1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
NÚCLEO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA - NCT
MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E MEIO AMBIENTE –PGDRA
SANDRA DA CRUZ GARCIA MAGALHÃES
Artigo apresentado à Universidade Federal de
Rondônia, no curso de mestrado em
Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente,
como requisito avaliativo na disciplina de
Políticas Públicas e Meio Ambiente, sob
orientação dos Profs. Dr. Artur de Sousa Moret e
Dr.Manuel Antonio Valdés Borrero.
Porto Velho
Agosto/2006
2
Estudo dos Impactos sociais e ambientais decorrentes dos projetos
hidrelétricos de Jirau e Santo Antônio - Reflexões preliminares 1
Sandra da Cruz Garcia Magalhães 2
Seis anos semearás o teu campo, e seis anos podarás a tua
vinha, e colherás os seus frutos. Porém, no sétimo ano, haverá sábado
de descanso solene para a terra, um sábado ao SENHOR; não semearás
o teu campo, nem podarás a tua vinha. O que nascer de si mesmo na tua
seara não segarás e as uvas da tua vinha não podada não colherás; ano
de descanso solene será para a terra. Levítico 25:3-5
RESUMO
A oferta e uso de energia é condição vital para a consolidação e ampliação do potencial de
desenvolvimento local. A idéia em realizar este estudo, surgiu da crescente discussão que ora se
apresenta, em relação à construção de pelo menos duas usinas hidrelétricas no rio Madeira, uma vez
que o que está sendo disseminado nos ‘bastidores”da cidade, é que a construção destes
empreendimentos trará maior oferta de energia para a região, além de desenvolvimento para a região
onde estas serão instaladas. O objetivo deste estudo foi o de gerar algumas reflexões que circundam os
conflitos sócio ambientais decorrentes dos projetos em tela, pautado numa breve discussão sobre
Desenvolvimento sustentável, além de mostrar a realidade no que tange às pessoas que serão
primeiramente atingidas. Neste aspecto, pretende-se, portanto, com este artigo, levantar algumas das
questões consideradas centrais, como entender o histórico brasileiro que se tem, derivado dos
problemas oriundos da construção de barragens tanto na Amazônia legal, como fora dela. Para que isto
ocorra, foi necessário contextualizar alguns aspectos anteriores aos conflitos que ora se iniciam.
Conclui-se que há a necessidade de maiores discussões que norteiem ao atores envolvidos, no sentido
de informar melhor como direcionar a sustentabilidade da região e o seu desenvolvimento.
PALAVRAS CHAVE: Sustentabilidade, Desenvolvimento Sustentável, hidrelétricas
ABSTRACT
The energy supply and use is an essential condition for the consolidation and improvement of
the local development potencial. The idea in achieving this research, arose from the growing discussion
present at this moment, regarding the construction of at least two hydroeletric power plants at the
Madeira river, since the disseminated idea at the ‘backstage’ of the town, is that, these constructions
will bring greater energy supply, besides development to the region. The main objective of this study
was to stimulate some reflections that encircle the social and environmental conflicts, resulting from
this kind of projects, based in a brief discussion on the subject of Sustainable Development, moreover
to show the reality of the people directly affected by these constructions. In this feature, this article
intends to rouse some of the main considered questions, such as to understand the brazilian historical,
derived from problems caused by the construction of dams, as much as at the Amazônia Legal, as
outside from it. For this happens, it was necessary, to include in the context some background aspects
to the conflicts that nowadays begins. One concludes that it has the necessity of major discussions that
guide the involved actors, in the direction of provide better knowledge on how to dealing with the
sustainability and development of the region.
Keywords: Sustainability , Sustainable Development, Hydroeletric Power Plants
1
Artigo apresentado à Universidade Federal de Rondônia, no curso de mestrado em Desenvolvimento Regional e
Meio Ambiente, como requisito avaliativo na disciplina de Políticas Públicas e Meio Ambiente, sob orientação
do Prof. Dr. Artur de Sousa Moret e Dr. Manuel Antonio Valdés Borrero.
