OS FIOS QUE TECEM: REFLEXÕES SOBRE A REDE DE
ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES DO ESTADO
DO PIAUÍ
Ianara Silva Evangelista1
RESUMO
O presente trabalho tem como intuito compreender a Rede de Enfrentamento à Violência contra as
Mulheres do Estado do Piauí, como instrumento de articulação para as mulheres em situação de violência
que precisam desse atendimento especializado, objetivando identificar quais são os serviços oferecidos,
quais as atribuições de cada serviço e os fluxos de atendimento. A violência contra as mulheres é uma
manifestação histórica e desigual das relações de poder entre mulheres e homens, que se constitui como
uma das principais formas de violação dos direitos humanos, atingindo-as em seus direitos à vida, à saúde
e à integridade física. A violência doméstica e familiar contra a mulher é um problema universal que
atinge milhares de mulheres, de diversas formas, silenciosa e dissimuladamente, sendo permeada por
aspectos que conformam as relações entre os sexos e que propiciam para a mulher uma situação de
vulnerabilidade ou risco de violência. O enfrentamento à violência estabelece a articulação e os esforços
entre os mais diversos segmentos da sociedade, através dos poderes executivos das três esferas – União,
Estados e Municípios –, aliados aos legislativos e judiciários, movimentos sociais, em especial, os
movimentos de mulheres, de feministas e de direitos humanos. Dessa forma, durante a pesquisa, utilizarei
referências que abordam temas sobre as políticas públicas para mulheres, violência contra as mulheres,
rede de enfrentamento, rede de atendimento e produções acadêmicas de autoras e autores que dialogam a
respeito do enfrentamento à violência contra as mulheres, bem como, visitas in loco aos serviços para
captar informações sobre as atribuições e os fluxos. Portanto, o material exposto pretende trazer à tona
reflexões sobre o enfrentamento à violência contra as mulheres e pensar estratégias de avaliação e
monitoramento dos serviços aqui mencionados.
Palavras Chave: Rede; Violência; Políticas Públicas; Mulheres.
Bacharela e Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Especialista em
Projetos Sociais: Elaboração e Captação de Recursos, pela Faculdade Adelmar Rosado – FAR.
Especialista em Educação Popular, Movimentos Sociais e Direitos Humanos, pela Universidade Estadual
do Piauí – UESPI. Atualmente, Estudante do Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas em
Gênero e Raça, pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail para contato:
[email protected]
1
2
INTRODUÇÃO
Desde 2004, ano da minha inserção no Curso de Bacharelado em Ciências
Sociais, pela Universidade Federal do Piauí, me deparei com os Estudos de Gênero ao
cursar algumas disciplinas de sociologia e antropologia. Uma dessas disciplinas
marcantes foi o Tópico Especial em Sociologia com o tema “Gênero, Família e Poder”,
tendo na ementa obras e artigos sobre violência contra as mulheres, que aguçaram meu
interesse pelo tema, exatamente dois anos depois da criação e sanção da Lei Maria da
Penha, lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Desse modo, ainda na graduação,
desenvolvi uma pesquisa na disciplina Estágio Supervisionado sobre o atendimento da
Delegacia Especializada no Atendimento às Mulheres (DEAM) na zona norte da cidade
de Teresina, Estado do Piauí.
No final de 2011, tive a oportunidade de trabalhar na gestão pública, dentro de
um Organismo Estadual de Políticas para as Mulheres – OPM. Este OPM era é a
Diretoria da Unidade de Políticas para as Mulheres – DUPM, da Secretaria da
Assistência Social e Cidadania do Estado do Piauí – SASC/PI. Em 2014, fui aprovada
numa Seleção Simplificada da Secretaria da Mulher do Recife para atuar como
Socióloga na função de Analista de Promoção de Políticas para as Mulheres. Assim,
trabalhei na Prefeitura da Cidade do Recife – PCR, durante um ano, uma experiência
singular.
Atualmente, estou trabalhando na Coordenadoria Estadual de Políticas para as
Mulheres do Piauí vinculada ao Governador do Estado e que tem por finalidade o
planejamento, a coordenação, a execução e a articulação das políticas públicas para as
mulheres no âmbito do Estado do Piauí. Integra a estrutura básica da Coordenadoria, o
Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher (CEDDM-PI), como órgão
consultivo, assegurando sua plena participação nas atividades políticas, sociais,
econômicas e culturais do Estado, que digam respeito às mulheres.
