto, se aproxima em boa medida do que faz a
diretora Julie Gavras em seu primeiro longa-metragem de ficção, A culpa é de Fidel
(2006). Ambos, criam narrativas com personagens-narradores inspirados em suas
próprias vivências da infância. Julie é filha de Konstantin Costa-Gavras, cineasta grego
naturalizado na França que produziu um cinema político engajado nos anos de
chumbo, como Z (1968), Estado de sítio (1972) e Missing – Desaparecido (1982),
questionadores das ditaduras ao redor do mundo. O filme de sua filha é uma
adaptação livre do romance Tutta colpa di Fidel (1998), da jornalista italiana Domitilla
Calamai que, assim como Julie, cresceu num lar comunista. Espécie de tragicomédia
familiar histórica, tem como cenário a efervescente Paris de 1970, e retrata o ponto de
vista de uma menina de nove anos, Anna de la Mesa (Nina Kervel-Bey), sobre as
transformações políticas mundiais.
A pequena lady, que ensina os primos a comer laranja com garfo e faca,
frequenta um colégio católico e vive em uma bela casa com os pais, o irmão caçula e
a babá cubana, vê sua rotina quebrada com a chegada da tia e da prima, exiladas da
Espanha após o assassinato do tio pela repressão de Franco. Com a morte do
cunhado e a efervescência política da época, o pai de Anna (o ator Stefano Accorsi),
um advogado espanhol que vive na França desde jovem, decide abandonar o
emprego, trocar a casa por um pequeno apartamento e atuar como intermediário do
movimento para eleger Allende presidente do Chile. A mãe (a atriz Julie Depardieu)
também deixa seu posto como jornalista da revista Marie Claire para escrever um
livro-reportagem em prol do direito feminino à contracepção. A menina passa a
conviver conflituosamente com "barbudos" chilenos amigos de seu pai e mulheres
chorosas que dão depoimentos para o livro da mãe. É proibida pelos pais de assistir
às aulas de religião do colégio católico, de onde se recusou a sair, e precisa dividir o
beliche com o irmão. Infeliz com a perda das comodidades burguesas a que estava
acostumada, se rebela, mas com o tempo passa a ampliar sua visão de mundo.
Julie Gavras teve que se haver com sua condição de filha de um cineasta
engajado politicamente, que viveu sua infância em um lar comunista, até como forma
de ir em busca de uma linguagem própria como cineasta, que marcasse sua diferença
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em relação à obra do pai. Já André Sant’Anna costuma contar em entrevistas (MAIO,
2007; NADAL, 2012) que por muito tempo não tinha o menor interesse nos livros de
seu pai, o escritor Sérgio Sant’Anna – muitos menos em seguir seus passos. Preferiu,
durante muito tempo, a música e o teatro à literatura, e escolheu a publicidade como
ganha-pão – escolhas que se revelam em sua literatura. Seria ao rock, aliás, que se
dedicaria durante toda a década de 1980 como integrante do grupo carioca Tao e Qual
– até o lançamento de seu primeiro livro, Amor, em 1998.
Os personagens do filme e do conto, assim como seus autores,
acompanharam de perto o protagonismo de seus pais, que fizeram parte da geração
de jovens que esteve à frente das lutas políticas dos anos 60. George Harrison/André
Sant’Anna viveu em Paris em 1968, com três ou quatro anos de idade, quando o pai
era bolsista da Sorbonne, e também passou por Praga, na Primavera de Praga. A
visão privilegiada da infância sobre esse período histórico, no entanto, ao ser
retomada pela perspectiva do narrador adulto, como é o caso do personagem-narrador
de André Sant’Anna, ganha amplitude crítica. Ele ironiza sobre sua própria condição
ambígua como filho de “filhos de pais ricos que se tornavam hippies comunistas
desapegados dos bens materiais” e que, feliz com os brinquedos incríveis que o avô
paterno trazia de suas viagens como Secretário do Planejamento do Governo Castello
Branco, vivia “meio dividido entre a fartura burguesa (...) e o estilo meio hippie de ser”.
Uma sucessão de vivências levaria George Harrison a achar mais legal ser “um hippie
comunista” a um “burguês e dono de altos exércitos e da NASA” (SANT’ANNA, 2014,
p. 24).