2
Aluna do mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente
3
1.
Introdução
Nas últimas décadas, a sociedade tem assistido um intenso processo
transformação, sob a influência de vigoroso processo desenvolvimentista, que pode ser
analisada sob o prisma dos impactos negativos que causa, tanto nos aspectos sociais como nos
aspectos ambientais. Discussões a respeito da culpabilidade da degradação em foco apontam
de um lado o “homem” como agente da degradação e de outro “nós”, os mesmos “homens”
como agentes passivos desta degradação.
O fato é que o avanço tecnológico e científico, facilmente identificada nos últimos
séculos, eleva o poder predatório do homem sobre a frágil natureza, que desprotegida,
pressente sua incapacidade de reagir. Em meio a esta crise, surge, neste contexto, segundo
Matos (1997), as primeiras propostas de desenvolvimento sustentável, discutidas
primeiramente em Estocolmo e materializadas na Conferência Rio-92. Pela primeira vez,
sentiu-se a globalização dos problemas ambientais, e a partir daí o discurso em torno de
sustentabilidade está cada vez mais presente em todos os ambientes.
A definição mais disseminada de sustentabilidade, enquanto desenvolvimento, é a
do Relatório de Brundtland (WCED, 1987), que considera que o “desenvolvimento deve
satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras
para satisfazerem suas próprias necessidades”. Apesar de não ser a única, e da falta de
consenso na definição, esta visão focaliza o longo prazo e os interesses inter-geração, que se
baseia nas dimensões econômica, ambiental e social, intimamente relacionados.
Em meio ao emaranhado de definições, autores como Temple (1992), afirma que o
uso massivo do termo significa que este representa muitas coisas e nada ao mesmo tempo.
Neste contexto, definir qual a melhor metodologia que represente o Desenvolvimento
Sustentável torna-se uma árdua tarefa. Pensando nisso, optou-se por trabalhar com
algumas definições como ferramenta, de forma a melhor demonstrar outras visões que
configurem os impactos sócio-ambientais. Assim, o objetivo deste estudo foi o de provocar
algumas reflexões que circundam os conflitos sócio-ambientais decorrentes dos projetos
em tela, quanto ao impacto das políticas públicas adotadas no desenvolvimento social e
ambiental gerados pelas obras, à perspectiva de fortalecimento das atividades econômicas
4
dos atores envolvidos diretamente, e quanto à substituição das formas assistencialistas para
atender a população de menor poder aquisitivo, pautado numa breve discussão sobre
Desenvolvimento Sustentável, para que se pudesse analisar sob outros ângulos os
problemas sociais e ambientais, derivados de tão vultuosos empreendimentos. Além disso,
pretendeu-se mostrar as diversas realidades dos atores envolvidos no entorno, em seus
diversos aspectos.
O artigo caracteriza-se na sua metodologia como uma revisão de literatura dentro
das abordagens a respeito de impactos sociais e ambientais e hidrelétricas, e as situações
associadas causados em outras experiências . Para isso fora realizadas leituras e
apontamentos de autores, tais como: Artur Moret, Célio Bermann e Ildo Luis Sauer, que
tratam a respeito do tema em questão. Esse estudo trás as reflexões preliminares sobre as
relações existentes entre os problemas causados pelos impactos sociais e ambientais, e
como estes se conectam com o desenvolvimento sustentável.
2. O Desenvolvimento Sustentável: características gerais
Pensar em desenvolvimento sustentável, nos remete a pensar em meio ambiente, à sua
constante degradação, à industrialização alicerçada em desmatamento, mutações ambientais e
perda do solo. Por muito tempo, a relação homem X natureza foi visto sob a ótica de crenças
religiosas como uma ação predatória do primeiro sobre o segundo. Segundo Siena, hoje, esses
mesmos são vistos como os detentores da solução para muitos dos problemas ambientais que
se vivem hoje, visão esta que é um dos fundamentos de sustentabilidade.