A partir das minhas experiências e atuação no movimento feminista e na gestão
pública, em especial, atuando nos Organismos de Políticas para as Mulheres me fez
perceber a existência da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as
Mulheres e, sobretudo, atuar diretamente na Rede de Enfrentamento à Violência contra
as Mulheres a partir da articulação da Câmara Técnica Interinstitucional do Pacto
Estadual de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Piauí.
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Mediante o exposto, o presente artigo visa compreender a Rede de
Enfrentamento a Violência contra as Mulheres do Estado do Piauí, como instrumento de
articulação para as mulheres em situação de violência que precisam desse atendimento
especializado, objetivando identificar quais são os serviços oferecidos, quais as
atribuições de cada serviço e os fluxos de atendimento.
Durante a pesquisa, utilizarei referências bibliográficas que abordavam temas
sobre as políticas para mulheres, violência contra a mulher, rede de enfrentamento, rede
de atendimento e produções acadêmicas de autoras e autores que dialogam acerca do
enfrentamento à violência contra as mulheres. Foram realizadas algumas visitas in-loco
aos serviços especializados para coletar informações acerca das atribuições do seu
respectivo atendimento, fundamentado com uma extensa referência bibliográfica como
poderá ser percebido. Portanto, o material exposto pretende trazer à tona reflexões sobre
o enfrentamento à violência contra as mulheres e pensar estratégias de avaliação e
monitoramento dos serviços aqui mencionados.
1 VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES: UMA QUESTÃO DE GÊNERO
Aqui, o gênero é compreendido como construção social que uma dada cultura
estabelece em relação a homens e mulheres, ou como define Scott (1995), é um
“elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre diferenças percebidas entre
os sexos” sendo, portanto, “um meio de decodificar o sentido e de compreender as
relações complexas entre diversas formas de interação humana” (SCOTT, 1995, p. 14).
Ressalta-se, porém, que o conceito de gênero é amplo, e engloba tanto a
violência de homens contra mulheres quanto à de mulheres contra homens (SAFFIOTI,
2004). A violência de gênero pode ser praticada “por um homem contra outro, por uma
mulher contra outra”, no entanto, o “vetor mais amplamente difundido da violência de
gênero caminha no sentido homem contra mulher, tendo a falocracia como caldo da
cultura” (SAFFIOTI, 2004, p. 71), embora essa violência de gênero estatisticamente
demonstra que grande parte é cometida sobre as mulheres por homens (STREY, 2004).
E a violência doméstica costuma ser empregada como sinônimo de violência familiar e
também de violência de gênero.
A violência contra a mulher é uma manifestação histórica e desigual das
relações de poder entre mulheres e homens, que tem conduzido a “dominação da mulher
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pelo homem, discriminação do homem contra a mulher, provocando impedimentos
contra o seu pleno desenvolvimento” (TAVARES e PEREIRA, 2007, p. 13).
A violência contra a mulher é aceita de maneira naturalizada pela sociedade
que, de certa forma, é influenciado através de instituições como a família, escola e/ou
igreja e, também pelo poder público que não acolhe de modo aceitável a luta das
mulheres, ao não propor políticas com definições mais claras e precisas sobre as
questões e discriminações de gênero (OLIVEIRA e CAVALCANTI, 2007).
É a violência que “incide, abrange e acontece sobre/com as pessoas em função
do gênero ao qual pertencem”. É um produto histórico e social (STREY, 2004). Trata-se
de um problema mundial ligado ao poder, privilégios e controle masculinos.
Acredita-se que a violência pode ser superada através de ações realizadas em
conjunto que possibilitem mudanças profundas nas relações de gênero. Ela está presente
em todas as sociedades e em todas as classes sociais independentes do nível de
educação ou de renda, etnia/raça, idade, religião, nacionalidade, orientação sexual,
gênero, geração, condição de saúde e várias outras especificidades (TAVARES e
PEREIRA, 2007). Na maioria das situações, expressam-se de forma explícita, como nos
casos de espancamentos e assassinatos. Tavares e Pereira (2007) complementam que a
violência pode apresentar-se, no entanto, de forma implícita, como nos casos de
violência simbólica e outras modalidades mais sutis de opressão e maus-tratos.