Ao contrário da menina Anna, que narra sua história do momento em que está
vivendo, aos 9 anos, o personagem-narrador de André Sant’Anna narra do presente e,
portanto, da perspectiva do adulto que já concebeu um ponto de vista amadurecido
sobre os acontecimentos históricos narrados. E seu olhar é o de alguém que avalia
sua história pessoal e consegue revelar em sua própria árvore genealógica reflexos
das idiossincrasias de todo um país – neste ponto, seu conto se filia a uma vertente
explorada, de maneira semelhante, por escritores brasileiros contemporâneos como
Silviano Santiago, no romance Heranças (2008), e Chico Buarque, em Leite
derramado (2009), em que “(...) a memória individual figurada nas duas obras pode ser
lida como reverberação da memória coletiva da sociedade brasileira no período
ficcionalizado” (WEINHARDT, 2012, p. 245).
O avô materno do pequeno George Harrison era um caboclo mameluco da
selva que foi para Belo Horizonte “asfaltar tudo” e se casou com uma moça da
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tradicional família mineira. O avô paterno saiu de Goiás rumo a São Paulo “com umas
notas de dinheiro costuradas no bolso do paletó”, casou-se no Rio de Janeiro com
uma moça cheia de culpa católica e, formado em direito com especialização em
economia, trabalhou nos governos de Vargas, Dutra, Juscelino e Castello Branco
(SANT’ANNA, 2014, p. 22). O narrador não se recusa em sair ele próprio na foto, ao
estender as reflexões sobre a família ao seu próprio tempo, revelando “neuroses
transmitidas de geração em geração”. Menciona, mordaz, que os pais de George
Harrison eram de “outra turma e não pensavam muito em dinheiro como o George tem
que pensar hoje, o tempo todo, já que dinheiro é a coisa mais importante que existe, já
que a mãe e o pai de George eram de esquerda e tinham valores hippies e socialistas”
(idem, p. 23).
Ao usar o recurso da repetição, entre outras formas estilísticas, recorrendo
inúmeras vezes a termos como “hippies” e “socialistas” para tratar seus pais, André
Sant’Anna cria um discurso poluído por pontos de vista estranhos ao seu, o que
aproxima o conto das primeiras histórias do livro O Brasil é bom. Essa profusão de
vozes que, em um primeiro momento, confunde o leitor desatento, revela o brasileiro
contra quem Sant’Anna desfere suas flechas: aquele preconceituoso, alienado,
desprovido de interioridade e que se vale de clichês e lugares-comuns o tempo todo.
O mesmo brasileiro que fala na mesa ao lado do restaurante por quilo frequentado
pelo George Harrison do conto, já adulto, que “bom era na época da ditadura”
(SANT’ANNA, 2014, p. 27). E, dessa forma, torna visíveis as pegadas do passado nos
caminhos presentes – seja expressando o discurso saudosista de alguns pela
ditadura, seja em frases inconsequentes como “bandido tem é que dar porrada, tem é
que ir pra pena de morte essa porra”.
Desfechos
Pode-se afirmar que, diante de todos os elementos dispostos acima, o conto de
André Sant’Anna é capaz de dar resposta afirmativa à indagação de Jameson sobre a
possibilidade de existência da ficção histórica em tempos pós-modernos. Afinal,
encaixa-se com desenvoltura nos traços descritos pelo pesquisador que identificam o
romance histórico reinventado, ou seja, aquele que, subvertendo as regras clássicas
do gênero explicitadas por George Lukács em O Romance histórico,
pode misturar livremente os tempos, combinando ou entretecendo passado e
presente; exibir o autor dentro da própria narrativa; adotar figuras ilustres como
personagens centrais, e não apenas secundárias; propor situações contrafactuais;
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disseminar anacronismos; multiplicar finais alternativos; traficar com apocalipses
(JAMESON, 2007, p. 217).
André Sant’Anna constrói uma narrativa de características contemporâneas,
em que explicita a relação entre a alienação e ignorância de boa parcela dos
brasileiros nos dias de hoje e um passado de opressão e violência institucionalizada
promovido por um governo antidemocrático. Amarra os dois tempos ao longo de toda
a narrativa – feita, aliás, por um autor-narrador que olha para o passado, vivenciado
por ele em seu período de formação, sob as lentes do presente. Adota figuras bem
conhecidas da história da música e do cinema como espécies de alteregos de si
mesmo, no caso deste conto, Glauber Rocha e George Harrison. E “trafica com
apocalipses” ao descrever passado e presente como realidades desalentadoras, ou
seja, percebe a “história como um pesadelo do qual ainda não conseguimos despertar”
(ANDERSON, 2007, p. 219)
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