O advento da Revolução Industrial trouxe consigo um outro tipo de relação homem X
natureza (Capra, 1999). Pôde-se reconhecer outros tipos de desemprego e pobreza. Considerando
estes aspectos, Malthus 3 observou que a população deveria parar de crescer, porque havia um
limite para produção de alimentos devido à escassez de terra e a perda de fertilidade do solo.
3
Thomas Malthus (1766-1834) considerou que a revolução industrial aconteceu devido ao crescimento
populacional e não em conseqüências das instituições humanas, formulando a chamada teoria da população ou
dos limites – segundo a qual era insustentável o crescimento geométrico desenfreado da população, frente ao
aumento linear da produção de alimentos.
5
A necessidade de um conceito que definisse Desenvolvimento Sustentável em todo seu
arcabouço originou-se com as idéias precursoras de Shumacher 4 (1982) com o livro Small is
beautiful, ou “O negócio é ser pequeno”, o qual defende um estilo de vida baseado no
associativo e habilidades manuais. Passa pela Conferência das Nações Unidas (ONU) de
Estocolmo (1972) onde é inicialmente reconhecida a importância da gestão ambiental. Nesta
mesma época, um grupo conhecido como Clube de Roma reúne-se para analisar a crise
ambiental. Porém o conceito surge formalmente com o Relatório Brundtland (Matos, 1997),
sendo a Rio-92, a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento e Ambiente, de maior
relevância para tratar da crise ambiental como a Agenda 21 e Desertificação.
Em vista da multiplicidade de conceito de desenvolvimento sustentável, o desafio
passa a ser estabelecer uma definição mais genérica e unificada, que considere o crescimento
dos centros urbanos frente à capacidade de suporte dos ecossistemas:
“Do ponto de vista econômico, a possibilidade de crescimento tem que
ser definida de acordo com a capacidade de suporte dos ecossistemas,
pensando-se simultaneamente em maior equidade e aumento da
eficiência econômica (que suavize os processos de elevação da
entropia). Essas são regras iniciais de um modelo de desenvolvimento
sustentável, que deve contemplar objetivos ecológicos relacionados
com a integridade dos ecossistemas, com a manutenção da capacidade
de suporte dos sistemas naturais, com a preservação da biodiversidade
(necessária para assegurar a evolução biológica), com o respeito aos
limites do meio ambiente físico. (CAVALCANTI, 2001)”.
Desta forma os conceitos e princípios de DS ainda estão sendo desenvolvidos,
alicerçado numa perspectiva de crescimento sem a adequada consideração dos efeitos sobre a
qualidade de vida, a ecologia e as habilidades das futuras gerações. O que se deseja é
encontrar um equilíbrio entre a manutenção do crescimento econômico, uso prudente dos
recursos naturais e proteção ambiental e o progresso social que reconheça a necessidade de
todos.
4
Ernest Fritz Shumacher (1982), lançou em 1979 o livro Small is beautiful, fazia parte de vertente da economia
política, surgida no século XX, chamada de economia orgânica ou “descentralista”, cuja idéia chave da sua
filosofia econômica é a introdução explícita de valores no pensamento econômico.
6
3. Contextualização
O rio Amazonas se apresenta como o maior rio da bacia amazônica, com extensão
aproximada de 6.500 km. A figura 01 mostra a sua bacia hidrográfica, que ocupa 46,5% do
território nacional, e possui um potencial hidroelétrico de 485.426,8 GWh, além de
navegabilidade de 25.000 km2 , ou seja, 60% da rede navegável do país. Descarrega no
Oceano Atlântico aproximadamente 20% do total que chega aos oceanos em todo o planeta, e
tem uma vazão média anual da ordem de 180.000 m3/s. 5 Tal volume d'água é o resultado do
clima tropical úmido característico da bacia, que alimenta a maior floresta tropical do mundo.