A expressão violência doméstica costuma ser empregada como sinônimo de
violência familiar e, não raramente, de violência de gênero (SAFFIOTI, 1999). Aqui se
utiliza o termo violência de gênero e violência contra as mulheres como termos
correlatos2. A violência doméstica e familiar contra a mulher é um problema universal
que atinge milhares de mulheres, em grande número de vezes de forma silenciosa e
dissimuladamente. A violência contra a mulher é permeada por aspectos que
conformam as relações entre os sexos e que propiciam para a mulher uma situação de
vulnerabilidade ou de risco de sofrerem violência.
Diante desse fenômeno, várias ações vêm se desenvolvendo no sentido de
tornar visível o fenômeno da violência contra as mulheres, tendo sido protagonizado
2
Compreendida na violência de gênero, a violência familiar pode ocorrer no interior do domicílio ou fora
dele, embora seja mais frequente o primeiro caso. A violência intrafamiliar extrapola os limites do
domicílio. Um avô, cujo domicílio é separado do de seu (sua) neto (a), pode cometer violência, em nome
da sagrada família, contra este (a) pequeno (a) parente (a). A violência doméstica apresenta pontos de
sobreposição com a familiar. Atinge, porém, também pessoas que, não pertencendo à família, vivem
parcial ou integralmente, no domicílio do agressor, como é o caso de agregadas (os) e empregadas (os)
domésticas (os) (SAFFIOTI, 2004, p. 71)
5
pelo Movimento de Mulheres e Movimento Feminista no Brasil e mundo afora, e as
políticas existentes no âmbito do poder público é fruto de toda essa mobilização social.
O percurso seguido pelas mulheres para a garantia de direitos é longo, no entanto,
também é longa a persistência e luta das mulheres na busca do reconhecimento de sua
cidadania.
Nesta breve contextualização sobre a violência contra a mulher, fica notório
que os movimentos organizados de mulheres, a sociedade civil e os grupos feministas
têm conseguido sensibilizar os governantes para o papel do Estado na consolidação dos
direitos das mulheres e no enfrentamento à violência contra as mulheres. Só que apesar
destes avanços, os gestores públicos precisam enfrentar muitos desafios ao elaborar e
implementar políticas públicas para o enfretamento da violência contra as mulheres.
Muitas conquistas já foram somadas a luta das mulheres. No Brasil, no período
de 1985 a 2002, instalou-se as Delegacias Especializadas no Atendimento às Mulheres
(DEAM’s) e Casas-Abrigo tendo sido esses os principais serviços da política de
enfrentamento à violência contra as mulheres, cuja ênfase estava na segurança pública e
na assistência social (SPM, 2011).
Concretamente, foi em 2003, com a criação da SPM/PR que teve uma
reestruturação e avanço relevante da Política Nacional de Enfrentamento à Violência
contra as Mulheres, por meio da aplicação das diretrizes para uma atuação alinhada dos
organismos governamentais nas três esferas da Federação.
Somado a esses avanços, temos a lei Nº 11.340, de 07 de agosto de 2006,
popularmente conhecida como Lei Maria da Penha3, que tem sido uma das maiores
conquistas na luta pela garantia dos direitos humanos, no que tange a criminalização da
violência contra as mulheres.
Em 2007, foi lançado o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra
às Mulheres consolidando a necessidade de uma rede articulada de atendimento à
mulher, tendo em vista que o enfrentamento da violência requer ações conjuntas dos
diversos setores envolvidos na questão, pois a noção de enfrentamento vai além do
combate, compreendendo as dimensões da prevenção, da assistência e da garantia de
direitos das mulheres.
3
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres.
6
2 INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À
VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
O ano de 2003 é considerado um marco histórico para a sociedade brasileira,
sobretudo, para as mulheres, com a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres
(SPM) da Presidência da República (PR) que representa a luta das mulheres para a
garantia das políticas públicas que promovam equidade de gênero no Brasil.
Com a criação da SPM/PR, as políticas públicas de enfrentamento à violência
contra as mulheres também foram instituídas a partir da conceitualização de diretrizes e
normas, aliadas a definição de ações estratégias para a gestão, avaliação, controle social
e monitoramento das políticas públicas para as mulheres.
Nesse sentido, as políticas públicas para o enfrentamento à violência contra as
mulheres são expandidas, passando a ter ações integradas, tais como: “criação de
normas e padrões de atendimento, aperfeiçoamento da legislação, incentivo à
constituição de redes de serviços, o apoio a projetos educativos e culturais de prevenção
à violência e ampliação do acesso das mulheres à justiça e aos serviços de segurança
pública” (BRASIL, SPM, 2001, p. 07)
Assim, foram elaborados vários documentos, normas e leis que retratam essa
expansão e a integração dos serviços, como por exemplo: os Planos Nacionais de
Políticas para as Mulheres, a Lei Maria da Penha, a Política e o Pacto Nacional pelo
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, as Diretrizes de Abrigamento das
Mulheres em situação de Violência, as Diretrizes Nacionais de Enfrentamento à
Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta, Norma Técnica do Centro de
Atendimento à Mulher em situação de Violência, Norma Técnica das Delegacias
Especializadas de Atendimento à Mulher, dentre outros (BRASIL, SPM, 2011).
Aqui faço menção, especificamente, ao Pacto Nacional pelo Enfrentamento à
Violência contra as Mulheres que está dividido em cinco eixos de atuação: 1) garantia
da aplicabilidade da Lei Maria da Penha; 2) ampliação e fortalecimento da rede de
serviços para mulheres em situação de violência; 3) garantia da segurança e acesso à
justiça; 4) garantia dos direitos sexuais, direitos reprodutivos e enfrentamento a
exploração sexual e ao tráfico de mulheres; e 5) garantia da autonomia das mulheres em
situação de violência e ampliação de seus direitos.
Dessa forma, pontuo os eixos estruturantes da Política Nacional de
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres: 1) prevenção, com ações educativas e
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culturais que interfiram nos padrões sexistas; 2) combate, com ações punitivas e
cumprimento da Lei Maria da Penha; 3) assistência, através da Rede de Atendimento e
capacitação de agentes públicos; 4) garantia de direitos, através cumprimento da
legislação nacional / internacional e 5) iniciativas para o empoderamento das mulheres.
No Estado do Piauí, mesmo considerando as ações existentes voltadas para a
garantia dos direitos das mulheres, a partir dos anos de 1980 e 1990, como fruto da
organização do movimento feminista e de mulheres, quando se deram algumas
conquistas como a implantação da primeira Delegacia Especializada no Atendimento às
Mulheres, na Capital, é inegável que o avanço considerável na construção de uma
política voltada para as mulheres ocorreu a partir de 2003, quando foram criados
serviços a nível governamental para o atendimento às mulheres em situação de violência
consolidado com a assinatura do Pacto Estadual pelo Enfrentamento à Violência contra
as Mulheres, ocorrido no início do segundo semestre de 2009, sendo firmado um acordo
federativo entre o Governo do Estado do Piauí e a Secretaria de Políticas para Mulheres
da Presidência da República.
3 MAS AFINAL, POR QUE TRABALHAR EM REDE?
A rede de dormir é resultado da união de vários fios, tão unidos que nos
garantem a proteção para que possamos nos espalhar, ficar à vontade, protegidos para
repousar e ter um bom descanso. A estrutura dos fios que unem e se transformam numa
rede de dormir não é hierárquico, pelo contrário é uma união que faz com que cada
ponto seja importante na construção e proteção de quem irá utilizá-la e neste tipo de
rede que teremos por base.
Com base nessa concepção de rede e para o enfrentamento da violência contra
as mulheres, a SPM/PR nos traz definido o conceito de Rede de Enfrentamento e como
ela se dá na efetivação da garantia de direitos para as mulheres, porém, é importante
dizer que atualmente a Rede está sendo avaliada e tudo indica que passará por
reformulações.