(http://www.brcactaceae.org/hidrografia.html#amazonas)
Os rios da bacia amazônica se apresentam, em sua maioria, como rios de planície,
possuindo baixa declividade. O rio Madeira é o seu maior afluente, e contribui com 20% de
todo o seu volume. Sua vazão tem grande variabilidade dependendo da época do ano, em
abril, durante a cheia, sua vazão pode chegar a 30.200m3 e a 5.600 m3 , em setembro, na seca.
Figura 01.Bacia Hidrográfica Amazônica
Fonte: http://www.aneel.gov.br/area.cfm?id_area=105
5
Esta é a vazão média anual do Rio Amazonas em Óbidos, distante 960 km da foz.
7
No Brasil, a dependência do setor hidrelétrico é expressiva para o seu desenvolvimento
econômico. Segundo o Balanço Energético Nacional 6 , este setor contribui para a matriz
energética nacional, com 83% de toda a energia elétrica gerada no país.
No Brasil, a dependência do setor hidrelétrico é expressiva para o seu desenvolvimento
econômico. Segundo o Balanço Energético Nacional 7 , este setor contribui para a matriz
energética nacional, com 83% de toda a energia elétrica gerada no país.
Capacidade Instalada
Cerca de 60% da capacidade hidrelétrica instalada no país, pertence à Bacia do Rio
Paraná, enquanto as Bacias do Atlântico Norte/Nordeste e Amazônica somam 1,5% do total.
No entanto, verifica-se um esgotamento dos potenciais daquelas bacias com índice de
aproveitamento 8 que variam de 40% a 64% (Atlas de Energia Elétrica do Brasil-AEEB).
Expressando índices bem menores, na Bacia Amazônica, o índice de aproveitamento é de 25%
desse potencial hidrelétrico estimado.
Este baixo aproveitamento da Bacia Amazônica se dá pela predominância de planícies
na região, grande diversidade biológica e a distância dos grandes centros consumidores. No
entanto, o rápido crescimento e desenvolvimento da região centro-sul, e a evidente
preponderância de planaltos gerou um esgotamento dos potenciais daquelas regiões.
Posteriormente, pela interiorização do país, a demanda de energia tem crescido e requerido um
maior aproveitamento hidráulico nas regiões mais remotas. No Brasil, havia em 2003,
segundo o AEEB, 517 centrais hidrelétricas em operação, das quis 73% eram de pequeno
porte 9 .
Os projetos hidrelétricos proposto pelo Governo prevêem a instalação de pelo menos
duas hidrelétricas no Rio Madeira e está no plano decenal de expansão de energia no Brasil,
desde o século passado. Ainda que pesem a crescente participação de outras fontes de energia,
6
O Balanço Energético Nacional é o documento oficial do Ministério de Minas e Energia, destinado a registrar
estatísticas de energia. Os dados são de 2003.
7
O Balanço Energético Nacional é o documento oficial do Ministério de Minas e Energia, destinado a registrar
estatísticas de energia. Os dados são de 2003.
8
Índice de Aproveitamento é a razão entre o potencial aproveitado e o potencial existente
9
Pequeno Porte- micro e pequenas centrais hidrelétrica, num total de 378 centrais
8
a hidroeletricidade prevalece na expansão do setor elétrico. As hidrelétricas do Rio Madeira:
Jirau, proposta para ser construída a 128 km do centro de Porto Velho e Santo Antônio,
distante apenas 3 km, ainda que propostas pelo Governo Federal, vêm sendo refutadas por
diversos setores da sociedade, em contrapartida aclamada por outros atores.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, MMA, serão acrescentados à Matriz
Energética Nacional cerca de cerca de 7.500 MW que serão decisivos, para evitar déficit de
energia caso a economia cresça a uma taxa de 4% ao ano na próxima década. Está previsto
ainda a implantação na região Amazônica, da usina de Belo Monte 10 , que somadas às duas
primeiras, totalizariam cerca de 12.000 MW, ou 10% da capacidade total instalada do Sistema
Integrado Nacional- 11 SIN projetado para 2015. Do total de produção de eletricidade do país,
apenas 3,4% da capacidade de encontra-se fora do SIN, em pequenos sistemas isolados
localizados, sobretudo na região amazônica. As três usinas são classificadas no "Plano
Decenal" como de impacto socioambiental entre "muito significativo" e "significativo".
Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica-ANNEL, fazem parte do
licenciamento a Licença Prévia (LP), que garante a viabilidade ambiental , a Licença de
Instalação (LI), que autoriza o início das obras, caso os empreendimentos sejam considerados
viáveis ambientalmente e a Licença de Operação (LO), que garante o funcionamento do
empreendimento. Esta última requer um EIA/RIMA completo e aprovado pelo Conselho
Estadual do Meio Ambiente após audiências e participação pública no processo. Só então a
licença para instalação e operação pode ser concedida pela Agência Nacional de Energia
Elétrica. (ANEEL-2006)
Considerando que os projetos propostos para o desenvolvimento implantados no
Brasil, sobretudo na região Amazônica produziram impactos ambientas e sociais graves, tais
como Transamazônica e as UHEs de Tucuruí e Balbina, entre outros (Cartilha Viva o Rio
Madeira Vivo, 2006), é necessário estudar em profundidade estes empreendimentos, de modo
10
A Hidrelétrica de Belo Monte está projetada para ser construída no rio Xingu, no Pará, no trecho do rio
denominado Volta Grande do Xingu, numa área indígena.
11
Sistema Integrado Nacional- Atualmente o SIN é formado pelas empresas das regiões Sul, Sudeste, CentroOeste, Nordeste e parte da região Norte.
9
a não se repetir os transtornos causados por projetos semelhantes. Os estudos de impacto
ambiental - EIA e o relatório de impacto ambiental - RIMA, segundo o artigo 5º da Resolução
do Conama nº 01:
“Devem ser elaborados, por equipe multidisciplinar e
contemplará todas as alternativas tecnológicas e de localização
de projeto, confrontando-as com a hipótese de sua não-execução,
a identificação e avaliação sistemática dos impactos ambientais
gerados nas fases de implantação e operação e a definição dos
limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada
pelos impactos, denominada área de influência do projeto.
Levará ainda em consideração a bacia hidrográfica na qual se
localizam, os planos e programas governamentais, propostos e
em implantação na área de influência do projeto, e sua
compatibilidade com o empreendimento cujos impactos estão
sendo avaliados.”
Estes estudos e relatórios é que direcionam os órgãos competentes a tomar a decisão,
mas nesse caso específico, estão de um modo geral, com informações pouco aprofundadas, e
ferem as mais diversas legislações, sejam de caráter ambiental, sejam aquelas necessariamente
técnicas, além de conter informações discrepantes e equivocadas que confundem o leitor.
Tornou-se comum no Brasil, que estes relatórios que avaliam os impactos sejam apresentados
de forma segmentada. Esta forma isolada de se tratar o assunto, não permite que haja a
interação entre os meios físico, sócio–econômico e cultural. Assim, a ação antrópica é
fragmentada, e uma percepção mais aprofundada é neutralizada. Sobre isto, Machado (2000)
observa: “Os impactos deverão ser avaliados em suas propriedades cumulativas e
sinergéticas”. Segundo o Glossário de Termos Usuais em Ecologia (2000), sinergismo “é a
associação simultânea de dois ou mais fatores que contribuem para uma ação resultante
superior àquela individualmente pelos fatores sob as mesmas condições”. Destarte, observase que,
“...a possibilidade do DS, especialmente no
âmbito dos sistemas energéticos, é diferente a cada momento e a
cada instância geográfica, tudo referido ao ser humano, em suma,
afetado, ou modelado, por elementos socioeconômicos (riscos,
fraquezas e restrições),pelos recursos e fontes (uso não racional,
suprimento desigual) e pelo Meio Ambiente...” (GRIMONI et
alli, 2004).