A construção de redes de serviços para o enfrentamento da violência contra a
mulher se constitui em uma das estratégias mais relevantes e desafiadoras
para a erradicação de um problema tão complexo e multifacetado, que destrói
vidas e compromete o desenvolvimento pleno e integral de milhões de
meninas e mulheres no Brasil e no mundo (CARREIRA; PANDJIARJIAN,
2003, p. 10)
8
Com a reestruturação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra
as Mulheres tivemos também uma inovação muito significativo com o incentivo a
formação de redes compostas por todos os serviços especializados que atendem às
mulheres em situação de violência, por meio da “construção de redes de serviços
públicos que articulem as atuações governamentais e não-governamentais em áreas
como segurança pública, saúde, educação, assistência psicossocial, trabalho, habitação,
entre outras” (CARREIRA; PANDJIARJIAN, 2003, p. 04), numa perspectiva de
oferecer um atendimento integral.
4 CONCEITUANDO A REDE DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA
CONTRA AS MULHERES
Com a existência dos serviços especializados e a necessidade de uma ação
integrada, a partir de 2010, a Rede de Atendimento às Mulheres em Situação de
Violência passa por mudanças em seu conceito e tem se destacado no seu sentido mais
amplo: Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.
Considerando a complexidade e a ampliação dos serviços especializados da
Rede de Atendimento, houve a necessidade de uma redefinição do seu conceito,
incluindo novos parceiros que até então não estavam incluídos no enfrentamento à
violência contra as mulheres, como por exemplo: os Organismos de Políticas para as
Mulheres, os Serviços de Responsabilização e Educação do Agressor, os Núcleos de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, etc.
Segundo a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) da Presidência da
República (PR), o conceito de Rede de Enfrentamento à violência contra as mulheres
diz respeito à:
(...) atuação articulada entre as instituições/serviços governamentais, nãogovernamentais, a comunidade, visando ao desenvolvimento de estratégias
efetivas de prevenção e de políticas que garantam o empoderamento e
construção da autonomia das mulheres, os seus direitos humanos, a
responsabilização dos agressores e a assistência qualificada às mulheres em
situação de violência. Portanto, a Rede de Enfrentamento tem por objetivos
efetivar os quatro eixos previstos na Política Nacional de Enfrentamento à
Violência contra as Mulheres (combate, prevenção, assistência e garantia de
direitos) e dar conta da complexidade do fenômeno da violência contra as
mulheres (BRASIL, SPM, 2011).
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Esses novos parceiros, mesmo não envolvidos na assistência, no atendimento
diretamente com as mulheres em situação de violência, desenvolvem funções muito
relevantes no enfrentamento, na prevenção da violência e na garantia de direitos das
mulheres, passando a serem incluídos na Rede de Enfrentamento à Violência contra as
Mulheres, ampliando assim a Rede para além do atendimento especializado, mas,
inserindo agentes governamentais e não-governamentais.
5 CONCEITUANDO A REDE DE ATENDIMENTO ÀS MULHERES EM
SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
Já para o conceito de Rede de Atendimento é algo mais específico, baseado nos
serviços de atendimento, a SPM/PR refere-se à:
(...) atuação articulada entre as instituições/serviços governamentais, nãogovernamentais e a comunidade, que refere-se ao conjunto de ações e
serviços de diferentes setores (em especial, da assistência social, da justiça,
da segurança pública e da saúde), visando à ampliação e melhoria da
qualidade do atendimento; à identificação e encaminhamento adequado das
mulheres em situação de violência; e ao desenvolvimento de estratégias
efetivas de prevenção. A constituição da rede de atendimento busca dar conta
da complexidade da violência contra as mulheres e do caráter
multidimensional do problema, que perpassa diversas áreas, tais como: a
saúde, a educação, a segurança pública, a assistência social, a cultura, entre
outras (BRASIL, SPM, 2011, p. ).
A relevância para a criação dessa Rede de Atendimento diz respeito também a
rota crítica que a mulher em situação de violência percorre, pois, essa rota possui muitas
portas-de-entrada (Delegacias, Centros de Referência, Serviços de Saúde, Defensorias,
entre outras) que devem atuar de forma conjunta, integrada e articulada no sentido de
prestar um atendimento integral e que não revitimizante às mulheres em situação de
violência.
O acolhimento e o atendimento a essas mulheres são momentos extremamente
relevantes para a conscientização e a ação reflexiva das mesmas, assim como para o
apoio necessário neste momento conflitivo e angustiante (STREY, WERBA e NORA,
2004).