10
4. Impactos sociais e ambientais
Os potenciais aproveitados para geração da energia elétrica na região amazônica,
requerem a inundação de extensas áreas, dada a formação plana do relevo local, para a
formação do lago. Na maioria dos casos as áreas “afogadas” são áreas produtivas e de grande
diversidade de fauna e flora, demandando a relocação de contingentes de pessoas atingidas12
com promessas e garantias nem sempre cumpridas.
Um exemplo recente, aconteceu com a população dos atingidos da UHE em Lajeado,
que segundo Cirineu Rocha, apenas 70% da população foi cadastrada e antes da licitação da
obra, houve contratação de empresa com informações privilegiada sobre a população
tradicional local para ameaçar a população atingida a vender as terras a baixo custo, e se
deslocarem forçosamente para outros locais. Identificou-se ainda naquela região: promessas
de melhores condições de vida às famílias e implantação e execução de programas; violação
dos direitos elementares e alimentares, pela apropriação dos meios de produção da população
atingida, negando o Projeto Básico Ambiental; não é considerado o meio de produção das
vilas (trabalho em agricultura ou são proprietários rural).
A formação do reservatório, que ocupará no total 210 km e com um espelho de km2 ,
de uma área já antropizada,
provocará a formação de microclimas ao longo do lago,
favorecendo a procriação de determinadas espécies em detrimento de outras que poderão ser
extintas. Outro perigo iminente é o rompimento de barragem, que, acontecendo causará
12
Para SEVÁ FILHO atingido “seriam todos aqueles que no momento da ‘remoção’, efetivamente residem,
trabalham ou detém propriedades, construções e benfeitorias em todos os terrenos que serão requisitados para
os canteiros de obras para a retirada de material de construção, para o perímetro de inundação, mais as
margens e faixas de proteção do ‘lago’, e ainda nos terrenos que serão limpos ou cortados por linhas e estações
de transmissão, por vilas residenciais e alojamentos, por remanejamento de estradas e de sedes urbanas”
11
problemas irreversíveis, além de alteram o funcionamento dos Rios; geram resíduos nas
atividades de manutenção de seus equipamentos.
A respeito deste último item, segundo Tavares (2006), o Ibama cobrou do
empreendedor à dinâmica de sedimentos do rio Madeira, que varia devido a velocidade das
águas, o que poderia vir a comprometer a vida útil do reservatório. Na falta desta resposta o
empreendedor a licença não será aprovada, uma vez que o rio Madeira é o maior rio em
volume de sedimentos carreados do Brasil e o terceiro maior do planeta.
A Amazônia brasileira, não foi feliz na construção de seus grandes empreendimentos,
haja visto os problemas decorrentes das Usinas de Tucuruí e Balbina. Outro projeto realizado
para esta região, e que ainda não saiu do papel é a Usina de Belo Monte, pois para aumentar o
fator de capacidade e viabilizá-la, será necessário regularizar a vazão do rio Xingu, através da
construção das outras quatro usinas, que formarão reservatórios com áreas tão grandes que a
própria Eletronorte tem receio de divulgar. O fato é, afirma Célio Bermann 13 que, ao contrário
do que diz a Eletronorte e o governo, o Brasil não precisa de Belo Monte. A Eletronorte
rebate 14 , afirmando que caso não se utilize o potencial hidroenergético da Amazônia,
economicamente e ambientalmente viável, será necessária a implantação de usinas térmicas
utilizando combustíveis fósseis e usinas nucleares para suprir as necessidades energéticas
brasileiras. Acrescenta que a emissão de CO2 pelas usinas termelétricas é muitas vezes
superior à emissão de gases pelo reservatório da hidrelétrica de Belo Monte, se considerarmos
a energia gerada equivalente.
Segundo Fenilli, os principais impactos sócio-econômicos provocados pela
implantação de Barragens Hidrelétricas são: Criação de expectativas, Alteração do cotidiano
da população, Alteração demográfica, Intensificação do tráfego, Alteração no quadro de
saúde, Perda de terras e benfeitorias, Desestruturação da unidade de produção familiar,
Interferência no fluxo turístico da região. Acrescenta-se a este quadro os empregos
temporários, que geram uma falsa sensação de prosperidade local.