Para consolidação da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, a
SPM/PR, em 2010, amplia o conceito de Rede, incluindo não somente os órgãos e
instituições que lidam diretamente com a violência contra as mulheres, mas, com
parceiros que desempenham papéis extremamente importantes no combate, na
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prevenção e garantia de direitos das mulheres. E, a partir dessa reformulação, conceituase Rede de Enfrentamento e Rede de Atendimento, conforme o quadro abaixo:
REDE DE ENFRENTAMENTO
REDE DE ATENDIMENTO
Contempla todos os Eixos da Política Refere-se somente ao eixo da Assistência
Nacional
(combate,
prevenção, / atendimento
assistência e garantia do direito).
Inclui órgãos responsáveis pela gestão e Restringe-se ao serviço de atendimento
controle social das políticas de gênero, (especializado e não-especializado).
além, dos serviços de atendimento.
E mais ampla que a rede de atendimento Faz parte da rede de enfretamento à
às mulheres em situação de violência.
violência contra mulheres.
Tabela 01: Principais Características da Rede de Enfrentamento e da Rede de Atendimento às Mulheres
em Situação de Violência (retirado da publicação: BRASIL, SPM, 2011, p. 15).
6 PACTO ESTADUAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLENCIACONTRA AS
MULHERES DO PIAUÍ
O Pacto Estadual de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres têm como
objetivo principal articular ações interinstitucionais a fim de fortalecer a Rede de
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres no Estado do Piauí, possibilitando o
desenvolvimento de ações de forma eficazes no atendimento às mulheres em situação de
violência e ampliando os vários serviços oferecidos pelo Estado. O pacto é regido por
legislações internacionais, nacionais e estaduais que fundamentam as políticas
desenvolvidas pelos Estados Brasileiros.
No Estado do Piauí, a adesão do Pacto se deu no dia 06 de julho de 2009, com
a assinatura de um Termo de Cooperação Federativo entre a Secretaria de Políticas para
Mulheres (SPM) da Presidência da República (PR) e o Governo do Estado do Piauí.
A partir dessa adesão foi instituída a Câmara Estadual Interinstitucional do
Pacto Estadual de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Piauí, através do
Decreto nº 13.745, de 06 julho de 2009, tem como objetivo elaborar e monitorar a
implementação do Pacto Estadual de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres do
Piauí. A Câmara Técnica é integrada por representante (titular e suplente) dos seguintes
órgãos/entidades:
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I. Secretaria Estadual da Assistência Social e Cidadania do Piauí (SASC);
II. Secretaria Estadual de Saúde (SESAPI);
III. Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP);
IV. Secretaria Estadual da Justiça e de Direitos Humanos (SEJUS);
V. Secretaria Estadual do Trabalho e Empreendedorismo (SETRE);
VI. Secretaria Estadual de Educação e Cultura (SEDUC);
VII. Secretaria Estadual do Planejamento (SEPLAN);
VIII. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí;
IX. Procuradoria Geral de Justiça;
X. Defensoria Pública do Estado do Piauí;
XI. Associação Piauiense de Municípios (APPM);
XII. Assembleia Legislativa do Estado do Piauí (ALEPI);
XIII. Gênero, Mulher, Desenvolvimento e Ação para Cidadania (GEMDAC);
XIV. Federação dos Trabalhadores e das Trabalhadoras na Agricultura Familiar
(FETAG);
XV. Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários (FAMCC);
XVI. Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher (Supervisão).
7
SERVIÇOS
DA
REDE
ESTADUAL
DE
ENFRENTAMENTO
/
ATENDIMENTO ÀS MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
No Piauí, a Rede Estadual de Enfrentamento e Atendimento às Mulheres em
Situação de Violência está estruturada nas quatro principais categorias, a partir das
orientações da SPM/PR, da seguinte forma:
1. Serviços Especializados de Atendimento à Mulher: são os serviços que atendem
especificamente às mulheres em situação de violência, incluindo os seguintes
serviços: Centros Especializados de Atendimento à Mulher em situação de
violência (Centros de Referência de Atendimento à Mulher, Núcleos de
Atendimento à Mulher em situação de Violência, Centros Integrados da
Mulher), Serviços de Abrigamento (Casas Abrigo, Casas de Acolhimento
Provisório / Casas-de-Passagem), Delegacias Especializadas de Atendimento à
Mulher,
Núcleos
da
Mulher
nas
Defensorias
Públicas,
Promotorias
Especializadas, Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher, Casa da Mulher Brasileira. (BRASIL, SPM, 2011);
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2. Serviço de Atendimento Geral: são os serviços não-especializados de
atendimento às mulheres em situação de violência, isto é, em que o atendimento
não é especificamente para às mulheres, porém, constituem como as portas-deentrada para as mulheres na Rede de Atendimento (BRASIL, SPM, 2011);
3. Órgão de Informação, Orientação e Políticas Públicas: são os órgãos
responsáveis pela elaboração, execução e controle das políticas para as
mulheres, com serviços de orientação e informação às mulheres em situação de
violência, tendo destaque, os Organismos de Políticas para as Mulheres, as
Coordenadorias dos Tribunais de Justiça do Estado, as Ouvidorias, Central de
Atendimento à Mulher – Disque 180, os Conselhos de Defesa dos Direitos das
Mulheres (BRASIL, SPM, 2011);
4. Serviços de Segurança e Defesa Social: são os serviços de Segurança Pública e
de garantia dos direitos” (BRASIL, SPM, 2011).
Neste sentido, organizei e estruturei a Rede Estadual de Enfrentamento à
Violência contra as Mulheres do Piauí, em forma de tabela para ajudar na visualização,
ficando assim:
Centro de Referência para Mulheres Vítimas
de Violência “Francisca Trindade”
Casa-Abrigo “Mulher Viva”
Delegacia Especializada no Atendimento à
Mulher (DEAM’s)
Núcleo de Defesa da Mulher em Situação de
Violência Doméstica da Defensoria Pública
1. Serviços Especializados de
Atendimento à Mulher
do Estado do Piauí
Juizado de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher – Núcleo Multidisciplinar
Lei Maria da Penha
Núcleo de Promotoria de Justiça de Defesa
da Mulher Vítima de Violência Doméstica e
Familiar (NUPEVID)
Serviço de Atendimento à Mulher Vítima de
Violência Sexual (SAMVVIS)
Núcleo Policial Investigativo de Feminicídio
13
no Piauí4
Casa da Mulher Brasileira5
- Centro de Referência da Assistência Social
(CRAS)
2. Serviço de Atendimento
Geral
- Centro de Referência Especializada da
Assistência Social (CREAS)
-
Centro
de
Referência
Homossexual
“Raimundo Pereira”
-
Coordenadoria
Estadual
de
Políticas
Públicas para Mulheres
- Coordenadoria Municipal de Políticas
Públicas para Mulheres de Teresina
- Coordenadoria Municipal da Mulher de
Pedro II
- Coordenadoria da Mulher em Situação de
3. Órgão
de
Informação, Violência Doméstica e Familiar do Tribunal
Orientação
e
Políticas de Justiça do Estado do Piauí
Públicas
- Ouvidorias
- Ouvidoria da Secretaria de Políticas para as
Mulheres
- Conselho Estadual de Defesa dos Direitos
das Mulheres do Piauí
- Central de Atendimento à Mulher: Disque
180 (Secretaria de Políticas para as Mulheres
da Presidência da República)
4. Serviços de Segurança e
Defesa Social
- Polícia Civil e Militar
- Instituto de Medicina Legal (IML)
- Penitenciária Feminina
Tabela 2: Serviços da Rede de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência (elaborado pela autora
deste artigo)
4
Este Núcleo será o responsável pela investigação de casos de violência contra mulheres, travestis e
transexuais.
5
No Estado do Piauí, para a construção da Casa da Brasileira, ainda está sendo escolhido o terreno para a
obra.
14
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violência contra as mulheres ocorre no mundo inteiro e atinge mulheres de
todas as faixas etárias, de todos os níveis escolares, de todas as raças/etnias, de todos os
credos religiosos e orientação sexual. Esse processo de construção se dá por meio da
criação e educação, tanto de homens, como de mulheres, que estabelecem e reproduzem
relações desiguais de gênero, baseados numa cultura machista e patriarcal, que
concentra o poder e a dominação dos homens sobre as mulheres.