Célio Bermann, é professor do curso de pós-graduação em Energia do Instituto de Eletrotécnica e Energia
da USP e membro da Coordenação do Programa Brasil Sustentável e Democrático, em seu artigo “O Brasil não
precisa de Belo Monte”.
13
14
AEletronorte rebate- da Equipe técnica da Eletronorte em artigo intitulado “O Brasil precisa de Belo Monte”.
12
Para Artur Moret, Coordenador da Campanha de resistência à hidrelétricas "Viva Rio
Madeira Vivo", os empregos gerados serão, em sua maioria, temporários e as melhores
posições ocupadas por trabalhadores de fora do estado. "A movimentação de trabalhadores é
enorme e segundo informações não oficiais, esse montante chega a três vezes a oferta de
empregos, exigindo assim do poder público municipal atendimento das demandas crescentes
de saúde, de educação, de transporte, de infra-estrutura, de moradia,etc". O diretor de
contratos da Odebrecht, José Bonifácio, por sua vez, concentrou-se em ressaltar os possíveis
benefícios dos empreendimentos: “Com a devida qualificação, vamos dar preferência à
população local na contratação para os cerca de 12 mil novos empregos diretos, com duração
de 9 a 10 anos”. “Vamos injetar cerca de R$ 50 milhões por ano na economia local, o que
possibilitará o incremento de serviços fundamentais”, afirma o diretor. Segundo cálculos de
especialistas na área, afirma Derivi, “R$ 50 milhões por ano para Porto Velho, que sofrerá um
aumento populacional enorme, possivelmente chegando a 500 mil habitantes, é muito pouco.
Isso significa 100 reais por ano por habitantes. Não é nada”. Atualmente a cidade tem cerca de
380 mil habitantes.
É inegável, que no tangente às normas, os aspectos sociais e humanos foram
sensatamente considerados nas preocupações do poder público quanto às questões ambientais.
O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) define como impacto ambiental
qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causadas
por qualquer forma de matéria ou energia que, segundo Moret (2005), resultante das
atividades humanas afetem a saúde, a segurança e o bem estar da população; as atividades
sociais e econômicas.
5. Considerações Finais
Com este trabalho, pretendeu-se mostrar alguns dos aspectos positivos e negativos de
uma política energética brasileira cuja função primeira seria desenvolver o país, beneficiando
a maioria da população, sem distinção de classes sociais e prestar um serviço de qualidade.
Porém, no decorrer do tempo, observa-se uma mudança de foco da política energética
nacional, que ao invés de defender os interesses nacionais, passou a priorizar os interesses de
13
grupos transnacionais, segundo Branco Adriano Murgel Branco 15 (2002) observou a partir de
uma análise do processo de concessão de serviços públicos no Brasil, e a forma em que se
estruturou o setor energético brasileiro na visão de Joaquim Francisco de Carvalho 16 . É
necessário compreender que a energia se constitui em um bem de interesse público pela sua
importância no desenvolvimento econômico e social.
Para Bermann, é possível afastar as perspectivas de falta de energia para os próximos
anos adotando-se quatro soluções para aumentar a oferta. Primeira, reduzindo as perdas no
sistema elétrico brasileiro. Segunda, repotenciando as usinas com mais de 20 anos. Terceira,
gerando energia em sistemas descentralizados através das PCH’s - Pequenas Centrais
Hidrelétricas e de usinas eólicas que aproveitam a energia dos ventos. Quarta, aproveitando
biomassa (bagaço de cana ou resíduos do papel e celulose) em co-geração. Soluções que,
segundo ele, já deveriam ter sido adotadas há muito tempo, o que evitaria o quadro atual.
6. Referências
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(organizador).- São Paulo: Paz e Terra, 2002
15
Adriano Murgel Brancoé engenheiro e ex-secretário de Transportes do Estado de São Paulo.
16
Joaquim Francisco de Carvalho é mestre em engenharia nuclear, foi diretor industrial da NUCLEN.
14
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