O enfrentamento à violência estabelece a articulação e os esforços entre os
mais diversos segmentos da sociedade, através dos poderes executivos das três esferas –
União, Estados e Municípios –, aliados aos legislativos e judiciários, movimentos
sociais, em especial, os movimentos de mulheres, de feministas e de direitos humanos.
Estes que trouxeram à tona o problema da violência doméstica, nos anos de 1970 e 1980
e na década seguinte fortaleceu as discussões sobre as políticas para as mulheres num
processo de luta e de conquista de direitos.
Dentro dessa pauta de avanços e conquistas, a violência doméstica e familiar
contra as mulheres passa a se constituir como uma das formas de violação de direitos
humanos e, consequentemente, há um significativo ganho político quando consideramos
leis, como a Lei Maria da Penha, as cotas partidárias e eleitorais, o planejamento
familiar, a união estável, o feminicídio, além da criação de serviços especializados para
o atendimento às mulheres em situação de violência, que atuam num viés de
enfrentamento a todas as formas de violência contra as mulheres.
A partir da institucionalização dos serviços especializados deve-se priorizar
pela capacitação e qualificação profissional da equipe técnica da Rede de Atendimento
às mulheres em situação de violência, através de oficinas, rodas de diálogos sobre as
relações de gênero, por meio da construção de novas atitudes dos técnicos, numa
abordagem que ofereça o atendimento integral, articulado e humanizado e para que não
haja a revitimização das mulheres atendidas.
Acompanhando as diretrizes da política nacional, o Piauí tem conseguido
avançar na implantação de vários serviços especializados e outras ações governamentais
necessárias ao enfrentamento à violência contra as mulheres. O Estado já se encontra
com diversos serviços instalados para o atendimento às mulheres, como assistência
social, psicológica e jurídica, porém, a consolidação, a efetivação e a visibilidade desses
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serviços encontram-se prejudicadas, o que causa um prejuízo ainda maior às mulheres
que demandam os serviços.
Entretanto, levando em conta a demanda existente, muitos são os desafios que
se apresentam para a ampliação e estruturação de uma política de governo que chegue
aos 224 municípios do Estado, serviços especializados, eficientes e que garanta uma
Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres articulada e capaz de superar os
indicadores da violência doméstica e familiar contra as mulheres.
Contudo, é nítido que muito se avançou com a Política de Enfrentamento à
Violência contra as Mulheres, no entanto, é imprescindível que as ações estejam
articuladas e integradas entre os serviços especializados. Assim, o material exposto
pretende problematizar, provocar o debate em torno do enfrentamento à violência contra
as mulheres e pensar estratégias de avaliação e monitoramento dos serviços aqui
mencionados.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Pacto
Nacional de Enfretamento à Violência contra as Mulheres. Coleção: Enfrentamento
à Violência contra as Mulheres. Brasília, 2011.
BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Rede
de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Coleção: Enfrentamento à
Violência contra as Mulheres. Brasília, 2011.
CARREIRA, Denise & PANDJIARJIAN, Valéria. Vem pra roda, vem pra rede!:
Guia de apoio à construção de redes de serviços para o enfrentamento da violência
contra a mulher. São Paulo, Rede Mulher de Educação, 2003.
SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação
Perseu Abramo, 2004. – (Coleção Brasil Urgente)
_________________. Já se mete a colher em briga de marido e mulher. São Paulo
Perspec., Out./Dez. 1999, vol.13, no.4, p.82-91. ISSN 0102-8839.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Tradução: Christine
Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. Edição SOS Corpo, Recife, 1993, p. 13-25.
Original inglês.
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In: STREY, Marlene Neves; AZAMBUA, Mariana P. Ruwer de; JAEGER, Fernanda
Pires (orgs.). Violência, Gênero e Políticas Públicas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
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_________________; WERBA, Graziela C.; e NORA, Thais C. “Outra Vez essa
mulher?” Processo de atendimento a mulheres em situação de violência nas delegacias
da mulher no RS. In: STREY, Marlene N. (Orgs.) Violência, Gênero e Políticas
Públicas. Porto Alegre: EDICPUCRS, 2004.
TAVARES, Fabrício André e PEREIRA, Gislaine Cristina. Reflexos da dor:
contextualizando a situação das mulheres em situação de violência doméstica.
Revista Virtual Textos & Contextos, n˚ 8, dez. 2007.
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